Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
29/16.7T8PRG.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
REGISTO DE AÇÕES E DECISÕES
LEGITIMIDADE DOS TRIBUNAIS
COMPETÊNCIA DO CONSERVADOR
TRATO SUCESSIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- Quanto às ações que se encontram elencadas no art. 2º do CRP e às respetivas decisões finais, transitadas em julgado, aos tribunais assiste não só legitimidade ativa para promover o registo de tais ações e decisões, como sobre eles impende a obrigação legal de promover esse registo dentro dos prazos fixados no art. 8º-C, n.ºs 2 e 3 do CRP.
2- Essa adstrição legal de promover o registo que se impõe aos tribunais (e não só) cessa nos casos em que outros legitimados requeiram o registo (art. 8º-B, n,º 5 do CRP), como é o caso em que uma das interessadas, a quem foram adjudicados bens imóveis, no âmbito de uma partilha efetuada, por transação, homologada por sentença transitada em julgado, proferida em processo de inventário, promoveu o registo desses prédios em seu nome e viu o registo definitivo desses prédios na sua titularidade recusada pelo Conservador, com fundamento em violação do trato sucessivo.
3- Nos casos referidos em 1), o tribunal encontra-se obrigado a promover o registo, mas não garante que este vai ser efetivamente realizado, uma vez que a competência para apreciar da viabilidade (ou não) do registo ser efetuado pertence exclusivamente ao Conservador, o qual, nessa apreciação, se encontra submetido, em especial, aos princípios da legalidade e do trato sucessivo.
4- Quando o pedido de registo se funde em aquisição translativa do direito a registar, por via do princípio do trato sucessivo, o Conservador apenas pode realizar o registo definitivo do direito a favor do adquirente quando exista um negócio causal, formal e substancialmente válido, apto a operar a transmissão desse direito do transmitente, inscrito no registo, para o adquirente.
5- À recusa do Conservador em inscrever, no registo, o prédio na titularidade de determinado sujeito, com fundamento em violação do princípio do trato sucessivo, não obsta o trânsito em julgado de sentença homologatória de transação, proferida no âmbito de um processo de inventário, em que os interessados, por acordo, puseram termo à comunhão hereditária, transmitindo o prédio para a titularidade daquele sujeito, uma vez que essa sentença homologatória em nada colide com as especificidades e as exigências do registo do prédio em nome do adquirente, onde essas questões registrais não foram colocadas e, portanto, não foram objeto da decisão constante da sentença proferida no processo de inventário, transitada em julgado.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães, no seguinte:

I. RELATÓRIO

A. C., requereu inventário judicial por óbito de M. C., que também usava o nome de M. C., falecida em -/03/2006, no estado de viúva de G. C., por cujo óbito correu termos os autos de inventário obrigatório n.º 7/90, do 1º Juízo do entretanto extinto Tribunal Judicial da Comarca de Peso da Régua, indicando para o cargo de cabeça de casal a filha da inventariada, A. P..
Por despacho de 03/02/2011, determinou-se a cumulação do presente processo de inventário ao que correu termos por óbito do marido da inventariada.
Tomadas declarações à cabeça de casal, esta, em 12/10/2011 apresentou relação de bens, da qual a requerente do inventário, A. C., reclamou.

Em 26/01/2012, a 1ª Instância proferiu a decisão que se segue:
“Compulsadas as certidões prediais juntas aos autos referentes aos imóveis que constituem o património da inventariada, verifica-se que não foi levado ao registo a anterior partilha efetuada por óbito de G. C..
Assim e a fim de evitar quaisquer lapsos em termos de trato sucessivo, deverá a cabeça de casal, antes de mais, proceder ao registo da anterior partilha a favor da ora inventariada, por óbito do seu falecido marido”.
Alegando dificuldades diversas em efetuar o registo, a cabeça de casal requereu sucessivas prorrogações de prazo para o efetuar, o que lhe foi deferido; depois, alegando falta de meios económicos para efetuar o registo que lhe foi determinado e, bem assim a falta de disponibilidade dos restantes interessados para comparticiparem na despesa inerente à efetivação do registo, os quais, por sua vez, foram sucessivamente alegando que a herança da inventariada M. C. dispunha de rendimentos suficientes para que a cabeça de casal efetuasse o registo, a 1ª Instância foi proferindo sucessivos despachos no sentido de que a cabeça de casal tinha de comprovar nos autos ter já apresentado o registo que lhe fora ordenado, sem o que o processo de inventário não prosseguiria os seus termos legais.
Em 10/09/2012, faleceu o interessado G. R. (cfr. certidão de óbito junta aos autos em 09/11/2012), pelo que foram tomadas declarações complementares à cabeça de casal (cfr. despacho de 16/11/2021 e auto de declarações complementares junto ao presente processo em 17/12/2012).
Citados os interessados por óbito de G. R., insistiu-se para que a cabeça de casal juntasse aos autos o registo da partilha efetuado por óbito de G. C. (cfr. despachos de 02/04/2013, 30/04/2013, 09/09/2013, 08/11/2013 e 06/01/2014).
Face à inércia da cabeça de casal, por requerimento entrado em juízo em 28/02/2014, a requerente do presente inventário, A. C., requereu que a cabeça de casal fosse condenada como litigante de má fé e removida do cargo.
A cabeça de casal opôs-se ao requerido, reafirmando a falta de meios económicos para promover o registo que lhe foi ordenado e requerendo a notificação de todos os interessados para declararem nos autos se se dispunham a efetuar o pagamento, na proporção dos respetivos quinhões, do preparo de despesas com vista à realização do registo ordenado.
Tomaram-se declarações complementares à cabeça de casal para “esclarecer se a herança dispõe de meios económicos líquidos (rendimentos) para suportar os encargos decorrentes do registo da partilha anterior” e para “informar o montante dos emolumentos necessários à realização do registo em falta” - cfr. despacho de 04/04/2014, requerimento de 17/04/2014, auto de declarações complementares da cabeça de casal junto aos presentes autos em 16/06/2014.
Tomadas essas declarações, a 1ª Instância proferiu despacho no sentido de que os autos “não prosseguem enquanto não se mostrar registada a anterior partilha” e ordenou a notificação de todos os interessados de que os autos ficariam a aguardar o decurso do prazo de deserção da instância a que alude o art. 291º do CPC.
Entretanto, na sequência da reforma operada ao sistema judiciário, os autos transitaram para a Instância Local de Peso da Régua.
Por requerimento entrado em juízo em 06/05/2015, a requerente do inventário, A. C., requereu que o tribunal ordenasse o registo oficioso da partilha efetuada por óbito do falecido marido da inventariada M. C., isto é, o registo da partilha efetuada por óbito de G. C., e, subsidariamente, que se ordenasse o prosseguimento do presente processo de inventário, mediante a aplicação da exceção prevista no art. 34º, n.º 3 do Cód. Reg. Predial.
A cabeça de casal declarou nada ter a opor a que o tribunal diligenciasse pelo registo oficioso da partilha efetuada por óbito de G. C..

Após vários requerimentos e contra requerimentos trocados entre a cabeça de casal e os restantes interessados e, inclusivamente, um terceiro (arrendatário de um prédio da herança), em 27/09/2015, a 1ª Instância proferiu despacho, em que se lê, além do mais, que: “Não há fundamento legal ou racional para a cumulação dos dois inventários, cumprindo apenas efetuar uma partilha por óbito do cônjuge supérstite (M. C.) no Tribunal onde já se procedeu a inventário por óbito do cônjuge anteriormente falecido, em conformidade com o disposto no art. 77º, n.º 3 do CPC de 1961, norma de competência que, no caso, foi observada”, e determinou o seguinte:

“Tendo em consideração o exposto:
a) Dou sem efeito a cumulação de inventários anteriormente determinada;
b) Desentranhe todas as peças, documentos e papéis existentes neste processo desde o requerimento inicial apresentado por A. C. (incluindo-o), de modo a instruir processo autónomo de inventário por óbito de M. C.;
c) Deixe cópia neste processo de tudo quanto se desentranhe ao abrigo do determinado na alínea b), incluindo cópia do presente despacho e, posteriormente, proceda ao seu arquivamento;
d) Abra conclusão no processo de inventário – autónomo – por óbito de M. C.”.

Este despacho foi notificado a todos os interessados, que com ele se conformaram.
Por decisão proferida em 08/02/2016, indeferiu-se o pedido formulado pela requerente do presente processo de inventário para que se condenasse a cabeça de casal como litigante de má fé e se procedesse à remoção desta do cargo de cabeça de casal e, além do mais, designou-se data para a inquirição das testemunhas arroladas no âmbito do incidente de reclamação à relação de bens apresentada pela cabeça de casal.
Por requerimento entrado em juízo em 27/05/2016, a cabeça de casal alterou a relação de bens que anteriormente apresentara.
Essa alteração foi notificada a todos os interessados, não merecendo da parte desta qualquer oposição.
Em 14/11/2016, os interessados acordaram em excluir diversos bens da relação de bens apresentada pela cabeça de casal (cfr. ata de 14/11/2016).
Em 10/05/2018, todos os interessados lavraram transação quanto ao incidente da reclamação à relação de bens apresentada pela cabeça de casal.
Essa transação foi homologada, por sentença transitada em julgado (cfr. ata de 10/05/2018).
Após avaliação dos bens a partilhar, em 20/02/2019, teve lugar a conferência de interessados.
Nessa conferência, os interessados transigiram quanto à partilha dos bens a partilhar por óbito da inventariada M. C., nos termos que se seguem:

“Verificando-se ser possível a partilha por acordo (art. 1.353º, n.º 6, do CPC), os interessados presentes e representados reproduziram o acordo já constante na ata de fls. 765 vº e 766:
I. Os únicos bens a partilhar neste inventário deixados por óbito de M. C., são os que constam da relação de bens de fls. 556 a 559, ou seja, 100% dos bens correspondentes a cada verba;
II. A integralidade de cada um dos imóveis constantes nas verbas nºs. 23, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31 e 32, são adjudicadas na totalidade à interessada P. M.;
III. A integralidade de cada um dos bens, de todas as restantes verbas dos nºs. 4 a 22 (bens móveis) e verbas nº. 24, 33 e 34 (bens imóveis), ficam adjudicados, em compropriedade, na proporção de 1/3 (um terço) para a cabeça de casal A. F.; 1/3 (um terço) para a interessada A. C. e 1/3 (um terço) para os herdeiros de G. R. (M. B., G. L. e C. F.).
IV. No que tange à verba nº 1, ou seja, um crédito da herança sobre a interessada P. M., no montante de € 25.000,00, fica adjudicada à interessada P. M..
V. A verba nº 2 fica adjudicada aos interessados identificados na al. b) do ponto 2, na mesma proporção (1/3 para cada um) descrita na referida al. b).
VI. Todos os interessados prescindem, recíproca e mutuamente, de tornas, caso as mesmas viessem a ter lugar.

A dita transação foi homologada por sentença proferida em 24/04/2019, transitada em julgado.

Por requerimento entrado em juízo em 06/05/2021, os interessados requereram que o tribunal “ordene o registo oficioso da integralidade da transação realizada nos autos – ou seja com relação à totalidade dos prédios – e, naturalmente da sentença que a homologou, com trânsito em julgado, ordenando-se também para o efeito o cancelamento de quaisquer anteriores registos sobre os mesmos prédios que possam colidir com o registo da identificada transação”.
Como fundamento desta pretensão, alegam, em síntese, que tendo diligenciado pelo registo da transação, o Senhor Conservador procedeu ao registo provisório por dúvidas daquela, com o que destruiu tudo o que foi alcançado, arduamente e ao longo de vários anos nos autos, no presente processo de inventário até ao momento, inclusive, da sentença judicial, transitada em julgado, que homologou a transação neles celebrada; a única forma de se ultrapassar esta situação, é o tribunal proceder oficiosamente a esse registo, conforme é consentido pelos arts. 2º, 3º, 8º-A, n.º 1, al. b), 8º-B e 8º-C do Cód. Registo Predial.
Encontra-se junto aos autos o despacho emanado em 15/11/2020, pelo Senhor Conservador da Conservatória do Registo Predial ..., o qual consta do seguinte teor (cfr. requerimento entrado em juízo em 07/04/2011):
Inscrição Provisória por Dúvidas nos termos do art. 70º do Código do Registo Predial em conjugação art. 34º, n.º 2 e art. 6º ambos do Código do Registo Predial, por violação do princípio do trato sucessivo na modalidade de continuidade das inscrições, porquanto:
- Foi pedido a coberto da supra identificada apresentação o registo dos prédios supra identificados a favor de P. M..
- Para o efeito juntou-se certidão judicial dos autos de inventário (herança) n.º 7/90 do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – 1º Juízo intentado por morte de G. C. e certidão judicial dos autos de inventário (herança) n.º 29/16.7T8PRT intentado por óbito de M. C. e com base nos quais os referidos prédios lhe foram adjudicados na proporção de 3/33 no primeiro inventário e na totalidade do segundo inventário na sequência de uma transação homologada por sentença devidamente transitada em julgado acompanhados de certidão fiscal do IMI e IS devidos pelo excesso operado.
- Ora, pela análise tabular dos prédios objeto do pedido de registo verifica-se que todos os prédios objeto do pedido de registo se encontram inscritos a favor do autor da sucessão G. C. e mulher M. C. e quanto a 3/33 a favor de A. J. e mulher, por adjudicação no inventário por morte do referido G. C. – inventário 7/90.
- Ora uma vez que, no caso em concreto não houve cumulação de inventários, mas sim dois inventários, um por morte de G. C. onde ocorreu a partilha e adjudicação dos bens – cada um dos interessados de acordo com o mapa de partilha constante do mesmo, e outro por morte do cônjuge supérstite M. C. onde se efetuou a partilha dos bens que faziam parte do acervo hereditário desta última e que faltavam partilhar.
- nunca seria possível registar o segundo inventário sem que previamente se registasse o primeiro para dar estreito cumprimento ao princípio do trato sucessivo.
- Acontece, porém que no inventário intentado por óbito de M. C. – 29/16.7T8PRG – parece ter-se querido mais do que partilhar os bens pertencentes ao acervo hereditário deste. Parece ter-se querido rever a partilha judicial que já havia sido feita por óbito de G. C.. Pelo menos é o que parece transparecer da transação operada no referido inventário. Caso contrário, as adjudicações efetuadas num e noutro inventários são completamente incompatíveis.
- E deste modo para que a apresentante pudesse efetuar o registo destes prédios a seu favor – na totalidade e com caráter definitivo – com base no inventário 29/16.7T8PRG, conforme pedido de registo efetuado, tornar-se-ia necessário que:
- Primeiro se procedesse à retificação do inventário (herança) n.º 7/90 do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – 1º Juízo, intentado por morte de G. C. de acordo com a “retificação” ou “revisão” que parece ter sido efetuada na transação efetuada no inventário 29/16.7T8PRG intentado por óbito de M. C., quer quanto à partilha nele efetuada e respetivas adjudicações, quer quanto ao respetivo mapa de partilha, designadamente retificando-se a adjudicação que coube à autora da herança M. C. dos 5/8 que lhe coube nos prédios objeto do pedido de registo para a totalidade, com a consequente retificação das restantes adjudicações quanto aos mesmos prédios dos restantes herdeiros e cessionário (quanto a estes eliminando-se das adjudicações dos mesmos estes prédios) a fim de que com a referida retificação se possa proceder ao cancelamento do registo de aquisição já efetuado a favor do cessionário G. C. e mulher da quota parte que lhe coube nos referidos prédios no referido inventário;
- Segundo, obtida a referida retificação se procedesse ao cancelamento no registo da aquisição da quota parte efetuada a favor do cessionário G. C. e mulher;
- Terceiro, se procedesse ao registo prévio da totalidade dos prédios objeto do pedido de registo a favor da autora da herança M. C. com base no inventário n.º 7/90 intentado por morte de G. C. respetivamente retificado nesse sentido;
- Para que, por último, se pudesse proceder ao registo dos referidos prédios a favor da apresentante P. M..
- Sendo certo que com o pedido de registo deveria igualmente ser junta certidão fiscal comprovativa da instauração do processo de imposto de selo devido pela renúncia às tornas operadas no referido inventário 29/16.7T8PRG ou certidão fiscal comprovativa que tal instauração não é devida – artigo 72º, n.ºs 1 e 3 do Código do Registo Predial e verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
- E nada disto aconteceu.
- Motivo pelo qual o registo não pode ser efetuado com caráter definitivo sendo certo que neste caso não se faz azo do expediente de suprimento de deficiência previsto no art. 73º do Código do Registo Predial, uma vez que o registo enferma de deficiência que motiva um novo pedido de registo nos termos do n.º 2 do citado normativo”.

Por despacho proferido em 24/06/2021, a 1ª Instância indeferiu o requerido pelos interessados, por requerimento entrado em juízo em 06/05/2021, nos termos que se seguem:

“Os interessados informaram que foi proferido despacho que qualificou o registo da sentença que homologou a transação como provisório por dúvidas. A fim de evitar um retrocesso no âmbito da presente ação, requereram que o Tribunal ordene ao Senhor Conservador do Registo Predial a qualificação como definitivo do registo da sentença e o cancelamento de registos anteriores sobre os mesmos prédios que possam colidir com o registo da transação, possibilidade que, na sua ótica, se encontra prevista nos artigos 2.º, 3.º, 8.º-A, n.º 1, al. b), 8.º-B e 8.º-C do Código do Registo Predial.
Ao abrigo do disposto nos artigos 3.º, nº 1, alíneas a) e c), e 8.º-A, n.º 1, do Código do Registo Predial, as ações que tenham por fim o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos referidos no artigo 2.º do mesmo diploma legal, como é o caso, para além de outros, do direito de propriedade, e as respetivas decisões finais transitadas em julgado, encontram-se obrigatoriamente sujeitas a registo, incumbindo ao Tribunal promover oficiosamente o respetivo registo (artigo 8.º-B, n.º 3, alínea a), do Código do Registo Predial).
Todavia, exorbita o âmbito das competências do Tribunal e inscreve-se no âmbito das competências do Conservador do Registo Predial a qualificação do registo promovido como definitivo ou provisório (artigos 68.º e 70.º do Código do Registo Predial).
Assim sendo, em caso de discordância em relação à decisão de qualificação do registo proferida pelo Conservador do Registo Predial, existem instrumentos especialmente previstos no Código do Registo Predial para a impugnação da mesma, não bastando requerer ao Tribunal que proferiu a decisão objeto de registo que ordene a respetiva qualificação como definitiva, inexistindo fundamento legal para tal solução propugnada pelos interessados.
Considerando o exposto, indefiro o requerido”.

Inconformada com o assim decidido, a cabeça de casal interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

I– Foi proferida sentença nos autos, homologatória de transação transitada em julgado que estabeleceu factos jurídicos de constituição e reconhecimento, modificativos de direitos de propriedade sobre imóveis.
II– Nos termos da Lei, tais factos, reconhecidos por sentença judicial, são obrigatoriamente sujeitos a registo.
III– Tratando-se de uma sentença judicial transitada em julgado, esta mesma constitui título bastante e suficiente para fundamentar o imediato registo.
IV– As decisões judiciais transitadas são de cumprimento obrigatório para todos, até por princípio de natureza constitucional.
V- O registo sobre direito de imóveis persegue aliás um interesse público, o da certeza do comércio jurídico em geral.
VI– Nos termos da Lei, o Tribunal deve – está obrigado – a promover oficiosamente o registo de decisão judicial registável – tal como a decisão dos autos.
VII– Nos termos da Lei, o registo de sentença judicial transitada é feito por mera comunicação do Tribunal, com cópia da referida decisão, nos termos do artº 53-A do CRPredial.
VIII– O registo efetuado da mesma decisão por particular pode trazer delongas e até impossibilidades legais, tal como se verificou na tentativa realizada pela interessada P. M..
IX– A manutenção desta situação pode levar ao absurdo legal de, não obstante a existência de uma sentença judicial transitada em julgado, que reconhece os direitos de propriedade dos interessados, não seja a estes permitido exerce-los por não reconhecimento de outros órgãos da Administração Pública, máxime Conservatória do Registo Predial (em prejuízo dos próprios interessados e do próprio interesse público).
X– A decisão recorrida entendeu mal a pretensão que lhe foi formulada pelos interessados, que foi a de que o Tribunal promovesse oficiosamente o registo da decisão transitada em julgado e respetiva transação (e não qualquer alteração à qualificação do Senhor Conservador).
XI - Violou, assim a decisão recorrida, por erro na aplicação da Lei, diversas disposições legais, nomeadamente os artigos 2º, 3º, 34º, 35º, 38º, 53º-A do CRPredial, artigos 621º, 623º do CPC, 202º e segts. da CRP.

TERMOS EM QUE, deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência deve revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que determine o registo oficioso da decisão transitada em julgado e respetiva transação, nos termos expostos.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, a única questão que se encontra submetida ao tribunal ad quem consiste em saber se a decisão sob sindicância, que indeferiu a pretensão dos interessados no âmbito dos presentes autos de inventário, a que se procede por óbito de M. C., tendo em vista a partilha da herança aberta por óbito desta, no sentido de se ordenar o registo oficioso da sentença homologatória, transitada em julgado, da transação celebrada entre todos os interessados, mediante a qual procederam à partilha, por acordo, dessa herança, e determinando que o Senhor Conservador da Conservatória do Registo Predial ... proceda ao cancelamento de quaisquer registos anteriores sobre os prédios objeto dessa transação, que possam colidir com o registo da sentença homologatória daquela transação, padece de erro de direito, impondo-se a sua revogação e substituição por outra em que se ordene o registo oficioso de tal transação, devidamente homologada por sentença transitada em julgado, e determinando que o Senhor conservador proceda ao cancelamento de quaisquer registos anteriores sobre os mesmos prédios que possam colidir com o registo dessa transação.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para conhecer do objeto da presente apelação são os que constam do relatório acima exarado.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Os presentes autos de inventário foram instaurados com vista à partilha da herança aberta por óbito de M. C., falecida em 11/03/2006, no estado de viúva de G. C., por cujo óbito correram termos os autos de inventário obrigatório n.º 7/90, do 1º Juízo do entretanto extinto Tribunal Judicial da Comarca de Peso da Régua.
O processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditário ou, não carecendo de se realizar a partilha, a relacionar os bens que constituem objeto de sucessão e a servir de base à eventual liquidação da herança (art. 2º, n.º 1 do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05/03, vigente à data da instauração do presente processo de inventário e durante toda a pendência deste, uma vez que este diploma legal apenas foi revogado pela Lei n.º 11//2019, de 13/09, entrada em vigor em 01/01/2020 (seu art. 15º) e, portanto, já após o trânsito em julgado da sentença homologatória da transação, em que os interessados puseram termo, por acordo, à comunhão hereditária por óbito da inventariada M. C., e em que, consequentemente, o presente processo já se encontrava findo).
Conforme se extrai de forma clarividente do relatório acima elaborado, a cabeça de casal (apelante), nos presentes autos de inventário por óbito de M. C., não cumpriu com as sucessivas notificações do tribunal para que procedesse ao registo da anterior partilha efetuada por óbito do pré-falecido marido da inventariada, G. C., e aquela e os restantes interessados lograram obter o andamento do presente processo de inventário, sem que aquele registo se encontrasse efetuado, na sequência da transição dos presentes autos para um outro tribunal, por via das alterações introduzidas ao Sistema Judiciário.
Acresce que, por acordo, na conferência de interessados que teve lugar nos presentes autos, os interessados partilharam todos os bens que integravam a herança aberta por óbito do falecido marido da inventariada, que já antes tinha sido partilhada no âmbito dos autos de inventário obrigatório que correu termos sob o n.º 7/90, do 1º Juízo do extinto Tribunal Judicial da Comarca de Peso da Régua, bem como todos os bens que integravam a herança aberta por óbito da aqui inventariada, M. C., isto é, os interessados fizeram tábua rasa da partilha antes efetuada por óbito do falecido marido da inventariada e procederam à partilha de todos os bens que, à data em que G. C. e M. C., eram vivos, eram propriedade de ambos os cônjuges, como se estes fossem propriedade exclusiva da inventariada M. C. e, por conseguinte, integrassem a herança a partilhar aberta por óbito desta, e essa transação foi homologada por sentença que, entretanto, transitou em julgado.
Acontece que tendo o Senhor Conservador da Conservatória do Registo Predial ... recusado o pedido deduzido pela interessada P. M. para que os bens que lhe foram adjudicados, na sequência da partilha assim efetuada pelos aqui interessados, por óbito da inventariada M. C., homologada por sentença transitada em julgado, fossem inscritos em nome desta, lavrando essa aquisição provisoriamente por dúvidas, com fundamento na violação do trato sucessivo, argumentando que os prédios foram partilhados como sendo propriedade exclusiva da inventariada M. C., quando esses mesmos prédios figuram inscritos, no registo, em nome desta e do seu pré-falecido marido, G. C., por cujo óbito se procedeu a partilha, nos termos do qual esses prédio foram adjudicados na proporção de 5/8 à autora da herança, M. C., e 3/33 aos restantes sucessores daquele, vieram os interessados requerer que, com vista a ultrapassar o impedimento ao registo suscitado pelo Senhor Conservador, o tribunal diligenciasse, como é sua obrigação legal fazer, pelo registo da partilha efetuada por óbito da inventariada M. C., por transação homologada por sentença transitada em julgado, no âmbito do presente processo de inventário, e se ordenasse ao Senhor Conservador o cancelamento de quaisquer anteriores registos sobre os prédios partilhados que possam colidir com o registo dessa transação, devidamente homologada e cuja sentença se encontra transitada em julgado.
Essa pretensão foi indeferida pela 1ª Instância com fundamento de que exorbita as competências do tribunal a qualificação do registo como provisório efetuada pelo Senhor Conservador e que existem instrumentos especialmente previstos no Código do Registo Predial para os interessados impugnarem essa decisão do Senhor Conservador, caso entendam que esta padece de erro de direito.
Irresignada com o assim decidido, imputa a cabeça de casal (apelante) erro de direito a essa decisão, com dois fundamentos, a saber: a) sobre o tribunal impende o ónus legal de proceder oficiosamente ao registo da sentença homologatória da transação, transitada em julgado, em que todos os interessados na herança aberta por óbito da inventariada M. C., procederam, por acordo, à partilha dessa herança, e esse ónus permanece por cumprir; b) a partilha efetuada no âmbito do presente processo de inventário, foi homologada por sentença transitada em julgado, impondo-se, por via desse trânsito em julgado, a todos, incluindo ao Senhor Conservador, que não pode recusar o registo com fundamento no princípio do trato sucessivo, antes se lhe impondo a obrigação legal de cancelar todos os anteriores registos sobre os prédios que possam colidir com o registo da sentença homologatória daquela transação, transitada em julgado.
Vejamos se assiste razão à apelante nas críticas que assaca à decisão proferida pela 1ª Instância.
As finalidades do registo predial encontram-se enunciadas no art. 1º do Código Registo Predial (CRP), aprovado pelo D.L. n.º 224/84, de 06/07, na sua 34ª versão, aprovada pela Lei n.º 89/2017, de 21/08, aplicável ao caso presente, porquanto era essa a versão que se encontrava em vigor quando foi requerido o registo dos prédios pela interessada P. M., em nome desta, na Conservatória do Registo Predial ..., com base na sentença homologatória da transação celebrada entre todos os interessados, no âmbito do presente processo de inventário, a que se procede por óbito em 11/03/2006, da inventariada M. C., em que todos os interessados procederam à partilha dessa herança, por acordo, de cujo elenco fazem parte diversos prédios, sentença essa devidamente transitada em julgado, tratando-se, aliás, da versão do CRP que continua atualmente em vigor.
De acordo com o mencionado art. 1º, “o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em conta a segurança do comércio jurídico”.
Acresce realçar que nos termos do art. 7º daquele Código “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.
O registo público, e o registo predial insere-se nesta categoria, na esteira de Carlos Ferreira de Almeida, pode definir-se como “o assento, efetuado por um oficial público, e constante de livros públicos, de livre conhecimento, direto ou indireto, por todos os interessados, no qual se atestam factos jurídicos conformes com a lei e respeitantes a uma pessoa ou coisa, factos entre si conectados pela referência a um assento considerado principal, de modo a assegurar o conhecimento por terceiros da respetiva situação jurídica, e da qual a lei faz derivar, como efeitos, mínimos, a presunção do seu conhecimento e a capacidade probatória” (1).
O registo predial constitui, assim, um registo público, que tem por finalidade a segurança do comércio imobiliário, que é assegurada através da publicidade registral imobiliária relativamente a uma série de factos enumerados na lei que se encontram sujeitos a registo obrigatório (arts. 2º e 3º do CRP), com vista à tutela de interesses privados, mas também públicos.
O registo predial prossegue fins de cariz privado, na medida que garante a segurança no domínio dos direitos privados, especificamente no plano dos direitos com eficácia real, em que promove a segurança do comércio jurídico imobiliário, facilita o tráfico e o intercâmbio de bens e assegura o cumprimento da função social dos direitos reais. E prossegue o interesse público, enquanto instrumento de certeza do direito, de tutela de terceiros e da segurança do comércio jurídico e de garante da atualização do registo face ao facto publicitado (2).
Tendo em vista a prossecução dessas finalidades privadas e públicas, no que ao caso dos autos interessa, lê-se no art. 2º, n.º 1, al. a) que “estão sujeitos a registo: os factos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão”, acrescentando o art. 3º, n.º 1, al. a), que “estão igualmente sujeitos a registo as ações que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos referidos no número anterior, bem como as ações paulianas”; no art. 4º, que com exceção da hipoteca, cuja eficácia, entre as próprias partes, depende da realização do registo (n.º 2), os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros (n.º 1), mas logo se especificando no art. 5º, que com exceção dos casos previstos no seu n.º 2, “os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo” (n.º 1), entendendo-se para efeitos de registo, por “terceiros aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si” (n.º 3).

Acresce que o art. 8º-A, n.º 1, al. a) do CRP, impõe a obrigatoriedade de submeter a registo, os factos referidos no art. 2º, com ressalva das exceções nele enunciadas, e o seu art. 8º-B, quanto aos sujeitos submetidos à obrigação de submeter tais factos a registo, estabelece que:

1- Salvo o disposto no n.º 3, devem promover o registo dos factos obrigatoriamente a ele sujeitos as entidades que celebrem a escritura pública, autentiquem os documentos particulares ou reconheçam as assinaturas neles apostas, quando tais entidades não intervenham, os sujeitos ativos do facto sujeito a registo.
2- (…) Estão ainda obrigados a promover o registo:
a) Os tribunais no que respeita às ações, às decisões e a outros procedimentos e providências ou atos judiciais.
(…).
5- A obrigação de pedir o registo cessa no caso de este se mostrar promovido por qualquer outra entidade que tenha legitimidade.

No que concerne ao prazo em que os interessados e as entidades que se encontram obrigados a promover o registo e a quem a lei confere legitimidade para o promover, rege o art. 8º-C, onde se estabelece que: “salvo o disposto nos números seguintes, ou disposição da lei em contrário, o registo deve ser feito no prazo de dois meses a contar da data em que os factos tiverem sido titulados” (n.º1); “o registo das ações referidas nas alíneas a) e b) do nº 1 do art. 3º, sujeitas a registo obrigatório, deve ser pedido até ao termo do prazo de dez dias após a data da audiência de julgamento” (n.º 2); e “o registo das ações finais proferidas nas ações referidas no número anterior deve ser pedido no prazo de um mês da data do respetivo trânsito em julgado”.
Quanto às sanções em que incorrem as pessoas ou entidades que se encontram obrigadas a promover o registo e que incumpram com essa obrigação legal, não promovendo o registo dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito, o art. 8º-D, reza que com exceção dos tribunais e do Ministério Público, “a promoção do registo fora dos prazos referidos no artigo anterior determina o pagamento acrescido de quantia igual à que estiver prevista a título de emolumentos, independentemente da gratuidade, isenção ou redução de que o ato beneficie”.
Finalmente, com relevo para a solução a dar ao caso dos autos, aponta-se que o art. 36º do mesmo Código estabelece que: “Tem legitimidade para pedir o registo os sujeitos, ativos ou passivos, da relação jurídica e, em geral, todas as pessoas que nele tenham interesse ou que estejam obrigados à sua promoção”.
Da exegese do regime legal que se acaba de transcrever verifica-se que o legislador, tal como já acontecia no Código do Registo Predial de 1967, continua a consagrar o princípio da obrigatoriedade do registo, sujeitando a registo obrigatório um conjunto de factos que enumera nos arts. 2º e 3º do CRP, de cujo elenco, entre outros, constam todos os factos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação ou servidão, bem como todos os factos que restrinjam esses direitos e, bem assim todas as ações e respetivas decisões finais que tenham por fim principal ou acessório, o reconhecimento, a aquisição, a modificação ou a extinção daqueles direitos reais.
No entanto, a obrigatoriedade e a legitimidade para promover o registo que antes pertencia exclusivamente aos sujeitos ativos ou passivos da relação jurídica (reconhecendo-se, também legitimidade, em geral, para promover o registo a todas as pessoas que tenham interesse no registo, isto é, a qualquer pessoa cuja posição jurídica possa ser afetada pela falta do registo – mas sobre quem não impende a obrigação de promover esse registo), na sequência da revisão ao CRP operada pelo DL n.º 116/2008, de 04/07, foi estendida a um conjunto de outras pessoas e entidades que não são partes do negócio jurídico de onde emergem os factos sujeitos a registo obrigatório e que nele não têm interesse.
Essas pessoas e entidades, apesar de não serem parte nos negócios jurídicos de onde emerge o facto sujeito a registo obrigatório, nem sequer serem interessados nesses negócios, como é o caso dos tribunais (al. a) do n.º 3 do art. 8º-B do CPR), do Ministério Público (al. b) do mesmo n.º 3), das autoridades que celebrem escrituras públicas, autentiquem documentos particulares ou reconheçam assinaturas nele apostas (n.º 1 do art. 8º-B), passaram não só a dispor de legitimidade ativa para promover o registo nos casos enunciados nestes concretos dispositivos legais, isto é, para apresentá-lo junto da Conservatória do Registo Predial competente, como, inclusivamente, passaram a estar obrigadas a promover esse registo.
Quanto aos tribunais, estes dispõem de legitimidade ativa para promover o registo das ações, de outros procedimentos e providências cautelares ou atos judiciais, que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, constituição, modificação ou extinção de alguns dos direitos previstos no art. 2º CRP, os quais, nos termos deste dispositivo legal, são de registo obrigatório e, bem assim para promover o registo das decisões finais que nessas ações e procedimentos venham a ser proferidas (art. 8º-B, n.º 3).
Ao assim proceder, ampliando as pessoas e entidades a quem reconhece legitimidade ativa para promover o registo e, bem assim, ao impor sobre uma parte delas, inclusivamente, a obrigação legal de promover o registo, foi propósito manifesto do legislador de, por esta via, levar a que o registo desses factos, que é obrigatório, seja efetivamente promovido e realizado.
Dito por outras palavras, o legislador de 2008 instituiu um sistema em que ampliou os legitimados para promoverem o registo e, em relação a parte desses legitimados, tornou o ónus de promoção do registo obrigatório, de modo que nem todos os legitimados para promover o registo se encontram obrigados a promovê-lo.
Assim, em face do atual CRP impõe-se distinguir entre legitimados para promover o registo e de entre estes, qual o grupo para quem essa promoção é obrigatória.
Quanto aos sujeitos que têm legitimidade para promover o registo, contam-se os sujeitos, ativos ou passivos, da relação jurídica e, em geral, todas as pessoas que nele tenham interesse (art. 36º do CRP), mas enquanto a promoção do registo é obrigatória para os sujeitos, ativos ou passivos, da relação jurídica, que caso não o façam dentro do prazo legal estabelecido no n.º 1 do art. 8º-C do CRP (dois meses a contar da data da propositura da ação para o registo desta, e dois meses a contar do trânsito em julgado da decisão final nelas proferida), para além de ficarem impedidos de realizar qualquer ato de transmissão de direitos ou de constituição de encargos sobre imóveis sem que estes estejam definitivamente inscritos no registo, a favor da pessoa de quem se adquiriu o direito ou contra a qual se constitui o encargo (art. 9º, n.º 1 do CRP), ficam sujeitos às penalidades económicas enunciadas no art. 8º-D, n.º 1 do mesmo Código, já os terceiros que tenham interesse na efetivação do registo, mas que não sejam titulares, ativos ou passivos, da relação jurídica de onde emerge o facto sujeito a registo obrigatório, embora disponham de legitimidade ativa para promover o registo, não se encontram onerados com a obrigação legal de o fazer.
Deixando de parte as pessoas e entidades previstas nos n.ºs 1 e 3 do art. 8º B, que dispõem de legitimidade ativa para promover o registo quanto aos atos especificados nestes dispositivos legais e para quem a promoção desse registo é obrigatória, centrando-nos nos tribunais, estes, quanto às ações previstas no art. 3º, não só dispõem de legitimidade ativa para promover o registo dessas ações e das respetivas decisões finais, como estão obrigados a promover o registo destas, devendo fazê-lo, quanto ao registo das ações, até ao termo do prazo de dez dias após a data da realização da audiência final (n.º 2, do art. 8º-C do CRP), e quanto ao registo das decisões finais nelas proferidas, no prazo de um mês a contar do trânsito em julgado dessas decisões (n.º 3 do mesmo art. 8º-C).
Deste regime legal assim instituído decorre, pois, que nem todos os sujeitos que dispõem de legitimidade ativa para promover o registo, se encontram obrigados legalmente a promover o registo, pelo que, como dito, se impõe distinguir, por um lado, entre sujeitos e entidades que dispõem de legitimidade ativa para promover o registo e, por outro, sujeitos e entidades para quem essa promoção é obrigatória.
Por outro lado, face a este regime legal, em que, reafirma-se, foi preocupação do legislador instituir um sistema que levasse à efetiva promoção do registo, com vista a que este fosse realmente realizado e assim se acautelassem os relevantíssimos interesses públicos e privados prosseguidos pelo registo, são frequentes os casos em que a obrigação de promover o registo vincula mais do que um sujeito e entidade, de modo que quando tal aconteça, a obrigação de registar é uma obrigação subjetivamente complexa.
Quando o CRP imponha a obrigatoriedade de promover o registo a vários sujeitos ou entidades, a lei estabelece uma regra de prioridade, na medida em que essa obrigação atinge apenas aquela pessoa ou entidade que, na ordem legal, figure em 1º lugar como obrigada a promover o registo, assim se compreendendo, aliás, que tendo o registo sido promovido por uma qualquer pessoa ou entidade que disponha de legitimidade ativa para promover a sua efetivação, quer estas se encontram ou não sujeitas à adstrição legal de promover o registo, tal facto faz imediatamente cessar a obrigação legal daquelas pessoas ou entidades que se encontram obrigados a promover o registo (art. 8º-B, nº 5 do CRP).
A obrigação de promover o registo em relação aos sujeitos e entidades sobre quem impende essa obrigação legal afirma-se, portanto, como uma espécie de obrigação solidária, de modo que pedido o registo apresentado por qualquer legitimado para fazê-lo (ainda que sobre este não impenda a adstrição legal de o promover), cessa a obrigação daqueles sobre quem a lei faz impender essa adstrição de promover o registo.
Deste modo, se por exemplo, o tribunal não promover o registo da ação ou da decisão final que venha a ser proferida nessa ação, dentro dos prazos legais que lhe são fixados para o efeito, incumprindo com a obrigação de promoção do registo que lhe é imposta pelos arts. 3º, 8º-B, n.º 3, al. a) e 8º-C, n.ºs 2 e 3 do CRP, naturalmente que os sujeitos, ativos e passivos, da relação jurídica de onde emerge o facto sujeito a registo obrigatório, dispõem de legitimidade ativa para promovê-lo e, inclusivamente, terão de o fazer dentro do prazo que lhes é legalmente fixado para o efeito no n.º 1 do art. 8º-C, sob pena de incorrerem nas sanções pecuniárias previstas no art. 8º-D, n.º 1 do CRP. Se o tribunal e esses sujeitos adstritos à obrigação legal de promoção do registo, não cumprirem com essas suas obrigações legais de promoverem o registo, dentro dos prazos legais que lhe são impostos para o efeito, os terceiros interessados na efetivação do registo não se encontram naturalmente impedidos de o promover (art. 36º do CRP).
Ao invés, se esses terceiros interessados em promover o registo, a quem a lei reconhece legitimidade ativa para o promover, apresentarem esse registo ainda antes do tribunal ou dos sujeitos, ativos ou passivo, da relação jurídica de onde emerge o facto sujeito a registo obrigatório, obrigados a promovê-lo, requererem a efetivação deste à conservatória do registo predial para tanto competente e quando ainda não se encontre decorrido o prazo legal fixado pelo art. 8º-C do CRP para que estes promovam esse registo, a apresentação desse pedido de registo pelo terceiro interessado na realização deste, ainda antes do decurso do prazo legal fixado para os obrigados a promovê-lo cumprirem com essa sua adstrição legal, faz automaticamente cessar a obrigação legal que impende sobre os obrigados a promover o registo.
Na verdade, conforme se pondera no aresto da Relação de Lisboa de 24/03/2011, Proc. 195/09.8TBPTS.L-2, já supra referenciado, “bem vistas as coisas, a regra de que a obrigação de pedir o registo cessa no caso de este se mostrar promovido por qualquer uma outra entidade é bem desnecessária. A finalidade da lei é assegurar o registo. Quando tal dever já se mostra cumprido é inútil manter a vinculação dos outros obrigados para que cumpram com essa obrigação”.
Assente nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso dos autos, dir-se-á que é um facto que, destinando-se o presente processo especial de inventário a pôr termo à comunhão hereditária aberta por óbito da inventariada M. C., tendo nele sido relacionados e partilhados imóveis, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 2º, n.º 1, al. a), 3º, n.º 1, al. a), 8º-A, n.º 1, al. al. a), 8º-B, n.º 3, al. a), 8º-C e 36 do CRP, a 1ª Instância, não só tinha legitimidade ativa para promover o registo dos presentes autos de inventário e da respetiva decisão final, isto é, da sentença homologatória da transação, transitada em julgado, nele proferida, em que os interessados partilharam, por acordo, a herança aberta por óbito da inventariada, como tinha a obrigação legal de promover esses registos.
Essa obrigação legal de promover o registo da sentença homologatória da transação, em que os interessados partilharam, por acordo, a herança aberta por óbito da inventariada M. C. (apenas na aparência, porquanto aqueles, conforme já supra enunciado, não se limitaram a partilhar a herança da inventariada, mas concomitantemente a do falecido marido desta, apesar desta já se encontrar partilhada), tinha de ser cumprida no prazo de um mês a contar do trânsito em julgado dessa sentença homologatória (n.º 3 do art. 8º do CRP).
Acontece que, tal como acusa a apelante acontecer, essa adstrição legal que impendia sobre o tribunal de promover o registo daquela sentença não foi cumprida pelo tribunal a quo, pelo que urge verificar se persiste a obrigação legal do tribunal de promover o registo dessa sentença e se, ao decidir em contrário, a 1ª Instância incorreu em erro de direito.
A resposta a esta concreta questão é necessariamente negativa, quando se verifica que a interessada P. M. promoveu o registo dos bens que lhe foram adjudicados, por sentença homologatória da partilha efetuada, por acordo, entre os interessados da herança aberta por óbito da inventariada M. C., transitada em julgado, e viu o registo definitivo dessa aquisição recusado pelo Senhor Conservador da Conservatória do Registo Predial ..., por violação do princípio do trato sucessivo, o que leva inapelavelmente a que cesse a adstrição legal do tribunal de ter de promover o registo oficioso daquela sentença homologatória da transação, em que os interessados, partilharam, por acordo, a herança da inventariada M. C. (n.º 5 do art. 8º-C do CRP).
Na verdade, ao ter sido promovido o registo dos prédios adjudicados à interessada P. M., através daquela sentença homologatória da partilha efetuada por acordo, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo de inventário aberto por óbito da inventariada M. C., ficaram plenamente alcançados os objetivos almejados pelo legislador quando obriga o tribunal a promover o registo dessa sentença.
É certo que, no caso dos autos, o registo definitivo da partilha efetuada pelos interessados, por transação, homologada por sentença transitada em julgado, não se encontra realizado, mas esse facto, contrariamente ao que parece ser a posição sufragada pelos interessados no requerimento que apresentaram junto da 1ª Instância em 06/05/2021, e das alegações de recurso apresentadas pela apelante, não altera os dados da equação e, consequentemente, o que se acaba de concluir, porquanto o art. 8º-B, n.º 3, al. a) do CRP obriga o tribunal a promover, isto é, a apresentar junto da Conservatória do Registo Predial, o registo da ação de inventário e da partilha nela efetuada, por sentença transitada em julgado, mas não a garantir que esse registo é efetivamente realizado, sequer podia assegurar esse registo efetivo do processo de inventário e da sentença final de partilha nele proferida.
Com efeito, nos termos do disposto no art. 75º-A, n.º 1 do CRP, para os atos de registo é competente o conservador, de onde decorre que, uma vez cumprida pelo tribunal, pelos sujeitos, ativos ou passivos, da relação jurídica de onde emerge o facto sujeito ao registo e pelos demais sujeitos previstos no art. 8º-B, n.ºs 1 e 3 do mesmo Código (sobre quem, reafirma-se, além de assistir legitimidade ativa para promover o registo, também impende a obrigação legal de o promover, isto é, de o apresentar na conservatória do registo predial competente para o efetuar), ou por terceiro que tenha interesse na efetivação do registo (o qual dispõe de legitimidade ativa para promover o registo, mas não tem a obrigação legal de o fazer), é ao conservador que cabe apreciar da viabilidade (ou não) do pedido de registo, e não ao tribunal.
Nessa apreciação o conservador encontra-se sujeito, não só ao princípio do pedido, como ao da prioridade e da legalidade, o qual lhe impõe a obrigação de aferir da viabilidade do pedido em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores, verificando especialmente a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal e a viabilidade dos atos nele contidos (art. 68º do CRP).
Quanto aos registos anteriores, o conservador encontra-se submetido ao princípio do trato sucessivo enunciado no art. 34º do CRP.
O princípio do trato sucessivo “pretende assegurar a continuidade do registo, e garantir a quem possui uma inscrição de aquisição ou de reconhecimento do direito suscetível de ser transmitido a certeza de que não pode haver nova inscrição definitiva lavrada sem a sua intervenção (…). Através da continuidade, o princípio garante a certeza da história da situação jurídica da coisa desde o início (descrição) até ao momento de cada ato de registo, exigindo e traduzindo um nexo interrupto de continuidade entre os vários sujeitos que aparecem investidos sobre a coisa” (3).
Trata-se de princípio que, conforme é bom de ver, apenas não tem aplicação nos casos em que o direito real que se pretende registar tenha nascido ex novo, isto é, por via originária na esfera jurídica do titular desse direito, designadamente, por via do funcionamento do instituto da usucapião, mas que não pode deixar de ter aplicação plena nos casos, como acontece nos autos, em que aquisição do direito que se pretende ver registado ocorre por via translativa, isto é, da esfera jurídica da inventariada para a esfera jurídica de um ou mais seus sucessores, por via da partilha efetuada no âmbito do processo de inventário que correu termos com vista a pôr termo à comunhão hereditária, em que, por conseguinte, aquele nexo interrupto de continuidade entre os vários sujeitos que aparecem investidos sobre a coisa, no registo, não pode deixar de estar presente (4).
De resto, o registo lavrado sem apresentação prévia ou com violação do princípio do trato sucessivo é nulo nos termos da al. e) do art. 16º do CRP.
Destarte, a par da legitimidade, da legalidade, da obrigatoriedade e da prioridade, o princípio do trato sucessivo, constitui um dos elementos estruturantes do instituto do registo predial.
O registo, salvo os casos de oficiosidade previstos na lei, efetua-se mediante pedido de quem tenha legitimidade ativa para o requerer (art. 41º do CRP).
O pedido do registo deve conter a identificação do apresentante, a indicação dos factos e dos prédios a que respeita, bem como a relação dos documentos que o instruem (art. 42º), só podendo ser registados factos constantes de documentos que legalmente os comprovem (art. 43º).
O conservador, por força do princípio da legalidade a que se encontra adstrito, tem de analisar o conteúdo dos documentos que lhe foram apresentados pelo requerente e confrontá-los com a lei e os registos anteriores. Havendo registos anteriores em relação ao prédio e não se tratando de aquisição originária do direito que se pretende ver registado sobre o prédio, o conservador, por via do princípio do trato sucessivo, apenas poderá efetuar o registo do direito requerido se esse pedido estiver conforme à lei.
Logo, a viabilidade do pedido de registo terá em primeira linha de ser apreciada em função do que a lei estabelece, pelo que o conservador apenas poderá efetuar o registo quando não exista qualquer disposição legal impeditiva do registo.
Nessa sua apreciação, o conservador tem de dirigir a sua atenção em três direções distintas: a identidade dos prédios, a legitimidade dos interessados e a validade formal e substancial dos títulos apresentados, já que só devem ser admitidos a registo atos que sejam formal e substancialmente válidos, ou seja, a inscrição, no registo, da titularidade do prédio em nome do adquirente, em caso de aquisição translativa do direito que se pretende ver registado, está dependente da existência de um negócio causal, formal e substancialmente válido, apto a operar validamente essa transmissão e, por outro lado, é ainda necessária a capacidade do transmitente para dispor validamente desse direito sobre o prédio (5).
Por força do princípio do trato sucessivo cada inscrição, no registo, do prédio em nome do adquirente tem de se apoiar, portanto, na inscrição anterior. A inscrição do direito em nome do adquirente depende, assim, da prévia inscrição desse direito em nome do transmitente.
Dito por outras palavras, “cada adquirente só pode inscrever o seu direito se o receber de quem anteriormente já figurava no registo, o que permite que a história do prédio seja feita sem interrupções, estabelecendo-se uma cadeia sucessiva e ininterrupta de alienantes para adquirentes” (6).
Destarte, decorre do que se vem dizendo, que contrariamente ao pretendido pela apelante, tendo a interessada P. M. já promovido o registo dos prédios que lhe foram adjudicados no âmbito dos autos de inventário instaurados por óbito de M. C., na sequência da transação neste celebrada, homologada por sentença transitada em julgado, em que todos os interessados partilharam, por acordo, essa herança, não só cessou a obrigação legal do tribunal de promover esse registo (n.º 5 do art. 8º-B do CRP), como o tribunal nunca poderia determinar que o Conservador cancelasse quaisquer registos anteriores que vigorassem sobre os prédios partilhados e que pudessem colidir com o registo dessa transação celebrada no âmbito daqueles autos de inventário e neles homologada por sentença transitada em julgado, na medida em que ao tribunal apenas incumbe o ónus de promover esse registo, e não o de assegurar o efetivo registo, por a competência para apreciar da viabilidade desse registo pertencer ao Conservador (não ao tribunal), que nessa apreciação se encontra sujeito aos princípios do pedido, da legitimidade, da prioridade, da legalidade e do trato sucessivo nos termos já atrás explanados e analisados.
De resto, tendo o registo já sido promovido pela identificada interessada P. M., de nada valia ao tribunal promover agora o registo da sentença homologatória da transação celebrada no âmbito daquele processo de inventário (em violação do disposto no n.º 5 do art. 8º-B do CRP), nem sequer aos interessados que intervieram naquela transação ou aos terceiros que tenham interesse no registo desta, de nada valerá agora promoverem esse registo, porquanto, nos termos do art. 69º, n.º 1, al. e) do CRP, o Senhor Conservador teria de recusar necessariamente esse registo com fundamento de que este se encontra já lavrado provisoriamente por dúvidas, por violação do trato sucessivo, e essas dúvidas não se mostram removidas.
Argumentam os interessados, no requerimento que apresentaram junto da 1ª Instância em 06/05/2021, o mesmo acontecendo com a apelante nas suas alegações de recurso, que com o trânsito em julgado da sentença homologatória da transação celebrada entre todos os interessados, na partilha da herança aberta por óbito da inventariada M. C., mediante a qual estes, por acordo, partilharam essa herança, o decidido nessa sentença adquiriu força vinculativa e impositiva, intra e extra processualmente, impondo-se a todos, incluindo, aos tribunais, a todas as entidades públicas, às partes e aos terceiros, pelo que o Senhor Conservador não podia recusar o registo, com fundamento na violação do trato sucessivo, mas sem manifesto arrimo jurídico.
Com efeito, contrariamente ao que parece ser a posição dos interessados e da apelante, o trânsito em julgado não opera em termos gerais e abstratos, isto é, sem quaisquer limites, mas antes, conforme resulta do art. 619º, n.º 1 do CPC, “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º”, de onde resulta que o trânsito em julgado da sentença homologatória da transação celebrada entre os interessados, mediante os quais estes partilharam a herança aberta por óbito da inventariada M. C., opera apenas dentro de certos limites subjetivos (em regra, a respetiva força vinculativa e impositiva apenas se impõe em relação às partes que figuraram como interessados no processo de inventário) e objetivos (por referência ao pedido e à causa de pedir que subjazem a esse processo de inventário).
Sendo o pedido no processo de inventário por óbito da inventariada M. C., necessariamente o pedido de partilha da herança aberta por óbito desta, e a causa de pedir, o óbito da inventariada e a existência de herança aberta por decorrência do óbito da mesma, foi essa concreta relação jurídica que foi discutida e decidida no âmbito desse processo de inventário e é dentro desses limites subjetivos e objetivos que atua a força vinculativa e impositiva que decorre do trânsito em julgado que cobre a sentença homologatória da transação celebrada nesse processo de inventário, em que os interessados partilharam, por acordo, essa herança, em nada colidindo, portanto, esse trânsito em julgado com as especificidades e as exigências próprias do registo (fixadas no CRP) dos imóveis nele adjudicados aos interessados, através dessa sentença homologatória, onde essas questões registrais não foram colocadas à apreciação e à decisão do tribunal e onde, consequentemente, não foram decididas (7).
A sentença homologatória da partilha efetuada no âmbito do processo de inventário aberto por óbito da inventariada M. C., assim como qualquer sentença que seja proferida em ação em que estejam em discussão direitos de registo obrigatório e em, que, portanto, o registo de tais ações e das respetivas sentenças finais, transitadas em julgado, é obrigatório, o trânsito em julgado dessas sentenças, por si só, pode ser inidóneo para, no âmbito registral, se proceder ao registo, a título definitivo, dos direitos sujeitos a registo obrigatório, reconhecidos em tais sentenças, uma vez que, conforme decorre do que acima se expandiu, cumpre ao conservador apreciar da viabilidade (ou não) de efetuar o registo, no que terá, por força dos princípios da legalidade e do trato sucessivo, de dar especial atenção no sentido de verificar se esse direito sobre o prédio já se encontra registado em nome do transmitente e, no caso positivo, se este o transmitiu de modo, formal e substancialmente válido, para o adquirente, tendo de recusar o registo sempre que tal não aconteça.
Note-se que no exercício desse poder-dever de verificação a que se encontra subordinado o Senhor Conservador, este não exerce um poder insindicável, uma vez que, nos termos do art. 140º, n.º 1 do CPR, da decisão deste de recusa da prática do ato de registo nos termos requeridos, pode ser interposto recurso hierárquico para o Conselho Diretivo do Instituto dos Registos e Notariado, I.P., ou impugnação judicial para o tribunal da área de circunscrição a que pertence o serviço de registo.
Deste modo, caso os interessados, subscritores do requerimento apresentado junto da 1ª Instância em 06/05/2021, ou a apelante entendessem que o Senhor Conservador, ao recusar o registo definitivo, dos direitos que lhes foram reconhecidos, por sentença transitada em julgado, que homologou a partilha que os mesmos efetuaram, por acordo, no âmbito do processo de inventário que correu termos por óbito de M. C. (ou seja, caso entendessem que, no âmbito desse processo de inventário, podiam, por acordo de todos os interessados de ambas as heranças, partilhar a herança aberta por óbito de M. C., mas também a aberta por óbito do falecido marido da inventariada, G. C., que, aliás, já se encontrava partilhada, ficcionando que todos os bens que acabaram por partilhar integravam exclusivamente a herança aberta por óbito da inventariada M. C.) e caso naturalmente ainda estivessem em tempo, aqueles podiam reclamar hierarquicamente dessa decisão, ou podiam impugná-la judicialmente e era essa decisão que, caso lhes fosse favorável, operaria caso julgado e se imporia ao Senhor Conservador (não a sentença homologatória da transação que celebraram no processo de inventário, que não decidiu aquelas questões).
Decorre do que se vem dizendo que, embora por fundamentos não totalmente coincidentes com os que foram propugnados pela 1ª Instância, ao indeferir a pretensão deduzida pelos interessados em 06/05/2021, de ordenar “o registo oficioso da integralidade da transação realizada nos autos – ou seja com relação à totalidade dos prédios – e, naturalmente da sentença que a homologou, com trânsito em julgado, ordenando-se também, para o efeito, o cancelamento de quaisquer anteriores registos sobre os mesmos prédios que possam colidir com o registo da identificada transação”, a 1ª Instância não incorreu em nenhum dos erros de direito que lhe são imputados pela apelante, impondo-se concluir pela improcedência da presente apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
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Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência:
- confirmam a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 02 de dezembro de 2021
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

José Alberto Moreira Dias (relator)
Rosália Cunha (1ª Adjunta)
Lígia Venade (2ª Adjunta)



1. Carlos Pereira de Almeida, “Publicidade e Teoria dos Registos”, Coimbra, 1996, pág. 97.
2. Ac. RL. de 24/03/2011, Proc. 195/09.8TBPTS.L-2, in base de dados da DGSI, a que se referem todos os arestos infra indicados, sem menção em contrário.
3. Ac. RE. de 24/10/2019, Proc. 504/17.6T8ALR-E2, citando o Parecer da PGR de 19/05/2000.
4. Neste sentido parecer do Conselho Técnico da DGR, in Boletim dos Registos e Notariado, n.º 12, de maio de 1986, pág. 9, onde se estabelece que: “1º- Da aplicação do princípio do trato sucessivo, na modalidade da continuidade das inscrições, resulta que no caso de existir em vigor qualquer registo de aquisição dos bens, é necessária a intervenção do respetivo titular para poder ser lavrada nova inscrição definitiva sobre os mesmos bens. 2º- Nesta modalidade, o princípio aplica-se a todos os casos de direitos e constituição de encargos, seja por negócio jurídico, seja por qualquer outro título; 3º- O registo pedido com violação do princípio do trato sucessivo deve ser registado como provisório por dúvidas, sendo, porém, nulo se vier a ser lavrado como definitivo”.
5. Monteiro Guerra, “Noções de Direito Registral (Predial e Comercial)”, Coimbra Editora, 1994, pág. 87;
6. Ac. RL. de 19/12/2013, Proc. 10605/12.1TCLR.L1-6.
7. Ac. RE. de 26/03/2015, Proc. 897/13.4TBVRS.E1, onde se lê que: “Ao contrário do que parece defender o recorrente as normas do CPC referentes à eficácia do caso julgado em nada colidem com as especificidades e as exigências próprias do Código de Registo Predial. A decisão proferida invocada pelo ora recorrente, limitou-se a resolver o conflito existente entre ele e a promitente vendedora da fração em causa (…), sendo que sobre direitos registrais a sentença nada diz”.