Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
147/17.4T8VNF-D.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Nos termos do art. 123.º, n.º 1, do CIRE, o legislador impõe que a resolução em benefício da massa insolvente dos actos prejudiciais à massa se concretize por declaração emitida pelo administrador da insolvência, nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de dois anos sobre a data da declaração da insolvência.

II- É um prazo curto, que tem por objectivo resolver, rapidamente, uma situação de suspeição, tutelando-se os interesses conflituantes da massa insolvente e dos intervenientes nos actos resolúveis.

III- O administrador terá de ser célere no exercício das suas funções, sob pena de se considerar que o deixar passar do prazo manifesta um desinteresse pelo direito que justifica a sua extinção.

IV- Para efeitos de apreciação da caducidade importa ter em conta que a declaração de resolução do negócio porque dirigida a alguém, só se efectiva mediante declaração à outra parte, daí que só produza efeitos quando chegue ao poder do respectivo destinatário e, só nessa altura, se possa considerar eficaz.

V- Acontece que a eficácia da declaração da resolução nada tem a ver com qualquer vício de forma ou irregularidade na sua formação.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I- Relatório

D. C. instaurou contra a Massa Insolvente de L. F., acção para impugnação da resolução de acto em favor da massa insolvente, resolução declarada pelo Ex.mo Administrador da Insolvência em relação à partilha por óbito de F. C., titulada por escritura de 23-8-16.
Alegou para tanto – em síntese – ser falso que a partilha seja prejudicial à massa insolvente, alegando ainda a caducidade do direito de resolução.
O Ex.mo Administrador da Insolvência contestou em defesa da justeza da declarada resolução, respondendo às excepções invocadas.
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Foi realizada audiência preliminar, com tentativa de conciliação, frustrada, e fixação do objecto do litígio e temas de prova, após o que foi realizada audiência de discussão e julgamento e proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.
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II-Objecto do recurso

Não se conformando com essa decisão, veio a A. interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

1.ª O presente recurso é interposto da sentença que julgou totalmente improcedente a acção intentada pela Recorrente de impugnação da decisão da Sr.ª Administradora da Insolvência de resolução da partilha da herança aberta por óbito do falecido marido da Recorrente, F. C. por escritura pública de habilitação e partilha outorgada no dia 23 deAgosto de 2016 no Cartório Notarial a cargo da notária M. R..
2.ª O Recorrente não se conforma com a douta sentença sob recurso por entender ter havido manifesto erro na apreciação da prova por desconformidade entre os elementos probatórios existentes nos autos e a decisão do Tribunal Recorrido sobre a matéria de facto, bem como uma violação das normas que regulam o ónus da prova.
3.ª A Recorrente impugnou a decisão da Sr.ªAdministradora da Insolvência de resolução da partilha com base nos factos que alegou na petição inicial os quais, no entender da Recorrente demonstram que a partilha efectuada não causa qualquer prejuízo à massa insolvente bem como a caducidade do direito de resolução da partilha, pelo facto da decisão não ter sido notificada a todos os intervenientes na partilha antes de decorridos seis meses contados da data em que a Sr.ªAdministradora dela teve conhecimento.
4.ª A sentença sob recurso foi tomada com base na análise dos documentos juntos aos autos, conjugando o teor desses documentos com os depoimentos das testemunhas prestados em audiência de julgamento, dos quais foi transcrito um resumo na sentença sob recurso, relevando para a economia do presente recurso, no que respeita à existência ou não de prejuízo para a massa insolvente, o depoimento das testemunhas arroladas pela Recorrente, C. C. e A. M., que foi o seguinte:

“- C. C. (filho da autora, irmão da insolvente) referiu que a sua irmã havia recebido cerca de 50 mil euros, há mais de 10 anos, por entregas várias, feitasem dinheiro.
“- A. M., ex mulher da anterior testemunha, referiu que a insolvente pediu dinheiro aos pais, por conta da herança, e que lhe foi entregue 50 mil euros em tranches, desconhecendo, no entanto, as datas.” (sub. Nosso).
5.ª Na sentença sob recurso não é feito qualquer juízo crítico que ponha em causa os depoimentos destas testemunhas, nenhuma outra das testemunhas ouvidas pôs em causa aquilo que foi dito pelas testemunhas C. C. e A. M. e não existe no processo nenhum documento que ponha em causa o que foi dito por aquelas testemunhas, designadamente a testemunha A. M., em particular no que respeita ao facto do empréstimo concedido à insolvente há cerca de 10 anos, ter sido feito por conta da herança dos pais da insolvente.
6.ª Com base nos depoimentos destas testemunhas, que são as únicas que têm conhecimento directo do empréstimo concedido à insolvente, o Tribunal apenas julgou provados os seguintes factos:
“4. A Insolvente, há cerca de 10 anos, teve necessidade de dinheiro para fazer face a algumas despesas.
“5. Para o efeito recorreu à Impugnante a quem pediu que lhe emprestasse as quantias de que necessitava para fazer face a essas despesas.
“6.AImpugnante entregou à Insolvente a quantia de 50.000,00 €.
“7. Esse empréstimo foi feito emváriosmomentos, coma entrega de diversasquantias. “
7.ª O Tribunal levou aos factos provados tudo que foi dito pela testemunha C. C. e a quase totalidade do depoimento da testemunha A. M., do qual excluiu a parte em que esta disse que as quantias emprestadas à insolvente o foram “por conta da herança” (sub. Nosso).
8.ª A credibilidade do depoimento da testemunha A. M. não foi posta em causa pelo Tribunal Recorrido e nenhuma outra prova existe no processo que contrarie aquilo que foi dito por esta testemunha, pelo que devia ter sido dado como provado que o empréstimo feito à insolvente há cerca de 10 anos foi feito por conta da herança dos pais desta.
Ao desconsiderar parte do depoimento da testemunha A. M. sem qualquer fundamento, O Tribunal excluiu a prova que a insolvente havia já recebido valor superior àquele que teria a receber, pelo que nada mais tinha a receber na data da partilha.
9.ª Porque não existe qualquer fundamento para que parte do depoimento da testemunha A. M. tenha sido excluido dos factos julgados provados, deve ser alterada a factualidade julgada provada no sentido de passar a constar que o empréstimo foi feito à insolvente por conta da herança.
10.ª Provado este facto, na sentença sob recurso devia ter sido declarado que a partilha da herança aberta por óbito de F. C., na qual interveio a insolvente, porque herdeira do falecido, não é acto prejudicial à massa insolvente, uma vez que na data da partilha a insolvente já nada tinha a receber a título de tornas.
11.ª A sentença sob recurso enferma ainda de erro na aplicação do direito, bem como erro manifesto erro na apreciação da prova por desconformidade entre os elementos probatórios existentes nos autos, uma vez que a Recorrente alegou e provou que nem ela nem a filha C. L. foram notificadas pela Sr.ªAdministradora da Insolvência da decisão da resolução em benefício da massa insolvente por culpa exclusiva desta.
12.ª A notificação da resolução da partilha tem carácter receptício o que torna obrigatório a prova do seu conhecimento por parte do destinatário ou de que tal apenas não foi possível por culpa do destinatário (artigo 224.º do Código Civil).
13.ª Cabe ao Administrador da Insolvência e não ao destinatário da notificação o ónus da prova de que a carta que contém a decisão de resolução não foi recebida por culpa do destinatário (artigos 224.º,n.º2 e 342.º,n.º1 do Código Civil).
14.ª A Recorrida não fez prova, como lhe competia, da culpa da Recorrente e da filha, C. L. pelo facto de não terem recebido as cartas que lhes foram dirigidas, sendo certo que lhe cabe o ónus da prova da culpa do destinatário pelo não recebimento das notificações.
15.ª Apesar disso, o Tribunal deu como provado a notificação da Recorrente e da filha da Recorrente da resolução em benefício da massa insolvente apesar dos documentos, que até foram juntos pela Recorrida na contestação, demonstrarem o precisamente o contrário.
16.ª Sobre a caducidade invocada pela Recorrente pelo facto de não ter sido notificada nos 6 meses posteriores à data em que a Sr.ª Administradora teve conhecimento da partilha, o Tribunal Recorrido julgou provado o seguinte:
“10. Na escritura é expressamente dito que: - a aqui A., herdeira “D. C. … residente Edifício …, Vila Nova de Famalicão, - a herdeira “C. L. … residente em …, Rue …, Luxemburgo, …”.
“12. Foi para as moradas indicadas pela A. (na escritura de habilitação e partilha) e a indicada na procuração, que a Ré enviou ou remeteu as cartas (registadas com aviso de recepção) de resolução em benefício da Massa Insolvente nos termos e para os efeitos do artigo 120º do CIRE, e aquiem causa – cfr. Docs de fls. 24 a 48.
“15. Igualmente veio devolvida a carta dirigida à A., com a indicação de “Desconhecido”, “Endereço insuficiente”, “Não existe (Rua, Lote, Nº porta)”.
“16. A R. remeteu nova carta de resolução para a. na data de 15-10-2018. Cfr. Documento de fls. 49 e ss.
“17. E remeteu, também, nova carta de resolução para a herdeira C. L., pessoa que não impugnou a resolução, aqui em causa – cdoc. De fls. 63 v e ss.
“18.Assegundas cartas de resolução vieram, novamente, devolvidas ao remetente: - Emrelação à herdeira C. L., com a indicação de “Parti sans laisser d’adresse” - Em relação à A., com a indicação de “objecto não reclamado”“não atendeu”Cfr. aludidos documentos.
“19. A. declarou, na escritura, que “o bem da verba quatro acima identificada [e sita no terceiro andar esquerdo frente, do Largo ..., da freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão] se destina á sua habitação própria e permanente.”
“20. A morada da resolução é exactamente a mesma morada indicada pela A. nos presentes autos, quer na petição inicial, quer na procuração forense a favor do Ilustre Mandatário, quer no formulário do pedido de apoio judiciário.
17.ª Os documentos juntos pela Recorrida na sua contestação(doc. 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8), que correspondem às notificações enviadas pela Sr.ª Administradora aos intervenientes na escritura de partilha por óbito F. C., fazem prova da não notificação da Recorrente e da filha C. L. por facto que não lhes pode ser imputado.
18.ª Ao contrário do que foi julgado provado, as notificações enviadas para Recorrente da resolução da partilha em benefício da massa insolvente não foram enviadas “para a morada indicada pela A. (na escritura de habilitação e partilha) e a indicada na procuraçãonem todas as notificações foram enviadas em carta registada com aviso de recepção.
A primeira carta remetida pela Sr.ª Administradora de Insolvência no dia 02-10-2019, foi enviada para a Rua ..., Edf. ... (doc. 4 junto com a contestação).
A segunda carta remetida pela Sr.ª Administradora Insolvência no dia 15-10-2019, foi enviada para a Rua ... Edf. ... ... (doc. 6 junto com a contestação)
19.ª A Recorrente tem a sua morada onde sempre teve, que é a que consta de todos os documentos juntos aos autos, no Largo ..., Edf. ... ... (não é …, Barcelos nem na Rua ....
20.ª Nenhum dos documentos em que a Recorrente declarou a sua morada tem as moradas colocadas pela Sr.ª Administradora nas notificações que lhe endereçou, ao contrário do que oTribunal Recorrido julgou provado:
- A morada que consta da procuração forense é: “Edifício ..., ...”
- A morada que consta do formulário de pedido de apoio judiciário é: “Edifício ..., ...”
- A morada que consta da escritura de partilha é: “Edifício ... ..., ..., Vila Nova de Famalicão”
21.ª O Tribunal não podia ter dado como provado que as notificações da resolução da partilha em benefício da massa insolvente que a Sr.ªAdministradora da Insolvência enviou para a Recorrente foram enviadas “ para as moradas indicadas pela A. (na escritura de habilitação e partilha) e a indicada na procuração”, porque não foram como o demonstram os documentos juntos aos autos.
22ª A Sr.ª Administradora não foi por isso suficientemente diligente no momento de colocar a morada da Recorrente nas notificações que lhe pretendia endereçar, o que levou a que a primeira notificação fosse devolvida com a indicação de “Desconhecido”, “ Endereço insuficiente”, “ Não existe (Rua, Lote, Nº de porta” e a segunda com a menção de “objecto não reclamado”.
23.ª Como se verifica pela leitura do talão de registo da segunda carta (doc, 6), esta não foi enviada com aviso de recepção, pelo que ao erro na morada acresce a violação do disposto no artigo 123.º do CIRE que estabelece a forma como deve ser notificada a decisão de resolução em benefício da massa insolvente, não sendo admitida forma menos solene como a carta registada, por ser esta a que melhor responde a três necessidades fundamentais: probatória, uma vez que permite ao administrador da insolvência fazer prova do envio e recepção da declaração resolutiva; de celeridade, porque num curto período de tempo o destinatário fica a conhecer a declaração e a eficácia por permitir em formalismos excessivos garantir que o destinatário da declaração toma conhecimento dela (Fernando de Gravato Morais, Resolução em Benefício da Massa Insolvente,Almedina, Coimbra, 2008).
Ainda que tivesse sido enviada para a morada da Recorrente e por esta tivesse sido recebida, o que não aconteceu, esta não podia ser considerada notificada notificada, porque a notificação não obedeceu aos requisitos de forma que a lei determina.
24.ª ARecorrente desconhece onde foram colocadas as cartas ou avisos uma vez que não se recorda de ter visto qualquer carta ou aviso na sua caixa de correio que tenha sido enviada pela Sr.ªAdministradora da Insolvência para uma morada que até nem é a sua e a Recorrida não fez prova de que as cartas ou os avisos tenham sido efectivamente colocados na caixa de correio da Recorrente.
O facto que deve ser dado como assente é que nenhuma das cartas foi enviada para a morada da Recorrente, não podendo por isso considerar-se notificada.
25.ª Apesar da escritura de partilha se ter realizado mais de dois anos antes da decisão de resolução da partilha em benefício da massa insolvente, a Sr.ª Administradora não procurou saber, como lhe competia, quais as moradas actuais de cada um dos intervenientes na partilha e destinatários das notificações dessa decisão.
26.ª Como foi alegado, a filha da Recorrente, C. L. também não foi notificada da decisão de resolução da partilha em benefício da massa insolvente por facto que só à Sr.ªAdministradora pode ser imputado.
27.ª A Sr.ª Administradora enviou as notificações dirigidas à filha da Recorrente C. L. para a morada que constava da escritura de partilha realizada mais de dois anos antes do envio dessas notificações.
28.ª A filha da Recorrente, C. L. já não residia no local para onde essas notificações foram enviadas razão pela qual a primeira foi devolvida com a indicação de ”Inconnu à cette adresse” (desconhecido neste endereço) e “Pas de boite à se nom” (nenhuma caixa com esse nome), o que indicia que esta teria mudado de residência, tendo a segunda, enviada para a mesma morada, sido, naturalmente, devolvida por igual motivo ao da anterior.
29.ª Antes de enviar as cartas de resolução, a Sr.ª Administradora devia ter efectuado as diligências necessárias para confirmar as moradas actuais dos destinatários.
Para tal podia ter notificado a insolvente para indicar as moradas actuais dos intervenientes na partilha, uma vez que se trata de familiares próximos da insolvente.
Podia também ter solicitado o auxílio do Tribunal requerendo que a secretarie efectuasse buscas nas bases de dados nos termos previstos no artigo 236.º do Código de Processo Civil.
ASr.ªAdministradora nada disto fez.
30.ª Sobre a filha da Recorrente não impende qualquer dever de informar a Sr.ª Administradora da Insolvência (a filha da Recorrente até desconhecia a existência de um processo de insolvência da irmã, como certamente ainda desconhece neste momento), já no que respeita à Sr.ª Administradora as coisas são diferentes, uma vez que sobre ela recai um dever de cuidado no momento de notificar a decisão de resolução aos destinatários dessa decisão e isso não se verificou.
31.ª Ainda no que respeita à notificação da Recorrente, importa dizer que ainda que o aviso da segunda notificação tivesse sido colocado na sua caixa de correio, o que não se aceita porque não é verdade, ainda assim nenhuma culpa pode ser imputada à Recorrente se esta não a tivesse recebido antes do termo do prazo de caducidade.
32.ª A segunda notificação terá sido enviada no dia anterior (15-10.2018) ao último dia do prazo de caducidade do direito de resolução (16-10-2018).
Ainda que a Sr.ª Administradora tivesse enviado a notificação para a morada correcta e ainda que a Recorrente não a tivesse levantado, não lhe podia ser imputada qualquer responsabilidade.
Na verdade, o envio da notificação no dia anterior ao do termo do prazo, significa que esta, na melhor das hipóteses e considerando que não haveria atraso na entrega, chegaria a casa da Recorrente no dia 16 de Outubro de 2018 (último dia do prazo de resolução).
Ainda que isso tivesse acontecido, a Recorrente não está obrigada a permanecer em casa a fim de receber correspondência que lhe fosse dirigida pela Sr.ªAdministradora de Insolvência, enviada no último dia do prazo de caducidade do direito de resolução da partilha.
Não estando a Recorrente em casa, teria sido deixado pelo carteiro aviso na caixa de correio da Recorrente para que esta levantasse a correspondência na estação dos correios no dia seguinte, que seria o dia 17 de Outubro de 2018.
Se a Recorrente fosse levantar a correspondência na estação dos correios, teria já caducado o direito de resolução da partilha, sem que à Recorrente pudesse ser imputada qualquer responsabilidade por não ter recebido, antes do termo do prazo, a notificação da decisão de resolução da partilha.
33.ª A Recorrente fez prova de não ter recebido as notificações que lhe foram enviadas pela Sr.ªAdministradora e que nenhuma culpa lhe pode ser atribuída por esse facto.
ARecorrente fez prova de que filha C. L. também notificada e que nenhuma culpa lhe pode ser imputada por esse facto.
ARecorrida a quem cabe o ónus de provar que as notificações foram efectivamente feitas ou da culpa do destinatário no caso de não terem sido, não logrou fazer tal prova.
34.ª A resolução da partilha em benefício da massa insolvente, porque interessa a todos os herdeiros que nela intervieram deve ser notificada a todos os intervenientes pois só assim pode produzir os seus efeitos.
35.ª O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto em função das provas produzidas e na aplicação da lei, violando o disposto nos artigos 224.º e 342.º, n.º 1 do Código Civil, 123.º do CIRE, pelo que deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a sentença proferida, com o que será feita JUSTIÇA. !
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Foram apresentadas contra-alegações a pugnar pela improcedência do recurso, por forma a ser mantida a decisão que decidiu resolvido o negócio jurídico e improcedente a impugnação.
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Foram colhidos os vistos legais.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
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III-O Direito

Como resulta do disposto nos art..ºs 608.º, nº. 2, ex vi do artº. 663.º, n.º 2, 635.º, nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Assim, face às conclusões das alegações de recurso, a questão a apreciar passa por apurar se a partilha efectuada não causa qualquer prejuízo à massa insolvente e se ocorreu a caducidade do direito de resolução da partilha, pelo facto da decisão não ter sido notificada a todos os intervenientes antes de decorridos 6 meses contados da data em que a Sr.ª Administradora dela teve conhecimento.
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Fundamentos de facto

Factos provados

1. A Impugnante, juntamente com os demais herdeiros do seu falecido marido, F. C., procedeu à partilha da herança aberta por óbito deste, nos termos da escritura de partilha outorgada no Cartório Notarial a cargo da Notária M. R. em Santo Tirso, no dia 23 de Agosto de 2016, exarada a fls. 140 e seguintes do livro …-G (documento junto a fls. 20 v a 23).
2.Consta da escritura que foi afirmado pelos filhos da Impugnante que receberam as tornas que lhes eram devidas, dando a respectiva quitação.
3- A insolvente também declarou ter recebido as tornas que lhe eram devidas.
4 – A Insolvente, há cerca de 10 anos, teve necessidade de dinheiro para fazer face a algumas despesas.
5.Para o efeito recorreu à Impugnante a quem pediu que lhe emprestasse as quantias de que necessitava para fazer face a essas despesas.
6.A Impugnante entregou à Insolvente a quantia de 50.000,00 €.
7.Esse empréstimo foi feito em vários momentos, com a entrega de diversas quantias.
8.Em 16-04-2018, a Ré, através da Ilustre Mandatária da Insolvente, tomou conhecimento do teor da escritura de “Habilitação e Partilha” outorgada em 23-08- 2016, por óbito de F. C.. Cfr. Doc. de fls. 6, junto com a petição inicial (ref.ª 31213811)
9.Na escritura de Habilitação (e Partilha), para além de outras coisas, a A. declarou e identificou cada um dos herdeiros do falecido, como a própria A. e os seus três filhos, a saber: - C. L., - C. C. - L. F., aqui Insolvente – cfr. Escritura de habilitação e partilha constante de fls. 20 v a 23.
10.Na escritura é expressamente dito que: - a aqui A., herdeira “D. C. … residente Edifício ... ..., ..., Vila Nova de Famalicão, - a herdeira “C. L. … residente em …, Rue ..., Luxemburgo,…”.
11.Relativamente à morada da herdeira C. L., para além de constar da escritura referida, a mesma corresponde, também, à morada indicada por esta na procuração emitida a favor da sua mãe, aqui A., conforme procuração arquivada no referido acto notarial.
12.Foi para as moradas indicadas pela A. (na escritura de habilitação e partilha) e a indicada na procuração, que a Ré enviou ou remeteu as cartas (registadas com aviso de recepção) de resolução em benefício da Massa Insolvente nos termos e para os efeitos do artigo 120º do CIRE, e aqui em causa – cfr. Docs de fls. 24 a 48.
13.Tais cartas de resolução foram remetidas em 02-10-2018 e foram entregues: - à herdeira L. F. (Insolvente) a 04-10-2018; - ao herdeiro C. C. a 08-10-2018. Cfr. Docs de fls. 24 a 35.
14.A notificação à Interessada C. L. (dirigida para o endereço indicado na habilitação e partilha - 13, Rue ... Luxemburgo), veio devolvida ao remetente com a indicação de “Inconnu à cette adresse” e “Pas de boîte à ce nom”. Cfr. Documento de fls. 36
15.Igualmente veio devolvida a carta dirigida à A., com a indicação de “Desconhecido”, “Endereço insuficiente”, “Não existe (Rua, Lote, Nº porta)”.
16.A R. remeteu nova carta de resolução para a. na data de 15-10-2018. Cfr. Documento de fls. 49 e ss.
17.E remeteu, também, nova carta de resolução para a herdeira C. L., pessoa que não impugnou a resolução, aqui em causa – cdoc. De fls. 63 v e ss.
18.As segundas cartas de resolução vieram, novamente, devolvidas ao remetente: - Em relação à herdeira C. L., com a indicação de “Parti sans laisser d’adresse” - Em relação à A., com a indicação de “objecto não reclamado” “não atendeu” Cfr. aludidos documentos.
19.A. declarou, na escritura, que “o bem da verba quatro acima identificada [e sita no terceiro andar esquerdo frente, do Largo ..., da freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão] se destina á sua habitação própria e permanente.”
20. A morada da resolução é exactamente a mesma morada indicada pela A. nos presentes autos, quer na petição inicial, quer na procuração forense a favor do Ilustre Mandatário, quer no formulário do pedido de apoio judiciário.
21.Em 07-11-2018, a Ré voltou a enviar novas comunicações à A. com o teor das resoluções dirigidas a 02-10-2018, para a morada indicada, tendo a mesma sido novamente devolvida com a indicação de “objecto não reclamado” “não atendeu”. Cfr. Documento de fls. 76 e ss.
22.A Insolvente não era titular de qualquer outro bem que não aqueles que compunham o quinhão hereditário.
23.Com tal partilha, a Insolvente deixou de possuir bens e/ou valores que fossem susceptíveis de responder pelas suas dívidas, tendo os mesmos sido, na sua totalidade e sem prova de pagamento/reposição, adjudicados à mãe, aqui A.
24.Não houve reclamação de créditos por parte da aqui A. Cfr. Relatório do artigo 155º do CIRE.
25.A Insolvente é devedora de créditos (reconhecidos) no valor total de € 472.126,20, sendo o maior credor – Instituto da Segurança Social, IP – por dívidas constituídas desde 2002 a 2005.
26.Em 21-06-2007, a. e o seu cônjuge F. C. venderam à filha L. F. (aqui Insolvente), pelo valor de € 135.000,00, o prédio urbano, composto de casa de habitação, rés-do-chão e andar, e quintal sito no lugar … ou Monte …, freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, registado na respectiva conservatória sob o nº … e descrito na matriz sob o artigo ...º. cfr. Doc de fls. 92 e ss.
27.Para o efeito, a Insolvente recorreu ao crédito habitação outorgado junto da Caixa …, o qual deveria ser amortizado em 29 anos, conforme consta da escritura de compra e venda da qual a A. participou.
28.O crédito em questão venceu-se a 21-12-2016 (em vésperas da declaração de insolvência) e o Credor reclamou e viu reconhecido o valor total de € 102.002,39.
29.Todavia, posteriormente e na pendência do processo de insolvência, este Credor veio informar os autos de que a dívida havia já sido liquidada.
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Fundamentos de direito

No sentido de obter a procedência do recurso quanto às questões suscitadas, a recorrente defende, pela respectiva ordem, que deveria ser aditado aos factos que constam dos pontos 4 a 7, dados como provados, que o empréstimo foi feito por conta da herança dos pais da insolvente, com base no depoimento da testemunha A. M. e que os documentos juntos pela Recorrida na sua contestação (doc. 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8), que correspondem às notificações enviadas pela Sr.ª Administradora aos intervenientes na escritura de partilha por óbito F. C., fazem prova da não notificação da Recorrente e da filha C. L. por facto que não lhes pode ser imputado, pondo em causa a factualidade dada como provada nos pontos 10, 12 e 15 a 20, dos factos provados, sem, contudo, pedir expressamente, nesse sentido, a sua alteração ou qualquer outra modificação.
Ora, como decorre do disposto no art.º 640.º do C.P.C. que o recorrente tem de enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do n.º 1), indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do n.º 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor, claramente, a decisão que, no seu entender, devia ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do n.º 1).
In casu, o que se constata é que a Apelante, no corpo das alegações e nas conclusões não cumpriu esse ónus, dado que não refere sequer ter alegado o facto que pretende ver aditado, indicando concretamente sob que ponto dos seus articulados o fez.
De qualquer das formas, o facto é que não constando dos factos provados, se teria, então, de considerar como não provado, necessário, sendo, por isso, que a recorrente tivesse vindo pedir que passasse a constar dos factos provados, cumprindo o referido ónus imposto pelo referido preceito legal.
Em vez disso, limita-se a fazer referência ao depoimento da testemunha por si arrolada A. M., ex mulher do filho da autora, irmão da insolvente, ao indicar que tal testemunha, terá referido que “a insolvente pediu dinheiro aos pais, por conta da herança, e que lhe foi entregue 50 mil euros em tranches, desconhecendo, no entanto, as datas.”
Daqui decorre que a recorrente procede à sua própria apreciação da prova decorrente da mera afirmação efectuada no sentido apontado, pretendendo por esta via impor a sua própria valoração dos factos ao tribunal.
Acontece que outros argumentos poderiam ser aduzidos em sentido contrário, concretamente no facto de, a ser assim como o defende a Recorrente, não se ter consignado na escritura de partilhas essa realidade, ou seja, ter sido já entregue à insolvente a quantia de 50.000,00€, daí o não pagamento das tornas nesse correspondente valor.
Antes pelo contrário, na escritura de partilha foi declarado que a Insolvente e os restantes herdeiros/beneficiários, em igualdade, teriam a receber da Recorrente, a título de tornas, o valor de € 117.288,87, das quais, no mesmo acto de partilha, deram todos quitação, por já as terem recebido.
Acresce que, de certa forma, o que a Recorrente pretende que seja aditado aos factos provados não corresponde excatamente ao vertido no art. 41.º, do articulado inicial da impugnante, dado que aí se alegou que ‘impugnante e insolvente acordaram que parte do crédito da impugnante seria compensado com o valor das tornas que esta teria de pagar à insolvente”.
Mas mesmo que adaptável, o certo é que muito estranho é, para não dizer pouco credível, que há cerca de 10 anos atrás se estivesse a pensar numa compensação futura, quando aí se desconhecia sequer em que moldes e circunstâncias essa partilha iria ocorrer ou mesmo se ocorreria.
Por outro lado, o facto é que a Recorrente alegou também que “como a quantia mutuada não foi integralmente paga, a Impugnante reclamou no processo de insolvência o valor ainda em dívida”, quando, tal como consta dos factos provados – facto n.º 24 – nenhuma reclamação de créditos foi apresentada pela Recorrente e/ou impugnação das listas de créditos.
Por fim, também não faz menção às passagens da gravação do depoimento que cita, pelo que, considerando que as alegações da Recorrente não dão satisfação às mencionadas exigências legais, sendo que quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, por aplicação do disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C, nos termos expostos, sempre se teria de rejeitar o recurso no que se refere à impugnação da decisão que fixou a matéria de facto, pelo menos, quanto à factualidade que se pretende ver aditada.
De qualquer das formas, mesmo acautelando um entendimento mais abrangente do citado preceito sempre se teria de julgar improcedente essa alteração requerida pelas razões apontadas.
Daqui decorre que, face ao exposto e com base no declarado pela própria impugnante/recorrente, o facto da quantia mutuada não ter sido integralmente paga, sempre o acto praticado seria prejudicial à massa insolvente.
Relativamente à impugnação dos demais pontos que servem de base à caducidade invocada, baseia-se ela na invocação de um erro de julgamento perfeitamente perceptível pela simples análise dos documentos juntos aos autos pela própria Ré, no sentido de se afirmar que o seu teor desmente o que consta como dado como provado.
Concretamente, a A./Recorrente invoca que a sentença sob recurso enferma de erro na aplicação do direito, bem como erro manifesto erro na apreciação da prova por desconformidade entre os elementos probatórios existentes nos autos, uma vez que, nem ela, nem a filha C. L., foram notificadas pela Sr.ªAdministradora da Insolvência da decisão da resolução em benefício da massa insolvente por culpa exclusiva desta.
Aduz que o Tribunal deu como provado a notificação da Recorrente e da filha da Recorrente da resolução em benefício da massa insolvente apesar dos documentos, que até foram juntos pela Recorrida na contestação, demonstrarem precisamente o contrário.
Por outro lado, argui que a Recorrida não fez prova, como lhe competia, da culpa da Recorrente e da filha, C. L. pelo facto de não terem recebido as cartas que lhes foram dirigidas, sendo certo que lhe cabe o ónus da prova da culpa do destinatário pelo não recebimento das notificações.
Ora, como resulta do art. 662.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Na verdade, perante tal situação, de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, haverá erro de julgamento, desde que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório.

Vejamos, pois, se tal ocorre.

Da escritura de partilha consta que a aqui A., herdeira D. C., tem residência no Edifício ... ..., ..., Vila Nova de Famalicão, e a herdeira C. L. residência em …, Rue ..., Luxemburgo.
De igual forma, a morada que consta da procuração forense é: “Edifício ... ...,...”
Também a morada que consta do formulário de pedido de apoio judiciário é: “Edifício ... ...,...”
Tendo por base a prova documental junta aos autos (cfr. doc. 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8, da contestação), apura-se que a primeira carta remetida pela Sr.ª Administradora de Insolvência no dia 02-10-2019, foi enviada para a Rua ..., Edf. ... (doc. 4 junto com a contestação).
A segunda carta remetida pela Sr.ª Administradora Insolvência no dia 15-10-2019, foi enviada para a Rua ... Edf. ... ... (doc. 6 junto com a contestação).
Só a terceira carta, remetida com data de 5.11.2018, é que foi enviada para o Largo ..., Edifício …, ..., Vila Nova de Famalicão.
Já quanto à interessada C. L., a carta remetida pela Sr.ª Administradora de Insolvência no dia 02-10-2019, foi enviada para …, Rue ..., Luxemburgo.
Só a segunda carta remetida pela Sr.ª Administradora Insolvência datada de17-10-2019 é que foi enviada para …, Rue ..., Luxemburgo.
Daqui decorre que as notificações datadas de 02-10-2019 e 15-10-2019, enviadas para a A./Recorrente, bem como a remetida para a interessada C. L., com data de 2.10.2018, para efeitos de resolução da partilha em benefício da massa insolvente não foram enviadas para a morada indicada pela A. (na escritura de habilitação e partilha) e indicada na procuração.
Mais se constata que só a terceira carta remetida para a A. com data de 5.11.2018, e a carta datada de17-10-2019, remetida para a referida interessada, é que foram enviadas para as moradas indicadas na escritura de partilha e procurações, bem como, quanto à A., por si confirmada na petição de impugnação e no seu requerimento de pedido de apoio judiciário, sem lapsos, erros ou incorrecções.
Acontece que, nessas datas, se encontrava já ultrapassado o prazo de 6 meses.
Como tal, em primeiro lugar, importa proceder à respectiva alteração da factualidade dada como provada que se encontra em contradição com a documentação junta aos autos pela Ré/Recorrida no seu articulado de contestação, em conformidade com o que se acabou de expor, por forma a que passe a constar dos seguintes pontos a seguinte matéria:
12. A Ré enviou ou remeteu as cartas (registadas com aviso de recepção) de resolução em benefício da Massa Insolvente nos termos e para os efeitos do artigo 120º do CIRE, e aqui em causa, em relação à A., para a ‘Rua ... Edf. ..., e, para a interessada C. L. para ‘…, Rue ..., Luxemburgo’.
14. A notificação à Interessada C. L., veio devolvida ao remetente com a indicação de “Inconnu à cette adresse” e “Pas de boîte à ce nom”.
16.A R. remeteu nova carta de resolução para A., com data de 15-10-2018, para a Rua ... Edf. ... ....
17.E remeteu, também, nova carta, com data de 17-10-2019, para …, Rue ..., Luxemburgo, de resolução para a herdeira C. L., que não impugnou a resolução, aqui em causa.

Por outro lado, dá-se como não provada a factualidade vertida no ponto 20, dos factos dados como provados pelo tribunal a quo.
Perante esta factualidade alterada há que aplicar agora o direito ao caso.
Como é sabido, a resolução em benefício da massa insolvente é um instituto específico do processo de Insolvência que permite, de uma forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais à massa insolvente, com vista a apreender para a mesma, não só aqueles bens que se mantenham na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos prejudiciais para a massa insolvente. Em termos gerais, a resolução consiste na destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato, sendo a respectiva declaração de resolução receptícia, na medida em que se torna eficaz logo que chegue ao poder ou se torne conhecida do declaratário (art. 224.º, n.º 1 do CC).
Nos termos do art. 123.º, n.º 1, do CIRE, o legislador impõe que a resolução em benefício da massa insolvente dos actos prejudiciais à massa se concretize por declaração emitida pelo administrador da insolvência, nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de dois anos sobre a data da declaração da insolvência.
Como vem sendo entendimento, tais prazos concretizam-se numa verdadeira “caducidade” do direito potestativo de impugnação, que não numa prescrição do direito, como poderia inculcar a epígrafe do art. 123º do CIRE – cfr. Ana Prata/Jorge Morais de Carvalho/ Rui Simões, in “CIRE anotado”, pág. 370; no mesmo sentido, Carvalho Fernandes/João Labareda, in “CIRE anotado”, pág. 437/8 e, na Jurisprudência, entre outros, os Ac. desta Relação de 23.6.2016 em que é relator António Figueiredo Almeida, publicado na dgsi.
“E, por outro lado, é um prazo curto, que tem por objectivo resolver, rapidamente, uma situação de suspeição, tutelando-se os interesses conflituantes da massa insolvente e dos intervenientes nos actos resolúveis. Seria incongruente colocar na mão do administrador da insolvência o poder discricionário de avaliar quando é que estava em condições para decidir pela resolução, ou não, do acto. Seria pôr em causa a segurança jurídica do acto de resolução, cuja arbitrariedade poderia instalar-se, em nome da necessidade de não caducar o direito de resolução.
Com este prazo, quis-se dar a oportunidade ao administrador de insolvência em apurar, rapidamente, os actos susceptíveis de serem resolvidos, pois, incumbe-lhe, dentro das suas funções, investigar qual o património que integra a massa insolvente e todo aquele que fazia parte, nos dois últimos anos” – cfr. Carvalho Fernandes/João Labareda, in “CIRE anotado, pág. 448.

Como se sabe, toda a actividade inerente ao processo de insolvência é urgente, pelo que o administrador terá de ser célere no exercício das suas funções, sob pena de se considerar que o deixar passar do prazo manifesta um desinteresse pelo direito que justifica a sua extinção.
Assim, para efeitos de apreciação da caducidade suscitada, importa ter em conta que a declaração de resolução do negócio porque dirigida a alguém, só se efectiva mediante declaração à outra parte, daí que só produza efeitos quando chegue ao poder do respectivo destinatário e, só nessa altura, se possa considerar eficaz.
Nestas circunstâncias a eficácia da declaração da resolução nada tem a ver com qualquer vício de forma ou irregularidade na sua formação, situando-se apenas no plano externo quanto à produção dos efeitos procurados com a sua emissão: de se dirigir e ser conhecida pelo respectivo destinatário.

Para este efeito, importa ter em atenção o que é estabelecido pelo legislador quanto à eficácia das declarações (negociais) no art. 224.º do CC, ou seja, que:

«1- A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida (…);
2 – É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida;
3- A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz”.

Decorre deste preceito legal, assim, que, quando se trate de declaração receptícia, esta “… torna-se apta a produzir os efeitos intencionados pelo declarante:

a) logo que é efectivamente conhecida pelo destinatário (ou seja, logo que este toma conhecimento do respectivo conteúdo); ou,
b) quando chega ao poder do destinatário em condições de ser por ele conhecida (consoante resulta do nº 3), ou,
c) a partir do momento em que, normalmente, teria sido recebida, caso este não tivesse obstado, com culpa à sua oportuna recepção…” (cfr. Fernando Ferreira Pinto, in “Comentário ao CC- Parte Geral”, pág. 505).
A regra geral é, pois, a de que a declaração negocial só produzirá efeitos quando a pessoa a quem vai endereçada acede ao respectivo conteúdo (teoria do conhecimento ou da percepção).
Mas, decorre do citado dispositivo legal, que, para a lei, “…basta, no entanto, que a declaração chegue ao poder do destinatário, em condições de ser por ele conhecida, para se tornar eficaz, revelando-se indiferente que tome ou não efectivo conhecimento do respectivo conteúdo…” (cfr. Fernando Ferreira Pinto, in “Comentário ao CC- Parte Geral”, pág. 505).
Consagra-se, portanto, um desvio a favor da teoria da recepção que se mostra totalmente razoável: trata-se de considerar a declaração eficaz a partir do momento em que, segundo as regras da experiência comum e os usos do tráfego, fique apenas a depender do acto do destinatário entrar no seu conhecimento.
“… A solução legal visa, naturalmente, evitar fraudes e intencionais alheamentos por banda do destinatário: é por isso que se considera eficaz a declaração que não foi recebida por culpa do destinatário, como sucede quando ele se ausenta para parte incerta, se recusa a receber a carta negocial ou não a levante em eventual apartado que possua “ (cfr. ac. da RG de 6.11.2014, in dgsi.pt).

Como se escreveu no acórdão do STJ de 09.02.2012 (relator: Abrantes Geraldes), in dgsi.pt, “ (a) dificuldade está na apreciação dos comportamentos (acções ou omissões) do destinatário susceptíveis de integrar a situação prevista no nº 2 do art. 224º do CC. Lidando com conceitos indeterminados conexos com elementos subjectivos da responsabilidade contratual (a culpa e a exclusividade da culpa), a apreciação deve ser feita casuisticamente, ponderando designadamente o específico contexto contratual.
Deste modo, será diferente o juízo formulado no âmbito de um contrato em que nada tenha sido acautelado a respeito da forma das comunicações ou do seu destino, em comparação com outro em que as partes tenham estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais.
Na ausência de outro critério delimitador do conceito de culpa para este efeito, teremos de nos socorrer do disposto no art. 799º, nº 2, do CC, sobre a culpa no âmbito da responsabilidade contratual e, por via remissiva, do art. 487º, nº 2, do CC, nos termos da qual esse elemento subjectivo deve ser concretamente aferido através do critério de um devedor criterioso e diligente.”
É também este o sentido interpretativo para que aponta Pais de Vasconcelos quando refere que o nº 2 do art. 224º do CC se destina a contrariar “…as práticas relativamente vulgares, por parte dos destinatários de declarações negociais e não negociais, de se furtarem à recepção das comunicações que lhe são dirigidas…”, para concluir “… ser necessário demonstrar que, sem acção ou abstenção culposas do declaratário, a declaração teria sido recebida. A concretização deste regime não dispensa um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou não recepção da declaração” (cfr.Teoria Geral do Direito Civil, págs.. 457 e 458/ Prof. Pires de Lima, in RLJ ano 102.º, pág. 143/4, que esclarece que a solução se destina a evitar fraudes e evasivas por parte do destinatário).
Assim, “… se for o destinatário a impedir, culposamente, que a declaração chegue à sua esfera de poder, tudo se passa como se ela tivesse sido oportunamente recebida (nº 2). Deste modo, se, por ex., o destinatário daquela mesma carta não se dispuser a recebê-la, recusando-se a assinar o registo ou não a reclamando na estação dos correios quando lhe tenha sido deixado aviso para o fazer, considera-se a declaração eficaz a partir do momento em que poderia tê-la recebido…” (cfr. Fernando Ferreira Pinto, in “Comentário ao CC- Parte Geral”, pág. 506; no mesmo sentido, entre outros, o Ac. STJ de 3.5.2007/relator: Bettencourt Faria, in dgsi.pt).
Acontece que, no caso concreto, conforme decorre da matéria de facto dada como provada, quer a primeira carta remetida pela Sr.ª Administradora de Insolvência para a A. no dia 02-10-2019, quer a segunda carta remetida no dia 15-10-2019, não foram enviadas para a residência indicada pela própria na escritura de partilha, e, posteriormente, indicada na procuração forense e no formulário de pedido de apoio judiciário.
Pois, pese embora a A. tenha declarado residir no Edifício ... ..., ..., Vila Nova de Famalicão, a Sr.ª Administradora de Insolvência enviou as cartas, primeiro, para a Rua ..., Edf. ... e, depois, para a Rua ... Edf. ... ....
De igual forma se constata, quanto à interessada C. L., ter a Sr.ª Administradora de Insolvência, no dia 02-10-2019, anviado a respectiva correspondência para …, Rue ..., Luxemburgo, em vez de o fazer correctamente para …, Rue ..., Luxemburgo.
Daqui decorre que as notificações datadas de 02-10-2019 e 15-10-2019, enviadas para a A./Recorrente, bem como a remetida para a interessada C. L., para efeitos de resolução da partilha em benefício da massa insolvente, não foram enviadas para as moradas correctas, só tal se verificando com a expedição das cartas remetidas para a A. e sua filha, respectivamente, a 5.11.2018 e 17.10.2018.
Ora, nessa altura, já se encontrava decorrido o prazo de 6 meses desde a data em que a Ré, através da sua Ilustre Mandatária, tomou conhecimento do teor da escritura de habilitação e partilha, dado que tal se verificou a 16.4.2018.
Não se pode, assim, concluir que a declaração de resolução apenas não chegou ao conhecimento efectivo da Recorrente por culpa sua, mas antes por descuido e falta de cuidado na indicação da sua correcta residência por quem remeteu as respectivas missivas.
Ora, se isto é assim, tem de se concluir que a declaração de resolução emitida pela Sr.ª Administradora da Insolvência, no prazo dos referidos 6 meses, não produziu os efeitos a que se dirigia, devendo ser considerada ineficaz em relação à Recorrente, dado que não foi por sua culpa que tais missivas não foram recepcionadas.
Mesmo considerando que a caducidade quanto à interessada C. L. necessitava, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por si ou pelo seu representante – cfr. Art. 303.º, por força do disposto no 333.º, n.º 2, do Cód. Civil – o que não ocorreu, sempre em relação à A. se teria de verificar preenchidos esses requisites.
Assim sendo, conclui-se, pois, que, conforme decorre de todo o exposto, se verifica a caducidade do direito de resolução do negócio em benefício da massa insolvente.

Procede, pois, o Recurso.
*
IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª secção cível, deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a impugnação da resolução por caducidade do direito de resolver a partilha da herança aberta por óbito de F. C. outorgada no Cartório Notarial no dia 23 de Agosto de 2016, revogando, consequentemente a decisão proferida.
Custas pela recorrida, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
Registe e notifique.
*
Guimarães, 30 de Janeiro de 2020
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e é assinado electronicamente)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
José Carlos Dias Cravo
António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida