Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
396/17.5T8AVV-A.G1
Relator: MARIA EUGÉNIA PEDRO
Descritores: EX-CÔNJUGE
ALIMENTOS
PRESSUPOSTOS
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM O RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Na pendência do casamento, o dever de prestar alimentos, integrado no dever conjugal de assistência, tem uma dimensão diferente do dever de alimentos posterior ao divórcio.
II - O art.º 2016º, nºs 1 e 2, do Código Civil, na redacção que foi introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de outubro, consagra o princípio segundo o qual os cônjuges depois do divórcio devem prover à sua própria subsistência.
III - Por isso, o dever de alimentos entre ex-cônjuges é excepcional e de natureza subsidiária, radicando num dever humanitário de solidariedade e socorro decorrente pela relação conjugal anterior, visando a garantia de um nível de subsistência necessário para a existência condigna do ex-cônjuge necessitado.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

M. C. intentou em 20 de Novembro de 2018 acção de alimentos definitivos contra o ex-cônjuge J. A..

A fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que:
- Está desempregada, não tendo qualquer fonte de rendimentos que lhe permita suportar as suas despesas mensais e sofre de problemas depressivos desde os últimos anos do casamento, necessitando de, pelo menos, € 2.500,00 mensais para viver com um mínimo de dignidade em França.
- A falta de conhecimentos técnicos e o facto de estar afastada do mercado laboral há vários anos constituem um grave entrave para obter trabalho, o que tem comprovado nas entrevistas de emprego a que se submeteu na esperança de reorganizar a sua vida
- O R. aufere o ordenado mensal de cerca de € 8.000,00 e beneficia dos dividendos e lucros da empresa de que é sócio gerente, pelo que tem possibilidade de lhe prestar alimentos.
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O R. contestou, aduzindo, em síntese:
- A A. só não exerce actividade remunerada por decisão sua, já que tem competências e experiência que lhe permitiriam dedicar-se a diversas actividades.
- Suporta elevadas despesas com a administração do património comum do casal, ainda não partilhado.
- Por recomendação clínica está a diminuir progressivamente a sua actividade laboral. Já instruiu o pedido de reforma e é sua intenção dividir o tempo entre França e Portugal, ficando cada vez mais tempo em Portugal.
Concluiu afirmando que a A. o persegue judicialmente para obter proveitos pecuniários perenes, sem qualquer fundamento, e finaliza pugnando pela improcedência da acção.
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Realizou-se audiência prévia, conforme acta de 12 de Junho de 2019, na qual foi proferido despacho saneador.
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A Autora apresentou articulado superveniente, a 1 de Julho de 2019, que motivou resposta do Réu, por requerimento de 14 de Agosto de 2019. O articulado superveniente foi admitido por despacho de 30 de Outubro de 2019.
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Também o Réu apresentou articulado superveniente, a 7 de Dezembro de 2019, que foi admitido a 10 de Dezembro de 2019 e motivou resposta da Autora, a 6 de Janeiro de 2020.
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Realizou-se o julgamento, conforme actas de 10 de Dezembro de 2019 e 30 de Janeiro de 2020.
As partes apresentaram alegações por escrito em 22 e 23 de Junho de 2020, conforme lhes foi deferido por despacho de 5 de Junho de 2020.
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Foi proferida sentença, em 18.1.2021, com o seguinte teor, na parte dispositiva:
“Por todo o exposto, condena-se o Réu a pagar alimentos à Autora no valor de € 500,00 (quinhentos euros) mensais, devidos desde o mês de Dezembro de 2018.
Custas por ambas as partes, na proporção de metade para cada um.
Notifique.”

Inconformado o R. interpôs o presente recurso terminando as suas alegações, com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1. O que o presente processo demonstrou, pela parca matéria de facto obtida a partir dos depoimentos testemunhais, é que a recorrida continua a viver, remediadamente, embora menos abonada do que outrora, não se vislumbrando carências económico-financeiras tais de sua banda, que justifiquem qualquer amparo através de uma prestação alimentícia;
2. A situação económico-financeira da recorrida em apreço é completamente expectável, já que a recorrida não pode perspectivar a manutenção, ad aeternum, do status quo económico-financeiro conjugal que outrora desfrutou com o seu ex-marido, e que nem este mesmo já sequer possui, nestes tempos hodiernos de carestia, como facilmente comprovado por toda a documentação de despesas e dívidas do ex-casal por este carreada aos autos (cf. relação de bens do inventario), o que corroborado foi pelo depoimento da filha do ex-casal, A. P.;
3. Uma das leis da vida é, pois, o trabalho, e os cidadãos de hoje em idade activa devem obtemperar humildemente essa lei até uma faixa etária maior, não sendo ao acaso que, actualmente, já se fala de uma quarta idade, para além da terceira, sendo que nos tempos obscuros hodiernos com que nos deparamos, a expectativa de uma condigna reforma não será algo de manter, com a mesma convicção de outrora;
4. Neste conspecto, e propugnando-se aqui uma visão que combata um usual etarismo que pretende anacronicamente prevalecer na nossa sociedade, diremos, parcimoniosamente, que a recorrida não se encontra numa faixa etária (54 anos de idade) irremediavelmente comprometida para a perspectivação de continuar a trabalhar e de, efectivamente, ocupar um posto de trabalho, sendo que, se poucos descontos efectuou para a Segurança Social ao longo da sua carreira contributiva (que não é curta, mesmo assim), só de si se pode queixar, pois em momento algum do matrimónio o recorrente a instigou a não trabalhar, antes pelo contrário !!!!
5. Com efeito, a perspectivação da recorrida é, isso sim, a prossecução do cenário idílico e alcandorado duma antiga vida lauta, desiderato não consentido pelo artigo 2016.º, n.º 1, do CC;
6. A recorrida mantém, desde 2017, voluntaria e conscientemente, permita-se-nos dizê-lo aqui sem pejo, uma situação de procrastinação do estado de indefinição do seu futuro, a nível profissional, sendo que, à luz das regras da experiência comum, em concatenação com a conduta processual omissiva que manteve desde o início do processo de divórcio, relativamente à revelação dos seus rendimentos, não se antolha como possa subsistir perenemente nessa situação, com veículos registados a seu favor, litigando sem apoio judiciário, continuando a pagar as rendas e as despesas da sua habitação e da sua vida quotidiana em França, pelo é que legítimo inferir que terá, muito certamente, uma latente fonte de rendimento estável que esconde, a todo o transe, do conhecimento do Tribunal a quo, o que é óbvio!!!!
7. Em detrimento do dever de verdade e da boa fé processual, a recorrida não pode, pois, ser premiada pela sua conduta omissiva, oclusiva e desleal perante o Tribunal a quo, em termos de esclarecimento cabal da sua vida económico-financeira, documentalmente comprovada;
8. Desta feita, violou o Tribunal a quo o disposto no artigo 342.º, n.º 1 do CC e no 414.º, n.º 1, do CPC, pois a incerteza e falta de informação acerca do estado financeiro da recorrida, traduz a falta de preenchimento da fattispecie relativa à necessidade de alimentos, prevista no artigo 2004.º, n.º 1, do CC (preceito assim também violado pelo Tribunal a quo), sendo que essa falta de prova da sua situação de necessidade contra si, ora recorrida, deverá ser valorada;
9. Resulta à saciedade dos autos que a recorrida continuou a enveredar, até ao presente, por uma melíflua estratégia, com o fito de obnubilar quaisquer rendimentos seus, ao contrário da sincera e recta postura processual levada a cabo pelo recorrente, desde os primórdios desta contenda, e que sempre cooperou com o Tribunal a quo, nada escondendo, sendo que, quanto a este aspecto, só lhe poderão ser dirigidos encómios pela prolixa, mas pertinente, informação documental por lançada aos autos;
10. Por isso, enfatiza o recorrente que a recorrida não forneceu aos autos, como lhe competia, as suas declarações de rendimentos anuais obtidos desde a data da separação, devendo essa omissão ser contra si valorada;
11. A recorrida tem veículos registados a seu favor; litiga sem benefício de apoio judiciário em vários processo (sendo que o ex-cunhado J. M. disse não lhe custear os processos); paga, a título de renda, € 396,00 por um estúdio em França, onde vive; suporta ainda a recorrida despesas com: electricidade (cerca de € 60,00 mensais); seguro da habitação e do veículo automóvel; telefone; alimentação; vestuário; produtos de higiene e limpeza, combustível, estas últimas em montante não concretamente apurado; possui certificado de qualificações emitido pela Escola Profissional ..., a 21 de Junho de 2016, pelo qual obteve o 3º Ciclo do Ensino Básico e ainda certificado emitido a 30 de Dezembro de 2016, pelo qual obteve o grau de Ensino Secundário; tem experiência profissional na área da restauração e de escritório, na empresa de transportes da família, em cujos primórdios de existência coadjuvou como secretária, com a sua cunhada;
12. A recorrida preparou, cuidadosamente, com o seu irmão A. C., e cunhados C. M. e J. M., uma ínvia estratégia processual, no sentido de preconizar a sua vitimização em julgamento, mas tal estratégia foi prontamente desmontada pelo recorrente;
13. Até à data de prolação da sentença de que se recorre aqui, M. C. conta um período de 37 meses de putativa incapacidade para o trabalho, sendo que a sua situação de doença não foi minimamente explicada ao Tribunal;
14. Desta forma, existe um erro de julgamento do Tribunal recorrido, ao ter dado como provado o ponto n.º 22 dos factos dados como provados, pois, este facto teria de ser objecto de melhor escalpelização pelo Tribunal a quo, em termos de indagação;
15. Como corolário, tão pouco pode o Tribunal a quo, perfunctoriamente, concluir que a recorrida se encontra numa situação de doença que a impeça de trabalhar, à míngua de uma premissa de facto, cientificamente comprovada, que lhe permita extrair essa ilação;
16. O Tribunal afirma que desde Dezembro de 2017 que a recorrida se encontra de baixa médica, mas esta questão não foi esmiuçada, não se sabendo se a recorrida fez alguma coisa para debelar esta situação, procurando qualquer trabalho compatível com essa suposta situação, não sendo despiciendo observar que já que nos encontramos em 2021, ano de prolação da sentença em primeira instância;
17. O estado de saúde da recorrida é ainda um verdadeiro tabu, uma questão essencial controvertida a decidir-se no presente processo;
18. Não se apurou, pois, qual o concreto estado de saúde física e psíquica da recorrida, para se aferir, com a mínima segurança decisória, se está apta para o trabalho, ou não;
19. Não se logrou sequer provar que se encontra a recorrida, na realidade, num estado de depressão clinicamente comprovado, ou que, a existir tal hipotético estado, qual a sua extensão, de molde a toldar ou impedir qualquer possibilidade efectiva de prestação trabalho;
20. Assim sendo, e porque o estado de saúde da recorrida é ainda uma questão essencial controvertida a decidir-se no presente processo, na esteira da visão permissiva de Abrantes Geraldes, o aqui recorrente, impetrará infra, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 662.º, n.º 2, al. b), do CPC, a produção de perícia médico-legal a que a recorrida deverá submeter-se, para se apurar o real grau de (in)capacidade para o trabalho.
21. Por outro lado, e na verdade, até hoje, nada se sabe acerca da real vida financeira recorrida, pois apesar de as testemunhas relativamente mais próximas da mesma (o casal J. M. e esposa C. M.) terem dito que a ajudavam com bens alimentícios e dinheiro, sem embargo de dela viverem distanciados em cerca de 100km, a verdade é que a prova de qualquer indício de riqueza só nos pode ser dada por documentos idóneos, o que no caso não sucedeu, de banda da recorrida, como lhe competia;
22. A recorrida não pretendeu, ardilosamente, revelar o que quer que seja acerca da sua condição 27 económico-financeira actual ao Tribunal a quo (em especial, ao nível de prova documental, com sejam as declarações de rendimentos anuais), como lhe competida, para prova do seu direito a alimentos, pelo que, desta feita, violou o Tribunal a quo, o disposto no artigo 342.º, n.º 1 do CC e no 414.º, n.º 1, do CPC;
23. Assim, no tocante às disposições do Código Civil em matéria de alimentos, violou o Tribunal a quo o previsto no artigo 2004, n.º 1 (porque a fattispecie da “necessidade” não foi preenchida, porque erroneamente julgada o foi), e, sobretudo, o disposto no n.º 2 do mesmo artigo, porque não foi devidamente escalpelizada, em sede probatória, a possibilidade da recorrida prover à sua subsistência;
24. Violou ainda o Tribunal a quo – e aqui notoriamente – o disposto no artigo 2016.º, n.ºs 1, do CC, pois não ficou demonstrado, em tempo algum, que a recorrida tenha tentado prover à sua subsistência, não obstante uma putativa e muito mal explicada “depressão” de que padecerá;
25. Nessa medida, o Tribunal a quo cometeu um erro de julgamento, ao considerar que a recorrida se encontra em estado de doença que a impede de trabalhar, pois não se baseia em elementos probatórios assertivos para tal, uma vez que não se encontra cientificamente explicitada a situação de saúde da recorrida, em termos clínicos, porquanto as tergiversações das testemunhas sobre esta questão são insuficientes;
26. Desconhece-se ainda, pois, se, o facto de a recorrida se encontrar medicada a impede, realmente, de trabalhar, e em que medida, em caso de resposta positiva;
27. A extensão e valor elevado do património comum imobiliário do ex-casal indicia que a recorrida será contemplada com elevada maquia de meação;
28. Não se sabendo quanto tempo durará o inventário que opõe os agora ex-cônjuges, o que é certo é que, até hoje, na realidade, não logrou a recorrida justificar a evolução da sua circunstância económico-financeira, em termos de revelar uma real necessidade alimentícia;
29. O ponto 19 dos factos dados como provados deverá passar a ter a seguinte redacção: “Desconhece-se se a autora aufere qualquer rendimento mensal”;
30. O ponto 21 dos factos dados como provados deverá passar a ter a seguinte redacção: “A autora, para além da experiência profissional mencionada em 6, 7 e 13, não tem outra experiência profissional prévia, sendo que a sua idade poderá constituir um entrave para obter trabalhos de índole técnica ou que exijam conhecimentos especiais, designadamente ao nível de formação superior”;
31. O ponto 22 dos factos dados como provados deverá passar a ter a seguinte redacção: “A autora dispõe de certificado de incapacidade temporária, relativa aos meses de Novembro e de Dezembro de 2017”;
32. Em contrapolo, e à guisa de complemento, deverá enxertar-se ao rol de factos dados como não provados, o seguinte ponto: “Que a autora se encontre em situação de incapacidade temporária ou permanente, absoluta ou parcial, para o trabalho, desde Dezembro de 2017”;
33. O recorrido encontra-se completamente arredado da vida profissional de todas as 4 empresas do grupo X, em França, das quais foi destituído e despedido, nenhum rendimento auferindo das mesmas, desde Outubro de 2019 em diante, no que respeita a salários, e desde 2013 em diante, no que respeita ao recebimento de lucros;
34. Destarte, o facto não provado “Z”, (penúltimo) do rol dos factos dados como não provados, deverá trasladar-se, de imediato, para o rol dos factos provados (com arreigo nas declarações da testemunha J. M., concatenadas com o teor dos recibos de vencimento que esta testemunha juntou aos autos).
35. Quanto ao ponto “A.A.” dos factos dados como não provados, é mister dá-lo como provado, passando a ter a seguinte redacção: “Entre 16 de Outubro de 2019 e 24 de Dezembro de 2019, o réu auferiu, a título de baixa médica, o valor total de 146,81€”;
36. Paralelamente, e com proveniência do artigo 25.º do articulado superveniente do recorrente de 7 de Dezembro de 2019, a seguinte asserção que deveria consignar-se nos factos dados como provados: “Vendo-se a braços com o pagamento mensal das despesas de conservação e manutenção do lar conjugal, encontrando-se de baixa desde 16 de Outubro, não tem agora, o réu, condições financeiras para pagar uma pensão de alimentos à autora.”
37. Fruto da sua abrupta e colossal diminuição de rendimentos desde Setembro de 2019, o recorrente viu-se forçado a cessar a actividade da sociedade firma Y, aguardando agora, tão só, a sua reforma, que espera alcançar dentro de dois anos;
38. O recorrente continuou e continua ainda a suportar as despesas mencionadas no ponto 44 dos factos provados, tendo despendido, em 2019 e 2020, entre outra miríade de valores de despesas, o valor total de 11.291,20€ (onze mil, duzentos e noventa e um euros e vinte cêntimos), a título de prestações dos créditos bancários da responsabilidade do ex-casal;
39. No mais, desde 22 de Fevereiro de 2020, que o recorrente passou a auferir a quantia diária, e ilíquida, de 9,37€ (nove euros e trinta e sete cêntimos), a título de subsídio de desemprego, que se prolongará por um período de 912 dias desde aquela data, de modo que, pela ingente informação já carreada aos autos, é por demais evidente que não tem o réu/recorrente, quaisquer condições financeiras para pagar uma pensão de alimentos à autora/recorrida, pois está depauperado, não recebendo qualquer salário desde Outubro de 2019,
40. Pelo que já quase não dispõe de reservas pecuniárias;
41. Por conseguinte, e com proveniência no artigo 36.º, da contestação ao articulado superveniente da recorrida, há também que incluir ao rol dos factos provados o seguinte: “Entre 2013 e 2018, o recorrido não auferiu lucros na empresa X INVESTISSEMENTS e subsidiárias.”
42. O esvaziamento total de funções profissionais a que foi cometido o requerente na sociedade X INVESTISSEMENTS e restantes que fazem parte do grupo, acima referidas, teve, como necessária consequência, uma quebra total dos seus rendimentos profissionais, desde Setembro de 2019 em diante;
43. Atentos os termos da condenação de que foi alvo, presentemente, deve o recorrente, à recorrida, 27 prestações de 500 euros cada, o que perfaz a quantia total de alimentos de 13.500,00€, sendo que, presentemente, não dispõe sequer de metade desse valor;
44. Caso seja accionado em sede executiva, apresentar-se-á, muito provavelmente, à insolvência;
45. Por tudo quanto foi esgrimido nesta peça recursal, não restam dúvidas de que a pretensão de alimentos da recorrida deverá soçobrar in totum, face ao extenso argumentário já amplamente desenvolvido;
46. Em todo o caso, e subsidiariamente, vindo este Tribunal a perfilhar a posição de que a recorrida é merecedora de alimentos, levando em apreço que não se antevê quando possa terminar o inventário que opõe os agora ex-cônjuges, é mister proceder à determinação de um limite temporal para a percepção de alimentos, pois, doutra forma, a sentença tornar-se-á arbitrária, isto é, violadora do princípio da proporcionalidade;
47. Destarte, apelando ao princípio da proporcionalidade e à elementar observância das regras da equidade, tal limite deverá ser fixado, o mais tardar, até final do corrente ano de 2021, sem mais, devendo ainda o montante mensal da pensão ser reduzido até o valor de 150 euros, atenta a patente diminuição da capacidade económica do recorrente.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência:

A. Absolver-se integralmente o recorrido do pedido de condenação de alimentos, substituindo-se a sentença recorrida, por outra, que o absolva integralmente do pedido;
B. A não ser dado provimento ao impetrado em A, subsidiariamente, deve então accionar-se o disposto no artigo 662.º, n.º 2, al. b), e n.º 3, al. a), do CPC, ordenando-se a realização de perícia médico-legal a que a recorrida deverá ser submetida, e, com aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades aplicável em Direito Civil, deverá indagar-se se a recorrida padece de qualquer tipo de incapacidade para o trabalho, e em que termos, seguindo-se os ulteriores termos de instrução que este Tribunal reputar por convenientes e/ou necessários;
C. Ainda subsidiariamente, caso este Tribunal venha a concluir que à recorrida deverão ser prestados alimentos, deverá determinar-se um limite temporal para a sua percepção, in casu, o mais tardar, até final do corrente ano de 2021, sem mais, devendo ainda o montante mensal da pensão ser reduzido até o valor de 150 euros, atenta a patente diminuição da capacidade económica do recorrente.
Requereu a junção de 4 documentos.
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A A. apresentou contra-alegações, preconizando a manutenção do decidido, sustentando que o recorrente não cumpriu relativamente à impugnação da matéria de facto os requisitos legais do art. 640º do CPC e pronunciou-se pelo desentranhamento dos documentos juntos pelo recorrente com as alegações.
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, sendo os autos remetidos a este Tribunal.
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Em 10.1.2022, o recorrente, invocando o disposto nos artigos 421º e 425º do CPCivil, veio requerer a junção do registo áudio do depoimento prestado por M. F., seu irmão, testemunha no apenso relativo à atribuição da casa de morada de família em 27.5.2021, afirmando que o mesmo disse que a aqui A. naquela data já não se encontrava de baixa médica e que se encontrava a “ fazer uma formação”, o que em seu entender demonstra que a mesma já podia laborar sem constrangimentos naquela data.
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A recorrida pronunciou-se pelo indeferimento de tal requerimento.
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Foram colhidos os vistos legais.
Nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

I. Delimitação do objeto do recurso

Face ao disposto nos arts 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente.
Assim, as questões a decidir são:

1ª- Como questão prévia, a admissibilidade da junção dos documentos juntos pelo recorrente com as alegações e do registo audio do depoimento posteriormente requerido.
2ª- Fixar a matéria de facto, apreciando a impugnação do R..
3ª- Apurar se assiste à A. o direito a pensão de alimentos e respectivo montante.

III- Fundamentação

- Da admissibilidade da junção dos quatro documentos apresentados com as alegações de recurso e do registo audio do depoimento prestado por uma testemunha no apenso para atribuição da casa de morada de família.
Com as alegações de recurso, o recorrente apresentou uma avaliação, correspondente aos documentos nº1 e 2, realizada no processo de inventário para separação de meações do ex-casal, realizada em Dezembro de 2020, do conjunto predial que integrava casa de morada de família do ex-casal e duma loja comercial que também lhe pertencia, imóveis esses avaliados em € 556.491,79.
Como documento nº3 apresentou vários extractos bancários respeitantes ao período de 10.7.2019 e 10.4.2020, alegadamente comprovativos do pagamento pelo recorrente dos créditos contraídos pelo casal.
E como documento nº4 apresentou uma comunicação do Centro de Emprego Francês, datada de 28.5.2020, de atribuição de um subsídio de regresso ao emprego ao recorrente a partir de 22.2.2020 pelo período de 912 dias, no valor diário de € 9,37.
A R. pronunciou-se pelo desentranhamento de tais documentos.
Apreciando
Diz o artº. 651º nº. 1 do C.P.C. que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.”
O artº. 425º do C.P.C., diz que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”, norma esta excecional, semelhante à prevista no n. 3 do artº. 423º do C.P.C., no que se reporta à fase de junção de documentos em sede de aferição da prova em julgamento.

Assim sendo, a junção de documentos em sede de recurso, depende de alegação e prova por parte do apresentante de uma de duas situações:

- a impossibilidade de apresentação do documento em momento anterior ao recurso; a superveniência em causa, pode ser objetiva ou subjetiva: é objetiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjetiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento;
- o julgamento efetuado na primeira instância ter introduzido na ação um elemento adicional, não expectável, que tornou necessária esta junção; pressupõe esta situação a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.
Os documentos são um dos meios de prova contemplados no Código de Processo Civil, e a prova tem como finalidade a demonstração da realidade dos factos –artº. 341º do C.C.. Face ao disposto no artº. 362.º do mesmo C.C., prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa.
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre em anotação ao art. 425º do CPC Anotado, Almedina, 2º vol., 4ª edição, p.243, escrevem: “Constituem exemplos de impossibilidade de apresentação os casos em que o documento se encontra em poder da parte ou de terceiro, que apesar da notificação nos termos do art. 429º ou 432º só posteriormente o disponibiliza ou aqueles em que o documento arquivado em notário ou repartição pública e atempadamente requerido só posteriormente foi disponibilizado e, ainda, aqueles em que a parte só posteriormente tem conhecimento da existência do documento. Acresce o caso em que o documento, com o qual se visa provar um facto já ocorrido e alegado, só posteriormente se tenha formado (contendo, por exemplo, uma declaração confessória extrajudicial desse facto); mas não o documento que, embora posteriormente formado, prove um facto não alegado e ele próprio de ocorrência posterior (ac. do STJ de 13.1.2005, Ferreira Girão, www.dgsi.pt.proc.04B3830)
Como é sabido, os ónus da alegação e da prova correspondem a institutos diferentes, ainda que em espelho. De resto, já Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil anotado, volume III, 1985, 4.ª edição, Coimbra Editora, página 271 ensinava que "o ónus da prova pressupõe um outro ónus: o da alegação". Com efeito, o ónus da prova e a prova não têm, portanto, vida própria, dependem, sempre, do ónus da alegação: só faz sentido provar-se o que foi alegado.
Assim, as partes têm o ónus de alegar os factos em que alicerçam a sua pretensão ou a sua defesa nos respectivos articulados e, ocorrendo factos relevantes posteriormente a essa data, podem trazê-los ao processo em articulado superveniente até ao encerramento da discussão na audiência final, momento esse que corresponde ao termo das alegações orais dos advogados das partes (art. 604º, nº3, al. e) do CPC.), o que efectivamente fizeram, tendo apresentado vários articulados supervenientes.
Os factos posteriores ao encerramento da discussão na audiência final já não são atendíveis na sentença.
A este propósito escreve Abrantes Geraldes, in CPCivil Anotado, Vol. I, Almedina, 2ª edição, pág. 758: “Estabelecendo-se que o conteúdo possível da sentença deve ser definido pelo estado dos autos no momento do encerramento da discussão, trata-se de levar o mais longe possível o intuito de assegurar a atualidade da sentença, no sentido da sua adequação à realidade existente na situação submetida a juízo, sem descurar, contudo, a necessidade de isso ser feito segundo um critério objectivo, previsível e controlável pelas partes (o encerramento da discussão), o que já não ocorreria se o critério fosse a data da prolação da sentença.
Acrescentando sobre a atendibilidade dos factos supervenientes: “Quanto aos factos posteriores ao encerramento da discussão que aproveitam ao réu, apenas poderão ser apreciados em sede de oposição à execução (art. 729.º al. e)). Se aproveitarem ao autor e este quiser prevalecer-se dos mesmos, mais não lhe resta do que instaurar nova ação.”
Como se consignou no sumário do acórdão desta Relação de 19.05.2022, relatado por José Alberto Moreira Dias, inwww.dgsi.pt: “A junção aos autos de documentos na fase de recurso apenas é admitida quando se esteja perante documentos objetiva (documentos respeitantes a factos ocorridos historicamente antes do encerramento da discussão em 1ª Instância) ou subjetivamente supervenientes (documentos que, apesar de respeitarem a factos ocorridos historicamente antes do encerramento da discussão em 1ª Instância, não puderam ser juntos aos autos até a esse encerramento, por o apresentante, por motivo que não lhe é imputável, nomeadamente, a título de negligência, ignorar da existência desse documento) ou quando a decisão recorrida assenta num cariz inovatório para as partes, designadamente, em meio de prova produzido oficiosamente pelo tribunal, em momento em que não era possível ao apresentante juntar aos autos o documento junto aos autos com as suas alegações de recurso, com vista a contrariar esse meio de prova produzido oficiosamente pelo tribunal, até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, ou quando essa decisão da 1ª Instância assentou em regra de direito ou em interpretação de regra de direito, com cuja aplicação ou interpretação as partes justificadamente não podiam contar.”
Posto isto, vejamos se é admissível a junção dos documentos apresentados pelo recorrente com as alegações de recurso.
A avaliação dos imóveis do casal, foi efectuada em Dezembro de 2020 em data posterior ao encerramento da audiência, por isso, admitem-se os documentos nº1 e 2 que a corporizam.
O documento nº 3, corresponde a vários extractos bancários relativos ao período de 10.7.2019 a 10.4.2020. E o documento nº 4 é a comunicação, datada de 28.5.2020, do Centro de Emprego Francês de atribuição ao recorrente de um subsídio de regresso ao emprego.
Tais documentos são anteriores ao encerramento da audiência, pois alegações que antecederam a sentença mercê das regras excepcionais decorrentes da pandemia de covid 19 foram apresentadas por escrito em 22.6.2020, pelo que não sendo sequer alegada qualquer justificação para tais documentos só terem sido apresentados com as alegações de recurso, não se admite a sua junção.
Aliás, de outra forma estaria este tribunal de recurso pela via da admissão da junção de documentos com as alegações recursivas, a considerar factos e meios de prova que o tribunal recorrido desconhecia e não pôde apreciar quando no nosso sistema jurídico os recursos têm por função a reponderação das decisões proferidas e não a obtenção de decisões sobre questões e com elementos não conhecidos pelos tribunais de 1ª instância.
E do que já ficou dito decorre igualmente a inadmissibilidade da junção do registo do depoimento da testemunha M. F., prestado em 27.5.2021, no apenso de atribuição de casa de família, pois reporta-se a factos posteriores ao encerramento da discussão que não foram alegados, nem considerados na sentença, e também não podem sê-lo em sede de recurso, sendo que os depoimentos produzidos num processo apenas podem ser invocados noutro nas condições previstas no art. 421º do CPC.
Toda a prova deve ser produzida nos tempos processuais oportunos por força dos princípios da lealdade, igualdade, boa fé e cooperação processuais.
Assim, face às citadas disposições legais, apenas se admite a junção dos documentos nº 1 e 2, ordenando-se o desentranhamento e devolução dos demais ao apresentante, após trânsito deste acórdão.
Mais se condena o apresentante/recorrente em multa equivalente a 1 UC – artºs. 443º, nº. 1, do C.P.C. e 27º, nº. 1, do Regulamento das Custas Processuais.

Da Impugnação da matéria de facto

Antes de mais, importa verificar se o recorrente observou os requisitos de ordem formal necessários para que este Tribunal reaprecie a decisão da matéria de facto.

Tais requisitos constam do art.640º do C.P.Civil que preceitua:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Da norma transcrita resulta que a reapreciação da decisão da matéria de facto pelos tribunais da Relação está subordinada ao cumprimento de diversos ónus pelo recorrente, cuja explicitação tem vindo a ser feita, nomeadamente pelo STJ que no acórdão de 21-03-3019, relatado por Rosa Tching, disponível in www.dgsi.pt, a este propósito, decidiu o seguinte:
“ Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.
E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada; já quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.”
*
Analisando as alegações de recurso, verificamos que a recorrente cumpriu os referidos ónus, pois identifica os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, indicando a decisão que em seu entender deve proferida, e identifica os documentos e as passagens dos depoimentos que em seu entender impõem uma decisão diversa.
Para clarificar a pretensão do recorrente reproduzimos toda a matéria de facto considerada como provada e não provada pelo tribunal recorrido sublinhando a impugnada.

Factos provados:

1) Autora e Réu contraíram casamento católico sem convenção antenupcial no dia - de Julho de 1982, na Igreja Paroquial da freguesia de … e …. (artigo da petição inicial)
2) Deste casamento nasceram três filhos, agora maiores de idade: A. P., L. C. e C. P.. (artigo 62º da petição inicial)
3) Este casamento foi dissolvido por divórcio decretado no dia - de Setembro de 2018. (artigo 65º da petição inicial)
4) A Autora nasceu no dia - de Julho de 1966. (artigo 44º da petição inicial.
5) Após o matrimónio, Autora e Réu fixaram residência em França (art.2ºda petição inicial)
6) No início da vida de casada, a Autora dedicou-se ao lançamento e desenvolvimento de uma sociedade comercial por quotas, que tinha por objecto o transporte de mercadorias, de que o marido era sócio. (artigo da petição inicial, restritivamente)
7) Trabalhando como telefonista e escriturária da empresa, juntamente com uma cunhada, na cave da casa onde habitavam. (artigo da petição inicial)
8) Sempre que solicitado, ajudava em tudo o que fosse necessário para a empresa, o que aconteceu durante vários anos e em qualquer altura. (artigo da petição inicial)
9) Cumulativamente com isto, e como, entretanto, teve os seus filhos, enquanto foram pequenos tomava conta dos mesmos e de outras crianças, passava a ferro para fora e fazia limpezas. (artigo da petição inicial)
10) Actividades estas desenvolvidas em França e em proveito comum do casal. (artigo da petição inicial)
11) Entretanto, no ano de 1998, o casal regressou a Portugal e passou a explorar dois estabelecimentos comerciais de restauração na vila de Arcos de Valdevez. (artigo da petição inicial)
12) No ano de 2005, em virtude do adoecimento de um irmão, o Réu regressou a França para substituir o mesmo na administração da referida sociedade. (artigo 10º da petição inicial)
13) A Autora, por sua vez, manteve-se em Portugal a criar e educar os filhos do casal e a gerir os dois espaços comerciais. (artigo 11º da petição inicial)
14) Neste período, passou a assumir e gerir sozinha os estabelecimentos comerciais e o marido assumiu em França a gestão da empresa de transportes. (artigo 18º da petição inicial, restritivamente)
15) Como o Réu se encontrava em França, a Autora repartia o seu tempo entre a dedicação aos filhos, aos negócios da família e em viagens para França. (artigo 13º da petição inicial)
16) Por opção do casal, os referidos espaços de restauração encerraram, um em 2006 e o outro em 2008. (artigo 12º da petição inicial)
17) Entre 1998 e 2010 a Autora efectuou descontos para a Segurança Social em Portugal. (artigo 16º da petição inicial, restritivamente)
18) Para fazer face às despesas com o património do casal em Portugal ou outras despesas, o Réu chegou a transferir mensalmente a quantia de € 3.000,00. (artigo 27ºda petição inicial, restritivamente)
19) A Autora não dispõe de remuneração mensal. (artigo 34º da petição inicial, restritivamente)
20) Encontra-se desempregada e inscrita no Centro de Emprego em França desde 23 de Maio de 2017. (artigo 35º da petição inicial)
21) A idade, a falta de experiência no mercado laboral, afastada que está há vários anos, assim como a falta de outros conhecimentos técnicos, constituem um entrave para obter trabalho. (artigo 45º da petição inicial, restritivamente)
22) Desde Dezembro de 2017 que a Autora se encontra de baixa médica. (artigo 52º da petição inicial, restritivamente)
23) Encontrando-se actualmente a ser acompanhada em psiquiatria e psicologia. (artigo 53º da petição inicial, restritivamente)
24) Efectua medicação diária. (artigo 16º do articulado superveniente da Autora)
25) Desenvolveu problemas na laringe, que tenta corrigir com recurso a medicação e terapia da fala. (artigo 17º do articulado superveniente da Autora)
26) Encontrando-se a ser seguida em otorrinolaringologia. (artigo 18º do articulado superveniente da Autora)
27) A Autora adquiriu um veículo automóvel de passageiros, com a matrícula …, de 06/02/2004, registado a seu favor em 29/11/2017. (artigos 26º da contestação e 41º do articulado superveniente da Autora, com esclarecimento)
28) Em Dezembro de 2018, a Autora arrendou um estúdio, pagando nesse mês o montante de € 1.043,49, referente a renda e caução. (artigo 33º do articulado superveniente da Autora, restritivamente)
29) Paga mensalmente, a título de renda, € 396,00. (artigo 34º do articulado superveniente da Autora)
30) Suporta despesas com: electricidade (cerca de € 60,00 mensais); seguro da habitação e do veículo automóvel; telefone; alimentação; vestuário; produtos de higiene e limpeza, combustível, estas últimas em montante não concretamente apurado. (artigos 35ºa 40º, 42º, 41º e 42º - numeração repetida - do articulado superveniente da Autora, restritivamente)
31) A Autora sempre foi uma mulher activa e dinâmica. (artigo 56º da petição inicial, restritivamente)
32) O Réu exercia as funções de sócio gerente de uma sociedade comercial por quotas, afecta ao transporte de mercadorias, denominada X Investissements. (artigo 68º da petição inicial, com esclarecimento)
33) A qual, face ao crescimento se desenvolveu em mais 3 empresas, a W, K e W Transports. (artigo 69º da petição inicial, restritivamente)
34) O Réu auferia, anteriormente ao decretamento do divórcio, o ordenado de cerca de € 8.000,00. (artigo 70º da petição inicial)
35) Declarava anualmente o rendimento de cerca de € 95.000,00. (artigo 71º da petição).
36) O Réu criou, em 15 de Fevereiro de 2019, em Portugal, uma nova empresa denominada “Y, Unipessoal, Lda.”, do qual era o único sócio e gerente, com sede em Arcos de Valdevez. (artigo 61º do articulado superveniente da Autora, com esclarecimento).
37) O Réu assumiu a gestão do património do casal. (artigo 77º da petição inicial)
38) Em data não concretamente apurada, o casal efectuou diligências no sentido de a Autora passar a explorar um estabelecimento comercial em regime de franchising, no ramo do comércio a retalho de acessórios de moda, peças de vestuário e bijuteria, projecto que não se veio a concretizar por motivos não concretamente apurados. (artigo 14º da contestação, com esclarecimento)
39) Chegou a ser ponderada a formação da Autora na área do restauro de mobiliário e decoração de interiores, que não se veio a concretizar por motivos não concretamente apurados. (artigo 16º da contestação, restritivamente e com esclarecimento)
40) A Autora trabalhou no último trimestre de 2017, tendo auferido, pelo menos, € 3.055,00. (artigo 21º da contestação)
41) Encontra-se registado a favor da Autora o veículo de marca Hyundai, coma matrícula UF. (artigo 25º da contestação, restritivamente)
42) A Autora possui certificado de qualificações emitido pela Escola Profissional ..., a - de Junho de 2016, pelo qual obteve o 3º Ciclo do Ensino Básico e ainda certificado emitido a 30 de Dezembro de 2016, pelo qual obteve o grau de Ensino Secundário. (artigo 30º da contestação)
43) Em Setembro de 2017, a Autora recebeu a quantia de € 22.139,45, correspondente a metade do preço da venda do apartamento de que o casal era proprietário em França. (artigo 31º da contestação).
44) O Réu continua a suportar as seguintes despesas relativas ao património do ex-casal: prestações de créditos € 1.123,67 mensais; seguros, em montantes não concretamente apurado; IMI relativo a 3 prédios rústicos e 2 urbanos: € 1.052,06 por ano. (artigo 36º da contestação, restritivamente).
45) O Réu suporta ainda as seguintes despesas: electricidade (montante mensal não concretamente apurado); gasóleo de aquecimento (montante mensal não concretamente apurado); jardinagem (€ 250,00 mensais). (artigos 37º e 46º da contestação, restritivamente)
46) Encontra-se a decorrer, no Cartório Notarial de …, o processo de inventário n.º 1555/19, para partilha do património comum. (artigo 43º da resposta ao articulado superveniente da Autora)
47) O valor provisório do património comum ascende a € 191.238,75. (artigo 44º da resposta ao articulado superveniente da Autora)
48) Na Assembleia Geral Ordinária da sociedade X INVESTISSEMENTS, realizada a 16 de Setembro de 2019, J. M. e C. D. deliberaram a destituição do Réu como gerente. (artigo 9ºdo articulado superveniente do Réu)
49) Desde 16 de Outubro de 2019 que o Réu se encontra de baixa médica. (artigo 15º do articulado superveniente do Réu, restritivamente)
50) Desde o Verão de 2019 que o Réu passa a maior parte do tempo em Arcos de Valdevez. (artigo 16º do articulado superveniente do Réu, restritivamente)
51) A sociedade “Y” cessou a sua actividade em 31 de Outubro de 2019. (artigo 17º do articulado superveniente do Réu, restritivamente e com esclarecimento)

Factos Não Provados:

A. Que a Autora nunca tenha sido remunerada nem tenha efectuado quaisquer descontos. (artigo da petição inicial)
B. Que o Réu se opusesse a que a Autora tivesse uma profissão. (artigo 19º da petição inicial)
C. Que o Réu impusesse sempre que a Autora se mantivesse sob sua dependência financeira e encarregue de todas as tarefas referidas, por forma a manter-se ocupada. (artigo 20º da petição inicial)
D. Que a Autora sempre tenha pretendido fazer vida em França, mas o Réu sempre se tenha manifestado contra. (artigo 21º da petição inicial)
E. Que o Réu a pressionasse a manter-se em Portugal. (artigo 22º da petição inicial)
F. Que a obrigasse a repartir o seu tempo entre Portugal e França. (artigo 23º da petição inicial)
G. Que o Réu sempre tenha demonstrado um carácter controlador e manipulador sobre a Autora, justificando a sua oposição para que a mesma tivesse um emprego com o facto de auferir rendimentos mais do que suficientes. (artigo 24º da petição inicial)
H. Que sempre tenha sido o Réu a gerir a conta comum do casal e na qual era depositado o seu vencimento mensal. (artigo 26º da petição inicial)
I. Que a Autora não possua condições para arrendar casa. (artigo 36º da petição)
J. Que a Autora não possua veículo automóvel próprio (artigo 40º petição inicial)
K. Que a Autora resida num meio pequeno, distanciado do centro urbano onde escasseiam os transportes públicos e onde possuir veículo próprio é essencial para fazer face ao quotidiano (artigo 41º da petição inicial)
L. Assim como para se deslocar, a fim de procurar ofertas de trabalho, sendo inexistentes no local onde está. (artigo 42º da petição inicial)
M. Ou cumprir com os horários próprios do trabalho, caso venha a dispor. (artigo 43º da petição inicial)
N. Que a Autora não disponha de qualquer protecção ou subsistema de saúde. (artigo 48º da petição inicial)
O. Que a Autora não detenha capacidade de, em caso de doença, recorrer a médicos particulares. (artigo 50º da petição inicial)
P. Que a Autora, com a situação actual, tenha passado a ter dificuldades em dormir, ansiedade, tristeza profunda, falta de concentração, vertigens, quebra de tensão… (artigo 58º da petição inicial)
Q. Que o seu estado de saúde actual aliado à incapacidade que sente diariamente de refazer a sua vida (encontrar um emprego e habitação própria) leva a Autora a uma situação tal ao ponto de sentir grande dificuldade em realizar as tarefas mais elementares que sempre desempenhou ao longo da vida, desde cozinhar, vestir e cuidar-se. (artigo 60º da petição inicial)
R. Que, desde a separação de facto, o Réu tenha vedado à Autora qualquer acesso às contas do casal, aos rendimentos da empresa e ao património imobiliário até então detido por ambos. (artigo 63º da petição inicial)
S. Que o Réu beneficie dos dividendos e lucros da empresa, designadamente auferindo € 31.000,000 só no mês de Dezembro de 2016. (artigo 73º da petição inicial)
T. Que o Réu tenha auferido outras quantias que eram provenientes da empresa, que se cifraram em € 20.000,00. (artigo 74º da petição inicial)
U. Que a Autora não desejasse prosseguir com uma carreira profissional própria e permanente, não obstante ter sido aconselhada pelo Réu para esse efeito, após o fim da exploração conjugal dos estabelecimentos de restauração. (artigo 13º da contestação)
V. Que no desenrolar das conversações negociais ocorridas com representantes da marca, a Autora se desinteressou pelo encabeçamento do negócio, sem motivo fundado. (artigo 15º da contestação)
W. Que a Autora tenha continuado a trabalhar em França mediante remuneração mensal ou diária, durante todo o ano de 2018 até aos dias de hoje, sem formalização de vínculo laboral, no sentido de obstaculizar a possibilidade da prova documental de rendimentos. (artigo 22º da contestação)
X. Que a Autora tenha auferido sempre valores de retribuição mensal média nunca inferiores ao montante do salário mínimo nacional francês. (artigo 23º da contestação)
Y. Que o irmão da Autora lhe transfira mensalmente a quantia de € 500,00, a título de empréstimo. (artigo 24º do articulado superveniente da Autora)
Z. Que, desde o mês de Setembro de 2019, o Réu não aufira qualquer salário. (artigo 12º do articulado superveniente do Réu)
AA. Que, desde 16 de Outubro de 2019, o Réu apenas tenha recebido, a título de rendimentos, a quantia de € 96,00, proveniente da Segurança Social francesa por força da baixa médica. (artigo 26º do articulado superveniente do Réu)

Vejamos, pois, a impugnação do recorrente, anotando-se que ouvimos toda a prova gravada e que o teor dos depoimentos das testemunhas corresponde ao que a Exma Juíza consignou resumidamente na fundamentação da matéria de facto

O recorrente impugna os seguintes factos dados como provados:
19) A Autora não dispõe de remuneração mensal.
21) A idade, a falta de experiência no mercado laboral, afastada que está há vários anos, assim como a falta de outros conhecimentos técnicos, constituem um entrave para obter trabalho.
22) Desde Dezembro de 2017 que a Autora se encontra de baixa médica.

Pretendendo que seja dada como provado o seguinte:
19) Desconhe-se se a autora aufere qualquer rendimento mensal.
21) A A. para além da experiência profissional mencionada em 6, 7 e 13, não tem outra experiência profissional prévia, sendo que a sua idade poderá constituir entrave para obter trabalho de índole técnica ou que exijam conhecimentos especiais, designadamente ao nível de formação superior.
22) A A. dispõe de certificados de incapacidade temporária para o trabalho relativos aos meses de Novembro e Dezembro de 2017.
Alega ainda que em contrapolo deve ser dado como não provado que a A. se encontre em situação de incapacidade temporária ou permanente, absoluta ou parcial, para o trabalho, desde Dezembro de 2017.

Facto 19)
Pretende o recorrente que se retire dos factos provados que a A. não aufere remuneração mensal, afirmando que a mesma litiga contra si em vários processos sem apoio judiciário, custeando as despesas com representação forense em Portugal e em França, não sendo credível que sejam os cunhados, J. M. e C. M., a sustentá-la durante tanto tempo e a auxiliá-la também nas despesas judiciais, tendo o primeiro negado tal ajuda no que concerne a estas últimas. E que “quem cabritas vende e cabras não tem de algum lado lhe vêm.”
Anota-se que o recorrente alegou na contestação que a A. continuou a trabalhar em França mediante remuneração mensal ou diária, durante todo o ano de 2018 e até aos dias de hoje, sem formalização de vínculo laboral, no sentido de obstaculizar a possibilidade a possibilidade de prova documental de rendimentos e não logrou demonstrar tal factualidade que foi dada como provada (al.w) e não foi objecto de impugnação.
Por outro lado, está provado que a A. se encontra desempregada e inscrita Centro de Emprego em França desde 23 de Maio de 2017 (nº20) o que também não foi impugnado. E nenhuma testemunha afirmou que a A. tenha exercido actividade alguma após o divórcio. Ao invés, as testemunhas que com ela contactam em França, nomeadamente os cunhados J. M. e C. M., disseram que não trabalha devido aos problemas de saúde e que terá muita dificuldade em encontrar emprego devido à idade e à falta de experiência e formação. A filha A. P., cujo depoimento o recorrente invoca, disse que os seus tios se o desejassem podiam contratar a mãe para a empresa de transportes da família, não disse que o fizeram e, residindo em Portugal, não demonstrou conhecimento da realidade empresa.
Assim, resultando da prova produzida que a A. está desempregada e não está a exercer qualquer actividade profissional, é de concluir que não tem remuneração mensal. As considerações retiradas pelo recorrente do facto de a A. litigar em vários processos contra si sem apoio judiciário são meras conjecturas baseadas em suposições, pelo que se indefere a alteração em apreço.

Facto nº 21)
Consta como provado que:
A idade, a falta de experiência no mercado laboral, afastada que está há vários anos, assim como a falta de outros conhecimentos técnicos, constituem um entrave para obter trabalho.

Pretende o recorrente que seja dado como provado que:
A A. para além da experiência profissional mencionada em 6, 7 e 13, não tem outra experiência profissional prévia, sendo que a sua idade poderá constituir entrave para obter trabalho de índole técnica ou que exijam conhecimentos especiais, designadamente ao nível de formação superior.
O que o tribunal a quo deu como provado corresponde ao que resulta da prova produzida. Como decorre do nº 42 dos factos provados, a A. obteve em 2016 os certificados do terceiro ciclo do ensino básico ( 7º, 8º e 9º anos) e do ensino secundário ( 10º,11º e 12ºanos) e a sua experiência laboral ao longo da vida resume-se a alguns anos de trabalho como telefonista e escriturária aquando do lançamento da empresa de transportes familiar, na cave da casa onde habitavam em França( nºs 6 e7 dos factos provados) e à gerência de dois estabelecimentos de restauração que o casal abriu em Portugal em 1998, tendo encerrado um em 2006 e o outro em 2008 ( nº 11,13 14 e 16 dos factos provados), por isso, não restam dúvidas de que a A. se mantém afastada do mercado laboral há vários anos, não dispõe de formação e conhecimentos técnicos especializados, factores que associados à sua idade ( 54 anos), de acordo com as regras da experiência, constituem um entrave para obter trabalho, o que não significa uma impossibilidade total, pelo que, inexistindo qualquer erro de julgamento, se mantém inalterado o nº 21 dos factos provados.

Facto 22)
Consta como provado que:
Desde Dezembro de 2017 que a Autora se encontra de baixa médica.

Pretende o recorrente que seja dado como provado:
A A. dispõe de certificados de incapacidade temporária para o trabalho relativos aos meses de Novembro e Dezembro de 2017.
E como não provado que: a A. se encontre em situação de incapacidade temporária ou permanente, absoluta ou parcial, para o trabalho, desde Dezembro de 2017.
Alega que existe um erro de julgamento do tribunal recorrido porque deu como provado que a A. se encontra de baixa desde dezembro de 2017 sem indagar, como se impunha, se tal situação ainda se mantém, acrescentando que impugnou os certificados de incapacidade temporária para o trabalho juntos pela A. com o articulado superveniente de 1.7.2019, que foram tidos em conta pelo tribunal, aceitando apenas os relativos ao ano de 2017.
Vejamos
A A. juntou aos autos certificados de incapacidade temporária para o trabalho relativos aos meses de Novembro/Dezembro de 2017; Julho/Agosto de 2018; Agosto/Setembro de 2018; Outubro/Novembro de 2018; Novembro/Dezembro de 2018; Dezembro de 2018/Janeiro de 2019; Janeiro/Março de 2019; Abril/Maio de 2019; Maio/Junho de 2019; Janeiro/Fevereiro de 2020.
Nos relativos aos meses de Novembro e Dezembro de 2017, figura como entidade empregadora a empresa S. e nos demais não consta a indicação de qualquer empregador. E com excepção dos relativos a Janeiro e Fevereiro de 2020 em que é feita referência a uma patologia no pé esquerdo, em todos os demais consta a menção “síndrome depressivo”.
Tais certificados constam de formulário próprio (igual aos juntos pelo R.) e todos eles contêm a identificação e a assinatura do médico, bem como a indicação da estrutura de saúde, inexistindo motivos para questionar a veracidade de quaisquer deles, sendo que o recorrente também não explica porque aceita os dos meses de novembro e dezembro de 2017 e impugna os demais. Tal impugnação não fundamentada não impedia o tribunal a quo de os considerar verdadeiros, tanto mais que são consonantes com a prova testemunhal produzida, avaliação que corroboramos.
Por conseguinte, os períodos de incapacidade temporária da A. não se limitaram aos meses de novembro e dezembro de 2017, como pretende o recorrente, indeferindo-se a alteração requerida ao teor do nº22 dos factos provados, bem como o pretendido aditamento aos factos não provados, que é destituído de qualquer fundamento.
No entanto, a A. também não esteve ininterruptamente de baixa desde Novembro de 2017.

Assim, o nº 22 dos factos provados passará a ter a seguinte redacção:

22) A Autora a esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho nos seguintes meses: Novembro/Dezembro de 2017; Julho/Agosto de 2018; Agosto/Setembro de 2018; Outubro/Novembro de 2018; Novembro/Dezembro de 2018; Dezembro de 2018/Janeiro de 2019; Janeiro/Março de 2019; Abril/Maio de 2019; Maio/Junho de 2019; Janeiro/Fevereiro de 2020.

O recorrente argumenta ainda que não se apurou o concreto estado de saúde física e psíquica da A., designadamente se encontra em estado de depressão e, em caso afirmativo, se o mesmo a impede de trabalhar. E sustentando que a A. não fez prova da sua incapacidade para o trabalho e que o seu estado de saúde é ainda uma questão essencial e controvertida a decidir no processo, sustenta que deve este tribunal ad quem ordem a realização de uma perícia médico legal para apurar o seu real grau de incapacidade para o trabalho, nos termos e para os efeitos previstos no art. 662, nº2, al. b) do CPC.
É certo que a Relação deve, em ordem à descoberta da verdade material, mesmo oficiosamente (tratando-se de um poder/dever que deve ser imbuído de critérios de objetividade), proceder ao reexame da causa, mediante a renovação das provas produzidas na 1ª instância ou, ordenar a produção de novos meios de prova, quando se erga fundada dúvida sobre a prova realizada – alínea b); a Relação pode, ainda, anular a decisão proferida na 1ª. instância quando, não constando do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto (alínea c)).
A propósito da produção de novos meios de prova, escreve Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, Almedina, 6ª ed., pág. 343 : “O uso deste mecanismo não pode deixar de ser moderado(…) Trata-se de uma diligência complementar e extraordinária.(…) Relativamente a alguns meios de prova como relatórios periciais, importará ainda que se pondere , em sede de avaliação objectiva, a necessidade ou pertinência de alguma diligência complementar sugerida pelas partes e as iniciativas que foram ou deveriam ter sido adoptadas oportunamente, antes de esses meios de prova serem sujeitos à apreciação livre por parte do tribunal de 1º instância.
Enfim, mais do que atender mecanicamente aos apelos, por vezes, a destempo( ou mesmo destemperados) das partes parece mais conveniente que também a respeito da “produção de novos meios de prova”, a Relação se confronte com a prova que foi ou devia ter sido produzida, orientando-se por um critério objectivo que, atentas as circunstâncias, revele a imprescindibilidade, ou não de realização de um tal diligência complementar destinada a superar dúvidas fundadas sobre o alcance da prova já realizada.”
Ora, salvo o devido respeito por diferente entendimento, não se vê justificação objectiva para a realização nesta fase de recurso de uma perícia médico legal à pessoa da A. para averiguar da sua capacidade para o trabalho, a luz da tabela nacional de incapacidades em direito cível.
Antes de mais, sublinha-se que as provas devem, por regra, ser requeridas e produzidas no tribunal de primeira instância. A faculdade da Relação ordenar a produção novos meios de prova em sede de recurso é excepcional e não serve para desonerar as partes de accionarem na fase de produção de prova os mecanismos legais para a instrução da causa.
Se o R. considerava imprescindível a realização de perícia médico-legal à pessoa da A. para esclarecer o seu estado de saúde e a respectiva capacidade de trabalho/ ganho era nessa fase que a devia ter requerido, sendo certo que tal capacidade depende de vários factores e não apenas de um eventual coeficiente de incapacidade.
E na fase de instrução da causa foi produzida prova sobre tal factualidade. A A. juntou vários documentos, nomeadamente, sobre a assistência médica a que recorreu, medicação que lhe foi prescrita e certificados de incapacidade temporária para o trabalho, tendo as testemunhas também sido inquiridas sobre o seu estado de saúde e capacidade de trabalho.
Ora, analisada prova realizada não temos qualquer dúvida fundada sobre a mesma (a dúvida sobre a prova é coisa diversa de a prova ser suficiente ou insuficiente para o que se quer provar, como é diferente a dúvida que é fruto da contraprova apresentada) pelo que falece o pressuposto legal para ordenar novos meios de prova, nomeadamente, a perícia médico legal requerida, pelo que se indefere tal diligência.

Mais impugnou o recorrente os seguintes factos dados como não provados, reclamando a sua inclusão nos factos provados.
Z. Que, desde o mês de Setembro de 2019, o Réu não aufira qualquer salário.
AA. Que, desde 16 de Outubro de 2019, o Réu apenas tenha recebido, a título de rendimentos, a quantia de € 96,00, proveniente da Segurança Social francesa por força da baixa médica.
Sustenta que os factos vertidos na al. Z) devem ser dados como provados com base no depoimento da testemunha J. M. e nos recibos de vencimento juntos por este.
Ora, do depoimento de tal testemunha e dos recibos que a mesma juntou aos autos resulta que o R. recebeu salário da firma W Transports até à data em apresentou baixa médica em 15.10.2019.
E o alegado pelo R., no art. 12º do articulado superveniente de 7.12.2019, foi que do mês de Setembro de 2019 em diante não auferiu qualquer salário, num exercício de vindicta do seu irmão J. M. que passou a ser o gerente.
Por conseguinte, o R. alegou que não recebeu qualquer salário a partir do mês de Setembro, quando no mês de Outubro ainda recebeu o salário da W Transports até à data da em que apresentou baixa médica, mostrando-se assim correcta a consideração dos factos alegados como não provados, indeferindo-se a pretendida alteração.

Quanto à alínea AA) dos factos não provados o seu teor resulta do alegado pelo R. nos arts 26º e 27º do articulado de 7.12.2019 que foi o seguinte:
26. Cumpre referir que desde 16 de Outubro de 2019, até ao momento em que se apresenta este articulado, o réu recebeu apenas, a título de rendimentos, a quantia de 96 euros provenientes da segurança social, por força da baixa médica apresentada.
27. Nenhuns outros rendimentos foram auferidos pelo réu.
Vem agora requerer que aquela alínea passe para os factos provados com a seguinte redacção, face ao teor do doc nº 9 junto com o requerimento de 19.1.2020:
Entre 16 de Outubro de 2019 e 24 de Dezembro de 2019, o réu auferiu, a título de baixa médica, o valor total de € 146,81.
Ora, o que está em causa neste ponto não é a indicação exacta da quantia recebida pelo réu em virtude da baixa médica.
O alegado pelo réu foi que a partir de 16.10.2019 não recebeu quaisquer outros rendimentos, além da quantia recebida em virtude da baixa médica, e disso não fez prova, portanto, mantém- se o teor da alínea AA) nos factos não provados.

Pretende ainda o R. que, com proveniência no art. 25º do referido articulado superveniente seja dada como provada a seguinte asserção: “Vendo-se a braços com o pagamento mensal das despesas de conservação e manutenção do lar conjugal, encontrando-se de baixa médica desde 16 de Outubro, não tem agora o réu condições financeiras para pagar uma pensão de alimentos à autora.”
Tal asserção é conclusiva e não pode ser levada aos factos provados, nem aos não provados, pois decidir se o R. tem ou não condições financeiras para pagar uma pensão de alimentos à A. há-de resultar da apreciação do conjunto dos factos apurados e integra já a questão de direito a decidir.

Por último, requer o R. que com proveniência no art. 36º do articulado superveniente da recorrida seja incluído no rol dos factos provados o seguinte: “Entre 2013 e 2018, o recorrido não auferiu lucros na empresa X Investissements e subsidiárias”, alicerçando tal pretensão no teor das actas juntas aos autos, donde resulta não ter havido distribuição de lucros entre sócios.
Ora, já consta na alínea S) dos factos não provados: Que o R. beneficie dos dividendos e lucros da empresa, auferindo € 31.000,00 só no mês de Dezembro de 2016. E constam entre os documentos elencados na fundamentação da decisão da matéria de facto os relativos à efectação dos resultados de exercício dos anos de 2012, 2013, 2014, 2016 e 2017 da X Investimentos, com a indicação de que não houve distribuição de dividendos.
Assim e tendo em conta as regras da distribuição do ónus da prova, nada há a acrescentar ao rol dos factos provados.

Resumindo e concluindo, mantém-se o elenco dos factos provados e não provados constantes da sentença recorrida, apenas com as seguintes alterações:

O nº 22 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
22) – A. a esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho nos seguintes meses: Novembro/Dezembro de 2017; Julho/Agosto de 2018; Agosto/Setembro de 2018; Outubro/Novembro de 2018; Novembro/Dezembro de 2018; Dezembro de 2018/Janeiro de 2019; Janeiro/Março de 2019; Abril/Maio de 2019; Maio/Junho de 2019; Janeiro/Fevereiro de 2020.

E mercê da admissão do documento relativo à avaliação dos imóveis do casal no âmbito do processo de inventário para partilha dos bens comuns, ao abrigo do nº1 do art. 662º do CPCivil, o teor do nº 47 dos factos provados passa a ser o seguinte:
47 - Os bens imóveis que constituem o património comum foram avaliados em € 556.491,79.

Do Mérito do Recurso

Fixados os factos apurados nos termos acabados de enunciar que, por brevidade, aqui damos por reproduzidos, vejamos o regime legal aplicável, em ordem a decidirmos se a A. tem direito a pensão de alimentos do R. e o respectivo montante.
Estando em discussão o direito a alimentos definitivos entre ex-cônjuges, por apenso a respectiva ação de divórcio cumpre ter presente desde logo a natureza da obrigação de alimentos nas situações de ruptura do casamento, por divórcio.
Como decorre do art. 2015º CC na vigência da sociedade conjugal, os cônjuges são reciprocamente obrigados à prestação de alimentos, nos termos do art. 1675º CC.
Porém, depois do divórcio, apesar de ser reconhecido o direito a alimentos, cada cônjuge deve prover à sua subsistência (art. 2016º CC).
A Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, veio introduzir alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento de divórcio, agora consagrado nos artigos 2016º e 2016º-A do Código Civil.
Inspirada nos Princípios de Direito da Família Europeu Relativos a Divórcio e Alimentos entre ex-cônjuges publicados em 2004, a Lei nº 61/2008 passou a atribuir cariz excepcional ao direito de alimentos entre cônjuges, sendo esta uma das principais mudanças introduzidas no campo dos efeitos do divórcio. O legislador optou, claramente, por aderir ao chamado princípio da autossuficiência, conferindo, em regra, ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária.
Estas características estão bem evidenciadas no artigo 2016º do Código Civil, preceito que reconhece a qualquer dos cônjuges o direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio (nº 2), mas consagra que cada cônjuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio (nº 1) e que o direito a alimentos pode ser negado por razões manifestas de equidade (nº 3).
Como se observa no Ac. STJ 27 de abril de 2017, Proc. 1412/14.8T8VNG.P1.S1, relatado por Maria da Graça Trigo, disponível in www.dgsi.pt): “Este novo modelo, associado, em grande medida, à transição para o sistema do divórcio pura constatação da rutura do casamento, reconhece “ao cônjuge economicamente dependente um direito a alimentos menos intenso do que aquele que lhe era conferido no sistema de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais”.
Desligando-se do conceito de culpa, o direito a alimentos entre ex-cônjuges depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no artigo 2004º do Código Civil. O conceito de necessidade, ao contrário do que foi já tese dominante na doutrina e na jurisprudência, não é aferido pelo estilo de vida dos cônjuges durante a relação matrimonial, como decorre expressamente do texto do nº 3 do artigo 2016º-A do Código Civil quando estabelece que o cônjuge credor não tem direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.
A obrigação de prestar alimentos deve cingir-se ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário (artigo 2003º nº 1 do Código Civil), procurando assegurar uma existência digna ao cônjuge economicamente carenciado depois da rutura do vínculo do casamento, mas sem ter por finalidade proporcionar-lhe um nível de vida equiparado ou sequer aproximado ao que tinha na vigência da comunhão conjugal. Afastou-se, inequivocamente, a possibilidade de o cônjuge carecido de alimentos vir a usufruir posição idêntica, do ponto de vista financeiro, àquela de que desfrutaria se o casamento não tivesse sido dissolvido.
O dever de solidariedade pós-conjugal na vertente do direito a alimentos, agora muito mitigado, não se verificará, contudo, se «razões manifestas de equidade» levarem a negá-lo, o que acontecerá, de harmonia com a exposição de motivos do Projecto de Lei nº 509/X, se for “chocante onerar o outro com a obrigação correspondente”.
Neste sentido se pronunciaram, também, entre outros, o Ac STJ 06 de junho 2019, Proc. 3608/07.0TBSXL-B.L1.S1 e o Ac. STJ 14 de janeiro 2021, Proc. 5279/17.6T8LSB.L1.S1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt
Perante este enquadramento e tendo presente o disposto no art. 2016º-A CC, na fixação do montante dos alimentos “deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.
Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário (art. 2003 do CC). Esta noção, que integra a indispensabilidade, fornece já um critério de medida dos alimentos. O n.º 1 do art. 2004 reforça-o, ao estabelecer que os alimentos serão proporcionados à necessidade daquele que houver de recebê-los, e acrescenta um novo critério, ao determinar que serão igualmente proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los. E o n.º 2 do art. 2004 clarifica que a necessidade do alimentado depende também da possibilidade de o próprio prover à sua subsistência.

A sentença objeto de recurso ponderou o critério legal com apoio em jurisprudência atualizada e no confronto com os factos provados reconheceu o direito da requerente e fixou o montante da obrigação de alimentos em € 500,00 mensais, com a seguinte fundamentação:

“A primeira e principal questão a apreciar é a de saber se a Autora está impossibilitada ou tem grave dificuldade, total ou parcial, de prover à sua subsistência, seja com os seus bens pessoais, seja com o seu trabalho.
Esta situação deverá ser aferida pela sua capacidade de trabalho e pelos rendimentos produzidos pelo património.
Só assim lhe assistirá o direito a alimentos a suportar pelo Réu, sendo certo que os necessários pressupostos legais terão que ser provados pela Autora, por pretender beneficiar do referido direito (cfr. os artigos 342.º, n.º 1 e 2004.º do Código Civil).
Está a Autora impossibilitada de trabalhar e/ou de prover à sua própria subsistência?
Ficou demonstrado que a Autora tem habilitações literárias equivalentes ao 12ºano e já teve várias ocupações profissionais, quer em Portugal, quer em França, que lhe permitiram obter rendimentos (cfr. factos provados 6 a 14, 17, 40 e 42).
Provou-se ser uma pessoa activa e dinâmica (cfr. facto provado 31), donde se conclui que teria condições mínimas para obter rendimentos do seu trabalho em montante suficiente para prover ao seu sustento.
Contando com 54 anos de idade (cfr. facto provado 4) encontra-se, ainda, em idade activa, embora a experiência nos diga que é já uma idade que se depara com problemas de empregabilidade.
No entanto, os problemas de saúde que a assolam actualmente, conducentes a um estado prolongado de incapacidade temporária para o trabalho, colidem, inevitavelmente, com a sua capacidade de auferir rendimentos com o seu trabalho, sendo certo que não se provou que beneficie de subsídio pela referida incapacidade para o trabalho (cfr. factos provados 19, 20, 22 a 26).
Não estando concluídas as partilhas do património comum (facto provado 46), cujo valor provisório não é desprezível (€ 191.238,75, conforme o facto provado 47), certo é que a Autora não consegue, de momento, dispor da sua meação.
Assim, e apesar de, em tempo, se ter negado à aqui Autora a fixação de alimentos provisórios, em face do montante resultante da repartição do produto da venda de um imóvel de que ainda dispunha (cfr. facto provado 43, do qual resulta que a Autora recebeu € 22.139,45 em Setembro de 2017), não resultam dúvidas de que, pelo menos, enquanto se mantiver o seu estado de incapacidade temporária para o trabalho, a Autora não consegue prover à sua subsistência.
Os factos assentes são suficientes para que se conclua que a Autora necessita de alimentos.
E tem o Réu a possibilidade de prestar alimentos à Autora?
Retira-se dos factos provados que, apesar dos seus rendimentos terem diminuído (cfr. factos provados 32, 33, 34, 35, 36, 48 e 51), designadamente com a sua destituição da gerência, e se encontrar agora também em situação de incapacidade temporária para o trabalho (cfr. facto provado 49), a sua posição financeira continua a ser mais favorável.
Os rendimentos elevados de que dispôs ao longo dos últimos anos e o facto de gerir o património conjugal, suportando avultados encargos sem sequer ter alegado a necessidade de corte de despesas (cfr. factos provados 18, 37, 44 e 45) permitem concluir que o pecúlio acumulado ao longo dos anos e o subsídio de doença a que terá direito (cujo montante concreto não se logrou apurar), seja suficiente para prover pelo sustento de ambos, o seu e o da Autora, pelo menos, até à conclusão da partilha.
No que respeita ao montante a fixar, consideremos os critérios listados no artigo 2016.º-A, n.º 1 do Código Civil: o casamento foi longo, tendo perdurado por 36 anos (de 1982 a 2018); a colaboração da Autora para a economia do casal não foi despicienda, pois no decurso de casamento, a Autora exerceu diversas actividades, cuidou da casa e dos 3 filhos do casal (cfr. factos provados 6 a 11, 13 a 15); a Autora nasceu em 1966; não foi alegada nem provada a idade do Réu; ambos têm problemas de saúde, encontrando-se em situação de incapacidade temporária para o trabalho, embora a situação da Autora tenha um percurso mais longo (a sua situação de incapacidade iniciou-se em Dezembro de 2017 e a do Réu apenas em Outubro de 2019); a Autora comprovou despesas mensais de € 456,00, mas apenas com habitação e electricidade, o que implica necessariamente que as suas despesas sejam superiores; o Réu comprovou despesas mensais de € 1.373,67, com prestações de créditos e jardinagem, a que acrescerão todas as demais, sejam pessoais, sejam originadas pelo património comum; considerar-se-á ainda o facto dos alimentos serem devidos desde a propositura da acção, o que dará uma almofada financeira à Autora até à conclusão da partilha.
Aquando da partilha, ou verificando-se outras circunstâncias que alterem as necessidades da Autora ou as possibilidades do Réu, poderá ser promovida a alteração ou a cessação dos alimentos fixados (cfr. artigos 2012.º e 2013.º do Código Civil).
Tudo ponderado, decide fixar-se a pensão de alimentos em € 500,00 mensais, devidos desde a propositura da acção de alimentos, nos termos do artigo 2006.º do Código Civil.”
O Réu insurge-se contra o decidido sustentando, por um lado, que a AA. tem aptidões e capacidade de trabalho para prover à sua subsistência e, por outro, que presentemente, tendo sido destituído das funções na sociedade X Investissements e suas associadas, não exerce qualquer actividade e não tem rendimentos para pagar alimentos à Autora.
E, subsidiariamente, para o caso de se vir a concluir pelo direito da A. a alimentos pede que o valor mensal seja reduzido para o valor de 150,00 e que se fixe um limite temporal para a sua percepção, o mais tardar até final do ano de 2021.
Desde já adiantamos que, no essencial, concordamos com a ponderação feita pela Exma Juíza a quo.
Com efeito, não obstante a A. ser uma mulher activa e dinâmica, pois, no início da vida de casada, em França, além de trabalhar como telefonista e escriturária na fase de criação da empresa familiar de transportes, criou os três filhos do casal e também tomava conta de outras crianças, passava a ferro para fora e fazia limpezas( cfr. factos 6 a 10) e, alguns anos mais tarde, em Portugal, assumiu a gerência de dois estabelecimentos de restauração (cfr. factos 11 a 16), o que demonstra que era uma pessoa capaz de angariar meios de subsistência, nas actuais circunstâncias, não está capaz de o fazer. Encontra-se desempregada e inscrita no Centro de Emprego em França desde 23 de maio de 2017. E com 54 anos de idade e a enfrentar vários problemas de saúde (cfr. factos 23 a 26) que desde dezembro de 2017 lhe têm causado longos períodos de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, apesar de não estar desde essa data continuamente de baixa médica, como consta na sentença, face às regras da experiência terá seguramente muitas dificuldades em conseguir um trabalho certo, tendo em conta que as suas habilitações literárias correspondem ao 12º ano de escolaridade e que com o passar dos anos as aptidões físicas diminuem.
Está a residir em França, tendo em dezembro de 2018 arrendado um estúdio para morar sozinha, pelo qual paga a renda mensal de €396,00 e €60,00 de electricidade, suportando também despesas de montante não apurado, com seguro da habitação e do veículo automóvel, telefone, alimentação, vestuário, produtos de higiene e limpeza, 2017 (cfr. factos 28 a 30). Em setembro de 2017 recebeu a quantia de € 22.139,45 correspondente a metade do preço da venda do apartamento que o casal era proprietário em França (cfr. facto nº43), mas tal montante esgota-se e, por isso, não temos dúvidas de que nesta altura a A. necessita de alimentos, sendo que o casal tem um património comum de valor considerável (€ 556.491,79) mas ainda se encontra a decorrer o processo de inventário, com vista à respectiva partilha- cfr. factos 46 e 47.
Por seu turno, como resulta dos nºs 32 a 37 dos factos provados, o R. exercia as funções de sócio gerente de uma sociedade comercial por quotas, afecta ao transporte de mercadorias, denominada X Investissements, a qual, face ao crescimento se desenvolveu em mais 3 empresas, a W, K e W Transports. Auferia, anteriormente ao decretamento do divórcio, o ordenado de cerca de € 8.000,00 e declarava anualmente o rendimento de cerca de € 95.000,00. Também assumia a gestão do património do casal.
Em Setembro de 2019, o R. foi destituído das funções de gerente da referida sociedade e a partir 16.10.2019 encontra-se de baixa médica. Desde o Verão de 2019 passa a maior parte do tempo em Arcos de Valdevez. (cfr. factos 48 a 50)
E, em 31.10.2019, cessou a actividade de uma nova empresa denominada “Y, Unipessoal, Lda.” que criara em Portugal em 15.2.2019, da qual era o único sócio e gerente. (cfr. factos 36 e 51).
De tais factos retira-se que o R. tinha um nível de rendimentos elevado proveniente da actividade empresarial que desempenhava e também geria o património do casal. A partir de setembro de 2019 mercê da destituição das funções de gerência não se encontra a auferir os rendimentos provenientes daquela actividade e está de baixa médica, a residir em Portugal, gerindo o património conjugal e custeando as despesas relativas que são significativas (cfr. factos nº44 e 45.)
No entanto, apesar do R. se encontrar presentemente privado dos rendimentos provenientes da sua actividade profissional, secundamos a conclusão da sentença de que a sua situação financeira continua a ser confortável.
Na verdade, como refere a Exma Juíza a quo os rendimentos elevados de que o R. dispôs ao longo dos últimos anos e o facto do mesmo gerir o património conjugal, sendo certo que suporta avultados encargos sem sequer ter alegado a necessidade de corte de despesas, anotando-se que só de serviços de jardinagem paga € 250,00 mensais (cfr. factos provados 18, 37, 44 e 45, permitem concluir que o pecúlio acumulado ao longo dos anos e o subsídio de doença a que terá direito será suficiente para prover ao sustento de ambos, pelo menos, até à conclusão da partilha do património comum.
Cremos, portanto, que é de reconhecer à A. o direito a alimentos.
Na fixação do montante dos alimentos devidos, segundo o disposto no art.2016º- A, nº1 do C.Civil, “o tribunal deve tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.”
E também neste aspecto, entendemos que a Exma Juíza fixou um valor ajustado, ponderando os factores que atento o quadro factual apurado são relevantes, designadamente, a duração do casamento que perdurou por 36 anos (de 1982 a 2018); a colaboração da Autora para a economia do casal não foi despicienda, pois no decurso de casamento, a Autora exerceu diversas actividades, cuidou da casa e dos 3 filhos do casal (cfr. factos provados 6 a 11, 13 a 15); a Autora nasceu em 1966; não foi alegada nem provada a idade do Réu; ambos têm problemas de saúde, embora a situação da Autora tenha um percurso mais longo (a sua situação de incapacidade iniciou-se em Dezembro de 2017 e a do Réu apenas em Outubro de 2019); a Autora comprovou despesas mensais de € 456,00, mas apenas com habitação e electricidade, o que implica necessariamente que as suas despesas sejam superiores; o Réu comprovou despesas mensais de € 1.373,67, com prestações de créditos e encargos do património familiar, a que acrescerão todas as despesas pessoais.
O montante de € 500,00 não permitirá à A. custear inteiramente o seu sustento, mas afigura-se-nos adequado. Com efeito, não resulta dos factos provados que a mesma esteja totalmente impossibilitada para trabalhar e - pese embora a dificuldade que reconhecemos terá em conseguir emprego estável, atenta a sua idade, e a circunstância de estar há muitos anos afastada do mercado de trabalho e os problemas de saúde - considerando o princípio consagrado no nº1 do art. 2016ºdo CCivil da autossuficiência de cada um dos cônjuges, terá que diligenciar pela obtenção de meios de subsistência, mas impõe-se a referida pensão como auxílio nesta fase de transição e adaptação às novas circunstâncias da sua vida, sendo a quantia de € 150,00 proposta pelo R., a título subsidiário, manifestamente insuficiente, tendo em conta as despesas comprovadas e o custo de vida em França, onde a A. reside.
Como o património conjugal tem um valor considerável, pois os dois imóveis que o integram foram avaliados em € 556.491,71, admitimos que feita a partilha pode justificar-se uma alteração ou cessação da pensão de alimentos fixada, em função dos bens que vierem a compor a meação de cada um dos ex-cônjuges.
Porém, determinar desde já “a priori” a um limite temporal para a pensão arbitrada, como pretende o requerente, não tem qualquer arrimo legal.
A alteração da pensão arbitrada pode ser requerida pelos interessados, nos termos do art. 2012º do C.Civil, desde que se verifique uma modificação das circunstâncias determinantes da sua fixação.
E o art. 2013ºdo CCivil prevê as causas da extinção da obrigação alimentar, referindo na al.b) que a mesma cessa quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar.
Destarte, não pode estabelecer-se qualquer prazo final à pensão de alimentos no momento da sua fixação porque a sua alteração ou cessação estão dependentes da alteração das circunstâncias que determinaram tal fixação e são de verificação incerta.
Neste sentido, vide acórdão do TRE de 06-12-2004, relatado por Sousa Lameira, in www.dgsi.pt, que assim decidiu num caso de prestação de alimentos a filho maior, com fundamento na indeterminação da data da verificação das alterações das circunstâncias que motivaram a fixação da prestação alimentar.
Em síntese, improcedendo a argumentação recursiva do R., impõe-se a confirmação da sentença recorrida.
*
IV- Decisão

Pelo exposto, os Juízes da 1ª Secção Cível deste Tribunal da Relação, acordam em julgar improcedente a presente apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente (art. 527º, nº1 e 2 do CPC)
Notifique.
*
Guimarães, 30 de Junho de 2022.

Relatora: Maria Eugénia Pedro
1º Adjunto: Pedro Maurício
2º Adjunto: José Carlos Duarte