Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
846/17.0T8BCL.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - Decorre do disposto no art. 51º, 2º do DL 43335 de 19/11/1960 que a X, como concessionária do serviço público de produção, transporte e distribuição de energia elétrica, tem o direito, nomeadamente, a aceder a terrenos que não lhe pertençam e montar nesses prédios os necessários apoios (postes), sempre que isso se mostre necessário ao cumprimento das suas funções, desde que obtida a necessária licença de estabelecimento da instalação elétrica.

2 – Obtida tal licença, a servidão administrativa fica regularmente constituída, pelo que, têm os Autores, proprietários de um dos terrenos onde foi colocado um poste pertencente à instalação elétrica licenciada, que suportar tal implantação, não tendo direito à remoção do referido poste/apoio.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

A. F. e Maria, vieram interpor contra a Ré X, Distribuição- energia, SA, a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, pedindo uma indemnização no montante de €9.000,00, por enriquecimento sem causa, a retirada do poste/apoio colocado no terreno dos AA., restituindo-lhes o espaço ocupado e uma indemnização nunca inferior a €3.500,00 por danos não patrimoniais.
Para tanto alegam, em síntese, que no dia 03.10.2005, adquiriram um lote, o lote 9, melhor identificado no art. 1.º, sendo que mais tarde, ao regressarem a Portugal, constataram que o Apoio de 15KV que estava à data da compra no lote 10, estava implantado no seu terreno.

Dizem que não deram qualquer autorização para a colocação de tal Apoio no seu prédio e que por diversas formas solicitaram à X que procedesse à retirada do dito poste, sendo que inicialmente lhes foi dito que tal facto se tratou de um equivoco e, posteriormente, que tinha sido o loteador a dar a autorização.
Referem ainda que por causa da colocação desse poste no seu prédio já ocorreu um sinistro que lhes destruiu totalmente o equipamento elétrico.

Fundamentam os seus pedidos de indemnização no facto de a R. ter utilizado o espaço sem processo expropriativo ou constituição de servidão, pelo que é devido por tal cedência o valor de €750,00 por ano, a que acresce o valor dos danos que, segundo alegam, se prendem com o facto de não conseguirem usufruir do jardim da habitação, atento o perigo, e todos os incómodos que esses factos têm causado aos AA.

A Ré contestou alegando exercer uma atividade de utilidade pública e que o pedido de modificação da linha tinha sido solicitado pela proprietária do terreno e promotora do loteamento que indicou e disponibilizou o local de colocação do poste em causa e que no âmbito do processo de licenciamento da linha não foi deduzida qualquer oposição e a emissão da respetiva licença é título constitutivo de servidão administrativa.

Alegou ainda não ter ocupado o terreno dos AA., tendo sido o promotor do loteamento a fazê-lo, promotor esse que ocultou da R. que havia transmitido a propriedade para os AA.
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Os AA. impugnaram os factos alegados pela R., alegando que a promotora não solicitou que o poste fosse colocado no lote dos AA. e que quando decorreram as obras já os AA. eram os proprietários.
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Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e em consequência condenou a Ré a:

a) A retirar o poste/apoio colocado no terreno propriedade dos AA., restituindo a estes o espaço ocupado;
b) A pagar aos AA. o montante de €1.000,00 (mil euros), a título de danos não patrimoniais e o montante de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), pela ocupação do espaço do seu terreno com o poste/apoio 15KV;
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Inconformada veio a Ré recorrer formulando as seguintes Conclusões:

1 – É verdade que num primeiro momento a X instalou um poste de uma linha de média tensão (15kV) no prédio de propriedade da recorrida, sem autorização desta;
2 – Não é menos verdade que o fez de boa-fé, convencida que o espaço ocupado com o apoio ainda pertencia ao promotor do loteamento.
3 – O primitivo ato praticado pela X é objetivamente ilegítimo, conferindo à recorrida o direito de exigir a remoção do apoio;
4 – Porém, correu termos processo administrativo com vista à instalação da linha de média tensão de que faz parte o poste em causa nos presentes autos.
5 – No âmbito do processo de licenciamento da linha, que não foi objeto de reclamação ou de oposição, este veio a ser aprovado pela entidade administrativa competente, a Direção Regional da Economia do Norte, do Ministério da Economia e do Emprego.
6 – Por outro lado, à X Distribuição – Energia, S.A., foi concedida Licença de Estabelecimento da linha em causa nos autos.
7 – A concessão da Licença de Estabelecimento a favor da X foi reconhecida pelo Tribunal recorrido, conforme matéria provada sob o ponto 23).
8 – A recorrente X beneficia de diversas prerrogativas concedidas por Lei no que diz respeito à construção de linhas elétricas e à constituição das necessárias servidões de passagem.
9 - A atividade da recorrida X é exercida em regime de concessão e constitui a prestação de um serviço de natureza e utilidade públicos, tal como decorre do artigo 31º do Dec. Lei 29/2006, de 15/02 e artigos 24º a 28º e 38º do Dec. Lei nº 182/95, de 27 de Julho, com a redação que lhe foi dada pelo Dec. Lei nº 56/97, de 14 de Março.
10 - O processo de licenciamento das instalações elétricas consta do Dec. Lei nº 26852, de 30 de Julho de 1936, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Dec. Lei 446/76, de 5 de junho e pela Portaria nº 344/89, de 13 de Maio.
11 - Atento o disposto no artº 75º do Dec. Lei 172/2006 e artº 68º do Dec. Lei nº 182/95, mantém-se em vigor as disposições do Dec. Lei nº 43335, de 19 de Novembro de 1960 e demais legislação aplicável, no que se refere à implantação de instalações elétricas e constituição de servidões.
12 - A instalação e exploração das linhas elétricas de Média Tensão (MT) e Alta Tensão (AT) eram licenciadas, à data, Ministério da Economia e Ido Emprego, através das suas Direções Regionais, sendo que os atos praticados pela X Distribuição se inserem na atividade de distribuição de energia elétrica, no caso, em AT/MT, atividade que exerce por concessão.
13 - Tal concessão implica a transferência para a X dos direitos e poderes do Estado necessários à gestão e exploração do serviço público de distribuição de energia elétrica.
14 - A decisão proferida nestes autos, na parte em que determina a remoção do apoio, viola claramente o direito da X constituído pelo ato administrativo de licenciamento da infraestrutura elétrica, que ao ser licenciada é dotada de utilidade pública, cfr. artº 12º do Dec. Lei 29/2006, e artº 48º e seguintes do Dec. nº 43335, ambos citados.
15 – Nos termos do disposto no artigo 12º do Dec. Lei 29/2006 e do nº 2 do artigo 51º do Dec. Lei nº 43335, já citados, a declaração de utilidade pública confere ao concessionário o direito de “atravessar prédios particulares com canais condutas, caminhos de circulação necessários à exploração, condutores subterrâneos e linhas aéreas, e montar nesses prédios os necessários apoios”.
16 - Além disso, a sentença ora recorrida corresponde a uma decisão de mérito técnico, consequentemente à substituição da Administração Pública pela Mmª Juiz a quo, sendo certo que estão em causa opções de elevada complexidade técnica na apreciação dos interesses envolvidos, em clara violação do disposto no artigo 127, nº 2, do Código de Procedimento Administrativo.
17 - A ser mantida a decisão ora proferida, o que apenas se concede em sede de raciocínio, mostra-se claramente violado o princípio da separação de poderes, consagrado no artº 111º da Constituição da República Portuguesa.
18 - Na verdade, a ser confirmada a decisão que determina a remoção do apoio, tal determinação judicial invadiria a esfera do próprio Estado.
19 - Por outro lado, a execução de tal decisão conduziria a um absurdo jurídico.
20 - Na douta sentença mostram-se violadas, entre outras, as normas dos artigos 12º do Dec. Lei 29/2006, 48º a 51º do D. Lei nº 43.335, todas já citadas, diversas normas do Dec. Lei nº 26852, artº 38º do Dec. Lei nº 182/95, de 27 de Julho, artº 111º da C. R. P., artigo 127º, 2, do C.P.A. e artigos 1305º e 1311º, nº 2, estes do Código Civil, e ainda princípios gerais de direito.

Nestes termos e nos melhores de Direito, conforme douto suprimento de Vªs. Excelências, deverá revogar-se a douta sentença recorrida na parte em que condenou a X a retirar o apoio que colocou no prédio de propriedade do recorrido.
Assim decidindo, farão Vªs. Excias. Inteira JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.
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Questões a decidir:

- Analisar se assiste aos AA. o direito a verem retirado do seu prédio o poste da X aí colocado e em caso afirmativo se têm direito a indemnização por essa ocupação.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

A matéria considerada provada na 1ª instância foi a seguinte:

1) Os AA. no dia 3 de outubro de 2005 adquiriram um lote, o lote 9, para construção com 566,5m2, sito na Rua …, da freguesia de …, concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ….
2) Quando adquiriram o lote o apoio 15KV estava projetado no lote 10.
3) Quando regressaram a Portugal, pois estão emigrados em Inglaterra, os AA. ficaram espantados com o facto de estar implantado no seu terreno, lote 9, o poste que na planta de operação de loteamento estava no lote 10.
4) Os AA. não deram qualquer autorização para a colocação do poste/apoio 15KV no seu lote de terreno, nem lhes foi comunicado previamente.
5) No ano de 2008, os AA. solicitaram aos responsáveis da X a retirada do poste/apoio do seu terreno.
6) No dia 21 de agosto de 2013, os AA. efetuaram novo pedido via e-mail à X para a retirada do poste/apoio.
7) Informando igualmente que, devido ao referido poste/apoio estar nos terrenos dos AA., no dia 27 de Março de 2008 ocorreu um sinistro originado pela queda de cabos de transporte de energia elétrica de média tensão, que destruiu todo o equipamento elétrico que se encontrava no interior da habitação.
8) A R. respondeu que o pedido não poderia ser satisfeito por não existirem razões de obrigatoriedade legal.
9) No dia 21 de março de 2014, os AA. reclamaram por escrito à Direção de rede e clientes do Norte. Reclamam novamente no dia 11 de junho de 2014 e a 30 de junho de 2014, a R. responde nos mesmos termos.
10) Na operação de loteamento, processo n.º GU 69/04 não consta pedido da X nem autorização dada pelo loteador para alteração do poste/apoio do lote 10 para o 9.
11) O poste em causa tem apoios horizontais que podem permitir a escalada.
12) Os AA. não conseguem usufruir e utilizar plenamente o jardim da sua habitação.
13) Os AA. sofreram e sofrem desgosto por terem no jardim da sua habitação um poste/apoio que não tinha quando compraram o lote.
14) Esta situação está a causar aos AA. incómodos, aborrecimentos e arrelias.
15) Os AA. se soubessem que o poste estaria projetado para o lote 9 não o teriam adquirido.
16) O referido apoio pertence à linha elétrica de média tensão 15KV denominada Barcelos-Esposende.
17) No ano de 2004, decorreram as operações de loteamento no terreno em causa que, nessa data, era propriedade da sociedade Y – IMOBILIÁRIA, Lda.
18) A 19.07.2004, o promotor e proprietário do terreno Y, requereu o desvio da linha elétrica de média tensão.
19) Esse pedido foi reiterado pela mesma entidade em 30.11.2004.
20) A Y pagou os encargos relativos aos estudos de modificação, assim como os encargos da própria obra de modificação.
21) A obra de modificação da linha foi executada e concluída em dezembro de 2005.
22) Em 27.01.2006, a Y, Lda. entregou à R. X as infraestruturas elétricas que oneram o loteamento e tais infraestruturas foram por aquela recebidas, tendo tal facto informado a Câmara Municipal.
23) O projeto da linha elétrica de média tensão em causa foi aprovado pela Direção Regional de Economia do Norte por despacho de 12.02.2007, emitido no âmbito do processo EPU/28459.
24) Em 12/4/2013 foi emitida a LICENÇA DE ESTABELECIMENTO da linha, por despacho da Direção Regional da Economia do Norte (doc. 13 junto com a contestação).
25) O troço da rede alvo da avaria de março de 2008 foi desmontado, tendo a R. alterado o traçado nesta parte e desviado a linha elétrica para lá dos limites do loteamento
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Na sentença recorrida foram considerados não provados os seguintes factos:

a) Os funcionários da X, Joaquim e N. F., informaram os AA. que a colocação do poste no lote dos AA. foi um equivoco, um lapso.
b) A situação em causa provocou e provoca nos AA. alterações no sistema nervoso e frequentes insónias.
c) Os AA. têm evitado receber os seus familiares e amigos para convívio com receio que uma tragédia aconteça.
d) A Y liderou todo o processo de modificação de linha, indicou e disponibilizou à R. X o local onde pretendia que fosse colocado o apoio de média tensão, nomeadamente o lote 9.
e) A R. à data da implantação do apoio no lote dos AA. não sabia que estes eram os seus proprietários.
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O Direito:

A Ré é uma empresa que, como concessionária do serviço público de produção, transporte e distribuição de energia elétrica, beneficia do reconhecimento da utilidade pública das suas instalações (v. art. 1 do DL 43335 de 19/11/60).

Conforme resulta do disposto no art. 51º, 2º desse diploma, a Ré tem o direito, nomeadamente, a aceder a terrenos que não lhe pertençam e montar nesses prédios os necessários apoios, sempre que isso se mostre necessário ao cumprimento das suas funções.

No entanto, decorre do § 1º do mesmo preceito que tais direitos só poderão ser exercidos quando o concessionário tiver obtido a necessária licença de estabelecimento da instalação, licenciamento este que se encontra regulado no DL 26852 de 30/6/1936, alterado pelo DL 446/76 de 5/6 e portaria nº 344/89 de 13/5.
Destes diplomas decorre pois que a Ré beneficia do direito de servidão administrativa.

Na verdade, conforme escreveu Marcello Caetano (in Manual de Direito Administrativo, vol. II, pág. 1052) servidão administrativa é o encargo imposto por disposição da lei sobre certo prédio em proveito da utilidade pública de uma coisa.

Podia assim a Ré fazer passar pelo terreno dos AA. as linhas de transporte de energia, bem como montar no mesmo os necessários apoios, não obstante a discordância dos respetivos proprietários desde que obtenha a necessária licença.

Nem mesmo para a obtenção dessa licença é necessária tal autorização em face do disposto no art. 16º, nº 3 do mencionado DL 26852, com a redação do DL 446/76, uma vez que, como decorre dessa norma, só é exigida a junção de autorização dos proprietários para obtenção da licença quando as instalações a executar não gozem de declaração de utilidade pública, o que, conforme vimos acima não ocorre no caso em apreço.

Os proprietários dos terrenos afetados com a instalação elétrica podem apresentar reclamação contra a aprovação do projeto nos termos previstos no art. 20º do DL 26852, com a redação introduzida pela Portaria nº 344/89, tendo eventualmente direito a ser ouvidos nos termos previstos no C.P.A., no entanto, não nos cabe aqui a análise da eventual preterição de formalidades prévias à formação do ato administrativo, já que, a impugnação contenciosa do mesmo teria que ser efetuada junto dos tribunais administrativos por serem os competentes para tal (v. art. 4º, nº 1 – c) do ETAF) e do que nos é dado saber tal ato não foi impugnado judicialmente.
De qualquer forma a validade ou invalidade do ato administrativo em causa não é objeto do presente recurso.

Assim, na situação em análise constata-se que a Ré, para além de aceder ao terreno dos AA., aí colocou um poste de eletricidade, ocupando nesse terreno o espaço necessário a tal implantação, sem conhecimento e consentimento dos AA., resultando da matéria de facto que em dezembro de 2005 já se encontrava implantado no terreno dos Autores o poste/apoio (v. ponto 21).

Resultou ainda provado que a Ré obteve a respetiva licença de estabelecimento em 12/4/2013 (v. pontos 23 e 24 e documento nº 13 junto com a contestação).

Assim, o que resulta dos factos julgados provados é que, na data em que o poste foi implantado no prédio dos Autores, a servidão administrativa ainda não se encontrava regularmente constituída, porque ainda não tinha sido obtida a necessária licença à implantação da instalação elétrica de que faz parte o poste em causa nestes autos, sendo pois a ocupação ilegítima desde a data de implantação do poste até à data em que pela Ré foi obtida a licença de estabelecimento.

No entanto, uma vez que atualmente a servidão em causa já se encontra regularmente constituída impõe-se aos Autores, na qualidade de proprietários do prédio onerado o dever de suportar a implantação do poste de suporte das linhas de transporte da energia elétrica, não tendo direito à remoção desse poste/apoio (v. neste sentido Ac. R. L. de 26/6/2003 in www.dgsi.pt).

Com efeito, como se salienta no Acórdão referido a circunstância de só posteriormente à implantação das referidas linhas ter sido obtida pela X a regularização (constituição para alguns) da servidão por efeito do respetivo licenciamento (consubstanciando, por isso a instalação das linhas um exercício abusivo do direito de servidão com a consequente violação do direito de propriedade dos Autores) apenas assume relevância em termos de direito a indemnização e não à pretendida remoção das linhas.

No Acórdão deste Tribunal de 9/4/13, a propósito de um caso semelhante ao que agora estamos a tratar refere-se que se é certo que não se pode exigir ao titular serviente sacrifícios desnecessários, não menos certo é estar este obrigado a suportar tudo o que se revelar necessário para a satisfação daquele interesse público, o que, aliás, está em conformidade com a estatuição-previsão do art. 1305º do C. Civil, nos termos do qual "o proprietário goza, de modo pleno e exclusivo, do uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas".
Daqui decorre que o próprio direito de propriedade deve ser encarado não apenas sob uma perspetiva subjetiva, em que releva apenas o interesse egoístico do seu titular, mas como categoria objetiva ou económico-social em termos de o interesse abstrato, potencial e eventual não poder excluir a atividade de outrem (terceiro entidade pública ou privada) que assuma interesse manifestamente relevante, o que, no fundo, corresponde à concretização prática da chamada "função social da propriedade",
concluindo-se neste Acórdão que entre essas restrições de interesse público geral se encontram as limitações que se prendem com a constituição de servidões administrativas, o que conduz a que no caso dos autos, os Autores estejam obrigados e suportar o direito da Ré X de ocupação do prédio deles, consubstanciado na implantação da linha de transporte de energia elétrica, não tendo qualquer direito à remoção da linha e do suporte que a apoia com fundamento na violação do seu direito de propriedade.
Não pode assim, lograr provimento o pedido dos Autores no sentido da retirada do seu terreno do mencionado poste/apoio.

Contudo, provando-se que até abril de 2013 a Ré não possuía a licença que lhe permitia validamente instalar no prédio dos Autores o apoio à linha de transporte de energia elétrica, privando-os ilegitimamente do pleno gozo do seu prédio (v. art. 1305º do C. Civil), têm os Autores direito a indemnização com base na responsabilidade civil extracontratual por tal ocupação (v. art. 483º do C. Civil).

Quanto à verificação dos pressupostos do direito a indemnização com base na responsabilidade civil extracontratual, remete-se para o que a propósito foi dito na sentença recorrida, restringido ao período acima referido.
Nessa decisão foi fixada a indemnização de 1.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais e de 2.500,00€ a título de danos patrimoniais, fixada com recurso a critérios de equidade.
Não obstante a fixação dos referidos montantes indemnizatórios não ter tido na sua base a limitação temporal acima mencionada, entendemos não ser de reduzir proporcionalmente os mesmos.

Com efeito, apesar de ser reduzido o espaço que o poste ocupa, provou-se que em virtude da colocação do mesmo os Autores não conseguem usufruir e utilizar plenamente o jardim da sua habitação (v. ponto 12 dos factos provados) e que sofreram e sofrem desgosto por terem no jardim da sua habitação tal poste (que naturalmente afeta, pelo menos, esteticamente o mencionado espaço).
Assim, parecem-nos adequadas as quantias de 2.500,00€ e 1.000,00€ para ressarcir, respetivamente, os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos Autores com a colocação do poste entre 2005 e 2013.

Os Autores, na sua petição, referem ainda como fundamento para a peticionada indemnização, o instituto do enriquecimento sem causa.

O art. 473º nº 1 do C. Civil estabelece o princípio geral de que “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupetou”.

Para que possa existir a obrigação de restituir com fundamento no enriquecimento sem causa exige-se a verificação simultânea dos seguintes requisitos:

a) existência de um enriquecimento;
b) falta de causa que o justifique;
c) que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem pretende a restituição;
d) que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição.
e) O enriquecimento sem causa supõe uma deslocação patrimonial ilegítima, injusta e portanto indevida.

Conforme dizem os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela (C. Proc. Civil Anot., vol. I, pág. 320) a falta de justa causa traduz-se na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento.

Por outro lado, nos termos do disposto no art. 474º do C. Civil, a ação baseada nas regras do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, ou seja, esta ação só é admitida quando a lei não faculte ao empobrecido outro meio de reagir contra o enriquecimento para desfazer a deslocação patrimonial.

Ora, no caso em análise foi já fixada indemnização pela ocupação ilícita do terreno dos Autores com base na responsabilidade civil extracontratual e, por outro lado, a lei faculta aos Autores forma de serem ressarcidos pelas limitações impostas à fruição do seu prédio (v. art. 51º do mencionado DL 43335), a peticionar em ação própria, pelo que, tem de improceder a pretensão dos mesmos no sentido de obterem indemnização com base no instituto ora em análise.
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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida no que concerne à condenação da Ré a retirar o poste/apoio do terreno pertencente aos Autores.
Custas a cargo da Recorrente e dos Recorridos na proporção de metade para cada.
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Guimarães, 7 de junho de 2018


(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria de Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira)