Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
152/21.6PBBGC.G1
Relator: JÚLIO PINTO
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
DECLARAÇÕES CONFESSÓRIAS DO ARGUIDO
CONFISSÃO INTEGRAL E SEM RESERVAS
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - A confissão integral e sem reservas implica não só a aceitação dos factos imputados mas também a dimensão normativa que lhes é dada.
II – Se o arguido admite os factos integradores dos elementos objectivos do crime mas acrescenta outros factos com aptidão para dar aos imputados um tratamento diferente do pretendido não existe uma confissão «sem reservas».
III – O tribunal deve, dentro dos seus poderes de investigação, aquilatar da veracidade de tais factos face à relevância do seu conteúdo para a decisão.
IV- Não o fazendo incorre no vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I Relatório

No processo nº 152/21.6PBBGC, do Juízo Local Criminal se Bragança, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, o arguido S. E., foi julgado e condenado, por decisão proferida e depositada a 01/06/2021:

“Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 1 e 2, do D.L. nº 2/98, de 03/01, na pena de seis meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios eletrónicos de controlo à distância;
*

Inconformado com esta decisão, o arguido S. E. interpôs recurso, mediante a formulação, na sua motivação, das seguintes conclusões: (Transcrição)

“(…)
«CONCLUSÕES
1. Pela sentença de que ora se recorre, proferida em 01 de Junho de 2021, nos autos de processo sumário á margem identificado, decidiu o Tribunal a quo condenar “o arguido S. E. pela prática, no dia 10-05-2021, de um crime de condução sem habilitação legal (pp art. 3º, n.º 2 do DL n.º 2/98 de 3 de Janeiro com referência aos artigos 106º, n.º 1, alínea a), 121º e 122º do Código da Estrada) na pena de seis meses de prisão, a cumprir em regime de permanência de habitação com fiscalização por meios electrónicos de controlo à distância.
2. A mencionada sentença é susceptível de gerar discussão em duas questões essenciais, o erro julgamento ou erro in judicando e a escolha e determinação da medida da pena.
3. O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos elencados na sentença com os números 1 a 4.
4. Sucede, porém, que o Tribunal a quo olvidou-se de elencar um facto com extrema relevância para a escolha e determinação da medida da pena, que a seguir se esclarecerá
5. O recorrente apenas conduziu o veículo automóvel por desespero, como refere a gravação da audiência entre o minuto 2:33 e o minuto 2:48, porque o seu filho estava com bastante tosse e febre e não existindo alternativa (amigos, familiares ou outros) viu-se impelido a usar o seu veículo automóvel em direcção às urgências do hospital de Bragança.
6. A factualidade exposta foi posta de lado pelo Tribunal a quo, que perante a declaração do recorrente nada fez para a confirmar.
7. O Tribunal a quo, descurou, manifestamente, o disposto no n.º 1 do artigo 340 º do Código de Processo Penal (doravante designado por CPP).
8. Diz-nos aquele dispositivo legal que “O tribunal ordena, oficiosamente, ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigura necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
9. Como não foi investigado tal facto, a ilicitude do mesmo e a censurabilidade da conduta do recorrente foram consideradas manifestamente graves.
10. Quando, na realidade se afiguram moderadas.
11. Assim, a douta decisão recorrida padece de um erro in judicando, ou erro de julgamento, que inquina o mérito da causa, e que permitiu condenar o recorrente na pena supra referenciada.
12. No caso dos autos, embora o recorrente tenha contra si a prova recolhida em sede de inquérito aliada à produzida em sede de audiência de julgamento, nutria expectativas de que os elementos circunstanciais e que à frente exporemos, assim como os constantes do seu relatório social fossem valorizados aquando da fixação da sua pena, o que crê não se ter verificado.
13. Por isso mesmo, o recorrente pretende um novo juízo de apreciação, agora por parte deste venerando Tribunal ad quem.
14. O recorrente não se pode conformar com a desproporcionalidade da moldura concreta da pena aplicada, porquanto o quantum da pena, atendo o crime pelo qual veio condenado e as suas circunstâncias pessoais e as atenuantes, é por demais excessiva, desadequada e desnecessária.
15. No caso em concreto, afigura-se-nos que o Tribunal a quo não observou os factores elencados, apoiando-se exclusivamente, na reincidência do recorrente para determinar a escolha e a medida da pena.
16. O Tribunal a quo não entendeu, ou não quis perceber a confissão do recorrente e simplesmente ignorou-a.
17. Como bem sabemos, nos termos do artigo 40º n.º 1 CP, a finalidade da pena é a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, ou seja, respetivamente, a prevenção geral e a prevenção especial.
18. A prevenção geral, como é consabido, dirige-se a toda a comunidade, isto é, transmite segurança e confiança jurídicas à sociedade que à prática de um determinado crime é aplicada uma consequência, mas também demove futuros delinquentes.
19. A prevenção especial tem como destinatário o infrator em concreto, não só pretendendo ressocializar o mesmo, demonstrando-lhe o desvalor da sua conduta, mas também demovê-lo da prática de novas condutas.
20. O crime de condução sem habilitação legal, previsto no artigo 3º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98. De 03/01, determina que, “Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.”
21. O bem jurídico que se pretende proteger com a consagração deste ilícito criminal é a segurança rodoviária, e em consequência a vida, a saúde e a integridade física das pessoas, não sendo necessário verificar-se efectivamente, é, portanto, um crime de perigo abstracto.
22. Todavia não pode ser este o fundamento para a aplicação de uma pena tão excessiva e desadequada.
23. É que se assim considerarmos, a pena transformar-se-á num “castigo” ao infrator.
24. Pois que o dano ou consequências geradas pela prática daquele crime contra o próprio arguido ou terceiros, não se verificaram.
25. Sabemos que esta concepção não colhe no nosso ordenamento jurídico.
26. Temos, portanto, que analisar as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir no caso.
Assim vejamos,
27. O recorrente, tal como consta do seu relatório social, “(…) projeta para a sua vida manter a atual residência junto do agregado constituído pela companheira e filho do casal, com vista a acompanhar e auxiliar o processo de desenvolvimento do seu descendente.” – Cit. Do Relatório Social proferido pela DGRSP.
28. Na verdade, o encontro com o amor e a paternidade vieram dar um novo alento à vida do recorrente, que neste momento pretende apenas conseguir sustentar a família de forma digna e à margem da vida criminosa.
29. Provou-se pelo Relatório Social elaborado pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (doravante designada por DGRSP) junto aos autos, que o recorrente vive em economia comum com a companheira de quem tem um filho de sete meses, habitam num apartamento de tipologia T2, arrendado pelo valor de 300€, e auferem o rendimento social de inserção (RSI), no montante de 280€ (duzentos e oitenta euros), acrescido de 150€ (cento e cinquenta euros) de abono de família.
30. E que o recorrente é o único que consegue providenciar o sustento da família.
31. O casal encontra-se desempregado, todavia o recorrente exercia a sua actividade laboral na construção civil, quando havia trabalho, auferindo 40€ por dia.
32. Refira-se que o recorrente já iniciou o processo de ressocialização e já interiorizou que a sua conduta não foi adequada, nem sensata, mas como já se disse, foi o acto impulsivo que se viu obrigado a praticar em virtude do desespero que estava a sentir.
33. Pelo exposto, pese embora não seja uma causa de exclusão da ilicitude, o que motivou o arguido a conduzir sem estar habilitado, deve ser tida em consideração na graduação da censurabilidade da conduta do recorrente, assim como como uma atenuante à determinação da pena.
34. Mais nos apraz referir que dias após a sentença a quo ser proferida, na Escola de Condução …, sita na Rua …, comprovativo que protesta juntar aos autos logo que disponha do mesmo.
35. Em suma, “O arguido projeta para a sua vida manter a atual residência junto do agregado constituído pela companheira e filho do casal, com vista a acompanhar e auxiliar o processo de desenvolvimento do seu descendente.” – Cit. Do Relatório Social proferido pela DGRSP.
36. O Tribunal a quo errou na escolha da pena, assim como na determinação da medida da pena, interpretando erroneamente as necessidades de prevenção geral e especial.
37. Do exposto não podemos retirar outra conclusão que não seja a de que o agente não só iniciou o seu percurso de ressocialização, como já o leva em bom estado de avanço.
38. Não podemos, portanto, “atrasar” esta ressocialização, condenando o arguido a uma pena de privativa da liberdade, sob pena de desvirtuarmos, total e absolutamente, a função do direito penal e, mais ainda, da pena.
39. Para concluir, no que concerne à prevenção geral é certo que temos que ter um Direito Penal vigente, e que ancore a confiança da sociedade em geral.
40. Contudo, não podemos instrumentalizar o recorrente, aplicando-lhe uma pena elevada, para que a sociedade fique tranquila.
41. Deste modo, cremos que as necessidades de prevenção geral são particularmente mais elevadas do que as necessidades de prevenção especial, contudo, aquelas não podem ser a base de uma pena tão dura.
42. A este respeito a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, concretamente do Acórdão 156/07.1JAPDL.L2.S1, refere que:
“A graduação da medida concreta da pena deve ser efectuada, como é sabido, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção no caso concreto (art. 71.º, n.º 1 do CP), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2).”
43. O Tribunal “a quo” violou, deste modo, o disposto nos artigos 340º, n.º 1 do Código de Processo Penal (doravante designado por CPP) e nos artigos 40º, 70º e 71.º do CP, pois também não teve em conta as circunstâncias que depuseram a favor do agente nem a gravidade (ou a sua falta) das suas consequências.
Refira-se, ainda que,
44. O crime de condução sem habilitação legal, é punido apenas a título doloso, conforme decorre do disposto no artigo 13º do Código Penal (doravante designado por CP), ou nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
45. Atento o caso que levamos à superior consideração do Tribunal ad quem admitimos que o crime foi praticado com dolo eventual, a menos gravosa forma do dolo.
46. O dolo eventual ocorre quando, “a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta se o agente actuar conformando-se com aquela realização.”
47. O Tribunal “a quo” considerou que o arguido agiu com dolo directo, a mais pesada forma de dolo nos termos do disposto no artigo 14.º do CP,
48. Mas tal não corresponde à verdade.
49. Sublinha-se que o Tribunal “a quo” não teve em atenção, aquando da determinação da medida da pena e da escolha dela, os aspetos que atrás elencámos, sobre os motivos pelos quais o recorrente conduziu sem para isso estar habilitado e que podem encaminhar a decisão do Tribunal ad quem, para uma atenuação da pena aplicada.
50. Na sentença de que ora se recorre, foi feita tábua rasa de tais atenuantes, não se lhe fazendo sequer qualquer menção ou referência, o que conduz inevitavelmente a deficiente fundamentação para a determinação em concreto da pena, por um lado, e ao exagero desmedido da pena aplicada, por outro lado.
51. O Tribunal a quo aplicou ao recorrente uma pena privativa da liberdade, designadamente, uma pena de obrigação de permanência na habitação controlada por vigilância electrónica, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 43º do CP.
52. Sendo certo que, atentas as atenuantes acima elencadas, a escolha da pena deveria ter incidido sobre uma pena não privativa da liberdade.
53. São atenuantes que o Tribunal a quo não considerou, nem valorou.
54. Tais atenuantes deveriam contribuir para a aplicação de uma pena não privativa da liberdade, designadamente uma pena de prisão suspensa na sua execução, durante o mesmo período de tempo - seis meses -permitindo ao recorrente, frequentar as aulas e poder trabalhar, conforme decorre do artigo 50º do CP.
55. Ou, caso assim não entendesse o Tribunal a quo, hipótese que apenas se coloca por uma questão de mero patrocínio, as atenuantes deveriam reduzir para metade a pena de obrigação de permanência na habitação controlada por meios eletrónicos.
57. Concluindo, é aplicado o artigo 50º, n.º 1 do CP sempre que se mostrem verificados os requisitos atrás expostos e quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
58. Atento o caso dos autos, afigura-se estarem preenchidos todos os requisitos exigidos pelo normativo citado para se aplicar a suspensão da execução da pena de prisão.
Por outro lado, refira-se que,
59. Para que se justifique a aplicação da pena de permanência na habitação sob o controlo por meios de vigilância electrónica, é necessário que a ilicitude do facto e a censurabilidade da conduta do recorrente tenham sido manifestamente graves.
60. No caso que levamos à consideração de Vossas Excelências, a conduta do recorrente foi considerada grave, pelo Tribunal a quo, em virtude dos antecedentes criminais que a envolvem.
61. No entanto e pelo exposto, pensamos nós que a ilicitude do facto e a censurabilidade da sua conduta devem ser entendidas como moderadas, criando-se lugar à atenuação especial da pena, de acordo com o disposto no artigo 72º, n.º 1 do CP.
62. Entendemos, assim, que o Tribunal a quo errou na escolha e medida da pena.
Em síntese,
68. Na verdade, o recorrente tem plena consciência de que não pode conduzir, mas fê-lo num acto de desespero e sabendo que conduzir o veículo automóvel sem título de habilitação legal consubstanciaria um ilícito criminal.
69. Poder-se-á dizer, que o recorrente tem pleno conhecimento da perigosidade que a condução gera, como também tem consciência de que as regras de condução devem ser respeitadas.
70. Trata-se de uma situação excepcional, de grande risco para o seu filho que estava febril e com muita tosse, vendo no seu veículo automóvel a tábua de salvação para assistir urgentemente o seu descendente.
71. A única atitude que o recorrente podia tomar, perante a adversidade com que se deparou.
72. O desespero de ver o filho doente, levaram-no a adoptar tal conduta, que não sendo desculpável, tem que ser vista como relevante para diminuir a intensidade do dolo e consequentemente alterar a pena e fazer aplicar os critérios da determinação da medida da pena, que foram erradamente aferidos pelo Tribunal a quo.
73. O Tribunal a quo defende que já não são suficientes as penas não privativas aplicadas ao recorrente nos seus antecedentes.
74. Todavia os seus antecedentes criminais, apesar de numerosos, contam já alguns anos.
75. Anos de imaturidade, revolta, juventude e rebeldia, contrariamente ao que hoje vivencia o recorrente.
76. Como já foi referido, o recorrente, antes de tal facto ocorrer, e depois do seu filho nascer pautava-se pelo cumprimento das regras, pela conquista de uma família harmoniosa, saudável e bem alimentada.
77. Não se afigurando correcta a afirmação do Tribunal a quo ao mencionar que são elevadas as exigências de prevenção geral e especial.
79. Na determinação da medida da pena, analisadas que estão as circunstâncias em que ocorreu o caso em análise, sempre seria de optar por uma pena de prisão de seis meses suspensa na sua execução, com regime de prova, aplicando ao recorrente as imposições e injunções adequadas à sua ressocialização.
80. Só assim, poderá dar continuidade ao seu projecto de mudança, só assim conseguirá trabalhar e consciencializar-se, como já se encontra, do perigo de conduzir sem habilitação legal e, bem assim, pautar-se por cumprir as regras penais e sociais.
81. Em conclusão, dir-se-á que, nas condenações já sofridas não indicia a ausência de um juízo crítico sério, bem pelo contrário, o que o recorrente pretende é alhear-se da criminalidade, tendo plena consciência de que seria imperativo inscrever-se numa escola de condução com o objectivo de ficar habilitado a conduzir e ser titular de uma carta de condução, o que fez de imediato.
82. Pelo que, não gera qualquer incerteza que a sua posição para encarar o futuro, já deu o primeiro passo, que foi afastar-se dos seus pares, à data, depois constituiu família, exerce funções laborais, está bem inserido na comunidade e pode contar com o apoio dos seus pais, prometendo assim uma vida longe das lides judiciárias.
83. O recorrente tem os elementos imprescindíveis para se abster da prática de qualquer tipo de crime e acredita que jamais o fará.
84. Actualmente, o recorrente conta com 27 anos, um jovem ainda, com um futuro por descobrir, mas que certamente será promissor, pois creia-se que o recorrente já incutiu a perigosidade do crime que aqui discutimos.
85. Por isso, conclui-se que a aplicação de uma a pena de prisão substituída pela suspensão na sua execução, sendo a mesma subordinada a regime de prova, sujeita a injunções adequadas ao caso dos autos, como é, entre outras, enquanto verdadeira pena autónoma revelar-se-ia adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.
86. Sendo, assim, possível, alcançar a tão almejada ressocialização do recorrente em liberdade.
91. Em conclusão dir-se-á que, a sentença a quo violou os princípios e disposições legais previstas nos artigos 58º da CRP, artigos 40º, 43º, 50º, 52º, 53º, 54º, 65º, 70º, 71º, 72º, 73º e 77º do CP e 340, nº 1 alínea a) do CPP.

Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. doutamente melhor suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser alterada a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências;
Ou, sem prescindir do exposto e caso assim não entenda o Venerando Tribunal ad quem, sempre se dirá que, o período de seis meses é manifestamente exagerado, devendo a pena ser reduzida para o seu limite mínimo, três meses, e ser autorizado a desempenhar qualquer função laboral que lhe seja proposta,
Decidindo deste modo, farão V. Exas., aliás como sempre um ato de INTEIRA JUSTIÇA».
*

O recurso foi regularmente admitido.
*

O Ministério Público, junto da 1ª instância, respondeu ao recurso, rematando as seguintes: (Transcrição)

“(…)
«CONCLUSÕES:
Vejamos.
Dispõe o artigo 40.º do Código Penal que “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (nº 1), sendo que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (nº 2). Nos termos desta norma, reconhece-se a dignidade da culpa enquanto pressuposto irrenunciável da punição, fixando o limite máximo e inultrapassável da medida da pena.
A “protecção de bens jurídicos” refere-se às necessidades de prevenção geral, ou seja, à reintegração das expectativas da comunidade na validade da norma jurídica violada. Por outro lado, as necessidades de prevenção especial são referidas pelo legislador como “a reintegração do agente na sociedade”, referindo-se à reinserção social, tendo em conta o concreto agente do crime.
A determinação da medida da pena é, nos termos do artigo 71.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal, feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção do crime, mas considerando também nomeadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins e motivos que o determinaram e as condições pessoais e económicas do agente.
Assim sendo, parece-nos ser clara a inviabilidade da pretensão do arguido em ver reduzida na sua medida a pena em que foi condenado.
A sentença recorrida fez cuidada ponderação das circunstâncias enunciadas no art.º 71.º do C.Penal que depunham a favor do arguido e contra ele e, vistas as circunstâncias dadas como provadas e ponderadas no sentença, designadamente o modo de execução do crime cometido, há-de convir-se que a pena aplicada coincide com o limite mínimo exigido pela tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, pelo que a redução dessa pena não será sustentável, pois poria certamente em causa a crença da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.

Como bem se refere no texto da sentença recorrida:
“Atendendo às circunstâncias do caso concreto, nomeadamente aos antecedentes criminais do arguido, afigura-se-nos serem elevadas não apenas as exigências de prevenção geral - pois os crimes relacionados com o comportamento estradal geram um grande alarme social, trazendo muitas vezes a si associadas consequências graves ao nível da saúde e da vida das pessoas, sendo necessário que a comunidade – neste caso o arguido – tome consciência de que a condução é uma actividade perigosa, que envolve um risco elevado e que exige que se respeitem no dia-a-dia as regras de condução estabelecidas – mas igualmente as de prevenção especial. Em relação a estas, de facto, as condenações que o arguido sofreu –em pena de multa e em pena de prisão suspensa na sua execução - não foram suficientes para o afastar da prática de novos crimes, revelando o fracasso, no caso concreto, tanto do sistema da pena de multa como da ameaça com a pena de prisão (no caso das penas de prisão suspensas) como formas de prevenção geral e especial contra a prática de novos crimes. Por outras palavras, e em relação à opção por uma pena privativa ou não privativa da liberdade, a aplicação daquelas penas não privativas da liberdade não salvaguardaram, como deveriam, a sua função de protecção dos bens jurídicos que as incriminações pretendiam acautelar, nem evitaram a prática por parte do arguido de novos crimes relacionados com a condução sem habilitação, sendo assim, elevadíssimas, no caso vertente, as exigências de prevenção especial. Assim, sendo esta a sexta condenação do arguido pela prática do mesmo crime, podemos concluir pela fraca sensibilidade que o arguido apresenta face às regras de Direito a que se encontra sujeito e que, repetida e conscientemente, opta por violar, pelo que apenas a pena de prisão se revela adequada e suficiente às exigências de prevenção que o caso reclama…
A pena concreta a aplicar ao arguido será encontrada dentro da moldura abstracta de pena de 1 (um) mês a 2 (dois) ano de prisão. Como circunstâncias desfavoráveis ao arguido tem de considerar-se a intensidade do dolo, que no 5 de 9 caso é directo, o desvalor de acção e grau de ilicitude do facto, que são médios, bem como o facto de ter antecedentes criminais pela prática do mesmo tipo de ilícito. A favor do meso temos a confissão dos factos bem como o ter assumido uma atitude crítica quanto à prática dos factos em causa nos autos. Ora, ponderados todos estes factores alcança-se que as necessidades de prevenção especial são já acima da médias, pelo que se conclui que apenas uma pena superior a ¼ da moldura abstracta (mas inferior a ½ da moldura legal, atenta a confissão e arrependimento demonstrado) terá um efeito dissuasor sobre o comportamento do arguido, na tentativa de que este não volte a cometer mais crimes, designadamente da mesma natureza, pelo que, ponderados todos estes factores, se entende adequado aplicar ao arguido uma pena de 6 (seis) meses de prisão.”.
E o mesmo se diga, mutatis mutandis quanto à suspensão da pena aplicada, porquanto como é referido na sentença condenatória: Nos termos do artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal a suspensão da execução da pena de prisão tem como pressuposto formal da sua aplicação que a medida da pena imposta ao agente não seja superior a cinco anos de prisão, e como pressuposto material a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento daquele, em que o tribunal conclua que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as respetivas circunstâncias, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal). O juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, no sentido de que irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando o eventual cometimento de novos crimes prevenido com a ameaça da prisão, daí se extraindo, ou não, que a sua socialização em liberdade é viável.
Levando-se aqui em linha de conta que a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da execução da pena reside no “afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novo crimes”, sendo, pois, decisivo “o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização traduzida na «prevenção da reincidência»” (Cf. Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 519, pág.343). Como referem Simas Santos e Leal Henriques, “na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que ele sentirá a condenação como uma advertência e que não voltará no futuro a delinquir. O tribunal deverá correr um risco prudente – esperança não é seguramente certeza –, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa” (Cf. Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Noções de Direito Penal, 5.ª ed., Rei dos Livros, 2016, pág.210).
O arguido já foi condenado: a. Proc. n.º 56/12.3PTBGC, por sentença de 09-10-2012, transitada em julgado em 08-11-2012, pela prática em 09-10- 2012, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa; b. Proc. n.º 68/12.7GTBGC, por sentença de 09-04-2013, transitada em julgado em 09-05-2013, pela prática em 20-09-2012, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa; c. Proc. n.º 510/12.7PBBGC, por sentença de 30-07-2013, transitada em julgado em 29- 08-2013, pela prática em 13-10-2012, de um crime de roubo, na pena de 2 anos e 5 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo; d. Proc. 516/13.9PBBGC, por sentença de 20-01-2015, transitada em julgado em 05- 02-2015, pela prática em 27-10-2013, de um crime de ofensa à integridade física simples (pp art. 143.º do Cód. Penal) na pena de 100 dias de multa; e. Proc. 57/15.0PTBGC, por sentença de 31-08-2015, transitada em julgado em 30- 09-2015, pela prática em 08-08-2015, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo 7 de 9 período de um ano; f. Proc. n.º 13/16.0GTBGC, por sentença de 19-04-2016, transitada em julgado em 19-05-2016, pela prática em 07-04-2016, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de um ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano; g) Proc. n.º32/18.2PTBGC, por sentença de 17-08-2018, transitada em julgado em 01-10-2018, pela prática, em 04-08- 2018, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de sete meses de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade, o que revela uma personalidade claramente indiferente aos valores tutelados pelas normas penais violadas e às respetivas sanções.
As sucessivas penas não lograram concretizar o fim visado com a sua aplicação, revelando aquele com a conduta julgada nos presentes autos uma personalidade indiferente ao direito e com total desaproveitamento de tais penas criminais.
O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido. Dito de outro modo, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O juízo de prognose exige a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido.
O comportamento do arguido, anterior e posterior à prática dos factos, e com respaldo no CRC, faz arredar qualquer possibilidade de prognose favorável.
Assim sendo, parece-nos ser clara a inviabilidade da pretensão do arguido em ver suspensa a execução da pena em que foi condenado.

Nestes termos, devem Vossas Excelências rejeitar totalmente o recurso, e em consequência manter na íntegra a douta Sentença recorrida, a qual não merece censura, fazendo assim, como sempre Justiça.»
*
Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer: (Transcrição)
“(…)
1. O recurso interposto pelo arguido S. E., em 06-07-2021 ― cf. Ref.ª 1817017 ―, visa a sentença proferida e depositada em 01-06-2021 – cf. Ref.as 23466455, 23466092 e 23466904―, no Processo Sumário n.º 152/21.6PBBGC, do Juízo Local Criminal de Bragança, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, que o condenou pela prática, em 10-05-2021, às 01h00m, como autor material, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo art.º 3.º, n.º 2, do DL n.º 2/98, de 3 de janeiro, com referência aos art.os 121.º e 122.º, ambos, do Código da Estrada, na pena de 06 (seis) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios eletrónicos de controlo à distância; e no pagamento de ¼ da UC, a título de taxa de justiça.
2. Aferidos pelas 91 (noventa e uma) conclusões formuladas, como determina o art.º 412.º, n.º 1 3 , o recurso tem, numa síntese possível e necessária das mesmas, que as reconduza ao legal perfil de «resumo» – cf. Ref.ª1817017 –, os seguintes fundamentos:
2.1. Erro de julgamento ou erro «in judicando».
Falta de inserção nos factos provados da menção de que: «O recorrente apenas conduziu o veículo automóvel por desespero, como refere a gravação da audiência entre o minuto 2:33 e o minuto 2:48, porque o seu filho estava com bastante tosse e febre e não existindo alternativa (amigos, familiares ou outros) viu-se impelido a usar o seu veículo automóvel em direção às urgências do hospital de Bragança.» Pese embora a afirmação do recorrente, o Tribunal «a quo» nada fez para apurar tal inevitabilidade, em desalinhamento com o prevenido no art.º 340.º, n.º 1, o que teve influência na pena aplicada.
2.2. Desproporcionalidade da pena.
3 O objeto do recurso é balizado pelas conclusões da motivação – art.º 412.º, n.º 1 –, onde o recorrente elenca as questões suscitadas, a conhecer pelo Tribunal «ad quem» – cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 25.06.1996, publicado no BMJ n.º 478, pág. 242; e de 03-02-1999, publicado no BMJ n.º 484, pág. 271; cf. tb. o Exmo. Prof. Doutor GERMANO MARQUES DA SILVA, in «Curso de Processo Penal», Vol. III, 2.ª Edição, pág. 335; e os Ex.mos Conselheiros SIMAS SANTOS e LEALHENRIQUES, in «Recursos em Processo Penal», Editora Rei dos Livros, 6.ª Edição, pág. 81 e seguintes. Para além delas poderá o Tribunal «ad quem» conhecer dos vícios e das nulidades de conhecimento oficioso – art.os 379.º e 410.º, n.os 2 e 3 –, mesmo que não suscitadas pelo recorrente – cf. os art.os 403.º, 412.º, n.º 1; e os Acórdãos do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça n.os: 1/94, de 2.12.-DR.ª I-A, de 11.12.1994; e 7/95, de 19.10-DRª I-A, de 28.12.1995.
Não obstante o que motivou a condução não seja uma causa de exclusão da ilicitude, deve ser tido em conta na graduação da censurabilidade e como atenuante na determinação da pena. Erro na escolha da pena e na determinação da sua medida.
O crime foi praticado com dolo eventual, forma menos gravosa do dolo.
Deficiência de fundamentação. A pena deveria ter sido não privativa da liberdade, nomeadamente a pena suspensa, ainda que com injunções, como sejam: «o acompanhamento por um psicoterapeuta», com inserção «em terapia de grupo específica para os comportamentos desviantes..».
Caso se impusesse a aplicação de pena privativa, deveria ser de metade da fixada, a cumprir no regime sentenciado.
Deveria ter sido atenuada especialmente a pena, nos termos do art.º 72.º, n.º 1, do C.P., porquanto a ilicitude do facto e a censurabilidade da conduta são moderadas.
2.3. Violação dos art.os 340.º, n.º 1, al. a); 58.º, este, da Constituição da República Portuguesa; 40.º, 43.º, 50.º, 52.º, 53.º, 54.º, 65.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º e 77.º, estes, do Código Penal.
2.4. Termina a alteração da decisão nos moldes enunciados; e, subsidiariamente, a redução da pena para o seu limite mínimo ─ três meses ─, e que seja «autorizado a desempenhar qualquer função laboral que lhe seja proposta.»
3. O Senhor Procurador da República que representou o Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso tempestivamente – cf. Ref.ª 1827207 –, pese embora sem a formulação de conclusões ─ cf. art.º 413.º, n.º 3 ─, defendendo, sinteticamente, após o isolamento do que teve como única questão recursória, o acerto do julgado quanto à pena escolhida, sua medida e relativamente à recusa da suspensão da execução da mesma.
4. Cumpre, pois, emitir parecer, nos termos do art.º 416.º, n.º 1.
III
1. O recurso, em primeira linha, acoima a sentença recorrida de erro de julgamento por, apesar de o recorrente haver explicado que apenas conduziu o veículo por imperativo decorrente da doença do filho, ainda bebé, não ter o Tribunal «a quo» empreendido qualquer outra diligência para confirmar, ou infirmar, essas declarações.
Ora, consta efetivamente da ata da audiência de discussão e julgamento, de 10-05-2021 ─ cf. Ref.ª 23401575 ─, aliás sem qualquer objeção de todos os sujeitos processuais, que: «Após a leitura do auto de notícia…., o arguido declarou pretender confessar de forma livre, integral e sem reservas, os factos que lhe são imputados.»
E que: «Perguntado pela Mmª Juiz de Direito, disse que tal confissão é de livre vontade, fora de qualquer coação, integral e sem reservas.» Constando também que: «…pela Mmª Juiz de Direito foi decidido, nos termos do disposto no art.º 344.º, n.º 2, do C.P.Penal, não dever ter lugar a produção de prova quanto aos factos confessados, passando-se de imediato às alegações orais.»
É certo que a confissão acarreta a consideração dos factos confessados como provados, nos termos do art.º 344.º, n.º 2, al. a), parte final.
Porém, como decorre da lei e a jurisprudência vem entendo: «I. A confissão integral e sem reservas implica não só a aceitação dos factos imputados, mas também a dimensão normativa que lhes é dada. II. Se o arguido, embora reconhecendo os factos que integram os chamados elementos objectivos do crime, lhes contrapõe ou acrescenta outros com vista a eximir-se da responsabilidade, não faz uma confissão «sem reservas». 4 (In Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07-12-2009, publicado na «Coletânea de Jurisprudência» ─ Ano de 2009, Tomo 5, pág. 270.
Como também salienta o saudoso Exmo. Conselheiro MAIA GONÇALVES: «…deve considerar-se confissão integral aquela que abrange todos os factos imputados, e confissão sem reservas aquela que não acrescenta novos factos susceptíveis de dar aos imputados um tratamento diferente do pretendido (ex. confissão dos factos da acusação integradores de ofensas corporais, mas com o acrescento de novos factos configurativos de uma legítima defesa).» 5 (In «Código de Processo Penal Anotado -Legislação Complementar» ─ 16.ª edição 2007 -Almedina, pág. 724, nota 4., 2.º §)
Tendo este entendimento por pacífico e considerando as objeções recursórias, resulta da audição da gravação da audiência, mas especificamente das declarações do recorrente, que, para além de haver confessado que efetivamente conduziu o veículo, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação, acrescentou que apenas o fez para socorrer o filho, de 6 meses de idade, que estava com febre e tinha muita tosse, levando-o à urgência; na sequência do que, a perguntas da Senhora Juíza quanto a alternativas para o alegado transporte de emergência, declarou que delas não dispunha.
Apesar disso, nada mais lhe foi questionado, quer quanto à presença do filho no momento da detenção, quer quanto à doutra pessoa no veículo, que pudesse garantir a segurança do bebé, como resulta das regras da experiência, quer ainda sobre o sentido em que o recorrente seguia aquando da intervenção policial, ou seja, a caminho da urgência ou já no regresso, o que não era despiciendo, designadamente para a eventual pretensão de meios de prova complementares.
Diga-se, de passagem, que o veículo que o recorrente conduziu estava registado a favor da companheira do recorrente e, ao que tudo indica, mãe do bebé em causa.
Neste conspecto, tendo o recorrente aduzido os aludidos factos, constituiriam os mesmos a invocação de causa de justificação do ilícito relativo à condução sem habilitação legal ou de exclusão da culpa, o que, incontornavelmente, representa, pese embora a confissão dos factos objetivos, pelo menos, uma limitação da vertente subjetiva do ilícito e, por consequência, uma confissão não integral ou com reservas, em desalinhamento com o disposto no art.º 344.º, a ponto de os factos provados, do segmento 3, não poderem, sem mais discussão e justificação da eventual recusa da micronarrativa do recorrente, ser considerados provados.
Ou seja, pese embora alguma menor explicitação disso na motivação, o que o recorrente pretende significar é, no fundo, que a sua confissão foi amputada por si no concernente à aceitação do cometimento do ilícito de forma voluntária e consciente, sabendo que a condução nas circunstâncias que descreveu era ilícita. Aliás, o recorrente descreveu a causa do exercício da condução naquela circunstância com uma entoação chorosa e denotativa do seu desvelo para com o filho. A dita reserva é sintomática no pretender que o Tribunal «a quo» tivesse empreendido outras diligências com vista a dilucidar a autenticidade do motivo, de resto nem sequer transcendentes porquanto o agente captor facilmente prestaria sobre o assunto o cabal esclarecimento (se o recorrente ia ou vinha da urgência, certamente que o bebé estaria no interior do veículo), porventura complementados com a informação da urgência.
No essencial, o recorrente diverge da consideração das suas declarações no julgamento como tendo o efeito de «confissão integral e sem reservas», na dimensão e consequências que o art.º 344.º lhe confere.
Parece-nos, pois, seguro que o recorrente não assimilou esclarecidamente que estaria a responsabilizar-se inteiramente pelo cometimento da infração, em toda a sua integralidade, sem que tivesse qualquer relevância a introdução da sua micronarrativa sobre os motivos da condução.
Assim sendo, não é compreensível que, na ata da audiência, se tenha dado por assente a confissão de todos os factos, inclusivamente da componente subjetiva.
Ao ter-se socorrido, na fundamentação, da figura da «confissão integral e sem reservas», o Tribunal «a quo», salvo o devido respeito, desconsiderou a integralidade das declarações do recorrente e a sua teleologia, infringindo o art.º 344.º e deixando a factualidade esboroada quanto à vertente subjetiva; parecendo-nos que a proeminência do valor da ata, enquanto documento autêntico, não poderá deixar de ceder perante a evidência de que o seu teor está vitimado por, ao menos, uma perceção não totalmente esclarecida do que foi a extensão da confissão do recorrente.
Quer pelas razões aduzidas, quer porque, num certo sentido, como considerou o Tribunal da Relação de Coimbra ─ cf. acórdão infra ─, a sentença recorrida está eivada de insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, parece-nos que o julgamento deve ser anulado, para vir a ser repetido, de modo a abarcar todos os aspetos essenciais à comprovação, ou não, das efetivas reservas que o recorrente denotou nas declarações prestadas.
É certo que o recorrente não apresentou contestação, não produziu exposições introdutórias e também não suscitou, em audiência, qualquer oposição ao acolhimento da confissão, na sua dimensão máxima, mas isso é tarefa que processualmente não está ao seu alcance, não podendo ser prejudicado pelas omissões de outros.
De facto, como sublinha o Ex.mo. Desembargador CRUZ BUCHO (6 In Acórdão de 04-12-2017, tirado no Proc. n.º 20/15.0GBGMR.G1): «a estruturação do processo penal português de acordo com a ideia da máxima acusatoriedade possível com a persistência de um princípio de investigação oficial a cargo do juiz (cfr. artigo 2.º, n.º 2,4) da Lei n.º 43/86, de 23 de Setembro – Lei de Autorização Legislativa) “significa que ao tribunal é atribuído o poder-dever de esclarecer e instruir autonomamente – isto é, independentemente das contribuições da acusação e da defesa – o facto sujeito a julgamento, criando ele próprio as bases necessárias à sua decisão (artigos 289.º, 299.º e 340.º)” Figueiredo Dias, Direito Processual Penal - Lições, Coimbra, 1988-9, pág. 107, Id., “Introdução” in Código de Processo Penal e Outra Legislação Processual Penal, Lisboa, 1992, pág. 23.»
2. Por tudo quanto fica exposto, é nosso parecer que o recurso deve ser julgado procedente, embora com a anulação do julgamento, ficando prejudicado o conhecimento da vertente do inconformismo relativa à pena.
7 Cf., neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-04-2012, tirado no Proc. n.º 54/11.4PTLRA. C1, de que foi relator o Exmo. Desembargador JORGE DIAS, cujo sumário se transcreve: «Quando o arguido nas suas declarações, embora reconhecendo os factos objetivos, invoca para a sua prática uma causa de exclusão da ilicitude e da culpa e, por conseguinte não confessa o facto subjetivo imputado, não podem ter-se por confessados integralmente os factos da acusação que integram a prática do crime.»; e de 15-12-2010, tirado no Proc. n.º 44/10.4EALSB.C1, de que foi relator o Exmo. Desembargador RIBEIRO MARTINS, cujo sumário também se transcreve: «Se da gravação das declarações prestadas em audiência de julgamento não resulta inequivocamente que o arguido tenha confessado a totalidade dos factos que lhe são imputados, as declarações que prestou não podem qualificar-se como uma confissão integral e sem reservas e darem-se como provados os factos com base em tais declarações.»
*

Foi cumprido o disposto no nº 2, do art. 417º, do CPP.
*
Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
*
II- Fundamentação

Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respetivas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no presente recurso suscitam-se as questões de saber se:

- Erro de julgamento;
- Escolha e medida da pena;
- Atenuação especial;
- Suspensão, sendo a mesma subordinada a regime de prova, sujeita a injunções adequadas ao caso dos autos.

Importa apreciar as enunciadas questões e decidir.
Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objeto do recurso os factos considerados na decisão recorrida e considerações atinentes à determinação da sanção (transcrição):

“(…)
iii. FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS
Produzida a prova e discutida a causa, o Tribunal julga provados os seguintes factos:
ACUSAÇÃO PÚBLICA
1. No dia -/05/2021, pela 1h00, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula PM, na rua …, freguesia de .. e concelho de Bragança;
2. O arguido conduzia o referido veículo automóvel, sem que fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento com força legal equivalente, que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículos na via pública;
3. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com intenção de conduzir aquele veículo, não obstante saber que era imprescindível e necessário ser titular de documento que o habilitasse a guiar veículos motorizados na via pública, emitido e passado pelas entidades oficiais competentes;
4. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal

ANTECEDENTES CRIMINAIS
5. O arguido já foi condenado:
a. Proc. n.º 56/12.3PTBGC, por sentença de 09-10-2012, transitada em julgado em 08-11-2012, pela prática em 09-10-2012, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa;
b. Proc. n.º 68/12.7GTBGC, por sentença de 09-04-2013, transitada em julgado em 09-05-2013, pela prática em 20-09-2012, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa;
c. Proc. n.º 510/12.7PBBGC, por sentença de 30-07-2013, transitada em julgado em 29-08-2013, pela prática em 13-10-2012, de um crime de roubo, na pena de 2 anos e 5 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo;
d. Proc. 516/13.9PBBGC, por sentença de 20-01-2015, transitada em julgado em 05- 02-2015, pela prática em 27-10-2013, de um crime de ofensa à integridade física simples (pp art. 143.º do Cód. Penal) na pena de 100 dias de multa;
e. Proc. 57/15.0PTBGC, por sentença de 31-08-2015, transitada em julgado em 30- 09-2015, pela prática em 08-08-2015, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano;
f. Proc. n.º 13/16.0GTBGC, por sentença de 19-04-2016, transitada em julgado em 19-05-2016, pela prática em 07-04-2016, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de um ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano;
g. Proc. n.º32/18.2PTBGC, por sentença de 17-08-2018, transitada em julgado em 01-10-2018, pela prática, em 04-08-2018, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de sete meses de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade;

CONDIÇÕES SÓCIO-ECONÓMICAS E FAMILIARES
6. À data dos factos o arguido residia junto de D. F. sua companheira e filho do casal, bebé, num apartamento tipologia t2, de adequadas condições de habitabilidade, arrendado pelo valor de 300€, acrescido de despesas fixas inerentes à habitação, situação que mantém na actualidade.
B) MOTIVAÇÃO O Tribunal formou a sua convicção positiva com base na análise crítica e conjugada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, globalmente considerada, atendendo aos dados objectivos fornecidos pelos documentos juntos aos autos e fazendo uma análise das declarações prestadas pelo arguido que confessou de forma integral e sem reservas os factos que lhe são imputados na acusação pública.
Os antecedentes criminais do arguido resultam do C.R.C.
Relativamente às condições sócio-económicas do arguido, o Tribunal baseou a sua convicção no “Relatório Social”.» (…)”
*
Apreciação

Começaremos por analisar uma questão que, a ocorrer, inquina de forma indelével toda a decisão sob escrutínio.
O recorrente inicia a sua impugnação invocando o que apelida de erro de julgamento, ou erro in judicando; cometido no tribunal recorrido, porquanto aí não se terá atendido ao facto de o recorrente apenas ter conduzido o veículo automóvel “por desespero, como refere a gravação da audiência entre o minuto 2:33 e o minuto 2:48, porque o seu filho estava com bastante tosse e febre e não existindo alternativa (amigos, familiares ou outros) viu-se impelido a usar o seu veículo automóvel em direção às urgências do hospital de Bragança”.
O tribunal a quo, perante a declaração do recorrente nesse sentido, nada fez para a confirmar, descurando, manifestamente, o disposto no n.º 1 do artigo 340 º do CPP, com manifestas repercussões na escolha e medida da pena aplicada.
Como se extrai do seu douto parecer, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, perante a alegação do recorrente, e após analisar a ata de julgamento e as declarações tomadas ao arguido, levanta a questão da existência no acórdão recorrido do vício a que alude o art. 410º, nº 2, al. a), do CPP, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Na sua perspetiva, o tribunal a quo, podendo e devendo fazê-lo, não ponderou convenientemente o teor da totalidade das declarações proferidas pelo arguido em julgamento, cuja apreciação e valoração global se mostra de toda a relevância para aferir da veracidade das mesmas e da eventual repercussão no sancionamento da conduta assumida. Concretamente, se poderia ter-se como verificada alguma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
E fê-lo, desde logo, ao considerar que o arguido confessou, de forma livre e integral, os factos praticados, e, fazendo uso do disposto no art. 344º, nº 2, do CPP, prescindiu da produção de prova, passando de imediato às alegações orais, como ficou registado na ata respetiva.
Efetivamente, consultados os autos, designadamente a ata aludida, e revisitadas as declarações prestadas pelo arguido em julgamento, constatamos que.
- na primeira, ficou exarado que aquele; «Após a leitura do auto de notícia…, o arguido declarou pretender confessar de forma livre, integral e sem reservas, os factos que são imputados.». Tendo seguidamente sido ditado; «…pela Mmª Juiz de Direito foi decidido, nos termos do disposto no art.º 344.º, n.º 2, do C.P.Penal, não dever ter lugar a produção de prova quanto aos factos confessados, passando-se de imediato às alegações orais.»
- na segunda situação, ao procedermos à audição das declarações do arguido verificamos que este, não obstante ter admitido a condução do veículo nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação, não se ficou por essa vertente confessória.
Logo apresentou uma versão para justificar esse seu comportamento, dizendo que apenas o fez para prestar socorro ao seu filho, de 6 meses de idade, que se apresentava com febre e tinha muita tosse, vendo-se na contingência de o conduzir às urgências do Hospital de Bragança para ser assistido. Perante essa justificação, a Mmª Juíza que presidia à diligência questionou-o sobre a existência de alternativas para o alegado transporte de emergência, ao que o recorrente declarou que delas não dispunha.
Ora, como bem salienta o Exmº Procurador Geral Adjunto no seu parecer, ao citar o Ac. deste TRG, de 07/12/2009, Col. Jur., T. 5, pág. 270, “Porém, como decorre da lei e a jurisprudência vem entendendo: «I. A confissão integral e sem reservas implica não só a aceitação dos factos imputados, mas também a dimensão normativa que lhes é dada. II. Se o arguido, embora reconhecendo os factos que integram os chamados elementos objectivos do crime, lhes contrapõe ou acrescenta outros com vista a eximir-se da responsabilidade, não faz uma confissão «sem reservas».”
Também apresenta aqui pleno propósito citação do trecho Exmo. Conselheiro Maia Gonçalves: «…deve considerar-se confissão integral aquela que abrange todos os factos imputados, e confissão sem reservas aquela que não acrescenta novos factos susceptíveis de dar aos imputados um tratamento diferente do pretendido (ex. confissão dos factos da acusação integradores de ofensas corporais, mas com o acrescento de novos factos configurativos de uma legítima defesa).», (In Código de Processo Penal Anotado – Legislação Complementar, 16º ed. 2007 – Almedina, pág. 724, nota 4º, 2º par.).
Como referimos, aquelas declarações confessórias do arguido constituíram o único elemento probatório que levou á fixação da matéria de facto provada.
Se o arguido prestar declarações, confessando os factos imputados, releva a fase processual e a forma da confissão para determinar os seus efeitos probatórios, muito embora seja sempre válido o princípio de que o valor probatório da confissão será sempre livremente apreciado pelo tribunal. É que, mesmo nos casos em que a lei atribui efeitos especiais à confissão integral e sem reservas, com a consequente dispensa de produção de outra prova, tal apenas sucede num momentos posterior ao funcionamento do princípio da livre apreciação da confissão pelo tribunal para determinar se a mesma reveste ou não as características de «confissão livre, integral e sem reservas».” (Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, verbo, pág. 169/170)
Uma das exceções ao princípio fundamental da livre apreciação da prova, consignado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, é precisamente a valor probatório atribuído na lei à confissão integral e sem reservas no julgamento. Prescrevendo a este propósito o artigo 344.º do Código de Processo Penal que:

«1 - No caso de o arguido declarar que pretende confessar os factos que lhe são imputados, o presidente, sob pena de nulidade, pergunta-lhe se o faz de livre vontade e fora de qualquer coacção, bem como se propõe fazer uma confissão integral e sem reservas.
2 - A confissão integral e sem reservas implica:
a) - Renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados;
b) - Passagem de imediato às alegações orais e, se o arguido não dever ser absolvido por outros motivos, a determinação da sanção aplicável; e
c)- Redução do imposto de justiça em metade.
3 - Excetuam-se do disposto no número anterior os casos em que:
a) - Houver coarguidos e não se verificar a confissão integral, sem reservas e coerente de todos eles;
b) - O tribunal, em sua convicção, suspeitar do carácter livre da confissão, nomeadamente por dúvidas sobre a imputabilidade plena do arguido ou da veracidade dos factos confessados; ou
c) - o crime for punível com pena de prisão superior a três anos.
4 - Verificando-se a confissão integral e sem reservas nos casos do número anterior ou a confissão parcial ou com reservas, o tribunal decide, em sua livre convicção, se deve ter lugar e em que medida, quanto aos factos confessados, a produção da prova».

No caso sub judice, não havendo coarguidos, nem qualquer suspeita do caráter livre da confissão, e sendo o crime imputado ao arguido o de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 2, do D.L. nº 2/98, de 03/01, a que corresponde pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias, o tribunal não estava impedido de decidir, com decidiu, que a confissão do arguido implicava a renúncia à produção da prova relativa aos factos constantes da acusação e a consequente consideração destes como provados.
Sendo certo que o arguido estava presente no julgamento, assessorado pela sua defensora oficiosa, e não reagiu a esta posição do tribunal, mas tal em nada altera a valor probatório atribuído na lei à confissão integral e sem reservas no julgamento, e ao dever de investigação e procura da verdade material que incumbe ao tribunal.
Como ressalta, pois, deste artigo 344º, designadamente dos nºs 3 e 4, e se extrai das lições do ilustre jurista acabado de citar, o tribunal tem o poder/dever de, perante uma atitude confessória do arguido fazer funcionar o direito/princípio da livre apreciação da prova. Desde logo aquilatando da liberdade confessória, e, não se suscitando dúvidas quanto à mesma, indagar se confirma na sua integralidade os factos da acusação, e não existe qualquer reserva na sua declaração, designadamente se não existem factos ou razões que obstem ao sancionamento da conduta, ou eventual causa que seja suscetível de levar a uma atenuação da ilicitude dos factos ou, principalmente, da culpa do arguido, com repercussões na escolha ou na medida da pena aplicar.
Como acima se salientou, na análise da fundamentação de facto vertida na decisão recorrida constatamos que o tribunal acabou por não apreciar o teor das declarações do arguido, pelo menos na sua totalidade, não atribuindo ao seu conteúdo a relevância que merecia, designadamente na parte em que apresenta uma justificação para ter assumido a conduta que confessou.
Face à relevância do conteúdo dessas declarações, incumbia ao tribunal recorrido, dentro dos seus poderes de investigação, aquilatar da veracidade das mesmas, sendo certo que o poderia fazer ouvindo a prova de que prescindiu.
Acabou por fazer tábua rasa dessa parte das declarações que constituíam motivação da assunção do comportamento, estribando-se numa confissão, que considerou integral e sem reservas, sem dar o devido relevo à dimensão subjetiva que estará por detrás daquele, com eventuais consequências ao nível da culpa e da responsabilidade do arguido. Limitando a sua intervenção a questionar se não ocorreriam outras alternativas que pudessem socorrer a menor e providenciar pelo seu transporte ao hospital, no que foi alvo de resposta negativa por parte daquele recorrente.
Vejamos.

Conforme jurisprudência pacífica e constante dos nossos tribunais superiores, o recurso admite duas vias distintas de impugnação: a dos erros de julgamento, com impugnação da matéria de facto nos termos previstos no art. 412º, e a dos vícios da decisão, previstos no art. 410º, nº 2, em cujo âmbito se preveem três situações:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e
c) O erro notório na apreciação da prova.

Na tarefa de deteção dos vícios apontados no nº 2 do citado art. 410º os tribunais superiores devem ater-se, imperativamente, apenas e só, ao teor do texto da decisão recorrida e, se necessário, também às regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. neste sentido, Germano Marques da Silva, ibidem, pág. 323 e sgts., e Pereira Madeira, in “Código de Processo Penal”, Comentado, 2ª Edição Revista, 2016, Almedina, pág. 1272 e sgts.).
Por outro lado, é hoje pacífico que o conhecimento dos aludidos vícios, para além de poderem ser suscitados pelos recorrentes na fundamentação dos recursos que interponham, é também de conhecimento ou indagação oficiosa (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de nº 7/95, de 19 de Outubro de 1995).
Pois, como sublinha o Exmo. Conselheiro Pereira Madeira, na citada obra, “mandam a prudentia e o bom-senso que nenhum tribunal, seja ele qual for, possa ser obrigado a aplicar o direito a uma matéria de facto ostensivamente divorciada da realidade das coisas, quer por ser insuficiente, quer por ser contraditória, quer por se revelar a priori - e pela simples leitura da decisão impugnada - uma matéria de facto erroneamente apreciada. Claramente, em tais casos, qualquer que fosse o edifício jurídico que aí assentasse seria uma edificação em perigo constante de derrocada por falta dos indispensáveis alicerces. Como sustentar a validade de uma decisão judicial séria, condenatória ou absolutória, sendo intuído imediatamente, pela simples leitura do texto respetivo, que os factos elencados ou indagados pelo tribunal, no seu conjunto, são insuficientes, contraditórios (entre si ou com a conclusão a que se chegou), ou notória e erroneamente adquiridos?”.
Relativamente ao vício previsto na alínea a), do nº 2 do art. 410º o mesmo ocorre quando a factualidade dada como provada na sentença é insuficiente para fundamentar a solução de direito, e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final; ou, por outras palavras, quando a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito (Germano Marques da Silva, ibidem, pág. 324).
Também o Supremo Tribunal de Justiça vem considerando que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena (cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão de 04/10/2006, proferido no âmbito do Proc. nº 06P2678 , in www.dgsi.pt).
Aqui chegados cumpre salientar o seguinte.
Um sistema adjetivo penal integrado pelo princípio da investigação, como é o Código de Processo Penal vigente em Portugal, perspetivando-o, no que à aquisição e valoração da prova implica, que a condução e esclarecimento da matéria factual não pertence apenas aos sujeitos processuais – que não “partes” – mas ainda, e em primeiro lugar e como última instância, ao julgador.
Isto é, a atividade jurisdicional não se limita ao controlo da legalidade dos atos, como ainda sobre o magistrado impende, como salienta Jorge Figueiredo Dias (Direito processual penal I, p. 193) «o dever de investigação judicial autónoma da verdade», pois só assim «se compreende que não impenda nunca sobre as partes, em processo penal, qualquer ónus de afirmar, contradizer e impugnar; como, igualmente, que se não atribua qualquer eficácia à não-apresentação de certos factos ou ao «acordo», expresso ou tácito, que se formaria sobre os factos não contraditados.»
É, pois, uma arquitetura adjetiva que visa a verdade material, que implica, na síntese assertiva do Professor Castanheira Neves (Sumários de Processo Criminal, 43 e 44 e 51 e segs) «a decisiva consequência de não poder fundar-se o juízo probatório senão na prova efetiva dos factos.»
A decisão que promana da verdade material, a que lei processual penal denomina de “boa decisão da causa”, é assim relevante, mesmo essencial, para que a eficácia do sistema de justiça se possa concretizar, visto que o restabelecimento da paz jurídica na comunidade que se viu atingida pelo ilícito criminal, apenas se consolida quando se atinge uma correspondência da realidade objetiva, da verdade histórica, com a realidade probatória e, consequentemente, é declarada a culpa de quem praticou a conduta delituosa, e absolvido quem não atingiu os bens primordiais tutelado pela lei penal.
Paulo Dá Mesquita (A prova do crime e o que se disse antes do julgamento – estudo sobre a prova no processo penal Português à luz do sistema Norte-Americano, Coimbra, Coimbra Editora, 2011) considera mesmo que “princípio da investigação não é um produto da epistemologia mas expressão de um modelo jurídico, político e cultural através do qual os operadores do sistema compreendem o processo criminal e a sua função no mesmo, uma estrutura de interpretação e significado.”
Com este relacionado, sendo ainda matriz e o desiderato do processo penal português, o princípio da descoberta da verdade material encontra-se definido no art. 340º do CPP.

Nos termos do disposto nos números:

1 - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, e;
2 - Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.

Versando sobre o aludido conceito de “verdade material” lançamos mão das judiciosas palavras do Professor Castanheira Neves (Sumários de processo criminal, 1967 – 1968 edição policopiada, 1968.) quando este afirma que «quanto à «verdade» que aqui se visa, devemos ter em conta que ela tem a ver com a realidade da vida, com a ação humana e as circunstâncias do mundo humano, pois a verdade que importa ao direito (e, assim, ao processo) não poderá ser outra senão a que traduza uma determinação humanamente objetiva de uma realidade humana. É ela, pois, uma verdade histórico-prática. A sua modalidade não é a de um juízo teorético, mas a daquela vivência de certeza em que na existência, na vida, se afirma a realidade das situações, com tudo o que nestas de material e de espiritual participa. Quer dizer, será errado identificarmos a ideia de objetividade científica (sistemático-conceitual e abstrato-generalizante) – pois isso seria esquecer, por um lado, que a intenção teorético-cientifica é o resultado de uma modificação específica, e metodologicamente deliberada, na intenção e modos originários da experiência fundamental em que se nos dá a realidade, e por outro lado, ignorar que o «facto» da ciência (os factos para a ciência), longe de ser o facto absoluto ou o «dado» correlativo das específicas intenções científicas, e que, portanto, haverá sempre de distinguir-se, pelo menos, dos factos da experiência humano-natural e histórica. Do que se trata aqui é antes daquela particular objetividade da vida, a exprimir sempre uma «indissolúvel unidade do conhecer e do agir», um prático experimentar-compreender teoreticamente irredutível. O que não é, todavia, contraditório, com a pretensão da racionalização. Só que não deve esquecer-se que se trata de uma racionalização de índole prático-histórica, a implicar menos o racional puro do que o razoável, proposta não à dedução apodítica, mas à fundamentação convincente para uma análoga experiência humana, e que se manifesta não em termos de intelecção, mas de convicção (integrada sem dúvida por um momento pessoal) – já por isso a racionalização toma no nosso caso muito justamente o nome de motivação e não o de demonstração.»
Enunciado no aludido art. 340º do CPP, que disciplina a prova em sede de audiência de julgamento, este principio impõe-se, no entanto, em todas as fases do processo penal, sendo resultado de uma “conceção” personalista do direito e democrática do Estado (Rodrigues Maximiano, “A Constituição e o Processo Penal: competência e estatuto do Ministério Público, dos Juiz de Instrução Criminal e do Juiz Julgador – a decisão sobre o destino dos altos e os artigos 346 e 351 do CPP”, revista do Ministério Público ano 2, volumes 5 e 6, 1981), provindo de uma leitura própria do principio do acusatório entremeada pelo da investigação, tudo expressão da procura de uma verdade que não seja meramente formal, mas antes daquela que resulta da identidade dos factos que da vida foram levados ao processo.
Fruto da contribuição de todos os sujeitos processuais somos também de dizer, assim como o fez o Professor Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal volume 2, 5ºEdição, Lisboa, Editorial Verbo, Babel, 2011.) que este é o produto e fruto «de uma melhor prossecução da verdade e para uma decisão (mais) justa»; todavia é o julgador o único que está investido do poder-dever de investigar, oficiosamente, os factos trazidos a julgamento, visto que a ele lhe incumbe o poder-dever da busca da verdade material e da boa decisão da causa.
Ora, voltando ao caso vertente, para além das supra mencionadas alusões à confissão do arguido, e ao questionamento da existência de uma hipótese alternativa para salvaguardar o transporte da menor sua filha, nada mais foi consignado na fundamentação respeitante ao demais por ele declarado, apenas ressalta a preocupação de valorar a parte confessória do núcleo da factualidade acusatória, e da consequente dispensa da demais prova arrolada, sem procurar apurar da plausibilidade da versão complementar por ele propalada, uma vez que, face à sua importância dentro do cenário factual, a ser verdadeira, para a valoração da sua conduta como um todo, objetiva e subjetivamente falando.
Como bem salienta o Sr.º Procurador Geral Adjunto, o conteúdo dessas declarações não mereceu da parte do tribunal a merecida consideração/apreciação”, designadamente para aferir da credibilidade.
Essas declarações pretensamente explicativas foram, pura e simplesmente votados ao esquecimento, à ignorância, não merecendo da parte do tribunal a quo qualquer reflexão, nem diligência mais previdente no sentido de indagar: se o destino do arguido era o hospital; quem seguia no veículo; se a menor era aí transportada; se a mãe desta, e proprietária do veículo, também seguia no mesmo; se assim fosse, o motivo pelo qual não era ela a condutora; se a menor foi atendida no hospital e qual a dimensão do seu estado de saúde.
Talvez por se ter entendido que o seu conteúdo não teria qualquer relevância para o caso concreto, para o apuramento dos factos, da sua verdade.
Ora, feita uma análise das declarações do arguido, afigura-se-nos que o seu conteúdo merecia, justificava, uma profunda apreciação e ponderação por parte do tribunal.
Toda essa realidade carece de indagação, de uma análise e apreciação mais aprofundada, face à sua inegável importância e provável ligação à demais factualidade, para cabal apuramento da verdade dos factos.
Não podemos olvidar que as declarações do arguido, para além do auto de participação, constituíram a única prova consubstanciadora dos factos dados como provados.
Há, pois, que, perante os factos declarados, e a prescindibilidade da demais prova que estas situações confessórias neste tipo de ilícitos normalmente acarretam, procurar averiguar todo o circunstancialismo fático trazido pelo arguido, investigar e esclarecer oficiosamente toda a realidade dos factos.
Para tanto, justifica-se um acesso mais aturado a essas declarações confessórias, e às reservas que das mesmas possam resultar, que foram alvo de uma análise/alusão demasiado perfunctória para a relevância que podem assumir no apuramento da verdade material. Sendo certo que, dessa apreciação e ponderação poderá mostrar-se necessária a produção dos demais meios de prova apresentados pela acusação, ou pela defesa, concretamente no apuramento dos factos que o arguido apresenta como justificadores da sua conduta objetivamente assumida, que podem ser relevantes no esclarecimento da vertente subjetiva que o norteou.
Salvo o devido respeito por opinião diversa, no tribunal recorrido não foram tomadas todas as diligências, e cautelas, que o caso concreto exigia em termos de apuramento da realidade dos factos, na ponderação e valoração de todos os meios de prova que o processo alberga, uma vez que a confissão do arguido poderá ser considerada como feita sob reservas. E, por isso, não poderia levar o tribunal a prescindir da restante prova arrolada, e a investigar autonomamente toda a verdade.
Aqui chegados volta a dizer-se, de acordo com o enunciado no art. 410º, nº 2, alínea a), do CPP, verifica-se o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando esta seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito, em virtude de o tribunal não ter investigado toda a matéria de facto com interesse para a decisão. A matéria de facto assente pode estar afetada dessa insuficiência tanto quando não permite a subsunção efetuada em termos de imputação de determinado crime, como quando não permite um juízo inteiramente fundamentado sobre a medida e o doseamento da pena, designadamente quanto à opção entre penas não privativas e privativas da liberdade, entre pena de prisão efetiva e penas de substituição desta, ou, ainda, no caso de pena de multa, para a determinação da respetiva taxa.
Este vício só releva se resultar do texto da decisão recorrida, apreciado na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pois é um vício da decisão, não do julgamento (Cfr. Maria João Antunes, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro/Março de 1994, p. 121, citada no Ac. da RL de 10-09-2013 (P. 58/12.0PJSNT.L1).
E a resposta a essa fulcral questão passa, necessariamente, pela averiguação daquela factualidade propalada pelo arguido com vista a eximir-se, ou mitigar, a sua responsabilidade, da consequente ponderação e valoração do seu conteúdo, em confronto com a demais prova a produzir, se tal se vier a revelar necessário para a descoberta da verdade material, de molde a que, então, o tribunal a quo, munido de todos esses elementos, possa determinar com maior rigor o processo causal da verificação dos factos imputados ao arguido, ou seja, o motivo que o levou a tomar a conduta objetiva concreta confessada, decidindo, então, com toda a segurança, se a prova é suficientemente segura para imputar ao arguido o cometimento, ou não, do ilícito criminal em causa, ou para diminuir ou atenuar a sua responsabilidade.
Para este efeito, e tal como sugerido, afigura-se-nos de toda a relevância, e prudência na apreciação e valoração da prova, a realização de outras diligências probatórias que se entendam necessárias para dilucidar os factos e esclarecer o tribunal, como a convocação das testemunhas arroladas para audição em julgamento, dentro dos poderes investigatórios que ao tribunal é conferido pelo art. 340º, do CPP.
A verificação do enunciado vício do artigo 410º, nº 2 al. a), do CPP, desencadeia a sua supressão pelo tribunal de recurso, se tal for possível, e, em consequência, a decisão da causa por esse mesmo tribunal ou, na sua impossibilidade, a anulação do julgamento e o reenvio do processo para novo julgamento na totalidade ou para questões concretas identificadas na decisão de reenvio (art. 426º, nº 1, CPP).
A correção desse vício implica sempre uma decisão sobre matéria de facto, a levar a cabo nos termos do artigo 426º, nºs 1 e 2, CPP, quer pelo próprio tribunal de recurso com jurisdição em matéria de facto, ou, tal não sendo possível, pelo tribunal reenviado para o efeito. (Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 1357.)
Como anota Paulo Pinto de Albuquerque (In Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. actualizada, Universidade Católica Portuguesa, págs. 1163 e 1158), havendo impugnação da matéria de direito com arguição de vício do art. 410º, nº 2, o tribunal da relação deve verificar se é possível decidir da causa (art. 426º, nº 1,) com os elementos de prova disponíveis no processo que fundamentaram a decisão recorrida [art. 431º, al. a)], excluindo a documentação da prova da audiência. Não sendo aqueles elementos de prova suficientes para sanar o vício (art. 410º, nº 2), o tribunal da relação não pode saná-lo com base na documentação da prova ou na renovação da prova, uma vez que ambas dependem da impugnação da matéria de facto [art. 431º, al. b), e art. 430º, nº 1]. Portanto, não sendo possível sanar o vício previsto no art. 410º, nº 2, com os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre a matéria de facto do tribunal de primeira instância (excluindo a documentação da prova), o tribunal da relação deve ordenar o reenvio do processo.
Como considerou o Tribunal da Relação de Coimbra no acórdão acima citado no parecer do Ministério Público, «a sentença recorrida está eivada de insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, parece-nos que o julgamento deve ser anulado, para vir a ser repetido, de modo a abarcar todos os aspetos essenciais à comprovação, ou não, das efetivas reservas que o recorrente denotou nas declarações prestadas»
Deste modo, outra alternativa não resta senão a de decretar o reenvio dos autos para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto do processo, designadamente as concretas questões supra elencadas, de harmonia com o estatuído nos arts. 426º nº 1 e 426º-A, do CPP.
Note-se que, nestes casos de reenvio, o julgamento compete ao mesmo tribunal (ou juízo que resultar da distribuição sendo vários), estando, porém, impedido de nele participar o juiz(es) que participou, (participaram), no anterior julgamento – Cfr. arts. 426º-A, nºs. 1 e 2 e 40º, al. c), do CPP.
Face a tudo o exposto, perante a ostensividade do vício da decisão assinalado, potenciador de causa autónoma de reenvio, ao abrigo do disposto no art. 426º, nº 1, do CPP, mostra-se justificado, e imprescindível, anular o julgamento efetuado no tribunal recorrido, e determinar que se proceda à realização de um novo, que abranja a totalidade do objeto do processo.

Na procedência destas questões de índole processual fica prejudicado o conhecimento das restantes suscitadas (cfr. art. 660º, nº 1 do CPC, aplicável ex-vi artigo 4º do CPP).
*
III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães, determinam, nos termos dos artigos 426º, nº 1 e 426-A, ambos do CPP, o reenvio dos autos para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto do processo, designadamente as concretas questões supra identificadas.

Sem custas (Artº 513º, nº 1, a contrario sensu, do CPP).

(Acórdão elaborado pelo relator, e revisto pelos subscritores, com recurso a meios informáticos - Artº 94º, nº 2, do CPP)
*
Guimarães, 06 de dezembro de 2021

Os Juízes Desembargadores

Júlio Pinto
Pedro Cunha Lopes