Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2347/17.7T8VCT.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
DECLARAÇÕES DE PARTE
PROVA PERICIAL
PROVA POR CONFISSÃO
VALIDADE DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO URBANO NÃO HABITACIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I Não se verifica nulidade de sentença por omissão de pronuncia (artº. 615º, nº. 1, d), C.P.C.) quando o Tribunal fundamente a inclusão de um facto como “não provado”, ainda que de forma insuficiente, devendo antes ser apreciado em sede de impugnação da matéria de facto.
II A regra da inversão do ónus da prova nos termos do artº. 344º, nº. 2, C.C., traduz uma sanção à violação do princípio da colaboração das partes para a descoberta material no âmbito do processo (cfr. artº. 417º, nº. 2, C.P.C.), e não uma sanção da sua conduta contratual.
III As declarações de parte são um meio de prova livre, a analisar criticamente no âmbito de cada processo (artº. 466º C.P.C.), sendo insuficientes para estabelecer a prova de um facto, favorável à parte, quando se revelam frágeis e desacompanhadas de outro meio de prova ao seu alcance e que as sustente.
III Deve ter-se por assente o resultado de prova pericial fundamentada e não afetada por outra prova com suscetibilidade para colocar em causa o juízo técnico que aquela encerra (artº. 389º do C.C.).
IV Na sua apreciação da prova de uma determinada matéria o Tribunal não pode deixar de ter em consideração factos assentes e alegados pela parte e que por isso não os pode querer contrariar face ao resultado da audiência de julgamento, sob pena de entrar em contradição.
V A confissão obtida por depoimento de parte tem de ter por objeto um facto que lhe é desfavorável e favorável à parte contrária, e ser um facto pessoal ou de que o depoente deva ter conhecimento (artºs. 356º, nº. 2, C.C., e 454º, nº. 1, C.P.C.); para além disso tem de ser obtido de forma concludente; doutro modo, não tem força probatória plena, sendo nessa parte do depoimento apreciado como prova livre, relevando a sua inespecificidade.
VI O contrato escrito de arrendamento urbano não habitacional tem de mencionar pelo menos o número da licença de utilização sob pena de invalidade ou ineficácia (artº. 1070º C.C. e DL nº. 160/2006 de 8/8).
VII Se o locado não tem efetivamente licença de utilização (genérica, e se necessário específica para o fim a que se destina), o contrato é nulo –seja pelo artº. 294º do C.C., seja por argumento de maioria de razão face ao que dispõe o artº. 5º, nº. 8, do citado diploma; a nulidade, quer se considere típica quer atípica, pode ser invocada pelo arrendatário que não atue em abuso de direito (artº. 334º do C.C.).
VIII Sendo o contrato nulo não se pode apelar a qualquer das suas cláusulas para fundamentar o pedido de reparação do locado pelos danos ocorridos, ou pagamento do valor necessário para o (re)colocar em modo funcional (em espécie), nem se pode fazê-lo com base no disposto nos artºs. 1043º e 1044º do C.C.; apenas se pedir o direito à restituição do que foi prestado com fundamento no caráter retroativo da nulidade –artºs. 289º e 290º do C.C.- pelo que terá de se demonstrar que o locatário agiu com culpa uma vez que se aplica o artº. 1269º do C.C..
IX Na união de contratos estes não perdem a sua individualidade; se, na prática, um não sobrevive sem o outro, então a nulidade de um deve refletir-se no outro.
X Por força da nulidade, aquele que utilizou uma coisa e usufruiu de algo que o contrato lhe proporcionou, deve pagar a contraprestação acordada até à devolução da coisa e fim da vantagem proporcionada, cabendo-lhe, para a tal obstar, provar que fez oportunamente esse pagamento (artº. 342º, nº. 2, C.C.).
XI Sendo condenado a pagar, os juros sobre o valor respetivo são devidos desde a citação por força dos artºs. 805º, nº. 1, 1270º e 1271º, estes “ex vi” artº. 289º, nº. 3, todos do C.C., e ainda artº. 564º, a) do C.P.C..
XII Se as partes outorgantes de um acordo com os contornos de uma compra e venda, nesse acordo remetem para momento posterior a definição do modo ou condições de pagamento, revelam que tal é um elemento essencial; se não o concretizaram, o contrato não está concluído e não existe enquanto falta esse acordo posterior –artº. 232º do C.C..
XIII Se, com base nos factos alegados e atenta a posição das partes nos articulados quanto a determinada questão (em que enquadram os seus contornos), o Tribunal aplica uma norma do regime jurídico ou quadro normativo em causa, ainda que não conjeturado pelas partes, tal não constitui uma decisão surpresa.
XIV Um sócio que não é nomeado liquidatário, tendo a sociedade sido dissolvida e encerrada a liquidação por ausência de ativo e passivo, não pode atuar ao abrigo do artº. 164º, nº. 2, do CSC (a que acresce o facto de se tratar de crédito que não é superveniente).
XV No âmbito do artº. 483º do C.C., há que provar a culpa e o nexo de causalidade adequada entre a ação/omissão e o evento danoso, na sua dimensão naturalística (artº. 563º do C.C.).
XVI As presunções judiciais são um meio de prova admissível nos mesmos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, mas não são um meio de prova próprio: são ilações retiradas de facto(s) conhecido(s) para se firmar um facto desconhecido.
XVII A remessa de fixação de um valor para liquidação em execução de sentença (artº. 609º, nº. 2, do C.P.C.) só deve ter lugar quando, não havendo dados suficientes para o determinar com precisão e segurança, é ainda possível chegar a um valor exato ou muito próximo do real através de prova complementar.
XVIII Se assim não é, o meio adequado para estabelecer o valor é o recurso à equidade. Todavia a equidade só pode ser usada pelo Tribunal para a resolução de questões quando haja disposição legal que o permita (artº. 4º, a), do C.C., além do mais aí previsto), o que não é o caso no que concerne aos efeitos da nulidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO.

J. J., casado, residente na Quinta ..., Lugar do ..., freguesia de ..., concelho de Caminha, contribuinte fiscal nº. ……, intentou a presente ação comum contra S. J., casado com L. J., no regime de comunhão de adquiridos, residente no Caminho do …, freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, ..., NIF ……, pedindo que se declare:

a) Que a Herança de B. C., representada pelo A. é dona e legítima proprietária dos prédios identificados no artigo 3.º da P.I.
b) Que entre o A. e os seus irmãos foi celebrado o contrato de comodato junto como doc. nº. 9, através do qual estes lhe transmitiram os poderes de gestão por si ou por intermédio de terceiros, do complexo predial correspondente à Quinta ..., da qual fazem parte os prédios identificados no artigo 3º da P.I.
c) Que entre o A. na qualidade de comodatário e o Réu foi celebrado o contrato de arrendamento identificado no artigo 14.º com o clausulado constante do doc. nº. 10 junto aos autos;
d) A responsabilidade contratual do R. por todos os riscos inerentes à utilização dos imóveis objeto do contrato de arrendamento, incluindo os decorrentes de danos ou sinistros que neles tivessem lugar, nos termos da respetiva clausula 7.ª, para além da responsabilidade decorrente do disposto nos artºs. 1043º n.º 1 e 1044º do Código Civil.
e) Que entre o A. e o R. foi celebrado o Acordo de Utilização Precária de Instalações Acessórias junto como doc. nº. 16.
f) Que a partir de 13.08.2016 o R., sem consentimento do A. e contra a vontade manifesta deste, continuou a usar as instalações acessórias e a água da Mina da Quinta ..., sem qualquer título que legitimasse tal utilização;

Pede ainda o A. que se condene o R.:

g) A reconhecer o direito de propriedade da Herança sobre os prédios identificados no artigo 3.º supra;
h) A reconhecer a validade do contrato de comodato celebrado entre o A. e os demais herdeiros de B. C.;
i) A reconhecer a validade, respetivamente do contrato de arrendamento e do Acordo de Utilização Precária de Instalações Acessórias celebrados com o A.;
j) A proceder à reparação a expensas próprias do pavilhão n.º 5 – artigo ....º Urbano de ... – destruído em consequência do incêndio de 28.06.2016, repondo-o em condições de funcionamento, executando para tanto as obras preconizadas no orçamento junto como doc. nº. 15, no prazo de 30 dias ou outro que venha a ser determinado judicialmente para esse fim ou,
k) Alternativamente, ao pedido formulado na alínea anterior, pagar ao A. a quantia de € 39.032,82 ou outra que se venha a apurar ser a necessária à reposição do pavilhão no estado de funcionamento anterior ao incêndio, acrescida dos juros de mora contados da sentença, até integral pagamento;
l) A pagar ao A. a quantia de € 11.000,00 devida pela utilização das instalações e uso da água de mina que serve a Quinta ..., conforme Acordo de Utilização Precária junto como doc. nº. 16;
m) A pagar ao A. os juros vencidos sobre a quantia mencionada na alínea l) que, à data da apresentação da p.i., ascendiam a € 460,98, e os vincendos até integral pagamento;
n) A pagar ao A. a compensação que se vier a arbitrar como devida até à entrega das instalações acessórias e cessação do uso da água da mina da Quinta ..., atenta a sua utilização indevida e não consentida desde, pelo menos, 13.08.2016, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa.

Alegou o A., em resumo, que como comodatário dos prédios da herança aberta por óbito da sus mãe, celebrou com o R. contrato de arrendamento desses prédios, dos quais faz parte o denominado pavilhão nº. 5, o qual ardeu em função da falta de cuidado do R. aquando da limpeza e desinfeção do mesmo. O A. veio invocar a responsabilidade contratual do R. pelo sucedido, de forma a que o mesmo fosse obrigado a reparar os estragos decorrentes do incêndio ou a pagar o valor da reparação dos mesmos, nos termos da clausula 7.ª do contrato celebrado entre as partes e do disposto nos artºs. 1043º nº. 1 e 1044º do Código Civil.
Mais celebrou com o R. um Acordo de Utilização Precária de Instalações Acessórias, que previa um pagamento para o efeito pelo R. e que não foi cumprido, pelo que pretende que o R. pague pela utilização das instalações e uso da água de mina que serve a Quinta ... e que o compense economicamente pela ocupação das instalações e pelo uso da água até ao momento da entrega.
O Autor juntou 17 documentos aos autos, para prova do alegado.
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O R. apresentou contestação, pugnando pela improcedência da ação e deduzindo pedido reconvencional.
O R. suscitou a exceção de ilegitimidade do A. face às alíneas a) e g) do petitório.
O R. invocou ainda a nulidade e/ou invalidade e/ou ineficácia do contrato de arrendamento, bem como o erro sobre o objeto do negócio, para além de impugnar a versão dos factos apresentada pelo A. Invoca a falta de licença de utilização, bem como a falta de autorização da Câmara Municipal, o que torna os dois contratos nulos. Mais refere-se ao deficiente estado da instalação elétrica como sendo do conhecimento do A., o que impediu a celebração de contrato de seguro e que o levou a denunciar o contrato, sendo o A. conhecedor do risco de incêndio, e por isso não atuou com boa fé negocial, como também ao referir-se á utilização da água no contrato de “Utilização” uma vez que sabia que era algo essencial à atividade do R.; o que torna o contrato anulável.
O incêndio deveu-se a um curto circuito face ao estado da instalação.
O R. apresentou pedido reconvencional pedindo a condenação a pagar-lhe a quantia de € 88.110,32, sendo 12.500 € referentes ao equipamento vendido ao A. que se encontra no pavilhão, € 3.420 relativos à energia elétrica consumida pelo A. quando lá viveu, € 26.584,80 correspondentes ao valor do equipamento do R. que ardeu no incêndio e € 45.605,52 de lucros cessantes relativos ao seu negócio de criação de aves.
O R. juntou 37 documentos aos autos para prova do alegado.
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Foi apresentada réplica pelo A., defendendo a improcedência da exceção, mas por cautela requerendo a intervenção principal provocada dos restantes herdeiros. Mais alega a existência da licença de utilização dos prédios, e a individualidade dos dois contratos. Refere que tudo foi negociado e visto pelo R., que inclusive adquiriu a empresa que antes explorava os aviários nos pavilhões (e à qual incumbia o cumprimento das normas técnicas vigentes), bem como o equipamento respetivo. O R. denunciou o contrato sem motivo e o aviso prévio que se impunha.
Não incorreu por isso o R. em erro, sendo este quem age de má fé.
Quanto aos equipamentos refere que não chegaram a negociar o pagamento, sendo que o A. aferiu entretanto que os mesmos pertencem à empresa “Y Aves, Lda”, pelo que o R. é parte ilegítima para o pedido reconvencional.
Entende que o pedido reconvencional é inadmissível, todavia não aceita que deva pagar ao R. o consumo de energia, desconhece o equipamento que ardeu e seu valor, bem como não aceita qualquer responsabilidade no incêndio e o pavilhão não foi reparado pelo R. como lhe competia, nem através de seguro que ao mesmo competia, pelo que a alegação do prejuízo que teve revela a sua má fé; a exploração pertence à sociedade pelo que mais uma vez invoca a ilegitimidade do R.. Conclui pela improcedência do pedido reconvencional.
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Pelo A. foi renovada a resposta às exceções apresentada na réplica conforme ata de 29/10/2018.
Foi dada oportunidade ao R. para se pronunciar quanto à sua ilegitimidade para a reconvenção.
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Foi admitido o pedido reconvencional.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a exceção de ilegitimidade do A. invocada pelo R.. Foi remetida para sentença a apreciação da restante matéria de exceção (nulidade e/ou invalidade e/ou ineficácia do contrato de arrendamento).
O R. alegou nos autos matéria relativa à dissolução, liquidação e extinção, e cancelamento da matrícula da sociedade já mencionada, matéria relativamente á qual foi cumprido o contraditório.
Foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Foi realizada prova pericial para determinação de quais as obras a executar e inerentes custos de reparação do denominado pavilhão nº 5, em termos de o repor em funcionamento para o fim a que se destina.
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Realizou-se a audiência de julgamento.
Em ata de 10/10/2018 ficou a constar que o R. “pretende tomar posição e dizer que o réu aceita especificadamente a confissão dos artigos 6º, 21º e 23º até à expressão réu da petição inicial”.

Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente, por provada, a ação e, consequentemente:

a) Declarou que a Herança de B. C., representada pelo A. é dona e legítima proprietária dos prédios identificados no artigo 3º da P.I.;
b) Declarou que entre o A. e os seus irmãos foi celebrado o contrato de comodato junto como doc. nº. 9, através do qual estes lhe transmitiram os poderes de gestão por si ou por intermédio de terceiros, do complexo predial correspondente à Quinta ..., da qual fazem parte os prédios identificados no artigo 3º da P.I.;
c) Declarou que entre o A. na qualidade de comodatário e o R. foi celebrado o contrato de arrendamento identificado no artigo 14º com o clausulado constante do doc. nº. 10 junto aos autos;
e) Declarou que entre o A. e o R. foi celebrado o Acordo de Utilização Precária de Instalações Acessórias junto como doc. nº. 16;
f) Condenou o R. a reconhecer o direito de propriedade da Herança sobre os prédios identificados no artigo 3º supra;
g) Condenou o R. a reconhecer a validade do contrato de comodato celebrado entre o A. e os demais herdeiros de B. C.;
h) Condenou o R. a pagar ao A. a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) devida pela utilização das instalações e uso da água de mina que serve a Quinta ..., acrescida de juros a contar da citação, até efetivo e integral pagamento;
i) Absolveu o R. do demais peticionado.

E julgou parcialmente procedente, por provada, a reconvenção e, consequentemente:

a) Condenou o A. a pagar ao R. a quantia de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) relativa ao contrato celebrado em 12/08/2017, de venda do equipamento instalado nos pavilhões, acrescida de juros a contar da citação, até efetivo e integral pagamento;
b) Absolveu o A. do demais peticionado.

Mais fixou as custas na proporção do decaimento.
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Inconformado o A. apresentou recurso tendo terminado as suas alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES-

1 - Para que exista inversão do ónus da prova nos termos p. e p. pelo artigo 344.º n.º 2 do Código Civil é necessário que a parte contrária tenha culposamente tornado impossível a prova do onerado…;
2 - O circunstancialismo em que eram efetuados os pagamentos das prestações relativas à compensação devida pela utilização a titulo precário das instalações acessórias e água da Mina da Quinta ..., constantes do Acordo junto como Doc. 16 com a p.i., seja mediante depósito/transferência bancária, seja, como o R. alegou nas suas declarações de parte, em dinheiro por e na presença de várias pessoas, permitia-lhe fazer a prova de tais pagamentos sem qualquer obstáculo e designadamente imposto pelo Autor, ora recorrente.
3 - Assim, deve considerar-se, por ser evidente e notório, que o A. não impediu o A., por qualquer forma, de fazer a prova do pagamento da compensação e nomeadamente que não o impediu de tal culposamente, pelo que ao assim decidir e consequentemente determinar a inversão do ónus da prova, o Tribunal A Quo violou por errada interpretação e aplicação o disposto no artigo 344.º n.º 2 do Código Civil e 417.º n.º 2 do C.P.Civil.
4 - O Tribunal A Quo, ao declarar não provado o facto IX) com fundamento na inversão do ónus da prova, não fundamentou tal decisão, designadamente em sede de motivação, pelo que tal decisão enferma de Nulidade, que se deixa invocada ao abrigo do disposto no artigo 615.º n.º 1 al. b) do CPC, e que deverá conduzir à declaração de Nulidade da Sentença, por falta de fundamentação, tal como a Lei impõe.
5 - Sem prescindir, a criteriosa análise da prova e das regras para a sua produção, antes deverá conduzir à eliminação do facto não provado IX) e à sua colocação em sede própria, como facto provado, uma vez que o R., a quem cabia fazer tal prova e alegadamente dispunha de meios para tal, designadamente de muitas testemunhas, não a produziu, efetivamente.
6 - Consequentemente deverá ser alterada a al. h) do dispositivo, no sentido de o R. ser condenado a pagar ao A. o montante de 11.000,00€ relativo à prestação devida nos termos do Acordo de Utilização Precária, sendo 5.000€ por referência a 2016 e 6.000€ por referência a 2017, ou, se assim se não entender, relativamente a 2017, o montante proporcional ao período decorrido até à cessação do contrato de arrendamento- isto é até 31.08.2017, fixando-se este montante em 4.000,00€ e o valor global em dívida a este título em 9.000€, acrescido dos juros de mora contados desde o vencimento de cada uma das prestações, de harmonia com o disposto no artigo 806.º n.º 1 do C.C.
7 - Ao dar como provado que o pavilhão n.º 5 não possui licença de utilização – facto provado 38) – o Tribunal A Quo fez uma errada interpretação do conjunto da prova produzida, pois considerou apenas como determinante para esta conclusão a data da inscrição matricial do prédio correspondente a este pavilhão, não atendendo aos depoimentos das testemunhas, determinante no sentido de se concluir pela existência do citado pavilhão n.º 5 em data muito anterior à da sua inscrição matricial, reportada a 1968, ou seja à data da licença de utilização concedida para o conjunto predial dos Aviários da Quinta ....
8 - A matéria do artigo 38) dos factos provados, feita a correta e conjugada interpretação da prova produzida sobre esta matéria, deve ser eliminada e levada aos factos não provados.
9 - Acresce que, o Tribunal A Quo não refere que a licença de utilização não existe para a generalidade dos prédios que formam o conjunto predial dos aviários, mas apenas para o pavilhão n.º 5, pelo que a existir invalidade do contrato, esta seria apenas parcial, uma vez que não foi alegado ou demonstrado que o R. não teria contratado sem aquele pavilhão e de resto continuou a laborar por mais de um ano com os restantes.
10 - Ao não contemplar a figura da redução p. e p. no artigo 292.º do C. Civil. o Tribunal A Quo violou este dispositivo por errada interpretação e aplicação, impondo-se decisão diversa relativamente aos efeitos da suposta falta de licença de utilização, nos termos em que a declarou.
11 - Ainda que se entenda que existe nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre recorrente e recorrido, impõe-se nos termos da lei – artigo 289.º, n.º 1 1043.º, 1044.º e 237.º, todos do Código Civil, a reposição do Status Quo Ante, interpretação que a Jurisprudência unanimemente acompanha, e que impõe que seja compensado tudo o que, declarada a nulidade ou cessado o contrato, não possa ser restituído em espécie.
12 - Tendo resultado provado que a restituição em espécie do pavilhão n.º 5, alvo do incêndio, não é possível- vd. Factos provados 17), 18) 20), 21), 25) e 66) e que o valor necessário a dotar o prédio de condições de utilização é de 31.500,00€ acrescido de Iva (valor que por estar fixado na perícia deverá constar e completar o facto provado 25) deve o R. ser condenado, alternativamente, a reparar a suas expensas e nos termos preconizados na perícia, o pavilhão para o entregar ao A., ora recorrente como o recebeu ou, alternativamente compensa-lo por aquele valor.
13 - O que a Lei impõe quando refere que tem que ser restituído tudo o que tiver sido prestado, relativamente à situação em concreto da nulidade do contrato de arrendamento, pela interpretação conjugada dos artigos 289.º n.º 1, 237.º e 1043.º e 1044.º, n.º 1, todos do C.C., é que seja devolvido ao proprietário o locado tal como o arrendatário o recebeu para seu gozo, não exigindo que se verifique responsabilidade contratual do devedor para tal.
14 - É neste sentido, designadamente o Acórdão do STJ com a Ref.ª 02B2010 com o n.º Convencional JST J 0002 Doc. n.º SJ200210170020102 Juiz Conselheiro Relator Eduardo Batista, disponível em DGSI, quando refere que “ A obrigação de restituição ordenada no artigo 289.º n.º 1 do Código Civil visa colocar os contraentes na situação em que se encontravam no momento antes da realização do ato nulo.
15 - Por outro lado, os artigos 1043.º e 1044.º do Código Civil determinam o mesmo relativamente à situação em concreto do Contrato de Arrendamento, ao estabelecerem uma presunção de culpa do arrendatário pela deterioração da coisa locada.
16 - De resto, é nesse sentido também a interpretação dos nossos Tribunais superiores, como resulta designadamente do teor do Douto Acórdão do STJ de 26.01.2006 proferido no processo 05B2346 com n.º de referência de documento SJ200601260023462, em que foi Relator o Venerando Juiz Conselheiro Duarte Soares, disponível em DGSI:
III- Estando o gozo do imóvel arrendado- o que naturalmente inclui o seu uso e fruição – na titularidade do locatário, não pode deixar de ser-lhe imputadas as vicissitudes que porventura venha a sofrer.
IV- De tudo decorre que terá de atribuir-se ao arrendatário… a prática de atos ou omissões que estiveram na origem da deflagração do incêndio e das consequentes deteriorações….”
17 - Ao decidir em sentido contrário, invocando o afastamento da existência da responsabilidade contratual que o art.º 289.º n.º 1 do C.C. não prevê nem impõe e não tendo levando em consideração a presunção legal de culpa, prevista nos citados artigos 1043.º e 1044.º todos do C.C. fundamentadamente, a Douta Sentença contém uma decisão ilegal e como tal passível de revogação, que deverá levar á sua substituição por outra que, completando a redação do artigo 25.º dos factos provados com a inclusão do custo da reparação determinado na Perícia, faça uma correta interpretação e aplicação das normas mencionadas e condene o R, ora recorrido, alternativamente, a repor o pavilhão em estado de poder ser utilizado para o fim a que se destina, realizando as obras a tal necessárias, preconizadas na perícia ou a pagar ao A., ora recorrente, o valor de 31.150,00€ acrescido de IVA, para que ele as execute, acrescida dos juros até integral pagamento.
18 - Relativamente ao Pedido Reconvencional, o R. deve ser declarado parte ilegítima, designadamente para reclamar do A., ora recorrente, o pagamento dos equipamentos que, deles se arrogando proprietário, o convenceu a comprar-lhe em 13.08.2017 e se veio a demonstrar, documentalmente nos autos, que não lhe pertenciam à data e eram propriedade da sociedade Y Aves Lda.
19 - Não basta para afastar a ilegitimidade do R. para o pedido reconvencional como erradamente considerou o Tribunal A Quo, que o A., aquando do negócio, não tenha posto em causa a propriedade dos equipamentos que aceitou serem do R.
20 - O R. carece de legitimidade para reclamar o pagamento do preço desses equipamentos em nome da sociedade, que nada vendeu ao A. e já se encontra dissolvida e encerrada, encerramento e dissolução que se mostra registada na competente Conservatória do Registo Comercial desde 28.12.2017. Cfr, consta dos Autos.
21 - Além de não ter legitimidade para vender em nome próprio bens que não lhe pertenciam à data da venda o Recorrido-Reconvinte carece igualmente de legitimidade processual para reclamar judicialmente o pagamento do preço dos equipamentos em causa, na medida em que à data da reconvenção a sociedade proprietária era uma pessoa jurídica de pleno direito, sem qualquer intervenção nestes autos.
22 - Tal circunstância determina que não possa ser o R. a reclamar em nome próprio tal valor, antes devendo ter sido a sociedade a reclamar tal em processo próprio, como impõe o disposto no artigo 266.º n.º 4) a contrário do CPC.
23 - Acresce que não estamos perante nenhuma das situações previstas no artigo 164.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais, pelo que o R. carece em absoluto da legitimidade para reclamar em nome próprio o preço dos equipamentos em causa.
24 - Acresce que, face à prova produzida, a matéria do facto provado 64) deve ser alterada no que à propriedade dos equipamentos ardidos concerne, desde logo porque ficou demonstrado que tal como os vendidos inadvertidamente pelo R., em nome próprio, os ali mencionados não eram do R., mas da sociedade Y Aves Lda.
25 - A decisão que condena o A. a pagar ao R. o equipamento em causa, viola assim por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 11.º, 12.º al. d) 15.º, 26.º, 30.º, n.º 2) e n.º 3 a contrário, do CPC e 162.º e 164.º n.º 2) do Código das Sociedades Comerciais, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão de mérito que, declarando que os equipamentos vendidos não eram propriedade do Réu-Reconvinte, ora recorrido, à data em que este os vendeu ao A., o julgue parte ilegítima para reivindicar o preço e absolva consequentemente o A. da Instancia como impõe o artigo 278.º n.º 1 al. d) do CPC, no que ao pedido reconvencional respeita.
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Inconformado o R. apresentou recurso tendo terminado as suas alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES-

A – É nula a douta sentença recorrida, por não ter apreciado a questão da litigância de má fé do autor.

Se assim não for entendido, deve:

B – O facto provado 38 passar a referir a inexistência de licença de utilização, não apenas relativamente ao pavilhão nº. 5, mas a todos os prédios que constituem o objecto do arrendamento dos autos, isto é, a todo o locado.
C – O facto 33 passar a considerar-se não provado.
D – Ser expressamente declarada, no dispositivo da sentença, a nulidade, quer do contrato de arrendamento, quer do ‘acordo de utilização precária de instalações acessórias e de promessa de revogação de contrato de arrendamento em caso de venda do arrendado’.
E – Ser declarada, quer a violação de lei, por parte do autor - do Regulamento Geral das Edificações Urbanas e do Decreto-Lei nº. 160/2006, de 8 de Agosto -, quer o correspondente direito do réu a indemnização, nos termos gerais.
F – Ser imputada ao autor a responsabilidade pela ocorrência do incêndio no pavilhão nº. 5, incluído no arrendado dos autos.
G – Ser fixada indemnização global, a favor do réu e a suportar pelo autor, no montante de 85.954,98 €, correspondendo 1.264,66 €, à electricidade não paga pelo réu, 26.584,80 €, à reposição dos equipamentos ardidos no incêndio, 45.605,52 €, à perda de rendimento do réu pela impossibilidade de utilização do pavilhão nº. 5, e 12.500,00 €, à venda dos equipamentos do facto 40, ainda não pagos pelo autor.
H – Ser o autor condenado em multa, e indemnização a favor do réu, a liquidar posteriormente, por litigância de má fé.
I – Não tendo declarado, expressamente, a nulidade do arrendamento e do ‘acordo de utilização precária de instalações acessórias e de promessa de revogação de contrato de arrendamento em caso de venda do arrendado’, e decidindo pela procedência parcial da acção, bem como pela procedência, apenas parcial, da reconvenção, violou a douta sentença recorrida o disposto nos arts. 8º., corpo, e 17º.-1 RGEU, 5º.-5 e 7 DL 160/2006, de 8 de Agosto, 286º., 349º., 351º., 483º. e 566º.-3 CC, e 542º.-1 e 2 b) e 543º.-3 CPC, pelo que é ilegal, como tal devendo ser considerada, e substituída por outra que declare as mencionadas nulidades e determine a improcedência da acção e a procedência total da reconvenção, com a consequente absolvição do réu do pagamento dos 5.000,00 € fixados na sentença, e condenação do autor no pagamento ao réu do montante total de 85.954,98 €, e ainda em multa, e indemnização a favor do réu, a liquidar, por litigância de má fé, com o que tudo se fará JUSTIÇA.
***
O R. apresentou contra-alegações ao recurso apresentado pelo A., concluindo não ser de assacar quaisquer vícios à douta sentença recorrida, na parte ora impugnada, devendo a mesma ser mantida nos seus precisos termos, como é de direito e Justiça.
***
O A. apresentou contra-alegações ao recurso interposto pelo R. concluindo que:

1 - A Sentença é NULA, por omissão de pronúncia, relativamente a várias questões, a aqui invocada e as reclamadas nas alegações do ora recorrido.
2 - A matéria do artigo 38) dos factos provados, feita a correta e conjugada interpretação da prova produzida sobre esta matéria, deve ser eliminada e levada aos factos não provados.
3 - O que determina a aplicação de uma multa ao senhorio e o direito de indemnização do locatário não é a falta ou incompletude da menção da licença de utilização no contrato de arrendamento, mas a sua inexistência. Cfr. Artigo 5.º do DL 160/2006 de 8-8.
4 - Ao existir e ter sido mencionada no contrato a Licença de Utilização, não existe nem violação do RGEU, nem do DL 206/2006 de 8-8 com as consequências que o Recorrente pretende assacar.
5 - O circunstancialismo em que eram efetuados os pagamentos das prestações relativas à compensação devida pela utilização a titulo precário das instalações acessórias e água da Mina da Quinta ..., constantes do Acordo junto como Doc. 16 com a p.i., seja mediante depósito/transferência bancária, seja, como o R. alegou nas suas declarações de parte, em dinheiro por e na presença de várias pessoas, permitia-lhe fazer a prova de tais pagamentos sem qualquer obstáculo e designadamente imposto de forma culposa pelo Autor, ora recorrido, pelo que o reparo relativamente ao facto provado 33) não deve ser o pretendido pelo Recorrente, mas o inverso.
6 - Não foi provado que o incendio no pavilhão n.º 5 tivesse sido originado por um problema elétrico.
7 - Como resulta designadamente do teor do Douto Acórdão do STJ de 26.01.2006 proferido no processo 05B2346 com n.º de referência de documento SJ200601260023462, em que foi Relator o Venerando Juiz Conselheiro Duarte Soares, disponível em DGSI o entendimento dos nossos tribunais superiores é no sentido da presunção de que as vicissitudes sofridas pelo locado são imputáveis ao inquilino:
III- Estando o gozo do imóvel arrendado- o que naturalmente inclui o seu uso e fruição – na titularidade do locatário, não pode deixar de ser-lhe imputadas as vicissitudes que porventura venha a sofrer.
IV- De tudo decorre que terá de atribuir-se ao arrendatário… a prática de atos ou omissões que estiveram na origem da deflagração do incêndio e das consequentes deteriorações….”
8 - Neste sentido, igualmente o Acórdão do STJ com a Ref.ª 02B2010 com o n.º Convencional JST J 0002 Doc. n.º SJ200210170020102 Juiz Conselheiro Relator Eduardo Batista, disponível em DGSI, quando refere que “ A obrigação de restituição ordenada no artigo 289.º n.º 1 do Código Civil visa colocar os contraentes na situação em que se encontravam no momento antes da realização do ato nulo.
9 - Os artigos 1043.º e 1044.º do Código Civil determinam o mesmo relativamente à situação em concreto do Contrato de Arrendamento, ao estabelecerem uma presunção de culpa do arrendatário pela deterioração da coisa locada.
10 - As presunções judiciais não se sobrepõem às presunções legais.
11 - A imputar-se algum encargo pelo consumo de eletricidade ao Autor com base em presunções e apesar de ele ter assumido tal pagamento enquanto contraprestação pelo uso de determinados equipamentos de apoio ao exercício da sua atividade, o valor a arbitrar deverá ter em conta critérios de proporcionalidade e equidade, em função dos consumos de energia que representa uma unidade industrial e uma unidade doméstica.
12 - O Recorrente é parte ilegítima para em nome próprio reclamar os prejuízos de terceiro, concretamente da sociedade comercial Y Aves Limitada, que à data da reconvenção gozava de plena personalidade jurídica e capacidade judiciária, não se mostrando por qualquer forma impedida de reclamar os prejuízos que o incêndio lhe possa ter causado, de quem de direito em processo próprio.
13 - O pedido de condenação do A. como litigante de má fé deve ser julgado improcedente, pois este não mentiu nem faltou conscientemente à verdade acerca da existência de licença de utilização.
14 - As conclusões do recorrente devem ser julgadas parcialmente improcedentes.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir:

-se a sentença incorreu em nulidade por omissão de pronúncia por não se ter pronunciado pelo pedido de condenação do A. em litigância de má fé, feito pelo R. em sede de alegações orais; e por não ter fundamentado a convicção quanto ao facto IX não provado;
-se deve ser alterada a matéria de facto, designadamente quantos aos pontos 25, 33, 38, 64 dos factos provados e IX dos factos não provados, no sentido respetivamente sugerido, o que implica incursões pela matéria da inversão do ónus da prova, da prova por declarações de parte, valor da prova pericial, confissão;
-se o contrato de arrendamento celebrado entre as partes é válido ou nulo por falta de licença de utilização;
-a ser nulo, repercussões no contrato celebrado entre as partes que denominaram “acordo de utilização precária de instalações acessórias…”;
-as consequências dessas vicissitudes quanto a um e outro contrato, nomeadamente se o A. tem direito e a que título ao recebimento da compensação devida pelo segundo e até quando, na afirmativa desde quando são devidos juros, e se tem direito a ser ressarcido relativamente aos danos no pavilhão 5 que ardeu, em espécie ou pela atribuição do valor necessário à realização das obras necessárias a que fique funcional;
-se o R. age em abuso de direito ao invocar a nulidade;
-se o R. tem a haver do A. o valor respeitante ao equipamento que negociou com ele, se tem direito a ser ressarcido relativamente aos bens que arderam no incêndio do pavilhão, bem como relativamente ao que a empresa que aí explorava a criação de aves deixou de lucrar pelo facto desse pavilhão ter ficado inutilizado até à denúncia do contrato, e a que título o pode pedir; bem como se o A. tem de lhe pagar a luz que consumiu e que foi o R. que suportou e por que valor mensal;
-se a sentença devia ter declarado a nulidade dos contratos, a violação do REGEU, e bem assim o direito do R. à indemnização legal;
-se o A. agiu como litigante de má fé.
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Nota prévia: o A. invocou a ilegitimidade do R. para o pedido reconvencional. Tal não foi tratado especificamente pela 1ª instância. É sabido que limitando-se o Tribunal “a quo” a fazer uma declaração genérica ou tabelar sobre, no que ao caso interessa, a legitimidade das partes (o que fez no caso que diz respeito ao R.) sem efetuar uma apreciação concreta, o despacho saneador, não constitui nessa parte caso julgado formal, nada obstando à sua apreciação em momento subsequente, ou seja, não está precludida a possibilidade de apreciar tais questões, em concreto, e em momento ulterior. Todavia, como a questão levantada reporta-se não á ilegitimidade processual (como suscitado) mas sim substantiva, remete-se a mesma para a apreciação do mérito do recurso.
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III IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.

Ambas as partes recorrem da matéria de facto.

Nenhuma questão de ordem formal obsta à apreciação deste item, uma vez que ambos os recorrentes cumpriram os requisitos da impugnação, nomeadamente indicam respetivamente os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados –pontos 25, 38, 64 dos provados e IX dos não provados segundo o A.; e 33 e 38 dos provados segundo o R., sugerindo a redação que devia figurar (IX não provado, devia ser provado; o 25 dos provados devia ter o acréscimo do valor das obras de € 31.500,00, o 38 devia ser não provado, no 64 devia constar que os bens são da sociedade “Y Aves, Lda.”; diz o A.; o 38 devia referir-se a todo o locado (todos os prédios), e o 33 devia ser antes não provado; diz o R.; - com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; apresentam a especificação na motivação dos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados (testemunhal e documental) que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, indicam na motivação as passagens da gravação relevantes; apreciando criticamente os meios de prova; tudo conforme resulta do disposto no artº. 640º, nºs. 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.) e vem melhor mencionado na obra de Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª Edição, pags. 155 e 156.
A propósito da reapreciação da matéria de facto, dispõe o artº. 662º, n.º 1, do C.P.C. que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” A Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos que resultam do nº. 5 do artº. 607º do C.P.C.. Assim, após análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a Relação deve proceder a reapreciação da prova, de acordo com a própria convicção que sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito material. A propósito refere também Abrantes Geraldes na mesma obra, pag. 273, "(…) a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”. E a pags. 274 (…) “a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daquelas que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
Do artº. 607º, nº. 5, do C.P.C. decorre para o nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre (ou livre apreciação da prova), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, com aplicação em caso de dúvida do disposto no arº. 414º do C.P.C., salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial, ou aqueles só possam ser provados por documento, ou estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes.
As cautelas que se impõem, e numa visão que restringe um pouco a “supra” exposta, decorrem, em primeiro lugar da redação do artº. 662º, nº. 1, do modo como o interpretamos, ou seja, o Tribunal terá de estar dotado de meios de prova que imponham decisão diversa da impugnada e não que permitam, ou admitam, ou consintam apenas decisão diversa da impugnada. Em segundo lugar, as cautelas na reapreciação da prova decorrem do princípio de imediação que não pode ser excluído no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos. Em terceiro lugar, decorrem do princípio referente à liberdade do julgador na apreciação da prova em 1ª instância, que importa não esvaziar em absoluto.
Por isso, e conforme expresso no Ac. desta Relação de 19/06/2019 (www.dgsi.pt) “Não está em causa proceder-se a novo julgamento, mas apenas examinar a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, analisar as provas gravadas, se for o caso, e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, a fim de averiguar se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.
Em suma a alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação tem de ser realizada ponderadamente, em casos excepcionais, pontuais e só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente. Tal sucede quando a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir.”
Do exposto decorre a posição que aqui adotamos de que a decisão da 1- instância só deverá ser alterada se a Relação se aperceber que algo de "anormal" se passou na formação da convicção, ou seja, se decorrer que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, que conduziu aos factos provados e não provados, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.
De facto, também se refere na obra de Abrantes Geraldes, agora nas pags. 279 a 282, que “…sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido, nem lhe é permitido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto indicou nas respetivas alegações que circunscrevem o objeto do recurso…”- princípio do dispositivo. Todavia, limitando-se aos pontos de facto especificamente indicados “…a Relação já não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência…” –artº. 413º, sem prejuízo dos que decorrem do que dispõe o artº. 412º, “…sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a decisão.” E sem prejuízo da renovação da produção de meios de prova caso haja sérias dúvidas sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento (que é diferente de dúvidas sobre a prova dos factos), ou determinar a produção de novos meios de prova quando haja dúvidas fundadas sobre a prova realizada, poder/dever oficioso e que emana do princípio do inquisitório –artº. 411º, do C.P.C..
Sintetizando a nossa posição e atenuando o exposto, o Tribunal da Relação nesta sua função de reapreciação da decisão de facto não opera apenas em casos de erros manifestos de apreciação, mas também pode formar uma convicção diversa da 1ª instância sobre os pontos de facto impugnados, o que deve levar a nova decisão que contenha esse resultado, fundamentadamente, ou seja, com base bastante para alterar aquela que foi a convicção (errada) do juiz de 1ª instância.
Partindo do princípio do dispositivo, deve o recorrente indicar os meios de prova que no seu entender deviam ter feito o Tribunal “a quo” encetado caminho diverso no seu juízo probatório; contudo, o Tribunal “ad quem” não está limitado a essa indicação – que será seu ponto de partida e pode até ser o bastante- podendo e devendo se tal se impuser (além dos demais poderes conferidos em termos de retorno à primeira instância ou de oficiosidade) socorrer-se de todos os meios de prova produzidos nos autos para confirmar ou rebater a argumentação do recorrente.

Para melhor entendimento do que está em causa e que resulta do contexto da factualidade na sua globalidade, passamos a reproduzir os factos provados e não provados pela 1ª instância, destacando a negrito a matéria impugnada.
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Factos Provados:

1) O Autor é o cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de sua mãe, B. C., falecida no dia -.05.2002.
2) A mencionada herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de B. C. é dona e legítima proprietária de todos os prédios Rústicos e Urbanos que compõe o conjunto denominado “...”, situado no Lugar do mesmo nome, na freguesia de ..., concelho de Caminha.
3) Designadamente fazem parte integrante da denominada “Quinta ...”, situada no Lugar do ... ou ..., da indicada freguesia de ..., os seguintes prédios, propriedade daquela mencionada herança, cujo terreno, onde foram edificados se encontra registado na Conservatória do Registo Predial ..., a favor da mencionada B. C., sob o número .../...:
a) Prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, com a SC de 670m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ....º urbano;
b) Prédio Urbano composto de Pavilhão, destinado a aviário, de R/C e primeiro andar, com a SC de 850m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ....º urbano;
c) Prédio Urbano composto de Pavilhão, destinado a aviário, de R/C e primeiro andar, com a SC de 950m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ....º urbano;
d) Prédio Urbano composto de Pavilhão, destinado a aviário, de R/C e primeiro andar, com a SC de 336m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ....º urbano;
e) Prédio Urbano composto de Pavilhão, destinado a aviário, de R/C, com a SC de 990m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ....º urbano;
f) Prédio rústico, composto de terreno de cultura, vinha em ramada, pinhal, mato, eucaliptal, pastagem e pomar, com a área de 83.620m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ... rústico.
4) Os mesmos haviam, por sua vez, sido adquiridos pelo casal formado pelos pais do A. por divisão de coisa comum com C. A. e outros, registada no ano de 1976.
5) A mencionada B. C. esteve na posse dos indicados prédios desde pelo menos 1972, data da construção dos primeiros pavilhões de aviário.
6) Posse que sempre foi exercida, por si e antepossuidores, de forma pública, pacífica, de boa fé, à vista de toda a gente e sem a oposição de quem quer que fosse, com o animus de quem era a sua verdadeira dona e legitima proprietária, como efectivamente era e na convicção de estar a exercer sobre os mesmos um direito próprio, correspondente ao direito de propriedade.
7) Posse que assim foi exercida durante trinta e mais anos, de forma ininterrupta e continuada pela B. C., por si e antepossuidores e que o continuou e continua a ser, nos mesmos termos, através dos seus herdeiros, sem oposição de quem quer que seja e designadamente do Réu.
8) Para além do Autor, que é o cabeça de casal daquela indicada herança, são também herdeiros da mencionada B. C. respectivamente, J. P. e M. P., ambos divorciados e residentes respectivamente na Rua ... em Vila Praia de Ancora e Rua ..., na ..., em Viana do Castelo, seus irmãos.
9) Entre o Autor e os seus dois identificados irmãos foi celebrado, a 1 de Janeiro de 2010, um contrato de comodato através do qual estes cederam gratuitamente àquele o direito de explorar directamente ou através de terceiros os prédios ali melhor identificados e que correspondem aos mencionados no artigo 3.º da p.i.
10) Contrato que o A. e os seus irmãos celebraram e a que fixaram uma duração inicial de 10 anos, terminando em 31 de Dezembro de 2019.
11) O Autor celebrou com o Réu, S. J., um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, por prazo certo.
12) De acordo com o mencionado contrato, o A. deu de arrendamento ao R. e este tomou a totalidade dos prédios inscritos na matriz sob os artigos ..., ... e ... e o primeiro andar do prédio ..., todos urbanos, que fazem parte integrante da denominada Quinta ... e que haviam sido objecto do comodato entre ele e os seus irmãos.
13) O mencionado contrato, cujo objecto são os pavilhões destinados a exploração aviária, identificados no artigo anterior, foi celebrado pelo prazo certo de três anos, tendo tido o seu início no dia 1 de Janeiro de 2016 e termo previsto para 31 de Dezembro de 2018.
14) O R. veio denunciar o contrato para o dia 31 de Agosto de 2017, através de carta registada com aviso de recepção, recebida pelo Autor no dia 3 de Maio de 2017.
15) O locado destina-se, especificamente, à criação de aves de capoeira.
16) Acresce que, por força do mencionado contrato, o ora R. assumiu todos os riscos inerentes ao uso dos imóveis arrendados, incluindo os decorrentes de danos e sinistros que neles ou nos equipamentos de que viesse a dotar o locado tivessem comprovadamente origem, responsabilidade que deveria transmitir para companhia de seguros à sua escolha e encargo.
17) No dia 28 de Junho de 2016, cerca das 13 horas, ocorreu um incêndio no edifício denominado pavilhão 5, que corresponde ao prédio inscrito na matriz predial urbana de ... sob o artigo ... urbano e que integra os prédios objecto do contrato de arrendamento celebrado entre o A. e o R.
18) O mencionado pavilhão foi tomado pelo fogo.
19) Este pavilhão n.º 5 era o mais recente dos que compõem o complexo de aviários existentes na Quinta ... e que se encontrava arrendado ao R.
20) Concretamente, arderam as paredes, os tectos, as instalações de água e electricidade, os comedouros, a estrutura de suporte do telhado, as janelas e as portas.
21) Deste edifício, apenas as paredes exteriores e parte da cobertura ficou ao alto, ainda que deterioradas pelo fogo, que destruiu todo o interior, deixando o edifício insusceptível de ser utilizado para qualquer fim.
22) O R. não possuía seguro para as instalações.
23) O Autor, por carta registada com aviso de recepção, que o R. recebeu em 01.08.2016, instou-o formalmente a proceder à reparação do pavilhão ardido até final do ano de 2016, prazo que considerou suficiente e adequado para que este o reparasse e colocasse no estado em que se encontrava antes do sinistro.
24) Recebeu o Autor resposta do R., datada de 18.08.2016, na qual este mencionou que “o que se dispunha a reparar no pavilhão sinistrado fazia parte de uma proposta global”.
25) As obras necessárias à reposição do pavilhão ardido de modo que possa ser usado para a criação avícola são as indicadas a fls. 163 verso dos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
26) Na mesma data em que celebraram o contrato de arrendamento, A. e R. celebraram também entre eles um “Acordo de Utilização Precária de Instalações Acessórias e de Promessa de Revogação do Contrato de Arrendamento em caso de Venda do Arrendado”.
27) A. e R. ajustaram que, a fim de facilitar o exercício da actividade deste último, ali o Segundo Outorgante, e este concentrar num só local toda a gestão da sua actividade, o A., ali o Primeiro Outorgante, aceitava ceder-lhe a título precário e mediante uma compensação anual pela respectiva utilização de 6.000,00€ (seis mil euros), a pagar no início de cada ano, parte do armazém existente ao nível do rés-do-chão do prédio ....º (com excepção das cortes de gado, alpendre e casa de habitação), metade do primeiro andar e o escritório situado no rés-do-chão do prédio ….º, bem como o uso da água da mina que serve a Quinta ..., para uso na criação dos animais e limpeza dos pavilhões arrendados.
28) Ficou consignado que tal compensação não constituía qualquer renda, apesar de terem ajustado que no primeiro ano de vigência do contrato esse pagamento seria feito em prestações mensais de 500,00€ cada, a entregar com a renda dos pavilhões.
29) O R. comprometeu-se igualmente a manter estes espaços cedidos por força deste acordo em bom estado de conservação e a pugnar pela sua conservação e manutenção, ficando responsável por quaisquer obras que nos mesmos viesse a efectuar para os dotar das condições de utilização adequadas e a fazer as de conservação e reparação, nos mesmos termos em que fixaram as mencionadas no contrato de arrendamento entre eles celebrado.
30) Mais fixaram ainda entre si cláusulas de compensação em caso de venda do local arrendado, melhor explanadas na respectiva cláusula terceira.
31) O R. sempre utilizou, desde o início do contrato e até à propositura da acção as instalações e a água cedidas pelo Autor.
32) O A. fez obras à sua custa no prédio 371º ao nível da cobertura.
33) Dos 6.000,00€ devidos no primeiro ano de vigência deste acordo, o R. apenas entregou ao A. o montante de 1.000,00€, em duas prestações de 500,00€ cada, respectivamente em 19.07.2016 e 1.9.2016, correspondentes às que deveria ter entregue nos meses de Janeiro e Fevereiro, mas não lhe foi entregue pelo A. qualquer recibo.
34) O A. enviou ao R., uma carta registada com AR, por este recebida em 13.08.2016.
35) Nessa missiva transmitiu-lhe que este deveria até ao início do ciclo seguinte de criação de aves desocupar todas as instalações acessórias que vinha utilizando ao abrigo do acordo, deixando-as livres de pessoas e bens.
36) Bem como deveria igualmente requerer a ligação do ramal de abastecimento de água pública à Camara Municipal ..., pois, ele, A., não iria consentir que continuasse a utilizar nem as instalações acessórias, nem a água da mina nas próximas criações.
37) Até à data da propositura da acção, o R. continuou a utilizar em proveito próprio quer as instalações cedidas a título precário, quer a água da mina, no exercício da sua actividade de produção avícola.
38) O pavilhão nº 5 não dispõe de licença de utilização.
39) A anterior (a Dezembro de 2015) utilizadora dos prédios identificados na petição tinha nestes instalado diverso equipamento que, finda a utilização que deu aos prédios, tencionava levar consigo, retirando-o dos pavilhões em que estavam instalados.
40) Era o seguinte o equipamento:
i) Sistema de Alimentação: onze (11) linhas de comedouros;
ii) Sistema de Ventilação Estática: oito (8) motores de janelas;
iii) Sistema de Abeberamento: quinhentos (500) bebedouros;
iv) Sistema de Armazenamento de Alimentação: cinco (5) silos de ração;
v) Sistema de Transporte de Alimentação: quatro (4) motores de silo;
vi) Sistema de Automatismo: quatro (4) quadros de comando;
vii) Sistema de Ventilação Dinâmico: vinte dois (22) ventiladores; e
viii) Sistema de Armazenamento Secundário de Alimentação: onze (11) tulhas de ração.
41) O Autor negociou a compra do descrito equipamento com a anterior utilizadora dos pavilhões, mas não houve entendimento entre ambos acerca do preço.
42) Em meados de Novembro de 2015, a anterior utilizadora começou a desmantelar os equipamentos.
43) O Autor não mostrou os pavilhões ao Réu, uma vez que a anterior utilizadora ainda estava na posse deles.
44) No início do ano de 2016, foi necessário realizar algumas verificações e reparações eléctricas nos pavilhões.
45) A X seguros não deu cotação para o seguro multirriscos peticionado pelo R. em virtude do estado de conservação do imóvel e ao elevado risco de incêndio envolvido.
46) Quando terminou o contrato de arrendamento, o Réu solicitou à Distribuidora De Eletricidade que cessasse o fornecimento de energia eléctrica ao locado.
47) Após a cessação do contrato de fornecimento de energia, o A. fez uma tentativa de reactivação.
48) Para conseguir reactivar o contrato, o A. teve de fazer obras e gastou 16.000 € ou 17.000 €.
49) Em 3.11.2017, a Distribuidora De Eletricidade confirmava ao Réu que a instalação eléctrica não estava “preparada” para uma ligação da energia.
50) O A. não tinha, nem à data do início do arrendamento, nem nunca, qualquer entidade ou profissional responsável pela instalação eléctrica do locado.
51) A energia eléctrica é elemento decisivo na indústria da avicultura, visto que todos os equipamentos nesta utilizados são alimentados por corrente eléctrica.
52) O Autor, directamente ou pelos respectivos antecessores, sempre teve os pavilhões dos autos dados de arrendamento, ao menos de há 30 anos a esta parte, ininterruptamente.
53) O Autor sabia ser essencial para o Réu a existência, no locado, de uma instalação eléctrica em boas condições de funcionamento.
54) A actividade exercida pelo Réu nos pavilhões arrendados carece de água, quer para a criação dos animais, quer para a limpeza do locado, o que é do conhecimento do Autor.
55) A água não é apenas uma facilidade, mas uma absoluta necessidade para a actividade exercida pelo Réu no locado.
56) O locado não tinha outra água, para além da água da mina mencionada na aludida cláusula.
57) No âmbito de algumas negociações levadas a cabo pelas partes - motivadoras dos pedidos de suspensão da instância e por contrato de 12.08.2017, o Autor adquiriu ao Réu, por compra, o equipamento mencionado em 22 da contestação, pelo montante de 12.500,00 €.
58) Entre as condições em que Autor e Réu ajustaram a referida aquisição conta-se a do pagamento do preço, o qual seria efectuado “em condições a acordar em documento que as partes se comprometem a subscrever no próximo mês de Setembro de 2017” – o que não chegou a acontecer.
59) O Autor já está na posse do mencionado equipamento, que recebeu, o qual permanece nos pavilhões locados e está pronto a ser usado, seja pelo A., seja por quem, eventualmente, tome os pavilhões para utilização.
60) A instalação eléctrica do locado só tinha um contador.
61) O Autor residiu, durante todo o período do arrendamento, numa habitação situada na Quinta ..., a mesma onde se situa o arrendado.
62) O Autor consumiu energia eléctrica, durante todo o referido período, em montante não concretamente apurado, montante sempre pago pelo Réu - e que o Autor nunca restituiu àquele.
63) Apesar do incêndio que deflagrou no pavilhão nº 5, em Junho de 2016, o Réu continuou a pagar, integralmente, a renda do locado.
64) Por força do incêndio, ardeu e ficou completamente inutilizado todo o equipamento do Réu que estava instalado no pavilhão nº 5, ardido.
65) O referido equipamento (sistemas de alimentação, de beberagem, de aquecimento e de arrefecimento) tem um valor de, aproximadamente, 26.584,80 €, sem iva.
66) Ainda por força do incêndio, o Réu não mais pôde utilizar o pavilhão nº. 5, o que ocorreu entre Julho de 2016 e Julho de 2017, ambos inclusive, isto é, por 13 meses.
67) No mencionado período de tempo teria havido, como sempre houve, 6 criações de aves, com cerca de 85.000 frangos em cada uma das referidas criações.
68) Após o incêndio no pavilhão nº 5, as 6 criações de aves passaram a respeitar a, apenas, cerca de 65.000 frangos.
69) O rendimento médio, por criação de aves, antes do incêndio no pavilhão nº 5 era de 25.951,47 €.
70) O rendimento médio, por criação de aves, depois do incêndio no pavilhão nº 5 era de 17.270,12 €.
71) Os custos que o Réu deixou de suportar com a actividade no pavilhão nº 5, durante os 13 meses referidos em 66), com serrim, gás e electricidade, teriam ascendido a cerca de 6.482,58 €.
72) O R. teve uma perda de rendimento, por força do incêndio no pavilhão nº 5, de 45.605,52 € [25.951,47 € - 17.270,12 € x 6 -6.482,58].
73) Foi o R. que procurou o A. para tratar do arrendamento dos pavilhões.
74) Pavilhões que a esposa do R. já conhecia em virtude da sua actividade profissional.
75) Quem explorava no arrendado os aviários era a sociedade Y Aves, Lda, na qual o R. detinha a maioria de capital e tal como estava autorizado no contrato de arrendamento.
76) Dita sociedade dissolveu, liquidou, extinguiu e cancelou a matrícula, não tendo havido liquidatários.
77) O R. foi nomeado representante da referida sociedade para efeitos tributários e ficou depositário dos elementos de escrituração da mesma.
78) O R. adquiriu à Y o equipamento discriminado no doc. 26 junto com a contestação.
*
Factos não provados:

I.Os prédios identificados em 3) da p.i. advieram à propriedade de B. C. por partilha subsequente ao seu divórcio de M. P., que correu termos no Tribunal Judicial de Caminha sob o n.º .../88.
II.O fogo deflagrou quando o R. e os seus funcionários procediam a trabalhos de limpeza e desinfecção do pavilhão, depois de retirarem a criação de aves.
III.O pavilhão nº 5 ardeu completamente e ameaça ruir.
IV.Na proposta global que lhe apresentou, o R. propunha, relativamente ao pavilhão ardido, limitar-se a reparar (que não a substituir) o telhado, alegando que não pretendia voltar a utilizar este pavilhão.
V. O R. executou ou mandou executar trabalhos de limpeza e desinfecção no pavilhão nº 5 sem as cautelas devidas.
VI.A falta dessas cautelas esteve na origem do incêndio que destruiu o imóvel.
VII.O incêndio não teve origem em qualquer deficiência do imóvel ou dos seus equipamentos, nem se deveu a qualquer causa natural.
VIII. Os trabalhos que se consideraram os necessários à reposição do pavilhão nas condições adequadas à sua utilização para o fim a que se destina e destinava antes do incêndio, ascendem a 39.032,82€.
IX.Da compensação devida pela utilização das instalações a título precário e da água da mina, referente ao ano de 2017 e vencida a 1.1.2017, o R. nada pagou até à presente data, estando em dívida a totalidade da prestação compensatória, no montante de 6.000,00.
X.Sabendo do interesse do Réu na exploração do negócio de aviário, o Autor informou-o de que deveria apressar-se na celebração do arrendamento para, depois, tentar adquirir o equipamento da antecessora.
XI.Na tentativa de evitar o desmantelamento do equipamento, o Réu acabou por celebrar o arrendamento.
XII.Quando se apresentou perante o Autor para celebrar o arrendamento, este já tinha redigidos os dois papéis que juntou aos autos como docs. 10 e 16.
XIII.Quanto ao comodato - doc. 9 com a petição -, embora referido en passant, no contrato de arrendamento, nem o Réu sabia o que era, nem lhe foi mostrado.
XIV.O Réu não teve qualquer intervenção na redacção do clausulado de qualquer daqueles dois documentos, não pôde aferir das condições dos elementos estruturais dos pavilhões, designadamente do sistema eléctrico e confiou que, como redigiu o Autor, os imóveis objecto do contrato, estivessem “em razoável estado de conservação e de limpeza”.
XV. Mas não estavam.
XVI.Depois de poder aceder ao locado, no início do contrato, verificou o Réu que a instalação eléctrica tinha cabos pendurados, obsoletos, isolados com fita adesiva e, patentemente, sem qualquer manutenção.
XVII.Durante a vigência do contrato, e face às sucessivas avarias e falhas de energia, soube o Réu pela voz de um electricista, que o estado do PT - e da restante instalação eléctrica - punha em risco a própria vida do Réu e respectivos trabalhadores.
XVIII.O A. não actuou com boa fé negocial, visto que sabia que a instalação eléctrica não estava em boas condições de funcionamento.
XIX.O Autor sabia que, face ao estado da instalação eléctrica, no início do contrato de arrendamento, era muito elevado o risco de incêndio.
XX.Ao transferir para o Réu, no contrato, a assunção de “todos os riscos inerentes à utilização dos imóveis (...), incluindo os decorrentes de danos e sinistros” - cláusula sétima - o Autor não actuou com boa fé negocial.
XXI.Ao clausular que o fornecimento da “água da mina que serve a quinta” era para “facilitar” o exercício da actividade do Réu e, ainda por cima, ao cobrar por essa facilidade, o Autor não actuou com boa fé negocial.
XXII.O Réu confiou na pessoa do Autor, aceitando sem esforço que o arrendado teria as condições que o contrato deixava perceber.
XXIII.O Réu estava em erro relativamente ao estado do arrendado, o que era do conhecimento do Autor.
XXIV.O incêndio ocorrido no pavilhão 5 foi devido a um curto circuito decorrente das deficientes condições da instalação eléctrica do locado.
XXV.O Autor consumiu energia eléctrica, em montante que não foi inferior a 180,00 € mensais.
XXVI.A licença de ocupação junta a fls. 93 verso abarca todos os pavilhões arrendados ao R..
Conclui ainda o Tribunal que não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a justa decisão da causa.
*
Deixando pendente a apreciação da nulidade invocada (esta pelo R.) que consiste na falta de apreciação da condenação do A. como litigante de má fé que apreciaremos noutra fase do acórdão uma vez que a iremos ultrapassar, iniciaremos a apreciação pela questão suscitada pelo A. quanto à alínea IX não provada, matéria que inclui a apreciação da outra nulidade de sentença invocada.
*
E começando precisamente pela nulidade, cumpre enquadrar esta matéria.

Dispõe o art. 615º, nº 1, que é nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e)O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal “supra” citado.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cf. Acórdão desta Relação de 4/10/2018 em que foi relatora a Exmª Srª Desembargadora Drª Eugénia Cunha, e do STJ de 17/10/2017, www.dgsi.pt).
Conforme Acórdão desta Relação relatado pela Exmª Srª desembargadora Drª Maria João Matos com a mesma data e igualmente publicado “As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).”
Com exceção das previstas na al. a) do n.º 1 do artigo 615.º e no artigo 666.º, n.º 1, segunda parte, estas nulidades respeitam ao teor do ato decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura, objeto e limites do julgamento; porém, não quanto ao mérito desse julgamento como se destaca no excerto (que por sua vez cita o mencionado acórdão da Exmª Srª Desembargadora Drª Eugénia Cunha) “O recurso civil, vol. I”, do Prof Rui Pinto (Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), 2019, https://www.linkedin.com.), cuja edição terá lugar em 2020, e publicado desde já na Revista “Julgar” online de maio de 2020.
O vício da sentença decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença/acórdão.
Da conjugação das normas decorre que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.
Porém questões não são factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 9/2/2012 (www.dgsi.pt), segundo o qual “a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.
Dúvidas não há porém que o tribunal só pode apreciar questões que lhe forem suscitadas pelas partes (salvo as que forem de conhecimento oficioso) sob pena de, assim não sendo, cometer a nulidade no segmento inverso, ou seja, conhece de questões que não foram suscitadas.
Conforme A. Geraldes na obra citada na pag. 727, (…) “A qualificação jurídica dos factos é de conhecimento oficioso (artº. 5º, nº. 3) mas esse poder não pode deixar de ser conjugado com outras limitações, designadamente aquelas que obstam a que seja modificado o objeto do processo (integrado tanto pelo pedido como pela causa de pedir) ou daquelas que fazem depender um determinado efeito (…) da sua invocação pelo interessado. As questões a que a lei se refere impondo o seu conhecimento reportam-se a “pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às concretas controvérsias centrais a dirimir.”
Relativamente à fundamentação de facto há jurisprudência no sentido que a nulidade por falta de fundamentação diz respeito ao julgamento dos factos como provado ou não provado (cf. artigo 607.º, n.ºs 3, primeira parte, e 4, primeira parte) e, não, à motivação ou convicção respetiva (cf. artigo 607.º, n.º 4, segunda parte), que não caberia no mencionado no artº. 615º, nº. 1, d), C.P.C., mas antes na nulidade processual prevista no artº. 195º, nº. 1, do C.P.C..
Seria esse o caso, quando a sentença não descreve a análise crítica das provas a cargo do julgador, dizendo apenas em que meios de prova se baseou a convicção, ou quando nem sequer especifica esses meios de prova; seria o caso dos autos se o Tribunal se tivesse limitado ao que diz no primeiro parágrafo da fundamentação da matéria não provada (“Os factos não provados resultaram da total ausência de prova relativamente aos mesmos.”).
Também se pode divergir se falta absoluta constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º – “a ausência total de fundamentos de direito e de facto” conforme refere José Alberto dos Reis “Código V cit., pag. 140, e Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª. ed., 1985, pags. 670 a 672; ou se a integra uma fundamentação apenas incompleta ou insuficiente.
Analisa criticamente estas posições o Prof. Rui Pinto em “O Recurso Civil” Vol I a publicar, e antecipa no texto “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), 2019, https://www.linkedin.com.), este publicado desde já na Revista “Julgar” online de maio de 2020.
Conclui o autor do texto a sua posição no sentido que “a nulidade por falta de fundamentação diz respeito tanto ao(s) julgamento(s) de provado / não provado (cf. artigo 607.º, n.ºs 3, primeira parte, e 4, primeira parte), como à motivação ou convicção (cf. artigo 607.º, n.º 4, segunda parte) que os sustenta. Ocorre também falta de fundamentação se, em termos funcionais e efetivos, faltar a motivação da prova, apesar de estar presente o julgamento de provado / não provado. (…)
(…) há que separar de um lado a sentença ou despacho não estarem fundamentados (de facto ou de direito), no todo ou em parte, e, do outro, a fundamentação estar presente, mas ser inadequada – não apresentar o mérito demonstrativo – para a parte dispositiva A falta de fundamentação a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 615.º ocorre, seja quando não há nenhuma fundamentação (de direito ou de facto) da parte dispositiva, seja quando falta, em termos funcionais e efetivos, algum segmento da fundamentação exigida pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º. Trata-se, em ambos os casos, de um vício grosseiro, grave e manifesto, como é próprio dos vícios arrolados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 615.º. Um entendimento conforme ao artigo 205.º, n.º 1, da Constituição impõe esta interpretação de modo a garantir sempre um mínimo de impugnação de tipo de reclamatório, para as sentenças que não admitam recurso ordinário. Portanto, a falta de fundamentação não tem de ser total, pelo que subscrevemos na integra a conclusão do ac. RG 18-1-2018/Proc. 75/16.0T8VRL.G1 (ANTÓNIO BARROCA PENHA), na esteira do ac. RC 17-4-2012/Proc. 1483/09.9TBTMR.C1 (CARLOS GIL)42 , de que “ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial”, assim, “não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação” (STJ 2-3-2011/Proc. 161/05.2TBPRD.P1.S1 (SÉRGIO POÇAS))43…. 42 Também “a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório”, 43 Nele se julgou que `a “falta de fundamentação de facto e de direito deve ser equiparada a fundamentação que exponha as razões, de facto e de direito, para a decisão de modo incompleto, tornando deste modo a decisão incompreensível e não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação”.
Situação diversa da falta de fundamentação, é a fundamentação existente não apresentar o mérito demonstrativo suficiente para justificar a parte dispositiva. Tal ocorre quando a fundamentação existe formalmente, mas padece de insuficiência, mediocridade ou erroneidade. Ora, uma coisa é a decisão não conter fundamentação e, outra, é “bem ou mal, o tribunal fundamenta[r] a decisão” (RP 11-1-2018/Proc. 2685/15.4T8MTS.P1 (FILIPE CAROÇO)). É como um tertium genus, “entre a fundamentação completa, total e indubitável e a falta de fundamentação” (TCAN 28-4-2016/Proc. 00385/08.0BEBRG (MÁRIO REBELO))45 . Aqui já não se trata de uma causa da nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º, mas de uma causa de recurso, por erro de julgamento46 . 45 “Não é uma fundamentação completa e exaustiva, mas também não configura uma total falta de Fundamentação”, prossegue o mesmo acórdão. 46 STJ 2-6-2016/Proc. 781/11.6TBMTJ.L1.S1 (FERNANDA ISABEL PEREIRA).”
Aplicando estas considerações em primeiro lugar à alegada falta de fundamentação do ponto IX dos factos não provados, para além da improcedência que derivaria da posição que defende que tal só se verificaria se a sentença omitisse de todo a fundamentação de facto, o que manifestamente não se verifica, ainda que adotássemos a posição de que configura nulidade a omissão da fundamentação de um único e qualquer facto, igualmente improcederia a sua arguição já que o Tribunal justificou a sua convicção neste item: “O Tribunal deu como não provado que da compensação devida pela utilização das instalações a título precário e da água da mina, referente ao ano de 2017 e vencida a 1.1.2017, o R. nada pagou até à presente data, estando em dívida a totalidade da prestação compensatória, no montante de 6.000,00, porque o A. impossibilitou culposamente ao R. a prova do pagamento, havendo inversão do ónus da prova (arts. 344º nº 2 do CC e 417º nº 2 do CPC). O A. não provou a falta de pagamento.”
Portanto, a nulidade não se verifica, ainda que o Tribunal nada tenha dito na sentença porque é que aplicou os citados artigos e portanto a fundamentação possa reputar-se de insuficiente, e o que efetivamente o A. invoca é a sua discordância quanto à aplicação do princípio da inversão do ónus da prova.
Teremos por isso de ver se tem suporte nos autos essa aplicação, passando já para a impugnação da matéria de facto.
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E, salvo o devido respeito, não vemos que tenha.
O ponto não provado em causa diz: “IX. Da compensação devida pela utilização das instalações a título precário e da água da mina, referente ao ano de 2017 e vencida a 1.1.2017, o R. nada pagou até à presente data, estando em dívida a totalidade da prestação compensatória, no montante de 6.000,00.”

As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos –artº. 341º do C.C.. Por regra àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, sendo que em caso de dúvida os factos devem considerar-se como constitutivos do direito –artº. 342º, nºs. 1 e 3, do C.C.. Em sede de apreciação da prova vigora o artº. 414º C.P.C. (na dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova, resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita), além doutros. Já aos demandados cabe a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelos demandantes –nº. 2 do mesmo. Os artºs. 343º a 348º têm regras especiais, impondo outras posições. Depois diz-nos o Código Civil quais são os meios de prova, dispondo em conformidade em relação a cada um.
No caso, vamos ater-nos ao artº. 344º, nº. 2, por ser o que importa. Este diz-nos que há inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado (…).

Impõe-se por isso a verificação cumulativa de dois requisitos ou pressupostos para a sua aplicação:
.que a prova de determinada factualidade, por ação/omissão da parte contrária, se tenha tornado impossível de fazer, o que inculca que a prova que foi inviabilizada seja decisiva para demonstrar a realidade do facto;
.que tal comportamento seja imputável à parte contrária a título de culpa (cfr. Acs. do STJ de 12/4/2018 e da Rel. do Porto de 1/2/2016 (dgsi.pt).

Fazendo o enquadramento legal dos preceitos cuja aplicação se suscita, discorre sobre tal o Ac. do STJ 10/9/2019 (www.dgsi.pt). E diz-nos que “Com a inversão do ónus da prova, a lei impõe a demonstração da realidade de um determinado facto à parte (recusante) que, de acordo com o critério geral, não carecia de desenvolver uma actividade instrutória nesse sentido. O que significa que, “em desvio à regra, a prova do facto não tem de ser feita pela parte a quem o mesmo aproveita, antes recaindo sobre a outra parte o encargo de provar o facto contrário””, citando Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, 2ª edição, 2017, Almedina, pag. 374. A propósito também se pronunciaram os Acs. Do STJ de 12/10/2010 e de Lisboa de 3712/2009 (dgsi.pt).
Esta consagração encontra fundamento no dever de boa-fé processual (artº. 8º C.P.C.) e no princípio da cooperação (artº. 7º C.P.C.). A boa-fé impõe uma norma de conduta das partes pautada pelos deveres de esclarecimento e lealdade, radicando no interesse público do Estado na prestação da tutela jurisdicional.
O princípio da cooperação impõe ao juiz e às partes uma conduta conforme com a verdade como forma de obtenção da justa composição do litígio. Às partes compete prestar todos os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes, devendo comparecer em juízo sempre que para isso sejam notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos.
Lopes do Rego, “in” “Comentários ao Código de Processo Civil”, Vol I, Almedina, 2ª edição, 2004, pags. 454 e 455, diz que “provindo a recusa da colaboração da parte e revelando-se inviável (por razões de facto ou jurídicas) a realização específica e coerciva da diligência determinada, a recusa de cooperação é susceptível de influir no conteúdo da decisão do tribunal que aprecia as provas produzidas.
Assim: (a) se a recusa tiver tornado impossível a prova à outra parte, sobre quem recaía o ónus probatório de certo facto (v. g. a diligência probatória culposamente frustrada recaía sobre matéria de facto absolutamente essencial, que só podia ser demonstrada por esse meio, já que o onerado não dispõe de outros meios de prova que, em concreto, demonstrem o facto) ocorre a inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.º, nº2, do Código Civil (…).
(b) Se não for assim - isto é, se a recusa não implicar aquela impossibilidade de o onerado provar facto absolutamente essencial à acção ou à defesa - deverá o tribunal apreciar livremente o valor probatório da recusa (nomeadamente, dela inferindo que a parte, ao menos no plano subjectivo, receava seriamente o resultado daquela diligência instrutória)”.

Esta consequência terá razão de ser quando o facto que se quer provar for essencial para o desfecho da lide, já não quando for algo de meramente instrumental.
A inversão do ónus da prova surge como uma sanção civil à violação do princípio da cooperação das partes para a descoberta da verdade material, consagrado no art. 417º, n.º 1, do CPC, quando essa falta de colaboração vai ao ponto de tornar impossível ou particularmente difícil a produção de prova ao sujeito processual onerado com o ónus da prova nos termos gerais e seja culposa, no sentido de que a parte podia e devia agir de outro modo (art. 344º, n.º 2 do CC e art. 417º, n.º 2 do CPC) –Ac. do STJ já citado de 12/4/2018.
Daqui decorre que terá que haver um pedido/ordem/notificação que, no âmbito do processo em curso, impunha á parte uma determinada atitude colaborativa a que esta não dá satisfação.
Diga-se que a lei não impõe que a notificação seja feita com a “expressa advertência” da sanção em causa, ou seja, que a sua recusa implicaria a inversão do ónus da prova, nos termos do artº. 344º, nº. 2 do C.C. já que nada ressalta a tal respeito dos artº. 417º, nº. 2, do C.P.C..
E ainda de atentar que a decisão de inversão do ónus da prova está dependente da livre apreciação que o julgador faz “ex post facto” (isto é, depois da produção de prova em julgamento), designadamente sobre a necessidade de recorrer, ou não, ao sobredito mecanismo legal de inversão do ónus da prova –cfr. Ac. do STJ citado de 10/9/2019.

Analisando os autos não houve qualquer determinação no sentido do A. prestar alguma informação ou documento (ou outra colaboração) no sentido de permitir ao R. demonstrar que efetuou o pagamento dos € 6.000,00 relativos ao ano de 2017.

Terá o Tribunal ido buscar a justificação da inversão ao facto do A. não ter entregue recibos relativos aos pagamentos, conforme se refere o ponto 33 dos factos provados relativamente ao ano de 2016. Todavia, essa não é uma conduta processual mas sim contratual/negocial, e por outro lado, tendo o pagamento sido feito em dinheiro (versão do R. corroborada pelo A.), então este ainda assim teria eventualmente outro meio de prova ao seu alcance (testemunhal, ou obtendo a confissão do A.), não resultando que assim não seja. A emissão do recibo é o meio de prova por excelência, mas não é o único. E a sua recusa –que não está provada apenas sabemos que não foram passados recibos- terá outras consequências que não a inversão do ónus da prova, sem mais (cfr. artº. 787º do C.C.: o R. podia recusar o pagamento). Veja-se em sentido semelhante o Ac. do STJ de 22/3/2018 (dgsi.pt).

Significa isto que o A. tem razão quanto á não aplicação da inversão do ónus da prova (que significaria que teria de ser o A. a provar o não pagamento). Porém isto apenas terá relevância em sede de aplicação do direito, uma vez que o fato do conteúdo do ponto IX constar dos factos não provados apenas significa que não se sabe se o R. pagou ou não, e daí não se extrai que o contrário (que pagou) é verdadeiro.

Pelo exposto, a matéria constante do ponto IX dos factos não provados pode/deve manter-se uma vez que, e ouvida a prova produzida pelo R. (declarações de parte e testemunhal) e sem olvidar a ausência de prova doutra ordem, o R. não logrou de facto provar de forma segura o pagamento do valor em causa, que aliás nem alegou como iremos ver. Como iremos ver, não havendo prova do pagamento, o facto IX não provado é inócuo para a decisão a proferir.
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Introduzimos aqui, por respeitar á mesma argumentação, a impugnação que o R. faz do ponto 33 dos factos provados que, diz, devia antes constar dos não provados por duas ordens de razões: diversamente da fundamentação do Tribunal “a quo” o R. não confessou que apenas pagou aquelas duas prestações, sempre disse que pagou tudo; por outro lado, se o Tribunal inverteu o ónus da prova quanto ao pagamento, então também aqui cabia ao A. provar que não foi pago mais nada, pelo que, não o tendo feito, o ponto 33 deve ser não provado.

Diz este ponto que “33) Dos 6.000,00€ devidos no primeiro ano de vigência deste acordo, o R. apenas entregou ao A. o montante de 1.000,00€, em duas prestações de 500,00€ cada, respectivamente em 19.07.2016 e 1.9.2016, correspondentes às que deveria ter entregue nos meses de Janeiro e Fevereiro, mas não lhe foi entregue pelo A. qualquer recibo. “

Efetivamente o Tribunal de 1ª instância fundamentou a prova da parte do ponto 33 impugnada –o R. concorda com a parte final que se baseou no facto do A. ter dito que não passou recibos- na suposta aceitação do R. (“Os factos 5), 15) a 24), 26), 31) a 37) foram aceites pelo Réu…”).
Também é verdade que, ouvido o seu depoimento, o R. insistiu sempre que pagou todos os valores. Por isso da matéria que se considerou confessória não consta (e bem).
Da contestação o que resulta é que o R., sem alegar o pagamento como lhe competia, impugna o não pagamento.
Ora, não concordamos com o fundamento da inversão do ónus da prova, não se percebendo porém porque é que o Tribunal inverteu o ónus no que se refere ao ano de 2017 e não de 2016. Tal só se poderá dever a um erro de interpretação da posição do R. (-que teria aceite o pagamento de apenas duas prestações em 2016).
Mas tendo razão o R. nesse ponto, por outro lado as suas declarações de parte são insuficientes para demonstrar que pagou mais alguma prestação, até porque, como já dissemos, havia outros meios de se precaver e comprovar a sua versão, designadamente ainda que o pagamento tivesse sido em numerário. Assim sendo, apenas ficamos no que o próprio A. admitiu.
As declarações de parte são um meio probatório introduzido no nosso ordenamento jurídico com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06. Visou-se responder a uma cada vez mais significativa corrente de opinião que se vinha densificando no sentido de considerar e valorizar o depoimento de parte, ainda que sem caráter confessório, e de livre apreciação pelo tribunal, desde que o mesmo viesse a revelar um efeito útil para a descoberta da verdade material, pois que em muitos casos pode ser difícil ou mesmo impossível demonstrar certos factos por via diversa da do próprio relato das partes e muitas das vezes as partes terão conhecimento privilegiado dos factos que alegam ou presenciaram (cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 2º, Almedina, 3ª ed., pag. 307).
Dispõe quanto ao seu regime o artº. 466º, do C.P.C..

Refere-se o Ac. da Rel. de Lisboa de 26.4.2017 (in www.dgsi.pt) que a doutrina e a jurisprudência vêm assumindo várias posições no que respeita à função e valoração das declarações de partes que se reconduzem a três teses essenciais:

a) tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos;
b) tese do princípio de prova;
c) tese da autossuficiência das declarações de parte.

Para a primeira tese, que é defendida por Lebre de Freitas (in A Ação Declarativa Comum, À Luz do Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, 2013, p. 278) “a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas.” Ou seja, as declarações de parte têm uma função eminentemente integrativa, supletiva e subsidiária, permitindo suprir falhas ao nível da produção da prova designadamente testemunhal, tendo particular relevo em situações em que apenas as partes protagonizaram e tiveram conhecimento dos factos em discussão.
Segundo a tese do princípio de prova as declarações de parte não são suficientes por si só para estabelecer qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova.
Finalmente, a tese da autossuficiência das declarações de parte considera que as mesmas podem permitir a prova de um facto de forma autónoma, ou seja, desacompanhadas de qualquer outro meio probatório.
O Acórdão citada desenvolve e cita doutrina em abono de cada uma destas teses, que nos dispensamos aqui de reproduzir.
A atribuição às declarações de parte da função de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outras não haja, a sua utilização como prova subsidiária, são as teses maioritárias na jurisprudência.
A tese do princípio de prova exige sempre a sua correlação com outros meios de prova, o que, sendo o mais curial na maior parte das situações que se colocam aos tribunais, como a dos autos, em que a parte teria outras formas de se precaver relativamente à demonstração do facto; não o tendo feito, e sendo a questão do pagamento um facto essencial e que lhe é favorável no sentido da sua prova levar à improcedência daquele segmento da ação, sem querer com isto esvaziar o conteúdo das declarações de parte, seria temerário.
O Prof. Miguel Teixeira de Sousa, num texto publicado no blog do IPPC em 25/5/2018, em anotação ao Acórdão da Relação do Porto de 23/4/2018 (dgsi.pt) e que revogou a sentença proferida no processo nº. 82/17.1T8VNG da autoria da aqui relatora, a propósito de uma ação de divórcio, pronunciou-se contra a tendência para a desvalorização deste meio de prova.
Argumenta o autor do texto que este meio de prova deve ser valorado como qualquer outra prova livre –artºs. 466º, nº. 3, e 607º, nº. 5, C.P.C..
“…Depois, também não se pode acompanhar a orientação segundo a qual a prova por declarações de parte deve ser entendida como um meio de prova complementar ou com uma função de clarificação de outras provas. Não se ignora, como é evidente, que a prova por declarações de parte merece uma especial ponderação pelo tribunal, dado que é a própria parte que depõe em juízo sobre factos que, em princípio, lhe são favoráveis. Isto é, no entanto, coisa completamente diferente de se entender que, à partida e independentemente de qualquer valoração específica em função das circunstâncias do caso concreto, a prova por declarações de parte não pode ter um valor probatório próprio.”
Depois de fazer uma incursão sobre o direito comparado, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa conclui “ 5. Se é certo que se impõe apreciar a prova por declarações de parte sem ilusões ingénuas, também é verdade que não há que, à partida, desqualificar o valor probatório dessa prova. Em suma: a prova por declarações de parte tem, sem quaisquer apriorismos, o valor probatório que lhe deva ser reconhecido pela prudente convicção do juiz; nem mais, nem menos, pode ainda precisar-se.”
Em suma, as declarações de parte são sempre um meio de prova livre. Pronunciaram-se também sobre esta posição os Acs. Da Rel. do Porto de 7/12/2008, 21/11/2019 e 20/2/2020 (wwwdgs.pt).
Ouvidas as declarações do R. no caso concreto, e analisadas criticamente, as mesmas por si só não nos convencem do pagamento, facto que lhe é favorável.
Fazendo aqui uma súmula crítica do seu depoimento/declarações, o mesmo mostrou-se na nossa opinião frágil e pouco credível, pois que na altura em que celebrou os contratos não se apercebeu de nada de anormal e só depois veio a perceber tudo; e não percebeu nem se terá querido aperceber já que não foi ver as instalações antes da celebração do contrato, baseou-se apenas em documentação quanto á empresa “Y” para concluir que o negócio seria rentável (-a esposa trabalhava no matadouro que recebia os frangos e “sabia” do volume do negócio, o que foi confirmado por esta no seu depoimento); quanto à licença de utilização acreditou que tinha (-aqui note-se que se refere no contrato o seu número, e houve troca de correspondência a propósito, junta aos autos com a réplica), nem sabia o que é um comodato…Ou seja, iniciou todo o negócio de exploração dos aviários através da “Y…” na base da confiança (que apenas nos parece ter lógica na questão da existência da licença, até porque já ali funcionava no mesmo ramo –e há muitos anos- outra empresa). Quanto ao pagamento propriamente dito e aqui em causa, o R. começou por dizer que pagou tudo, que não é verdade que não pagou; depois disse que tinha testemunhas dos pagamentos em dinheiro, imensa gente que via, os funcionários faziam pagamentos, e finalmente disse que era ele quem pagava, alguma vez foi a esposa ou algum funcionário; explicou que tentou pagar por cheque mas o A. não queria, pelo que aqueles € 500,00 mensais eram pagos separadamente da renda e sempre em dinheiro; nunca lhe foi dado qualquer recibo ou comprovativo (-agora já deduz o motivo para essa postura do A.). Além do R. não ter apresentado a prova testemunhal que disse ter –designadamente a sua esposa, L. J., não se pronunciou sobre essa matéria-, não foi convincente.
Relativamente à prova documental junta pelo R. através da referência 2540249, os cheques (docs. 3 e 4) nada provam quanto ao pagamento de duas prestações em dinheiro –o A. em sede de depoimento de parte manteve ter recebido por duas vezes, em numerário (cfr. artigo 57 da p.i.)., não se lembrando da questão dos cheques a que o R. fez referência nas suas declarações (disse que passou de € 4.000,00 para pagamento de duas rendas e duas prestações de € 500,00, mas como o A. não aceitou o pagamento destas por cheque, substitui-o por um de € 3.000,00). O último documento (5) aí junto não tem a virtualidade de provar qualquer transferência para conta do A., todavia face à coincidência das datas que o A. refere na p.i. como reportando-se ao recebimento das duas prestações (há uma diferença de um dia numa delas: 18 ou 19 de julho), e não obstante na p.i. não se fazer referência a recebimento em numerário (que o A. mencionou no depoimento de parte), mantemo-nos contudo com a admissão apenas de duas prestações, não bastando esta discrepância do A. (numerário ou transferência) para que o R. consiga provar que pagou mais algum valor (-e se foi o próprio R. a dizer que pagou em dinheiro, uma vez que o A. não aceitava por cheque…).
Verdade, como se alega, que seria estranho o facto do R., numa altura em que as relações entre as partes já não seriam as melhores como ressalta da troca de correspondência junta aos autos (cartas de julho e agosto de 2016 juntas com a p.i.), e não lhe passando o A. recibo, não se precavesse com documento demonstrativo dos pagamentos e simplesmente cedesse à vontade do A. em fazê-lo em numerário.
Se preciso fosse, no sentido da versão do A. temos ainda o teor da carta de 9/8 mencionada nos factos, enviada pelo A. ao R. ao aceitar a “anulação” do contrato a que se refere esta prestação, quando diz “ O senhor não está a cumprir a prestação.”.
Pelo exposto o ponto 33 deve manter-se, dada a fragilidade das declarações do R. e a ausência de outro meio de prova.
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Passemos para a argumentação relativa ao ponto 25 dos factos provados. O A. pretende que se lhe acrescente “cujo custo é de 31.500,00€ a que acresce IVA.”.
Diz esse ponto “25) As obras necessárias à reposição do pavilhão ardido de modo que possa ser usado para a criação avícola são as indicadas a fls. 163 verso dos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.”.
Fica a dúvida se o Tribunal ao remeter para o relatório pericial nessa matéria quis abranger o valor apurado; tal como para lá remete na fundamentação da sua prova, já que quanto a tal diz apenas que “O facto 25) resulta do relatório pericial junto a fls. 163 ss dos autos.”. E podia e devia tê-lo feito.
Podia porque a isso não obsta o facto de não se ter apurado o valor alegado pelo A. que foi remetido para o elenco dos factos não provados (ponto VIII), uma vez que sendo superior ao apurado não há qualquer violação do princípio do dispositivo.
Devia face à prova pericial produzida, acrescida dos esclarecimentos prestados em audiência pela Srª Perita, que ilustra suficientemente o pretendido, e o seu resultado não foi beliscado por qualquer outro meio de prova.
De acordo com o disposto no artº. 388º do Código Civil (C.C.), a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial. Por outro lado, determina o artº. 389º do mesmo Código que "a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal." Face a essas especiais exigências, o julgador somente se deve afastar do parecer dos peritos com base em razões de desconfiança quanto à sua pessoa ou conteúdo da perícia ou com base em meios de prova alternativos e com idêntica relevância probatória. Seguindo a exposição do Acórdão desta Relação de 25/10/2018 (publicado em www.dgsi.pt) “Deste entendimento sobre o valor da prova pericial deriva uma conclusão: sempre que entenda afastar-se do juízo técnico ou científico, o Tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva, dever esse que deve ser cumprido com particular escrúpulo no tocante a juízos científicos dotados de especial densidade técnica ou obtidos por procedimentos cuja fiabilidade científica seja universalmente reconhecida (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Coimbra Editora, pág. 263 e 264 e acórdão da RC de 10/02/2015, proc. nº. 927/03.8TBFND-A, acessível em www.dgsi.pt).
A Srª. Perita teve o cuidado de verificar o estado de um outro pavilhão ao lado para ver como seria antes o pavilhão ardido, sendo que obviamente não o conheceu antes do sucedido, e elaborou o seu relatório tendo em vista um pavilhão funcional para o fim a que se destina. Também se baseou na sua experiência com orçamentos para chegar ao valor que indicou.
Assim, clarificando o ponto 25, deve o mesmo ter a redação sugerida pelo A..
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Ambas as partes se insurgem quanto ao teor do ponto 38 dos factos provados:

o A. porque entende que se provou que o pavilhão 5 tem licença, o R. porque entende que o locado na sua globalidade não tem licença.
Diz-se aí que: “38) O pavilhão nº 5 não dispõe de licença de utilização.”.
Parece-nos que a prova terá de resultar da leitura do doc. de fls. 93 verso e da relacionação da restante matéria provada e que não foi impugnada.
A motivação dada pelo Tribunal “a quo” para a versão em que assentou foi que “resulta da conjugação dos seguintes elementos: o art. 23º da p.i. refere que o pavilhão 5 é o de construção mais recente, facto aceite pelo Réu; a licença junta a fls. 93 verso é de 02/02/1968; o pavilhão 5 foi inscrito na matriz em 1991 (doc. junto a fls. 15).”
Com todo o respeito, esta fundamentação não pode colher por duas ordens de razões: não se diz porque é que a inscrição na matriz em 1991 invalida uma licença com data anterior; são coisas diferentes, e se a inscrição não poderia ser feita sem a licença, esta podia existir e não terem diligenciado pela inscrição; o pavilhão 5 é de construção posterior a 1968, mas os restantes também face ao que consta do ponto 5 onde se diz que a construção dos primeiros pavilhões se reporta a 1972. Por outro lado, todos os pavilhões existem pelo menos há 30 anos, embora o 5 seja mais recente –pontos 19 e 52 dos factos provados. Note-se que nem o ponto 5 nem os 19 e 52 foram impugnados e foi matéria alegada pelo próprio A. –irrelevante por isso a prova testemunhal a este propósito destacada pelo A. que teria que ver com a data da construção dos pavilhões, e se foi ou não contemporânea (depoimentos de M. D. e M. P.), já que, sob pena de contradição, o mesmo não pode querer demonstrar uma realidade diversa da que ele próprio alegou e está assente, face ao desenvolvimento do decurso da audiência de julgamento. A título de nota diga-se que a prova testemunhal não se mostrava esclarecedora quanto às datas de construção no sentido pretendido agora pelo A..
O Tribunal considerou ainda não provado que “XXVI. A licença de ocupação junta a fls. 93 verso abarca todos os pavilhões arrendados ao R.”
É certo que se diz no contrato de arrendamento junto aos autos e aqui em causa que o “conjunto predial possui a licença 10/1968”, a que corresponderá o doc. 1 junto com a réplica –fls. 93.
Porém, da sua análise e em confronto com os factos que destacamos não se pode dizer que a licença, emitida em 1968, se reportasse já aos pavilhões objeto do contrato de arrendamento, sabido que a Quinta ... abarca mais prédios; ou seja, que no conjunto predial existente na Quinta ... em 1968 já estivessem incluídos os pavilhões a que se reporta o contrato de arrendamento; e todos os pavilhões, porque a restante matéria remete a sua construção para 1972 ou para data posterior no caso do pavilhão 5, embora este sempre há mais de 30 anos.
Analisado o doc. 1 junto com a réplica, a licença para habitação ou ocupação é concedida a M. P.…, e reporta-se a edifício cuja construção foi autorizada em 67, por isso, e atenta a outra matéria destacada, não pode reporta-se aos pavilhões construídos em 72. Igualmente, e salvo o devido respeito, não se refere especificamente a ocupação para aviários, pelo menos não consegue este Tribunal visualizar no documento essa referência –cfr. quando se diz para “ocupação dum…(?). A correspondência trocada entre as partes a propósito também não releva para este efeito, e o A., embora não admitindo a falta da licença, mostrou-se pouco sabedor do que estava em causa –tem licença, aquela que juntou (…); mostrou algum alheamento, que nos pareceu genuína.
Sendo invocada a nulidade de um contrato, cabe a quem se quer fazer prevalecer da mesma a prova do seu pressuposto, no caso a ausência de licença, invocada que foi a sua falta (artº. 342º, nº. 2, do C.C.).
Ora a menção no contrato de uma licença de 1968 e que se refere a construções autorizadas em 1967, face ao alegado pelo próprio A. quanto à data da construção dos pavilhões locados -1972- é o bastante para se concluir que a dita licença não os abrange. Além de que, exibida a mesma pelo A., não se retira a menção ao fim específico do locado (-repete-se que, salvo melhor opinião, e não obstante o alegado pelo A, não se visualiza no documento a menção a aviário ou avicultura).
Convém destacar aqui a seguinte situação, que este Tribunal não pode sindicar e que tem de se ter em consideração, não podendo uma “outra verdade material” (que não obstante não se apurou) colidir com regras processuais que se impõem neste caso (ao contrário do que mais à frente veremos) porque não são violadoras de qualquer norma de direito probatório material: o R., em audiência de julgamento, consignou que aceita especificadamente a confissão dos artigos 6º, 21º e 23º até à expressão réu da petição inicial. Ora, a matéria do artigo 6º é a que está reproduzida no ponto 5 da matéria de facto e diz respeito ao reporte da construção dos primeiros pavilhões para aviário a 1972, e o artigo 23 diz respeito à afirmação relativa à construção mais recente do pavilhão 5, também reproduzida na matéria de facto no ponto 19.
Este Tribunal não pode ignorar isto sob pena de flagrante contradição.
Assim, cabendo ao R. a prova da falta da licença (não decorrendo a prova do contrário da menção feita no contrato), deve alterar-se o ponto 38 dos factos provados, eliminando-se o XXVI não provado embora não impugnado por forma a evitar contradição na matéria de facto, assistindo razão ao R. –e não assistindo razão ao A. quanto à prova da licença relativamente ao pavilhão 5-, devendo passar a constar que os pavilhões mencionados no contrato (mais especificamente do que sugeria o R.) não têm licença de utilização.
Dito de modo mais simples, o que isto implica é que resulta provado que os pavilhões –todos, incluindo o 5- não estão abrangidos pela licença de ocupação de fls. 93.
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Relativamente à matéria impugnada pelo A., resta apreciar o ponto 64 dos factos provados, que nos diz que “Por força do incêndio, ardeu e ficou completamente inutilizado todo o equipamento do Réu que estava instalado no pavilhão nº 5, ardido”; pretende o A. que se altere a questão da propriedade do equipamento que era sim da “Y Aves Lda.”
A sua redação é a seguinte: “64) Por força do incêndio, ardeu e ficou completamente inutilizado todo o equipamento do Réu que estava instalado no pavilhão nº 5, ardido.”.
O Tribunal “a quo” justificou a prova deste facto com a confissão do A.: artigo 75 da contestação, e 64 dos factos provados. E efetivamente da “assentada” consta a confissão integral do artigo 75 da contestação.
Ora, salvo o devido respeito a “confissão” do A. diz respeito ao facto do equipamento ter ardido, não à questão da sua propriedade, matéria que já na réplica o A. impugnou (cfr. artigos 142, 143 e 156).
Para além de, ouvido o depoimento de parte do A., ter-se afigurado a este Tribunal que o mesmo não quis “confessar” ou admitir a propriedade do R. relativamente ao equipamento em causa –o “sim, é verdade”, referia-se ao facto de ter ardido, que é ponto essencial da frase e que por isso se destaca no interlocutor, sendo ainda certo que para o A. provavelmente dizer que o equipamento é do dono da empresa ou da empresa afigura-se como algo de irrelevante ou acessório (a “cara” da empresa é o R.), pelo que o seu “sim” não é concludente (-mesmo após a insistência final feita pelo Tribunal); para além disso, dizia-se, a questão de quem é dono do equipamento não é um facto pessoal nem relativamente ao qual, sem mais, o A. devesse ter conhecimento. Facto pessoal é o facto conhecido pela parte, trate-se de ato por ela própria praticado, ou praticado com a sua intervenção, de ato de terceiro perante ela praticado, ou de mero facto ocorrido na sua presença. Facto de que a parte deva ter conhecimento é aquele que é de presumir que ela tenha conhecido, segundo um juízo de probabilidade psicológica (cfr. considerações de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol 2º, pag. 290 da 3ª edição).
E a confissão feita em audiência como meio de prova através do depoimento de parte (e não a que resulta dos articulados) é aquela que, sendo desfavorável ao A. e favorável ao R. (artº. 352º, C.C.), reporta-se a factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento (artºs. 356º, nº. 2, C.C. e 454º, nº. 1, C.P.C.).. Portanto, porque se trata da violação das regras de direito probatório material que a Relação pode e deve sindicar (mesmo sem necessidade da iniciativa da parte), àquela “confissão” judicial escrita não pode ser atribuída força probatória plena (cfr. artºs. 607º, nº. 4, aplicável por força do artº. 663º, nº. 2, ambos do C.P.C.). Tratar-se-ia de uma “confissão” irrelevante porque decorrente de um meio de prova insuficiente. Veja-se a propósito dos poderes ínsitos no artº. 662º do C.P.C., António Santos Abrantes Geraldes, pags. 273 a 275 da obra citada.
Assim sendo, a declaração do A. poderia apenas ser apreciada como meio de prova livre. Contudo, dada a sua inespecificidade, dela nada se retira.
Repare-se que não está a qui a ser tratada a questão da legitimidade do R. para peticionar o valor do equipamento em sede reconvencional. A justificação dada a propósito pelo Tribunal “a quo” será abordada na apreciação do mérito do recurso.
Em causa nos autos estão dois “conjuntos” de equipamentos relativos a situações diferentes e que também convém não confundir: os que o R. “negociou” com o A. em agosto de 2017 e mencionados no doc. 26: quanto a estes o que o A. diz é que agora não sabe se lhe pertenciam. E os que arderam no pavilhão 5 e que serão os referidos no doc. 28.
Quanto ao doc. 28 poderia perguntar-se: como é que uma proposta de 7/11/2016 –apresentada à “Y…”- diz respeito ao material que ardeu em junho de 2016? Conforme explicou a testemunha L. J., esposa do R., trata-se de um orçamento para se quisessem reativar o pavilhão.
Era a sociedade que explorava o negócio e não o R. em nome próprio (o próprio o disse e resulta dos autos).
Esta conclusão não é contrariada pelo facto de outros equipamentos –os do doc. 26- terem sido negociados pelo R. em nome próprio o que o A. não impugnou aqui em sede de facto (-apenas o fez em sede de direito –questão da ilegitimidade); se o podia fazer é outra questão que envolve as relações entre o R. e a sociedade, mas que não cabe aqui discutir designadamente face ao que consta do ponto 78, não impugnado (cfr. docs. 1 e 2 juntos com a referência 2540249, que alegadamente se reportam a esse equipamento).

Das declarações prestadas pelo R. resultou a confusão entre o que é da empresa cujas quotas adquiriu, entre o seu investimento na empresa e o património desta, fazendo o mesmo referência à compra por si de equipamento da empresa.
O ónus da prova de que os equipamentos lhe pertenciam é do R. como elemento constitutivo da sua reconvenção como se verá em sede de mérito, pelo que em termos factuais e restando a dúvida quanto à propriedade, elimina-se do ponto 64 a referência ao R., não tendo que estar apurado que pertencia antes à “Y…”. É este o segmento que o A. questiona, não o elenco ou valor do equipamento.
Cremos por isso que assiste parcial razão ao A. e o ponto 64 deve passar a dizer que “Por força do incêndio, ardeu e ficou completamente inutilizado todo o equipamento que estava instalado no pavilhão nº 5, ardido”.
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Analisada a matéria de facto posta em causa, cumpre agora elencá-la de novo já com o resultado dessa apreciação.
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IV MATÉRIA DE FACTO.

Factos Provados:

1) O Autor é o cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de sua mãe, B. C., falecida no dia -.05.2002.
2) A mencionada herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de B. C. é dona e legítima proprietária de todos os prédios Rústicos e Urbanos que compõe o conjunto denominado “...”, situado no Lugar do mesmo nome, na freguesia de ..., concelho de Caminha.
3) Designadamente fazem parte integrante da denominada “Quinta ...”, situada no Lugar do ... ou ..., da indicada freguesia de ..., os seguintes prédios, propriedade daquela mencionada herança, cujo terreno, onde foram edificados se encontra registado na Conservatória do Registo Predial ..., a favor da mencionada B. C., sob o número .../...:
a) Prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, com a SC de 670m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ....º urbano;
b) Prédio Urbano composto de Pavilhão, destinado a aviário, de R/C e primeiro andar, com a SC de 850m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ....º urbano;
c) Prédio Urbano composto de Pavilhão, destinado a aviário, de R/C e primeiro andar, com a SC de 950m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ....º urbano;
d) Prédio Urbano composto de Pavilhão, destinado a aviário, de R/C e primeiro andar, com a SC de 336m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ....º urbano;
e) Prédio Urbano composto de Pavilhão, destinado a aviário, de R/C, com a SC de 990m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ....º urbano;
f) Prédio rústico, composto de terreno de cultura, vinha em ramada, pinhal, mato, eucaliptal, pastagem e pomar, com a área de 83.620m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ... rústico.
4) Os mesmos haviam, por sua vez, sido adquiridos pelo casal formado pelos pais do A. por divisão de coisa comum com C. A. e outros, registada no ano de 1976.
5) A mencionada B. C. esteve na posse dos indicados prédios desde pelo menos 1972, data da construção dos primeiros pavilhões de aviário.
6) Posse que sempre foi exercida, por si e antepossuidores, de forma pública, pacífica, de boa fé, à vista de toda a gente e sem a oposição de quem quer que fosse, com o animus de quem era a sua verdadeira dona e legitima proprietária, como efectivamente era e na convicção de estar a exercer sobre os mesmos um direito próprio, correspondente ao direito de propriedade.
7) Posse que assim foi exercida durante trinta e mais anos, de forma ininterrupta e continuada pela B. C., por si e antepossuidores e que o continuou e continua a ser, nos mesmos termos, através dos seus herdeiros, sem oposição de quem quer que seja e designadamente do Réu.
8) Para além do Autor, que é o cabeça de casal daquela indicada herança, são também herdeiros da mencionada B. C. respectivamente, J. P. e M. P., ambos divorciados e residentes respectivamente na Rua ... em Vila Praia de Ancora e Rua ..., na ..., em Viana do Castelo, seus irmãos.
9) Entre o Autor e os seus dois identificados irmãos foi celebrado, a 1 de Janeiro de 2010, um contrato de comodato através do qual estes cederam gratuitamente àquele o direito de explorar directamente ou através de terceiros os prédios ali melhor identificados e que correspondem aos mencionados no artigo 3.º da p.i.
10) Contrato que o A. e os seus irmãos celebraram e a que fixaram uma duração inicial de 10 anos, terminando em 31 de Dezembro de 2019.
11) O Autor celebrou com o Réu, S. J., um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, por prazo certo.
12) De acordo com o mencionado contrato, o A. deu de arrendamento ao R. e este tomou a totalidade dos prédios inscritos na matriz sob os artigos ..., ... e ... e o primeiro andar do prédio ..., todos urbanos, que fazem parte integrante da denominada Quinta ... e que haviam sido objecto do comodato entre ele e os seus irmãos.
13) O mencionado contrato, cujo objecto são os pavilhões destinados a exploração aviária, identificados no artigo anterior, foi celebrado pelo prazo certo de três anos, tendo tido o seu início no dia 1 de Janeiro de 2016 e termo previsto para 31 de Dezembro de 2018.
14) O R. veio denunciar o contrato para o dia 31 de Agosto de 2017, através de carta registada com aviso de recepção, recebida pelo Autor no dia 3 de Maio de 2017.
15) O locado destina-se, especificamente, à criação de aves de capoeira.
16) Acresce que, por força do mencionado contrato, o ora R. assumiu todos os riscos inerentes ao uso dos imóveis arrendados, incluindo os decorrentes de danos e sinistros que neles ou nos equipamentos de que viesse a dotar o locado tivessem comprovadamente origem, responsabilidade que deveria transmitir para companhia de seguros à sua escolha e encargo.
17) No dia 28 de Junho de 2016, cerca das 13 horas, ocorreu um incêndio no edifício denominado pavilhão 5, que corresponde ao prédio inscrito na matriz predial urbana de ... sob o artigo ... urbano e que integra os prédios objecto do contrato de arrendamento celebrado entre o A. e o R.
18) O mencionado pavilhão foi tomado pelo fogo.
19) Este pavilhão n.º 5 era o mais recente dos que compõem o complexo de aviários existentes na Quinta ... e que se encontrava arrendado ao R.
20) Concretamente, arderam as paredes, os tectos, as instalações de água e electricidade, os comedouros, a estrutura de suporte do telhado, as janelas e as portas.
21) Deste edifício, apenas as paredes exteriores e parte da cobertura ficou ao alto, ainda que deterioradas pelo fogo, que destruiu todo o interior, deixando o edifício insusceptível de ser utilizado para qualquer fim.
22) O R. não possuía seguro para as instalações.
23) O Autor, por carta registada com aviso de recepção, que o R. recebeu em 01.08.2016, instou-o formalmente a proceder à reparação do pavilhão ardido até final do ano de 2016, prazo que considerou suficiente e adequado para que este o reparasse e colocasse no estado em que se encontrava antes do sinistro.
24) Recebeu o Autor resposta do R., datada de 18.08.2016, na qual este mencionou que “o que se dispunha a reparar no pavilhão sinistrado fazia parte de uma proposta global”.
25) As obras necessárias à reposição do pavilhão ardido de modo que possa ser usado para a criação avícola são as indicadas a fls. 163 verso dos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas cujo custo é de 31.500,00€ a que acresce IVA.”
26) Na mesma data em que celebraram o contrato de arrendamento, A. e R. celebraram também entre eles um “Acordo de Utilização Precária de Instalações Acessórias e de Promessa de Revogação do Contrato de Arrendamento em caso de Venda do Arrendado”.
27) A. e R. ajustaram que, a fim de facilitar o exercício da actividade deste último, ali o Segundo Outorgante, e este concentrar num só local toda a gestão da sua actividade, o A., ali o Primeiro Outorgante, aceitava ceder-lhe a título precário e mediante uma compensação anual pela respectiva utilização de 6.000,00€ (seis mil euros), a pagar no início de cada ano, parte do armazém existente ao nível do rés-do-chão do prédio ....º (com excepção das cortes de gado, alpendre e casa de habitação), metade do primeiro andar e o escritório situado no rés-do-chão do prédio ...º, bem como o uso da água da mina que serve a Quinta ..., para uso na criação dos animais e limpeza dos pavilhões arrendados.
28) Ficou consignado que tal compensação não constituía qualquer renda, apesar de terem ajustado que no primeiro ano de vigência do contrato esse pagamento seria feito em prestações mensais de 500,00€ cada, a entregar com a renda dos pavilhões.
29) O R. comprometeu-se igualmente a manter estes espaços cedidos por força deste acordo em bom estado de conservação e a pugnar pela sua conservação e manutenção, ficando responsável por quaisquer obras que nos mesmos viesse a efectuar para os dotar das condições de utilização adequadas e a fazer as de conservação e reparação, nos mesmos termos em que fixaram as mencionadas no contrato de arrendamento entre eles celebrado.
30) Mais fixaram ainda entre si cláusulas de compensação em caso de venda do local arrendado, melhor explanadas na respectiva cláusula terceira.
31) O R. sempre utilizou, desde o início do contrato e até à propositura da acção as instalações e a água cedidas pelo Autor.
32) O A. fez obras à sua custa no prédio 371º ao nível da cobertura.
33) Dos 6.000,00€ devidos no primeiro ano de vigência deste acordo, o R. apenas entregou ao A. o montante de 1.000,00€, em duas prestações de 500,00€ cada, respectivamente em 19.07.2016 e 1.9.2016, correspondentes às que deveria ter entregue nos meses de Janeiro e Fevereiro, mas não lhe foi entregue pelo A. qualquer recibo.
34) O A. enviou ao R., uma carta registada com AR, por este recebida em 13.08.2016.
35) Nessa missiva transmitiu-lhe que este deveria até ao início do ciclo seguinte de criação de aves desocupar todas as instalações acessórias que vinha utilizando ao abrigo do acordo, deixando-as livres de pessoas e bens.
36) Bem como deveria igualmente requerer a ligação do ramal de abastecimento de água pública à Camara Municipal ..., pois, ele, A., não iria consentir que continuasse a utilizar nem as instalações acessórias, nem a água da mina nas próximas criações.
37) Até à data da propositura da acção, o R. continuou a utilizar em proveito próprio quer as instalações cedidas a título precário, quer a água da mina, no exercício da sua actividade de produção avícola.
38) Os pavilhões mencionados em 13 não têm licença de utilização.
39) A anterior (a Dezembro de 2015) utilizadora dos prédios identificados na petição tinha nestes instalado diverso equipamento que, finda a utilização que deu aos prédios, tencionava levar consigo, retirando-o dos pavilhões em que estavam instalados.
40) Era o seguinte o equipamento:
i) Sistema de Alimentação: onze (11) linhas de comedouros;
ii) Sistema de Ventilação Estática: oito (8) motores de janelas;
iii) Sistema de Abeberamento: quinhentos (500) bebedouros;
iv) Sistema de Armazenamento de Alimentação: cinco (5) silos de ração;
v) Sistema de Transporte de Alimentação: quatro (4) motores de silo;
vi) Sistema de Automatismo: quatro (4) quadros de comando;
vii) Sistema de Ventilação Dinâmico: vinte dois (22) ventiladores; e
viii) Sistema de Armazenamento Secundário de Alimentação: onze (11) tulhas de ração.
41) O Autor negociou a compra do descrito equipamento com a anterior utilizadora dos pavilhões, mas não houve entendimento entre ambos acerca do preço.
42) Em meados de Novembro de 2015, a anterior utilizadora começou a desmantelar os equipamentos.
43) O Autor não mostrou os pavilhões ao Réu, uma vez que a anterior utilizadora ainda estava na posse deles.
44) No início do ano de 2016, foi necessário realizar algumas verificações e reparações eléctricas nos pavilhões.
45) A X seguros não deu cotação para o seguro multirriscos peticionado pelo R. em virtude do estado de conservação do imóvel e ao elevado risco de incêndio envolvido.
46) Quando terminou o contrato de arrendamento, o Réu solicitou à Distribuidora De Eletricidade que cessasse o fornecimento de energia eléctrica ao locado.
47) Após a cessação do contrato de fornecimento de energia, o A. fez uma tentativa de reactivação.
48) Para conseguir reactivar o contrato, o A. teve de fazer obras e gastou 16.000 € ou 17.000 €.
49) Em 3.11.2017, a Distribuidora De Eletricidade confirmava ao Réu que a instalação eléctrica não estava “preparada” para uma ligação da energia.
50) O A. não tinha, nem à data do início do arrendamento, nem nunca, qualquer entidade ou profissional responsável pela instalação eléctrica do locado.
51) A energia eléctrica é elemento decisivo na indústria da avicultura, visto que todos os equipamentos nesta utilizados são alimentados por corrente eléctrica.
52) O Autor, directamente ou pelos respectivos antecessores, sempre teve os pavilhões dos autos dados de arrendamento, ao menos de há 30 anos a esta parte, ininterruptamente.
53) O Autor sabia ser essencial para o Réu a existência, no locado, de uma instalação eléctrica em boas condições de funcionamento.
54) A actividade exercida pelo Réu nos pavilhões arrendados carece de água, quer para a criação dos animais, quer para a limpeza do locado, o que é do conhecimento do Autor.
55) A água não é apenas uma facilidade, mas uma absoluta necessidade para a actividade exercida pelo Réu no locado.
56) O locado não tinha outra água, para além da água da mina mencionada na aludida cláusula.
57) No âmbito de algumas negociações levadas a cabo pelas partes - motivadoras dos pedidos de suspensão da instância e por contrato de 12.08.2017, o Autor adquiriu ao Réu, por compra, o equipamento mencionado em 22 da contestação, pelo montante de 12.500,00 €.
58) Entre as condições em que Autor e Réu ajustaram a referida aquisição conta-se a do pagamento do preço, o qual seria efectuado “em condições a acordar em documento que as partes se comprometem a subscrever no próximo mês de Setembro de 2017” – o que não chegou a acontecer.
59) O Autor já está na posse do mencionado equipamento, que recebeu, o qual permanece nos pavilhões locados e está pronto a ser usado, seja pelo A., seja por quem, eventualmente, tome os pavilhões para utilização.
60) A instalação eléctrica do locado só tinha um contador.
61) O Autor residiu, durante todo o período do arrendamento, numa habitação situada na Quinta ..., a mesma onde se situa o arrendado.
62) O Autor consumiu energia eléctrica, durante todo o referido período, em montante não concretamente apurado, montante sempre pago pelo Réu - e que o Autor nunca restituiu àquele.
63) Apesar do incêndio que deflagrou no pavilhão nº 5, em Junho de 2016, o Réu continuou a pagar, integralmente, a renda do locado.
64) Por força do incêndio, ardeu e ficou completamente inutilizado todo o equipamento que estava instalado no pavilhão nº 5, ardido.
65) O referido equipamento (sistemas de alimentação, de beberagem, de aquecimento e de arrefecimento) tem um valor de, aproximadamente, 26.584,80 €, sem iva.
66) Ainda por força do incêndio, o Réu não mais pôde utilizar o pavilhão nº. 5, o que ocorreu entre Julho de 2016 e Julho de 2017, ambos inclusive, isto é, por 13 meses.
67) No mencionado período de tempo teria havido, como sempre houve, 6 criações de aves, com cerca de 85.000 frangos em cada uma das referidas criações.
68) Após o incêndio no pavilhão nº 5, as 6 criações de aves passaram a respeitar a, apenas, cerca de 65.000 frangos.
69) O rendimento médio, por criação de aves, antes do incêndio no pavilhão nº 5 era de 25.951,47 €.
70) O rendimento médio, por criação de aves, depois do incêndio no pavilhão nº 5 era de 17.270,12 €.
71) Os custos que o Réu deixou de suportar com a actividade no pavilhão nº 5, durante os 13 meses referidos em 66), com serrim, gás e electricidade, teriam ascendido a cerca de 6.482,58 €.
72) O R. teve uma perda de rendimento, por força do incêndio no pavilhão nº 5, de 45.605,52 € [25.951,47 € - 17.270,12 € x 6 -6.482,58].
73) Foi o R. que procurou o A. para tratar do arrendamento dos pavilhões.
74) Pavilhões que a esposa do R. já conhecia em virtude da sua actividade profissional.
75) Quem explorava no arrendado os aviários era a sociedade Y Aves, Lda, na qual o R. detinha a maioria de capital e tal como estava autorizado no contrato de arrendamento.
76) Dita sociedade dissolveu, liquidou, extinguiu e cancelou a matrícula, não tendo havido liquidatários.
77) O R. foi nomeado representante da referida sociedade para efeitos tributários e ficou depositário dos elementos de escrituração da mesma.
78) O R. adquiriu à Y o equipamento discriminado no doc. 26 junto com a contestação.
*
Factos não provados:

I.Os prédios identificados em 3) da p.i. advieram à propriedade de B. C. por partilha subsequente ao seu divórcio de M. P., que correu termos no Tribunal Judicial de Caminha sob o n.º .../88.
II.O fogo deflagrou quando o R. e os seus funcionários procediam a trabalhos de limpeza e desinfecção do pavilhão, depois de retirarem a criação de aves.
III.O pavilhão nº 5 ardeu completamente e ameaça ruir.
IV.Na proposta global que lhe apresentou, o R. propunha, relativamente ao pavilhão ardido, limitar-se a reparar (que não a substituir) o telhado, alegando que não pretendia voltar a utilizar este pavilhão.
V. O R. executou ou mandou executar trabalhos de limpeza e desinfecção no pavilhão nº 5 sem as cautelas devidas.
VI.A falta dessas cautelas esteve na origem do incêndio que destruiu o imóvel.
VII.O incêndio não teve origem em qualquer deficiência do imóvel ou dos seus equipamentos, nem se deveu a qualquer causa natural.
VIII. Os trabalhos que se consideraram os necessários à reposição do pavilhão nas condições adequadas à sua utilização para o fim a que se destina e destinava antes do incêndio, ascendem a 39.032,82€.
IX. Da compensação devida pela utilização das instalações a título precário e da água da mina, referente ao ano de 2017 e vencida a 1.1.2017, o R. nada pagou até à presente data, estando em dívida a totalidade da prestação compensatória, no montante de 6.000,00.
X.Sabendo do interesse do Réu na exploração do negócio de aviário, o Autor informou-o de que deveria apressar-se na celebração do arrendamento para, depois, tentar adquirir o equipamento da antecessora.
XI.Na tentativa de evitar o desmantelamento do equipamento, o Réu acabou por celebrar o arrendamento.
XII.Quando se apresentou perante o Autor para celebrar o arrendamento, este já tinha redigidos os dois papéis que juntou aos autos como docs. 10 e 16.
XIII.Quanto ao comodato - doc. 9 com a petição -, embora referido en passant, no contrato de arrendamento, nem o Réu sabia o que era, nem lhe foi mostrado.
XIV.O Réu não teve qualquer intervenção na redacção do clausulado de qualquer daqueles dois documentos, não pôde aferir das condições dos elementos estruturais dos pavilhões, designadamente do sistema eléctrico e confiou que, como redigiu o Autor, os imóveis objecto do contrato, estivessem “em razoável estado de conservação e de limpeza”.
XV. Mas não estavam.
XVI.Depois de poder aceder ao locado, no início do contrato, verificou o Réu que a instalação eléctrica tinha cabos pendurados, obsoletos, isolados com fita adesiva e, patentemente, sem qualquer manutenção.
XVII.Durante a vigência do contrato, e face às sucessivas avarias e falhas de energia, soube o Réu pela voz de um electricista, que o estado do PT - e da restante instalação eléctrica - punha em risco a própria vida do Réu e respectivos trabalhadores.
XVIII.O A. não actuou com boa fé negocial, visto que sabia que a instalação eléctrica não estava em boas condições de funcionamento.
XIX.O Autor sabia que, face ao estado da instalação eléctrica, no início do contrato de arrendamento, era muito elevado o risco de incêndio.
XX.Ao transferir para o Réu, no contrato, a assunção de “todos os riscos inerentes à utilização dos imóveis (...), incluindo os decorrentes de danos e sinistros” - cláusula sétima - o Autor não actuou com boa fé negocial.
XXI.Ao clausular que o fornecimento da “água da mina que serve a quinta” era para “facilitar” o exercício da actividade do Réu e, ainda por cima, ao cobrar por essa facilidade, o Autor não actuou com boa fé negocial.
XXII.O Réu confiou na pessoa do Autor, aceitando sem esforço que o arrendado teria as condições que o contrato deixava perceber.
XXIII.O Réu estava em erro relativamente ao estado do arrendado, o que era do conhecimento do Autor.
XXIV.O incêndio ocorrido no pavilhão 5 foi devido a um curto circuito decorrente das deficientes condições da instalação eléctrica do locado.
XXV.O Autor consumiu energia eléctrica, em montante que não foi inferior a 180,00 € mensais.
XXVI. (Eliminado)
***
V O MÉRITO DO RECURSO.

NULIDADE DE SENTENÇA.

Invoca o R. a nulidade da sentença proferida por ter deixado de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar –artº. 615º, nº. 1, d), do C.P.C. –no caso o seu pedido feito em alegações orais de condenação do A. como litigante de má fé.

Ouvidas as alegações, confirma-se tal pedido, aliás reiterado em sede de alegações de recurso. Em sede de alegações orais o R. fundamentou o seu pedido em quatro ordens de considerações:

-na prova da falta de licença de utilização, que o A. diz que tem, e que, além da má fé processual, o faz incorrer em má fé negocial face ao artº. 227º, nº. 1, do C.C.;
-no recurso ao contrato de comodato como um estratagema para “ter o R. na mão” no que concerne ao contrato de arrendamento;
-na celebração de um acordo de utilização precária que inclui a água que se provou ser essencial para a exploração em causa;
-na admitida (pelo A.) falta de passagem de recibos relativamente a pagamentos relativos a este acordo.

Em sede de alegações orais o R. não pediu a condenação em multa e indemnização, todavia fê–lo em sede de alegações de recurso.
No corpo das alegações diz : “Assim sendo - como é -, deve o autor ser condenado em multa e indemnização, a favor do réu, a liquidar ulteriormente, designadamente por, quanto a honorários, não haver ainda elementos suficientes para fixação - arts. 542º.-1 e 2 a) e b) e 543º.-3 CPC. Deve notar-se - não é demais vincá-lo - que a mentira do autor a respeito da (in)existência da licença de utilização (que atestaria sobre o estado do locado, relativamente a todos os itens do transcrito art. 17º.-1 RGEU) impediu o réu de contratar um seguro multirriscos (cfr. facto provado 45) que, a existir, com toda a probabilidade - dependeria, é claro, do teor das condições da apólice contratada... -, responderia pelos danos sofridos pelo réu e, até, pelo autor.”
O R. aqui limitou, e a nosso ver bem, o fundamento do seu pedido àquela primeira consideração.
Deixando já justificada esta afirmação, no nº. 2 do artº. 542º (veja-se também o nº. 1) concretizam-se as situações de má-fé material (dedução de pedido ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, e a alteração da verdade dos factos ou a omissão de factos relevantes para a decisão da causa) e de má-fé instrumental (omissão grave do dever de cooperação, uso manifestamente reprovável do processo, ou dos meios processuais, para conseguir um fim ilegal, para entorpecer a ação da justiça, ou para impedir a descoberta da verdade, ou para protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão). Prevêem-se nesta disposição as situações de dolo e de negligência grave.
Dessa definição decorre que a má fé é um instituto que se aplica ao processo, nada tendo que ver com a má fé negocial; e a má fé processual, relativa à conduta processual, apenas se reporta à “mentira” que alegadamente carreou para os autos, não à conduta que teve no negócio e que teriam que ver com os outros três itens alegados.

O Tribunal “a quo” em apreciação da nulidade ao abrigo do artº. 615º, nº. 4, C.P.C., entendeu que não tinha de se pronunciar por essa questão não fazer parte da lide; só teria de o fazer caso entendesse que o A. era litigante de má fé; e por isso entendeu que não se verifica qualquer nulidade.
Ainda que não seja requerido, e, portanto, mesmo oficiosamente e se para tanto houver fundamento, pode o tribunal condenar a parte que litigar de má-fé (-nesse sentido, Jacinto Rodrigues Basto, «Notas ao Código de Processo Civil», Vol. II, 2ª edição, pag. 358).
Aqui contudo o R. pediu.
Em primeiro lugar, cabe saber se tinha ou não de se pronunciar, o que passa por saber se o R. podia fazer tal pedido em sede de alegações orais.
E efetivamente podia, como vem sendo entendido na doutrina e jurisprudência (cfr. acórdão referido pelo R.), citando-se a nível da doutrina José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, pag. 458 da 3ª edição: “O pedido de indemnização por litigância de má fé não carece de ser deduzido nos prazos em que é admissível a dedução dos pedidos que constituem o objeto da ação, nomeadamente até ao encerramento da discussão em 1ª instância (art. 265 – 2) ou em reconvenção (art. 583 – 1). Basta ver que a atuação por má fé pode ser posterior ao momento da apresentação dos articulados em que tais pedidos são admissíveis e mesmo posterior ao encerramento da discussão em 1ª instância (art. 588 – 1). Ele há-de ser deduzido antes da decisão final, em 1ª instância ou em recurso. (…)”.
Portanto, quer o meio, quer a fase processual (alegações orais) eram idóneos à formulação do pedido de condenação como litigante de má fé, como ainda se mostra idóneo e tempestivo o seu “aperfeiçoamento” ou completude em sede de alegações de recurso.
Por outro lado, sendo feito um pedido em juízo formalmente correto, o Tribunal tinha de o apreciar, fosse para o julgar procedente ou improcedente. A situação em que o Tribunal só se pronuncia se entender que há litigância de má fé é quando a suscita oficiosamente.
Ora, sendo suscitado oficiosamente o Tribunal como é evidente, só se vai pronunciar se julgar adequada a condenação; não vai em todos os casos (em que as partes não o tenham suscitado) dizer que não há litigância de má fé.
Não tendo havido qualquer apreciação do Tribunal, e sendo este uma espécie de “questão incidental” que se impunha tratar na sentença, a sua falta configura uma nulidade de sentença por omissão de pronuncia de uma questão suscitada –face ao entendimento que já deixamos expresso quanto à matéria das nulidades de sentença-, o que se declara ao abrigo do artº. 615º, nº. 1, d), C.P.C..
Ao abrigo do artº. 665º, nº. 1, do C.P.C., importa suprir a nulidade, mediante o conhecimento da questão, uma vez que dispõe dos elementos necessários para tal e de acordo com a regra da substituição do Tribunal recorrido. Reexaminada a decisão de facto, e elencada a respetiva matéria, remetemos para a parte final do acórdão a apreciação da litigância de má fé por uma questão de ordem que se nos afigura mais lógica.
Não se nos afigura necessário cumprir o contraditório imposto pelo artº. 665º, nº. 3, C.P.C., uma vez que ambas as partes já se pronunciaram nas suas alegações (R.) e contra-alegações (A.) sobre o mérito do pedido de litigância de má fé –por isso o contraditório já se mostra satisfeito. O respeito pelo contraditório nesta matéria vem sendo afirmado pelo Tribunal Constitucional, citando-se o Acórdão n.°357/98 do Tribunal Constitucional, de 12.5.1998 – in, “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 40.°-275 – o qual interpretou o artº. 456.°, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil em termos do recorrente só poder ser condenado como litigante de má fé, depois de, previamente, ser ouvido, a fim de se poder defender da acusação de má fé (sumário: “De acordo com anterior jurisprudência deste Tribunal, “o regime instituído nas normas do art. 456.°, nºs, 1 e 2, do Código de Processo Civil, quando interpretadas no sentido de a condenação em multa por litigância de má fé não pressupor a prévia audição do interessado em termos de este poder alegar o que tiver por conveniente sobre uma anunciada e previsível condenação, padecerá de inconstitucionalidade…[…] não resulta imperativo que tais preceitos hajam necessariamente de ser julgados inconstitucionais”, já que se mostra “possível e adequada uma interpretação de conformidade constitucional daquelas normas, em termos de condicionar o juízo de condenação ali previsto à prévia notificação do litigante suspeitado de má fé processual, concedendo-lhe um prazo para nos autos responder o que tiver por conveniente”. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 197, em nota ao art. 456º do Código de Processo Civil, também defendem que “A condenação como litigante de má fé deve ser precedida de discussão contraditória, em obediência ao disposto no art. 3-3, que proíbe as decisões-surpresa. Por isso, quando não tenha sido objecto de discussão entre as partes, designadamente em alegação que preceda a decisão, deve o tribunal, antes de a proferir, proporcionar o contraditório, ouvindo, nomeadamente a parte contra a qual tem a intenção de proferir a condenação como litigante de má fé. Assim decidiu o Tribunal Constitucional, com base ainda nas disposições anteriores à revisão de 1995-1996 do Código (Acs. nº440/94, de 7.6.94, II Série do DR de 1.9.94, n.° 103/95, II Série do DR de 17.6.95, e n.°357/98, de 12.5.98, de 12.5.98, II Série do DR de 16.7.98)”. Veja-se ainda o Acórdão nº498/2011, de 26.10.2011, in DR. 2ª Série, nº231, de 2.12.2011, e o Acórdão do STJ de 11/9/2012.
*
Relativamente às questões atinentes à aplicação do direito levantadas pelas partes em sede de recurso, a sua análise passará pela qualificação e apreciação dos acordos celebrados entre as partes, tal como consta dos pontos 12 a 16, 26 a 30 e 57 a 60 e 78.
Entendeu o Tribunal recorrido que o primeiro contrato é um contrato de arrendamento, tal como denominado pelas partes.
Assim será, tratando-se de um arrendamento de prédio urbano para fim não habitacional, dado que a atividade principal a que se destinou foi para a avicultura –artºs. 1022º, 1023º, e 1067º, nº. 1, C.C..
A primeira questão tem que ver com a falta de licença de utilização/ocupação, e se tal fere o contrato de nulidade.
Dispõe o artº. 1070º do C.C., no nº. 1, que o arrendamento urbano só pode recair sobre locais cuja aptidão para o fim do contrato seja atestado pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização, quando exigível. E o seu nº. 2 remete para regulamentação própria tal requisito, bem como os elementos a mencionar no contrato de arrendamento.
Essa regulamentação resulta do previsto no Decreto-Lei nº. 160/2006 de 8/8. Estando aqui em causa edifícios de construção posterior a 1951, tem plena aplicação (artº. 5º, nº. 2, “a contrario”). De acordo com o artº. 2º, d) desse diploma, do contrato de arrendamento urbano celebrado por escrito deve constar a existência, número e entidade emitente da licença de utilização.

No caso dos autos consta o número da licença de utilização. Tendo em conta que se poderia aceder aos restantes elementos pela consulta da licença que vem identificada, sendo por isso de somenos importância, e face ao disposto no artº. 4 do mesmo diploma, pensamos que não haveria que falar em invalidade ou ineficácia, caso a licença abarcasse o locado. Pensamos que o artº. 4º quando se refere á falta dos elementos previsto no artº. 2º e 3º não se refere à falta da licença, no que ao caso interessa, mas à falta de menção à mesma, referindo-se a questões de forma e não de fundo.
Todavia, face ao que se apurou, estamos perante um arrendamento em que o locado não tem licença.
Cremos que a falta de licença, situação a que o diploma não se refere expressamente, deve efetivamente equivaler à situação prevista no nº. 8 do artº. 5º –arrendamento para fim diverso do licenciado-, conduzindo à nulidade do contrato, dada a similitude de razão de ser da existência de uma licença e da existência de uma licença para o fim a que se destina o locado (-garantia das condições de adequabilidade, salubridade, segurança…).
O Tribunal “a quo” segue na sua exposição um caminho algo diverso e que foi preconizado no Ac. da Rel. de Lisboa de 13/01/2015 (wwwdgsi.pt) e que interpreta as normas tenho por referência a anterior redação do artº. 8º, nº. 4, e 9º do antigo RAU (DL nº. 321-B/90 de 15/10) (-no sentido de que a falta de menção do que se dizia na primeira parte do nº. 4 do artº. 8º significa que atualmente o regime da invalidade ou ineficácia reporta-se à falta de licença).
Seguimos mais de perto a orientação que consta no Ac. da Rel. de Coimbra de 12/7/2017 (dgsi.pt), parecendo-nos antes que a redação não foi a mais feliz e específica.
Mais se dirá que o regime da exploração em causa exige da parte do senhorio uma licença genérica de utilização do espaço (ainda que se tratasse de uma ampliação de algo que já existia), mas também (e não constando que ficou por acordo a cargo do arrendatário) exige uma específica licença sanitária (decorrente ora preceituado na Portaria nº. 6065 de 30/3/1929, redação do DL nº. 18/70 de 24/01, ora do preceituado no DL nº. 370/99 de 10/9, em conjugação com o REGEU -fosse pelo DL nº. 38.382 de 7/8/1951, fosse atualmente pelo DL nº. 555/99 de 16/12 com a redação do DL nº. 177/2001 de 4/6; vide ainda o DL nº. 69/96 de 31/5 e a Portaria nº. 206/96 de 7/6). Abordaram esta matéria os Acs. da Rel. de Guimarães de 15/3/2018, de Lisboa de 25/1/2018 e de Évora 28/6/2018 (publicados na dgsi).
Uma vez que face á alteração da matéria de facto a falta de licença abarca todos os pavilhões, fica prejudicada a análise da figura da redução (artº. 292º do C.C.) –cfr. artº. 608º, nº. 2, “ex vi” artº. 663º, nº. 2, ambos do C.P.C..
Refere-se no Ac. da Rel. de Coimbra 12/7/2017 (dgsi.pt, introduzindo-se as notas de rodapé no local indicado) “Correspondendo a tal falta de licença de utilização (falta que no momento actual ainda se mantém), a invalidade/nulidade do negócio celebrado (arrendamento comercial), quer por força do art. 294.º do C. Civil, quer por argumento de maioria de razão extraível do art. 5.º/8 do DL 160/2006, de 8 de Agosto, em que se diz que “o arrendamento para fim diverso do licenciado é nulo (…) ”[1. Já antes o art. 9.º/7 do RAU estabelecia idêntica nulidade, porém, apenas para o caso do arrendamento não habitacional de local licenciado apenas para habitação; alargando-se agora a nulidade à hipótese inversa (arrendamento habitacional de local licenciado para fim diverso).
É certo que o art. 5.º do DL 160/2006, de 8 de Agosto, se encontra redigido de modo algo confuso [2 Reproduz a confusão que já constava do art. 9.º/6 do RAU.), designadamente ao prever, no seu n.º 7 (que reproduz parte do art. 9.º/6 do RAU), que “na situação prevista no n.º 5, o arrendatário pode resolver o contrato, com direito a indemnização nos termos gerais”, o que faz pensar – para o arrendatário (ainda) poder resolver o contrato – que o contrato não será nulo.
Mas não parece, a nosso ver, que tal inferência possa estar certa [3 O legislador, com todo o respeito, ter-se-á equivocado e terá esquecido que na nulidade (sendo originária) o negócio não chega a alcançar eficácia jurídica; que tal significa que o negócio não chega verdadeiramente a vigorar, que é ineficaz desde o momento em que foi celebrado (ex tunc).).
Efectivamente, estando em jogo interesses de ordem pública – a exigência da licença de utilização baseia-se na necessidade de obrigar ao cumprimento de todas as normas legais, relativas à construção à segurança, salubridade ou estética – e não meros interesses interprivados, está-se perante um vício que a ordem jurídica não tolera e a que faz/fez corresponder, como sanção, a nulidade.
E uma nulidade típica, isto é, que permite a sua arguição por qualquer interessado, sem limite de tempo e que determina o seu conhecimento oficioso pelo tribunal.
Efectivamente, não estamos perante uma situação em que a lei se limita a proteger uma das partes, tida como tipicamente mais fraca e mais carecida de protecção, em detrimento da outra, ou seja, não estamos perante uma invalidade atípica (como é o caso do art. 410.º/3 do C. Civil), em que apenas o inquilino poderá arguir a nulidade, estando ao tribunal vedado o seu conhecimento oficioso[4 Quando muito, admitimo-lo, se alguma “atipicidade” pode haver é apenas na questão da sanação; inadmissível na nulidade típica, mas que será (em termos de ratio legis) aceitável no caso, isto é, se, entretanto, o locado passasse a ter licença de utilização, não se vislumbraria razão para o vício não ser considerado sanado (mas não é este o caso dos autos, continuando o locado, no momento actual, sem licença de utilização).
Como referido no Acórdão do STJ, de 22/09/2016, Processo n.º 681/14.8TVLSB.L1.S1, disponível no respectivo sítio do itij, “a nulidade do contrato está especificamente prevista para os casos em que exista uma divergência entre a finalidade do contrato e aquela que se encontre definida pelo licenciamento, ainda assim, sem prejudicar o direito de indemnização reconhecido ao arrendatário”.
Sintetizando, conforme Ac. do STJ de 19/9/2019 (dgsi.pt) e embora no caso aí tratado ao contrato em causa não se aplicasse o NRAU, e defenda que se trata de uma nulidade atípica “Assim, face à lei atual, a celebração de contrato de arrendamento urbano para comércio, indústria ou profissão liberal sem licença ou autorização de utilização por causa imputável ao senhorio confere ao arrendatário, em alternativa, o direito a resolver o contrato ou a pedir a declaração de nulidade, em qualquer caso, com o direito a indemnização nos termos gerais. Quando a falta de licença ou autorização não seja imputável ao senhorio, poderá também o arrendatário pedir, em seu benefício, a declaração de nulidade do contrato e respetiva indemnização, a coberto do disposto nos artigos 1070.º, n.º 1, do CC e 4.º, a contrario, do Dec.-Lei n.º 160/2006.
Porém, nos casos em que o arrendatário opte pela declaração de nulidade, poderá ainda assim equacionar-se a questão do abuso de direito, na medida em que tal nulidade se encontra estabelecida em seu benefício.”
Quanto a esta questão do abuso de direito a que o A. faz uma breve alusão nas alegações de recurso, optemos pela tese da nulidade típica (Coimbra 3/5/2016) ou pela da nulidade atípica (cfr. o mencionado acórdão e ainda os de Lisboa de 13/1/2015 e de Évora de 28/6/2018, todos em dgsi.pt), o arrendatário, embora tendo usado o locado e inclusive “denunciado” o contrato, pode vir invocar a nulidade uma vez que não foi sequer alegado que conhecesse a falta da licença; certo que embora o facto de estar mencionada no contrato uma licença e isso não o dispensava de confirmar a sua aptidão e acerto legal; mas não se sabendo que diligências fez e se fez, não se poderá apelar aqui à figura de abuso de direito prevista no artº. 334º do C.C. (que sempre seria de conhecimento oficioso).
Ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante -Ac. da Rel. de Coimbra, de 9.1.2017, www.dgsi.pt; há abuso de direito quando o direito, em princípio legítimo e razoável, é exercido em determinado caso de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante. De facto, não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório e ofensivo daqueles valores, conforme decorre dos termos do artigo citado; na sua vertente de “venire contra factum proprium” que seria o que aqui se podia cogitar, pressupõe que aquele em quem se confiou viole com a sua conduta os princípios da boa fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expectativa relativamente ao comportamento alheio; a proibição da conduta contraditória em face da convicção criada implica que o exercício do direito seja abusivo ou ilegítimo; impõe que alguém exerça o seu direito em contradição com a sua conduta anterior em que a outra parte tenha confiado, ou seja, consiste no exercício duma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente que, objetivamente interpretada no confronto da lei, da boa fé e dos bons costumes é ostensivamente violadora da boa fé ou da tutela da confiança da contraparte porque gerou a convicção na outra parte de que o direito não seria por aquele exercido e, com base nisso a contraparte programou a sua atividade; pressupõe uma situação objetiva de confiança. Ficam ressalvados contudo os casos em que a conduta assenta numa circunstância justificativa e, designadamente, no surgimento ou na consciência de elementos que determinem o agente a mudar de atitude; a boa fé significa que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros).
Não há factos nos autos que permitam tirar tais conclusões relativamente ao comportamento do R.. Note-se que, além da menção à licença (e à troca de correspondência sobre o assunto), os pavilhões tiveram um arrendamento anterior longo, “sucedendo” o R. no negócio, pelo que poderia estar legitimamente convencido de que tudo estava legalizado.
Assente a nulidade do contrato de arrendamento, fica desde já afastada a hipótese de recurso ao disposto nos artºs. 1043º e 1044º do C.C. como fundamento do pedido de restituição do locado –no caso restrito ao pavilhão 5- no estado em que se encontrava (e não sendo possível a restituição em espécie, no valor das obras necessárias ao efeito como seu correspondente). Bem como, pelo mesmo motivo, fica afastada a possibilidade de recurso ao clausulado no contrato, em concreto ao que vem reproduzido no ponto 16 dos factos provados relativamente à transferência para o R. da responsabilidade pelo risco, independentemente da apreciação da sua validade.
Resta verificar se pelo instituto da nulidade do contrato, em concreto pela aplicação do artº. 289º, nº. 1, do C.C., o A. pode peticionar o valor correspondente às obras necessárias para colocar o pavilhão 5 em estado funcional, tal como foi entregue ao R..
Não chega, uma vez que neste caso cabia ao A. provar que o R. agiu com culpa relativamente às circunstâncias que levaram à perda ou deterioração do locado –artº. 1269º do C.C. , por força do nº. 3, do artº. 289º do mesmo. Não o fez: cfr. pontos II, V, e VI dos factos não provados.
Desenvolvendo esta matéria, está em causa a análise dos efeitos de tal declaração de nulidade (cfr. 289.º do C. Civil).
Conforme o citado Acórdão da Rel. de Coimbra de 12/7/2017, “o negócio nulo não é propriamente um nullum/nada, sendo antes um evento existente a que a ordem jurídica recusa as consequências negociais desejadas pelas partes, embora lhe reconheça alguma eficácia jurídica, embora não negocial. Como refere Pais de Vasconcelos, Teoria Geral, pág. 631, “o negócio jurídico inválido não alcança criar direito, não gera direito interprivado, não põe em vigor uma regulação negocial. Pelo contrário, é tido como simples facto jurídico, de cujas consequências jurídicas constitui mero suporte inerte. As consequências jurídicas do negócio inválido não são já aquelas que os seus autores lhe quiseram atribuir, mas antes as que a lei determina”.
E, como já se referiu, a recusa de tais consequências negociais é desde o momento inicial do negócio, que é ineficaz desde o original momento em que foi celebrado (ex tunc); motivo por que se diz que, em sentido próprio, só há retroactividade na anulação, uma vez que, na declaração de nulidade, a eficácia jurídica não chega a verificar-se e, por isso, não será correcto, em termos puramente técnico-jurídicos, falar de retroactividade.
De todo o modo (pondo de lado a pureza técnico-jurídica), o que releva é que, não raras vezes, o negócio nulo, antes da declaração de nulidade, produz efeitos fácticos, tornando-se assim necessário repor a situação fáctica de acordo com a situação jurídica (ineficácia originária do negócio).”
Entra então em aplicação o disposto nos artºs. 289º e 290º do C.C., devendo, em primeiro lugar, ser restituído tudo o que tiver sido prestado; dando-se preferência à restituição em espécie quando possível e se já não for possível, deve ser restituído o valor correspondente. “Se sobre a coisa tiver sido constituída “posse”, aplicam-se as respectivas regras (1269.º e ss do C. Civil), seja directamente seja por analogia. Se da nulidade resultarem obrigações de restituição que sejam recíprocas, devem ser cumpridas simultaneamente, podendo cada uma das partes sustar a restituição que lhe incumbe, enquanto a outra não cumprir. É pois por estas regras que se rege a relação de repristinação/liquidação actualmente existente entre as partes e resultante da declaração de nulidade negocial.” (cfr mesmo acórdão).
No caso dos autos não se coloca qualquer questão relativamente à restituição do locado e pagamento das rendas do contrato de arrendamento.
Relativamente ao incêndio o STJ em Ac. de 19/5/2005 (wwwdgsi.pt) pronunciou-se numa situação semelhante do seguinte modo: “Sendo nulo o contrato, como é, os réus não respondem enquanto arrendatários. O que significa que está afastada a responsabilidade contratual. Prevalecendo a nulidade do contrato de arrendamento, há que observar o citado regime jurídico já definido no Acórdão deste S.T.J. de 3-5-00, ou seja, de que incumbe aos autores a prova de que o incêndio se ficou a dever a culpa dos réus - art. 487, nº1, do C.C. Como estes não lograram efectuar tal prova, a acção não podia deixar de improceder. Acresce que os réus não podem ser considerados verdadeiros possuidores, quer porque não têm nenhum direito real sobre o armazém, quer porque o contrato de arrendamento está ferido de nulidade, invocada por aqueles. Por isso, aqui, só há que ter em conta o disposto no art. 289, nº3, do C.C. e que aplicar, analogicamente, o regime decorrente dos arts 289, nº1 e 1269 e segs do Cód. Civil. Os réus não podem deixar de ser considerados, para este efeito, como detentores ou possuidores de boa fé, tanto mais que a ocupação do armazém lhes foi permitida, de forma livre e voluntária pelos autores e que os réus pagavam uma contrapartida pecuniária, como compensação por tal ocupação. A lei define que a posse é de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem - art. 1260, nº1, do C.C. O conceito de boa fé é de natureza psicológica e não de índole ética ou moral. Possui de boa fé quem ignora que está a lesar os direitos de outrem, sem que a lei entre em indagações sobre a desculpabilidade ou censurabilidade da sua ignorância, ao contrário do que ocorre com o nº 2, do art. 1147 do Cód. Civil italiano, onde expressamente se exclui a relevância da boa fé, se a ignorância depende de culpa grave (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., pág. 20). Como ensinam os mesmos insignes Professores ( obra citada, pág. 21) " a ignorância de que se lesa o direito de outrem (a ausência de má fé) resulta, na generalidade dos casos, da convicção (positiva) de que se está a exercer um direito próprio, adquirido por título válido, por se desconhecerem precisamente, os vícios da aquisição. Mas a lei não exige que assim seja sempre. O possuidor pode saber que o direito não é seu e estar convencido, apesar disso, de que, exercendo-o, não prejudica o verdadeiro titular". Foi o que aconteceu, no caso concreto. Os réus ignoravam que lesavam o direito dos autores, apesar do arrendamento ser nulo, pois estavam convencidos que não os prejudicavam, na medida em que a ocupação do armazém lhes foi livremente consentida e autorizada, mediante o pagamento de uma retribuição pecuniária mensal, que sempre satisfizeram, até à data da entrega do mesmo armazém. Ora, o possuidor de boa fé só responde pela perda ou deterioração da coisa se tiver procedido com culpa - art. 1269 do C.C.”.

Em suma, não tendo o A. logrado imputar ao R. a culpa na deflagração do incêndio que destruiu o pavilhão 5, não tem direito a ser ressarcido pelo valor (em espécie) necessário à sua reconstrução de modo a torna-lo novamente apto para o seu fim.

Resta apreciar se o R. deve ser condenado a pagar ao A. as prestações/compensação em falta relativas ao acordo mencionado nos pontos 26 a 30 da matéria provada, a que chamaram “acordo de utilização precária de instalações e de promessa de revogação de contrato de arrendamento em caso de venda do arrendado”, celebrado na mesma data do arrendamento, por causa daquele, diz o Tribunal recorrido, resultando efetivamente que se destinada a facilitar a actividade do R. e permitir concentrar tudo num local; mais diz que “A água num aviário não pode ser vista como uma facilidade, por ser absolutamente necessária.”. Tal conclusão impõe-se face aos pontos 54 (“A actividade exercida pelo Réu nos pavilhões arrendados carece de água, quer para a criação dos animais, quer para a limpeza do locado, o que é do conhecimento do Autor.”), 55 (“A água não é apenas uma facilidade, mas uma absoluta necessidade para a actividade exercida pelo Réu no locado.”) e 56 (“O locado não tinha outra água, para além da água da mina mencionada na aludida cláusula.”).
Por outro lado, e conforme ponto 31 “O R. sempre utilizou, desde o início do contrato e até à propositura da acção as instalações e a água cedidas pelo Autor.”
O Tribunal entendeu que estando o estando o contrato de arrendamento ferido de nulidade, também este contrato é afetado pelo vício, impondo-se porém o “pagamento da compensação”, acrescentamos agora nós por força do dever de restituição previsto no artº. 289º, nº. 1, do C.C..
Esta conclusão exige um prévio enquadramento deste acordo face ao de arrendamento.
A doutrina e jurisprudência distinguem os contratos mistos dos contratos coligados ou união de contratos.
“No contrato misto, os diversos elementos contratuais distintos integram-se num processo unitário e autónomo de composição de interesses, aferido com base em dois critérios essenciais: um centrado na unidade ou pluralidade da contraprestação; outro alicerçado na unidade ou pluralidade do esquema económico subjacente à contratação. Do contrato misto distingue-se a união ou coligação de contratos, em que cada um deles conserva a sua individualidade, configurando-se uma união extrínseca (em que o único factor de ligação reside na circunstância de se celebrarem na mesma ocasião, constando por exemplo do mesmo escrito), uma união com dependência (entre os contratos existe um vínculo traduzido no facto de a validade e vigência de um contrato depender da validade e vigência do outro), uma união alternativa (são celebrados dois contratos, em termos tais que, conforme ocorra ou não certo evento, assim se considerará celebrado apenas um deles)” -Ac. da Rel. de Coimbra de 08/02/2011 (dgsi).

No caso em apreço, e face ao que se apurou que foi celebrado entre as partes ao abrigo da sua liberdade contratual consagrada no artº. 405º, nº. 1, do C.C., tendo em conta que o A. aceitou a “anulação” do contrato de “utilização” em agosto de 2016 e o de arrendamento manteve-se até à sua denúncia pelo R. em agosto de 2017, e conforme o mesmo aceita em sede de alegações de recurso a entrega do locado reporta-se a agosto de 2017, há uma interconexão negocial e um objetivo comum, embora os contratos não percam a sua individualidade, e as partes tenham pretendido a sua vigência bilateral, em paralelo, com sobrevivência de um ainda que com o desaparecimento do outro. Pretenderam mas não lograram uma vez que estamos perante uma união interna com dependência recíproca: sem água (elementos de primordial importância no acordo de “utilização”) não poderia subsistir a criação de aves; e por isso, não obstante a cessação do contrato de “utilização” o que é certo é que o R. continuou a usufruir/beneficiar das “facilidades” que o mesmo lhe concedia, até pelo menos à data da propositura da ação; sem arrendamento dos pavilhões o R. de nada beneficiaria relativamente ao outro contrato (-de nada lhe serviria). Apenas há aqui uma pequena “nuance” de realçar: na carta de 9/8 a que se faz referência nos factos provados o A. refere-se à necessidade do R. pedir o acesso á rede de água pública, portanto, seria eventualmente possível obter água por outro modo. Todavia assim não foi e naquele contexto o R. não tinha aceso a qualquer outra água que não a da mina.
As vicissitudes de um poderiam não se refletir necessariamente no outro se os intentos das partes em manter a individualidade e autonomia paralela dos contratos fosse e tivesse sido possível. Mas não o sendo (como na prática não foi), então a nulidade que afeta o arrendamento deve refletir-se no contrato de “utilização”, de modo que um não sobreviva sem o outro.
O STJ em Acórdão de 1/12/2015 (dgsi.pt) explorou a doutrina nesta matéria, com interpretação que de algum modo colhe neste caso concreto. Como aí se diz “o aludido nexo entre eles, assume formas que se distinguem em função das relações económicas que persistem entre as respectivas prestações, conferindo à respectiva união ou coligação caracterização diferenciada.” E, citando Vaz Serra (“União de Contratos. Contratos Mistos”, BMJ 91, Dezembro de 1959, pag. 11 e segs.), classifica as uniões de contratos em “uniões meramente externas”, em que os “contratos (completos) conservam a sua autonomia”, “uniões com dependência recíproca ou unilateral” em que “os dois contratos (ou o dependente, se a dependência for unilateral) dependem um do outro, de modo que, se um for nulo, o é também o outro e, se um for revogado, se entende revogado também o outro, salvo se da interpretação da vontade das partes outra coisa se concluir; independentemente disto, cada um dos contratos rege-se, como é natural, pelas suas próprias regras”, e “uniões alternativas”, em que “há dois contratos, mas convenciona-se que, consoante se verifique ou não determinada condição, se considera celebrado um desses contratos ou o outro”. E refere ainda no mesmo ou próximo sentido, Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 9.ª edição, Almedina Coimbra, pags. 288 a 292, Galvão Telles “Manual dos Contratos em Geral”, Refundido e Actualizado, Coimbra Editora, 2002, 4.ª edição, pags. 475 a 478, ou Menezes Cordeiro “Direito das Obrigações”, Reimpr., AAFDL, Lisboa, 1986, pág. 70.
Francisco Pereira Coelho também citado no acórdão (“Coligação negocial e Operações Negociais Complexas, Tendências fundamentais da doutrina e necessidade de uma reconstrução unitária”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Volume Comemorativo, Coimbra 2003, págs. 233 e segs.) fala da coligação por acessoriedade -consiste no facto de um contrato se destinar ao desenvolvimento, actuação, garantia ou modificação de um outro contrato-, que pensamos ser o que se adapta a este caso.
Igualmente citado, Pedro Romano Martinez (“Da Cessação do Contrato”, Almedina, Fevereiro de 2005, pag. 242 e segs.) salienta que “o que vem ocupando a doutrina é fundamentalmente a determinação das manifestações jurídicas da coligação, quer dizer, a determinação das modalidades de repercussão das vicissitudes de um negócio no outro com o qual aquele se acha coligado”; concluindo-se pela subordinação entre os contratos, tal “implica que as vicissitudes de um negócio se repercutam no outro. Esta subordinação pode ser recíproca ou unilateral. No primeiro caso, as alterações produzidas em um dos contratos reflectem-se no outro, e vice-versa; no segundo caso, um dos contratos tem predomínio sobre o outro e só as vicissitudes do primeiro se repercutem no segundo. (…) Contudo, importa verificar se o vínculo subordinado tem autonomia, em particular se foi constituído também para subsistir em caso de cessação do contrato principal. (…) Na eventualidade de a coligação contratual implicar a prossecução de um resultado económico comum, a cessação de um dos vínculos - por denúncia ou resolução – pode inviabilizar o prosseguimento da finalidade pretendida, pelo que também cessam os outros contratos; neste caso ter-se-á de atender à realidade económica resultante da união de contratos. Nesta sequência, pode igualmente ocorrer que o contrato caduque por inviabilidade superveniente de execução de um contrato coligado, tendo em conta a inutilidade de execução do primeiro perante a extinção do outro vínculo.”.

Tudo exposto, concorda-se com a afirmação feita na sentença proferida quando refere que “Parece ao Tribunal que a nulidade do contrato de arrendamento fere de nulidade, também, o “acordo de utilização precária de instalações e de promessa de revogação de contrato de arrendamento em caso de venda do arrendado”; “celebrado na mesma data, por causa daquele”.
Assim, não podendo o R. restituir em espécie o uso que fez da coisa/vantagens que retirou (instalações, água), mas apenas o valor do uso da mesma, correspondendo este valor do uso ao valor da compensação que no fundo acaba por ser uma forma de renda, pagando o devido e em falta enquanto tal se verificou, as recíprocas obrigações de restituição são de igual valor e compensam-se. Note-se que não foi pedido pelo A. a restituição das “facilidades” ou “equipamentos”.

Significa isto que os valores peticionados, que e se estiverem por pagar, são devidos por força da nulidade do contrato, como contraprestação (correlativo mensal) pelo uso efetivo proporcionado ao R. até á data da propositura da ação (julho de 2017), e por força da união dos contratos até à entrega do locado (agosto 2017), com base no carácter retroativo da nulidade e consequente obrigatoriedade de restituição do valor correspondente, não sendo possível em espécie.

Os factos a ter em conta quanto aos valores devidos são estes:

31) O R. sempre utilizou, desde o início do contrato e até à propositura da acção as instalações e a água cedidas pelo Autor.
33) Dos 6.000,00€ devidos no primeiro ano de vigência deste acordo, o R. apenas entregou ao A. o montante de 1.000,00€, em duas prestações de 500,00€ cada, respectivamente em 19.07.2016 e 1.9.2016, correspondentes às que deveria ter entregue nos meses de Janeiro e Fevereiro, mas não lhe foi entregue pelo A. qualquer recibo.
34) O A. enviou ao R., uma carta registada com AR, por este recebida em 13.08.2016.
35) Nessa missiva transmitiu-lhe que este deveria até ao início do ciclo seguinte de criação de aves desocupar todas as instalações acessórias que vinha utilizando ao abrigo do acordo, deixando-as livres de pessoas e bens.
36) Bem como deveria igualmente requerer a ligação do ramal de abastecimento de água pública à Camara Municipal ..., pois, ele, A., não iria consentir que continuasse a utilizar nem as instalações acessórias, nem a água da mina nas próximas criações.
37) Até à data da propositura da acção, o R. continuou a utilizar em proveito próprio quer as instalações cedidas a título precário, quer a água da mina, no exercício da sua actividade de produção avícola.

Aplicando, o A. apenas teria de provar o contrato que suporta o pagamento e afirmar o seu incumprimento quanto ao “preço” –artº. 342º, nº. 1, C.C.. O R. teria de provar que pagou, facto essencial, impeditivo da procedência do pedido de condenação no pagamento feito pelo A. –nº. 2 do mesmo artigo. Nessa lógica de ónus probatório, cabia ao R. alegar e provar os restantes pagamentos no ano de 2016 e a totalidade dos € 6.000,00 no ano de 2017, o que não logrou (cfr. facto não provado “IX. Da compensação devida pela utilização das instalações a título precário e da água da mina, referente ao ano de 2017 e vencida a 1.1.2017, o R. nada pagou até à presente data, estando em dívida a totalidade da prestação compensatória, no montante de 6.000,00.”).
Na verdade, o R. nem alegou, como lhe competia, o pagamento, apenas impugnou o pagamento parcial, o que é algo diferente (artigo 62 da contestação) e insuficiente.
Não se tendo provado outro pagamento, para além do valor mencionado em 33, e tendo os € 6.000,00 relativos a 2017 vencido no início do ano, deve proceder a pretensão do A. relativamente ao pagamento pelo R. de € 9.000,00 (€ 5.000,00 em falta de de 2016 e 8 meses x € 500,00 no total de € 4.000,00 de 2017). Com efeito, até à efetiva entrega, usaram e fruíram como entenderam, no âmbito do contrato mencionado, não obstante ferido de nulidade. Se era nulo “ab initio”, é irrelevante que tenha sido “denunciado” ou “anulado”.
Não tem por isso razão o A. quando ao momento em que são devidos juros: são devidos desde a citação –artº. 805º, nº. 1, a), C.C.. Nos termos do nº. 3 do artº. 289º do C.C., é aplicável no caso de declaração de nulidade, diretamente ou por analogia, o disposto nos artºs. 1269º e seguintes do C.C.. O artº. 1270º refere-se aos frutos percebidos pelo possuidor de boa fé; o artº. 1271º aos frutos na posse de má fé, sendo que o possuidor de boa fé faz seus os frutos até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de outrem, e o possuidor de má fé deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse. Os juros são frutos civis logo a obrigação de restituir, além de operar retroativamente, também pode abranger esses frutos. A partir da citação cessa a boa fé –artº. 564º, a), do C.P.C.-, pelo que desde essa data são devidos os juros que a quantia produzia ou podia produzir, face ao estipulado naqueles artigos – cfr. Ac. do STJ de 15/10/1998, “in” CJ/STJ, ano VI, tomo III, pág. 63, e Ac. da Rel. de Guimarães de 21/5/2013 (dgsi.pt).
Continua o A. nas suas pretensões, agora de ver revogada a sua condenação no pagamento do equipamento que o R. lhe vendeu. Está em causa o terceiro acordo a que se faz referência nos autos.

Relevam os seguintes factos:

57) No âmbito de algumas negociações levadas a cabo pelas partes - motivadoras dos pedidos de suspensão da instância e por contrato de 12.08.2017, o Autor adquiriu ao Réu, por compra, o equipamento mencionado em 22 da contestação, pelo montante de 12.500,00 €.
58) Entre as condições em que Autor e Réu ajustaram a referida aquisição conta-se a do pagamento do preço, o qual seria efectuado “em condições a acordar em documento que as partes se comprometem a subscrever no próximo mês de Setembro de 2017” – o que não chegou a acontecer.
59) O Autor já está na posse do mencionado equipamento, que recebeu, o qual permanece nos pavilhões locados e está pronto a ser usado, seja pelo A., seja por quem, eventualmente, tome os pavilhões para utilização.

Neste item em primeiro lugar diga-se que não se está perante qualquer caso de ilegitimidade processual que importasse a absolvição da instância reconvencional por parte do A. –tendo a legitimidade sido declarada de forma tabelar e por isso não vincularia este Tribunal, se fosse o caso.

A legitimidade processual afere-se, no lado ativo, pelo interesse em demandar face á utilidade que retirará da procedência da ação, a qual é aferida pelo modo como o A. (ou R. reconvinte) configura (os sujeitos) (d)a relação material controvertida (artº. 30º, C.P.C.).

A ilegitimidade é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância –artºs. 278º, nº. 1, d), 576º, nºs. 1 e 2, 577º, e), 578º, C. P.C..
O R. arroga-se proprietário do equipamento, foi nessa qualidade que celebrou o acordo com o A., que o aceitou. Se o R. actuou em violação de direito de terceira pessoa (o que nos autos e face ao ponto 78 dos factos provados não se cogita sequer), é algo que não tem que ver com a relação contratual entre A. e R., não invocando o A. como exceção a nulidade por venda de coisa alheia (artº. 892º C.C., que se refere à legitimidade substantiva). Contratualmente o A. obrigou-se perante o R.. São irrelevantes por isso para este efeito as referências feitas nas alegações de recurso do A. relativamente à representação (ou falta dela) nos autos da “Y…” pelo R..
Analisado o acordo tal como consta da matéria de facto, as partes remeteram para momento posterior a definição do modo ou condições de pagamento, o que nunca foi feito.
De acordo com o disposto no artº. 232º do C.C., o contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo. Interpretando o acordo com base na regra prevista no artº. 236º do mesmo C.C. parece-nos claro ser de interpretar aquela manifestação de vontade de acertar as condições de pagamento como sendo as mesmas um elemento essencial do contrato. E, assim sendo, o contrato de venda ao A. do equipamento não está concluído e por isso não existe enquanto se verificar aquela falta de acordo.
Conforme se lê no Ac. do STJ de 26/2/2015 (dgsi.pt) “Assim, “desde que uma das partes considere essencial uma das cláusulas, não se conclui o contrato enquanto não houver acordo sobre ela [2 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, página 220.]”. Conforme sublinha Vaz Serra [3 Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 99º, página 246], “trata-se de uma simples consequência de não ser nenhuma das partes obrigada a contratar, podendo, portanto, tornar dependente de acordo sobre qualquer dos pontos a conclusão do contrato”.
Dito de outro modo: o acordo, como substrato do contrato, só existe quando as partes concordaram na solução a dar a todas as questões suscitadas.
Como ensina o Prof. Pessoa Jorge [4 Direito das Obrigações, Lições proferidas no ano lectivo de 1971-1972, Edição dos Serviços Sociais da Universidade de Lisboa, página 230], “no domínio da legislação anterior, dado o silêncio da lei a tal respeito, chegou a defender-se e a julgar-se no sentido de considerar fechado um contrato, logo que as partes estivessem de acordo quanto aos elementos essenciais específicos, por exemplo quanto à especificação de coisa e à determinação do preço se acaso se tratava de compra e venda”.
“Este entendimento”, prossegue, “resultava de uma confusão. Sem dúvida, é possível celebrar um contrato de compra e venda, recaindo o acordo das partes apenas sobre o preço e a coisa, uma vez que a lei supre o seu silêncio nos demais pontos do regime aplicável. Mas isto não significa que não haja necessariamente contrato de compra e venda, logo que as partes tenham chegado àquele acordo, pois pode haver elementos acidentais de tal forma importantes que constituam para as partes, ou para alguma delas, condição sine qua non da contratação, como, por exemplo, os referentes ao prazo de pagamento do preço, ao lugar da entrega da coisa”, etc.
“A regra é pois esta: só deve considerar-se fechado o contrato quando as partes concordaram em todas as questões que tenham suscitado, salvo se elas próprias, em relação a alguma, resolverem pura e simplesmente remeter a solução para o regime supletivo da lei [5 Pessoa Jorge, Obra citada, página 231].”
Poderíamos pensar se dos autos resulta que o A. não põe em causa a questão do pagamento do preço, suprindo a interpelação através da presente ação a falta “daquela parte” do acordo.
Todavia, em primeiro lugar o efeito da interpelação através da citação tem como efeito a constituição em mora quando não há prazo certo (artº. 805º, nº. 1, C.C.). E neste caso não há sequer prazo fixado.
Por outro lado, o A. “contesta” esta obrigação, na sua réplica dizendo que “117- Sendo certo que, em boa verdade, as partes subscreveram em Setembro de 2017 um acordo que contemplou a questão do pagamento do preço dos equipamentos, é também verdade que o mesmo não se concretizou, por não se ter reunido uma condição essencial à produção dos seus efeitos. 118- Pelo que, em termos práticos, efectivamente, A. e R. não chegaram a ajustar de forma definitiva as condições de pagamento.”
Pensamos por isso que, ao invés do argumento utilizado em sede e recurso e que tem que ver com a ilegitimidade do R. para este pedido, seja ela processual, seja ela substantiva, e não estando este Tribunal impedido de subsumir os factos –conhecidos das partes- ao regime jurídico aplicável (compra e venda, que é a causa de pedir da reconvenção) e dentro deste às normas pertinentes, não se pode invocar que esta é uma “decisão surpresa”.
Não deixa de ser importante referir também que é o próprio R. que nas suas contra-alegações de recurso, e para justificar que “vendeu” ao A. o equipamento antes de o adquirir à “Y…” precisamente porque “7. De notar que, segundo o acordado entre autor e réu, não seria imediato o pagamento do preço, dos falados 12.500,00 €, uma vez que seria efectuado em condições a acordar em documento que as partes se comprometem a subscrever no próximo mês de Setembro, o que não chegou a ocorrerfacto 58.” (negrito nosso). E ainda acrescentou que “Mas, ao menos a partir da verificação dos factos provados 76 e 77 (dissolução da Y, em 27.11.2017, e nomeação do réu como representante da sociedade - documento junto com o requerimento de 31.01.2019, referência citius 2238882), sempre o autor saberia a quem pagar. 8. Aliás:- Dissolvida a Y, a quem pretenderia o autor pagar os 12.500,00 €? - Mais, e melhor: a quem poderia o autor pagar os 12.500,00 €? - Ou, ao invés, pretenderia o autor que a dívida desaparecesse... pelo facto de a Y se ter dissolvido?”

Isto mostra que o R. “percebeu” a relevância de não terem ficado definidas as condições de pagamento (onde poderia ter-se por incluida o esclarecimentos da dúvida sobre a quem pagar).

Seguindo de perto o Ac. desta Relação de 19/4/2018 (dgsi.pt), diremos que o princípio do contraditório prevista no artº. 3º, do C.P.C., a par de outros que constituem pilares do nosso ordenamento processual, tem duas vertentes:

-“inter partes”, e decorrência do princípio da igualdade previsto no artº. 4º do C.P.C., garantindo a possibilidade de cada parte se pronunciar sempre sobre os elementos trazidos ao Tribunal pela outra parte, ou condutas processuais, em cada momento e que podem fundamentar a decisão; esta é a vertente tradicional do direito ao contraditório, traduzida nos nºs. 1, 2 e 4, do artº. 3º, sendo o juiz fiscal do seu cumprimento (nº. 3);
-entre as partes e o Tribunal, sendo de observar pelo juiz ao longo de todo o processo, conforme dispõe o artº. 3º no nº. 3, e correspondendo a uma conceção ampla do princípio, e que no fundo emana do direito constitucional de direito de acesso à justiça num sistema equitativo e participado –artº. 20º, nº. 4, Constituição da República Portuguesa; deve ser cumprido como ato prévio de qualquer decisão a tomar no processo, seja de direito (mesmo de conhecimento oficioso), seja de facto, salvo casos de manifesta desnecessidade; é o seu cumprimento que evita a “decisão surpresa” na medida em que, além do mais, permite à parte que antevê vai ser proferida uma decisão que lhe é desfavorável, argumentar, tentando convencer o Tribunal da bondade da sua posição.

“As decisões surpresa”, proibidas como decorre do exposto, têm o seu maior campo de expressão nas questões de conhecimento oficioso, designadamente quando não foram suscitadas pela parte contrária.

Cabe ao interprete e ao aplicador da lei definir caso a caso se pode dispensar a observância desse princípio, face à cláusula de “manifesta desnecessidade”.

Sucede que a posição sobre a qual nos debruçamos e na qual nos fundamentamos para decidir esta questão do pagamento dos € 12.500,00, na nossa perspetiva, não era, não foi nos autos, uma questão nova. Foi suscitada pelo A. na réplica, situa-se no âmbito do regime jurídico em que o R. se baseia para formular o pedido (-fala de aquisição e preço, por isso situa-se na compra e venda), e além disso repete-se aqui que o Tribunal não está vinculado às alegações das partes no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artº. 5º, nº. 3, C.P.C.), dentro do mesmo quadro normativo, situando-se factualmente no núcleo essencial da matéria trazida aos autos pelas partes.

As partes tiveram por isso oportunidade de discutir esta questão no processo.
Por tudo o exposto, entendemos que deve improceder o pedido formulado pelo R..
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Nas alegações de recurso do A. este refere-se à propriedade dos equipamentos ardidos no pavilhão no 5. Contudo o A. não foi condenado nesse segmento do pedido reconvencional, pelo que só para realçar a similitude da questão da propriedade com os que lhe foram vendidos constará essa referência.
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Passemos para as pretensões do R. em sede de recurso.
Relativamente ao seu ressarcimento pelo equipamento que ardeu no pavilhão 5, -de que se arrogava dono e por isso não sendo mais uma vez uma questão de legitimidade processual-, agora estamos perante um caso de falta de legitimidade substantiva uma vez que, face á alteração que se operou na matéria de facto, não se apurou que o equipamento ardido pertencia ao R. (ónus que lhe competia nos termos do artº. 342º, nº. 1, C.C.), e portanto que seria o lesado. E não importava saber a quem pertencia, uma vez que o R. age na ação/reconvenção em nome próprio, não bastando para que possa representar a “Y…” ter sido seu sócio, ainda que esta esteja dissolvida, liquidada e extinta, o que foi levado ao registo conforme docs. juntos aos autos em 31/01/2019 e conforme consta dos factos, dali resultando também que foi declarado que a sociedade não tinha ativo nem passivo e que o R. ficava seu representante para efeitos tributários –pontos 75 a 77 dos factos provados.

Portanto, o R. não pode invocar o disposto no artº. 164º, nº. 2, do Código das Sociedades Comerciais, primeiro porque não atuou nessa qualidade (o que tinha de declarar) e depois porque o R. não é liquidatário da sociedade – a liquidação foi encerrada por ausência de passivo e ativo. Não se trata de um crédito superveniente (a reconvenção é de novembro e os factos remontam a data anterior; a dissolução é de dezembro de 2017), pelo que não está em causa o quadro jurídico ali previsto.
Por outro lado, ainda que assim não fosse, não se provaram factos que permitissem imputar ao A. a responsabilidade civil pelo incêndio ocorrido, sendo que só a título de culpa o R. podia ser ressarcido –artº. 483º, C.C. –quer pelo equipamento ardido, quer pelos danos que teve em virtude de não ter continuado a exercer “a sua” (da “Y…”) atividade no pavilhão 5. Ou seja, valem os mesmos argumentos para a improcedência do ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo R. com a não utilização do espaço para a criação das aves, e para o ressarcimento do prejuízo pelo equipamento ardido.

Vejam-se os factos não provados:

XVI.Depois de poder aceder ao locado, no início do contrato, verificou o Réu que a instalação eléctrica tinha cabos pendurados, obsoletos, isolados com fita adesiva e, patentemente, sem qualquer manutenção.
XVII.Durante a vigência do contrato, e face às sucessivas avarias e falhas de energia, soube o Réu pela voz de um electricista, que o estado do PT - e da restante instalação eléctrica - punha em risco a própria vida do Réu e respectivos trabalhadores.
XIX.O Autor sabia que, face ao estado da instalação eléctrica, no início do contrato de arrendamento, era muito elevado o risco de incêndio.
XXIV.O incêndio ocorrido no pavilhão 5 foi devido a um curto circuito decorrente das deficientes condições da instalação eléctrica do locado.

Não pode o R. pretender em primeiro lugar retirar o nexo de causalidade entre o estado da instalação e o incêndio da falta de licença, ainda que esta se destine a verificar ou atestar as condições de segurança do espaço; essa é uma das razões da sua exigência, mas tal não equivale a dizer que, se não existe licença, não foi atestada a segurança, logo ela não existe –não se estabelece aí qualquer presunção legal. O artº 17º do REGEU impõe condições de construção cuja verificação iria ser fiscalizada, e a falta desta fiscalização tem outras consequências administrativas, como tem a falta de conformidade. Igualmente e em segundo lugar não vale o argumento de que o locado não passaria numa inspeção, sendo irrelevante a citação do depoimento da testemunha a que se refere o R., que não põe em causa nenhum facto (ou falta dele) através da invocação desse depoimento.

Por último e em terceiro lugar, os factos provados sob os pontos 44 a 51 e 53 não evidenciam o nexo de causalidade e a culpa do A., tão pouco são o bastante para fundamentar uma presunção judicial nesse sentido –note-se que igualmente o R. não concretiza em sede de matéria de facto que alteração deveria ser introduzida. Se o que pretendia era impugnar a matéria de facto, não o fez em obediência ao disposto no artº. 640º, nº. 1, C.P.C., o que impõe a rejeição do recurso.
As presunções judiciais, sendo um meio de prova admissível nos mesmos casos ou termos que a prova testemunhal, não se reconduzem a um meio de prova próprio, antes correspondem a ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artºs. 349º e 351º, do CC). Traduzem-se e concretizam-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial, presumido à luz das regras da experiência. As presunções judiciais resultam da experiência geral da vida, das regras da ciência, arte ou técnica (A. VAZ SERRA, “Revista de Legislação e de Jurisprudência”, Ano 108º, 1975/1976, pag. 357).
Sendo um meio de prova, a sua aplicação deveria ter sido suscitada no contexto da impugnação da factualidade provada e não provada.
Ainda assim aplicando ao caso, e ainda que se tenha em consideração os factos provados destacados pelo R., por experiência também sabemos que a deflagração de um incêndio pode ter muitas causas, nomeadamente humanas ou naturais, ou caso fortuito. Não se pode por isso com segurança bastante inferir o nexo de causalidade do estado da instalação elétrica com o incêndio; ou por outros termos, sequer com uma probabilidade aceitável, quanto mais alta. Note-se que, ainda que a instalação fosse potenciadora de elevado risco de incêndio, tal não é o bastante; e nem sequer o sabemos já que apenas resulta dos factos que esse foi o argumento da seguradora para não celebrar ou fazer proposta de contrato de seguro.

Desde logo justifica aquela nossa afirmação o elenco dos factos não provados e muito concretamente o ponto XXIV que não foi impugnado (cfr. ainda XVI a XXIII e XIX). Se ficou não provado o nexo de causalidade entre o estado das instalações e o incêndio, como é que se podia recorrer a uma presunção judicial que suprisse a falta de prova, sem impugnar aquela matéria de facto?

De destacar que a matéria dos factos dos pontos 46 a 49 -(46) Quando terminou o contrato de arrendamento, o Réu solicitou à Distribuidora De Eletricidade que cessasse o fornecimento de energia eléctrica ao locado. 47) Após a cessação do contrato de fornecimento de energia, o A. fez uma tentativa de reactivação. 48) Para conseguir reactivar o contrato, o A. teve de fazer obras e gastou 16.000 € ou 17.000 €. 49) Em 3.11.2017, a Distribuidora De Eletricidade confirmava ao Réu que a instalação eléctrica não estava “preparada” para uma ligação da energia.) -reporta-se ao ocorrido após o incêndio (cerca de 1 ano após), daí não se podendo por isso tirar qualquer ilação.
A alusão à falta de técnico e o apelo ao DL nº. 517/80 de 31/10 e Decreto Regulamentar 31/83 de 18/4 parece-nos inconsequente face à matéria não provada e destacada quanto ao não apuramento da causa do incêndio. Repete-se que não se pode retirar da violação das normas o nexo de causalidade adequado que tem uma dimensão naturalística e não jurídica (nexo esse imperfeitamente expresso mas subjacente no artº. 563º do C.C.)..
Veja-se ainda o ponto VII não provado para se concluir pela ausência de conhecimento da causa do incêndio.

Por outro lado, reitera-se que se impunha a prova dos pressupostos da responsabilidade civil para que o R. pudesse ver a sua preensão ter êxito no que concerne ao pedido indemnizatório, não bastando a prova do risco que não tem suporte legal (cfr. artº. 483º, nº. 2, do C.C.). Não se provou também a imputação de culpa a uma ou outra parte.

Por tudo o exposto, têm de facto de improceder os dois pedidos reconvencionais de carácter indemnizatório.
Por último, quanto ao consumo de energia elétrica pelo A., certo que não vale a cláusula contratual do ponto 6º, nº. 3, do contrato de arrendamento uma vez que concluímos pela sua nulidade; conforme se diz na sentença, não se apurou o valor gasto pelo A. -“XXV.O Autor consumiu energia eléctrica, em montante que não foi inferior a 180,00 € mensais.”
Para que se conclua se o R. tem direito a de algum modo obter o pagamento dos consumos feito pelo A., temos primeiro de integrar o pagamento que ele próprio fez em lugar deste do ponto de vista contratual. Ou seja, o R. pagou a energia consumida pelo A. porque tal ficou clausulado no contrato de arrendamento: ele arrendatário pagava toda a energia consumida na Quinta ..., o que englobava o gasto do A. senhorio na parte da Quinta que era por si utilizada.
Assim sendo, então a restituição do valor pago em favor da outra parte por força de um contrato declarado nulo terá de ser resultado do efeito retroativo da nulidade (conforme as restantes prestações já analisadas), embora se pudesse entender que esse pagamento pelo R. ainda era uma “forma de renda” e nessa medida nem a hipótese de restituição se colocava.
Não havendo restituição em espécie e não se apurando o valor correspondente, teremos de ver se há outra forma de chegar a um valor.
Dispõe o n°. 2 do artº. 609º do C.P.C. que "Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida".
Esta possibilidade de remessa tanto se aplica ao caso de se ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico, como no de se ter logo formulado pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o objeto ou a quantidade da condenação.
Não será também caso de se remeter o apuramento do valor em causa para liquidação em execução de sentença porque, não obstante sabermos que “61) O Autor residiu, durante todo o período do arrendamento, numa habitação situada na Quinta ..., a mesma onde se situa o arrendado. 62) O Autor consumiu energia eléctrica, durante todo o referido período, em montante não concretamente apurado, montante sempre pago pelo Réu - e que o Autor nunca restituiu àquele”; também sabemos que “60) A instalação eléctrica do locado só tinha um contador.”, logo não se afigura viável a prova do equivalente ao que foi consumido pelo A.. Se a “culpa” disso é do A. é irrelevante pois foram os termos contratuais que o R. aceitou.
O R. apela à equidade.
Conforme Ac. do STJ de 17/6/2008 (dgsi.pt) “A opção pela aplicação da equidade (na acção declarativa –artº. 566º-3 do CC- ) ou pela liquidação do “quantum debeatur” (artºs. 661º-2, 378º-2 e 47º-5 do CPC) depende do juízo que em face das circunstâncias concretas de cada caso se possa formular sobre a maior ou menor probabilidade de futura determinação de tal valor”. E conforme Ac. do STJ de 03/02/2009 (dgsi.pt), “e essa deve encontrar-se no meio que mais garantias dê de se mostrar ajustada à realidade.”
Significa isto que se tivermos o dano como provado mas não a sua quantificação, se ainda é possível atingir um valor exato ou muito próximo do real com recurso a prova complementar (pós sentença) então o recurso a que se deve apelar é o da liquidação em execução de sentença.
Se, pelo contrário, apesar de provado o dano, não foi possível atingir-se a determinação do seu montante exacto, nem se veja forma de o poder atingir com prova complementar sobre a quantificação dele, o meio adequado para o estabelecer é o recurso à equidade com base nos elementos que o tribunal tenha disponíveis para o efeito.
Sucede que a equidade só pode ser usada pelo Tribunal para a resolução de situações quando haja disposição legal que o permita –artº. 4º, a), do C.C. (excluídas as outras hipóteses). Ora, não é o caso no que concerne aos efeitos da nulidade (nem pelos artºs. 289º e segs., nem pelos artºs. 1269º e segs., do C.C.). Por último, o instituto do enriquecimento sem causa, colocada a possibilidade de aplicação, igualmente não prevê o recurso à equidade (artºs. 473º e segs. do C.C.).
Outra solução não resta que não seja a improcedência desse pedido.
Refere o R. que a sentença proferida tendo reconhecido a nulidade dos contratos, devia tê-lo declarado ao abrigo do artº. 286º do C.C.. O que o R. quer dizer, se bem entendemos, é que devia constar do dispositivo da sentença.
Salvo melhor opinião, não é esse o significado deste artigo. Este artigo destina-se a permitir o conhecimento oficioso da nulidade, ainda que não invocado pelas partes. No caso foi invocada como matéria de exceção, pelo que não está em causa esta disposição.
A nulidade foi invocada como exceção, não constando dos pedidos reconvencionais. Todavia, tal como quando resulta de conhecimento oficioso pelo Tribunal, sendo uma decisão que se impõe como fundamento prévio da condenação ou absolvição nos pedidos formulados, e por estar dentro do objeto do processo, cremos que efetivamente ela deve constar do dispositivo, até para se perceber porque é que, improcedente o pedido do A. de ver declarada a validade, ainda assim obtém provimento parcial da ação.
Impõe-se a este propósito a seguinte nota: o A. configurava a ação com base na validade dos dois contratos celebrados cuja declaração pedia. O tribunal conclui pela sua nulidade. Por força do Assento 4/95 de 28/3/95 (DR de 17/5/95) é possível a condenação no pedido com base neste enquadramento, fazendo-se a convolação no âmbito do efeito prático jurídico pretendido pelo A. (havendo uma espécie de redução qualitativa do objeto material do pedido). Abordou esta temática o Ac. do STJ de 7/4/2016 (dgsi.pt).
Não configura isto porém um vencimento nesta parte do recurso do R.: precisamente porque se impunha ao Tribunal declara-lo por força do conhecimento e procedência da matéria de exceção invocada pelo R. e não como apreciação de um qualquer seu pedido (que não fez por reconvenção e não pode fazer n recurso). Estamos ainda no âmbito da procedência da ação, por força da convolação na causa de pedir, que de qualquer modo se impunha neste recurso reparar (tal como se no âmbito do conhecimento oficioso da nulidade se faria).
Refere ainda o R. que concomitantemente devia a sentença declarar a violação do REGEU e corporizar o direito a indemnização por força da nulidade e do disposto no artº. 5º, nºs. 5 e 7 do DL nº. 160/2006.
Não lhe assiste razão. Os pedidos reconvencionais nada têm que ver com a indemnização aí prevista a qual tem como fonte (exclusiva) os danos decorrentes da falta de licença (adaptando à falta), além da imputação da falta de licença a culpa do senhorio. Pressupõe a prova dos requisitos do artº. 483º do C.C., sendo essa a referência a “indemnização nos termos gerais”. Ou seja, não se trata de uma declaração abstrata “ter direito a”, e não é de verificação ou atribuição automática por força da nulidade; só podendo ser objeto de condenação se fizer parte do conteúdo da decisão que se peticionou. Não foi pedido que se reconhecesse qualquer direito a indemnização por força da nulidade, pelo que doutro modo seria uma condenação para além do pedido que faria incorrer a sentença em nulidade (artº. 615º, nº. 1, d), do C.P.C.). E a ser apreciado por este Tribunal, para além disso, seria ainda uma “questão nova” que não se colocou ao Tribunal recorrido e por isso também impedindo este Tribunal da sua apreciação.
Igualmente não foi pedida na ação a declaração da violação do REGEU, nem é relevante do ponto de vista dos interesses que o R. defende nesta ação.
Conforme António Santos Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª ed., pag. 109) “…A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.”
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não analisar questões novas, salvo quando (...) estas sejam de conhecimento oficioso (...). Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente termos seguido um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso.”. Igualmente se pronunciou o Acórdão desta Relação de 8/11/2018 (www.dgsi.pt); não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido e que apenas passam a integrar o processo em sede de alegações –cfr. entre muitos os Acs. do STJ de 28/06/2001, de 30/10/2003, de 20-07-2006, de 04/12/2008, todos em www.dgsi.pt.
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Perante a decisão proferida, cabe apreciar se o A. litigou de má fé, reduzida a questão ao facto de ter afirmado nos autos a existência de licença de utilização do locado quando se provou que a licença mencionada no contrato não abrange o locado.
Entendemos que não há fundamento para uma litigância de má fé, por não se destacar uma conduta processual por parte do A. violadora da boa fé e lisura processuais, não obstante não se ter provado a sua versão tal e qual como a quis fazer passar.
Do artº. 542º do C.P.C. retira-se que é sancionável a título de má-fé, não só a lide dolosa, mas também a lide temerária, quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro. Na verdade, a litigância de má-fé só é censurável se na dedução da sua pretensão, as partes não ignoravam a falta de fundamento dos factos alegados.
Exige-se que “as partes ajam com probidade processual nas ações por si propostas ou contestadas, ou seja, não devem fazer “um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão” – cfr. artº 542º nº2 al. d) do CPC. Para se imputar a uma pessoa a qualidade de litigante de má-fé, imperioso se torna que se evidencie, com suficiente nitidez, que a mesma tem um comportamento processualmente reprovável, isto é, que com dolo ou negligência grave, deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devesse ignorar ou que altere a verdade dos factos ou omita factos relevantes ou, ainda, que tenha praticado omissão grave do dever de cooperação, de acordo com o artº 542º nº2 do CPC. Com efeito, o dever de litigar de boa-fé, isto é, com respeito pela verdade, mostra-se como um corolário do princípio do dever de probidade e de cooperação, fixados nos artºs 7º e 8º do CPC para além dos deveres que lhe são inerentes, imposto sempre às respectivas partes. Se a parte, com propósito malicioso, ou seja, com má-fé material, pretender convencer o tribunal de um facto ou de uma pretensão que sabe ser ilegítima, distorcendo a realidade por si conhecida, ou se, voluntariamente, fizer do processo um uso reprovável ou deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar - má-fé instrumental -, deve ser condenada como litigante de má-fé. Mas tem-se entendido que tal sanção apenas pode e deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, cujo fim último é a busca em descobrir a verdade e cumprir a justiça, como também ao seu antagonista no processo. E esta actuação da parte, conforme se vinha entendendo na doutrina e Jurisprudência, exige que haja dolo ou negligência grave do actuante (Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 343 e Alberto dos Reis, Código Proc. Civil Anotado, II, pág. 259 e Ac. TRL de 09.01.97, Col. Jur., Ano XXII, Tomo I, pág. 88).” –cfr. Ac. desta Relação de 5/2/2019 (dgsi.pt).
Igualmente diz-se no Ac. da Rel. de Coimbra de 28/5/2019 (dgsi.pt) que “Vem hoje constituindo entendimento prevalecente na nossa jurisprudência, que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito em que vivemos, são incompatíveis com interpretações apertadas ou muito rígidas do artº. 542º do nCPC, havendo sempre que ter presente as características e a natureza de cada caso concreto, e daí que se recomende uma certa prudência e razoabilidade, na formulação do juízo sobre essa má fé. Donde que, como constitui hoje entendimento claramente prevalecente na nossa jurisprudência, a condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave, com e/ou no processo entrado em tribunal. (…).
O A. celebrou o contrato com base na licença 10/68, que nem o A. nem o R. cuidaram de averiguar se era o bastante nos termos legais, independentemente de ter data anterior ou posterior à construção dos pavilhões; os pavilhões estiveram anos antes arrendados a terceiro, e por iniciativa e no tempo dos seus pais; não se apurou que o A. soubesse que essa licença não era o bastante (remetemos para o que já dissemos a propósito do seu depoimento), cremos mesmo que o A. podia estar convencido que tinha uma licença, “aquela” licença.
Por estes considerandos, cremos que não foi intenção do A. “adulterar” a verdade processual; as partes celebraram o contrato com base naquela licença, foi o R. quem –agora e nos autos- invocou a nulidade por falta de licença; e a questão da sua abrangência colocava-se logo no momento da celebração do contrato, sem que tenha sido suscitada por qualquer dos dois.
Improcede por isso este pedido, não havendo que condenar o A. em multa ou indemnização.
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Resta pois concluir pela procedência parcial do recurso interposto pelo A. e na improcedência total do recurso interposto pelo R. (-na falta de procedência de mérito de qualquer das suas pretensões) e assim alterar em conformidade a decisão recorrida na sua alínea h), nos seguintes termos:

-condenar o R. a pagar ao A. a quantia de € 9.000,00 (nove mil euros) devida pela utilização das instalações e uso da água de mina que serve a Quinta ..., acrescida de juros a contar da citação, até efetivo e integral pagamento;
Mais se absolve o A. do item do pedido reconvencional cuja condenação constava da alínea a) do dispositivo da sentença, ficando agora absolvido da totalidade do pedido reconvencional.

Acrescenta-se que se declara a nulidade dos contratos de arrendamento a que diz respeito o doc. nº. 10 junto com a p.i., bem como o “Acordo de Utilização Precária de Instalações Acessórias” junto como doc. nº. 16 da p.i..

No mais, mantém a decisão proferida.
Julga improcedente o pedido de condenação do A. como litigante de má fé.
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VI DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso do A. parcialmente procedente e improcedente o recurso do R., e em consequência, dão parcial provimento à apelação do A. e negam provimento à apelação do R., decidindo:
-declarar nula a sentença recorrida por omissão de pronúncia ao abrigo do artº. 615º, nº. 1, d), do C.P.C., devido à falta de apreciação da litigância de má fé do A.;
-ao abrigo do artº. 665º, nºs. 1 e 2, do C.P.C., suprir a nulidade, conhecendo da questão, e julgar improcedente o pedido de condenação do A. como litigante de má fé.

-declarar a nulidade dos contratos de arrendamento a que diz respeito o doc. nº. 10 junto com a p.i., bem como o “Acordo de Utilização Precária de Instalações Acessórias” junto como doc. nº. 16 da p.i., e
-alterar a decisão recorrida na sua alínea h), nos seguintes termos: -condenar o R. a pagar ao A. a quantia de € 9.000,00 (nove mil euros) devida pela utilização das instalações e uso da água de mina que serve a Quinta ..., acrescida de juros a contar da citação, até efetivo e integral pagamento;
-absolver o A. do item do pedido reconvencional cuja condenação constava da alínea a) do dispositivo da sentença, ficando agora absolvido da totalidade do pedido reconvencional.
No mais, mantém a decisão proferida.
Custas do recurso do A. na proporção do decaimento, e do R. por este (artº. 527º do C.P.C.).
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Guimarães, 9 de julho de 2020.

Os Juízes Desembargadores

Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Jorge dos Santos
2º Adjunto: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves

(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)