Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
795/20.5T8VNF.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A reconvenção implica uma modificação do objeto da ação a qual, em vez de se circunscrever ao pedido formulado pelo autor, passa a ter também por objeto um pedido formulado pelo réu.
A sua admissibilidade depende de requisitos de ordem processual e de ordem substantiva, sendo que estes últimos se prendem com a necessária conexão que tem de existir entre os dois pedidos e que se encontram elencados nas als. a) a d), do nº 2, do art. 266º, do CPC.
II - A necessidade de conexão entre os pedidos do autor e do réu não se confunde com a autonomia desses pedidos: os dois pedidos têm que apresentar algum dos elementos de conexão elencados nas alíneas a) a d) do nº 2 do art. 266º, do CPC; porém os pedidos têm de ser autónomos no sentido de que o réu não se pode limitar a formular um pedido que coincida quanto aos seus efeitos com o que resultaria da improcedência do pedido formulado pelo autor.
III – Na ação em que a autora pede a declaração da validade e eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento com efeitos em 31.8.2019 e a ré se defende alegando que tal oposição não é válida e eficaz e pede, por via reconvencional, que se declare que a renovação do contrato ocorreu não pelo prazo de 1 ano previsto no contrato, mas antes pelo prazo de três anos imperativamente fixado na lei, a ré formula pretensão que transcende os meros efeitos decorrentes da improcedência da ação, sendo de admitir a reconvenção por a mesma constituir pedido autónomo e emergir do facto que serve de fundamento à defesa.
IV – A oposição à renovação do contrato de arrendamento não é uma causa autónoma de extinção do contrato, é apenas uma das causas conducentes à caducidade.
Assim, a norma do art. 1097º, do CC, que regula a forma de oposição à renovação deduzida pelo senhorio é uma norma sobre a caducidade do contrato de arrendamento, na medida em que disciplina o modo como essa causa de extinção do contrato pode vir a ocorrer na sequência de uma manifestação de vontade nesse sentido por parte do senhorio, e tem natureza imperativa visto estar abrangida nas matérias referidas no art. 1080º, do CC.
V – Como tal, é inválida a cláusula contratual que fixa um prazo para oposição à renovação do contrato pelo senhorio inferior ao que resulta da norma imperativa do art. 1097º, nº 1, do CC.
VI - Dispondo a nova redação do art. 1096º, do CC, introduzida pela Lei 13/2019, de 12.2, sobre o conteúdo da relação jurídica de arrendamento, e abstraindo a mesma do facto que lhe deu origem, é de concluir que a situação se enquadra na 2ª parte do art. 12º do CC, sendo a nova redação aplicável às relações já constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor.
VII - O art. 1096º, nº 1, do CC, na nova redação introduzida pela Lei 13/2019, de 12.2, fixa um prazo de renovação mínimo de três anos de natureza imperativa não podendo as partes convencionar um prazo de renovação inferior.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

RELATÓRIO

INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS X, S.A. intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra GRUPO Y, S.A. pedindo:

a) a declaração da cessação, a 31 de agosto de 2019, mediante oposição à renovação deduzida pelo senhorio, do contrato de arrendamento celebrado entre autora e ré;
b) que seja decretado o despejo e a ré condenada a entregar, de imediato, à autora o imóvel livre e desocupado e no estado de conservação e limpeza que se encontrava à data da celebração do contrato de arrendamento;
c) a condenação da ré no pagamento à autora do valor de € 4 337,03, a título de indemnização referente aos meses de setembro de 2019 a fevereiro de 2020;
d) a condenação da ré no pagamento de todas as rendas, elevadas ao dobro, nos termos do estatuído no n.º 2 do artigo 1045.º do Código Civil, que, entretanto, se vencerem até efetiva restituição à autora do locado cuja entrega é peticionada;
e) a condenação da ré no pagamento dos juros vincendos, contados desde a data da entrada em juízo da petição, sobre as quantias de que é devedora e até efetivo e integral pagamento à autora.

Como fundamento dos seus pedidos, alegou, em síntese, que é dona e legítima proprietária do prédio urbano sito na Rua ..., n.º .., em ..., Vila Nova de Famalicão, que arrendou à Y Charcutaria - ..., S.A., através de contrato com prazo certo, celebrado pelo período de dois anos, sucessivamente renovável por períodos de um ano, que teve o seu início em 1 de setembro de 2014, mediante o pagamento da renda de € 700, anualmente atualizável, e que atualmente se cifra em € 719,84.
A ré incorporou a arrendatária Y Charcutaria - ..., S.A. pelo que sucedeu na posição de arrendatária desta última.
Em 8 de maio de 2019, respeitando a antecedência de 60 dias prevista no contrato de arrendamento, a autora enviou à ré uma carta comunicando a sua oposição à renovação automática do contrato, o qual, consequentemente, cessaria em 31 de agosto de 2019, data em que o imóvel deveria ter sido entregue à autora.
Contudo, até ao presente, a ré não procedeu à entrega do imóvel, continuando a ocupá-lo sem qualquer título.
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Regularmente citada, a ré contestou alegando, em síntese, que a oposição à renovação do contrato de arrendamento formulado pela autora é ineficaz por não ter sido enviada para o local arrendado, tal como prescrevia a cláusula terceira do contrato em causa, e por não ter observado os prazos legais de comunicação previstos no art. 1097.º, n.º 1, do Código Civil, que considera que são de natureza imperativa. Por outro lado, tendo a ré continuado a proceder ao pagamento das rendas devidas pela ocupação do locado para além do prazo em que a autora considerava extinto o contrato de arrendamento, ou seja, para além de 31.8.2019, e não tendo a autora procedido à sua devolução, tal representa um reconhecimento da existência do contrato de arrendamento, pelo que a atuação da autora deve ser enquadrada no instituto do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
Em consequência do alegado, pugnou pela improcedência da ação.
Em reconvenção, a ré pediu a declaração de renovação automática do contrato de arrendamento, pelo período de 3 anos, com início em 01.09.2019 e termo em 31.08.2022, alegando, em síntese, que, sendo reconhecida a ineficácia da oposição à renovação automática do contrato de arrendamento e tendo em conta a divergência entre as partes quanto ao período temporal da renovação, o contrato deve ser considerado renovado pelo período de 3 anos em face da aplicação do atual art. 1096.º, n.º 1, do Código Civil.
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A autora apresentou réplica, pugnando pela improcedência das exceções, tendo alegado que a oposição à renovação automática do contrato é eficaz por a respetiva comunicação ter sido enviada para a sede da ré, que dela teve efetivo conhecimento, além de ter sido observado o prazo contemplado no contrato de arrendamento. Mais alegou não ter reconhecido a existência de qualquer contrato de arrendamento após a sua cessação, limitando-se a receber o valor devido pela ocupação do imóvel por parte da ré, a qual ali permaneceu após 31.08.2019, inexistindo, assim, qualquer abuso de direito da sua parte.
Relativamente à reconvenção, para além de pugnar pela sua inadmissibilidade, invocou ainda a ineptidão do pedido reconvencional, por não terem sido expostos pela ré os factos essenciais que constituem a causa de pedir. Caso assim não se entenda, defendeu a improcedência da reconvenção, por discordar da interpretação que é feita do art. 1096.º do Código Civil.
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Foi exercido o contraditório quanto à exceção invocada na réplica.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia.
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Foi fixado à causa o valor de € 45 527,43.
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Foi admitida a dedução do pedido reconvencional.
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Foi proferido despacho de saneamento do processo, tendo sido julgada improcedente a arguida ineptidão do pedido reconvencional.
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Considerou-se que o processo já continha todos os elementos necessários ao conhecimento de mérito quer da ação, quer da reconvenção, pelo que se efetuou a sua apreciação que culminou com a seguinte decisão:

“Face ao exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente, e, em consequência, absolvo a Ré “GRUPO Y, S.A.” dos pedidos formulados pela Autora “INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS X, S.A.”.
Mais julgo a reconvenção procedente, e, em consequência, declara-se o contrato de arrendamento celebrado entre Autora e Ré e referido em C. dos factos provados renovado pelo prazo de 3 (três) anos com início em 01.09.2019 e termo em 31.08.2022.”
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A autora não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“I. A sentença de primeira instância julgou totalmente improcedente a presente ação, absolvendo a Ré dos pedidos formulados pela Autora, mais julgando a reconvenção daquela procedente, tendo declarado, em consequência, o contrato de arrendamento celebrado entre Autora e Ré renovado pelo prazo de 3 (três) anos com início em 01.09.2019 e termo em 31.08.2022;
II. Salvo o devido respeito que o Tribunal a quo nos merece, estamos em crer que erradamente se decidiu;
III. Entendeu o Tribunal a quo que [n]o caso dos autos, a Autora pretendendo opor-se à renovação do contrato, deveria ter remetido à Ré a comunicação de oposição à renovação automática do contrato com a antecedência de 120 dias, nos termos do artigo 1097.º, n.º 1 alínea b), pelo que, tendo a comunicação em apreço sido enviada pela Autora em 8 de Maio de 2019, verifica-se não ter sido cumprida a antecedência exigida.
IV. Tendo por base o princípio da liberdade contratual, Recorrente e Recorrida estabeleceram contratualmente um prazo diverso do previsto na lei, prevendo a cláusula 3.ª do contrato de arrendamento que a Recorrente podia impedir a renovação automática deste contrato mediante a comunicação escrita, enviada através de carta registada com A.R. (…) com uma antecedência mínima de 60 (sessenta) dias relativamente ao termo do período inicial do contrato ou de qualquer das suas renovações.
V. Tendo sido enviada a aludida comunicação a 08/05/2019, a qual foi rececionada pela Recorrida, a 09/05/2019, a Recorrente cumpriu o que vinha estabelecido no contrato de arrendamento celebrado com a Recorrida;
VI. Não era exigido à Recorrida o cumprimento do prazo previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 1097.º do Código Civil;
VII. O artigo 1080.º do Código Civil indica quais as normas que versando sobre as diversas formas de cessação do contrato de arrendamento, tem natureza imperativa, nele não se incluindo o artigo 1097.º do Código Civil;
VIII. A comunicação enviada pela Recorrente à Recorrida deveria, por isso, ter sido declarada eficaz, declarando o Tribunal a quo a oposição à renovação como validamente efetuada e com base na mesma decretar o despejo da Recorrida por falta de título para a ocupação do locado desde a 31/agosto/2019 e, consequentemente, condenar a mesma no pagamento das rendas devidas elevadas ao dobro até à desocupação, tal como peticionado no libelo inicial.
IX. Por outro lado, dando provimento à reconvenção apresentada pela Recorrida, concluiu o tribunal a quo que o contrato de arrendamento em causa nos presentes autos deveria considerar-se renovado em 1 de Setembro de 2019, pelo período de 3 anos, ou seja, com termo a 31 de Agosto de 2022.
X. Salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal recorrido a admitir a aludida reconvenção pois para que a mesma fosse admissível, a pretensão da Ré tinha de ser formal e substancialmente distinta do pedido principal deduzido nos autos pela Autora, aqui Recorrente, o que, efetivamente, não ocorreu;
XI. A reconvenção deduzida causa não se reconduz, claramente, a qualquer das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 2 do artigo 266.º do Código do Processo Civil;
XII. Com o pedido reconvencional a Recorrida mais não pretende do que a consequência da improcedência da ação proposta, inexistindo, por isso, autonomia do pedido reconvencional em relação ao pedido formulado na ação - cfr. recente acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 28-11-2019, e proferido no âmbito do processo que com o n.º 627/19.7T8BRG-A.G1 correu termos pela 2ª Secção Cível daquele egrégio Tribunal;
XIII. A reconvenção não poderia, por isso, ter sido admitida, todavia, a sê- lo, sempre seria de julgar inepto o pedido reconvencional, com a consequente absolvição da instância da aqui Recorrente, já que na sua reconvenção, a Recorrida, limitou-se a formular conclusões, não expondo os factos essenciais que constituem a causa de pedir tal como exigido pelos artigos 5.º, n.º 1, 583.º, n.º 1 e alínea d) do n.º 1 do artigo 552.º, todos do Código de Processo Civil;
XIV. Por fim, e sem prescindir, se este tribunal vier a confirmar a decisão da primeira instância, confirmando a ineficácia da oposição à renovação levada a cabo pela aqui Recorrente e se admitir e não julgar inepta a reconvenção apresentada pela aqui Recorrida, sempre será de considerar que o contrato de arrendamento se renovou, apenas e tão só, pelo período de 1 (um) ano;
XV. Tal será assim, independentemente da redação do artigo 1096.º do Código Civil que se considerar aplicável ao caso, se a redação em vigor à data da celebração do contrato de arrendamento se a redação em vigor à data da oposição à renovação;
XVI. A redação do artigo 1096.º do Código Civil em vigor à data da celebração do contrato de arrendamento, permite estipulação contratual das partes em sentido diverso, o que, in casu, ocorreu e será aplicável, pois a nova redação do aludido artigo não pode abranger as relações já constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor porquanto, pese embora o aludido artigo 1096.º disponha, efetivamente, sobre o conteúdo da relação jurídica, a verdade é que não o faz abstraindo-se dos factos jurídicos que lhes deram origem;
XVII. Aplicando-se a nova redação do aludido artigo 1096.º do C.C., esta prevê a possibilidade de estipulação em contrário, o que ocorreu, e, por isso, tal como entende Edgar Alexandre Martins Valente in Arrendamento Urbano – Comentários às Alterações Legislativas introduzidas ao regime vigente – Almedina – 2019, página 31, em anotação ao artigo 1096.º do Código Civil, onde se pode ler que as partes podem definir regras distintas, designadamente estabelecendo a não renovação do contrato, ou a sua renovação por períodos diferentes dos referidos, atenta a natureza supletiva da norma em questão, conforme resulta da parte inicial do n.º 1 do presente artigo.
XVIII. No mesmo sentido segue Jéssica Rodrigues Ferreira In Revista letrónica de Direito, pp. 82 e 83, ao afirmar que Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores – dos supletivamente fixados pela lei;
XIX. A sentença recorrida viola, frontalmente, e faz, cremos, uma errada interpretação das disposições legais constantes dos artigos 1097.º,1080.º, 1096.º e 12.º, número 2, todos do Código Civil, bem como das constantes dos artigos 266.º, n.º 2, 5.º, n.º 1, 583.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, alínea d) e do artigo 186.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Civil.”

Termina pedindo a revogação da decisão recorrida.
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A ré contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:

I – saber se é processualmente admissível a dedução de reconvenção;
II – na hipótese positiva, saber se a reconvenção é inepta;
III – saber se a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento efetuada pela autora é válida e eficaz e, na afirmativa, quais as consequências que daí advêm;
IV – concluindo-se que a reconvenção é processualmente admissível e não é inepta e que a oposição à renovação do contrato não é válida e eficaz, apreciar o pedido reconvencional definindo qual o período temporal pelo qual o contrato se renova.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

A. A Autora é dona e legítima possuidora de uma moradia tipo T3, designada por lote .., destinada a habitação, correspondente ao Prédio Urbano situado na Rua ..., n.º .., ... – Vila Nova de Famalicão, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º ..., descrito com o n.º .../... na CRP de Vila Nova de Famalicão e com o Alvará de Construção n.º .../2007, emitido pela Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão.
B. Por acordo escrito denominado “contrato de arrendamento habitacional com prazo certo” datado de 9 de Julho de 2014, em que intervieram com primeiro outorgante a Autora ““INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS X, S.A.”, na qualidade de senhoria, segunda outorgante a “Y Charcutaria – ..., S.A.”, na qualidade de arrendatária, e como terceiro outorgante, P. J., na qualidade de fiador, consta, designadamente o seguinte:
É celebrado o presente contrato de arrendamento habitacional, com prazo certo, o qual se passará a reger nos termos e condições das cláusulas seguintes, bem como pela lei em vigor, nomeadamente nos termos previstos nos artigos 1095.º a 1098.º do Código Civil, de acordo com o NRAU (Novo Regime de Arrendamento Urbano):
CLÁUSULA PRIMEIRA
A Primeira Outorgante é dona e legítima possuidora da moradia tipo T3, designada por lote .., destinada a Habitação, edificada no Prédio Urbano situado na Rua ..., n .., ... - Vila Nova de Famalicão, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n o ..., descrito com o n 0 .../... na CRP de Vila Nova de Famalicão, a que corresponde o Alvará de Construção no ... - 2007, emitido pela Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão.
CLÁUSULA SEGUNDA
Pelo presente contrato a Primeira Outorgante concede à Segunda, que aceita, o gozo temporário da moradia identificada na cláusula antecedente, para utilização como habitação de clientes e/ou funcionários da sua Segunda Outorgante.
O destino do arrendado é, exclusivamente, o da habitação dos clientes e/ou funcionários da Segunda Outorgante, não lhe podendo ser dado outro fim ou uso, nem ser sublocado no todo ou em parte, sem o consentimento escrito, devidamente reconhecido, da Primeira Outorgante, sob pena de resolução contratual.
CLÁUSULA TERCEIRA
O presente contrato de arrendamento é celebrado pelo prazo de 2 (dois) anos, com início no dia 1 de Setembro de 2014 e termo em 31 de Agosto 2016, considerando-se automaticamente renovado por sucessivos e iguais períodos de um ano, enquanto não for denunciado, resolvido ou cessado por qualquer das partes com a antecedência e pela forma legal.
Paragrafo Único: A Primeira Outorgante pode impedir a renovação automática deste contrato mediante a comunicação escrita, enviada através de carta registada com AR, remetida para o arrendado, com uma antecedência mínima de 60 (sessenta) dias relativamente ao termo do período inicial do contrato ou de qualquer das suas renovações.
CLÁUSULA QUARTA
A renda inicial mensal ilíquida acordada é de 700€ (Setecentos Euros), atualizável anualmente de acordo com o previsto nos artigos 240 e 250 do NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano), e será liquidada pela Segunda Outorgante até ao primeiro dia útil do mês anterior aquele a que disser respeito, por meio de depósito bancário ou transferência bancária para o Titular INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS X, S.A., NIB: …..........05 do Banco ...
Parágrafo Primeiro: O valor supra mencionado é ilíquido, ficando a Segunda Outorgante obrigada a proceder à respetiva retenção na fonte legalmente prevista.
Parágrafo Segundo: No momento da assinatura do presente contrato, a Segunda Outorgante efetua o pagamento antecipado de dois meses de renda, ou seja, a quantia global líquida de 1.050,00 € (Mil e Cinquenta Euros), referente ao pagamento das rendas dos meses de Setembro e Outubro de 2014, cuja quitação se dará após boa cobrança.
CLÁUSULA QUINTA
A Segunda Outorgante não pode fazer obras ou benfeitorias que alterem a estrutura do espaço arrendado ou a sua disposição interna, a não ser as de conservação, sem prévia e expressa autorização escrita da Primeira Outorgante, e todas as que fizer com tal autorização, dada por escrito e em presença de planta, em duplicado, ficarão integradas e a pertencer ao espaço arrendado, sem que à arrendatária caiba o direito de indemnização ou de retenção, findo que seja o presente contrato.
CLÁUSULA SEXTA
O andar arrendado é entregue em bom estado de conservação, paredes, soalhos, janelas portas, vidros, bem como instalação eléctrica, canalizações de água, esgotos, todas as instalações sanitárias e de luz e respectivos acessórios, sendo todas as obras e reparos interiores de que o arrendado carecer para a sua boa e perfeita conservação e limpeza da conta e a cargo da arrendatária Paragrafo Único: A Segunda Outorgante obriga-se, também, sob pena de indemnização a conservar em bom estado, como actualmente se encontra, tudo o quanto se faz referência no corpo da presente cláusula.
CLÁUSULA SÉTIMA
A Segunda Outorgante tem a obrigação de, findo o contrato, restituir o arrendado objecto do presente contrato, em perfeito estado de conservação e limpeza, com todas as suas chaves, vidros e tudo mais que nele presentemente se encontrar.
CLÁUSULA OITAVA
Todas as despesas e encargos relativos à conservação e fruição do espaço arrendado, nomeadamente as que digam respeito ao consumo de água, luz e taxa de saneamento ficam por conta da Segunda Outorgante.
CLÁUSULA NONA
Ao arrendado corresponderá uma caixa de correio, com chave, na zona ao nível da rua, ficando a cargo da locatária a sua conservação.
CLÁUSULA DÉCIMA
Em caso de incumprimento do presente contrato, a Segunda Outorgante indemnizará a Primeira Outorgante de todas as despesas judiciais e extrajudiciais que a mesma vier a suportar, designadamente com a instauração de qualquer acção judicial e com o pagamento de honorários a advogados elou solicitadores contratados
CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA
O Terceiro Outorgante obriga-se a ser principal fiador e pagador deste contrato e suas renovações, renunciando ao benefício da excussão prévia e assumindo solidariamente com a Segunda Outorgante a obrigação fiel de cumprimento de todas as cláusulas deste contrato e suas renovações, até ao limite de 20 anos, e declara que a fiança que acaba de prestar subsistirá, ainda que haja alteração da renda agora fixada.
CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA
Quaisquer alterações ao presente contrato deverão ser feitas sob a forma ora subscrita pelas partes, com expressa menção das cláusulas alteradas, aditadas ou suprimidas.
CLÁUSULA DÉCIMA TERCEIRA
Quaisquer notificações formuladas no âmbito deste contrato serão dirigidas para os endereços mencionados na identificação das partes ou para qualquer outro endereço que entretanto seja expressamente indicado por escrito por qualquer delas.
CLÁUSULA DÉCIMA QUARTA
Para quaisquer questões emergentes do presente contrato estipula-se o foro da comarca de Braga.
Porque o presente contrato exprime a vontade dos contraentes vão os mesmos proceder à sua assinatura, sendo feito em quadruplicado.
C. A Ré é uma sociedade comercial que, por via de um projecto de cisão/fusão, incorporou a sociedade comercial “Y Charcutaria - ..., S.A.”, arrendatária do imóvel identificado em A. e B.
D. Com data de 8 de Maio de 2019, a Autora enviou para a Ré a carta junta com a petição inicial sob o documento n.º 8, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, sob o assunto “Oposição à Renovação Automática de Contrato de Arrendamento”, comunicando: “Na qualidade de senhorio da moradia tipo T3, designada por Lote .., sita na Rua ..., nº .., freguesia de ..., concelho de Famalicão, da qual a vossa empresa é arrendatária, vimos pelo presente, ao abrigo do disposto no artigo 1096.º, n.º 3 3 do C.C. e conforme previsto na Cláusula Terceira do Contrato de Arrendamento, opor-nos à renovação automática do contrato de arrendamento habitacional com prazo certo entre nós celebrado em 09/07/2014, com início em 01/09/2014 e pelo prazo certo de 2 (dois) anos, entretanto automaticamente renovado três vezes por sucessivos e iguais períodos de 1 (um) ano.
Nestes termos, e respeitando a antecedência mínima exigida, o arrendamento cessará em 31/08/2019, data em que o imóvel nos deverá ser entregue livre de pessoas e bens e no estado de conservação e limpeza que se encontrava à data da celebração do contrato e em que V. Exas deverão fazer a entrega das respetivas chaves.
E. A carta mencionada em D. foi dirigida à Ré e remetida para a Avenida ... de ..., n.º ...., ..., … Vila Nova de Famalicão, registada com aviso de recepção e assinada em 9 de Maio de 2019.
F. Com data de 22 de Agosto de 2019, a Ré enviou para a Autora a carta junta com o requerimento de 19.05.2020 sob o documento n.º 1, cujo teor se dá por integralmente por reproduzido, comunicando que “depois de revista a carta que fizeram o favor de nos enviar no passado dia 8 de maio, recebida em 9 de maio, verificamos que a oposição à renovação que nos foi comunicada através da mesma é ineficaz, por ter sido extemporânea, na medida em que não foi observado o prazo legalmente fixado para este mesmo efeito. (…)
Em face do exposto, dada a ausência de uma válida oposição à renovação por V. Exas. o contrato de arrendamento em vigor renovou-se já, agora por um novo período de 3 anos, nos termos expressamente previstos no n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, com início em 1 de Setembro de 2019 e termo em 31 de Agosto de 2020. (…)
G. Com data de 3 de Junho de 2019, a Autora enviou para a Ré a carta junta com a petição inicial sob o documento n.º 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com vista a “comunicar ao abrigo do art.º 1077.-ºdo Código Civil, que o valor da renda mensal da moradia tipo T3, sita na Av. ... de ..., n.º ...., ..., do qual a vossa empresa é arrendatária, passará de 711,66 € para 719,84 €, com início na mensalidade de Setembro de 2019 (a pagar no mês de Agosto de 2019).(…)”.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

I – Admissibilidade processual de dedução de reconvenção

A decisão recorrida admitiu a dedução de pedido reconvencional ao abrigo do disposto no art. 266º, nºs 1, 2, al. a), e 3, do CPC.
A autora insurge-se contra esta decisão considerando que não se verifica nenhum dos fundamentos previstos no art. 266º, nº 2, do CPC, designadamente dada a falta de autonomia do pedido reconvencional relativamente ao pedido formulado na ação, pois o referido pedido reconvencional mais não é do que a consequência da improcedência da ação.
Vejamos se lhe assiste razão.
O art. 266º, nº 1, do CPC, estabelece que o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.
Nesta situação há uma modificação do objeto da ação a qual, em vez de se circunscrever ao pedido formulado pelo autor, passa a ter também por objeto um pedido formulado pelo réu o qual acresce ao pedido inicialmente formulado por aquele.
Na reconvenção, há um pedido autónomo formulado pelo réu contra o autor. Há uma contrapretensão (...) do réu, há um verdadeiro contra-ataque desferido pelo reconvinte contra o reconvindo. Passa a haver assim uma nova ação dentro do mesmo processo. O pedido reconvencional é autónomo na medida em que transcende a simples improcedência da pretensão do autor e os corolários dela decorrentes. (...) Com a reconvenção deixa de haver uma só ação e passa a haver duas acções cruzadas no mesmo processo” (Cf. Antunes Varela e outros in Manual de Processo Civil, pág. 323 e ss).
Assim, a “reconvenção constitui um instrumento jurídico que reflecte, além do mais, a consagração do princípio da economia processual, permitindo que, mediante determinado circunstancialismo, possam reunir-se num mesmo processo pretensões materiais contrapostas. (...)
Simultaneamente, a dedução de reconvenção é capaz de proporcionar melhores condições para um julgamento unitário de todo o litígio estabelecido entre as partes e atenuar os efeitos negativos que podem emergir de divergentes decisões sobre realidades muito próximas ou interdependentes” (António Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., pág. 120).
No entanto, a intrínseca consequência de deixar de haver uma só ação passando a existir duas ações cruzadas no mesmo processo, que correm paralelamente e são julgadas também conjuntamente, impõe que a reconvenção não possa ser admitida indiscriminadamente sob pena de tal conduzir a resultados indesejáveis ou perniciosos, com a subversão da disciplina do processo, caso se admitisse, por exemplo, a formulação de pedidos reconvencionais sem qualquer conexão com o pedido inicial.
Assim, exige-se, para a admissibilidade de dedução de reconvenção, a verificação, por um lado, de requisitos de ordem processual e, por outro lado, de requisitos de ordem substantiva.

Relativamente aos requisitos processuais, exige a lei que:
a) o tribunal da ação tenha competência para conhecer do pedido reconvencional em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia (art. 93º, nº 1, do CPC);
b) que ao pedido reconvencional corresponda a mesma forma de processo aplicável ao pedido do autor (art. 266º, nº 3, 1ª parte, do CPC);
c) que, no caso de o pedido reconvencional e o pedido do autor estarem sujeitos a formas de processo diversas, as mesmas não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, sendo nesta situação necessária a autorização do juiz subordinada à existência de interesse relevante na dedução de reconvenção ou à indispensabilidade da apreciação conjunta de ambas as pretensões para a justa composição do litígio (arts. 266º, nº 3, 2ª parte e 37º, nºs 2 e 3, do CPC).
Relativamente aos requisitos substanciais os mesmos prendem-se com a necessária conexão que tem de existir entre o pedido principal e o pedido reconvencional pois não faria qualquer sentido nem se justificaria, mesmo à luz do princípio da economia processual, permitir a apreciação conjunta num único processo de pretensões absolutamente distintas, desconexas ou sem qualquer relação significativa.
A conexão exigida pelo legislador para efeitos de admissibilidade da reconvenção traduz-se, pois, no justo ponto de equilíbrio entre os interesses da economia processual e da economia de meios – que postula a resolução de todos os eventuais litígios entre as partes através de um único processo e de um único julgamento – e o interesse na regular e ordenada tramitação do processo – acautelando o interesse do autor e do próprio sistema judicial na obtenção tão célere quanto possível de uma decisão final quanto à pretensão formulada em juízo, tal como a mesma foi delineada pelo autor, em função da causa de pedir e do pedido invocados no processo” (Acórdão da Relação do Porto, de 10.2.2020, Relator Jorge Seabra, in www.dgsi.pt).

Assim, quanto aos requisitos substanciais, a reconvenção é admissível, nos casos em que se reconhece a existência da necessária conexão e que se encontram previstos no art. 266º, nº 2, do CPC, ou seja:

a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.

A necessidade de conexão entre os pedidos do autor e do réu não se confunde com a autonomia desses pedidos: os dois pedidos têm que apresentar algum dos elementos de conexão elencados nas alíneas a) a d) do nº 2 do art. 266º, do CPC; porém os pedidos têm de ser autónomos no sentido de que o réu não se pode limitar a formular um pedido que coincida quanto aos seus efeitos com o que resultaria da improcedência do pedido formulado pelo autor.
“Pode o pedido reconvencional emergir de facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa, mas o pedido deve ir além do que peticiona o A., devendo ser autónomo e transcender a mera improcedência da ação” (Acórdão da Relação de Évora, de31.1.2019, Relator José Manuel Barata, in www.dgsi.pt).
Quando o pedido formulado pelo réu na contestação constituir uma decorrência lógica e necessária da sua oposição e da consequente improcedência da acção, não pode ele ser considerado como reconvenção mas como mera defesa; mas se esse pedido ultrapassar os efeitos da estrita improcedência da acção e consubstanciar uma verdadeira pretensão autónoma contra o autor, estar-se-á perante um pedido reconvencional” (Acórdão da Relação do Porto, de 10.2.2020, Relator Jorge Seabra, in www.dgsi.pt).

Revertendo, agora, ao caso concreto, verifica-se que nenhuma questão se coloca quanto aos requisitos de ordem processual, os quais se têm por verificados posto que o tribunal é dotado de competência em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia tanto para o pedido da autora como para o pedido da ré, sendo que a ambos os pedidos corresponde a mesma forma de processo. A divergência surge unicamente quanto ao preenchimento da al. a) do nº 2 do art. 266º, do CPC, no qual a decisão recorrida se baseou para admitir a reconvenção, entendimento de que a autora discorda por considerar que tal fundamento não se verifica no caso concreto.
Uma vez que, no caso sub judice, é manifesto que a situação não pode ter cabimento em qualquer outra das alíneas do nº 2, do art. 266º, do CPC, apenas iremos analisar a situação na ótica da conexão exigida na al. a), importando aferir se o pedido da ré emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa.
A autora na presente ação invoca que o contrato de arrendamento vigente entre as partes terminou em 31.8.2019 em virtude de ter comunicado à ré, de forma válida e eficaz, a sua oposição à renovação de tal contrato.
Formula o consequente pedido de entrega do imóvel e pagamento dos valores devidos pela ocupação do mesmo após a cessação do contrato.
A ré defende-se invocando que o contrato não cessou na data invocada porque a oposição à renovação não foi efetuada de forma válida e eficaz, razão pela qual o contrato se renovou em 31.8.2019.
No entanto, considera que a renovação não se efetuou pelo prazo de 1 prazo previsto no contrato, mas antes pelo prazo de 3 anos previsto no art. 1096º, do CC, e formula pedido reconvencional de declaração da renovação do contrato por esse período temporal.
Este pedido reconvencional emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa e que consiste na ineficácia da oposição à renovação do contrato.
Por outro lado, é um pedido que não se esgota nem se confunde com os efeitos da mera improcedência da ação, antes os transcende. A improcedência da ação apenas tem como consequência que o contrato não cessou na data invocada e se renovou. Mas dessa improcedência nada resulta quanto ao prazo pelo qual a renovação ocorreu, ou, quando muito, permite a conclusão que se renovou por um ano, por ser esse o prazo previsto no contrato.
Mas a pretensão que a ré formula por via reconvencional vai mais além, constituindo um verdadeiro pedido autónomo e distinto do pedido da autora, não decorrendo da improcedência da ação, pois a ré pede que se declare que o contrato se renovou, não pelo prazo de 1 ano nele previsto, mas antes pelo prazo de 3 anos previsto no art. 1096º, do CC. Ora, a renovação por este período temporal nunca resultaria da improcedência da ação.
Como tal, entende-se que é admissível a dedução de pedido reconvencional à luz do art. 266º, nº, 2, al. a), do CPC, acompanhando-se o entendimento perfilhado na decisão recorrida, improcedendo, pois, o recurso nesta parte.

II – Ineptidão da reconvenção

A decisão recorrida considerou que a reconvenção não padece de ineptidão uma vez que “atendendo ao pedido deduzido pela Ré em sede reconvencional é bom de ver que os factos concretos que integram a sua causa de pedir são constituídos pelos mesmos factos alegados pela própria Autora, ou seja, o contrato de arrendamento e a comunicação de oposição à renovação do mesmo, pois que, o pedido reconvencional prende-se apenas com a interpretação do artigo 1096.º do Código Civil e a sua aplicação ao caso dos autos.

A recorrente insurge-se contra esta decisão e reitera o entendimento que já havia manifestado em sede de resposta à reconvenção, ou seja, que a recorrida se limitou a formular conclusões, não expondo os factos essenciais que constituem a causa de pedir, pelo que entende que a reconvenção é inepta nos termos do art. 186º, nº 2, alínea a) do CPC, por falta de causa de pedir.

Sendo a reconvenção, como já vimos, uma ação cruzada deduzida pelo réu contra o autor, naturalmente que a mesma tem que obedecer a requisitos idênticos aos da petição inicial no que concerne à causa de pedir e ao pedido, estando igualmente sujeita ao vício de ineptidão previsto no art. 186º, nº 2, do CPC, o qual ocorre:

a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

Dispõe ainda o nº 3 do art. 186º, do CPC, que se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.

Ora, a autora apresentou réplica na qual contestou a reconvenção. Nessa peça processual, para além de pugnar pela inadmissibilidade da reconvenção e de arguir a sua ineptidão, por falta de causa de pedir, a autora interpretou convenientemente a reconvenção, como claramente resulta da leitura dos artigos 80º a 92º do referido articulado, defendendo que a renovação do contrato deve ser considerada apenas pelo prazo de 1 ano, conforme previsto no clausulado do contrato de arrendamento celebrado, e não pelo prazo de 3 anos previsto no art. 1096º, nº 1, do CC, o qual considera que não tem natureza imperativa, mas sim supletiva, podendo, consequentemente, ser afastado por estipulação das partes em contrário.
Tanto é quanto basta para que se tenha forçosamente de concluir que, face ao disposto no art. 186º, nº 3, do CPC, a arguição da ineptidão nunca poderia ser julgada procedente posto que a autora interpretou convenientemente a causa de pedir e pedido da reconvenção e defendeu-se apresentando a competente contestação do ponto de vista substancial.
Não obstante, sempre se dirá, ainda que brevemente, que não ocorre qualquer ineptidão por falta de causa de pedir.
Dispõe o artº 5º, nº 1, do CPC, que consagra o princípio do dispositivo, que cabe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
Como se sabe, a causa de pedir consiste no facto jurídico concreto, ou no complexo de factos jurídicos concretos, que integram a relação material controvertida invocada e dos quais procede o efeito jurídico pretendido ou a pretensão deduzida em juízo.
Nas palavras de Lebre de Freitas, a causa de pedir “corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido” (in Ação Declarativa Comum, à Luz do C. P. Civil de 2013”, pág. 41).
E é delimitada pelos factos jurídicos dos quais procede a pretensão que o autor formula, cumprindo a este a alegação desses factos (cf. Remédio Marques, in Ação Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª Edição, pág. 226/227).

No caso em apreço, a ré alegou a celebração do contrato de arrendamento com a autora e a sua prorrogação até 31.8.2019 (arts. 1º a 7º da contestação), alegou que a oposição à renovação feita pela autora é ineficaz, por inobservância da antecedência mínima legal (art. 11º da contestação), considera, por isso, que o contrato se renovou por 3 anos, com início em 1.9.2019 e termo em 31.8.2022 (art. 12º da contestação), sustenta esta pretensão invocando a interpretação que faz do art. 1096º, nº 1, do CC, que considera que tem natureza imperativa, sendo esse o prazo de renovação, e não o de 1 ano que consta do contrato e que a autora considera ser o aplicável (arts. 104º e ss da contestação).
Conclui-se, assim, que a ré indicou os factos que integram a causa de pedir, e fê-lo de forma clara e inteligível, como se resumiu, não padecendo a reconvenção do vício de ineptidão que a recorrente lhe imputa.
Por conseguinte, improcede o recurso nesta parte.

III – Validade e eficácia da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento efetuada pela autora e suas consequências

A sentença recorrida julgou ineficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento efetuada mediante carta enviada pela autora à ré em 8.5.2019 em virtude de esta comunicação não ter sido efetuada com a antecedência de 120 dias, exigida pelo art. 1097º, nº 1, al. b), do CC, que considerou ser de natureza imperativa, não podendo ser afastada pelo convencionado pelas partes sobre esta matéria no contrato de arrendamento, sendo tal cláusula inválida.
A recorrente discorda deste entendimento e considera que a norma em questão tem natureza meramente supletiva, podendo ser afastada por convenção das partes em contrário, posto que não se enquadra nas situações referidas no art. 1080º do CC, normativo que estabelece quais as normas imperativas. Como tal, e visto que foi observado o prazo contratual estabelecido para a oposição à renovação do contrato, a comunicação que efetuou é válida e eficaz e o contrato cessou.

Portanto, no caso em apreço, o elemento fundamental para dirimir a questão da validade e eficácia da oposição à renovação do contrato passa pela determinação da natureza imperativa ou supletiva da norma do art. 1097º, do CC.
Sobre esta matéria, dispõe o art. 1080º, do CC, que as normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arredamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição em contrário.
Portanto, todas as normas que versem sobre as referidas matérias não podem ser afastadas por vontade das partes, a menos que a própria norma ressalve essa possibilidade.
O art. 1095º, do CC, permite a celebração de contrato de arrendamento com prazo certo, o qual se poderá renovar automaticamente nos termos estabelecidos no nº 1 do art. 1096º, do mesmo diploma legal.
Todavia, qualquer das partes pode opor-se a essa renovação, como estabelecido no nº 3 do art. 1096º, observando o formalismo constante dos artigos 1097º e 1098º, consoante a oposição seja respetivamente deduzida pelo senhorio ou pelo arrendatário.
O art. 1097º, do CC, rege sobre a oposição à renovação do contrato deduzida pelo senhorio.
Trata-se de uma figura privativa dos contratos com prazo certo, mas renováveis automaticamente, permitindo que o senhorio impeça essa renovação desde que proceda à comunicação dessa sua intenção ao arrendatário com determinada antecedência, variável em função do prazo de duração do contrato ou da sua renovação.
Ora, como escreve Ana Prata no seu Código Civil Anotado (Vol. I, pág. 1390), a propósito do art.1096º, “quando o contrato termine por ter chegado ao fim do prazo (...) a causa de extinção do contrato é a caducidade. A oposição à renovação não é, pois, uma causa autónoma de extinção do contrato, é apenas uma das causas conducentes à caducidade (sublinhados nossos).
E assim sendo, como julgamos ser, é manifesto que a norma do art. 1097º que regula a forma de oposição à renovação deduzida pelo senhorio é uma norma sobre a caducidade do contrato de arrendamento, na medida em que disciplina o modo como essa causa de extinção do contrato pode vir a ocorrer na sequência de uma manifestação de vontade nesse sentido por parte do senhorio.
Versando sobre a caducidade, a norma do art. 1097º encontra-se abrangida nas matérias elencadas no art. 1080º do mesmo diploma legal e, consequentemente, tem natureza imperativa visto que o art.1097º não ressalva a possibilidade de estipulação em contrário.

Como é consabido, o nosso sistema jurídico acolhe o princípio da liberdade contratual, estabelecendo o art. 405º, do CC, que as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no código ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, podendo inclusivamente reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei. Porém, têm que o fazer dentro dos limites da lei.
Uma vez que a norma do art. 1097º, do CC, tem natureza imperativa, o parágrafo único da cláusula 3ª do contrato que estabelece que
“A Primeira Outorgante pode impedir a renovação automática deste contrato mediante a comunicação escrita, enviada através de carta registada com AR, remetida para o arrendado, com uma antecedência mínima de 60 (sessenta) dias relativamente ao termo do período inicial do contrato ou de qualquer das suas renovações” é uma cláusula nula porque viola uma regra imperativa ao estabelecer um prazo inferior ao que resulta da lei (art. 294º, do CC). Com efeito, no caso, a antecedência mínima para a oposição à renovação é de 120 dias, nos termos do art. 1097º, nº 1, al. b), do CC, pois o contrato foi celebrado pelo prazo de dois anos, com início em 1.9.2014 e termo em 31.8.2016, renovável automaticamente por um ano, como resulta da cláusula 3ª do contrato.
Resulta dos factos provados que a oposição à renovação do contrato foi enviada em 8.5.2019, tendo sido recebida pela ré no dia seguinte, visando fazer cessar o contrato em 31.8.2019 (factos D e E).
Assim, a carta não foi enviada com a antecedência mínima legal de 120 dias razão pela qual a oposição à renovação não é válida e eficaz e o contrato de arrendamento não cessou na data pretendida, ou seja, em 31 de agosto de 2019.
Portanto, resta concluir que a decisão recorrida ao concluir pela invalidade e ineficácia da oposição à renovação do contrato não merece censura, tendo o recurso de improceder nesta parte.

IV – Definição do período temporal pelo qual o contrato se renova

Estando assente que o contrato não cessou em 31.8.2019, importa apurar se o mesmo se renovou ou não pelo prazo de três anos conforme pretensão formulada em sede reconvencional e que mereceu acolhimento por parte da decisão recorrida.
A decisão recorrida considera que à situação em apreço se aplica o disposto no art. 1096º, nº 1, do CC, na redação introduzida pela Lei 13/2019, de 12.2, aplicável à situação em apreço por via do art. 12º, nº 2, do CC, e que, por isso, o prazo de renovação do contrato não é o de um ano que as partes convencionaram, mas antes o de três anos imposto por aquela norma.
A recorrente discorda e entende que à situação em apreço é aplicável a redação do art. 1096º, do CC, vigente à data de celebração do contrato, redação essa que permitia a renovação pelo período de um ano.
No entanto, considera que, mesmo sendo aplicável a redação do art. 1096º introduzida pela Lei 13/2019, de 12.2, tal norma prevê a possibilidade de estipulação em contrário, pelo que sempre seria possível a renovação por um ano estipulada convencionalmente.

Vejamos, em primeiro lugar, qual é redação do art. 1906º aplicável à situação em apreço.
A Lei 13/2019, de 12.2, entrou em vigor no dia 13.2.2019 e, entre outras, procedeu à alteração dos nºs 1 e 2, do art. 1096º, do CC, mantendo inalterado o nº 3.

Assim, por força da citada Lei 13/2019, a redação do art. 1096º passou a ser a seguinte:

1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.

Anteriormente, o art. 1096º tinha a seguinte redação:

1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.

A Lei 13/2019, de 12.2 não contém qualquer norma de direito transitório no que concerne à aplicação da nova redação do art. 1096º do CC aos contratos em curso.

Como tal, a solução tem que obter-se por via do princípio geral de aplicação das leis no tempo constante do art. 12º do CC segundo o qual:

1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

Do nº 1 do art. 12º extrai-se o princípio geral da não retroatividade da lei, no sentido de que as leis só se aplicam para o futuro.
A propósito desta norma, Antunes Varela (in Revista de Legislação e Jurisprudência, 120º, p. 108) referia de forma impressiva, contundente e esclarecedora que “o art. 12º do Cód. Civil quer muito prosaicamente afirmar (inspirado num simples critério de bom senso) que os particulares não podem ser profetas ou adivinhos do futuro e que não podem, consequentemente, ser penalizados por não terem previsto o direito futuro ou por não terem agido em conformidade com ele. Por isso, cada acto tem como direito aplicável a lei vigente à data da sua prática (tempus regit actum)”.
Já o nº 2 do artigo 12.º do CC “distingue dois tipos de leis ou de normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou formal) de quaisquer factos (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas relações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte). As primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (melhor: Ss Js [situações jurídicas]) constituídas antes da LN mas subsistentes ou em curso à data do seu início de vigência” (Baptista Machado; Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 233).
Assim, dispondo a nova redação do art. 1096º, do CC, introduzida pela Lei 13/2019, de 12.2, sobre o conteúdo da relação jurídica de arrendamento, e abstraindo a mesma do facto que lhe deu origem, é de concluir que a situação se enquadra na 2ª parte do art. 12º do CC, sendo a nova redação aplicável às relações já constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Neste mesmo sentido escreve Maria Olinda Garcia (in Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, Revista Julgar Online, março 2019), a propósito das alterações nas Disposições Gerais sobre o arrendamento de prédios urbanos, nas Disposições Especiais sobre arrendamento para habitação e nas Disposições Especiais sobre arrendamentos para fins não habitacionais que, “no que respeita à aplicação da lei no tempo, tais alterações aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, como decorre da regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil.”
Como tal, ao caso em apreço é aplicável a redação do art. 1096º do CC, introduzida pela Lei 13/2019, a qual se encontrava em vigor aquando da renovação do contrato ocorrida em 1.9.2019.

A redação dessa norma levanta dúvidas interpretativas e não tem sido alvo de consenso.
Desde logo, a primeira questão que se coloca é a de saber se quando a norma, na sua parte inicial, ressalva a estipulação em contrário se está a referir unicamente ao primeiro segmento, em termos de permitir apenas a faculdade de as partes afastarem a renovação automática, ou se também abrange o segundo segmento da norma, possibilitando que as partes convencionem períodos de renovação de duração inferior ao limite mínimo de três anos aí previsto.
Enunciando a dúvida de outro modo, a ressalva da estipulação em contrário só permite que as partes excluam a renovação automática, mas, se a aceitarem, a renovação ocorre sempre por períodos mínimos de três anos, estando-lhes vedado estabelecerem períodos de renovação inferiores, ou a ressalva da estipulação em contrário permite ambas as situações podendo as partes aceitar a renovação e convencionar renovações pelo período temporal que entenderem?
Sobre esta dúvida, refere Jéssica Rodrigues Ferreira (in Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, Revista Eletrónica de Direito, fevereiro 2020, página 82, https://cije.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-jessica-ferreira_1584.pdf) que “o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores - dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise – cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas – um pacote de “pegar ou largar”.
Sobre esta mesma dúvida refere Maria Olinda Garcia (in Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, Revista Julgar Online, março 2019) que “mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.
Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário).”
Para além deste argumento, que nos parece de enorme pertinência, perfilhamos ainda a posição da imperatividade do prazo de renovação mínimo de três anos dada a finalidade que se visou atingir com a Lei 13/2019.
Logo no art. 1º desse diploma se refere que “a presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade”. Esta finalidade leva precisamente à conclusão de que foi intenção do legislador a proteção da estabilidade do arrendamento habitacional, limitando os direitos extintivos do locador e limitando a liberdade das partes na fixação do conteúdo do contrato, estabelecendo prazos mínimos de vigência efetiva do contrato de arrendamento e comprimindo a possibilidade da sua cessação por iniciativa do locador.

Em sentido idêntico ao que aqui sufragamos veja-se o acórdão desta Relação de 11.2.2021, Relatora Raquel Baptista Tavares (in www.dgsi.pt) sumariado nos seguintes moldes:

I- No artigo 1º da Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro enuncia-se que a mesma vem estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios e a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano.
II - Nos arrendamentos para habitação permanente, a liberdade dos contratantes para modelarem o conteúdo do contrato sofreu significativas limitações com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, quer quanto à exigência de um prazo mínimo de um ano (cfr. artigo 1095º n.º 2 onde está em causa uma norma imperativa que não admite convenção em contrário) mas também quanto à sua renovação pois, ainda que as partes possam convencionar a exclusão da possibilidade de qualquer renovação, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo, também imperativo, de três anos.
III - Os contratos de arrendamento com prazo para habitação permanente renovam-se automaticamente, por períodos sucessivos de igual duração ou, se esta for inferior, de três anos, em conformidade com o estipulado no número 1 do artigo 1096º do Código Civil.”

Ora, revertendo agora ao caso sub judice, a renovação não pode ocorrer pelo prazo de 1 ano que havia sido fixado no contrato pois que este prazo é inferior ao prazo mínimo de renovação de três anos imperativamente fixado no art. 1096º, nº 1, do CC, na redação introduzida pela Lei 13/2019, de 12.2, aplicável por força do disposto no art. 12º, nº 2, 2ª parte, do CC. Como tal, resta concluir que a renovação do contrato tem a duração de mínima de 3 anos e abrange o período de 1.9.2019 a 31.8.2022, conforme se entendeu na decisão recorrida, a qual não merece censura.
Por conseguinte, o recurso também improcede nesta parte.
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Tendo o recurso improcedido na totalidade, a recorrente tem de suportar as custas respetivas nos termos do art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 8 de abril de 2021

(Relatora) Rosália Cunha
(1ª Adjunta) Lígia Venade
(2º Adjunto) Jorge Santos