Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
384/22.0T8PRG.G1
Relator: FLORBELA SEBASTIÃO E SILVA
Descritores: NOTIFICAÇÃO DE SOCIEDADE ARGUIDA PARA APRESENTAR DEFESA
FASE ADMINISTRATIVA DO PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I. Os vícios contemplados nas três alíneas do nº 2 do artº 410º do Código de Processo Penal são vícios que resultam da própria estrutura da sentença que são detectáveis pela simples leitura e análise daquela.
II. Se for necessário analisar elementos do processo, como, a prova gravada, documentos ou mesmo peças processuais, tais como a contestação do arguido, para se concluir que faltam factos para sustentar a decisão ou que há erro na apreciação daquela prova, então, não estamos no âmbito dos vícios previstos no nº 2 do artº 410º do CPP mas perante o próprio mérito da decisão.
III. Sendo a acoimada uma sociedade e, tendo a mesma sido notificada para apresentar defesa nos termos do artº 50º do Regime-Geral das Contra-Ordenações (RGCO), por carta registada com A/R, para se aferir da regularidade dessa notificação há que recorrer aos artºs 230º e 223º, ambos do Código de Processo Civil (aplicável ex vi os artºs 41º do RGCO e 4º do Código de Processo Penal) devendo considerar-se aplicável, à notificação efectuada nos termos do artº 50º do RGCO, a citação em termos civis (efectuada de acordo com o artº 228º do CPC) pois é através dessa notificação que se chama, pela primeira vez, a acoimada ao processo.
IV. Assinado o A/R por pessoa diversa do destinatário, sem indicação da concreta identificação dessa pessoa, implica a irregularidade do respectivo A/R o que, por sua vez, leva a que se tenha de concluir que a acoimada não foi devidamente notificada para exercer o seu direito de defesa nos termos do artº 50º do RGCO.
V. A falta ou irregularidade da notificação efectuada nos termos do artº 50º do RGCO implica uma nulidade insanável, por analogia com o artº 119º al. c) do CPP, devendo todo o processo contra-ordenacional ser anulado a partir, inclusive, daquela notificação a qual terá de ser repetida.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. No âmbito de processo de Recurso de Contraordenação, com intervenção do Tribunal Singular que corre termos pelo Juízo de Competência Genérica ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o nº 384/22...., após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em 13-12-2022, com a refª ...51, relativamente à acoimada R..., Sociedade Unipessoal, Lda., através da qual foi mantida a decisão administrativa de aplicar uma coima de € 12.000,00 pela prática de uma contraordenação económica grave pela falta de inscrição e de registo no SIRER, p. e p. pelo art. 48.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro e pelos artigos 9.º, 97.º, 98.º, n.º 1, al. a), subalínea i), e 117.º, n.º 2, al. uuu), ambos do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro.

II. Inconformada, veio a acoimada interpor recurso em 26-12-2022 com a refª ...39 através do qual oferece as seguintes conclusões:

“Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia / vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada

A) A questão alegada pela arguida, no seu recurso de impugnação judicial da decisão administrativa [cfr. as suas conclusões C) e D)], quanto à invocada nulidade da notificação para exercício do direito de audição e defesa, e para efeitos do disposto no art. 223.º do CPC, de que o respetivo aviso de receção (de fls. 14 dos autos) não se encontrava assinado por nenhum seu representante legal, nem nenhum seu empregado, o que demonstrou documentalmente, surge como omissa na resposta à matéria de facto na sentença recorrida.
B) Pelo que ocorre nulidade da sentença, nos termos do art. 379.º, n.º 1 al. c), do CPP.
C) A não se entender assim, sempre se verificaria o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, pois o Tribunal a quo não considerou provado ou não provado, um facto expressamente alegado pela defesa, de que podia e devia conhecer, sendo esse  facto relevante para aferir se a notificação em causa foi, ou não, recebida por quem tinha a capacidade de vincular a pessoa coletiva à receção dessa notificação.
D) Vício que pode ser conhecido pelo Tribunal de recurso, mesmo nos casos em que a lei restrinja a sua cognição a matéria de direito, nos termos do n.º 2 do art. 410.º do CPP.
Da nulidade da sentença por inobservância do art. 358.º do CPP
E) O facto provado n.º 14 na sentença recorrida (“A carta em crise foi recebida por AA, que assinou o respetivo aviso de receção “AA””) e o facto provado n.º 15 (“À data dos factos, AA estava autorizada pelo representante legal da sociedade arguida para receber as cartas da sociedade”), não constam da decisão da entidade administrativa, nem do recurso de impugnação judicial apresentado pela arguida.
F) Aliás, a arguida invocou, no seu recurso, que desconhecia quem recebeu a notificação a que se refere o AR de fls. 14, não constando deste quaisquer dados de documento de identificação, mas apenas um nome ilegível, e não se tratando do representante legal da arguida, nem de nenhum dos seus empregados.
G) Deste modo, o Tribunal a quo não poderia ter conhecido de tais factos (que, ademais, se revelaram essenciais para a decisão de improcedência da impugnação judicial da contraordenação, como resulta da motivação da sentença), sem recorrer ao mecanismo previsto no art. 358.º, n.º 1 do CPP, para a alteração «não substancial de factos», devendo a arguida ter sido dos mesmos notificada, no decurso da audiência de julgamento, de modo que se pudesse defender, o que não sucedeu.
H) A inobservância do art. 358.º do CPP, acarreta a nulidade da sentença, nos termos do art. 379.º n.º 1 al. b), do mesmo Código.

Do vício de erro notório na apreciação da prova

I) A formação de um juízo presuntivo quanto à autorização para receber correspondência, e, portanto, poderes de representação, de uma sociedade comercial por quotas, como faz a sentença recorrida no seu facto provado n.º 15 e na motivação da decisão de facto, unicamente baseada no depoimento da testemunha AA, desacompanhado de quaisquer outros factos integradores desses poderes de representação, em face das regras da experiência comum, não pode deixar de consubstanciar um erro notório na apreciação da prova, vício previsto na al. c), do n.º 2, do art. 410.º do CPP.
J) Pelo que tal facto n.º 15 não deveria constar dos factos dados como provados, tratando-se de vício que pode ser conhecido pelo Tribunal de recurso, mesmo nos casos em que a lei restrinja a sua cognição a matéria de direito, nos termos do n.º 2 do art. 410.º do CPP.
Do enquadramento jurídico dos factos – Da nulidade do procedimento contraordenacional por falta de notificação da arguida para o exercício do direito de defesa
K) Colocando-se, essencialmente, a questão de como deveria a sociedade arguida, pessoa coletiva, ter sido notificada no âmbito do processo contraordenacional, nomeadamente para os efeitos previstos no art. 50.º do RGCO e art. 49.º n.º 1, da LQCOA, temos que, de acordo com o art. 2.º da LQCOA, as contraordenações ambientais e do ordenamento do território são reguladas pelo aí disposto e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações; por seu turno, o art. 41.º do RGCO, prevê a aplicação subsidiária das regras do processo penal; em caso de lacuna deste, aplicam-se as regras do CPC, nos termos do art. 4.º do CPP.
L) No caso dos autos, contrariamente ao invocado na sentença recorrida, tratando-se da notificação de uma arguida pessoa coletiva, não existe qualquer divergência jurisprudencial quanto à aplicação em processo contraordenacional das regras da notificação em processo penal, ou da citação em processo civil.
M) Dúvidas não devendo subsistir de que, uma vez que o RGCO e o CPP não contêm qualquer regra específica para a notificação das sociedades e demais pessoas coletivas, a notificação desses entes deve ser feita nos termos das citações em processo civil, ou seja, segundo o artigo 223.º do CPC, na pessoa dos seus legais representantes ou na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.
N) A notificação em causa da arguida, para o exercício do direito de audição e defesa, datada de 17/10/2017, deveria ter sido efetuada por carta registada com aviso de receção, nos termos do art. 43.º n.º 1, da LQCOA, pelo que não tem aplicação a presunção da receção no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, referida na sentença recorrida, pois esta presunção apenas tem aplicação tratando-se de cartas simples registadas, o que não foi o caso.
O) Analisando o AR de fls. 14, facilmente se constata que este não pode consubstanciar uma notificação válida, não constando do mesmo os dados de qualquer documento de identificação, nem sequer assinatura, mas apenas um nome abreviado e ilegível, não observando os requisitos exigidos pelo n.º 3 do art. 228.º do CPC – aplicável ex vi do art. 246.º n.º 1, do CPC – ao qual também temos de recorrer para aferir os requisitos das notificações por via postal registada com AR.
P) Não havendo AR válido, não pode funcionar qualquer presunção de entrega daquela carta à sociedade arguida.
Q) Arguida que negou ter recebido tal carta, no seu recurso de impugnação judicial, tendo ainda demonstrado quem é o seu representante legal, e os seus empregados à data daquela notificação – outubro de 2017 – através da certidão do registo comercial e do extrato de declaração de remunerações, respetivamente, juntos com o recurso de impugnação judicial, o que também sempre permitiria ilidir qualquer presunção de entrega daquela carta.
R) Mesmo atendendo aos factos dados como provados, apesar de ter sido dado como provado que a carta foi recebida pela testemunha “AA”, e que esta estava “autorizada” a recebê-la, certo é que a existência de poderes de representação representa já matéria de direito, inexistindo nestes autos qualquer demonstração da existência de uma relação de mandato ou de representação entre a testemunha e a arguida que pudesse vincular esta, e estando demonstrado que a testemunha em causa não era representante legal da arguida, nem sua empregada.
S) Pelo que, mesmo tomando em conta os factos dados como provados, provado está que a carta não foi recebida pelo representante legal da arguida, nem por nenhum seu empregado, o que, uma vez mais, ilidiria qualquer presunção de entrega da mesma, e a receção da carta pela testemunha AA sempre seria ineficaz perante a arguida, nada constando dos factos provados quanto à entrega da carta à arguida.
T) Aliás, uma interpretação do art. 50.º do RGCO, e do art. 49.º n.º 1, da LQCOA, que considere válida a notificação de uma arguida, pessoa coletiva, para exercício do direito de audiência e defesa, comprovadamente efetuada em pessoa diversa das previstas no art. 223.º do CPC – aplicável por força do art. 41.º, do DL n.º 433/82, e art. 4.º, do CPP – é violadora do direito constitucional à defesa plasmado no art. 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
U) Sendo inválida a notificação datada de 17/10/2017, para exercício do direito de audição e defesa, a nulidade decorrente dessa omissão deve considerar-se insanável, enquadrável na alínea c) do n.º 1 do art.º. 119.º do CPP.
V) De todo o modo, no caso dos autos, tal nulidade nunca se poderia considerar sanada, mesmo em face do art. 121.º do CPP, pois o recurso de impugnação judicial não se pronuncia sobre o objeto do procedimento contraordenacional.
W) A nulidade da notificação, acarreta a invalidade do processo contraordenacional após a omissão da notificação, incluindo a decisão final condenatória, nos termos do art. 122.º do CPP.
X) Pelo que deveria ter sido julgado procedente o recurso de impugnação judicial, interposto pela arguida, da decisão final da entidade administrativa.
Y) A sentença recorrida violou as seguintes normas:
- Arts. 4.º, 119.º n.º 1 al. c), 122.º, 358.º, n.º 1, 379.º n.º 1 als. b) e c), e art. 410.º, n.º 2, als. a) e c), todos do CPP.
- Arts. 223.º, 228.º n.º 3, e 246.º n.º 1, todos do CPC.
- Arts. 2.º, 43.º n.º 1, e 49.º n.º 1, da LQCOA;
- Arts 41.º e 50.º do RGCO;
- Art. 32.º, n.º 2, da CRP;
Nestes termos e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo Justiça!”

III. O recurso foi admitido por despacho de 02-02-2023, com a refª ...47, tendo sido fixado efeito suspensivo.

IV. Respondeu o MºPº em 13-02-2023, com a refª ...63 pugnando pela improcedência do recurso, não tendo oferecido conclusões.

V.  Foi aberta vista nos termos do disposto no artº 416º nº 1 do CPP, tendo o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto proferido douto parecer em 14-03-2023 com a refª ...64, no qual pugna pela improcedência do recurso interposto, subscrevendo a posição assumida pelo MºPº na 1ª instância nas suas contra-alegações.

VI. Notificada a acoimada nos termos do artº 417º nº 2 do Código de Processo Penal, veio a mesma, em 30-03-2023 com a refª ...28, oferecer resposta através da qual reitera os argumentos expendidos no seu recurso.

VII. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.

VIII. Analisando e decidindo.

O objecto do recurso, e portanto da nossa análise, está delimitado pelas conclusões do recurso, atento o disposto nos artºs 402º, 403º e 412º todos do CPP.[1]
           
Nos termos do disposto no artº 75º do Regime Geral das Contraordenações – RGCO – aprovado pelo DL nº 433/82 de 27-10[2], o recurso ao Tribunal da Relação apenas poder versar matéria de direito.

É certo que é jurisprudência obrigatória conforme fixado pelo STJ de 19-10-1995[1] de que é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artº 410º nº 2 do CPP mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.
           
Pois “há que notar que o recurso da decisão de 1ª instância que sobe à Relação “seguirá a tramitação do recurso em processo penal (…)” cfr. artº 74º nº 4 do RGCO, pelo que não pode ser afastada a aplicação do artº 410º do CPP que “consagra doutrinalmente o recurso de revista ampliada o que significa que, quando tiver havido renúncia ao recurso em matéria de facto, nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça o Tribunal «ad quem» não tem que se restringir à tradicionalmente denominada questão de direito mas antes pode alargar o seu conhecimento a questões documentadas no texto da decisão proferida pelo Tribunal «a quo» que contendam com a apreciação do facto. Consubstanciando-se tal recurso de revista ampliada na possibilidade que é dada ao tribunal de recurso de conhecer a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a decisão de mérito não encontre na matéria de facto provada uma base tal que suporte um raciocínio lógico substantivo; de verificar uma contradição insanável da fundamentação sempre que através de um raciocínio lógico conclua que da fundamentação resulta precisamente a decisão contrária, ou que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a contradição entre os fundamentos aduzidos; de concluir por um erro notório na apreciação da prova sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal” – cfr. anotação ao artº 75º por António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, da obra “Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, Almedina, p. 203.”

Os vícios em apreço vêm previstos no artº 410º do CPP que dispõe o seguinte:

“1. Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2. Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;     
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3. O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”  

Conforme esclarecem Simas Santos e Leal Henriques[3] “Deve notar-se que a al. a) do nº 2 se refere à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127º), que é insindicável em reexame da matéria de direito.
Por sua vez a contradição a que se reporta a al. b) é só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e com recurso às regras da experiência.
Finalmente o erro notório na apreciação da prova a que alude a al. c) é aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente. Esse erro existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, v.g., quando se dá por assente que o arguido está num determinado local a determinada hora e ao mesmo tempo se tem como provado que ele estava em local longínquo minutos depois; ou quando se dá por assente que o arguido disparou três tiros de pistola a 4 metros de uma mesa onde estavam sentadas várias pessoas, no interior de um café apinhado e se dá por provado que ele não previu a possibilidade de atingir mortalmente alguém.(…)
Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ao as legis artis.
Não pode esquecer-se que, como se prescreve na 2ª parte do corpo do nº 2, os vícios apontados nas suas alíneas têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida por si só ou com recurso às regras da experiência comum, não sendo permitida a consulta de outros elementos constantes do processo.” – sublinhado nosso

No recurso em apreço a acoimada/recorrente entende que:

- a sentença recorrida é omissa em relação ao facto do A/R de notificação não estar assinado por representante legal nem empregado da acoimada padecendo, assim, da nulidade prevista no artº 379º nº 1 al. c) do CPP;
- a sentença recorrida padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto pois não se pronuncia no sentido de ser provado, ou não provado, facto alegado pela recorrente;
- a sentença recorrida também padece da nulidade pois violou o disposto no artº 358º do CPP uma vez que dá como assente factos que não foram alegados;
- a sentença recorrido padece de erro notório na apreciação da prova;
- a notificação efectuada pela entidade administrativa é nula e, portanto, a acoimada não podia ser condenada numa coima sem que fosse ouvida em sede administrativa.

Está, assim, em causa decidir nos presentes autos:
a) saber se a sentença recorrida padece das nulidades previstas no artº 379º nº 1 als. b) e c) do CPP;
b) saber se a sentença recorrida padece dos vícios previstos no artº 410º nº 2 als. a) e c) do CPP;
c) saber se se deve considerar a acoimada devidamente notificada nos termos do artº 50º do RGCO ou se o processado deve ser anulado e repetida a notificação da acoimada, para que esta, querendo, se possa defender em sede administrativo.

Vejamos as questões submetidas a recurso mas, primeiro, olhemos o teor da sentença recorrida para cabal enquadramento das mesmas.

Assim (transcrição):
“I – RELATÓRIO
Por decisão da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN), no âmbito do processo de contraordenação n.º ...17, proferida em 13-05-2022, a arguida R...– Sociedade Unipessoal Lda, portadora do NIPC ..., com sede em Rua ... de ..., ..., foi condenado pela prática da seguinte contraordenação:
• Uma contraordenação económica grave pela falta de inscrição e de registo no SIRER, p. e p. pelo art. 48.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, alterado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, Decreto-Lei n.º 173/2008, de 26 de agosto, Decreto-Lei n.º 183/2009, de 10 de agosto, Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, e Lei 82-D/2014, de 31 de dezembro, lei que foi revogada mas cuja infração está igualmente prevista como contraordenação grave pelos artigos 9.º, 97.º, 98.º, n.º 1, al. a), subalínea i), e 117.º, n.º 2, al. uuu), ambos do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, ao qual foi aplicada uma coima de € 12.000,00.
*
Não se conformando com esta decisão, veio a sociedade arguida arguir a nulidade do procedimento contraordenacional, alegando em síntese que não foi notificada durante o procedimento para exercer o seu direito de audição e defesa, ao artigo do art. 50.º do RGCO, sendo que o AR junto aos autos da notificação enviada pela entidade administrativa não tem o nome legível de quem recebeu a carta nem os elementos de identificação da pessoa que assinou, e que tal pessoa não é trabalhadora ou funcionária da sociedade arguida, não podendo, por esse motivo, considerar-se regularmente notificada do procedimento de contraordenação.
*
Foi admitido o recurso de contraordenação interposto.
Ainda por requerimento de 05-12-2022, a sociedade arguida invocou a prescrição do procedimento contraordenacional, por força da data em que, de acordo com os factos provados, a sociedade arguida iniciou a sua atividade, tudo ao abrigo do art. 40.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, tendo o Ministério Público exercido o contraditório quanto ao requerimento aludido. Mais foi aí comunicada a alteração da qualificação jurídica da contraordenação imputada à sociedade arguida, a fim de se defender também da sua prevista ao abrigo dos artigos 9.º, 97.º, 98.º, n.º 1, al. a), subalínea i), e 117.º, n.º 2, al. uuu), ambos do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, a qual continua a ser punível ao abrigo do 22.º, n.º 3, al. b), da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais.
*
O Tribunal é material, funcional e territorialmente competente.
Não existem quaisquer questões prévias ou incidentais a apreciar, pelo que nada obsta à apreciação do mérito da causa.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Factos provados:

Da prova produzida foram provados os seguintes factos com relevo para a boa decisão da causa:

1. A 21 de setembro de 2017, pelas 12 horas, os agentes do Destacamento territorial de ... deslocaram-se à Rua ..., em ..., após denúncia.
2. No local, no interior do estaleiro/parque estava instalado um Posto de Abastecimento de Combustível equipado com dois depósitos metálicas que continham 4 bidões com bombas de tiragem de óleo/massa, um contentor de cor ... cheio com peças/materiais de veículos pesados usadas, uma fossa para manutenção de viaturas, uma palete com 7 baterias usadas, vários pneus novos e usados.
3. Encontrava-se no local o Sr. BB, sócio gerente da mesa aqui arguida.
4. Informou que a empresa começou a laborar em 2010, tendo como atividades a execução de terraplanagens, transportes e venda de materiais de construção, possuindo 12 funcionários e 10 veículos pesados.
5. Executa no estaleiro reparações gerais de mecânica e mudanças de óleos aos veículos propriedade da arguida.
6. Informou que os resíduos, nomeadamente óleos e filtros usados resultantes das reparações realizados são armazenados/depositados temporariamente em barris para posterior entrega dos mesmos a operador de gestão de resíduos licenciados – P....
7. Aquando da fiscalização continha cerca de 300 litros de óleo usado em barris.
8. Acrescentou que não se encontra registado como produtor de resíduos porque desconhecia essa obrigatoriedade.
9. Ao agir da forma supra descrita, a arguida não agiu com a diligência necessária para cumprir as suas obrigações ambientais.
Mais se provou que:
10. Não é conhecido benefício económico que a arguida tenha retirado pela prática dos factos.
11. Não são conhecidos à arguida antecedentes contraordenacionais.
12. À data da inspeção, a sociedade arguida tinha sede na Rua ... de ..., ....
13. Em 13-10-2017, a entidade administrativa enviou para a sede da sociedade arguida, e em nome desta, uma carta registada com aviso de receção com o assunto “Notificação para o Exercício do Direito de Audição e Defesa” no âmbito do procedimento contraordenacional com o n.º 1-531-2017, tendo junto para o efeito o auto de notícia, os factos que lhe eram imputados, e a advertência para exercer o seu direito de defesa.
14. A carta em crise foi recebida por AA, que assinou o respetivo aviso de receção “AA”.
15. À data dos factos, AA estava autorizada pelo representante legal da sociedade arguida para receber as cartas da sociedade.
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Factos não provados:
Discutida a causa, não ficaram por provar quaisquer factos com relevância para os autos.
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Motivação da matéria de facto:

Considerando o caso concreto, a convicção do Tribunal foi adquirida com base na apreciação conjugada e crítica da prova produzida nos autos, sob o signo das regras processuais que se aplicam à sua valoração e consideradas regras da experiência comum e os juízos de normalidade, tendo sido ponderados e valorados os documentos juntos aos autos, bem como as declarações prestadas em sede de audiência de julgamento tanto pelo arguido como pelas testemunhas.
Assim, e no que tange aos factos relativos à inspeção realizada, os mesmos consideram-se assentes por não terem sido impugnados pela sociedade arguida; não obstante, os mesmo foram ainda confirmados pelas testemunhas CC e DD, militares da G.N.R., que asseveraram a aposição das suas assinaturas no auto de notícia e corroboraram tais factos.
No mais, o tribunal teve em consideração as declarações que foram prestadas pelo operador do Serviço Postal, EE, por AA, mãe do arguido, e por FF, trabalhador da arguida.
Com efeito, o depoimento das testemunhas EE e AA, foi coincidente na parte em que o correio da sociedade arguida e da D. AA era todo entregue na mesma caixa postal (Rua ... de ..., ...); o que, aliás, resulta igualmente pesquisas das bases de dados juntas aos autos em sede de julgamento.
As testemunhas AA e FF confirmaram, ainda, que AA nunca foi trabalhadora da sociedade arguida, o que é confirmado pelo extrato de declaração de remunerações à data dos factos.
A testemunha AA relatou que sempre recebeu as cartas em nome do filho e da sociedade arguida, o que nunca mereceu oposição por parte do filho, o que apenas pode ser interpretado como uma autorização para que assim continuasse a proceder (note-se que o arguido não apresentou qualquer reclamação, sequer, de que a D. AA não tivesse autorização para receber a decisão definitiva do procedimento contraordenacional, como efetivamente ocorreu, aceitando tal notificação por seu intermédio).
No mais, importa salientar que não existe suspeita de que operador do serviço postal EE pretendesse prejudicar deliberadamente a sociedade arguida; aliás, ressaltou do julgamento que tanto o operador postal como a mãe do arguido revelaram ter respeito mútuo entre si. Assim, considerando que AA tem relação familiar com o representante legal da sociedade arguida, situação que condiciona em parte a credibilidade do seu depoimento, o tribunal apenas teve modo de aderir à versão dos factos prestada por EE no que toca à aposição da assinatura de AA no Aviso de Receção de fls. 14, relativa à notificação para Exercício do Direito de Audição e Defesa (testemunha aquela que, aliás, prestou o seu depoimento de forma isenta, circunstanciada, detalhada e escorreita).
De acordo com EE, o mesmo fazia o giro de correio na morada da sociedade arguida à data da notificação, e todos os AR que acompanhavam o registo postal eram assinados no momento da sua entrega. Esclareceu ainda que foi ele que entregou a carta a que corresponde o AR de fls. 14, e que a assinatura aposta no AR em crise é o da D. AA. Esclareceu, também, que a menção “não facultou” relativo ao n.º de identificação da outorgante era resultado de regras internas dos C..., em que havia facilidades na altura para que não apusessem tais elementos, situação que mudou anos após (tudo por ordens internas dos C...): agora já é obrigatório junto dos C... colocar o n.º de identificação no AR, como efetivamente aconteceu no AR de fls. 54, relativo à decisão final do procedimento contraordenacional.
Quanto a este último AR (relativo à notificação da decisão definitiva), a testemunha confirmou que a letra aposta no AR de fls. 54 não é da testemunha mas sim do operador postal (desmentindo frontalmente as declarações de AA), o que é credível não só porque o nome não está aposto no campo destinado à assinatura do recipiente mas sim da no campo relativo à identificação de quem recebe o AR, mas também pelo facto de existirem questões de contingência relacionada com a pandemia covid-19 que tornam credível e razoável a falta de aposição da assinatura (aliás, o campo da assinatura está sinalizado com “contingência”).
A diferença da letra relativamente ao nome da D. AA nos dois AR faz sentido, então, perante os esclarecimentos da testemunha EE.
Por outro lado, não há dúvidas que os tipos de letra apostos no AR de fls. 14 são distintos na parte da assinatura e nos seus demais elementos, e o AR de fls. 54 é lavrado, na parte da entrega, sempre com o mesmo tipo de letra, o que confere credibilidade ao depoimento de EE para além de qualquer dúvida razoável.
Face a todas estas evidências, o tribunal não tem dúvidas de que o aviso de receção de fls. 14 foi assinado pela testemunha AA.
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III – ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS:

O arguido vem acusado da prática de uma contraordenação económica grave pela falta de inscrição e de registo no SIRER, p. e p. pelo art. 48.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, alterado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, Decreto-Lei n.º 173/2008, de 26 de agosto, Decreto-Lei n.º 183/2009, de 10 de agosto, Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, e Lei 82-D/2014, de 31 de dezembro, lei que foi revogada mas está igualmente prevista como contraordenação grave pelos artigos 9.º, 97.º, 98.º, n.º 1, al. a), subalínea i), e 117.º, n.º 2, al. uuu), ambos do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro.
Pela prática de tal contraordenação foi-lhe aplicada uma coima de € 12.000,00.
De acordo com o art. 48.º, n.º 1, al. a), subalínea i), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, na sua redação originária (vigente à data dos factos), e que manteve a sua redação no n.º 1, al. a), alterado pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, estavam sujeitos ao registo no SIRER os produtores de resíduos não urbanos que no ato da sua produção empreguem pelo menos 10 trabalhadores.
De acordo com o art. 3.º, al. ee), do mesmo diploma, consideram-se «resíduos» quaisquer substâncias ou objetos de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer; também à luz da al. mm), interpretado a contrario senso, consideram-se como «resíduos não urbanos» aqueles que não provêm de habitações nem sejam semelhantes a estes.
O incumprimento da obrigação de registo no SIRER, em violação do disposto no artigo 48.º já referido, era punido como uma contraordenação grave, como resultava do art. 67.º, n.º 2, al. e), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, mantendo tal previsão na al. r) do artigo, alterado pelos Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de Junho, e DL n.º 103/2015, de 15 de junho.
A conduta em crise passou, posteriormente, a estar prevista nos artigos 9.º, 97.º, e 98.º, n.º 1, al. a), subalínea i), do Decreto-Lei n.º 102.º-D/2020, de 10 de dezembro, a qual manteve a sua natureza como uma contraordenação ambiental grave, como resulta do art. 117.º, n.º 2, al. uuu), do Decreto-Lei n.º 102.º-D/2020, de 10 de dezembro, mantendo o mesmo grau de ilicitude da conduta.
A conduta é punível a título de negligência, como resulta do art. 9.º, n.º 2, da LQCA (art. 15.º do Código Penal).
A norma sancionatória aplicável a todas estas contraordenações estava, por sua vez, prevista no art. 22.º, n.º 3, al. b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, competindo salientar que:
• Tal normal, com a redação conferida pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto (vigente à data da prática dos factos), previa que às contraordenações graves correspondiam as seguintes coimas: se praticadas por pessoas coletivas, de (euro) 15 000 a (euro) 30 000 em caso de negligência e de (euro) 30 000 a (euro) 48 000 em caso de dolo;
• Tal norma, com a redação conferida pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, previa que às contraordenações graves correspondiam as seguintes coimas: se praticadas por pessoas coletivas, de (euro) 12 000 a (euro) 72 000 em caso de negligência e de (euro) 36 000 a (euro) 216 000 em caso de dolo.
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Da prescrição do procedimento contraordenacional
Veio a arguida invocar a prescrição do procedimento contraordenacional, alegando que a obrigação de inscrição no SIRER se reporta à data do início da atividade pela empresa (2010). E por isso, considerando que o art. 40.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, dispunha que «o procedimento pelas contraordenações graves e muito graves prescreve logo que sobre a prática da contraordenação haja decorrido o prazo de cinco anos, sem prejuízo das causas de interrupção e suspensão previstas no regime geral», o procedimento contraordenacional já estava prescrito no momento da autuação.
Porém, nenhuma razão assiste ao arguido.
Com efeito, a falta de inscrição no SIRER não deixa de se considerar, para todos os efeitos legais, como uma contraordenação por omissão, como deflui do art. 7.º da LQCA, («o facto considera-se praticado no lugar em que, total ou parcialmente e sob qualquer forma de comparticipação, o agente atuou ou, no caso de omissão, devia ter atuado, bem como naquele em que o resultado típico se tenha produzido»).
Além de tal norma, há ainda que chamar à colação a teoria da lei penal – aplicável às contraordenações, à luz do art. 32.º do RGCO –, a qual distingue as infrações instantâneas das infrações permanentes; enquanto naquelas a infração se consuma instantaneamente com a prática do facto, verificando-se automaticamente a consumação da infração, nestas a execução do facto delitual «persiste no tempo, porque há uma voluntária manutenção da situação antijurídica, até que a execução cesse, ficando então [a contraordenação exaurida]; por isso o início do prazo de prescrição do procedimento [contraordenacional] só se verifica quando cessa a execução» - Ac. do TRE, proc. n.º 1142/07.7PAOLH.E1, de 12-07-2016, disponível em www.dgsi.pt.
Ora, a inscrição no SIRER era obrigatória não só no momento e que a sociedade arguida começou a laborar, mas também durante o período em que laborava. Interpretação diversa daria guarida a uma situação de facto e de direito que o legislador contraordenacional claramente nunca pretendeu (e que, aliás, nem sequer tem apoio na letra da lei). Por isso, a omissão da infração em crise não se consuma com um facto instantâneo, constituindo uma infração permanente, nos termos já invocados.
Como tal, uma vez que à data da prática dos factos não estava ainda cessada a conduta delitual da sociedade arguida, nessa data não havia qualquer prescrição do procedimento contraordenacional. E também entre o momento em que a infração se verificou (21-09-2017) e o momento em que a decisão administrativa foi notificada à sociedade arguida (30-06-2022) não tinham ainda decorridos cinco anos completos.
Por tais motivos, não se verifica a prescrição do procedimento arguida.
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Da nulidade do procedimento contraordenacional por falta de notificação da arguida para o exercício do direito de defesa – art. 50.º do RGCO
Veio a arguida invocar a nulidade do procedimento contraordenacional, alegando em síntese que não foi notificada durante o procedimento para exercer o seu direito de audição e defesa, ao artigo do art. 50.º do RGCO, sendo que o AR junto aos autos da notificação enviada pela entidade administrativa não tem o nome legível de quem recebeu a carta nem os elementos de identificação da pessoa que assinou, e que a pessoa que recebeu a carta não é trabalhadora ou funcionária da sociedade arguida, não podendo, por esse motivo, considerar-se regularmente notificada do procedimento de contraordenação.
De acordo com o art. 2.º, n.º 1 da LQCA, as contraordenações ambientais e do ordenamento do território são reguladas subsidiariamente pelo regime geral das contraordenações; ademais, e como bem indica a sociedade arguida, ao abrigo do art. 50.º do RGCO «não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre».
Compete esclarecer, ainda, que o art. 49.º, n.º 1, da LQCA, prevê expressamente que «o auto de notícia, depois de confirmado pela autoridade administrativa e antes de ser tomada a decisão final, é notificado ao infrator conjuntamente com todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, para, no prazo de 15 dias úteis, se pronunciar por escrito sobre o que se lhe oferecer por conveniente».
Feita esta excursão, compete salientar que quer a LQCA, quer o RGCO, não definem as concretas formalidades da notificação a realizar para efeitos do exercício do direito de defesa do arguido no procedimento de contraordenação.
Em face do disposto no art. 41.º, n.º 1, do RGCO, que prevê a aplicação subsidiária das normas do processo penal ao procedimento contraordenacional, a jurisprudência maioritária sustenta que a comunicação ao arguido da decisão da autoridade administrativa que lhe aplicou uma coima reveste a formalidade própria de uma notificação em processo penal (vide Ac. do TRP, proc. n.º 857/13.5TFPRT-A.P1, de 08-07-2015; Ac. do TRL, proc. n.º 1642/20.3T9SNT.L1-3, de 17-10-2021; Ac. do TRE, proc. n.º 606/07-3, de 08-05-2007; Ac. do TRL, proc. n.º 1642/20.3T9SNT.L1-3, de 17-10-2021, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Existe jurisprudência, por outro lado, que entende que tal notificação deve ser feita nos termos das citações destas em processo civil, ou seja, segundo o artigo 223.º, n.º 1, na pessoa dos seus legais representantes ou na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração (vide Ac. do TRL, proc. n.º 385/17.0Y4LSB.L1-3, de 12-09-2018; e ainda o Ac. do TRE, proc. n.º 45/13.0TBETZ.E1, de 11-07-2013, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Ora, tanto o RGCO como a LQCA remetem para o processo penal a aplicação das normas subsidiárias.
Porém, há que considerar que: 1) o processo penal determina que aos arguidos apenas se aplica a via postal simples depois de se constituir termo de identidade e residência, nos termos e para os efeitos do art. 196.º, n.º 2, do CPP; 2) no procedimento contraordenacional não existe termo de identidade e residência; 3) às normas processuais penais são, por sua vez, aplicáveis subsidiariamente as normas de processo civil, como deflui do art. 4.º do CPP; e 4) de acordo com o art. 249.º, n.º 1, do CPC, se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são efetuadas por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber.
Perante este cenário, este tribunal adere àquela primeira corrente jurisprudencial, que é a mais coincidente com as normas remissivas que o legislador previu. E por isso, não existe lugar à aplicação das formalidades da citação, nos termos e para os efeitos do art. 226.º do CPC, como aclamou a sociedade arguida, sendo apenas aplicáveis as regras de processo penal quanto à notificação por via postal registada.
Volvendo agora ao caso dos autos, note-se que a notificação para defesa no presente procedimento contraordenacional obedeceu a todas as normas que dizem respeito à notificação por via postal registada.
Com efeito, a indicação do documento de identificação não é uma formalidade processual para efeitos de completude da notificação postal por via registada.
Por outro lado, como resulta do art. 113.º, n.º 2, do CPP, «quando efetuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja». Ademais, e de acordo com o n.º 9 do mesmo preceito que «o notificando pode indicar pessoa, com residência ou domicílio profissional situados na área de competência territorial do tribunal, para o efeito de receber notificações. Neste caso, as notificações, levadas a cabo com observância do formalismo previsto nos números anteriores, consideram-se como tendo sido feitas ao próprio notificando».
Ora, os factos dados como provados vão além da presunção prevista no art. 113.º, n.º 2, do CPP, pois tal notificação foi efetivamente recebida por pessoa a quem a sociedade arguida conferiu poderes para receber as suas notificações.
O efetivo recebimento da carta pela arguida, por sua vez, sempre permite ultrapassar qualquer questão quanto ao cumprimento ou incumprimento das formalidades da notificação, no que tange à identificação da pessoa que recebeu a carta.
Por isso, sumariamente, além de não se verificar qualquer nulidade do procedimento de contraordenação invocada, verifica-se que a sociedade arguida efetivamente recebeu a notificação que lhe foi expedida pela entidade administrativa, nos termos e para os efeitos do art. 50.º do RGCO.
Termos em que se indefere a nulidade arguida.
*
Perante estes considerandos, vislumbra o tribunal que não existem questões a conhecer para além dos aspetos processuais suscitados pela sociedade arguida.
A nível da matéria de facto, vislumbra-se estarem verificados todos os pressupostos relativos à subsunção dos factos na previsão normativa, correspondentes aos elementos objetivo e subjetivo do tipo de ilícito imputado à sociedade arguida.
A nível da sanção aplicável, além de a sociedade arguida não ter impugnado a sua aplicação, a mesma foi-lhe ainda aplicada pelo valor mínimo previsto na moldura contraordenacional abstrata; e por isso, tanto ao abrigo do princípio do dispositivo (no que diz respeito à matéria de recurso de contraordenação apresentada), como ao abrigo da proibição do reformatio in pejus (art. 72.º-A do RGCO), está fora do poder de cognição deste tribunal a matéria relativa à sanção aplicável (que, como acima se disse, se manteve inalterada face às alterações legislativas entretanto verificadas).
Razão pela qual a sociedade arguida deve responder pela prática da contraordenação que lhe foi imputada e cuja sanção foi aplicada pela entidade administrativa.

IV – DECISÃO:

Nestes termos, decide-se julgar o recurso totalmente improcedente mantendo, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pela arguida, fixando-se em 1 UC a taxa de justiça – artigos 92.º, n.º 1, do RGCO, 8.º, 57.º, n.º 1, e 58.º, n.º 2, da LQCA, 513.º e 514.º do Código de Processo Penal, 8.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais e correspondente tabela iii anexa.
As custas do processo revertem para a autoridade administrativa que aplicou a sanção – art. 57.º, n.º 1, da LQCA.
Após o trânsito, remetam-se cópia da presente decisão a Autoridade Administrativa – art. 70.º, n.º 4, do RGCO.”

a) Das Nulidades Previstas no artº 379º nº 1 als. b) e c) do Código de Processo Penal:

Entende a acoimada que a sentença recorrida omite a análise de uma das questões submetidas à apreciação do Tribunal a quo bem como violou o disposto no artº 358º do CPP por ter introduzido factos que não foram alegados.

Vejamos.

Diz o artº 379º do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe “nulidades da sentença” o seguinte:

“1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º
3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade.” – sublinhado nosso

Ora, e adiantando desde já a nossa convicção, não se vislumbra na sentença recorrida nenhuma das apontadas nulidades.

Isto porquanto, e no que tange à nulidade prevista na al. c) referente à omissão de pronúncia, o Tribunal a quo pronunciou-se acerca da validade do (1º) A/R   –  aquele que suscita polémica nos autos – tendo seguido orientação jurisprudencial diversa daquela propugnada pela acoimada.

Ou seja, o Tribunal a quo seguiu uma orientação em que o A/R não tem de estar assinado por legal representante ou empregado da acoimada para ter validade enquanto instrumento de notificação nos termos do artº 50º do RGCO.

Se decidiu bem ou se labora em erro é outro assunto que recai já no âmbito do mérito da decisão mas não invalida a sua estrutura, motivo pelo qual não se verifica a suscitada nulidade.
Quanto à nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artº 379º do CPP a mesma tem de ser conjugada com o disposto nos artºs 358º e 359º do CPP.

Assim, e no que interessa para o que se discute nos autos – alteração não substancial dos factos – diz o artº 358º do Código de Processo Penal o seguinte:

“1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.”

Ora os factos vertidos em 14 e 15 da sentença recorrida introduzem elementos que surgem da defesa expendida pela acoimada, mormente que a mesma desconhece quem é que terá assinado o A/R, sendo contudo de notar que, em parte alguma da sentença recorrida, se afirma que a tal Srª AA fosse empregada ou representante legal da acoimada.

Assim, e pese embora o Tribunal a quo tenha decidido ouvir, por iniciativa própria, a respectiva testemunha AA, situação que não estava impedido de fazer, a verdade é que a acoimada pôde interpelar a referida testemunha e exercer o seu direito de contraditório em relação à mesma.

Motivo pelo qual, sem necessidade de mais considerandos se considera que a sentença recorrida não padece das apontadas nulidades nos termos do artº 379º nº 1 do CPP, tendo o recurso que improceder quanto a este aspecto.

b) Dos vícios previstos no artº 410º nº 2 als. a) e c) do Código de Processo Penal:

Entende ainda a acoimada que a sentença recorrida padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto bem como erro notório na apreciação da causa.

Como já tivemos oportunidade de explanar supra os vícios do nº 2 do artº 410º do CPP têm de resultar da simples análise da sentença, quando muito conjugada com as regras de experiência comum, não podendo, contudo, ser conjugados com quaisquer outros elementos do processo.

Ora, em relação ao vício plasmado na al. a) do nº 1 do artº 410º do CPP – insuficiência para a decisão da matéria de facto – o que se retira é que, dentro da estrutura da sentença, não se vislumbra esse vício.

É que, e como infra veremos, de facto, faltam factos, só que os factos que, a nosso ver, estão omissos só são detectáveis se lermos com atenção o recurso de impugnação que a acoimada apresentou em Tribunal.

Nessa peça percebe-se que a acoimada alega, em primeiro lugar, que não foi notificada porque não recebeu nenhuma notificação para se pronunciar acerca do processo de contra-ordenação que lhe foi levantado negando, assim, o facto de alguma vez ter recebido a carta registada com A/R que a autoridade administrativa lhe terá endereçado para a sua sede.
Esta defesa em concreto não consta do relatório da sentença que se limita a afirmar que:
“Não se conformando com esta decisão, veio a sociedade arguida arguir a nulidade do procedimento contraordenacional, alegando em síntese que não foi notificada durante o procedimento para exercer o seu direito de audição e defesa, ao artigo do art. 50.º do RGCO, sendo que o AR junto aos autos da notificação enviada pela entidade administrativa não tem o nome legível de quem recebeu a carta nem os elementos de identificação da pessoa que assinou, e que tal pessoa não é trabalhadora ou funcionária da sociedade arguida, não podendo, por esse motivo, considerar-se regularmente notificada do procedimento de contraordenação.”

Ora, dizer no relatório da sentença que a acoimada se defende dizendo que não se mostra regularmente notificada porque o A/R não se mostra assinado por quem o deveria assinar é diferente do que dizer que não recebeu a notificação.

O primeiro argumento, que a acoimada também esgrima no seu recurso, versa matéria de direito e vai depender da interpretação jurídica dos factos que o Tribunal a quo fixou.

O segundo argumento já versa matéria de facto e diz respeito à ilisão da presunção a que o Tribunal a quo apela para defender a sua decisão ou seja, a presunção de que a notificação se considera efectuada no 3º dia útil desde que enviado para a sede da empresa acoimada.

Ou seja, tendo o Tribunal a quo defendido que a notificação nos termos do artº 50º RGCO se mostra regularmente efectuada, porquanto o respectivo A/R se mostra assinado por quem estaria autorizado a recebê-lo, mas tendo a acoimada alegado em sua defesa que não recebeu a notificação, assim ilidindo a referida presunção, teria o Tribunal a quo que dar por provado ou não provado – consoante a prova produzida e a formação da sua convicção – se a notificação foi efectivamente entregue.

Acontece que o Tribunal a quo não fixou nenhum facto nesse sentido, isto é, não deu por provado ou por não provado que a notificação foi devidamente entregue ao seu destinatário.

Pelo que, num primeiro momento, pode parecer que efectivamente faltam factos para a decisão a quo que sustenta a decisão administrativa.

Só que não se chega a essa conclusão com a simples análise da sentença recorrida pois que nela não consta, de forma cabal, a defesa expendida pela acoimada.

É só lendo o recurso de contra-ordenação que a acoimada ofereceu na sequência da decisão administrativa de condenação que se percebe que a mesma, além de outros considerandos, alega não ter sequer recebido a notificação (independentemente de quem a terá recebido) tentando, com isso, ilidir a presunção em que o Tribunal a quo se alicerçou.

Mas essa leitura de peça processual diferente da sentença não é consentida nos vícios previstos no nº 2 do artº 410º do CPP.

Ou seja, só pela simples leitura da sentença não se consegue depreender que faltam factos para sustentar a decisão recorrida, daí que, não se pode afirmar que a sentença padece do vício previsto na al. a) do nº 2 do CPP.

A falta em causa terá de ser analisada em termos jurídicos a propósito do mérito da própria decisão o que infra se fará.
Quanto ao segundo vício focado – o erro notório na apreciação da prova – já se nos afigura existir este vício.

Vejamos.

O Tribunal a quo deu como provados, para o vício que ora se analisa, os seguintes factos:
13. Em 13-10-2017, a entidade administrativa enviou para a sede da sociedade arguida, e em nome desta, uma carta registada com aviso de receção com o assunto “Notificação para o Exercício do Direito de Audição e Defesa” no âmbito do procedimento contraordenacional com o n.º 1-531-2017, tendo junto para o efeito o auto de notícia, os factos que lhe eram imputados, e a advertência para exercer o seu direito de defesa.
14. A carta em crise foi recebida por AA, que assinou o respetivo aviso de receção “AA”.
15. À data dos factos, AA estava autorizada pelo representante legal da sociedade arguida para receber as cartas da sociedade.

E, na sua fundamentação para justificar estes factos disse o Tribunal a quo o seguinte:
A testemunha AA relatou que sempre recebeu as cartas em nome do filho e da sociedade arguida, o que nunca mereceu oposição por parte do filho, o que apenas pode ser interpretado como uma autorização para que assim continuasse a proceder (note-se que o arguido não apresentou qualquer reclamação, sequer, de que a D. AA não tivesse autorização para receber a decisão definitiva do procedimento contraordenacional, como efetivamente ocorreu, aceitando tal notificação por seu intermédio).

Ora, o Tribunal a quo fixou como facto algo que é conclusão sua: a de que a empresa acoimada teria autorizado a Srª AA, mãe do seu sócio-gerente, a receber as cartas em nome da empresa.

Contudo, afigura-se-nos que este salto lógico não pode consubstanciar matéria de facto.

Daquilo que o próprio Tribunal a quo relata os factos que se retiram da prova seriam os seguintes:
14. A carta em crise foi recebida por AA, que assinou o respetivo aviso de receção “AA”.
15. AA sempre recebeu as cartas em nome do filho e da sociedade arguida, o que nunca mereceu oposição por parte do filho.

É só isto que resulta do depoimento da referida testemunha plasmado na sentença.

Se a partir daqui o Tribunal a quo concluir que tais dois factos levam à presunção de que a referida Srª AA estaria autorizada a receber as cartas, e em relação a quem (o filho ou a empresa acoimada) é outra questão que só poderia estar contemplada na correspondente análise jurídica, mas em nosso modesto entendimento, nunca enquanto facto assente, porquanto não resulta da prova indicada pelo próprio Tribunal a quo que existisse uma autorização expressa e legalmente válida por parte da sociedade acoimada – e não apenas por parte do filho da referida AA enquanto pessoa singular e parente da mesma – no sentido de atribuir poderes de representação à Srª AA para receber correspondência e, consequentemente, legalmente vincular a acoimada.

O Tribunal a quo fez um salto lógico que a prova plasmada na sentença não permite fazer, sendo que nem sequer deu como assente como pressuposto do facto vertido em 15, que o legal representante da acoimada é filho da Srª AA.

Afigura-se-nos, assim, que existe um erro notório na apreciação da prova devendo o facto plasmado em 15) ser alterado nos termos supra expostos.

Mas, ainda que assim não se entendesse – o que só por mera hipótese académica se contempla – afigura-se-nos que a decisão recorrida sempre terá de ser revogada pelos seguintes motivos que nos levam à análise da última questão a decidir neste recurso.

c) Da validade da notificação da acoimada:

O fundamento da decisão recorrida assenta na validação que o Tribunal a quo efectuou do 1º A/R[4] junto aos autos através do qual entende que a acoimada teria sido regularmente notificada para deduzir defesa ao processo de contra-ordenação.

Adiantado desde já a nossa convicção, afigura-se-nos que mal andou o Tribunal a quo.

Vejamos.

Em primeiro lugar, mesmo antes de entrarmos na análise jurídica da natureza da notificação enviada nos termos do artº 50º do RGCO, há que situar as características do próprio A/R cuja validade o Tribunal a quo não questiona.

Assim, e olhando o documento em referência o que de imediato sobressai é a falta de identificação da pessoa que terá assinado o dito A/R.

Encontra-se assinalado com um “x” que a respectiva correspondência que acompanhava tal A/R foi entregue a pessoa diversa do destinatário.
Nesse caso deveria estar indicado o nome completo e legível desse destinatário, bem como a sua identificação (cartão de cidadão ou outro documento oficial como um passaporte, por exemplo).

Mas olhando o A/R nada disso consta.

Temos apenas uma aparente assinatura de uma AA – e só a título informativo, ao procedermos à audição do depoimento desta testemunha, a mesma negou que a assinatura sequer fosse sua, tendo, assim, o Tribunal a quo assentado a sua convicção no depoimento do carteiro sem sequer confrontar tal assinatura com o cartão de cidadão da referida AA – aposta no espaço destinado à assinatura, mas nem sequer existe qualquer data da aposição da mesma.

Pura e simplesmente não sabemos quando é que o A/R foi assinado e, a nosso ver, nem sequer sabemos se foi assinado pela tal AA, mãe do legal representante da acoimada.

Ora, uma vez que não podemos sindicar a matéria de facto no âmbito de um recurso de contra-ordenação, fora dos limites previstos no artº 410º nº 2 do CPP, temos de ter como assente os factos vertidos em 13, 14 e 15, ainda que o facto vertido em 15 assuma a redacção que nós supra lhe demos.

Contudo, a razão pela qual fazemos referência ao estado do A/R que supostamente prova a notificação da acoimada para responder ao processo de contra-ordenação é que, independentemente da tese que se possa seguir acerca de quem pode ou não pode assinar um A/R emitido nestes moldes e, assim, vincular uma sociedade, a verdade é que, mesmo seguindo de perto a orientação adoptada pelo Tribunal a quo, não se pode considerar a acoimada regularmente notificada porquanto o A/R, tal como está, não é válido.
Um A/R assinado por pessoa diversa do destinatário tem de identificar de forma cabal esse assinante.

E não se venha com a tese peregrina, que parece ter sido oferecida pelo carteiro que foi ouvido em julgamento, quiçá para justificar a falta em apreço, que foram os próprios C...’s que não exigiam a identificação do assinante, porquanto os C...’s não podem criar normas ad hoc, aparentemente internas, que afectem a validade de documentos que são utilizados por entidades oficiais, incluindo os tribunais, para fazer prova da entrega de correspondência.

Os A/R’s seguem uma forma específica com dizeres específicos que têm de ser respeitados sob pena da invalidade da prova que visam efectivar.

Se uma correspondência, ademais uma notificação para apresentar defesa no âmbito de uma contra-ordenação (onde viria a ser aplicada uma coima mínima de € 12.000,00), é entregue a uma terceira pessoa, há que identificar cabalmente essa pessoa pois, de outra maneira, não há forma de saber se a correspondência foi ou não entregue, até porque, com a presunção legal de que notificação não deixa de se considerar efectuada ainda que entregue a terceira pessoa, há que permitir ao destinatário a quem, eventualmente a correspondência não tenha sido entregue, de ilidir essa presunção.

Assim, quando a entidade administrativa recebe de volta o A/R que está junto aos autos, tal como o mesmo se apresenta, não podia a mesma dar por certo – nem mesmo com recurso a qualquer presunção judicial – que a notificação fora regularmente efectuada, porque a entidade administrativa, tal como nós, não conseguiria percepcionar do A/R em causa quem é que efectivamente recebeu a correspondência se é que ela foi efectivamente recepcionada por alguém.
É que, com uma aparente assinatura de uma pessoa não identificada em data não conhecida, a própria entidade administrativa não podia sequer supor que se tratava de alguém autorizada a receber a correspondência da acoimada ou mesmo de alguém com existência física, podendo a assinatura ter sido aposta pelo próprio carteiro já que nenhuma identificação existe para corroborar a existência de tal pessoa.

Está, assim, claro que nem água que o A/R em causa é irregular e, por isso, a entidade administrativa deveria ter repetido a notificação.

O A/R tal como se encontra não tem validade e, portanto, a entidade administrativa nunca podia supor que a notificação fosse regularmente efectuada à acoimada.

E, só por isso, deve o presente recurso proceder.

Contudo, ainda que assim não se entendesse – o que só por mera hipótese académica se contempla – ou seja, ainda que se considerasse válido o A/R e apto a demonstrar a regular notificação da acoimada, afigura-se-nos que, a partir do momento em que a acoimada acusa não ter recebido a notificação, sendo notório que efectivamente não deduziu defesa nos autos de contra-ordenação estando em causa uma coima mínima de € 12.000,00, o Tribunal a quo teria de apurar se essa entrega foi ou não efectuada.

Ora, dos factos provados – o Tribunal a quo considerou não haver factos não provados – não se consegue retirar que a notificação fosse entrega à sua destinatária, ou seja, à acoimada.

O que o Tribunal a quo afirma na matéria de facto é que a notificação teria sido recepcionada por uma AA (facto vertido em 14) e que esta estaria autorizada a receber a correspondência da sociedade acoimada (facto vertido em 15 na redacção dada pelo Tribunal a quo) mas não consta nenhum facto, em face da defesa expendida pela acoimada, que a tal AA tivesse entregue a carta à destinatária.

Repare-se que o Tribunal a quo avoca em abono da sua tese o disposto no artº 249º nº 1 do Código de Processo Civil que diz o seguinte:

“1 - Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são efetuadas nos termos previstos no n.º 5 do artigo 219.º, quando aplicável, ou por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se, nestes casos, feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”

Só que se terá esquecido o Tribunal a quo que a referida norma estabelece uma mera presunção e que a acoimada veio arguir factos tendentes a ilidir essa presunção.

É quanto a essa ilisão que o Tribunal a quo não terá fixado factos suficientes para levar à sua decisão de confirmar a decisão administrativa, mormente determinando que a pessoa quem recepcionou a notificação emitida pela entidade administrativa entregou ou, pelo menos, fez chegar essa notificação à destinatária.

O Tribunal a quo agarra-se a uma mera presunção que a acoimada no seu recurso expressamente impugnou.

Mas, em nosso modesto entendimento, o Tribunal a quo labora em erro quando faz reconduzir o caso dos autos às presunções previstas nos artºs 249º do CPC e 113º nº 2 do CPP.
É que a notificação em causa seguiu como correio registado com A/R.

Quando existe um A/R o disposto nos artºs 249º do CPC e 113º nº 2 do CPP não tem aplicação pois que, caso contrário, seria absolutamente desnecessário o A/R.
                                                      
Seguindo a notificação como correio registado com A/R não se pode, nem se deve, presumir a entrega no 3º dia útil, mas, antes, na data que consta do A/R – que no caso em apreço está omisso – sendo que o A/R tem de estar devidamente assinado ou pelo destinatário ou por terceira pessoa, em ambos os casos devidamente identificados.

O que também não acontece no caso dos autos.

Ou seja, será de aplicar o disposto no artº 230º do Código de Processo Civil – nos termos do disposto no artº 41º do RGCO e 4º do CPP – que determina o seguinte:

“1 - A citação postal efetuada ao abrigo do artigo 228.º[5] considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.” – sublinhado nosso

Além disto, sendo o destinatário da coima uma sociedade afigura-se-nos claro que nem água que há que aplicar, antes, o disposto no artº 223º do Código Processo Civil que diz o seguinte:

“1 - Os incapazes, os incertos, as pessoas coletivas, as sociedades, os patrimónios autónomos e o condomínio são citados ou notificados na pessoa dos seus legais representantes, sem prejuízo do disposto no artigo 19.º.
2 – (…)
3 - As pessoas coletivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.” – sublinhado nosso

Ora não se mostra provado – pelo menos não consta do elenco de factos provados – que AA seja empregada ou representante legal da sociedade acoimada.

Por outo lado, não se nos afigura correcto pressupor que a mesma estaria autorizada em termos legais a receber correspondência em nome da sociedade ainda que o seu gerente seja o seu filho.

Uma coisa é a correspondência do filho qua tale, outra, bem diferente, é a correspondência da sociedade gerida pelo seu filho.

Como vimos a propósito da análise do erro notório, o tribunal a quo fez constar como facto uma mera conclusão sua quando o que resulta dos autos é que o filho não se terá oposto a que a mãe recebesse cartas deste e da sociedade o que não equivale a uma autorização legal e expressa para vincular a respectiva sociedade.

Ora, o Tribunal a quo, lançando mão de uma polémica jurisprudencial, vai buscar normas que, a nosso modesto ver, não têm aplicação ao caso dos autos, quer porque a notificação seguiu via correio registado com A/R – sendo, assim, não aplicável o disposto no artº 249º do CPC – quer porque o destinatário é uma sociedade.

A partir do momento em que a entidade administrativa opta – e bem – por fazer uma notificação via correio registado com A/R são as regras que moldam este tipo de notificação que terão de ser contempladas no caso concreto.

O mesmo se diga em relação à qualidade do destinatário que é uma sociedade, ainda que unipessoal, pelo que não pode ser aplicada regras referentes às pessoas singulares tout court.

Questão diferente, e onde poderia haver polémica, surgiria se, em vez da notificação por correio registado com A/R, a entidade administrativa tivesse lançado mão de uma notificação com registo simples, fazendo sentido, neste cenário, discutir a natureza da notificação no âmbito do regime contra-ordenacional.

Em todo o caso, afigura-se-nos que o direito de defesa contemplado no artº 50º do RGCO, com assento constitucional, só se mostra garantido se a notificação for efectuada nos termos acima propostos pelos seguintes motivos.

Em primeiro lugar, a qualidade de arguido no âmbito de uma contra-ordenação não é igual a um arguido em sede de processo penal, não só porque não está adstrito aos deveres de um arguido como não beneficia dos direitos ínsitos no artº 61º do CPP, não lhe sendo sequer aplicável TIR, nem nenhuma medida de coacção.

Por outro lado, um arguido em sede de processo penal tem sempre direito a representação por defensor que é nomeado oficiosamente, pelo que, mesmo que um arguido em processo penal esteja ausente é sempre representado por defensor nomeado enquanto que um acoimado não beneficia dessa intervenção e por isso é que, se falhar a notificação nos termos do artº 50º do RGCO, os efeitos podem ser catastróficos para a esfera patrimonial do acoimado.

É que os efeitos de uma revelia no âmbito de uma contra-ordenação não têm comparação com o processo penal em que mesmo o arguido ausente beneficia de um estatuto que lhe garante defesa dos seus direitos.

Mesmo que se considere – como o faz a doutrina e jurisprudência – que a carga ético-social que existe em relação ao ilícito contra-ordenacional não é equiparável ao que sucede com o ilícito criminal, daí que tem sido entendimento a nível do Tribunal Constitucional que as regras do processo penal não devem ser transpostas ipsis verbis para o direito contra-ordenacional, a verdade é que, em termos patrimoniais, uma contra-ordenação, por norma, excede em larga medida o valor das multas em sede criminal, sendo que, no caso em apreço está em causa uma coima que, no seu valor mínimo, se situa nos € 12.000,00.
 
Conforme se refere no Ac. do TC de 15-11-2011 (procº nº 394/11):

“Quanto ao direito de audição e defesa do arguido, Figueiredo Dias salienta o princípio do contraditório e da audiência, no sentido da “oportunidade conferida a todo o participante processual de influir, através da sua audição pelo tribunal, no decurso do processo (…)” (Direito Processual Penal, I, 1974, p. 153). Com efeito, se «não é permitida a aplicação de uma coima [...] sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção [...] em que incorre» (artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações), a concretização da «forma» e do «prazo razoável» de se assegurar esse «direito de audição do arguido» não poderá prescindir dessa audiência, já que «os preceitos reguladores do processo criminal» não prevêem uma «decisão condenatória», ao cabo do «inquérito».– sublinhado nosso

Assim, faz todo o sentido a jurisprudência que entende que a falta de notificação nos termos do artº 50º RGCO traduz uma nulidade insanável equivalente à prevista no artº 119º al. c) do CPP[6].

Aliás, os senhores Juízes Conselheiros Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa afirmam com segurança que:
“Não concessão ao arguido da possibilidade de ser ouvido sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre parece dever considerar-se uma nulidade insanável, enquadrável na alínea c) do nº1 do artº. 119. Com efeito, embora nesta norma se preveja como nulidade insanável a ausência do arguido ou seu defensor quando a lei exigir a respectiva comparência, o objectivo evidente desta obrigatoriedade de comparência é a concessão ao arguido da possibilidade de exercer os seus direitos de defesa que a lei e a CRP impõem que lhe seja concedida e, por isso, esta norma deve ser interpretada extensivamente como visando todas as situações em que não foi concedida ao arguido, antes de lhe ser aplicada uma sanção, possibilidade de exercer direitos de defesa que obrigatoriamente lhe deve ser proporcionada.”[7]

E, em termos comparativos, como muito bem se nota no Acórdão da Relação de Lisboa de 04-02-2016[8]:

“Aliás, o próprio legislador, em matéria tributária, consagrou o regime da nulidade insanável ao estatuir no artigo 63º, nº 1 al. c) do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) ao considerar nulidade insuprível a “(…) falta de notificação do despacho para audição e apresentação de defesa”.
A consagração legislativa da nulidade insanável em matéria tributária e inexistindo qualquer justificação plausível para tratar diferentemente as demais situações contra-ordenacionais, não vemos como se possa argumentar, como faz Pinto de Albuquerque, que a consagração da excepção, confirma a regra.
A regra é a possibilidade do direito de defesa tal como resulta do texto constitucional em matéria criminal extensiva à matéria contra-ordenacional. Esta sim é a regra e a matriz de qualquer processo justo e equitativo.
Um processo justo e equitativo em matéria contra-ordenacional não se compadece com supressão de direitos aos arguidos, em virtude de actuações menos diligentes das autoridades administrativas.

Em resumo e pelas razões referidas, consideramos que o não cumprimento do artigo 50º do RGCO por parte da entidade administrativa conduz a uma nulidade insanável.

Por outro lado, enquanto que um arguido, no âmbito de um processo penal, tem de o ser constituído, o que implica um termo próprio e prestação de TIR, bem como a leitura dos seus direitos nos termos do artº 61º do CPP, sendo, assim, a forma como é chamado pela primeira vez a um processo que lhe diz respeito, no âmbito de um processo contraordenacional a única forma de chamar o arguido ao processo é pela notificação prevista no artº 50º do RGCO o que significa que, para todos os efeitos, a notificação do artº 50º RGCO equivale a uma citação – a primeira vez que se chama alguém ao processo – e portanto deve seguir por analogia as regras da citação previstas no CPC e não as regras da notificação postal previstas no artº 113º do CPP.

Mas, mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede e só por mera hipótese académica se contempla, nos termos do artº 113º do Código de Processo Penal – no qual o Tribunal a quo se alicerçou – se constata que:

“6 - Quando a notificação for efectuada por via postal registada, o rosto do sobrescrito ou do aviso deve indicar, com precisão, a natureza da correspondência, a identificação do tribunal ou do serviço remetente e as normas de procedimento referidas no número seguinte.
7 - Se:
a) O destinatário se recusar a assinar, o agente dos serviços postais entrega a carta ou o aviso e lavra nota do incidente, valendo o acto como notificação;
b) O destinatário se recusar a receber a carta ou o aviso, o agente dos serviços postais lavra nota do incidente, valendo o acto como notificação;
c) O destinatário não for encontrado, a carta ou o aviso são entregues a pessoa que com ele habite ou a pessoa indicada pelo destinatário que com ele trabalhe, fazendo os serviços postais menção do facto com identificação da pessoa que recebeu a carta ou o aviso;

Ora, como já o afirmámos, da análise do A/R junto aos autos não consta a identificação da pessoa que terá assinado o A/R, pelo que, mesmo nos termos do artº 113º do CPP, a notificação retratada nestes autos não se mostra regular e, por isso, não se pode considerar que a acoimada foi devidamente notificada para exercer o seu direito de defesa.

Face ao exposto, dúvidas não podem restar que a acoimada não se pode considerar regularmente notificada para os efeitos previstos no artº 50º do RGCO, não podendo a entidade administrativa ter considerado válida essa notificação em face da irregularidade flagrante do preenchimento e assinatura do A/R em causa.

Essa irregularidade faz com que a notificação em causa não possa ser considerada válida e legal pelo que estamos perante uma falta de notificação para todos os efeitos legais o que gera uma nulidade insanável.

Consequentemente, ter-se-á que anular todo o processado contra-ordenacional a partir, inclusive, da notificação efectuada nos termos do artº 50º RGCO devendo esta notificação ser repetida com respeito pela legalidade do acto e dado novo prazo à acoimada para, querendo, apresentar a defesa que entende apropriada perante os factos pelos quais vem acusada de uma contra-ordenação.

Decisão:

Em face do acima exposto decidem os Juízes Desembargadores da Secção Penal desta Relação de Guimarães anular a sentença recorrida  e, em consequência, determinam a anulação de todo o processo contra-ordenacional a partir, inclusive, da notificação efectuada nos termos do artº 50º do RGCO, a qual deve ser repetida pela entidade administrativa com respeito pelos formalismos legais aplicáveis a essa notificação e consequentemente, ser dado novo prazo à acoimada R..., querendo, apresentar a defesa que entende apropriada perante os factos pelos quais vem acusada de uma contra-ordenação.
Sem Tributação.                                         
Guimarães, 02 de Maio de 2023.

Florbela Sebastião e Silva (Relatora)
Paulo Correia Serafim (1º Adjunto)
Pedro Freitas Pinto (2º Adjunto)


[1] Ver a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[2] Alterado sucessivamente pelos seguintes diplomas legais: Declaração de 06-01-1983; DL nº 356/89 de 17-10; Declaração de 31-10-1989; DL nº 244/95 de 14-09; DL nº 323/2001 de 17-12 e Lei nº 109/2001 de 24-12.
[3] In Código de Processo Penal Anotado, Vol. 2, Editora Rei dos Livros, p. 514 e 515.
[4] O 2º A/R diz respeito à notificação da decisão administrativa condenatória.
[5] Que, por sua vez, diz o seguinte no seu nº 1: “1 - A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé.”
[6] Veja-se a título meramente exemplificativo: Ac. Relação de Lisboa de 04-02-2016 localizável em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/aca6a14aff41ff7c80257f5a004ad50f?OpenDocument
[7] In Contra-Ordenações, Anotações ao regime Geral, 6ª edição, 2011, págs. 380 e 381. 
[8]Localizável: http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/aca6a14aff41ff7c80257f5a004ad50f?OpenDocument