Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
499/19.1T8AVV.G1
Relator: FERNANDO BARROSO CABANELAS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS
DEVER DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
CONSEQUÊNCIAS DA VIOLAÇÃO DESSES DEVERES
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. O artigo 18º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro impõe ao segurador um dever geral de esclarecimento e informação ao tomador do seguro que o habilite à compreensão das condições do contrato, concretizando ainda os elementos de informação a constar obrigatoriamente de documento escrito disponibilizado ao tomador do seguro, antes de este se vincular.
2. Incumbe ao tomador do seguro alegar a omissão dos deveres de comunicação e informação pela seguradora e a não entrega de cópia das cláusulas contratuais, incumbindo à seguradora ré a prova de ter cumprido integral e devidamente tal obrigação.
3. Não provando a seguradora o cumprimento de tais deveres, com a consequência da exclusão das mesmas do contrato, nos termos do artº 8º, do DL 446/85, e não se pondo em causa a validade do mesmo, não sendo a situação dos autos reconduzível à nulidade prevista no artº 9º, nº 2, do DL nº 446/85, por não ocorrer uma indeterminação insuprível de aspetos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé, subsiste o contrato de seguro, de acordo com o artº 9º, do mesmo diploma, vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos (arts 10º do mesmo diploma e º 236º a 239º do Código Civil).
4. Face aos princípios gerais de boa fé e ao disposto no artº 239º do Código Civil, tal exclusão opera tão só relativamente aos segmentos das cláusulas contratuais que consubstanciam uma especialidade relativamente ao significado que um declaratário normal atribui às mesmas (artº 236º, nº1, do Código Civil), tendo-se de considerar no caso dos autos o contrato de seguro como válido, abrangendo as condições gerais e, no que tange às especiais, cobrindo os riscos decorrentes de danos provocados por tempestades, inundações e aluimentos de terras, estes não com as limitações decorrentes das definições atribuídas pela seguradora, mas antes com a amplitude que um declaratário normal interioriza como significado das mesmas.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório:

A. M., com sinais nos autos, intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma comum, contra X Seguros, S.A. , pedindo que a Ré seja condenada a reconhecer a existência do contrato se seguro celebrado com a Autora no dia 15.08.2015; a reconhecer que, por via do contrato de seguro que celebrou com a Autora e titulado pela apólice .....68 é responsável pelo ressarcimento dos prejuízos que a Autora teve e decorrentes do sinistro (ventos fortes, precipitação e, consequente, acumulação de água no terreno) ocorrido em 07.11.2018 na sua habitação melhor identificada nos artigos 1º e 2º da petição inicial, mais concretamente, no muro de vedação; a pagar à Autora a quantia de 29.912,00€ a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento daquela quantia; a pagar à Autora a quantia de 10.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos dos respetivos juros legais desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Em síntese alegou que, a estrutura do muro de vedação exterior de sua pertença, cedeu no dia 7 de novembro 2018, originando fendas no chão; tal queda ficou-se a dever-se à ação de ventos fortes e precipitação; tal risco encontra-se coberto pelo contrato de Seguro Multirriscos Habitação, o denominado ‘X Plus’, celebrado entre a Autora e a Ré, o qual foi titulado com a Apólice nº .....68; a Autora irá despender, na reconstrução do muro um total de 29.912.00€; o estado atual da situação causou um transtorno enorme à Autora, pois que, por um lado, dificulta-lhe o acesso aquela zona da sua habitação, pois mantém sempre o receio que a estrutura possa ceder e causar, ainda mais, prejuízos, por outro lado, não permite à Autora usufruir daquela parte do seu prédio há quase 1 ano, algo que fazia com carácter de regularidade.
A Ré contestou, impugnando motivadamente os factos alegados pela Autora, alegando, em suma, que a causa da queda do muro em discussão nos autos se deveu a patologias da construção do mesmo e como tal não se encontra obrigada a pagar a quantia peticionada; concluiu pela improcedência da ação, por não provada, com a sua consequente absolvição.

Foi realizado julgamento e prolatada sentença, com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, decido absolver a Ré do pedido.
Custas a cargo da Autora – artigo 527º, nº. 2, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Arcos de Valdevez, 17 de fevereiro de 2022

Inconformado com a decisão, a autora recorreu, formulando as seguintes conclusões:

I. O presente recurso tem na sua base o entendimento que a decisão recorrida não traduz corretamente a solução adequada para a questão que se apresenta para julgamento
II. E, por se entender, como se entende, que a solução encontrada na douta sentença em crise viola, no caso sub judice, o sentimento ético-jurídico de Justiça que ao caso cabe, e ainda que tal solução na aplicação do direito ao caso concreto pode e deve, eventualmente, ser outra pelo que se suscita e se requer a reapreciação da decisão através do presente recurso.
III. Atenta a prova documental e testemunhal produzida, impunha-se resposta diferente dada pelo Tribunal “a quo” aos pontos 7. e 15. da matéria de facto dada como provada e alíneas a), b), c), d), e), f) e g) da matéria dada como não provada, alteração da resposta á matéria de facto que se requer.
IV. Tendo em consideração a certidão emitida pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera, não impugnado, a resposta ao facto 7 deveria ter sido: “A estrutura do muro de vedação exterior, cedeu no dia 7 de novembro 2018, originando fendas no chão, devido as chuvas e ventos fortes que se fizeram sentir na região dos Arcos de Valdevez, de acordo com o relatório do IPMA junto aos autos, tendo a quantidade de precipitação atingido 46.6 milímetros naquela região.”
V. O ponto 15 da matéria de facto dado como provada deveria ter sido: “A queda do muro em questão nos autos ficou a dever-se a fenómenos climatéricos adversos, tendo a estabilidade do muro permanecido inalterável durante 15 anos, sujeitas a intempéries da mesma natureza.”
VI. No mesmo sentido, a alínea d) dos factos dados como não provados deveria ser alterada passando a constar nos factos provados que: “A queda do muro envolvente à habitação da Autora, em 07.11.2018 foi proveniente da ação de ventos fortes e precipitação, conforme relatório do IPMA relativo ao mês de novembro.”
VII. Valorando os depoimentos das testemunhas da A., S. M., a testemunha da R. J. C., prestados em audiência de discussão e julgamento relativamente a esta matéria em 29/01/2022, que aqui se têm como reproduzidos, assim com o relatório pericial junto aos autos;
VIII. A resposta ao facto a) da matéria dada como não provada deveria ter sido dada como provada: “A queda do muro em questão nos autos ficou a dever-se ao volume de precipitação ocorrida no mês de novembro de 2018”.
IX. E a resposta ao facto b) da matéria dado como não provada, deveria ter sido dado como provado e alterado em conformidade para o seguinte: “Antes da ocorrência de 07.11.2018, o muro de vedação do prédio urbano em apreço encontrava-se em adequadas e perfeitas condições, conforme Documento n.º 11 que se encontra a fls. XX junto aos autos.”
X. Não desconsiderando a proposta de seguro junta com a P.I., assim como as condições gerais e particulares do seguro X Plus (doc. n. º2), a resposta a alínea c) dos factos dados como não provados deveria ter sido alterado para os fatos como provados com a seguinte redação: “A Autora não tem, pois não lhe foi facultado, qualquer documento contendo as mencionadas condições especiais, cujo conteúdo, de resto, também não lhe foi dado a conhecer nem explicado, juntando o doc. n.º 2 que só teve acesso através das plataformas digitais da R.”
XI. Atenta a prova produzida em julgamento, nomeadamente, a prova testemunhal, foram referenciados várias vezes as expressões “chuvas e ventos fortes” e “precipitação elevada”, expressões que descrevem realidades apreensíveis por qualquer pessoa, tendo aquelas palavras uma significação igual em todas as latitudes, descritiva da intensidade da chuva e da força do vento, que se fizeram sentir nas circunstâncias de tempo referidas nos autos.
XII. A expressão “precipitação forte e persistente” é utilizada pelo próprio IPMA, que, afiança que naquela região a precipitação total (milímetros) – foi de 311.1 milímetros e o RRMAX/D Precipitação máxima diária (milímetros) e dia de ocorrência foi de 46.6 milímetros.
XIII. Foi, pois, pertinente o recurso ao depoimento das testemunhas que descreveram o que vivenciaram no próprio local onde aqueles factos naturais ocorreram, no caso, a testemunha A. R..
XIV. A testemunha S. M. e a testemunha J. C., que fizeram as respetivas peritagens cujos relatórios constam de fls. XX a XX, confirmaram que na altura dos factos foi uma altura atípica de ocorrência de tempestades, chuvas e ventos fortes.
XV. A testemunha S. M. admitiu que “a causa apontada a queda do muro é a pressão exercida pela presença das águas das chuvas que se acumularam naquele local devido à sua intensidade e quantidade. O aluimento assim como o deslizamento de terras são consequência da penetração das águas nos terrenos.” (cfr. o penúltimo parágrafo do “Relatório Pericial”, a fls. XX – Doc. n.º 16).
XVI. A queda do muro como resultado da pressão exercida pelas águas das chuvas acumuladas naquele local, e bem assim o aluimento e o deslizamento de terras como consequência da penetração das águas nos terrenos e da queda do muro, são fenómenos naturais, facilmente observáveis em circunstâncias similares à descrita nos autos, tanto mais que, como observou a filha da A. L. M., o terreno ali «é em declive», o que faz com que as águas atinjam maior velocidade, gerando uma força de intensidade maior sobre qualquer obstáculo que se lhes oponha.
XVII. Pela descrição que consta do relatório a fls. XX – Doc. n.º 16, pelo que foi referido unanimemente pelas testemunhas que foram questionadas, e pelo (bem) que se conhece desta região do Minho, o muro em causa é em “pedra montada”, e já é de construção antiga.
XVIII. É, pois, de presumir que tenha obedecido às melhores regras da arte, até por ter cumprido a sua função até agora, arrostando com dias de tempestade similares e com águas da mesma intensidade. Assim, o muro não terá “sapatas estruturais” que são próprias dos muros em betão, mas terá alicerces, constituídos por pedras grandes e largas, que lhe dão estabilidade, sendo que há uma técnica especial de colocação das pedras nas camadas que se lhe sobrepõem (assentam-se desencontradamente por forma a que umas “travem” as outras). E este tipo de muro não necessita que se lhe pratiquem orifícios de escoamento das águas (como num muro de betão armado), porque eles existem naturalmente - são as fendas, os interstícios, que ficam entre as pedras.
XIX. A testemunha S. M. apresentou à A. o orçamento de valor mais baixo, que a própria Apelante juntou aos autos sob a forma de Doc. 19, declarou que o referido valor é o preço da reconstrução do muro, valor que foi corroborado pelo relatório pericial junto aos autos a fls. XX.
XX. Relativamente aos pontos e) e f), o douto Tribunal “a quo” deveria ter dado atenção ao depoimento da testemunha S. M., que foi a responsável pela reconstrução do muro, assim como ao seu relatório pericial, e não ter dado como provado esses pontos como veio acontecer.
XXI. Em relação à alínea c) dos factos dados como não provados, o que a Apelante alegou foi que no momento da subscrição do contrato de seguro, as condições gerais e particulares, bem como o conteúdo da proposta, não lhe foram comunicadas, nem entregues à A. bem como explicado o seu conteúdo, designadamente quanto as garantias, coberturas e exclusões.
XXII. A testemunha J. V., mediador de seguros da X, que figura no Doc. 13 como responsável pela agência onde foi contratualizado o contrato de seguro, dirimiu-se de responsabilidades ao referir que não foi com ele que foi celebrada a apólice mas com um colaborador seu que não se recorda neste caso, extraindo-se ainda do que disse que normalmente (só) explica o que o seguro abrange, mas nada diz quanto às “exclusões”, ou seja, nem sequer faz uma singela chamada de atenção para elas.
XXIII. A alteração da resposta à matéria de facto impõe decisão de mérito diferente.
XXIV. A Apelante celebrou com a R. um contrato de seguro na modalidade de “Riscos Múltiplos Habitação, o denominado X Plus, titulado pela apólice n.º .....68.
XXV. O contrato de seguro é a convenção pela qual uma das partes (o segurador) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (segurado), a assumir um risco ou conjunto de riscos e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado” (cfr. Prof. Almeida Costa in Rev. Leg. Jurisprudª. ano 109º., 1996/1997, pág. 20).
XXVI. Os contratos de seguro regem-se pelas condições gerais, e pelas condições especiais e pelas particulares que tenham sido subscritas pelo segurado ou tomador do seguro.
XXVII. Apesar de, em princípio, em matéria de contratos vigorar o princípio da liberdade contratual, quer na vertente de liberdade de contratar, quer na de conformação do conteúdo – cfr. art.º 405.º do C.C. – em sede de contratos de seguro, a liberdade de contratar restringe-se, por vezes, à escolha da seguradora, e é muito mitigada a liberdade de conformação do contrato dado que o tomador do seguro ou segurado é colocado perante cláusulas previamente redigidas, não lhe sendo permitida a introdução de alterações.
XXVIII. Esta posição de fragilidade do tomador do seguro em relação à outra parte contratante, que tem quase o exclusivo da interpretação das cláusulas que, unilateralmente, propõe, impõe que se recorra a mecanismos de correção que consigam introduzir algum equilíbrio.
XXIX. E foi com a intenção de proteger os consumidores contra as cláusulas abusivas que o, à altura, Conselho das Comunidades Europeias aprovou a Diretiva n.º 93/13/CEE, de 05/04/1993, com vista à uniformização do direito interno dos Estados-Membros, a qual, no art.º 5.º estabelece o princípio da interpretação mais favorável ao consumidor no caso dos contratos em que as cláusulas propostas estejam, na totalidade ou em parte, consignadas por escrito, impondo ainda que a redação dessas cláusulas seja “clara e compreensível” (in J.O. n.º L 095, de 21/04/1993).
XXX. É ainda a intenção de manter o equilíbrio possível entre os contratantes, pressuposto de um contrato sinalagmático, que o art.º 3.º, n.º 1 daquela Diretiva classificou como abusiva qualquer cláusula contratual que “não tenha sido objeto de negociação individual” quando, “a despeito da exigência de boa-fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor”.
XXXI. No direito interno temos o regime das cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 446/85 (alterado pelos Dec.-Lei n.os 220/95, de 31/08, 249/99, de 07/07 e 323/2001, de 17/12, e retificado pela Declaração de Retificação n.º 114-B/95, de 31/08).
XXXII. O referido Diploma Legal impõe que o predisponente, ainda na fase pré-negocial, comunique ao aderente o teor integral das cláusulas contratuais gerais, informando-o dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique, e prestando-lhe todos os esclarecimentos razoáveis solicitados, sendo que a cominação para o não cumprimento destes deveres é a de se considerarem excluídas do contrato as cláusulas que não tenham sido comunicadas ou cujo conteúdo não tenha sido devidamente esclarecido, como se retira do disposto nos art.ºs 5.º; 6.º; e 7.º.
XXXIII. Por outro lado, enquanto cláusulas escritas, na sua interpretação não podem deixar de observar-se as regras constantes dos artigos 236º e 238º, ambos do Código Civil.
XXXIV. In casu, foram contratadas as coberturas de danos decorrentes de “Tempestades Edifício”, “Inundações Edifício” e “Aluimento de Terras Edifício”.
XXXV. No que se refere às “tempestades”, para além dos “tufões”, “ciclones” e “tornados”, estão abrangidos pelo contrato os danos resultantes do “Alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício em consequência dos danos causados por aqueles fenómenos – cfr. Condição Especial sob o ponto 2.1 – Doc. n.º 2.
XXXVI. No que se refere às “inundações” ficam abrangidos os danos causados em consequência de “Tromba de água ou queda de chuvas torrenciais – precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em 10 minutos no pluviómetro” – cfr. Condição Especial sob o ponto 2.2n.º 3, ponto 1 – Doc. n.º 2.
XXXVII. Finalmente, quanto ao “aluimento de terras”, ficam cobertos os danos decorrentes dos seguintes “fenómenos geológicos: Aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundamentos de terrenos” – cfr. Condição Especial sob o ponto 2.3 – Doc. n.º 2.
XXXVIII. No capítulo das exclusões, a que se dedica o artigo 4.º, ficarão fora da cobertura, no que se refere às “tempestades”, designadamente os “danos em muros e vedações” embora preveja exclusões relativas a: “Construções não inteiramente fechadas ou cobertas e Construções que não tenham sido dimensionadas de acordo com a regulamentação vigente à data da construção e cuja estrutura, paredes exteriores e cobertura não sejam maioritariamente construídas com materiais resistentes ao vento, designadamente betão armado, alvenaria e telha cerâmica, assim como naquelas em que os materiais de construção ditos resistentes não predominem em, pelo menos, 50%, e, ainda, por manifesta falta de manutenção e conservação dos bens seguros, bem como os decorrentes de estado notório de degradação. Outro tanto vem previsto quanto à cobertura relativa às “inundações”.
XXXIX. Na cobertura do “aluimento de terras”, prevê-se a exclusão da cobertura (designadamente) das “perdas ou danos acontecidos em edifícios, muros, vedações … que estejam assentes sobre fundações que contrariem as normas técnicas ou as boas regras de engenharia de execução das mesmas, em função das características dos terrenos e do tipo de construção …” e ainda das “perdas ou danos resultantes de deficiência de construção, de projeto, de qualidade de terrenos ou outras características do risco, que fossem ou devessem ser do conhecimento prévio do Tomador do Seguro e/ou do Segurado.
XL. O S.T.J. no Ac. de 11/04/2000, já havia decidido, e na nossa modesta opinião, muito bem, que “se num contrato em que se segura o risco “tempestade” e em que a seguradora não prova ter satisfeito tal dever de comunicação a respeito da “definição de tempestade”, constante das Condições Gerais da Apólice, deve ter-se tal definição de tempestade excluída do contrato, continuando, porém, o risco “tempestade” coberto, mas com o sentido que vulgar e correntemente lhe é atribuído” (in C.J., Acs. do S.T.J., VIII, tomo I, págs. 152-158).
XLI. Essencialmente no que se refere às “inundações”, cabendo no sentido com que normalmente é utilizado a “tromba de água” e/ou a “queda de chuvas torrenciais”, uma vez que a Ré não fez a mínima prova de ter comunicado à Autora o critério objetivo que elegeu para o preenchimento destes conceitos, dado pela medição da precipitação das águas pluviais no pluviómetro, não pode este ser considerado, tomando-se o termo “chuvas torrenciais” com o seu sentido habitual e comum.
XLII. Outro tanto ocorre quanto à cobertura de “aluimento de terras”, por carecer de explicitação o que se quis significar com os “fenómenos geológicos”, tanto mais que na origem de aluimentos, de deslizamentos, de derrocadas e de afundamento de terras, também estão fenómenos climatológicos - períodos de seca severa, que abre gretas na terra, ou, como sucedeu na situação sub judice, de chuvas torrenciais, que tiram consistência aos terrenos.
XLIII. O incumprimento do dever de informar e explicar justifica que se não considerem as situações de exclusão das coberturas contratadas, nos termos do disposto no art.º 8.º, alínea a) da L.C.C.G..
XLIV. Assiste razão à Autora na sua demanda, já que ficou provado que “choveu torrencialmente e as chuvas ocasionaram inundações” e a queda do muro, aluimento do terreno e o deslizamento de terras não cabe nas exclusões previstas, visto que o referido muro já existia há longos anos quando foi celebrado o contrato de seguro, e por isso, não podem ser invocadas “deficiências de construção”, deficiências “de projeto” e da “qualidade de terrenos”, se bem que também se não tenha provado que a Autora soubesse que a consistência do muro estava abalada.
XLV. O tipo de construção é a tradicionalmente utilizada nesta Região Norte para suporte de terras, mesmo quando há grandes declives (e para a ver e apreciar, nem é necessária a visita aos socalcos do Douro Vinhateiro), e o facto de o muro ter cedido apenas naquela pequena parte da sua extensão não pode ser atribuível à falta de consistência mas antes ao avolumar das águas que, por algum motivo relacionado com os terrenos, acorreram àquele ponto e aí se acumularam, provocando ainda o deslizamento de terras (o que, em linguagem corrente, se designa por enxurradas).
XLVI. Este evento integra o conceito de “sinistro”, tal como vem definido nas Condições Gerais da apólice, por se tratar de um acontecimento de carácter fortuito e imprevisto, estando coberto pelas garantias do contrato.
XLVII. Este entendimento é perfilhado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.º 36/14.4TBFAF.G1, de 23/06/2016, cujo Relator foi o Dr. FERNANDO FERNANDES FREITAS.
XLVIII. Cumpre, pois, à Ré ressarcir a Autora dos danos que sofreu, suportando o custo da reconstrução do muro, nos termos do disposto no art.º 562.º do C.C..
XLIX. Ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo” violou o disposto no contrato de seguro, sendo que as cláusulas de exclusão da responsabilidade não foram lidas à Autora, nem explicadas, e também lhe não foi entregue qualquer exemplar delas, pelo que, nos termos do art.º 8.º, alínea a) do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro devem ser expurgadas do contrato.
L. Assim, peticiona a Recorrente que o Venerando Tribunal da Relação proceda à Revogação da decisão proferida em 1.º instância, devendo alterar-se a decisão impugnada, condenando-se a Ré nos pedidos formulados pela Autora, ora Recorrente.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente se dignarão suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente a douta sentença revogada. Assim se fazendo a costumada justiça.
A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.
Os autos foram aos vistos dos excelentíssimos adjuntos.
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II – Questões a decidir:

Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso.

As questões a decidir são, assim, apurar

- da correção da fixação da matéria de facto provada e não provada e eventual modificação da mesma;
- do apuramento do correto dever de comunicação e informação das cláusulas contratuais pela seguradora à autora, e entrega de cópia das mesmas;
- do apuramento das consequências decorrentes da eventual violação do referido dever, nomeadamente sobre o contrato celebrado e extensão dos respetivos efeitos;
- do apuramento da existência da obrigação de indemnizar a cargo da ré, com especial enfâse no requisito do nexo de causalidade;
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III – Fundamentação:

A. Fundamentos de facto:

1 - A Autora é legítima proprietária e possuidora de um prédio urbano, composto por habitação própria, constituída por cave mais dois pisos acima do solo e por um anexo de apoio à moradia, sito no Lugar …, na freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº … da freguesia de ....
2 - No dia 15 de agosto de 2015, a Autora e a Ré celebraram entre si um contrato de Seguro Multirriscos Habitação, o denominado ‘X Plus’, o qual foi titulado com a Apólice nº .....68, renovando-se esta anualmente, tendo por objeto a habitação localizada na morada supra identificada.
3 - Tal contrato de seguro é constituído e regido pelas condições gerais e particulares que incluem, para além de outras, o risco e os danos provocados por fenómenos da natureza
tais como: Tempestades (Condição Especial sob o ponto 2.1), Inundações (Condição Especial sob o ponto 2.2) e Aluimento de terras (Condição Especial sob o ponto 2.3).
4 - O prédio urbano em questão nos autos, tem um muro de vedação.
5 - Entre os meses de novembro e dezembro de 2018, ocorreram vários dias de precipitação.
6 - Os elementos medidos, registados e publicados pela entidade oficial com competência nesta matéria (o IPMA – Instituto Português do Mar e da Atmosfera, I.P.), consignam que: “O valor médio da quantidade de precipitação, 177.1 mm, corresponde a cerca de 162% do valor normal (Figura 4), sendo o 4º novembro mais chuvoso desde 2000.” e sublinha que “Durante este mês, ocorreram vários dias com precipitação, nomeadamente de 4 a 11, 18 a 25 e dia 29 de novembro.”
7 - A estrutura do muro de vedação exterior, cedeu no dia 7 de novembro 2018, originando fendas no chão.
8 - Após o sinistro, logo no dia 11 de novembro de 2018, a Autora participou, através de correio eletrónico, o acidente à Ré, dando origem ao processo nº ……27.
9 - Após a peritagem, a Ré comunicou no dia 6 de dezembro 2018 à Autora que recusava a responsabilidade dos danos provocados pelo sinistro por não se enquadrarem nas garantias da sua Apólice, invocando que “ocorreu o colapso do muro, devido a patologias construtivas.”
10 - Pela Câmara Municipal de ..., foi aprovado o projeto de arquitetura, o qual foi atribuído o processo de obras nº 165/05 e emitido alvará de licenciamento de obras de reconstrução e ampliação em nome de C. G., nº 228/05.
11 - Nos termos do aludido contrato de seguro, encontram-se cobertos os riscos melhor identificados nas Condições Particulares e Especiais, através das coberturas contratadas, nomeadamente:
- a garantia “Tempestades Edifício”;
- a garantia “Inundações Edifício”;
- a garantia “Aluimentos de Terras Edifício”.
12 - Nos termos para os efeitos da garantia “Tempestades Edifício”, “Esta cobertura garante os danos causados aos bens seguros em consequência direta de:
a) Tufões, ciclones, tornados e toda a ação direta de ventos fortes ou choque de objetos arremessados ou projetados pelos mesmos, sempre que a sua violência destrua ou danifique edifícios de boa construção (…). Em caso de dúvida, poderá o Segurado fazer prova, por documento emitido pela estação meteorológica mais próxima, de que, no momento do sinistro, os ventos atingiram velocidade excecional (velocidade superior a 90 km/h);
b) Alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício onde se situa o local de risco, em consequência de danos causados pelos riscos mencionados em a), na condição de que estes danos se verifiquem nas 48 horas seguintes ao momento da destruição parcial do referido edifício.
13 - No que concerne à garantia “Inundações Edifício”, “Esta cobertura garante os danos causados aos bens seguros em consequência direta de:
a) Tromba de água ou queda de chuvas torrenciais, como tal se considerando a precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos no pluviómetro;
b) Rebentamento ou obstrução de condutas adutora ou de distribuição, coletores, drenos, diques e barragens;
c) Enxurrada ou transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificiais.”
14 - Por fim, nos termos para os efeitos da garantia “Aluimentos de Terras Edifício”, “Esta cobertura garante os danos resultantes de fenómenos geológicos que provoquem:
a) Aluimentos;
b) Deslizamentos;
c) Derrocadas;
d) Afundamentos de terrenos.”
15 - A queda do muro em questão nos autos ficou a dever-se a patologias de construção do mesmo, designadamente encontrava-se construído sem qualquer condição de estabilidade, foi gradualmente cedendo nas suas condições de equilibro e não suportou fenómenos climatéricos.
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Foram considerados não provados os seguintes factos:

a) A queda do muro em questão nos autos ficou a dever-se ao volume de precipitação ocorrida no mês de novembro de 2018.
b) Antes da ocorrência de 07.11.2018, o muro de vedação do prédio urbano em apreço encontrava-se em adequadas e perfeitas condições.
c) A Autora não tem, pois não lhe foi facultado, qualquer documento contendo as mencionadas condições especiais, cujo conteúdo, de resto, também não lhe foi dado a conhecer nem explicado.
d) A queda do muro envolvente à habitação da Autora, em 07.11.2018 foi proveniente da ação de ventos fortes e precipitação.
e) O muro mostrava-se construído, em pedras de granito e em obediência a todas as regras das legis artis, nomeadamente no que tange, a resistência ao solo envolvente, consistência de matérias, utilizados na sua construção e demais regras da construção civil.
f) O muro em questão nos autos, não possuía qualquer patologia ao nível da construção.
g) A reconstrução do muro, comporta:
- a preparação do terreno para o arranque da obra, nomeadamente limpeza e movimentação de terras;
- construção de fundação em betão armado para uma correta execução e estabilidade do muro;
- correção da tubagem de drenagem de águas existentes no terreno;
- construção de um muro em alvenaria de granito, incluindo fornecimento da pedra;
- colocação de remate em pedra em cima do muro (capeado);
- colocação de uma vedação em granito, dando desta forma continuidade à existente;
- colocação de cubo de granito com junta em cimento na zona afetada;
- todos os serviços de engenharia adjacentes, tais como os desenhos e pormenores da execução do muro, direção e fiscalização dos trabalhos e acompanhamento em obra, onde a Autora irá despender no total a quantia de 29.912.00€.
h) O estado atual da situação causou um transtorno enorme à Autora, pois que, por um lado, dificulta-lhe o acesso aquela zona da sua habitação, pois mantém sempre o receio que a estrutura possa ceder e causar, ainda mais, prejuízos, por outro lado, não permite à Autora usufruir daquela parte do seu prédio há quase 1 ano, algo que fazia com carácter de regularidade.
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B. Fundamentos de direito.

A recorrente insurgiu-se contra a matéria de facto dada como provada e não provada, alegando que os pontos 7 e 15 dos factos provados deveriam ter redação diferente, peticionando também resposta diferente às alíneas a) a g) dos factos não provados.
Importa começar por enfatizar que se ouviu integralmente a audiência de julgamento.

Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

Resulta desta norma que ao apelante se impõem diversos ónus em sede de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida.
No que toca à especificação dos meios probatórios, estabelece o artigo 640º, nº2, alínea a), que: “Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.9.2011, Álvaro Rodrigues, 1079/07, decidiu-se que “A lei impõe ao recorrente que indique (concretamente) os depoimentos em que se funda, não sendo suficiente indicar um conjunto de testemunhas que depuseram a determinado facto (mesmo que venham devidamente identificadas pelos nomes e outras referências), para depois se concluir, sem mais, que ouvidos os seus depoimentos se deveria decidir diferentemente.”.
Incumbe ao impugnante alegar o porquê da discordância, isto é, em que é que tais depoimentos contrariam a conclusão do Tribunal recorrido relativa à matéria de facto.
Por sua vez, no Acórdão do STJ de 9.2.2012, Abrantes Geraldes, 1858/06, decidiu-se que “Insurgindo-se contra uma decisão fundada em determinados meios de prova que ficaram concretizados na motivação, era suposto que se aprimorasse na enunciação dos reais motivos da sua discordância traduzidos na análise crítica (e séria) da prova produzida e não na genérica discordância quanto ao facto de o tribunal de 1ª instância ter dado mais relevo a umas testemunhas do que a outras. Ónus esse que deveria passar pela análise conjugada dos diversos meios de prova, relevando os que foram oralmente produzidos e os de outra natureza constantes dos autos.”.
Existe divergência jurisprudencial no que concerne a saber se os requisitos do ónus impugnatório previstos no Artigo 640º, nº1, devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena da rejeição do recurso (cf. Artigos 635º, nº2 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil). O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se nos seguintes termos: No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.2.2015, Tomé Gomes, 299/05, afirma-se que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» No mesmo sentido no Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, 1572/12, defende-se que: «Do art. 640º nº 1 al. b) não resulta que a discriminação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação realizada tenha que ser feita exclusiva e unicamente nas conclusões. / Tem sim, essa especificação de ser efetuada nas alegações. / Nas conclusões deve ser incluída a questão atinente à impugnação da matéria de facto, ou seja, aí deve introduzir-se, sinteticamente “os fundamentos por que pede a alteração (ou anulação) da decisão” (art. 639º nº 1), o que servirá para o recorrente afirmar que matéria de facto pretende ver reapreciada, indicando os pontos concretos que considera como incorretamente julgados, face aos meios probatórios que indica nas alegações.»
Compulsado o recurso, consideram-se cumpridos os requisitos legais, razão pela qual se impõe a apreciação da impugnação deduzida.

Da impugnação do facto provado nº 7:

É a seguinte a redação dada pelo tribunal recorrido:
7 - A estrutura do muro de vedação exterior, cedeu no dia 7 de novembro 2018, originando fendas no chão.

A recorrente entende que a redação correta deve ser:

A estrutura do muro de vedação exterior cedeu no dia 7 de novembro de 2018, originando fendas no chão, devido às chuvas e ventos fortes que se fizeram sentir na região dos Arcos de Valdevez, de acordo com o relatório do IPMA junto aos autos, tendo a quantidade de precipitação atingido 46.6 milímetros naquela região.”

Como referiu o tribunal recorrido na sua motivação, o relatório pericial junto aos autos, de forma inequívoca e unânime entre os peritos indicados pelas partes e pelo tribunal, concluiu que o muro em questão não respeitava quaisquer legis artis e que a queda do mesmo foi devida ao método de construção escolhido e à má execução do mesmo. Não é assim possível concluir, como pretende a recorrente, que a estrutura do muro cedeu devido às chuvas e ventos fortes, não permitindo o relatório do IPMA estabelecer qualquer nexo de causalidade.
Mantém-se, assim, a redação do facto nº 7 dada pelo tribunal recorrido.

O tribunal recorrido deu a seguinte redação ao facto provado nº 15:
15 – A queda do muro em questão nos autos ficou a dever-se a patologias de construção do mesmo, designadamente encontrava-se construído sem qualquer condição de estabilidade, foi gradualmente cedendo nas suas condições de equilibro e não suportou fenómenos climatéricos.

A recorrente entende que a redação correta deveria ser:
A queda do muro em questão nos autos ficou a dever-se a fenómenos climatéricos adversos, tendo a estabilidade do muro permanecido inalterável durante 15 anos, sujeitas a intempéries da mesma natureza.
Valem aqui as considerações já expendidas a propósito do facto número 7, e que se reproduzem. Acresce que os senhores peritos, de forma unânime, aos quesitos 5 e 6 formulados pela autora (A pressão das águas das chuvas acumuladas no muro, levaram ao aluimento de terras e consequente queda do muro? Há nexo causal entre as condições climatéricas adversas e a queda do muro?) responderam a ambos “Não”. Consideraram ainda que a causa de desmoronamento do muro foi a má construção (vide resposta ao quesito 12 formulado pela ré).
Inexiste assim qualquer fundamento para alterar a redação do citado artigo 15º, que se mantém.
No que tange aos factos não provados, e quanto às alíneas a), b), d, e, e f), pelas já apontadas razões, e face ao relatório unânime dos senhores peritos, nada há a apontar à redação das mesmas. Aliás o relatório pericial explicita bem as razões pelas quais considerou que o método de construção do muro foi errado e a razão pela qual consideraram ter havido má execução do mesmo. Ali escreveram que “Um muro de contenção, vulgarmente designado por muro de suporte, com as características do terreno em causa, designadamente a altura de 5 metros, deve ser dimensionado e definidas nas características de execução mínimas, método construtivo e uso de material. O recurso construtivo teve como suporte pedra colocada à fiada e simplesmente montada na pousa vertical, com secção aproximada de 0,50x0,45m2 e sem medidas adequadas no “trapézio” de suporte (diagrama de suporte), isto é, na base de sustentação e espessura até ao fecho. O método de construção utilizado não é aconselhável em alturas superiores a 3 metros.”
E em sede de esclarecimentos os senhores peritos acrescentaram ainda que “Para pré-dimensionamento de um muro de suporte em equilíbrio/estabilidade, são usados métodos expeditos de recurso, que pela aplicação de uma igualdade matemática simples nos diz que a base de sustentação do muro é ou deve ser de 0,5/0,7 da sua altura.
A base de sustentação, que para melhor interpretação, poderei também designar por fundação, é o elemento base do equilíbrio que gradualmente se vai desenvolvendo até ao ponto de fecho cimeiro, cuja medida adotada na construção do muro foi de 40 cm. Assim, o cálculo expedido diz-nos que tendo em consideração que a altura do muro é de 5 metros, tomando como referência a percentagem dos 0,5 da altura, a medida da base tem de ser, no mínimo, de 2,5 metros, reduzindo sucessivamente de metro em metro para 2m, 1,5m, 1m, 0,5m.
Tendo estes valores em consideração, qualquer leigo tem a real consciência de que um muro como o executado que na base de origem tinha 0,5m de largura e 5m acima tinha 0,4m de largura, jamais pode estar sujeito a ações exteriores ativas ou acidentais, porquanto as suas dimensões são claramente reduzidas e sem qualquer valor de suporte.
O muro, mais tarde ou mais cedo, teria de cair, não reunia condições de estabilidade.
O muro foi construído encostado ao terreno, em saibro compactado e que lhe permitiu sustentação durante algum período.
Sobre o terreno caem águas de chuva e que caminham livremente infiltrando-se até às superfícies de contacto, de entre elas o muro de suporte, que quando executado devidamente está dotado com elementos de drenagem, pedra e tubagem de condução, libertando-se sem contenção. O muro construído não estava dotado desses elementos. As águas infiltradas, na sua expansão natural e com necessidade de escoamento, embatem nas superfícies de contacto, neste caso o muro, que sem escoamento encaminhado vão exercendo pressões sobre os obstáculos, que abrindo brechas, vão gradualmente deslocando o muro para desequilíbrio e queda. Foi o que aconteceu.
É visível no terreno periférico brechas que deslocaram terras e por sua vez o muro. O derrube não é fruto de um dia e a existência do muro não tem a idade de 17 anos, como é afirmado”.
Sendo embora o relatório pericial apenas um dos meios de prova, a valorar livremente pelo tribunal, não podemos ser indiferentes à circunstância de o mesmo formular um juízo unânime, por três peritos com conhecimentos técnico científicos, e supra partes. Daí que esta unanimidade e este caráter supra partes nos façam dar primazia a este relatório colegial em relação àquele apresentado pela senhora engenheira S. M..
Por outro lado, não é correta a alegação da recorrente de que os senhores peritos não prestaram todos os esclarecimentos pedidos, fizeram-no, sendo certo que se assim o entendia, a autora deveria ter tempestivamente requerido a comparência dos mesmos em audiência.
Inexiste, assim, fundamento para alterar o decidido relativamente a estas alíneas a), b), d, e, e f), mantendo-se tais factos como não provados.

A recorrente insurge-se depois quanto à consideração como não provado do facto constante da alínea c), que o tribunal redigiu da seguinte forma:

A autora não tem, pois não lhe foi facultado, qualquer documento contendo as mencionadas condições especiais, cujo conteúdo, de resto, também não lhe foi dado a conhecer nem explicado”.

Desde logo, verifica-se da redação dada como não provada que o tribunal recorrido não observou as regras do ónus da prova, antes as inverteu. Com efeito, à aqui recorrente/autora incumbia tão somente a alegação de que as cláusulas contratuais não lhe foram comunicadas/explicadas e que não lhe foi entregue cópia das mesmas (o que fez no artº 21º da petição inicial) incumbindo à seguradora a prova de que tais cláusulas foram comunicadas e explicadas, e de que entregou cópia das mesmas (artºs 5º do DL 446/85 e artºs 18º a 23º da Lei do Contrato de Seguro). A ré limitou-se (artº 30º da contestação) a impugnar por falsidade a matéria constante no artº 21º da petição inicial, não alegando factos demonstrativos de que procedeu a tal explicação, quando, por intermédio de quem e de que forma, ou sequer que haja fornecido cópia de tais cláusulas.
A circunstância de o mediador ouvido em audiência, J. V., que não assistiu nem interveio na celebração do contrato, ter referido que o mesmo foi outorgado perante um seu funcionário (quem? Porque é que não foi arrolado como testemunha?), e que este explica sempre o teor das cláusulas e que quando é imprimido o contrato para assinar saem sempre as cláusulas, cuja cópia é entregue ao tomador, não permite concluir não só que é sempre assim como também que neste caso concreto tal aconteceu. E não se argumente com diabólica probatio, pois tal resolvia-se facilmente com uma declaração assinada pela tomadora em que refira terem-lhe sido explicadas as cláusulas contratuais e seu conteúdo, e de que recebeu cópia das mesmas. Não sendo tal declaração decisiva, tinha pelo menos a virtualidade de alertar as partes para tal necessidade e servir de incentivo ao respetivo cumprimento pela seguradora e exigência do mesmo pelo tomador de seguro.
Por outro lado, a não prova de um facto não implica a prova do facto contrário.

Assim, altera-se a alínea c) dos factos não provados, que passará a ter a seguinte redação:
(não provado) Que a ré haja facultado à autora qualquer documento contendo as mencionadas condições especiais, e que lhe haja dado a conhecer e explicado o respetivo conteúdo.
Por último, a recorrente insurge-se contra o facto dado como não provado na alínea g), e relativamente ao qual faz menção na conclusão 19.

Foi a seguinte a redação dada pelo tribunal recorrido:

(Não provado que) g) A reconstrução do muro, comporta:
- a preparação do terreno para o arranque da obra, nomeadamente limpeza e movimentação de terras;
- construção de fundação em betão armado para uma correta execução e estabilidade do muro;
- correção da tubagem de drenagem de águas existentes no terreno;
- construção de um muro em alvenaria de granito, incluindo fornecimento da pedra;
- colocação de remate em pedra em cima do muro (capeado);
- colocação de uma vedação em granito, dando desta forma continuidade à existente;
- colocação de cubo de granito com junta em cimento na zona afetada;
- todos os serviços de engenharia adjacentes, tais como os desenhos e pormenores da execução do muro, direção e fiscalização dos trabalhos e acompanhamento em obra, onde a Autora irá despender no total a quantia de 29.912.00€.

Os senhores peritos, no seu relatório pericial que valorámos em relação à demais prova pelas razões que supra expusemos e que repetimos, consideraram que a prática de construção adequada para que uma situação semelhante nunca se verificasse seria a construção de um muro em betão armado com cálculo estático, cujo custo de execução, em condições normais de estabilidade, estimaram em €22.400,00, mais tendo considerado que o muro antes existente não era passível de reparação.
Assim, elimina-se a alínea g) dos factos não provados e acrescenta-se aos factos provados o facto nº 16, com a seguinte redação:

16 – O muro que desmoronou não era passível de reparação, sendo a prática de construção adequada para que uma situação semelhante de desmoronamento nunca se verificasse a construção de um muro em betão armado com cálculo estático, cujo custo de execução, em condições normais de estabilidade, rondará os €22.400,00.
Em súmula, alterou-se, então, a alínea c) dos factos não provados, eliminou-se a alínea g) dos factos não provados e aditou-se um nº 16 aos factos provados. Manteve-se o demais.
Procede, assim, parcialmente, nos sobreditos termos, a impugnação da matéria de facto.
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Do mérito do recurso:

Decorre dos factos provados nºs 2 e 3 que as partes celebraram em 15 de agosto de 2015 um contrato de Seguro Multirriscos Habitação, denominado “X Plus”.
Nos termos do artigo 1º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (doravante RJCS), por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente.
De acordo com o artº 3º do referido diploma, “O disposto no presente regime não prejudica a aplicação ao contrato de seguro do disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais, sobre defesa do consumidor e sobre contratos celebrados à distância, nos termos do disposto nos referidos diplomas.”
A autora/recorrente é uma consumidora, conforme decorre do artº 2º, nº1, da Lei nº 24/96, de 31 de julho (Lei de Defesa dos Consumidores), nos termos da qual “1. Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.”
Entre os direitos de que goza a autora incluem-se o direito à informação e comunicação, não só genericamente previsto no artº 8º, da Lei nº 24/96, e nos artsº 5º e 6º do DL nº 446/85, de 25 de outubro, mas especificamente previsto em sede de contrato de seguro no artº 18º do RJCS: “Sem prejuízo das menções obrigatórias a incluir na apólice, cabe ao segurador prestar todos os esclarecimentos exigíveis e informar o tomador do seguro das condições do contrato, nomeadamente: (…) b) Do âmbito do risco que se propõe cobrir; c) Das exclusões e limitações de cobertura; (…).
O referido preceito, e como refere Eduarda Ribeiro (Lei do Contrato de Seguro, anotada, 2016, Almedina, 3ª edição, pág. 101), “Estabelece a cargo do segurador um dever geral de esclarecimento e informação ao tomador do seguro que o habilite à compreensão das condições do contrato, concretizando ainda os elementos de informação a constar obrigatoriamente de documento escrito disponibilizado ao tomador do seguro, antes de este se vincular. Por referência ao regime anteriormente vigente, generaliza a todos os contratos de seguro e a todos os tipos de tomadores de seguros (pessoa singular/pessoa coletiva) a obrigatoriedade de prestação pelo segurador dos esclarecimentos exigíveis e de um conjunto mínimo de informações, que vão além do prescrito pelas Diretivas comunitárias. (…) O segurador deve informar o tomador do seguro sobre os contornos positivos e negativos da prestação a que se obriga, designadamente quanto ao tipo de risco que cobre e respetiva delimitação (…).
Nos contratos de seguro concluídos com intervenção de mediador de seguros acrescem, nos termos do artº 29º do RJCS, os deveres de informação específicos estabelecidos no regime jurídico de acesso e de exercício da atividade de mediação de seguros.
São deveres de informação do mediador de seguros para com os clientes, em geral, os previstos no artº 31º, alíneas a) e e), do regime jurídico de acesso e de exercício da atividade de mediação de seguros e de resseguros, doravante RJMS, constante do DL nº 144/2006, de 31 de julho (alterado pelo decreto-lei nº 359/2007, de 2 de novembro, pela lei nº 46/2011, de 24 de junho, pelo decreto-lei nº 1/2015, de 6 de janeiro e pela lei nº 147/2015, de 9 de setembro), nos termos do qual lhe cabe “Informar, nos termos fixados por lei e respetiva regulamentação, dos direitos e deveres que decorrem da celebração de contratos de seguro e prestar ao tomador de seguro todos os esclarecimentos relativos ao contrato de seguro durante a sua execução e durante a pendência de conflitos dela derivados.”
As informações previstas no citado DL nº 144/2006 “devem ser prestadas em papel ou qualquer outro suporte duradouro acessível ao cliente, de forma clara, exata e compreensível e em língua portuguesa no caso de se tratar de cliente residente habitualmente em Portugal, ou, sendo pessoa coletiva, no caso de o estabelecimento a que o contrato respeita estar situado em Portugal, exceto se as partes convencionarem outra língua para a prestação das informações (artº 33º, nº1, do RJMS).
As informações podem ser prestadas oralmente, se o cliente o solicitar ou quando seja necessária uma cobertura imediata, devendo, no entanto, ser fornecidas em papel ou outro suporte duradouro, imediatamente após à celebração do contrato de seguro (artº 33º, nº3, do RJMSA) – Maria Eduarda Ribeiro, op, cit., pág. 189.
De acordo com o artº 23º do RJCS, “1. O incumprimento dos deveres de informação e de esclarecimento previstos no presente regime faz incorrer o segurador em responsabilidade civil, nos termos gerais. 2. O incumprimento dos deveres de informação previstos na presente subsecção confere ainda ao tomador do seguro o direito de resolução do contrato, salvo quando a falta do segurador não tenha razoavelmente afetado a decisão de contratar da contraparte ou haja sido acionada a cobertura por terceiro. 3. O direito de resolução previsto no número anterior deve ser exercido no prazo de 30 dias a contar da receção da apólice, tendo a cessação efeito retroativo e o tomador do seguro direito à devolução da totalidade do prémio pago. 4. O disposto nos números anteriores é aplicável quando as condições da apólice não estejam em conformidade com as informações prestadas antes da celebração do contrato.”
Outro dos direitos da autora, e inversamente um ónus da seguradora, é a entrega da apólice prevista no artº 34º, nº1, do RJCS: “1. A apólice deve ser entregue ao tomador do seguro aquando da celebração do contrato ou ser-lhe enviada no prazo de 14 dias nos seguros de riscos de massa, salvo se houver motivo justificado, ou no prazo que seja acordado nos seguros de grandes riscos.”
Como supra se referiu, por força do artº 3º do RJCS é aqui também aplicável, entre outros, o DL nº 446/85, de 25 de outubro, nomeadamente os deveres de comunicação e informação previstos nos seus artsº 5º e 6º.
De acordo com o artº 5º, nº3, do referido diploma, “O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.”
Jorge Morais de Carvalho (Manual de Direito do Consumo, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 72-73) refere que “Cabe a quem apresentou as cláusulas provar o cumprimento dos requisitos de comunicação legalmente impostos, no caso de o incumprimento ser alegado pela outra parte. A não comunicação adequada e efetiva das cláusulas contratuais gerais é, assim, presumida. No essencial, a norma limita-se a consagrar o regime geral do artº 342º do Código Civil, uma vez que deste já se poderia extrair não só a necessidade de provar a comunicação da cláusula mas também a comunicação adequada e efetiva, ou seja, o cumprimento dos requisitos de forma e de tempo relativos à transmissão da mensagem.
Esta comunicação “deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária. A análise da conformidade da comunicação implica que sejam igualmente tidas em linha de conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas. (…) Quanto ao dever de esclarecimento existe em duas situações: Em primeiro lugar, a lei impõe o esclarecimento de todas as cláusulas que possam não ser claras (artº 6º, nº1), devendo a análise da necessidade de explicação ser feita de acordo com as circunstâncias. Portanto, a análise não é objetiva, tendo em conta um destinatário normal, relevando a natureza e a condição da pessoa do outro contraente, incluindo o nível cultural por este revelado durante a negociação. Assim, se o predisponente souber que a outra parte é analfabeta, a necessidade de esclarecimento das cláusulas aumenta de forma significativa.
As circunstâncias incluem igualmente, em primeiro lugar, o grau de complexidade do contrato e das cláusulas, exigindo-se mais esclarecimentos quanto mais difícil possa ser a compreensão das questões jurídicas e não jurídicas abrangidas pelas cláusulas, e, em segundo lugar, a relevância de determinadas cláusulas no equilíbrio do contrato, devendo o aderente ser esclarecido de forma clara e categórica em relação a estas, especialmente se forem prejudiciais aos seus interesses.
Em segundo lugar, quem recorre a cláusulas contratuais gerais tem o dever de prestar todos os esclarecimentos que lhe sejam solicitados pela contraparte. O limite é o da razoabilidade, devendo considerar-se que este se encontra ultrapassado quando os pedidos de esclarecimento não digam respeito às cláusulas ou ao contrato em causa ou quando impliquem um desrespeito pelo princípio da boa-fé. A prestação dos esclarecimentos solicitados pela contraparte não exonera o predisponente do dever de prestar esclarecimentos no que respeita às cláusulas menos claras, mesmo que tal não lhe seja solicitado.
Não é suficiente, para o cumprimento do dever de esclarecimento, que o destinatário das cláusulas declare que lhe foram prestados os esclarecimentos relevantes. O esclarecimento escrito pode ter a vantagem de se perpetuar no tempo, mas deve ser considerado com muita cautela, uma vez que se trata de mais um enunciado imposto pelo predisponente, sem possibilidade de negociação pelo aderente, que não tem necessariamente de ser mais claro do que o anterior.” – Jorge Morais de Carvalho, op. cit., pág. 70, e 75-76.
A ré não logrou provar que haja facultado à autora qualquer documento contendo as mencionadas condições especiais, e que lhe haja dado a conhecer e explicado o respetivo conteúdo.
A consequência da supra referida omissão está prevista no artº 8º do DL 446/85, segundo o qual “Consideram-se excluídas dos contratos singulares: a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artº 5º; b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo (…).”
A autora alegou (artº 21º da petição inicial) a falta de explicação e entrega das condições especiais, somente estas.
Excluídas estas do contrato, nos termos do citado artº 8º, do DL 446/85, subsiste o contrato de seguro, de acordo com o artº 9º, do mesmo diploma, vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos (arts 10º do mesmo diploma e º 236º a 239º do Código Civil).
Por outro lado, não se põe em causa a validade do contrato, não sendo a situação dos autos reconduzível à nulidade prevista no artº 9º, nº 2, do DL nº 446/85, por não ocorrer uma indeterminação insuprível de aspetos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé.
A questão que então se coloca é se tal exclusão opera relativamente à totalidade das condições especiais ou tão só relativamente aos aspetos das mesmas que consubstanciam uma especialidade relativamente ao significado que um declaratário normal atribui às mesmas (artº 236º, nº1, do Código Civil), concretamente no caso que aqui interessa, e face ao facto provado nº 11, e atento o disposto no artº 239º do Código Civil, quanto ao significado a atribuir aos substantivos “tempestade”, “inundações” e à expressão “aluimentos de terras”.
Ora, face aos princípios gerais de boa fé e ao disposto no artº 239º do Código Civil, ter-se-á de considerar o contrato de seguro como válido, abrangendo as cláusulas gerais e, no que tange às especiais, cobrindo os riscos decorrentes de danos provocados por tempestades, inundações e aluimentos de terras, estes não com as limitações decorrentes das definições atribuídas pela seguradora, mas antes com a amplitude que um declaratário normal interioriza como significado das mesmas, sempre sem prejuízo das exclusões gerais constantes das condições gerais da apólice na cláusula 4ª.
Assente o supra exposto, a questão que então agora se coloca é a de saber se recai sobre a seguradora a obrigação de indemnizar.
Os danos sofridos por muros estão contemplados na cobertura do seguro, nos termos da cláusula 1ª, nº 2, alínea a), ponto 4, das Condições Gerais da Apólice.
Como resulta do facto provado nº 15, a queda do muro em questão nos autos ficou a dever-se a patologias de construção do mesmo, designadamente encontrava-se construído sem qualquer condição de estabilidade, foi gradualmente cedendo nas suas condições de equilíbrio e não suportou fenómenos climatéricos. Ora, como já foi explanado aquando da decisão sobre a impugnação da matéria de facto, em que se citou o relatório dos senhores peritos, estes, de forma unânime, aos quesitos 5 e 6 formulados pela autora (A pressão das águas das chuvas acumuladas no muro, levaram ao aluimento de terras e consequente queda do muro? Há nexo causal entre as condições climatéricas adversas e a queda do muro?) responderam a ambos “Não”. Consideraram ainda que a causa de desmoronamento do muro foi a má construção (vide resposta ao quesito 12 formulado pela ré).
Ora, não só não ficou estabelecido qualquer nexo causal entre a elevada precipitação e a queda do muro, não se podendo afirmar que o mesmo desmoronou por força de tempestade, inundação ou aluimento de terras, como sempre resultaria das exclusões gerais da cláusula 4ª, nº1, alínea n), das condições gerais e contrato, não estarem garantidos danos causados por defeito ou notório mau estado de conservação dos bens seguros.
Inexiste, assim, qualquer dano a ressarcir por força do contrato de seguro em causa.
Por outro lado, inexistem factos provados que permitam sustentar um qualquer direito a indemnização com base no artº 8º, nº5, da Lei de Defesa do Consumidor, na decorrência da inobservância da violação do dever de informação.
Como refere José Engrácia Antunes, in Direito do Consumo, Almedina, 2019, pág. 94, “A inobservância deste dever de informação acarreta importantes consequências jurídicas para os empresários ou profissionais inadimplentes. Para além das sanções de natureza administrativa e contraordenacional eventualmente previstas em diplomas especiais, o legislador atribuiu ao consumidor um direito de retratação do contrato celebrado (artº 8º, nº4, da LDC) e um direito de indemnização pelos danos sofridos (artº 8º, nº5, da LDC).
Merece destaque a circunstância de o regime consagrado a respeito de ambos estes direitos ser manifestamente mais favorável ao consumidor do que aquele que está previsto na lei civil comum. Assim, se nos termos gerais do artº 230º, nº2, do Código Civil, a retratação só é admitida até à receção ou conhecimento da proposta negocial, aqui estende-se tal direito por um prazo de sete dias úteis contados a partir da data de receção dos bens ou da celebração do contrato de prestação de serviços (artº 8º, nº4, da LDC). Do mesmo modo, ao arrepio da regra geral segundo a qual os simples conselhos, recomendações ou informações não responsabilizam quem os dá, ainda que haja negligência da sua parte (artº 485º, nº1, do Código Civil), a falta ou incorreção da informação ao consumidor é suscetível de originar para o empresário ou profissional àquela obrigados a inerente responsabilidade civil pelos danos causados (artº 8º, nº5 da LDC, artºs 483º e 485º, nº2, 798º e ss do Código Civil.
Em súmula, inexistem quaisquer factos suscetíveis de legalmente fazer incursa a ré em responsabilidade, quer ao abrigo do contrato celebrado quer ao abrigo da Lei de Defesa do Consumidor.
Improcede, assim, o recurso interposto.
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V – Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente – artº 527º, nº1, e 2, do CPC, sem prejuízo do hipotético benefício de apoio judiciário.
Notifique.
Guimarães, 30 de junho de 2022.

Relator - Fernando Barroso Cabanelas;
1.ª Adjunta – Maria Eugénia Pedro;
2.º Adjunto – Pedro Maurício.