Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
641/11.0TBCMN.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO DESPORTIVO
SEGURO OBRIGATÓRIO
SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS
CLÁUSULAS NULAS
INCAPACIDADE PERMANENTE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Os diplomas legais que regulam o seguro desportivo obrigatório (Dec.-Lei 146/93, de 26/04 e actualmente Dec.-Lei 10/2009, de 12/01) consagram normas imperativas, visam satisfazer interesses de ordem pública, sendo, por isso, nulos os contratos de seguro que as contrariem, nos termos do disposto no art.º 280.º do C.C..
II- Estão feridas de nulidade as disposições constantes das Condições Gerais da apólice de um seguro desportivo obrigatório que estabeleçam que “no caso de invalidez permanente a seguradora pagará apenas a parte do correspondente capital determinado por uma tabela de desvalorização anexa”; e ainda que (salvo convenção em contrário) “só haverá lugar a indemnização desde que a desvalorização ou a soma das desvalorizações seja igual ou superior a 10 por cento”, posto que limitam, e em alguns casos excluem, o direito à indemnização, resultando, assim, um esvaziamento do objecto do contrato.
III- Deve ser desconsiderada uma tabela de incapacidades anexa a um contrato de seguro desportivo obrigatório que não contempla todas as lesões normalmente sofridas pelos agentes desportivos, impondo-se o recurso à Tabela Nacional para Avaliação das Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo Dec.- Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, que tem natureza imperativa, visando salvaguardar a garantia da igualdade dos cidadãos perante a lei, no respeito do princípio de que devem ter avaliação idêntica as sequelas que, sendo idênticas, se repercutem de forma similar nas actividades da vida diária.
IV- Sendo o seguro desportivo obrigatório um seguro de acidentes pessoais, ele abrange também os danos não patrimoniais, já que os danos corporais, posto que não são passíveis de uma avaliação pecuniária, integram aquela categoria jurídica de danos.
V- Na reapreciação da decisão da matéria de facto a Relação, enquanto instância de recurso também quanto à matéria de facto, não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, avalia livremente todas as provas carreadas para os autos, valora-as e pondera-as recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, de modo a formar a sua própria convicção.
VI- A indemnização relativa aos danos não patrimoniais deve ser fixada em dinheiro, em montante que será calculado pelo tribunal recorrendo à equidade, o que permite ater-se somente às circunstâncias do caso concreto, com vista a alcançar uma solução equilibrada e justa, de acordo com as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da ponderação das realidades da vida, e os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência, com vista a salvaguardar, quanto possível, o princípio da igualdade.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- B. M., residente na Póvoa do Lanhoso, intentou a presente acção declarativa comum contra:

1.ª - X – Companhia de Seguros, S.A. (actualmente com a denominação social “X – Companhia de Seguros, S.A.”, com sede no C;
2.º- “Y – Instituto Superior de Saúde ...” com sede na …;
3.ª- “Massa Insolvente de Ensin ... – Educação e Ensino Superior ..., S.A.”, representada pelo Administrador da Insolvência, Sr. Dr. N. A., com domicílio profissional em Braga; e
4.ª- “Federação de Andebol de Portugal”, com sede em Lisboa, pedindo:
A) - a condenação dos RR. a reconhecer:
1. O acidente ocorrido em 12/04/2008 como desportivo;
2. O nexo de causalidade entre a lesão ligamentar e o acidente;
3. Os períodos que vierem a ser fixados por perícia médica de incapacidade temporária profissional total, incapacidade temporária geral parcial, e incapacidade temporária profissional parcial;
4. A incapacidade permanente parcial que vier a ser fixada por perícia médica;
B) - a condenação solidária dos RR. a reembolsá-lo, a ele Autor, de todas as despesas que suportou com o tratamento da lesão ligamentar sofrida, nomeadamente as tidas com a intervenção cirúrgica e internamento hospitalar, com consultas médicas, fisioterapia e medicamentos, que na presente data (da propositura da acção) se cifram em € 4.108,28, acrescidas de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento;
C) - a condenação solidária dos RR. a reembolsá-lo, a ele Autor, de todas as despesas com o tratamento e recuperação da lesão ligamentar sofrida que entretanto venham a ser suportadas durante a pendência da presente acção e ulteriormente, acrescidas de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento;
D) - a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe as indemnizações devidas pelos períodos que vierem a ser fixados de incapacidade temporária profissional total, incapacidade temporária geral parcial e incapacidade temporária profissional parcial, a apurar em perícia médica, acrescidas de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento, reservando-se para ocasião oportuna a ampliação do pedido;
E) - a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe a devida pensão anual e vitalícia, atento o grau de incapacidade permanente parcial atribuído em perícia médica, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento;
F) - a condenação solidária dos Réus a reembolsá-lo de todas as despesas de transporte que se viu obrigado a suportar, atentas as deslocações a consultas médicas, a Riba de Ave, para ser submetido à cirurgia ao joelho, e a Braga, para realizar as sessões de fisioterapia, no montante global de € 400,00, bem como todas as que, entretanto, venham a ser suportadas durante a pendência da presente acção e ulteriormente, acrescido de juros de mora até efectivo e integral pagamento;
G) - a condenação solidária dos Réus a reembolsá-lo de todas as despesas com o Tribunal e Advogado, a liquidar em execução de sentença;
H) - a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe a quantia de € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Fundamenta alegando, em síntese, que no dia 12/04/2008, em Vila Praia de Âncora, no decorrer de um jogo para o campeonato de segunda divisão de andebol, frente à equipa A, sofreu um acidente desportivo, de que resultou uma entorse do joelho esquerdo (lesão ligamentar) e em virtude deste acidente e das lesões e sequelas dele decorrentes, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais de que pretende ser ressarcido, sendo que a 1.ª Ré tem legitimidade para a presente acção por ter celebrado com a 4.ª Ré um contrato de seguro obrigatório, titulado pela apólice n.º 0023.10.004823, válido e eficaz à data do acidente, através da qual lhe foi transferida a obrigação de indemnizar; o 2.º Réu por não ter cumprido com a sua obrigação de participação do referido sinistro, tendo, portanto, que lhe ser assacada responsabilidade contratual e extracontratual; a 3.ª Ré, por o 2.º, “Y”, integrar a massa insolvente da “ENSIN ...”; e a 4.ª Ré por se verificar que o montante total das despesas suportadas - e a suportar ainda – por si, Autor, de que tem direito a ser reembolsado, ser superior ao montante da cobertura abrangida pelo seguro, daqui derivando a responsabilidade solidária com a 1.ª Ré.
Citados, todos os Réus apresentaram contestação.
A 1.ª Ré, Companhia de Seguros, alegou ter celebrado com a 4.ª Ré um contrato de seguro na modalidade «Desporto, Cultura e Recreio», pelo que, a provar-se o acidente desportivo invocado pelo Autor aceita a sua responsabilidade dentro dos limites do referido contrato, o qual, porém, apenas inclui as coberturas de Morte ou Invalidez Permanente, Despesas de Tratamento e Repatriamento, sendo que no que concerne às referidas despesas o limite máximo do capital seguro é de € 3.900,00, existindo uma franquia de € 175,00. Quanto aos danos decorrentes da incapacidade temporária geral e parcial e da incapacidade temporária profissional, bem como os danos não patrimoniais e o reembolso das despesas de transporte ou de Advogado não estão incluídos nas coberturas contratadas. Já no que se refere à incapacidade permanente parcial, o lesado tem apenas direito ao valor correspondente ao capital determinado pela tabela que faz parte integrante do contrato de seguro, só havendo lugar a indemnização se a desvalorização ou a soma das desvalorizações, fixadas de acordo com a mesma tabela, for igual ou superior a 10 por cento, o que se não verifica com o Autor.
Acrescenta que o acidente descrito nos autos nunca lhe foi participado e que não conhece os factos descritos na douta petição inicial, pelo que os impugna.
Finalmente, considera excessivos os montantes peticionados e não aceita como verdadeiros os documentos particulares juntos pelo Autor, excepto aqueles que lhe foram dirigidos.
A 3.ª Ré, Massa Insolvente de “ENSIN ...”, que contestou por si e na qualidade de titular do estabelecimento “Y”, impugnou os factos invocados pelo Autor, e invocou a prescrição do direito que este pretende fazer valer.
Mais arguiu a falta de personalidade jurídica e judiciária do 2.º Réu, o “Y”, alegando que se trata de um estabelecimento de ensino superior privado constituído pela “Escola Superior Politécnica denominada Y – Instituto Superior de Saúde ...”, que integrava, no âmbito do Processo de Insolvência n.º 512/10.8TBPVL, a massa insolvente da “Ensin ... - Educação e Ensino Superior ..., S.A.”.
Invocou a inutilidade superveniente da lide quanto à “Ensin ...” por ter sido declarada insolvente, por sentença, já transitada em julgado, proferida no processo acima referido, esclarecendo ainda que a ACADEMIA DESPORTIVA DO Y, cuja equipa de andebol o Autor integrava, era uma associação de direito privado, juridicamente distinta do estabelecimento de ensino superior privado” Y” ou da “ENSIN ..., S.A.” e foi dissolvida por escritura datada de 30 de Abril de 2009.
Acrescentou ainda que por força do contrato de seguro desportivo obrigatório, a responsabilidade decorrente do acidente invocado está transferida para a Companhia de Seguros com quem a Federação de Andebol celebrou o aludido contrato, pelo que ela, Ré “ENSIN ...”, nunca seria responsável por qualquer indemnização.
Impugnando o alegado pelo Autor, refutou os danos e os montantes peticionados, e concluiu pedindo a procedência das excepções que invocou e a improcedência da acção, com a absolvição do pedido.
A 4.ª Ré, Federação de Andebol de Portugal, esclarecendo que o Autor se inscreveu na época desportiva 2005/2006 no “B ANDEBOL SAD”, no escalão de iniciados, e que nas épocas desportivas, 2006/2007 e 2007/2008 se inscreveu pelo “A.D.Y”, no escalão de Juvenis, sem contrato de trabalho ou de formação desportiva, impugnou a factualidade invocada pelo Autor, assim como os documentos juntos por este, alegando nunca lhe ter sido comunicado o acidente que ocorreu ou terá ocorrido em 12 de Abril de 2008, em Vila Praia de Âncora, nem o que alegadamente ocorreu depois do eventual sinistro, e quem ou como foram prestados, ou se o foram, os cuidados de saúde ou tratamentos médicos invocados pelo Autor, nem o sofrimento alegado por este, assim como as privações ou custos que teve de suportar.
Arguiu a sua ilegitimidade passiva alegando não ser parte na relação material e desportiva controvertida, nem o referido Autor alguma vez se encontrou ao seu serviço, nem na data em que ocorreu o invocado acidente, nem em data posterior. Além disso, nunca assumiu qualquer responsabilidade contratual ou extracontratual para com o Autor no âmbito das diversas competições desportivas em que este participou, ao longo dos últimos anos, através da respectiva inscrição desportiva pelo “A. D. Y”, acrescentando que em momento algum o Autor ou algum dos demais Réus transferiu para si, Federação, a responsabilidade pelos particulares riscos decorrentes da participação nas provas desportivas, no âmbito do exercício do seu objecto social.
Terminou pedindo a procedência da excepção de ilegitimidade e a sua absolvição da instância e do pedido.
Após várias vicissitudes processuais foi proferido despacho saneador que, conhecendo as excepções invocadas pelos Réus, julgou-as improcedentes.
No seguimento do decidido por este Tribunal da Relação, por acórdão proferido em 04/04/2017, foi julgada extinta a instância quanto à 3.ª Ré, por inutilidade superveniente da lide, e foi o 2.º Réu absolvido da instância por falta de personalidade jurídica e judiciária.

Em 11/03/2018, o Autor requereu, e foi admitida, a ampliação do pedido, peticionando a condenação solidária das Rés no pagamento:

a) da quantia de € 60.000,00 a título de indemnização pela incapacidade permanente/défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que padece, acrescida de juros de mora desde a notificação até efectivo e integral pagamento;
b) da quantia de € 19.000,00 a título de indemnização pelo défice funcional temporário total, pelo défice funcional temporário parcial, pela repercussão temporária na actividade profissional total e pela repercussão temporária na actividade profissional parcial, acrescida de juros de mora desde a notificação até efectivo e integral pagamento;
c) A quantia de € 60.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a notificação do requerimento até efectivo e integral pagamento.

Na prossecução dos autos procedeu-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando parcialmente procedente a acção:

1) - condenou a 1.ª Ré a reconhecer o acidente ocorrido em 12/04/2008 como desportivo; o nexo de causalidade entre a lesão ligamentar e o acidente; os períodos de défice funcional referidos em 38) dos factos provados; e o défice funcional permanente referido em 40) dos factos provados;
2) - condenou a 1.ª Ré, agora denominada “X - Companhia de Seguros, S.A.”, a pagar ao Autor as quantias de € 3.725 (três mil, setecentos e vinte e cinco euros) e de € 23.500 (vinte e três mil e quinhentos euros), acrescidas dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até integral pagamento;
3)- absolveu a 4.ª Ré, Federação de Andebol de Portugal, dos pedidos formulados pelo Autor.

Inconformados, a “X – Companhia de Seguros, S.A.” e o Autor vieram recorrer da decisão, pretendendo a primeira ser absolvida dos pedidos indemnizatórios relativos à incapacidade permanente e aos danos não patrimoniais ou, se assim se não entender, que o montante indemnizatório seja fixado em proporção com o grau de incapacidade e o limite do capital seguro.
Pretende, por sua vez, o Autor que seja alterada a decisão de facto, assim como a decisão de direito, sendo as Rés “X” e “Federação de Andebol de Portugal” responsabilizadas pelo pagamento da totalidade das indemnizações que lhe são devidas.
Contra-alegaram todos os Recorridos, propugnando pela improcedência dos mútuos recursos.
Ambos os recursos foram recebidos como de apelação, com efeito devolutivo.
Colhidos, que foram, os vistos legais, cumpre decidir.
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II.- A Apelante/Ré Seguradora ofereceu as seguintes conclusões:

1. O contrato de seguro é aquele em que o tomador do seguro transfere para o segurador o risco da ocorrência de uma lesão na esfera própria ou alheia mediante o pagamento de determinada retribuição;
2. Hoje em dia está assente que os seguros de pessoas cobrem riscos relativos à vida, à saúde e à integridade física de uma pessoa garantindo prestações de natureza indemnizatória, podendo ainda, se tal tiver sido contratado, garantir prestações de valor predeterminado não dependente do efetivo montante do dano;
3. Dentro destes, destaca-se o seguro de acidentes pessoais que visa cobrir as ocorrências fortuitas, inesperadas e anómalas atribuíveis a causas externas à vontade de quem as sofre e que nela geram lesões corporais com carácter de invalidez ou morte;
4. No caso sub judice, entre a 1.ª e a 4.ª RR. foi celebrado um contrato de seguro de pessoas, concretamente de acidentes pessoais, de carácter obrigatório desde o decreto-Lei n.º 146/93, de 26 de Abril, atualmente revogado pelo decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de Janeiro;
5. Entre as cláusulas contratadas, o Tribunal a quo entendeu que a constante no n.º 10, do artigo 36.º, das condições gerais é nula;
6. Por um lado, propugnando pela aplicabilidade da Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil implementada pelo DL 352/2007, em detrimento da que está anexa ao contrato, por outro por, no seu entender, o contrato de seguro impor uma limitação do objeto seguro em contradição com as normas imperativas do decreto-lei n.º 146/93;
7. Mas sem razão, a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil implementada pelo decreto-lei n.º 352/2007, surgiu para colmatar a incorreta utilização da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho nas ações de responsabilidade civil;
8. A ratio legis daquele diploma legal assentou na definição normativa e metodológica da reparação do dano no âmbito da responsabilidade civil, já que, até à sua entrada em vigor, a nossa jurisprudência tinha vindo a socorrer-se, e mal, daTabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo decreto-lei n.º 341/93, de 30 de Setembro, perante a ausência de outro instrumento de regulamentação nos casos de fixação de uma indemnização para efeitos de reparação do dano, no âmbito da responsabilidade civil;
9. Aplicar no caso dos autos a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil implementada pelo DL 352/2007 traduz-se na utilização, no domínio da responsabilidade contratual, de um instrumento exclusivamente pensado e criado para a fixação de indemnizações no âmbito da reparação do dano em responsabilidade civil;
10. Pelo exposto, mal andou o douto Tribunal a quo ao julgar nula a cláusula contida no contrato de seguro que determina em caso de invalidez permanente que o valor correspondente ao capital é determinado de acordo com a tabela de incapacidades nele prevista;
11. E sendo válida e eficaz tal cláusula, o grau de incapacidade do A. terá de ser aferido por referência à tabela anexa ao contrato de seguro;
12. Sucede que, da análise atenta daquele documento, não se vislumbra a previsão de lesões ligamentares nos membros inferiores, como ficou provado que padeceu o A.;
13. Consequentemente, a lesão sofrida pelo A. não é indemnizável à luz do contrato de seguro celebrado, pelo que mal julgou a primeira instância quando condenou a aqui recorrente ao pagamento de uma indemnização ao recorrido a título de incapacidade permanente parcial;
14. Também não se aceita a fundamentação da douta sentença quando conclui que a exclusão de qualquer indemnização se o grau de invalidez permanente for inferior a 10%, permite que a seguradora se exonere da responsabilidade quando esteja em causa uma incapacidade inferior a 10%, o que gera a nulidade de tal cláusula;
15. Não se está perante uma limitação irredutível no que concerne às desvalorizações cobertas, já que a formulação da cláusula em análise claramente admite que seja contratada essa cobertura, exigindo-se, apenas, a expressa convenção nesse sentido;
16. No âmbito de um contrato de seguro de acidentes pessoais as partes podem pré-definir o respetivo objeto e mencionar expressamente o valor garantido e o montante a atribuir na hipótese de se vir a verificar o evento aleatório previsto no contrato de seguro;
17. O decreto-lei n.º 146/93 não limita a indemnização pela incapacidade porque tal incumbe às partes;
18. Não está em causa a reparação de um dano sofrido, mas antes fomentar a prática da atividade física, numa ótica de assegurar o pagamento de um capital ao desportista que pratica uma atividade tendencialmente de maior risco a lesões corporais;
19. Acresce que, na douta decisão ora posta em crise, entendeu-se fixar uma indemnização a título de incapacidade permanente no valor de 35.000,00 €, reduzindo a condenação da recorrente para 23.500,00 €, por ser esse o limite do capital seguro;
20. Para tanto, considerou-se critérios para fixação de indemnização que são utilizados no instituto da responsabilidade civil (idade do A., salário médio ficcionado e repercussões negativas das lesões);
21. Resultando da interpretação do clausulado de um contrato de seguro de acidentes pessoais ocasionados pela prática desportiva que a determinação do quantitativo da atribuição patrimonial devida à pessoa segura se acha estritamente correlacionada com o grau de invalidez de que aquela ficou a padecer em consequência do sinistro, é forçoso considerar que, para a determinação da importância a liquidar pela recorrida, não deve o intérprete ater-se nos critérios usualmente empregues na jurisprudência para fixar a indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente, tanto mais que não nos encontramos no domínio da obrigação a responsabilidade civil por factos ilícitos (n.º 1 do artigo 483.º e artigo 562.º, ambos do Código Civil) e que essa atribuição patrimonial é uma mera decorrência do funcionamento desse contrato, desprovida de natureza indemnizatória e impassível de autonomização face à prestação de suportação de risco a cargo da seguradora – in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 08-09-2016, Processo n.º 1311/11.5TJVNF.G1.S1;
22. Para fixação do montante a pagar pela recorrente deverá atender-se estritamente ao grau da lesão proporcionalmente ao capital seguro;
23. No caso dos autos, ainda que se atenda à valorização do dano nos termos da Tabela de Incapacidades em Direito Civil, o que não se aceita pelos motivos já expostos, o A. ficou com um défice permanente da integridade físico-psíquica fixado em 5 pontos (facto provado n.º 40), sendo o limite do capital 23.500,00 €;
24. Assim, por mero cálculo aritmético, atinge-se o valor indemnizatório de 1.175,00 €;
25. Por essa razão, a douta sentença ora posta em causa desligou-se de qualquer ponderação entre o grau de incapacidade concretamente sofrido e os valores máximos garantidos no contrato, único critério que deveria efetivamente considerar, sustentando a sua posição numa lógica de reparação do dano, característica da responsabilidade civil, que aqui, como se viu, não vale;
26. Finalmente, em matéria de danos não patrimoniais, julgou a primeira instância que os mesmos eram devidos, pois perante a ausência de previsão no contrato deveria operar-se a regra in dubio contra stipulatorum, própria da interpretação de um contrato de seguro, como cobertura deste tipo de danos, favorecendo-se o aderente;
27. Atente-se que o contrato de seguro deve, por imposição legal, ser reduzido a escrito numa apólice – e só com ela se consolida;
28. Resulta de modo evidente da análise da apólice, que o teor da mesma prevê o pagamento de uma indemnização a título de invalidez permanente;
29. Não há, em nenhuma das cláusulas do contrato, qualquer referência a danos não patrimoniais, como não há a danos patrimoniais;
30. Nem precisava, porquanto o pagamento daquele montante não visa repor a situação em que o A. se encontrava anterior à lesão;
31. Nem há qualquer dúvida no sentido e alcance que deve ser fixado às cláusulas do contrato de seguro para sequer operar uma interpretação favorável ao A., recorrido – que, atente-se, nem sequer é o aderente, na medida em que não é ele o subscritor do contrato de seguro;
32. O contrato de seguro, no que concerne à invalidez permanente parcial, visa somente assegurar um valor ao lesado perante um acidente na prática da atividade desportiva;
33. Valor esse que pode ser previamente fixado, não dependendo o efetivo montante do dano ou de prestações de natureza indemnizatória;
34. Foi apenas isso que a 4.ª R. contratou com a 1.ª, aqui recorrente, não o ressarcimento do dano numa ótica de responsabilidade civil, contrariamente ao que resulta da douta sentença;
35. Pelo exposto, deve a douta decisão ora posta em causa ser substituída por outra que absolva a recorrida do pagamento de indemnização a título de incapacidade permanente parcial por falta de verificação dos pressupostos do preceituado no artigo 36.º, n.º 10, das Condições Gerais do contrato.
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III.- O APELANTE/AUTOR formulou as seguintes conclusões (omissis quanto às desinteressantes para o enquadramento das questões):

3.ª) O Tribunal a quo fez uma equivocada interpretação, valoração e consideração da prova produzida em sede do presente processo, ao não ter dado como assentes e provados os factos descritos nas alíneas m), n), p), q), s), z) e dd) dos factos não provados [ponto B) do item III da Fundamentação de Facto da sentença], que deviam, ao invés, ter sido dados como provados.
4.ª) Quanto aos factos m) e n), os mesmos devem ser dados como provados considerado o depoimento da testemunha M. G. (minutos 01:13:17 a 01:14:13 do seu depoimento).
5.ª) O facto descrito na alínea p) devia ter sido dado como provado através da ponderação dos documentos juntos aos autos - documentos n.ºs 5 e 6 da Petição Inicial e documento n.º 2 junto com o requerimento probatório do A. -, que espelham e comprovam que existiram várias comunicações realizadas pelo Mandatário do A. junto da 1.ª R., e através da mera conjugação com os factos dados como provados nos pontos 5., 6., 32. e 33. da douta sentença.
6.ª) A resposta dada ao facto q) deve ser alterada, devendo o mesmo ser julgado provado, pela conjugação dos factos provados nos pontos 53., 54. e 55. da sentença, e da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento.
7.ª) Pela testemunha do A. V. P., jogador de andebol num clube nacional pequeno e com reduzido poder financeiro, o Fafe, mas conhecedor desta área desportiva, firmou que os salários auferidos por jogadores de andebol num dos 3 grandes clubes nacionais (C, D e E), vão desde os € 5.000,00 (cinco mil euros), € 6.000,00 (seis mil euros), € 10.000,00 (dez mil euros) ou mais (minutos 17:43 a 20:32 do seu depoimento).
8.ª) Tal-qualmente, a testemunha do A. G. M., antigo colega de equipa do A. e actualmente professor de Educação Física, afirmou que o salário de um jogador de andebol pertencente a um clube como o C, D ou E, será entre os €10.000,00 (dez mil euros) e os €15.000,00 (quinze mil euros) (minutos 55:11 a 57:23 do seu depoimento).
9.ª) A testemunha V. P. afirmou que o A. era um jogador com grande potencial, um excelente jogador, um jogador “top” muito rápido, que chegou a ser o melhor marcador nacional pelo B, que jogava sempre num escalão acima e que podia ter chegado ao mesmo nível de grandes nomes do andebol, como C.C. e T. P. (minutos 44:23 a 46:15 do seu depoimento).
10.ª) A testemunha G. M., referiu que o A. era uma mais valia para a equipa do Y, que jogava tanto nas equipas dos juvenis como nos iniciados devido à qualidade que tinha, que marcava em média por jogo 10 a 12 golos, era muito malabarista, muito rápido, muito tecnicista, afirmando ainda que “naquela altura duvido que houvesse melhor jogador na zona”; disse ainda que era dos melhores marcadores a nível nacional, que no site da Federação de Andebol estava sempre no topo, que chegou a ser campeão nacional pelo B, que tinha um potencial enorme e sentia que podia ir muito mais além, que o A. era igual ou melhor que os colegas da idade dele que estão a jogar na 1.ª divisão e em clubes internacionais, que tem a certeza que não fosse a fatalidade que sobreveio o A. estava a jogar na 1.ª divisão (minutos 04:03 a 04:50, 16:56 a 17:35, 17:50 a 19:45 e 21:22 a 22:22 do seu depoimento).
11.ª) A testemunha P. V. destacou as qualidades profissionais do A., afirmando que jogava na equipa do Y em 2 escalões, que ele tinha capacidade e técnica para continuar no andebol a grande nível, “mais do que nós todos”, referiu, que era “um jogador à D”, “raçudo”, lutador, rápido, motivado, era uma máquina de fazer golos, foi o melhor marcador do campeonato, muito tecnicista. Mais realçou que o A. era um jogador muito cobiçado, que havia treinadores de outras equipas a irem ver os jogos por causa dele, tendo ainda expressado que se fosse seleccionador nacional que o convocava de certeza (minutos 06:20 a 08:43, 15:34 a 17:00, 22:53 a 24:20 e 36:12 a 37:06 do seu depoimento).
12.ª) O facto descrito na alínea s) dos factos não provados devia ter sido dado como provado pela análise e valoração do documento junto com a Petição Inicial sob o n.º 9, emitido pelo Hospital Narciso Ferreira, da Misericórdia de Riba de Ave, que assinala que na cirurgia a que o A. foi submetido foi-lhe administrada anestesia geral.
13.ª) Em relação ao facto enunciado na alínea z) dos factos não provados, o mesmo deve ser dado como provado atendendo e combinando as regras de experiência comum, prudência e bom senso, a critérios da normalidade e razoabilidade, e aos depoimentos da testemunha P. V. (minutos 18:50 a 19:00 do seu depoimento) e da testemunha M. G. (minutos 36:11 a 39:07 do seu depoimento).
14.ª) A resposta dada ao facto dd) deve ser alterada e julgado o mesmo como provado, considerando e conjugando os depoimentos da testemunha M. G. (minutos 40:51 a 46:45 do seu depoimento), da testemunha G. R., amigo da família há longos anos e que conhece o A. desde que nasceu (minutos 09:30 a 11:03 do seu depoimento), da testemunha D. H., tia do A. (minutos 10:47 a 11:50 do seu depoimento) e da testemunha J. G., irmão do A. (minutos 10:47 a 11:50 do seu depoimento).
15.ª) Todos os depoimentos das testemunhas enunciadas, arroladas pelo Recorrente, mostraram-se verdadeiros, espontâneos, coerentes, consistentes, imparciais, desinteressados, sinceros, humildes e com conhecimento directo, não se apontando qualquer contradição ao que lhes foi questionado, pelo que devem ser valorados na sua totalidade.
20.ª) Pelo que, no que concerne às despesas de tratamento, a 1.ª Ré sempre terá de indemnizar o A. de todas as despesas tidas com o tratamento da lesão, nos termos do previsto na Circular n.º 201/07-Direcção, junta aos autos pela 4.ª Ré com a sua contestação sob documento n.º 2, página 4; ou seja, deve ser condenada no pagamento das quantias de € 4.108,28 e de € 200,00.
22.ª) Toda a situação vivida pelo A., todas as lesões que sofreu e todas as sequelas de que ficou a padecer, todo o sofrimento, desgosto, tristeza e frustrações, tudo terá de ser ponderado não perdendo de vista e atenção a sua idade, 17 anos.
23.ª) Durante todos os dias destes anos todos que passaram desde 12/04/2008 o sentimento do Autor é que PERDEU TUDO. Perdeu a carreira de jogador de andebol que tinha até então; perdeu uma carreira de jogador profissional de andebol com que sonhava e arduamente trabalhava para conseguir cumprir esse objectivo; perdeu qualquer possibilidade de tirar uma licenciatura ligada ao Desporto; perdeu qualquer possibilidade de seguir uma carreira que exija um qualquer esforço físico.
25.ª) Considera-se que a única indemnização justa pelos danos não patrimoniais que o A. sofreu se deve computar em € 60.000,00 (sessenta mil euros), o que se requer seja fixado.
26.ª) Relativamente ao quantum indemnizatório pelos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade/défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (27.ª) tomando por consideração o salário médio mensal de € 5.000,00 (cinco mil euros) e demais factores explícitos na douta sentença e com os quais se concorda, sempre a indemnização pela incapacidade permanente de que o A. padece deve ser fixado em € 60.000,00 (sessenta mil euros), o que se peticiona.
28.ª) Caso não colha o invocado, sempre ao rendimento mensal auferido num trabalho ligado ao Desporto teria de acrescer um quantitativo pela prática, conciliável, do andebol, mesmo que a título não exclusivo ou profissional num clube português mais pequeno e com menor poder financeiro, pelo que, ao rendimento mensal ficcionado, sempre teria de acrescer, pelo menos, valor não inferior a € 500,00 (quinhentos euros) pela prática do andebol, o que se mostra razoável.
29.ª) Partindo da hipótese de que o A. não seguiria carreira ligada ao andebol profissional, mantendo-se nesta parte o decidido em 1.ª instância, sempre teria de se considerar como mais razoável e aproximado da realidade do mercado, a obtenção de um salário médio mensal ficcionado de € 2.200,00 (dois mil e duzentos euros), ao qual sempre teria de acrescer os imediatamente supra referidos € 500,00 (quinhentos euros).
30.ª) Tomando, assim, por consideração o salário médio mensal do A. de € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros) e demais factores expressos na douta sentença e com os quais se concorda, sempre a indemnização pela incapacidade permanente de que o A. padece deve ser fixado em € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros).
36.ª) A 1.ª Ré omitiu o dever de actuar com boa-fé, zelo, diligência e lealdade a que estava obrigada.
37.ª) A culpa da 1.ª Ré presume-se, nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil.
39.ª) Não fosse o comportamento ilícito e culposo da 1.ª Ré os danos sofridos pelo A. não seriam os que ora apresenta, podendo ter sido evitadas ou minoradas as sequelas que ficou a padecer, nomeadamente o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, bem como evitados os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu.
40.ª) À 4.ª Ré impunha-se, também, uma actuação directa e firme no presente caso no momento em que tomou conhecimento do acidente desportivo e das lesões sofridas pelo aqui Recorrente.
41.ª) A 4.ª Ré tomou conhecimento do sinistro, pelo menos, no momento da citação para o procedimento cautelar proposto, que correu termos pelo extinto Tribunal Judicial de Caminha sob o n.º de Processo 157/11.5TBCMN, o que ocorreu em Março de 2011, ou, concede-se, quando foi citada para a presente acção de processo sumário, ambas no ano de 2011, pelo que, desde essa altura competia à 4.ª R. actuar de modo a confirmar da veracidade da ocorrência do acidente desportivo e das lesões do atleta federado e instar a 1.ª R. a cumprir o contrato de seguro que outorgou, actuando proactivamente.
42.ª) Ao não ter actuado daquela forma, que se impunha, a 4.ª R. violou o dever de agir com boa-fé, zelo, diligência e lealdade a que estava obrigada.
43.ª) A lei não impõe somente às Federações a contratação do seguro desportivo de grupo obrigatório e o pagamento à entidade seguradora do prémio do seguro; impõe também a obrigação de, após conhecimento do acidente desportivo, assegurar que a Seguradora aceite a participação do acidente desportivo formulada pelo sinistrado e afira do cumprimento do contrato celebrado.
44.ª) Não fosse, também, o comportamento ilícito e culposo da 4.ª Ré os danos sofridos pelo A. não seriam os que ora apresenta, podendo ter sido evitadas ou minoradas as sequelas que ficou a padecer, nomeadamente o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, bem como evitados os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu.
45.ª) Provadas as condutas ilícitas de ambas as ora Recorridas, sempre estas deverão ser condenadas no pagamento solidário da totalidade das indemnizações peticionadas pelo aqui Recorrente, sem limitações ou exclusões.
46.ª) Chamamos à colação como critério relevante e decisivo a teoria do deep pocket, teoria que consiste em fazer recair as perdas sobre aqueles que têm melhores condições económicas para suportá-las (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 27-05-2014 no Processo n.º 6185/08.0TBVFX.L1-1, disponível em www.dgsi.pt).
47.ª) As Rés Seguradora e Federação devem desempenhar um papel de garante da indemnização pela circunstância de terem mais meios e serem mais solventes do que o A./Apelante, pelo que lhes caberá suportar, definitiva e integralmente, a reparação de todos os danos que surgiram na esfera jurídica do lesado.
48.ª) Limitar a 1.ª e a 4.ª Ré à responsabilização pelo pagamento dos valores dos capitais seguros, seja no que respeita à cobertura de despesas de tratamento, seja no que respeita à invalidez permanente, seria, além de uma atroz injustiça para o Recorrente - que teria de suportar e não ser indemnizado pela maior parte dos danos que sofreu -, seria premiar a inércia, a má-fé, a falta de zelo, diligência e lealdade das Recorridas.
50.ª) Conclui-se, assim, que o Tribunal de 1.ª instância, ao decidir como decidiu, violou as normas jurídicas ínsitas nos artigos 496.º, 798.º, 483.º, n.º 1, 486.º, 562.º, 563.º, 564.º, n.º 1, 497.º, 799.º, n.º 1, todos do Código Civil.
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IV.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do C.P.C., sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

De acordo com as conclusões acima transcritas são questões a apreciar:

a) apelação da Apelante Seguradora:

1 - validade das cláusulas constantes do artigo 36.º, n.os 1 e 10:
- recurso exclusivo à tabela de incapacidades anexa para a determinação do valor da indemnização; e
- exclusão da indemnização se a desvalorização ou a soma das desvalorizações for inferior a 10 por cento.
2 – A considerar-se devida a indemnização, cálculo do respectivo montante pelo recurso à percentagem, tendo em consideração o grau de desvalorização permanente de 5 pontos atribuído ao Autor.
3 – ressarcibilidade dos danos não patrimoniais.
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b) apelação do Apelante/Autor:

- reaprecição da decisão de facto;
- reapreciação do quantum indemnizatório do chamado dano biológico e dos danos não patrimoniais;
- responsabilidade solidária da Apelada/Ré “Federação”.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

V.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:

i) julgou provados os seguintes factos:

Com relevância para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. O A. nasceu em - de Abril de 1991;
2. Em 19 de Junho de 2009, por intermédio do seu Advogado, o A. enviou uma carta registada dirigida à Ré Y solicitando informações sobre em que ponto estaria o processo ou, em contrapartida, indicasse qual a Seguradora responsável e o respectivo número de apólice;
3. Por fax enviado no dia 04/09/2009, tentou o A., por intermédio do seu Mandatário, saber junto do Instituto de Seguros de Portugal qual a Seguradora do Y, o respectivo número de apólice e se havia sido realizada a comunicação do acidente à Seguradora;
4. Por carta datada de 17/09/2009, obteve resposta do I.S.P. explanando que não podiam satisfazer a pretensão do aqui A., uma vez que não possuem qualquer registo dos contratos de seguro estabelecidos entre as seguradoras e os seus clientes;
5. Em 25/09/2009, foi enviado um fax à 1.ª R. com a exposição do acidente desportivo, solicitando, também, informações sobre o estado do processo;
6. O A. foi sujeito a uma perícia de avaliação do dano corporal em 07/12/2009 e em 22 de Janeiro de 2010, foi remetido tal relatório pericial, bem como o da tomografia computorizada do joelho esquerdo e da ecografia às partes moles, à R. seguradora;
7. A 1.ª R. celebrou com a 4.ª R. o contrato de seguro, modalidade «Desporto, Cultura e Recreio» titulado pela apólice n.º 0023.10.0004823, cujo teor consta das cláusulas contratuais gerais e particulares e respectiva tabela anexa juntas a fls. 99-108 e se dá por integralmente reproduzido;
8. O referido contrato de seguro, para praticantes com idade superior a 14 anos, apenas prevê as coberturas «Morte ou Invalidez Permanente, Despesas de Tratamento e Repatriamento»;
9. No que concerne à cobertura de despesas de tratamento, o limite do capital seguro é de € 3.900,00, existindo uma franquia de € 175,00;
10. Nos termos do artigo 36.º, n.º 1, das Condições Gerais da Apólice o lesado tem apenas direito ao valor correspondente ao capital determinado pela tabela que faz parte integrante do contrato de seguro;
11. Nos termos do artigo 36.º, n.º 10, das Condições Gerais da Apólice só haverá lugar a indemnização desde que a desvalorização ou a soma das desvalorizações, fixada de acordo com a mesma tabela, seja igual ou superior a 10 por cento;
12. O A. inscreveu-se desportivamente na época desportiva, 2005/2006 no B ANDEBOL SAD no escalão de iniciados;
13. E nas épocas desportivas, 2006/2007 e 2007/2008, pelo AD. Y, no escalão de Juvenis;
14. O A., que era portador do Cartão de Identificação de Atleta CIPA - …, através do AD. Y, iniciou o seu processo de inscrição desportiva na 4.ª R. para a época 2007/2008 em 25/09/2007, tendo a mesma sido aprovada em 15/10/2007 e remetida para a 1.ª R.;
15. Na época desportiva em que ocorreu o sinistro (2007/2008), foi comunicado pela 4.ª R. a todos os seus filiados o n.º de Apólice relativa ao seguro desportivo de grupo, a cuja obrigatoriedade legal se encontrava adstrita, através da Circular n.º 201/07, de 16 de Julho;
16. Esta circular foi também disponibilizada pela 4.ª R. no seu site oficial;
17. Consta da aludida Circular os Procedimentos, as coberturas e capitais seguros, bem como as franquias insertas nas Condições Gerais da Apólice;
18. Nunca foi transmitido à ora 4.ª R. pelo A. ou pelo A.D.Y o sinistro de carácter desportivo a que se reporta os presentes autos;
19. O A. não recebia qualquer remuneração pela prática daquela actividade desportiva;
20. No dia 12 de Abril de 2008, em Vila Praia de Âncora, no decorrer de um jogo para o campeonato de segunda divisão de andebol, quando jogava pela equipa A.D.Y frente à equipa A, o A. sofreu um acidente desportivo, de que resultou uma entorse do joelho esquerdo (lesão ligamentar);
21. Tal lesão ligamentar fez com que o joelho inchasse devido à presença de líquido sanguinolento, causando fortes dores ao A.;
22. Imediatamente o A. foi observado pela fisioterapeuta da equipa do Y, tendo aquele sido, no final do jogo, encaminhado para casa, onde repousou, colocou gelo e tomou anti-inflamatórios, conforme recomendado;
23. No dia seguinte, o A. acordou com o joelho imóvel, muito inchado e com bastantes dores;
24. Poucos dias depois, o A. deslocou-se às urgências do Hospital de S. Marcos, em Braga, onde foi observado, fez alguns exames e lhe foi extraído líquido sanguinolento, tendo tido alta no mesmo dia;
25. A fisioterapeuta da Academia Desportiva do Y comunicou ao Director do clube a situação do A. acima descrita;
26. Por causa do referido acidente, o A. faltou às aulas durante 3 dias para fazer repouso, como indicado no S.U.;
27. E passou a deambular com canadianas;
28. Sucede que, com o passar do tempo, o joelho do A. foi piorando;
29. Pelo que foi novamente ao hospital público de Braga para que lhe retirassem líquido sanguinolento;
30. O A. recorreu ao seu médico de família, que o examinou e solicitou uma Tomografia Axial Computorizada (TAC) ao joelho esquerdo, tendo sido confirmada a rotura do Ligamento Cruzado Anterior;
31. O 2.º R. não respondeu à carta referida em 2);
32. Em 18/03/2010, o mandatário do A. enviou à 1.ª R. o fax junto aos autos em 20/02/2019, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, tendo obtido na data de 25/03/2010 a seguinte resposta: “Relativamente ao processo em assunto, mantemos a informação anteriormente transmitida ou seja que aguardamos o envio da respectiva participação do acidente. Sem o referido documento, não nos é possível dar andamento ao solicitado”;
33. Após a data do envio do fax referido em 5) mas antes da data de 18/03/2010, a 1.ª R. deu a conhecer ao mandatário do A. que o n.º da apólice do contrato de seguro que celebrou com a 4.ª R. era o referido em 5) e que havia sido atribuído ao processo o n.º AP20080003429;
34. Em consequência do acidente desportivo relatado supra, o A. apresentava em 07/12/2009: no membro inferior esquerdo, amiotrofia de 1,5cm do quadricípite femoral, dor à palpação do ligamento colateral interno, Lachman e gaveta anterior positivos, Pivot Shift positivo;
35. As lesões foram-se agravando com o avançar do tempo;
36. Faltando às aulas, o que prejudicou os seus estudos;
37. O A. foi submetido a uma cirurgia ao joelho esquerdo no dia 06/05/2011 na Misericórdia Riba de Ave – Hospital Narciso Ferreira;
38. Em virtude da lesão ocorrida em 12/04/2008, o A. sofreu:
- 3 dias de défice funcional temporário total;
- 1209 dias de défice funcional temporário parcial;
- 35 dias de repercussão temporária na actividade profissional total;
- 1177 dias de repercussão temporária na actividade profissional parcial;
39. E apresentava, em 29/11/2016, no membro inferior esquerdo: cicatriz na face anterointerna do terço superior da perna, oblíqua, linear, plana, com 4 cm de comprimento. Cicatrizes de artroscopia. Instabilidade moderada anteroposterior do joelho (semelhante à do joelho contralateral). Mobilidade completa do joelho;
40. O A. ficou afectado de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 5 pontos;
41. O quantum doloris foi fixado no grau 4 numa escala de 1 a 7 e o dano estético permanente foi fixado em 1 numa escala de 1 a 7;
42. A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer foi fixada no grau 3 numa escala de 1 a 7;
43. O A. foi reavaliado em consulta de ortopedia por manter instabilidade e episódios de derrame articular e realizou uma ressonância magnética ao joelho esquerdo em 21/09/2017, onde se constatou o seguinte: derrame articular; corpo livre intra-articular de 9 mm; re-rotura do LCA, com importante translação anterior da tíbia; sequelas de meniscectomia do menisco medial; lesões condrais grau IV do compartimento FT medial e lateral CFTM e CFTL; rotura do menisco lateral;
44. Pelo que foi submetido a nova intervenção cirúrgica ao joelho esquerdo em 16/02/2018, nomeadamente uma ligamentoplastia artroscópica com tendão quadricipital, outsider in no fémur e tíbia, com pastilha óssea no fémur, meniscectomia marginal de lesão do corno posterior do menisco lateral;
45. A que se seguiu a sua reabilitação física, cuja duração se prolongou por, pelo menos, 2 meses;
46. Estando obrigado a permanecer em casa em repouso, deslocando-se com o auxílio de canadianas e continuando a sentir muitas dores;
47. Tratamento esse que não visou/visa uma recuperação ou melhoria, mas, antes, impedir um agravamento e deterioração do estado de saúde do A., ou seja, uma estabilização das sequelas;
48. Por conta do acidente desportivo, o A. vive com constantes dores no joelho esquerdo;
49. Apresentava, e apresenta, marcha com claudicação ligeira, sem apoio externo;
50. As sequelas resultantes do acidente implicam repercussão permanente nas actividades de lazer, limitando a realização pelo A. de esforços físicos quotidianos como subir e descer escadas, permanecer em pé durante períodos prolongados, correr, saltar, andar de bicicleta, efectuar caminhadas mais longas;
51. Sentindo dores mais intensas nas mudanças de tempo;
52. Desde o dia do acidente desportivo até à presente data – passados quase 10 anos – o A. tem vindo a suportar dores diárias e constantes, incómodos e angústia com consultas, tratamentos, operações cirúrgicas e internamentos, o que o deixou, e deixa, desgostoso e deprimido;
53. À data de 12/04/2008 o A. era estudante, tinha uma carreira promissora no mundo do andebol, sendo solicitado para todos os jogos da equipa do Y, e auspiciava chegar à equipa dos seniores como um dos melhores jogadores;
54. Tornando-se um praticante desportivo profissional, ou seja, exercendo o andebol como profissão exclusiva ou principal num grande clube nacional ou internacional;
55. O A. pretendia tirar uma licenciatura ligada à área de Desporto;
56. O A., à data do acidente descrito nos presentes autos, era um jovem atleta, saudável, dinâmico, expedito, alegre, confiante, cheio de vida, com vontade e alegria de viver, calmo, amante da vida, detentor de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas;
57. Após e por causa da ocorrência do acidente desportivo, tornou-se triste, infeliz, introvertido, abalado psiquicamente, deprimido, angustiado, sofredor, inseguro, nervoso, receoso de que o seu estado de saúde piore ainda mais, desgostoso da vida, sentindo-se um incapaz, inútil e diminuído fisicamente;
58. Actualmente, porque não pôde seguir uma carreira ligada ao desporto, fruto da lesão que sofreu no joelho esquerdo no dia 12/04/2008, o A. alterou todos os planos e sonhos da sua vida e tirou uma licenciatura em Ciências Forenses e Criminais;
59. Por outro lado, a prática de desporto deixou de ser um prazer para significar sofrimento, pois tinha e ainda tem muitas dores no joelho esquerdo;
60. Em consequência da lesão ligamentar no joelho, sofreu o A. fortes dores no momento em que ocorreu a lesão, seja posteriormente por todo o tempo em que se têm mantido as limitações de que padece, resultantes da mesma;
61. Sentiu e sente forte desgosto, ansiedade e abalo pelo facto de se encontrar com uma limitação que o impede de praticar actividades que exijam esforço do joelho, como é o caso do andebol, sendo não raras vezes assolado por um sentimento de impotência;
62. Atentas as limitações acima enumeradas, o A. não pode desenvolver uma carreira no âmbito do andebol e tirar uma licenciatura na área do desporto;
63. O que lhe causa profunda tristeza;
64. Nos períodos referidos em 38), o A. não desempenhava actividade profissional remunerada;
65. Durante todo o período de recuperação da sua última cirurgia, não pôde o A. conduzir, vendo-se, assim, obrigado a pedir a familiares ou amigos para o fazerem transportar à clínica de fisioterapia, ao hospital para as consultas médicas, entre todos os outros locais que necessitava ou pretendia deslocar-se;
66. O que lhe causou grande transtorno e sentimento de impotência e diminuição;
67. O A. nunca irá recuperar totalmente e tem de viver com uma incapacidade permanente, o que lhe causa grande sofrimento e baixa auto-estima;
68. Tanto mais quando vê colegas com quem jogou andebol continuarem a jogar e a terem uma carreira profissional, com a qual um dia sonhara;
69. As despesas efectuadas e documentadas com o tratamento da lesão foram as seguintes:
1) Consulta de ortopedia no Centro Médico …, Lda, dia 07/12/2009: € 50,00;
2) Consulta com o Dr. N. T., médico especialista em ortopedia e traumatologia e perito em avaliação do dano corporal pós-traumático, dia 18/01/2010: € 100,00;
3) Consulta na Clínica F. para marcação da cirurgia, dia 28/04/2011: € 60,00;
4) Despesas com a intervenção cirúrgica e internamento hospitalar pelo período de 3 dias: € 3.432,40;
5) 30 sessões de fisioterapia na Clínica F., no período compreendido entre Maio de 2011 e Julho de 2011, sendo o valor unitário de € 10,00: € 300,00;
6) Uma consulta de ortopedia na Clínica F.: € 60,00;
7) Despesas farmacêuticas, como medicamentos e pomadas: € 105,88;
70. Alguns recibos encontram-se em nome de M. G., contribuinte n.º ……, mãe do A., por ser quem efectivamente pagava todas as despesas necessárias ao tratamento do seu filho;
71. Em deslocações da sua residência, na Póvoa de Lanhoso, a Riba de Ave, para consultas médicas para ser submetido à cirurgia ao joelho, e a Braga para realizar as sessões de fisioterapia, gastou o A. cerca de € 200,00 (duzentos euros) com combustível;
72. O A. teve despesas com o Tribunal e Advogado.

ii) julgou não provado que:

a) Entre o ano de 2005 e o de 2006, assinou o A. um contrato com o 2.º R.;
b) O A. iniciou o seu processo de inscrição desportiva, sem contrato de trabalho ou de formação desportiva;
c) A inscrição desportiva do A. foi remetida pela 4.ª R. para a 1.ª R. em 15/10/2007;
d) Na época desportiva em que ocorreu o sinistro (2007/2008), foi comunicado pela 4.ª R. a todos os agentes desportivos o n.º de Apólice relativa ao seguro desportivo de grupo através da Circular n.º 201/07, de 16 de Julho;
e) O acidente referido em 20) nunca foi participado à 1.ª R.;
f) Foi a fisioterapeuta da equipa do Y que encaminhou o A. para casa depois do final do jogo referido em 20);
g) Na altura referida em 24), o A. contactou logo com a fisioterapeuta da equipa do Y, explicando os sintomas;
h) O A. foi acompanhado da fisioterapeuta da equipa de andebol do 2.º R. na ocasião referida em 25),
i) A fisioterapeuta da Academia Desportiva do Y esclareceu o Director Geral da necessidade de uma cirurgia ao joelho esquerdo;
j) O A. recorreu ao seu médico de família a rogo do Director Desportivo do 2.º R.;
k) Após a realização da TAC referido em 30), o 2.º R. asseverou que iria tratar de tudo quanto necessário fosse para a realização de intervenção cirúrgica;
l) O 2.º R. informou o A. que o caso já havia sido comunicado à Companhia de Seguros;
m) O Mandatário do A. contactou com a 4.ª R., indagando qual a Seguradora à data do acidente em crise;
n) Tendo esta informado que havia sido celebrado um contrato de seguro obrigatório de acidentes pessoais para praticantes desportivos federados com a X, aqui 1.ª R.;
o) A 1.ª R. solicitou a documentação relativa à necessidade de o A. ser submetido a cirurgia;
p) O Mandatário do A. contactou por diversas vezes a R. Seguradora, ficando por vezes sem resposta e noutras sendo-lhe dito que estavam a aguardar por uma comunicação do Y;
q) Se o A. tivesse uma carreira ligada ao andebol profissional e um curso superior na área do desporto iria obter um vencimento mensal nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros);
r) Na época de 2006/2007, o A. foi o melhor marcador do campeonato nacional da 2.ª divisão zona Norte;
s) A intervenção cirúrgica a que o A. foi submetido foi com anestesia geral;
t) Houve dias em que o A. tinha graves crises, não conseguindo sequer mexer a perna, tendo, portanto, de ficar deitado durante dias a fio, sem poder sair de casa;
u) O A. encontra-se, desde a data do sinistro, incapacitado para o exercício de qualquer actividade desportiva;
v) O A. sente-se muitas vezes um fardo para os seus pais por terem de o levar e acompanhar a várias consultas médicas, ao hospital, a centros de diagnóstico para realizar exames, por terem de cuidar dele em casa, ajudando-o nas tarefas diárias mais básicas e por terem de faltar, por via disso, ao trabalho;
w) O A. sente-se triste e magoado por não ter a sua família podido suportar as despesas com a cirurgia ao joelho e consequentes tratamentos e assistência médica que tanto necessitava e necessita ainda;
x) A reabilitação física referida em 45) teve uma duração de 6 a 8 meses;
y) É previsível que o A. necessite de ser submetido a mais tratamentos, como cirurgias ou fisioterapia;
z) Por causa reflexa da lesão sofrida no joelho esquerdo, também o joelho direito do A. já apresenta lesões;
aa) O A. não consegue presentemente deslocar-se sem o auxílio de canadianas;
bb) Os colegas com quem o A. jogou andebol que enveredaram por uma carreira profissional nesta modalidade auferem excelentes salários e uma qualidade de vida acima da média;
cc) O A. despendeu nas deslocações referidas em 71) quantia nunca inferior a € 400;
dd) Por causa do sinistro em apreço e das suas consequências, o A., já na pendência do presente processo, viu-se na necessidade de procurar ajuda médica especializada, sendo acompanhado em consultas de Psiquiatria.
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RECURSO DA SEGURADORA

VI.- É pacífico nos autos que a Apelante/Seguradora celebrou com a Federação Portuguesa de Andebol, tomadora do seguro, um contrato de seguro de grupo na modalidade “Acidentes Pessoais, Desporto, Cultura e Recreio”, e que o Autor (também Apelante), como atleta federado, era beneficiário do referido seguro, ou, na terminologia do contrato, era “pessoa segura”.
1.- A Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho (Lei de Bases do Desporto) reconhecendo o exercício da actividade desportiva como “factor cultural indispensável na formação plena da pessoa humana e no desenvolvimento da sociedade”, proclamou o direito universal ao desporto “enquanto elemento indispensável ao desenvolvimento da personalidade”.
No art.º 70.º, integrado no capítulo VIII, dedicado à adopção de medidas concretas de “protecção dos desportistas”, impôs o legislador “a obrigatoriedade de um sistema de seguro dos praticantes desportivos enquadrados na prática desportiva organizada”, cujo objectivo é o de “cobrir os particulares riscos a que estão sujeitos”, prevendo “uma protecção adequada para os cidadãos portadores de deficiência” - cfr. o n.º 1.
Este seguro obrigatório foi regulamentado pelo Dec.-Lei n.º 146/93, de 26 de Abril, em cujo preâmbulo são destacadas como principais linhas de força, designadamente: i) a organização de um seguro desportivo de grupo, a efectivar pelas federações, destinado aos praticantes e agentes desportivos não profissionais; ii) a obrigatoriedade deste seguro desportivo para todos os praticantes profissionais; iii) a possibilidade de ser subscrito tanto pelo próprio praticante, como pelo respectivo clube ou sociedade com fins desportivos ou seus agrupamentos; iv) a instituição de um esquema de apoio mais alargado a favor dos praticantes de alta competição não profissionais, em que se conjugam medidas de natureza seguradora e de apoio social; v) a simplificação dos processos de adesão ao seguro desportivo e de definição dos critérios de comparticipação no respectivo prémio.

O art.º 4.º estabelece as coberturas mínimas a serem abrangidas pelo seguro desportivo:

a) Pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva;
b) Pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar, e de repatriamento.

A adesão individual ao seguro desportivo de grupo “realiza-se no momento da inscrição nas federações desportivas” – cfr. n.º 1 do art.º 5.º.
Uma vez que é às federações desportivas que cabe a obrigação de celebrar o contrato de seguro com uma seguradora, se procederem à inscrição de um agente desportivo que não fique abrangido pelo seguro desportivo obrigatório ou por seguro que garanta cobertura igual ou superior, respondem, em caso de acidente desportivo, nos mesmos termos em que responderia a empresa seguradora, caso houvesse seguro, de acordo com o n.º 1 do art.º 10.º.
O valor dos capitais mínimos obrigatórios para o referido seguro do desporto, foi fixado na Portaria n.º 757/93, de 26 de Agosto, prevendo-se uma actualização no início de cada época desportiva “de acordo com a totalidade da variação do índice de preços do consumidor” – cfr. números 1.º e 6.º.
A suprarreferida Lei n.º 30/2004 veio a ser revogada pela Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro, (aprovada em 7/12/2006), agora designada por “Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto” a qual, na Secção III, acrescentou a Segurança Social como instrumento de protecção aos agentes desportivos, deixando a garantia “da institucionalização de um sistema de seguro obrigatório dos agentes desportivos inscritos nas federações desportivas, o qual, com o objectivo de cobrir os particulares riscos a que estão sujeitos”, deverá proteger “em termos especiais” o praticante desportivo de alto rendimento.
O regime jurídico deste seguro foi estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de Janeiro, em cujo preâmbulo se afirma que o desporto “é uma actividade predominantemente física, exercitada com carácter competitivo”, sendo uma “necessidade absoluta para a segurança dos praticantes” cobrir os riscos inerentes à referida actividade, acrescentando-se que com os seguros obrigatórios se atende “a uma necessidade social fundamental, a de assegurar que o beneficiário chegue, efectivamente, a usufruir da cobertura”, e sendo, embora, certo que “um sistema de seguros não evita o risco”, ele “previne o perigo de as vítimas não obterem o ressarcimento”, estabelecendo-se, por isso, a proibição de as apólices de seguro desportivo conterem exclusões que, “interpretadas individualmente ou consideradas no seu conjunto, sejam contrárias à natureza da actividade desportiva ou provoquem um esvaziamento do objecto do contrato de seguro”, proibição que ficou consagrada no art.º 6.º.
Assim, o n.º 2 do art.º 5.º, estabelece como coberturas mínimas: a) pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva; b) pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar, e de repatriamento.
Cabendo às federações desportivas “instituir um seguro de grupo mediante contrato celebrado com seguradores”, com adesão obrigatória dos “agentes desportivos”, ficam aquelas responsáveis pelo pagamento do prémio do seguro.
Só ficam isentos da obrigação de aderir ao seguro desportivo de grupo os agentes desportivos que façam prova, “mediante certificado emitido por um segurador”, de que “estão abrangidos por uma apólice que garanta um nível de cobertura igual ou superior ao mínimo legalmente exigido para o seguro desportivo” – cfr. art.º 9.º.
Do que vem de ser referido resulta inequívoco que os mencionados diplomas legais consagram normas imperativas, visam satisfazer interesses de ordem pública, sendo, por isso, nulos os contratos de seguro que as contrariem, nos termos do disposto no art.º 280.º do Código Civil (C.C.).
Porém, se apenas alguma ou algumas das disposições contratuais ofenderem a lei, recorrer-se-á ao instituto da redução do contrato, nos termos do disposto no art.º 292.º do C.C., obstando-se a que a nulidade ou anulação parcial determine a invalidade de todo o negócio, só assim não sendo quando se demonstre que o contrato não teria sido concluído sem a parte viciada.
A regra é, pois, a da conservação dos negócios jurídicos, sendo a excepção a da invalidade total, excepção que só opera se se demonstrar que os contraentes não contrairiam o contrato se soubessem, no momento da sua celebração, e consideradas as circunstâncias objectivas do caso concreto, que o mesmo seria parcialmente inválido.
Nas situações em que permaneçam dúvidas quanto à vontade conjectural dos contraentes, defendem PEDRO EIRÓ e TERESA SILVA PEREIRA que o negócio deve ser reduzido “em concordância com a regra da redutibilidade do negócio parcialmente inválido estabelecida expressamente pelo legislador na primeira parte deste artigo 292.º, bem como com os princípios que lhe subjazem e que visam o máximo aproveitamento dos negócios jurídicos” (in “Comentário ao Código Civil - Parte Geral”, Universidade Católica Editora, pág. 728).
Subsistindo o contrato, prevalece sobre as cláusulas feridas de nulidade a regulamentação legal.

2.- Não vem posto em causa que o Autor, no dia -/04/2008, no decorrer de um jogo para o campeonato da 2.ª Divisão de Andebol, quando jogava pela sua equipa, “A.D.Y”, sofreu um acidente consubstanciado no entorse do joelho esquerdo, do que lhe resultou uma lesão ligamentar (cfr. n.º 20 dos “factos provados”).
Verificado, pois, o sinistro, está preenchido o pressuposto básico para o Autor ser “devidamente indemnizado” conforme vem enunciado no artigo 11.º das Condições Gerais da apólice junta aos autos (fls. 100 e sgs., máxime 102).
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 36.º das referidas Condições Gerais, “No caso de Invalidez Permanente clinicamente constatada e sobrevinda no decurso de dois anos a contar da data do acidente, a X pagará a parte do correspondente capital determinado pela tabela de desvalorização anexa”.
Dispondo o n.º 3 que “As indemnizações são calculadas objectivamente, isto é, considerando apenas o grau de invalidez independentemente da pessoa segura poder ou não praticar a actividade desportiva, cultural ou recreativa a que se dedicava”.
No n.º 4 consta que “As lesões não enumeradas na tabela de desvalorização, mesmo de importância menor, são indemnizadas na proporção da sua gravidade, comparada com as dos casos enumerados, sem ter em conta a profissão exercida”.
E de acordo com o n.º 10 ainda do mesmo artigo “Só haverá lugar a indemnização desde que a desvalorização ou a soma das desvalorizações seja igual ou superior a 10 por cento, salvo convenção em contrário e mediante a aplicação do sobre-prémio correspondente”.
Resulta, assim, das condições acima transcritas uma clara limitação e, em alguns casos, de total exclusão do direito à indemnização, ou seja, um esvaziamento do objecto do contrato.
Ora, os normativos legais que prevêem, consagram e regulam o referido direito, são de carácter imperativo, como já se salientou, estando, por isso, fora da disponibilidade das partes – o princípio da liberdade contratual, na vertente da autonomia na conformação dos contratos, consagrado no art.º 405.º do C.C., expressamente refere “a lei”, ou seja, as disposições legais imperativas, como limite à definição das relações contratuais.
Deste modo, na medida em que desprotegem os desportistas, ainda que apenas alguns, as referidas condições contratuais não satisfazem o que o legislador considerou ser uma “necessidade social fundamental”, que é a de “assegurar que o beneficiário chegue, efectivamente, a usufruir da cobertura”, sendo, por isso, nulas, atenta a natureza imperativa das normas jurídicas que regem o chamado contrato de seguro do desporto, (o que o legislador quis deixar bem expresso no art.º 6.º do Dec.-Lei n.º 10/2009), nos termos do disposto no art.º 280.º, n.º 1 do C.C. – cfr., neste sentido, v.g., para além do Acórdãos do S.T.J. de 08/11/2016 (ut Proc.º 815/11.4TBCBR.C1.S1), no qual se fundamentou o Tribunal a quo, ainda o Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 09/05/2019 (ut Proc.º 1751/14.8TBVCD.P1.S1), que se pronunciou sobre uma cláusula de teor idêntico ao do n.º 3 do artigo 36.º, acima transcrito, considerando-a nula; o Acórdão da Relação de Coimbra de 14/04/2015 (ut Proc.º 815/11.4TBCBR.C1), no qual foi decidido que “uma cláusula de contrato de seguro desportivo em que, para além do mais, se estipula que “se o grau de Invalidez Permanente for inferior a 10%, não haverá lugar ao pagamento de qualquer indemnização”, integra uma cláusula limitativa do objecto do contrato, uma vez que com ela pretende a Seguradora exonerar-se da responsabilidade na medida respectiva”, tal cláusula “na medida em que viola normas imperativas, é nula por contrária à lei: art. 280º, nº 1 do CC.”; e ainda os Acórdãos desta Relação de Guimarães de 08/10/2015 (ut Proc.º 1449/11.9TJVNF.G1), e de 15/01/2015 (ut Proc.º 1266/09.6TBEPS.G1, tal como os anteriores, in www.dgsi.pt).
Relativamente à tabela de incapacidades, como já se inferia do que vem de ser referido, deve desconsiderar-se a que se encontra anexa ao contrato de seguro em mérito, que nem contempla a lesão sofrida pelo Autor, apesar de as lesões nos tendões e nas rótulas serem as mais frequentes nos praticantes das várias modalidades desportivas, sendo, por isso claramente desfavorável ao Autor.
Impõe-se o recurso à Tabela Nacional para Avaliação das Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo Dec.- Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, por força do disposto no art.º 2.º, n.º 1, que tem natureza imperativa, atentos os interesses públicos que visa prosseguir, como se deixou explicitado no seu preâmbulo, designadamente referindo “a salvaguarda da garantia da igualdade dos cidadãos perante a lei, no respeito do princípio de que devem ter avaliação idêntica as sequelas que, sendo idênticas, se repercutem de forma similar nas actividades da vida diária”.
Esteve, pois, bem o Tribunal a quo na sua decisão de aceitar o recurso à T.N.I. para a fixação do grau de incapacidade.
Ressalvado o devido respeito, crê-se não poder aceitar-se o vertido pela Apelante na conclusão 18, que parece entender o valor seguro como um “incentivo” à prática do desporto, porque se assim fosse, para o desportista ter direito a ele seria suficiente comprovar essa mesma prática. Contudo, o próprio contrato de seguro faz depender o pagamento do capital da ocorrência de um acidente pessoal, do qual resultem lesões corporais, as quais, pela sua própria natureza, provocam danos, referindo-se expressamente o preâmbulo do Dec.-Lei n.º 10/2009, ao “ressarcimento”, termo que, inequivocamente, nos reconduz ao conceito de danos.
O valor seguro tem, pois, a natureza de indemnização.
O grau de incapacidade, traduzindo uma diminuição psíquico-somática e funcional do lesado, consubstancia o dano biológico.

Como refere o S.T.J. no Acórdão de 03/11/2016, no dano biológico o que está em causa “é avaliar as possíveis e previsíveis consequências do défice funcional de que passou a padecer o lesado no plano específico das suas actividades profissionais, essencialmente numa dupla perspectiva: por um lado, visando obter o ressarcimento do esforço acrescido que será necessário para que, ao longo da sua vida profissional, compense tal défice, de modo a prosseguir o tipo de actividade laboral que exercia à data do acidente; e, por outro lado, visando compensá-lo da perda de oportunidades profissionais que, ao longo da sua carreira, tal capitis deminutio - que irremediavelmente o afectará de modo permanente e definitivo - irá, com toda a probabilidade, implicar”, e mesmo naquelas situações em que “possa não ocorrer uma imediata diminuição de rendimentos profissionais ou da capacidade laboral para os angariar, por o lesado não ter visto cessada ou restringida uma actividade profissional como decorrência imediata do sinistro e da diminuição de capacidades pessoais por ele provocada, é indiscutível que o lesado vê diminuída a amplitude ou o leque das actividades laborais que pode perspectivar exercer plenamente no futuro, ficando – por via da perda de capacidades funcionais - necessariamente condicionado e «acantonado» no exercício de actividades menos exigentes – o que naturalmente limita de forma relevante as suas potencialidades no mercado do trabalho (facto particularmente atendível numa organização económica que crescentemente apela à precariedade e à necessidade de mudança e reconversão na profissão exercida, a todo o momento susceptível de mutação ao longo da vida do trabalhador).” (ut proc.º 1971/12.0TBLLE.E1.S1, in https://www.direitoemdia.pt/ document/s/bc44a1).
Isto considerado, e aderindo ao entendimento vertido nos Acórdãos do mesmo Supremo Tribunal acima mencionados, e que o Tribunal a quo também acolheu, temos por mais conforme com os interesses que se pretende salvaguardar, que o apuramento do montante do capital devido ao segurado seja determinado pela extensão do dano e não apenas pela extensão da incapacidade decorrente do dano, sem prejuízo de se dever limitar a indemnização a pagar ao valor do capital seguro.
Como refere o acima citado Acórdão do S.T.J. de 9/05/2019, “Quando um acidente pessoal inerente à actividade desportiva cause uma invalidez permamente parcial de 25% e, como consequência da invalidez permanente parcial, um dano de 12500 euros, o montante de capital devido ao segurado deve ser 12500, e não de 6250 euros; quando um acidente pessoal cause uma invalidez permamente parcial de 50% e, como consequência da invalidez permanente parcial, um dano de 25000 euros, o montante de capital devido ao segurado deve ser de 25000 euros, e não de 12500 euros”.
Finalmente no que se refere aos danos não patrimoniais, é importante ter presente que o seguro desportivo é um seguro de acidentes pessoais.
Os danos corporais são eles próprios danos não patrimoniais porque não são passíveis de uma avaliação pecuniária e, por isso, integram aquela categoria jurídica de danos.
Assim, se se admitisse a exclusão dos danos não patrimoniais legitimar-se-ia a exclusão de todas as situações que consubstanciam um acidente pessoal, esvaziando de conteúdo o seguro.
Crê-se, de resto, ser largamente maioritário o entendimento que vai no sentido da sua ressarcibilidade – para além dos Arestos acima mencionados, designadamente o supracitado do S.T.J. de 9/05/2019, podem ver-se ainda os recentes Acórdãos desta Relação de Guimarães de 28/11/2019 (ut Proc.º 2541/17.1T8BCL.G1) e de 3/10/2019 (ut Proc.º 225/17.0T8CBC.G1, ambos in www.dgsi.pt), que também assim o consideraram, e o Acórdão da Relação de Coimbra de 8/09/2009, que se pronunciou sobre todas as questões que vêm de ser decididas, e no que se refere aos danos não patrimoniais, decidiu que a não existência no contrato de seguro de uma expressa exclusão da cobertura de danos não patrimoniais, “deve ser entendida, de acordo com a regra in dubio contra stipulatorum, própria da interpretação de um contrato de seguro, como cobertura deste tipo de danos” (ut Proc.º 165/06.8TBGVA.C1, in www.dgsi.pt).
Do que vem de ser exposto se conclui desmerecer provimento a pretensão recursiva da Apelante Seguradora.
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RECURSO DA AUTOR
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VII.- O Apelante/Autor impugna a decisão de facto, pretendendo que seja invertido o sentido da decisão, julgando-se provados os factos constantes das alíneas m); n); p); q); s); z); e dd).

a) O art.º 640.º do C.P.C. enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
O Apelante cumpriu com todos os ónus que aquele dispositivo legal impõe, quer os enunciados nas três alíneas do n.º 1, quer o da alínea a) do n.º 2, na medida em que, de modo inequívoco, indicou os pontos da decisão de facto que tem por incorrectamente julgados, apresentou o seu projecto de decisão, e enunciou os meios de prova em que fundamenta o seu dissenso.
Além disso, situa no tempo da gravação as passagens dos depoimentos em que alicerça o projecto de decisão que propõe.
Não há, assim, obstáculo legal a que se reaprecie a decisão de facto, nos segmentos fácticos impugnados.

b) Na reapreciação da decisão da matéria de facto impõe-se observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., que, como ficou a constar da “Exposição de Motivos”, tem subjacente a intenção de reforçar os poderes da Relação enquanto instância de recurso também quanto à matéria de facto, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal, baseado apenas no ónus da prova, privilegiando o apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
Assim, não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, na reapreciação da matéria de facto a Relação avalia livremente todas as provas carreadas para os autos, valora-as e pondera-as recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, de modo a formar a sua própria convicção.

Como refere o art.º 341.º do Código Civil (C.C.) as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Não se podendo exigir que esta demonstração conduza a uma verdade absoluta (objectivo que sempre seria impossível de atingir), quem tem o ónus da prova de um facto terá de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como referem ANTUNES VARELA et AL. (in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420).
Ainda de acordo com o que dispõe o art.º 349.º do C.C., desde que seja admitida a prova testemunhal, é igualmente admissível o recurso às presunções judiciais, que são ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
Como referem ANTUNES VARELA et AL., “as presunções naturais, judiciais ou de facto são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos havidos através da observação (empírica) dos factos” e, prosseguem defendendo que, admitindo prova em contrário, a prova “dirige-se contra o facto presumido, visando convencer o juiz de que, não obstante a realidade do facto que serve de base à presunção, o facto presumido não se verificou …” (ob. cit., págs. 486 e 488).
Se, depois de reapreciadas as provas, subsistir a dúvida quanto à realidade de um facto ou sobre a repartição do ónus da prova, decide-se contra a parte a quem o facto aproveita, segundo o princípio consagrado no art.º 414.º do C.P.C..
É no enquadramento destes princípios que se vai proceder à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto.
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VIII.- Como acima se referiu, o Apelante/Autor pretende sejam julgados provados os factos constantes das alíneas m); n); p); q); s); z); e dd).

Na fundamentação da decisão de facto escreveu a Meritíssima Juiz:

Os factos não provados assim foram considerados por não se ter produzido, quanto a eles, prova ou prova credível da sua verificação ou por se ter feito a prova do seu contrário.
Os factos vertidos em f) a p) não foram confirmados por qualquer testemunha, designadamente pela mãe do A., o que não é de surpreender atento o lapso temporal entretanto decorrido (que com toda a certeza terá diluído a memória de alguns acontecimentos).
Também não foi produzida outra prova da sua verificação, razão pela qual foram julgados não provados.
Não há elementos nos autos, designadamente documentos médicos e hospitalares, que atestem os factos vertidos nas als. s), y) e z), sendo que a prova pericial realizada não permite concluir pela verificação dos mesmos.
Finalmente, no que concerne ao facto descrito em dd), não existe nos autos um único documento (atestado médico ou até um recibo de consulta) que indicie que o A. é acompanhado em psiquiatria ou foi a alguma consulta médica dessa especialidade. Assim, apesar de a mãe do A. ter afirmado que o levou a consultas de psiquiatria (que, segundo a mesma, tiveram um carácter esporádico e pontual, já que nunca aderiu a qualquer tratamento), o tribunal não ficou convencido de que o A. seja acompanhado em consultas de psiquiatria.”.

Pretende, pois, o Apelante/Autor que se julgue agora provado que:

“m) O Mandatário do A. contactou com a 4.ª R., indagando qual a Seguradora à data do acidente em crise;
n) Tendo esta informado que havia sido celebrado um contrato de seguro obrigatório de acidentes pessoais para praticantes desportivos federados com a X, aqui 1.ª R.”.

Invoca, para tanto, o depoimento da testemunha M. G., sua mãe, que o terá afirmado.
Revisitado este depoimento não se ouviu qualquer afirmação que a referida testemunha haja pronunciado confirmadora da realidade fáctica acima mencionada. A instâncias do Exm.º Mandatário da Seguradora disse, sim, que «deu ao seu Advogado as indicações», e perguntada quais indicações, respondeu ter-lhe dito que “o seu filho jogava no Y e era federado”. Antes havia afirmado «eu sei desde sempre que quando um atleta é federado tem obrigatoriamente que ter um seguro».
Com o Tribunal a quo, reafirma-se não ter sido produzida prova dos factos acima transcritos pelo que a decisão foi proferida com acerto.
“p) O Mandatário do A. contactou por diversas vezes a R. Seguradora, ficando por vezes sem resposta e noutras sendo-lhe dito que estavam a aguardar por uma comunicação do Y”.
Funda-se o Apelante nos documentos de fls. 61v.º a 63, e 64 (que são, respectivamente, os docs. 5 e 6 juntos com a petição), e de fls. 200 (doc. 2 junto com o requerimento de prova), dos quais resulta que “além dos contactos escritos/documentados houve outros contactos telefónicos mantidos com a Seguradora”.
O teor dos referidos documentos foi transposto para os factos provados constantes dos n.os 5 (doc. de fls. 61v.º a 63); 6 (doc. de fls. 64); e 32 e 33 (emails constantes de fls. 200), constando do n.º 32 o conteúdo integral do email enviado pela “Regularizadora de Sinistros”, Leonarda Marchante.
Para além do contacto telefónico, “datado de 10/11/2009”, referido no doc. de fls. 64, e do contacto que antecedeu o envio do email de fls. 200, não é possível retirar do teor dos mencionados documentos, nem sequer por presunção, a realidade fáctica constante da transcrita alínea p).
“q) Se o A. tivesse uma carreira ligada ao andebol profissional e um curso superior na área do desporto iria obter um vencimento mensal nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros)”.
Alicerça o Apelante a alteração da decisão quanto a esta alínea na conjugação com os factos transcritos nos n.os 53, 54 e 55, e em afirmações produzidas pelas testemunhas V. P.; G. M., e P. V., que destacaram as qualidades técnicas do Apelante enquanto jogador de andebol, e que afirmaram, os dois primeiros, os salários auferidos num dos três grandes clubes nacionais – C, D ou E – vão desde «5.000 euros, 6.000 euros, 10.000 euros, ou mais», ou «será entre 10.000 euros e 15.000 euros».
A falta de rigor demonstrada indica, inequivocamente, a inexistência de uma razão de ciência minimamente consistente (não deram um único exemplo de jogador que auferisse uma daquelas importâncias), não pondendo, pois, constituir base segura para um julgamento da conformidade com a realidade de tais valores, ainda que com relação ao mais baixo.
Por outro lado, objectivamente apreciada a situação, não se pode deixar, de ter presentes os inúmeros exemplos de atletas, nas mais diversas modalidades, (ainda que mais noticiados sejam os futebolistas), que se apesentam promissores nos escalões etários mais baixos – iniciados, juvenis, ou até juniores – e não conseguem, depois, dar continuidade à carreira fulgurante que se lhes auspiciava.
No que se refere ao Apelante, o que objectivamente se pode retirar é que jogava num clube – o B de Braga – que tem inegavelmente uma posição proeminente no panorama nacional do andebol, e que, à partida, lhe permitiria maior visibilidade, e decidiu transferir-se para a “Academia Desportiva do Y” que militava no escalão mais baixo da sua categoria – 2.ª Divisão (não tendo logrado provar ter sido o melhor marcador do campeonato nacional desta Divisão, na época anterior à do acidente – alínea r), não impugnada).
Ora, estes factos não são, de todo, suficientes para alicerçarem a convicção de que num futuro mais ou menos próximo se iriam conjugar todas as circunstâncias para que o Apelante pudesse exigir o pagamento dos elevados salários mencionados pelos seus colegas.
Impõe-se, pois, concluir com o Tribunal a quo não ter sido produzida prova suficientemente convincente e segura do supramencionado facto.
“s) A intervenção cirúrgica a que o A. foi submetido foi com anestesia geral”.
Ainda que assumindo uma insignificante importância na “panorâmica” dos factos provados, impõe-se reconhecer que consta da informação clínica do Hospital Narciso Ferreira, onde o Apelante foi tratado, que a meniscectomia terá sido efectuada com anestesia geral, posto que está sinalizada com uma cruz no quadrado que lhe corresponde – cfr. fls. 29 dos autos.

Deste modo, e por fidelidade à prova, deferindo ao requerido quanto a esta parte, decide-se eliminar dos factos “não provados” a suprarreferida alínea s) e alterar o ponto de facto n.º 37, que fica com a seguinte redacção:

37. O Autor foi submetido a uma cirurgia ao joelho esquerdo, com anestesia geral, no dia -/05/2011, na Misericórdia de Riba de Ave - Hospital Narciso Ferreira.
“z) Por causa reflexa da lesão sofrida no joelho esquerdo, também o joelho direito do A. já apresenta lesões”.
Funda o Apelante a alteração por que propugna apelando “às regras da experiência comum, prudência e bom senso, a critérios de normalidade e razoabilidade”.
É certo ter ficado provado que o Apelante “vive com constantes dores no joelho esquerdo”, e que “apresenta marcha com claudicação ligeira, sem apoio externo”, “sentindo dores mais intensas nas mudanças de tempo”.
Igualmente se poderá admitir, pelas regras da experiência comum, que haverá a possibilidade de ocorrer uma tendência de compensar com o joelho direito, sobrecarregando-o, as dificuldades do joelho esquerdo, mas estes factos não permitem presumir que “o joelho direito apresenta lesões”.
A alegada existência de lesões era facilmente comprovada com um simples documento médico, e, como fundamentou o Tribunal a quo, não há nos autos “documentos médicos e hospitalares” que as confirmem. Não constam das “queixas” descritas no relatório pericial, o qual também “não permite concluir pela verificação” delas.
Impõe-se, pois, manter a decisão.
“dd) Por causa do sinistro em apreço e das suas consequências, o A., já na pendência do presente processo, viu-se na necessidade de procurar ajuda médica especializada, sendo acompanhado em consultas de Psiquiatria”.
Sustenta o Apelante a sua proposta de decisão nos depoimentos das testemunhas M. G., sua mãe; G. R., amigo da família há longos anos; D. H., tia materna daquele, e J. G., seu irmão, depoimentos que qualifica de “verdadeiros, espontâneos, coerentes, … e com conhecimento directo”.
Mais uma vez decidiu bem o Tribunal a quo. A pessoa que acompanhou o Apelante foi a sua mãe, testemunha M. G., e esta, como salientou a Meritíssima Juiz, referiu que face aos comportamentos do seu filho fazia-lhe ver a necessidade de ajuda, e com o assentimento dele «marcava consulta. Ele ia mas não tomava os medicamentos nem fazia nada do que o médico dizia».
A referida testemunha não situou no tempo estes episódios de “marcação das consultas”, não precisando se ocorreram “já na pendência deste processo”, (ainda que ele se tenha iniciado em 31/12/2011). De todo o modo, a simples presença física nas consultas não tem o significado de “acompanhamento médico”.
Mantém-se, pois, a decisão também quanto à facticidade transcrita naquela alínea dd).
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IX.- Pretende o Apelante que a indemnização pelos danos não patrimoniais seja fixada na quantia de € 60.000, e, partindo de um salário mensal de € 5.000, concordando com os demais factores explicitados na sentença, propugna pela fixação de uma indemnização pelo dano biológico no montante de € 60.000 ou, pelo menos, no valor de € 45.000, baseado num salário mensal de € 2.200 acrescido de mais € 500 decorrente da prática de andebol.
Relativamente aos danos não patrimoniais, só são ressarcíveis aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos do n.º 1 do art.º 496.º do C.C..
A gravidade do dano deve ser medida à luz de um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos, e porque tais danos atingem bens imateriais, como a integridade física, a saúde, a honra, a liberdade, a paz e a tranquilidade, que não são susceptíveis de uma avaliação pecuniária, a indemnização não visa repor a situação que existia antes do acto lesivo, desiderato impossível de obter, visando antes compensar psicologicamente o lesado das perturbações emocionais ou afectivas, como as dores, os desgostos, os incómodos significativos, os medos e receios relevantes, que sofreu, e sofre, pelo prazer que anda normalmente associado à compra de um bem material desejado ou à realização de algo que proporcione satisfação, destarte minorando os aludidos sofrimentos.
A indemnização deve ser fixada em dinheiro, em montante que será calculado pelo tribunal recorrendo à equidade, o que permite ater-se somente às circunstâncias do caso concreto, com vista a alcançar uma solução equilibrada e justa, de acordo com as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da ponderação das realidades da vida, e os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência, com vista a salvaguardar, quanto possível, o princípio da igualdade.
O Tribunal a quo fixou a indemnização por estes danos na importância de € 25.000,00 fundamentando na lesão sofrida pelo Apelante, e nas consequências dela derivadas, designadamente a sua repercussão na actividade profissional, com dificuldades na locomoção, que o obrigava ao uso de canadianas; no quantum doloris que foi fixado no grau 4, numa escala até 7; no dano estético, fixado no grau 1; na repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer cujo grau foi fixada em 3, também numa escala até 7; no défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que o Apelante ficou afectado, e que é de 5 pontos.
Mais teve presente o Tribunal a quo que o Apelante “ vive com constantes dores no joelho esquerdo, que são mais intensas nas mudanças de tempo; apresentava, e apresenta, marcha com claudicação ligeira, sem apoio externo; está limitado na realização de esforços físicos quotidianos como subir e descer escadas, permanecer em pé durante períodos prolongados, correr, saltar, andar de bicicleta, efectuar caminhadas mais longas; suportou incómodos e angústia com consultas, tratamentos, operações cirúrgicas e internamentos, o que o deixou, e deixa, desgostoso e deprimido” e “o forte desgosto, ansiedade e abalo” sentidos pelo Apelante “pelo facto de se encontrar com uma limitação que o impede de praticar actividades que exijam esforço do joelho, como é o caso do andebol, sendo não raras vezes assolado por um sentimento de impotência”, havendo referido ainda que ele “Era um jovem atleta, saudável, dinâmico, expedito, alegre, confiante, cheio de vida, com vontade e alegria de viver, calmo, amante da vida, detentor de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas”, e o seu sofrimento e desgosto por “não poder seguir uma carreira ligada ao desporto” e ter de alterar os seus planos de vida, tendo-se tornado “triste, infeliz, introvertido, abalado psiquicamente, deprimido, angustiado, sofredor, inseguro, nervoso, receoso de que o seu estado de saúde piore ainda mais, desgostoso da vida, sentindo-se um incapaz, inútil e diminuído fisicamente”.
Como se vê desta súmula, o Tribunal a quo sopesou todos os factos e circunstâncias relevantes para a fixação da indemnização, deixando transparecer uma especial sensibilidade em relação ao desgosto e sofrimento do Apelante por ver a sua carreira de andebolista interrompida e sem mais a poder retomar, o que demonstra a justeza do valor fixado, não havendo fundamento bastante para alterar o decidido.
No que se refere ao dano biológico, o Tribunal a quo fixou a indemnização na importância de € 35.000,00, justificando com o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que o ora Apelante ficou afectado, e que é de 5% e as limitações do Apelante na realização de esforços físicos quotidianos (como subir e descer escadas, permanecer em pé durante períodos prolongados, efectuar caminhadas mais longas), que lhe vão exigir esforços suplementares no exercício de uma qualquer actividade profissional.
Considerando, e bem, como factores que concorrem para a determinação do valor da indemnização “o tempo provável da vida activa do lesado, os seus rendimentos anuais e a incapacidade sofrida, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até ao fim desse período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente a uma taxa de juros”, posto que, pelo menos à altura, o Apelante não exercia uma actividade remunerada, o Tribunal a quo, entendeu que, “dentro de limites de razoabilidade e do que é expectável, a licenciatura na área do desporto, além de uma maior realização profissional, podia facilmente proporcionar ao A. um rendimento mensal não inferior a € 1.500,00”.
Considerado este rendimento mensal, a entrada do Apelante no mercado de trabalho aos 25 anos, a esperança média de vida dos homens em Portugal, que situou nos 80 anos, e “as repercussões negativas da incapacidade permanente nos actos da vida” do Apelante – que são em número significativo, atenta a localização da lesão – o Tribunal a quo chegou ao valor que fixou - € 35.000.
Não poderá olvidar-se que na ponderação do valor desta indemnização primam os juízos da equidade, que, como se deixoureferido, permitem ao tribunal atender apenas às circunstâncias do caso concreto, com vista a alcançar uma solução equilibrada e justa, de acordo com as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da ponderação das realidades da vida.
E foram inegavelmente estes juízos que sopesarem no cálculo do montante indemnizatório alcançado pelo Tribunal a quo.
O valor do salário mensal “ficcionado” é perfeitamente adequado à realidade do nosso País, sobretudo se se considerar a grelha de salários da função pública, não se alcançando fundamento razoavelmente consistente para preferir o valor proposto pelo Apelante.
Mantém-se, pois, a decisão, também quanto a esta parte.
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X.- O Apelante, partindo da afirmação de que se tivesse sido “pronta e adequadamente assistido e caso tivesse sido oportunamente submetido a cirurgia médica, as sequelas e os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu ao longo de mais de 10 anos poderiam ter sido minorados e, provavelmente poderia não ter ficado com qualquer sequela” (cfr. conclusão 33.ª) pretende que a apelada Seguradora seja responsabilizada pelo ressarcimento total dos danos que sofreu, não se ficando pelo valor do capital seguro.
Para tanto afirma que a mencionada Seguradora “omitiu o dever de actuar com boa-fé, zelo, diligência e lealdade a que estava obrigada”, e, imputando-lhe o incumprimento do contrato, invoca a presunção de culpa consagrada no art.º 799.º, n.º 1 do C.C. (cfr. conclusões 34.º a 39.º).
Em primeiro lugar, impõe-se reconhecer que assiste a razão à Apelada Seguradora em invocar a novidade da imputação a si do agravamento do dano, assim como a exigência de ser ela a prestar ao Apelante os cuidados de saúde necessários a debelar a lesão.
Como vem sendo pacificamente entendido, no sistema jurídico português os recursos ordinários são de reponderação, visando a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal a quo quando a proferiu. Daí que, com excepção das questões de conhecimento oficioso, as quais constituem um objecto implícito do recurso, o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados.
Sem embargo, não vai deixar de se referir que o pressuposto que alicerça a pretensão do Apelante não está demonstrado na facticidade apurada.
A obrigação contratual da Apelada Seguradora é a de pagar as despesas de tratamento até ao limite do capital seguro, ou seja, € 3.900, a que se devia ainda abater a franquia.
Ora, não vem provado, e tampouco foi alegado, qualquer atraso ou impossibilidade de realização da cirurgia em data anterior àquela em que foi realizada, que tenha(m) derivado da recusa da Apelada Seguradora em assumir o pagamento daquela importância.
Saber se cabe no espírito do contrato a obrigação da Seguradora providenciar pelos tratamentos médicos ao lesado pelo menos até ao capital seguro, realizando uma prestação em espécie, é uma questão de interpretação do contrato e das normais legais regulamentadoras do seguro desportivo obrigatório, que não foi anteriormente suscitada nos autos, e também não foi abordada pelo Tribunal a quo. Não é uma questão do conhecimento oficioso (até porque, em último termo, a iniciativa da escolha entre uma e a outra prestação nunca poderia ser do tribunal), com o que este Tribunal de recurso também dela não pode conhecer.
Finalmente, no que se refere à obrigação do pagamento da indemnização concernente à “Invalidez Permanente”, ou seja, ao dano biológico, ela só se vence depois de fixado o grau de “invalidez”, ou seja, depois da cura ou da solidificação das lesões, o que só se veio a verificar na pendência desta acção (o que o próprio Apelante reconhece, atentos os pedidos que formula sob as alíneas D) e E), do n.º 4).
Os factos apurados não permitem responsabilizar a Apelada Seguradora do eventual retardamento ou inadequação do tratamento que foi dispensado ao Apelante pelos serviços de fisioterapia do Clube que ele representava (a Academia Desportiva do Y), dos quais, de resto, só lhe terá sido dado conhecimento dezassete meses depois do acidente (que ocorreu em 12/04/2008, e o primeiro fax a comunica-lho foi enviado em 25/09/2009 – cfr. factos provados n.os 20 e 5, respectivamente).
Impõe-se, assim, concluir pela improcedência da pretensão do Apelante.
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XI.- Pretende ainda o Apelante a condenação solidária da 4.ª Ré “Federação de Andebol de Portugal” (F.A.P.), alegando que se lhe impunha “uma actuação directa e firme no presente caso no momento em que tomou conhecimento do acidente desportivo e das lesões” por si sofridas.
Como o próprio Apelante reconhece, foi só com a citação para esta acção que aquela Apelada tomou conhecimento da situação – com efeito, ficou provado que “nunca foi transmitido à ora 4.ª R. pelo A., ou pelo A.D. Y o sinistro de carácter desportivo a que se reporta os presentes autos” (n.º 19 dos factos provados).
Estando, pois, a acção já pendente, a atitude da Apelada, compatível com o deixar ao Tribunal a decisão do litígio, é aceitável por ser concordante com os parâmetros comportamentais normais, mesmo tratando-se de uma pessoa colectiva de utilidade pública, ainda que de direito privado.
Como faz notar o Tribunal a quo, a Apelada “F.A.P.” cumpriu com a imposição legal constante dos art.os 3.º, n.º 1 e 4.º do Dec.-Lei n.º 146/93, de 26 de Abril, contratando com a também Apelada Seguradora o seguro desportivo obrigatório invocado nos autos, e quando procedeu à inscrição do ora Apelante, que integra a categoria dos “agentes desportivos” referida na alínea a) do art.º 2.º do mesmo Diploma Legal, este ficou abrangido pelas coberturas constantes do referido seguro.
O mencionado artº. 4º., nº. 1, do Dec.-Lei nº. 146/93, estabelece um limite mínimo para o âmbito de cobertura do seguro: pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial; e pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar, e de repatriamento.
Os montantes mínimos daquele capital e destas despesas estão legalmente estabelecidos – na situação sub judicio pela Portaria n.º 757/93, de 26 de Agosto.
Cumprido o limite mínimo obrigatório do âmbito de cobertura do seguro, passa a dominar o princípio da liberdade contratual, na vertente da livre conformação dos contratos, consagrado no artº. 405º., do Código Civil.
Ora, a contratação de coberturas mais amplas do que as obrigatórias apenas caberia ao Clube que o Apelante representava.
Quando sofreu o acidente, o Apelante estava ao serviço do seu Clube.
Ainda que seja a F.P.A. a orientar e regulamentar as competições de andebol em Portugal, não se verificam quanto a si os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, referidos no art.º 483.º do C.C., porquanto esta “actividade” por si desenvolvida não é “perigosa”, nem, de resto, um jogo de andebol poderá ser havido como actividade perigosa, já que, pelas suas características, embora acidentalmente possa ocorrer o confronto físico entre os atletas, o jogo não o pressupõe, acolhendo-se aqui os argumentos expostos no Acórdão do S.T.J. de 12/05/2016, reportados a um jogo de futebol, no qual se fundou o Tribunal a quo (ut proc.º n.º 108/09.7TBVRM.L1.S1, in https://www. direitoemdia.pt/document/s/ 89b30f ).
Termos em que se impõe recusar provimento a esta pretensão do Apelante.
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C) DECISÃO

Nos termos que se deixam expostos, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedentes ambos os recursos de apelação, consequentemente, confirmando e mantendo integralmente a decisão impugnada.
Custas de cada uma das apelações pelo respectivo Apelante.
Guimarães, 14/05/2020

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho