Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
332/18.1T8MNC.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: CASO JULGADO
OFICIOSIDADE DO SEU CONHECIMENTO
LIMITES E DURAÇÃO
ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO NEGATIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- É precisamente no que vem após o reconhecimento (ou não reconhecimento) do direito, comum em princípio a todas as acções, que reside o critério de distinção entre os vários tipos de acções.
II- Assim, se o autor, após o reconhecimento da existência (ou não reconhecimento) do direito, não pretende mais do que a declaração formal dessa existência ou inexistência do direito (ou do facto jurídico), a acção respectiva é de mera apreciação e dentro destas, de tipo negativo.
III- Mas se o autor, mais do que, que o tribunal formule uma declaração negativa, de que o réu não insere na sua esfera jurídica o direito a que se arroga, pretende também e, essencialmente, que lhe seja reconhecido que o direito de propriedade sobre um imóvel, integra na sua própria esfera jurídica, cujo reconhecimento peticiona, estamos defronte de uma acção declarativa de condenação.
IV- Haverá identidade de pedidos, coberta pelo caso julgado, sempre que, para além e independentemente da formulação de um pedido de declaração negativa, em ambas as acções tenha sido formulado também o mesmo pedido de declaração positiva de condenação no reconhecimento da existência do direito de propriedade do autor sobre um imóvel.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrentes: M. G., F. M., J. A. – entretanto falecido (em ..-08-2018) e habilitados em sua substituição os demais AA., M. M. e marido J. N., A. S. e marido M. F., S. S., F. A. e mulher I. S. (herdeiros de O. V. e G. G., falecidos em ..-09-1993 e ..-06-1998, respectivamente).
Recorridos: M. L., NIF .........; H. F., e H. M..
Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo - Juízo de Competência Genérica de ....

Nos presentes autos de acção declarativa sob a forma de processo comum, vieram os AA
1. M. G.;
2. F. M.;
3. J. A. – entretanto falecido (em ..-08-2018) e habilitados em sua substituição os demais AA:
4. M. M. e marido J. N.;
5. A. S. e marido M. F.;
6. S. S.;
7. F. A. e mulher I. S. (herdeiros de O. V. e G. G., falecidos em ..-09-1993 e ..-06-1998, respectivamente) Contra os RR M. L., NIF .........; H. F., e H. M.

Pedir a declaração que os RR. não são donos nem detêm qualquer direito (nomeadamente de compropriedade) que lhes permita ocupar ou obstar à sua ocupação sobre a “parcela de casa e terreno” definida e identificada no item 1/b) da petição inicial e delimitada em plantas de docs. 6 e 7, nem, bem assim, detêm qualquer direito sobre o prédio descrito na C.R.Predial de ... sob o n.º .../..., inscrito sob o artº ... (agora ...) e com configuração e delimitação melhor identificada em plantas de docs. 8, 9 e 10.

Para fundamentar a sua pretensão alegam em síntese o seguinte:

1- Por óbito de O. V. e mulher G. G., falecidos respectivamente em -.9.1993 e -.6.1998 os Autores adquiriram por sucessão, em comum e sem determinação de parte ou direito (tendo os 6ª e 7º AA. adquirido apenas em 2006) os prédios urbanos descritos no art. 1.º da petição inicial, ambos do lugar da ..., ...:
- (a) Prédio urbano com casa e rossios, descrito na Conservatória de Reg. Predial de ... sob o n.º ... de ... e inscrito sob o artº urbano ... da freguesia de ..., confrontando do Norte com F. P. e caminho de servidão, do Sul com A. C., do nascente com o prédio abaixo indicado em b) e caminho de servidão e do poente com J. B. e J. R., com a configuração e limites melhor evidenciados nas plantas que se juntam como docs. 4 e 5, aqui reproduzidas onde o prédio em causa se encontra identificado como “A”.
- (b) Prédio urbano com casa e rossios, omisso na matriz das Finanças e na Conservatória de Registo Predial, confrontando do Norte com F. P., caminho de servidão e M. V., do Sul com A. C., do nascente com M. L. (aqui 1º R.) e servidão de passagem e do Poente com o prédio acima indicado em a), com a configuração e limites melhor evidenciados nas plantas que se juntam como docs. 6 e 7, aqui reproduzidas, onde o prédio em causa se encontra identificado como “B”.
2- Em 2010, porque estes 2 prédios pertenciam exclusivamente às mesmas pessoas (AA.) e porque desde há décadas que já não existia divisória física entre os mesmos, sendo indistintamente utilizados pelos AA. e seus antepossuidores como se um único prédio se tratasse, os AA. procederam à união de tais 2 prédios, englobando ou anexando o prédio omisso referido em 1/b) ao prédio referido em 1/a) passando assim tal prédio urbano (que adoptou o n.º ... de ... e o artº urbano ... da freguesia de ...) a possuir uma área total aproximada de 325m2, a confrontar do norte com F. P., caminho de servidão e M. V., do sul com A. C., do nascente com M. L. (aqui 1º R.) e servidão de passagem e do poente com J. B. e J. R., com a configuração e limites melhor evidenciados nas plantas que se juntam como docs. 8, 9 e 10 (plantas topográficas), aqui integralmente reproduzidas, onde o prédio em causa se encontra identificado a traçado e docs 11 e 12;
3- Pelo menos nos 60 anos que precederam tal união, a área da parcela/prédio urbano omisso indicado em 1/b) encontrava-se fisicamente dividida e demarcada como aí consta indicado, constituindo uma unidade predial distinta e autónoma, concretamente, desde tais recuados tempos que a confrontação nascente deste prédio é constituída pela parede nascente da casa e por uma divisória, inicialmente em madeira e depois em cimento que se estendia pelos rossios (quintal) para norte até à parede da casa outrora de M. V., não havendo assim qualquer ligação física ou de funcionalidade entre este prédio (1/b)) e com o prédio a nascente, que outrora pertenceu a L. D. e que hoje pertence aos 3 RR, divisória melhor identificada com a linha grossa em planta de doc. 13;
4. Durante décadas e até há cerca de 40/50/60 anos, o prédio dos AA indicado em 1/b) encontrava-se descrito como parte (1/4) do prédio outrora descrito sob o n.º ... de ... (depois, n.º ...) e inscrito sob o artº ... de ... (depois ...);
5. E, por seu lado, o prédio que lhe ficava a nascente, antes de L. D. e hoje pertença do 1º Réu e da herança de sua falecida mulher (de que são herdeiros os 3 RR.), encontrava-se descrito com a restante parte (3/4) da mesma descrição e inscrição predial – vd. planta doc. 14 aqui reproduzida;
6. Porém, há cerca de 60 anos, tal repartição de quota “ideal” passou a referir-se a uma parte “física, a) usando os antepassados dos AA. a parte poente do prédio de forma exclusiva - cerca de 1/4 “físico” a que corresponde a parcela alegada em 1/b) – docs. 6 e 7, b) e os antepassados dos RR. usavam a parte nascente do prédio (os restantes 3/4 – doc. 14, divididas tais 2 parcelas que estavam pelas construções id. em item 5 (doc. 13) e referindo-se ambos os proprietário como se tratando de 2 prédios autónomos e independentes;
7. Tais descrições e inscrições (1/4 e 3/4) encontram-se assim notoriamente erradas porque desactualizadas desde há várias décadas e já não identificam correctamente os prédios pois que tanto o prédio indicado em 1/b) como o prédio dos RR. que lhe fica a nascente são, desde há várias décadas, duas unidades prediais distintas e autónomas entre si (encontrando-se na verdade omissas);
8. No que toca ao prédio identificado em 1/b), os AA. e seus antepossuidores e anteproprietários vinham utilizando exclusivamente tal parcela de casa e de terreno desde há mais de 50 anos e até 2011, sem interrupção, à vista de toda a gente, de boa-fé, sem a oposição de ninguém e na convicção de exercerem um direito de propriedade próprio, habitando a casa e respectivo rossio de tal prédio, substituindo o soalho da casa, substituindo anualmente as suas telhas que se iam partindo, a fim de conservar a casa, efectuavam habitualmente a limpeza do terreno (terreno/rossios na parte norte, id. em planta de docs. 6 e 7) onde também depositavam objectos vários (alfaias, materiais…), cuidavam das árvores então existentes em tais rossios (terreno) a norte da casa, designadamente de um limoeiro que aí existia de onde colhiam e consumiam seus frutos, guardavam alfaias agrícolas na casa e demais utensílios, garrafas, etc…, entravam e saiam livremente da casa (da qual possuíam as respectivas chaves) e do terreno;
9. O mesmo vinha sucedendo com o prédio urbano a nascente referido em item 7 (casa e rossios), agora dos RR. e outrora de L. D., o qual, desde há 50 anos, sempre foi utilizado exclusivamente por estes como uma unidade predial distinta e autónoma, não se confundindo com o (diferente) prédio identificado em 1/b), com o qual confronta a poente pela mesma linha divisória referida em item 5 supra, e doc 1;
10. Nem nunca os AA. ou seus antepossuidores usaram a casa e rossios do item 7 (doc. 14) nem os RR. ou seus antepossuidores usaram ou habitaram alguma vez na casa e rossios da parcela identificada no item 1/b) supra (docs. 6 e 7);
11. A unidade e independência entre si de tais 2 prédios bem como a sua aquisição originária (usucapião) sempre foi pacificamente aceite entre “as partes”, designadamente entre os aqui AA. ou os antepossuidores dos seus prédios de 1/a) e 1/b) (hoje unidos) e entre os RR. e antepossuidores do prédio referido em item 7;
12. Que por sentença proferida nos processos 60/1985 e 70/1988 o Tribunal declarou que o prédio dos aqui AA. identificado em 1/b) e o prédio dos RR identificado em item 7 são duas unidades prediais distintas e autónomas, tendo sido desde há largas décadas usadas de forma isolada e exclusiva;
13. O prédio n.º .../... (outrora artº ...) alegado em item 3. supra, que resultou da anexação dos 2 prédios alegados no item 1º e com a configuração e limites indicados em docs. 8 e 9, foi vendido a J. M. através de título de compra e venda lavrado em 29.9.2011 na Conservatória de Registo Predial de ...;
14. Os aqui RR. têm ultimamente invocado que são ainda comproprietários e detentores de um direito de propriedade de 3/4 sobre o prédio identificado com o n.º .../... e artº ..., concretamente, invocam que a parte poente desse prédio, correspondente à parcela de casa e terreno aqui alegada em item 1/b) é ainda o 1/4 (físico) do prédio de que todos eles serão comproprietários;
15. Arrogando-se ainda como comproprietários (3/4) do prédio .../... (artº ...), entendem assim que o adquirente do prédio referido em 3. (Sr. J. B.), não teria qualquer direito a ocupar e fazer obras na parcela de casa e terreno alegada em 1/b), a mesma que, na visão (deturpada) dos RR corresponde à parte poente daquele prédio n.º .../... (artº ...);

Regularmente citados, os RR apresentam contestação alegando:

1. Discute-se nesta acção quem titula, e de que forma, a propriedade sobre o prédio urbano 111/..., o que já ocorrera no âmbito de outras acções judiciais (processos n.os 60/1985 e 70/1988 e n.º 513/15.0T8MNC, que correu termos no Juízo Central Cível de Viana do Castelo - Juiz 4);
2. Os Réus são donos e legítimos possuidores de uma quota indivisa de ¾ sobre o referido prédio, sendo dele comproprietários, juntamente com os Autores, estes apenas detentores de uma quota indivisa de ¼ (no decorrer do ano de 1999, faleceu M. N., que era esposa e mãe, respectivamente, do Réu M. L. e dos Réus H. F. e H. M., tendo sido àquela M. N., a quem, no dia 20.02.1987, por escritura pública de doação, foram transmitidos, por L. D., “ três quartos indivisos do prédio urbano composto de casa de morada com dois pavimentos e rossios, sito no lugar da ..., da freguesia de ... deste concelho de ..., com a área coberta de cento e cinquenta e seis metros quadrados e descoberta de trezentos e cinquenta e três metros quadrados, descrito na conservatória do Registo Predial, deste concelho sob o número ..., a folhas ... do livro B-... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo número ...” ; Por consequência do ocaso de M. N., houve a dissolução da comunhão conjugal e efectivou-se a respectiva sucessão hereditária dos Réus; Na transmissão mortis causa desse património incluiu-se o direito de propriedade sobre ¾ do referido prédio urbano; Os Réus, na sequência de um acto notarial de HABILITAÇÃO DE HERDEIROS, fizeram o registo da sua aquisição em 14.10.2010;
3. Que no dia 29-09-2011, os AA por meio de “Escritura Pública de compra e venda” formalizada na Conservatória do Registo de ..., venderam ao J. M. o prédio o prédio urbano inscrito na matriz predial daquela freguesia de ... sob o artigo .../..., identificado no artigo 1.º a) da petição inicial, pelo preço de 30.000,00 € (trinta mil euros);

Por se entender que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais provas, a apreciação da acção, foi proferida no despacho saneador a seguinte decisão de mérito:
Nestes termos, o Tribunal decide:
- Julgar verificada a autoridade do caso julgado das sentenças proferidas nos processos n.º 70/1998 e 214/17.4T8MNC e, consequentemente, julgar parcialmente procedente a presente acção nos seguintes termos:
- Declarar que os Réus e os Autores são donos e legítimos possuidores em regime de compropriedade da “parcela de casa e terreno” definida e identificada no item 1/b) da petição inicial que se encontra descrita como ¼ do prédio descrito sob o n.º... de ... e ... de ...;
- Reconhecer que os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio descrito na C.R.Predial de ... sob o n.º .../..., inscrito sob o artº ... (agora ...).

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso os Autores, de cujas alegações extraíram, em suma, as seguintes conclusões:

1ª – A Sentença final e o posterior despacho que condenou os AA. como litigantes de má fé apenas se explicam por clamorosos e sucessivos lapsos, causados por várias omissões de análise de peças processuais principais e de documentos e pela análise porventura equivocada e precipitada de outros que, à luz do Direito vigente (processual e substancial), impunham decisão oposta.
2ª – O objecto do presente recurso é constituído por 5 núcleos de questões, 4 das quais foram suscitadas pelos AA. na sua Petição inicial e Réplica e um 5º, final, que resultou da emissão do despacho de 14.1.2022:
1º - a existência de 2 processos judiciais (60/1985 e 70/1988) e em que já foram discutidas, quer directa quer indirectamente a aquisição por usucapião e a separação física e jurídica do anterior prédio com o artº ... em 2 unidades prediais distintas e independentes entre si;
2º - subsidiariamente, a alegação dos AA. de sua aquisição originária (usucapião) e de seus anteproprietários/antepossuidores da parcela independente identificada em 1/b) da PI, nomeadamente pelo uso e fruição exclusivos que há décadas (e até hoje) fazem de tal parcela, aquisição originária essa que foi confessada pelos RR (!),
3º - também subsidiariamente, a existência de vícios registrais e de nulidade na aquisição do prédio dos RR., por simulação e por ofensa do artº 9 do C. Reg. Predial.
4º - a alegação de falta de pedido e de causa de pedir cometida pelos RR. na sua contestação, e que assume aqui extrema relevância considerando que nos encontramos no âmbito de uma acção de simples acção negativa (porque de natureza iminentemente processual, será este o primeiro ponto a ser abordado).
5º - a falta de fundamento substancial e processual para sustentar a litigância de má fé erradamente imputada aos AA. e decidida em despacho posterior à Sentença.
3ª – É de vital importância impedir a perpetuação “ad eternum “de um clamoroso erro de interpretação da realidade mas também do próprio enquadramento e do texto de decisões judiciais emitidas em 2 acções judiciais anteriores, para que se possa recuperar e restaurar a regularidade e confiança na boa aplicação da Justiça e o Direito.
4ª – Em vez de clarificar definitivamente a questão (num sentido ou noutro) a parte dispositiva da presente Sentença (que refere se ter ancorado na pré-existência de 2 decisões judiciais) é, curiosamente, apta a lançar ainda mais confusão (bastará ler a parte dispositiva com atenção), apenas se lamentando os vários erros cometidos que indiciam que o Tribunal não percebeu a questão nem infelizmente demonstrou interesse em percebê-la, optando precipitadamente em dispensar o julgamento ou qualquer discussão entre as partes que lhe pudesse lançar luz sobre o real enquadramento da questão factual e jurídica.
4º núcleo


5ª – Onde, sob o título de “DA NULIDADE POR FALTA DE PEDIDO E DE CAUSA DE PEDIR” a Sentença começa por referir-se (pág. 1) que “os RR. invocaram, na Réplica, a nulidade da contestação por falta de pedido e de causa de pedir” e, no final de tal título (pág. 3), conclui dizendo: “improcede a nulidade arguida pelos RR. ”… cometeram-se 3 importantes erros que, pelo seu número e pela fundamentação que se lhe seguiu, não acreditamos que tenham sido meros lapsos de escrita.
6ª – De facto, dos excertos supra, é notório e evidente que:
1) - Não foram “os RR.” quem invocou “na Réplica” a ineptidão porque os RR. Não podem nunca apresentar Réplicas;
2) - Não pode “improceder a nulidade arguida pelos RR.” porque não foram eles que suscitaram a questão mas antes os AA.;
3) – E os AA. (se é que a eles o Tribunal se quis referir) não invocaram qualquer ineptidão ou nulidade da contestação por falta de pedido e de causa de pedir … nem o poderiam fazer (não existe ineptidão de uma contestação), tendo peticionado na Réplica coisa diferente: “Deve a presente acção de simples apreciação negativa julgar-se procedente e provada tal como peticionado na PI, por falta, insanável, de cumprimento do ónus de alegação e de petição dos RR.”…
7ª – A confusão do Tribunal recorrido confirma-se na fundamentação exposta no último parágrafo da 2ª pág. e no 1º parágrafo da 3ª pág. da sentença onde, para sustentar a suficiência de alegação dos RR., tecem-se apenas considerações quanto ao ónus de alegação de um Autor de uma acção negativa (e não de um Réu).
8ª – Apesar do Tribunal não o ter analisado, é notório que os RR. não alegaram convenientemente um seu direito sobre a parcela de casa e terreno que os AA. identificam e localizam fisicamente na sua PI em item 1º/b) e sobre a qual incidem o seu pedido negativo (e só isso é que interessava que alegassem na presente acção de declaração negativa) pois que os RR., na sua contestação, alegam e pedem apenas que sejam donos, porque herdeiros (invocando uma mera aquisição derivada e uma frágil inscrição registral), de ¾ um prédio ainda inscrito sob o artº ...º de ... (e nada mais dizem), ficando-se sem saber até se o prédio de que se arrogam comproprietários corresponde ou não à parcela física com a área e configuração que os AA. expressamente alegaram e pediram.
9ª - Entre muitos…
- “III - O que está em causa na presente acção é o reconhecimento do direito de propriedade da ora recorrente sobre uma parcela de terreno devidamente identificada. A procedência da acção depende, porém, da identidade entre a parcela adquirida e a parcela reivindicada, cabendo à autora o ónus da prova dessa identidade, por se tratar de facto constitutivo do direito que sobre tal parcela se arroga e o registo predial não originar presunção dessa identidade (art. 342.º, n.º 1, do CC).
IV - Não sendo feita essa prova, a acção terá forçosamente de improceder (…) (Ac STJ 24.10.2006, Proc. 06A1854, reforçados nossos)
Ou então:
- “II- Logrando adesão de prova factos tendentes a demonstrar que a parcela de terreno em litígio se integra num outro, de maior dimensão, cuja aquisição do direito de propriedade se encontra registada a favor dos AA., carecem de ser também demonstrados os factos integrantes da aquisição originária desse mesmo direito, com relação a tal parcela de terreno.” (Ac RG de 6.11.2014, proc. 1593/12.5TBFAF.G1)
10ª – É que a incapacidade destes RR. em identificar e situar fisicamente este alegado prédio de que se afirmam comproprietários não é recente pois já sucedeu antes em acção judicial anterior, de embargo de obra, com o n.º de proc. 272/14.3TBMNC, proposta pelos aqui RR. contra terceiros, cuja improcedência se deveu exclusivamente ao facto do Tribunal ter considerado insuficiente a alegação e prova dos aqui RR. precisamente quanto à titularidade e localização da parcela de casa e terreno aqui em discussão como se demonstra por documento (cfr. 4ª página do doc. 1 junto com a Réplica), notando-se que, assim, nem os RR. aí conseguiram demonstrar sequer um seu “fumus boni iuri”!

11ª – Errada foi ainda a apreciação da 2ª parte do pedido dos AA. da sua PI em que estes pedem que se declare que os RR não… “detêm qualquer direito sobre o prédio descrito na C.R.Predial de ... sob o n.º .../..., inscrito sob o artº ... (agora ...) e com configuração e delimitação melhor identificada em plantas de docs. 8, 9 e 10”.(reforçado nosso) chegando o Tribunal, estranhamente, a questionar o interesse de agir dos AA. quanto a este ponto pois que os próprios RR. aceitaram esta realidade.
12ª – Apenas se vê como possível que o Tribunal “a quo” não tenha lido a parte final do pedido dos AA. que expressamente se refere ao prédio n.º .../..., inscrito sob o artigo ... (agora ...) mas especificamente “com configuração e delimitação melhor identificada em plantas de docs. 8, 9 e 10”, plantas topográficas essas donde resulta e se visualiza que em tal prédio do artº ...º foi englobada a área da parcela que os AA. identificaram na alínea 1º/b) da sua PI (que se visualiza nos docs. 6 e 7 mencionados na 1ª parte do pedido), sendo que actualmente tal prédio tem 325m2 e confronta nomeadamente com M. L. (R.), isto é, nada tem a ver com o desactualizado artº ...º.
13ª – Conclui-se assim que os RR. não sabem identificar fisicamente o prédio de que se arrogam comproprietários (nem, de resto, cumpriram esse seu ónus) e ainda que os RR. aceitam que os AA. sejam exclusivamente donos do prédio que o Tribunal reconheceu a estes últimos, com a configuração e delimitação melhor identificada em plantas de docs. 8, 9 e 10, isto é, do actual prédio com o artº ... e n.º .../..., …
…devendo assim, para afastar quaisquer dúvidas, ser aditado no final da parte dispositiva da Sentença tal parte sublinhada de forma a passar a ler-se: “Reconhecer que os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio descrito na C.R.Predial de ... sob o n.º .../..., inscrito sob o artº ... (agora ...), com a configuração e delimitação melhor identificada em plantas de docs. 8, 9 e 10 da Petição inicial”.
14ª – Mostra-se pacífico que numa acção de declaração negativa apenas é inadmissível a dedução de reconvenção quando a mesma incida sobre o “reconhecimento do direito cuja declaração de inexistência é pedida”. Porém, como refere Lebre de Freitas referindo-se à contestação: “no decorrer da narração ou a seguir a ela, o Réu deve, pois, dizer se conclui pela absolvição da instância, por proceder alguma excepção dilatória ou do pedido, por improceder a acção.” (CPC anot, 2001, Cbr editores, VII, p. 291). Isto é “de la palice”.
15ª – Tendo os RR. pedido na sua Contestação que “Deve a excepção dilatória de caso julgado material ser julgada procedente, por provada, absolvendo-se os Réus da instância” (…) não cremos que tal pedido seja admissível no âmbito da presente acção negativa pois que:
a) os RR. em vez de cumprir a sua obrigação processual de pedir a “improcedência da acção”, entenderam invocar apenas e tão só uma defesa de excepção dilatória e;
b) não pedem sequer a verificação do direito que é negado pelos AA….
… sem esquecer que (STJ em 3.3.2010, proc. 610/06.2TBPRG.P1) … “I – Na contestação das acções de mera apreciação negativa não tem, em princípio, cabimento defesa por excepção (material ou peremptória), nem a dedução de reconvenção, mas apenas (a) alegação dos factos constitutivos do direito que o R. se arroga ou dos sinais demonstrativos da existência do facto que afirma.”
1º núcleo
CASO JULGADO E/OU AUTORIDADE DE CASO JULGADO (Processos n.º 60/1985, 70/1988 e 214/17.4T8MNC) OFENSA AO PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO E ERRO E EXCESSO DE PRONÚNCIA, NÃO VERIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO SUBJETIVA DA AUTORIDADE DE CASO JULGADO E ERROS DE INTERPRETAÇÃO DE JULGADOS
A1
16ª – Ao declarar “verificada a autoridade do caso julgado das sentenças proferidas nos processos n.º 70/1988 e 214/17.4T8MNC ”… violou o Tribunal o disposto no artº 608º/2 CPC, julgando procedente uma “autoridade de caso julgado” que… não foi alegada nem pedida pelos RR. pois que em lado algum usam a palavra “autoridade”, mas sim, e tão só, o “caso julgado”, coisa semelhante mas diferente, sobretudo porque esta é de conhecimento oficioso e aquela não.
17ª – Citando Rui Pinto “Conexamente, ao contrário do que sucede com a existência de prévia sentença entre as partes, a qual é de conhecimento oficioso a fim de que o juiz possa aferir se há excepção de caso julgado — ex vi artigos 577.º, al. i), e 578.º, justamente —, a autoridade de caso julgado não é de conhecimento oficioso.
E porquê? Porque, como se vê, ela resume-se à invocação de sentença anterior para se alegar factos principais que constituem a causa de pedir da acção ou em que se baseiam as excepções, respectivamente, de autor e réu. Ora, apenas às “partes cabe alegar” esses factos, como impõe o n.º 1 do artigo 5.º”
A2
18ª – De outro lado, baseando-se numa “autoridade de caso julgado”, não poderia a Sentença recorrida (se aquela existisse) deixar de declarar uma absolvição da instância (pois foi isso o pedido e, de resto, será o único desfecho possível para a verificação de uma tal excepção dilatória, de acordo com o artº 278º/1/e) CPC).
Julgando da forma como o fez na 1ª parte decisória, o Tribunal subverteu tal lei processual e também o próprio princípio do dispositivo, suprindo, oficiosamente, a falha de alegação e de pedido dos RR., declarando um direito de compropriedade que não poderia declarar (pelo menos se baseado numa autoridade de caso julgado, como o fez…) pois que a absolvição da instância seria assim a única decisão admissível na 1ª parte decisória.
A3
19ª – Encontramos ainda outros erros processuais cometidos pela Sentença recorrida e que apenas poderiam ter conduzido a uma decisão processual e substancialmente errada, nomeadamente (apenas para realçar os mais importantes):
- Completa omissão da análise da Réplica e do requerimento junto pelos AA. em 27.4.2021.
- Erro na transcrição de parte importante do texto da parte dispositiva da acção 70/1988
- Erro por omissão de enumeração (elenco) dos factos que considera provados e não provados e, consequentemente, inexistência de uma análise crítica dos muitos meios probatórios disponíveis (documentais e até confessórios).
- Erro por omissão da análise do acórdão do STJ emitido também nos precisos autos 214/17.4T8MNC que taxativamente negou a verificação dos pressupostos de que depende o caso julgado ou sequer de autoridade de caso julgado entre esta acção e a acção 70/1988.
B
20ª – Concretamente sobre os 2 processos ocorridos na década de 80 (60/1985 e 70/1988, sendo que apenas o último é que foi analisado pelo Tribunal “a quo” e de forma muito superficial), ficou aí claro que, de verdade, já não existe qualquer compropriedade sobre tal prédio com o artº ...º pois que o mesmo foi dividido há várias décadas (pelo menos 7!!) em 2 unidades prediais distintas sendo que uma delas, a mais a poente, é precisamente a parcela de casa e rossio (terreno) que os AA. alegam no seu item 1º/b) da presente PI. e a restante, a nascente desta, é aquela de que os RR. são exclusivos proprietários, sendo impróprio falar-se de ¼ e de ¾ de direito sobre um prédio (ou muito menos ¼ e ¾ de um prédio físico) quando existem, na verdade, 2 prédios independentes entre si, em que AA. e RR detêm direito de propriedade exclusivo sobre cada um.
Proc. 60/1985
21ª – Já na acção 60/85 proposta pelos antepossuidores/pais dos aqui AA. contra os familiares dos aqui RR., foi alegado, aceite e decidido que a parcela de “casa e rossios” em discussão nos presentes autos foi adquirida originariamente por usucapião dos AA. (antecessores dos aqui AA.) pois que, sobre ela, disse então o tribunal de 1ª instância «No que diz respeito à casa, quinteiro e rossio descritos em 1 a) (equivalente ao nosso item 1/b) parêntesis nosso), (…). resulta também claro que os AA por si e seus antecessores, na parcela de terreno em causa, vêm há pelo menos 40 anos armazenando lenha e mato, sem qualquer interrupção e à vista de toda a gente. Ora estes factos são expressivos e integradores da usucapião (art. 1296º do C. Civil), forma de aquisição originária”.
22ª – E o Tribunal da Relação, confirmando a 1ª instância, veio ainda esclarecer dizendo que “perante os factos provados e ao menos por via de usucapião, os autores são donos dos dois prédios indicados no n.º 1 do articulado inicial, até à confrontação a Norte com o prédio dos Réus”, mais asseverando que isso “tem de acatar-se porque não se compreende no âmbito de recurso, uma vez que foi decidida favoravelmente aos autores e os réus não recorreram (artigo 684º, n.º 4, do C.P.Civil), apesar de terem sido condenados num dos pedidos – o referente ao beiral do telhado – condenação que necessariamente pressupõe o direito de propriedade invocado pelos autores, na parte em que (ñ) foi contrariado na contestação”.
Proc. 70/1988
23ª – Ao contrário do que concluiu o Tribunal “a quo”, a Sentença emitida em 1993 no âmbito do processo 70/1988 apenas veio reforçar quer a solução jurídica do proc. anterior quer a consciência das partes de que já não existe a compropriedade que outrora existiu sobre o prédio ....
24ª – Na interpretação de uma decisão judicial não nos poderemos basear em excertos literais para ultrapassar aparentes contradições, ignorando-se o que vem dito em oposição a tais excertos. Uma qualquer decisão judicial reclama sempre uma cuidada interpretação da globalidade da sua parte decisória mas que não esqueça também os seus fundamentos ou, nas próprias palavras da Sentença recorrida, “na determinação dos seus limites e eficácia, deve atender-se não só à parte decisória mas também aos respectivos fundamentos, pois que a parte dispositiva constitui a conclusão decorrente de silogismos internos de uma decisão, nos quais os fundamentos de facto ou de direito são as premissas. ”
25ª – Se tivesse realizado tal esforço de interpretação que a própria Sentença preconizou, começaria esta por se aperceber que em tal acção 70/88 os aí RR. (que são também os aqui RR. e seus antepossuidores) aceitaram expressamente que os aí AA. (que são os antepossuidores dos aqui AA.) já eram então exclusivos proprietários da parcela descrita em 1º/b) que aqui (ainda) discutimos, aí confessando inequivocamente os RR. (fls. 7 a 16 do doc. 116 da PI) que:
- “A fração 1/4 não só da área coberta que coube à M. B. e marido por óbito dos pais e sogros e posteriormente, venderam a J. G. e mulher e estes, por sua vez, venderam aos ora AA. e que estes descrevem sob a alínea a) do artº 1 da petição era e é uma fração autónoma, distinta das demais, com entradas e saídas próprias isto é uma unidade predial autónoma e independente”. - Itálico extraído do art.º 51 da contestação do 70/88
- “Esta parcela de terreno situa-se entre a linha divisória da parcela de terreno também pertencente aos AA. e que descrevem na al. b) da Petição e a linha divisória que se inicia no cunhal norte-nascente da referida fração e se estende para norte até ao prédio do M. V. que lhe fica a norte dela” - itálico extraído do artº 55 da contestação do 70/88
- “É esta linha que divide a fronteira entre a fração do artº antecedente e a fracção autónoma e distinta que era pertença da L. D. e que hoje é dos RR, sendo uma unidade predial distinta e autónoma”. - Itálico extraído do art.º 56 da contestação do 70/88.
“Ficando as dos AA. a poente da linha picotada que parte do cunhal norte-nascente da extrema com a casa dos ora RR e termina junto à parede sul do prédio de M. V.”. - Itálico extraído do art.º 69 da contestação do 70/88.
“Para nascente da linha divisória alegada no artº 69, os AA. nada possuem, nomeadamente qualquer parcela de terreno ocupada ou não por qualquer canastro”. - Itálico extraído do art.º 72 da contestação do 70/88
Esclarecedor!
26ª – É ainda certo que os RR. de tal acção 70/1988 (o aqui 1º R e falecida mulher) aproveitaram para aí esclarecer (doc. 16 PI) que os seus registados 3/4 sobre o artº ... também não correspondiam à verdade pois são também exclusivamente donos de uma unidade predial distinta e autónoma, alegando inequivocamente ter ocorrido uma divisão do prédio do artº ... alegando expressamente que “Desde a data da divisão do artº ... que decorreu há mais de 30, 40 e 50 anos, a L. D. antes e depois os RR. a demarcação entre o prédio destes e a unidade predial da alínea a) do artº 1 da petição sempre se fez através de uma linha mais ou menos recta fazendo tudo uma unidade predial autónoma e distinta.” - itálico extraído do artº 100 da contestação do 70/88.
27ª – A Sentença, apesar de confirmar que os “Autores possuem como donos os rossios do prédio descrito em A) e o prédio descrito em B) e respectivos rossios”. (…) veio a declarar que a pretensão dos AA. não poderia proceder por não terem feito então prova que a sua alegada propriedade exclusiva sobre a parcela de 1º/b) que aqui discutimos “se prolongava até ao local onde se situa o canastro que esteve implantado na zona norte nascente dos rossios dos prédios id em A), B) e F)”.
28ª – Mas não deixou o Tribunal de considerar que nem mesmo essa compropriedade deverá existir (apesar de, contraditoriamente, reconhecer aos AA. apenas um direito de ¼):
a) porque não deixa de considerar que o prédio identificado na al. A) da especificação (o antigo ¼ do artº ...º) é um prédio diferente do prédio identificado na al. F) da especificação (os antigos ¾ do artº ...º). Daí a necessidade de os enunciar em diferentes alíneas da especificação, distinguindo-as na parte dispositiva;
b) Porque então logo declarou que os Réus são “donos da unidade predial descrita em F)” e mais “condena os AA a absterem-se de ocupar os rossios dos RR. a nascente da linha divisória descrita na resposta aos quesitos”.
29ª – Esta aparente contradição é assim apenas “aparente” se atentarmos para a fundamentação que precedeu a parte dispositiva e sobretudo se considerarmos que nos encontrávamos perante um regime processual civil completamente diferente, mais estanque e com maior responsabilização do princípio do dispositivo.
De facto, se o objecto principal dos autos era a propriedade da área do antigo “canastro” e porque esta não lhes pertencia nem fazia parte da parcela que aqui discutimos, mas sim incluída estava na área na casa de L. D. e que outrora havia sido ¾ do prédio ...º), é apenas natural que a sua pretensão fosse improcedente, não podendo o Tribunal corrigir o pedido erradamente formulado pois que, se o fizesse, estava a considerar que o prédio dos AA. incluía a área do dito “canastro”.
30ª – Mas isso não impediu o Tribunal de julgar extinta a compropriedade do prédio do artº ...º pois que o que era o direito de ¾ sobre tal prédio (alínea F) da especificação) passou, com o deferimento da reconvenção, a ser um prédio autónomo e exclusivamente dos RR., aí adquirido por usucapião e onde os AA. “não poderiam entrar” (qual “prova dos 9” da inexistência de compropriedade!)
31ª – A leitura do antes alegado pelas partes e declarado assente (nomeadamente os RR. que expressamente assumiram que já não existe compropriedade do prédio com o artº ... e que aquilo que eram ¾ de um direito é hoje uma unidade física independente) e a correcta interpretação da fundamentação e decisão dos autos 70/88 (que, compreendemos, poderá não ser fácil atenta a distância cronológica e dos próprios regimes processuais então vigentes) …
… apenas poderá conduzir à conclusão de que nem existe compropriedade sobre o artigo ...º nem os RR. detêm qualquer direito sobre a parcela de casa e terreno “do meio”, que outrora era (ou se confundia) como ¼ do artigo ...º.
32ª - Tal correcta leitura e conclusão é oposta àquela que a Sentença recorrida chegou (apesar de se lhe referir). Na verdade, existe de facto um caso julgado ou pelo menos uma autoridade de caso julgado neste proc. 70/88 que importa defender… mas no sentido de que a compropriedade não existe e que AA. e RR. são donos, cada um, de um prédio independente entre si.
Processo 214/17.4T8MNC
33ª – Ditando o artº 625º CPC que “Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar” poderíamos desde logo concluir que a decisão emitida no âmbito do proc. 214/17.4T8MNC não poderá ser simplesmente cumprida porque contraditória com a decisão alcançada no proc. 70/88 e, antes desta, no proc. 60/85, vindos de analisar.
Por outro lado,
34ª – Ao julgar verificada a condição subjectiva (identidade das partes) para que a autoridade de caso julgado possa actuar (se de conhecimento oficioso fosse) entre este processo (de um lado) e os processos 214/17.4T8MNC e a acção 70/1988 (de outro lado), violou a Sentença recorrida a decisão emitida pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre a não verificação da identidade de pessoas entre a acção 214/17.4T8MNC e a acção 70/1988 (e, por arrastamento, entre aquela e a presente acção).
35ª – De facto, é errado concluir (pág. 22 da Sentença “a quo ”) que no processo 214/17.4T8MNC tenham estado, como RR., os “cessionários dos AA.” do prédio com o artº ...º (ou de parte deste) pois que isso foi frontalmente negado pelo acórdão do STJ emitido naqueles autos (junto aos presentes autos em 12.4.2021, págs. 35 a 37) …tendo sido essa a até a justificação para a recusa em sequer apreciar a eventual existência de caso julgado ou de autoridade de caso julgado entre essa acção e a acção 70/1988 que, assim, têm partes diferentes, terceiras entre si.
36ª – Disse então tal acórdão que …“a identidade subjectiva ocorre apenas em relação aos aqui autores pois no processo nº 70/88, eram réus reconvintes o aqui autor M. L. e sua mulher, entretanto falecida, intervindo nos presentes autos os herdeiros que sucederam na posição jurídica daquela” e ainda que “, os aqui réus não são parte no processo n.º 70/88 nem por si nem pela qualidade, alegada mas não provada, de sucessores na posse dos ali autores, nem tampouco se encontram abrangidos por qualquer norma legal que permita que beneficiem do caso julgado formado naquele processo” e “Conclui-se assim pela não verificação da alegada ofensa do caso julgado ou autoridade do caso julgado formado com a decisão proferida no processo n.º 70/88.
37ª – Ora,
- Se decidido está que não se verifica a condição subjectiva, a identidade de pessoas entre este proc. 214/17.4 e o processo 70/88
- E considerando que este último processo 70/88, como é pacífico, envolve as mesmas pessoas (vistas na sua qualidade) que os presentes autos 332/18.1,
…então é evidente que também não poderá verificar-se aqui a condição subjectiva que possa justificar, pela mesma razão, o recurso a uma autoridade de caso julgado (e muito menos a um caso julgado).
38ª - Ao julgar de outra forma, entendendo que se encontra verificada tal identidade subjectiva entre o Réu da acção 214/17.4T8MNC e os AA. desta acção, esta Sentença não apenas violou o caso julgado no âmbito do acórdão de revista emitido precisamente neste processo e sobre esta matéria, como também assim impediu os aqui AA. – declaradamente terceiros quanto ao processo 214/17.4T8MNC - de poderem exercer o seu contraditório neste processo o que nas palavras de Rui Pinto é “absolutamente inconstitucional, por contrário à proibição de indefesa, prevista no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição e no artigo 3.º do Código de Processo Civil, que uma decisão vinculasse quem foi terceiro à causa.”
39ª – E mesmo que isso não sucedesse, e mesmo que o artº 625ºCPC pudesse solucionar o problema, é ainda insustentável (e até contraditório com a própria decisão) que venha agora o Tribunal parecer declarar na sua fundamentação que “ o prédio descrito no artº 1º/b) da petição inicial corresponde ao prédio outrora descrito sob o n.º ... de ... (depois ...) e inscrito sob o artº ... de ... (depois ...), sendo AA. e RR. comproprietários desse mesmo prédio na proporção de ¼ e ¾ respectivamente”, assim parecendo demonstrar que se alcançou um 3ª resultado diferente do alcançado no proc. 214/17.4T8MNC e também das anteriores acções 60/85 e 70/88! (quanta confusão!!)
40ª – Isto porque a própria sentença emitida no 214/17.4T8MNC e em que a Sentença recorrida pretende se sustentar (mesmo que aqui invocável fosse) diz taxativamente que: “conclui-se que o artigo matricial … estava dividido fisicamente em duas casas de habitação, ¾ correspondiam à unidade predial dos aí réus, ora autores, e ¼ correspondia a O. V.. Contudo, o facto do prédio se encontrar dividido fisicamente, não se traduz automaticamente na divisão jurídica do mesmo. Para isso, teriam os comproprietários de lançar mão da acção de divisão de coisa comum. (…) decidindo a final em conformidade com tal apreciação.
41ª - Isto é, ao invés do que agora a Sentença “a quo” veio dar a entender na fundamentação (por razão que se desconhece) tal acção 214/17.4T8MNC tinha entendido diferentemente: que o actual prédio do artigo ...º é ainda o mesmo prédio ...º que antes existia, constituído por 2 casas que até considerou serem 2 unidades prediais, e que uma é a casa dos RR. (a casa que foi de L. D.) e a outra é a parte que os aqui AA. alegaram como sendo a parcela da casa do meio (1º/b) que não confronta do nascente com o caminho público e não tem (decididamente) 500m2!
A única imprecisão de tal decisão do proc. 214/17 é que tais autos entendem que ainda se justifica lançar mão de uma acção de divisão de coisa comum, ignorando as decisões anteriores…
42ª – Mas, estranhamente, tal equivocada fundamentação desta sentença recorrida enunciada em conclusão 39ª) também não “passou” para a parte dispositiva (!?), apesar de aí também ter ficado também erradamente expressa.
De facto, tal 1ª parte dispositiva não poderá permanecer imodificada da forma que ficou e apenas se consente que se tenha devido a mero lapso por ser evidente o absurdo de declarar que (realçados nossos) …”os Réus e os Autores são donos e legítimos possuidores em regime de compropriedade da parcela de casa e terreno definida e identificada no item 1/b) da Petição inicial que se encontra descrita como ¼ do prédio descrito sob o n.º ... de ... (?) e ... de ...”, confundindo-se o direito de uma quota de compropriedade de ¼, com ¼ de uma parte física descrita de um prédio e referindo-se a um prédio da freguesia de ... quando nos encontramos na diferente freguesia de ... (quanta confusão!)
2º núcleo
Da aquisição originária (usucapião) por parte dos AA. e de seus anteproprietários/antepossuidores sobre a parcela independente identificada em 1/b)
43ª – Porque o Tribunal não se debruçou (antes omitiu) sobre os factos e sobre o direito que os AA. alegaram na sua Réplica e lembraram em seu requerimento de 27.4.2021, nomeadamente a impugnação ou as excepções dilatórias e sobretudo peremptórias do pretenso direito que os RR. “terão” alegado na sua contestação, …
… assim se violou, entre outros, o disposto no artº 607º e 608º CPC pois que a lei processual apenas dispensa de conhecer e emitir decisão quanto a questões de direito que tenham ficado prejudicadas, mas não “de facto” e a explicação é simples pois que só assim, “em caso de recurso, o Tribunal de segunda instância, se tiver fixados ou puder fixar todos os factos relevantes, pode afastar uma solução jurídica em favor de outra e, se necessário, conhecer o que deixou de estar prejudicado, em função de um novo enquadramento jurídico.”
44ª – Isso com a séria agravante de nos encontrarmos, aqui, numa acção negativa em que a Réplica é precisamente o “espaço e momento” adequados para o Autor contestar o pretenso direito que deveria ter sido invocado pelo Réu. Ou seja, omitindo a Réplica, omitiu o Tribunal a análise do que seria a própria “contestação” de uma acção positiva, violando-se assim, irremediavelmente, o direito ao contraditório!
45ª – Em consequência, porque não demonstrou ter analisado a importante matéria de impugnação e de excepção alegada na Réplica dos AA. (e resumida no início do seu req. de 27.4.2021), não poderia o Tribunal se ter apercebido da existência de circunstâncias supervenientes axiais que a Sentença diz não ter encontrado.
46ª – A primeira das axiais excreções suscitadas pelos AA. na sua Réplica (e de forma subsidiária) era precisamente a alegação e petição de aquisição originária dos AA. da parcela em discussão, por usucapião, como forma de operar a divisão do prédio (se o mesmo se considerasse como estando ainda em comum, em compropriedade), sendo pacífico em toda a jurisprudência que o poderiam fazer isto é, “II - Cada um dos possuidores pode invocar a usucapião no mesmo processo (por via de acção e de reconvenção) como forma de aquisição originária e exclusiva daquele direito”. (Ac. RP de 27.9.2017, proc. 9392/15.6T8VNG.P1
47ª – A referida alegação de aquisição originária por usucapião da parcela aqui em discussão veio extensamente alegada na sua Réplica (itens 116 a 129, aqui reproduzidos) numa matéria que nem os RR. se pronunciaram (aceitando-a) nem o Tribunal a analisou, apesar de aí os AA. alegarem uma usucapião existente à data de hoje ou pelo menos reportada a 2011, precisamente uma das circunstâncias supervenientes à referida acção 70/88 que a Sentença “a quo” afirma não ter encontrado.
48ª - Não se poderá dizer que o proc. 214/17.4T8MNC tenha aqui tido alguma repercussão pois que:
1ª – este processo não poderá impedir a defesa e contraditório dos aqui AA. terceiros perante as partes daquela acção 214/17;
2ª – porque mesmo que “terceiros” não fossem, a decisão emitida neste processo 214/17 é posterior (trânsito em Fevereiro de 2021) à propositura da presente acção (de 5.7.2018) ou também da Réplica (apresentada em 7.11.2018);
3ª –a usucapião não foi – declaradamente – uma das questões analisadas pelo processo 214/17.4T8MNC pois que aí foi somente declarada a absolvição da instância dos aí AA. quanto à reconvenção dos aí RR. de aquisição por usucapião (cfr. pág. 14 do saneador de 11.2.2018 emitido no proc. 214/17.4T8MNC), não os impedindo assim se voltar a suscitar essa questão (e, muito menos os aqui AA.)
49ª - Sobre a verificação dos requisitos de que depende a usucapião alegada pelos AA. na sua Réplica (para a qual se remete), julgamos que o Tribunal “ad quem” estará em condições de o julgar de forma procedente pela:
- Vasta prova documental existente,
- A aceitação dos respectivos factos em virtude do não cumprimento do seu ónus de impugnação,
- E ainda em virtude da confissão judicial – que aqui vale como confissão extrajudicial – dos RR. no proc. 70/88 (sendo um deles o mesmo que o aqui 1º Réu) relativamente à desactualização do que constituía o direito de ¼ sobre o prédio do artº ...º, que agora não existe, existindo sim uma unidade predial autónoma e independente e da propriedade desta parcela que é exclusivamente dos AA. (aqui AA.).
50ª – No limite se alguma insuficiência houver e porque, malogradamente, o Tribunal “a quo” não decidiu continuar a instância para que se emitisse pronúncia sobre se os factos se encontram ou não provados e em que medida, então não restará outra alternativa que não seja reenviar a questão para o Tribunal de 1ª instância para que se logre realizar tal desiderato.
3º núcleo
Da existência de vícios registrais e de nulidade
na aquisição do prédio dos RR.
51ª - À semelhança do que sucedeu com a aquisição por usucapião, também a Sentença recorrida, ao omitir a análise da Réplica, não analisou as axiais questões relacionadas com a nulidade (por evidente simulação) da aquisição do pretenso direito de compropriedade dos RR. (3/4) sobre o artº ...), mas também a nulidade da (caduca) inscrição predial de ¾ que os RR. (ainda) invocam para sustentar o seu direito de compropriedade, por violação do artº 9º do C. R. Predial como ainda melhor explicado nos itens 96 a 115 da Réplica.
52ª – Como alegado de itens 93º a 95º da Réplica e demonstrado no doc. 4 junto com a mesma, demonstra-se inequivocamente a simulação na aquisição do referido direito de ¾ dos RR. pois que a forma de aquisição que as partes pretenderam realmente fazer (compra e venda – doc. 4 da réplica) foi manifestamente diferente daquela que, simuladamente, acabaram por formalizar (doação – doc. 3 da contestação), assim agindo apenas para obviar ao direito de preferência dos então comproprietários na transmissão daquele direito.
53ª – E, como alegado de itens 96 a 115º da Réplica, a referida inscrição registral de ¾ a favor dos RR. é nula porque, analisando o teor da descrição e inscrição registral do prédio n.º ... (que depois veio a assumir o n.º ... quando foi extractado do livro para a base de dados informática, em 14.10.2010) doc. 7 da Réplica, não existe qualquer referência à existência de ¾ ou da inscrição quanto a tal direito até 2010 quando o Réu resolveu, sem justificar, inscrever em seu nome um direito que até então estava completamente omisso, assim se violando o artº 9º do DL 224/84 (Código de Registo Predial).
54ª – Porque existe sobeja prova documental junta (acima referida) e porque os RR. nada disseram quanto a estes factos (confessando-os), estará também aqui o Tribunal “ad quem” em plenas condições de declarar a dupla nulidade vinda de alegar.
5º núcleo

Da litigância de má fé erradamente imputada aos AA
55ª – Aqui desaguados, será impensável considerar os AA. como litigantes de má fé como veio o Tribunal “a quo” declarar, depois de emitida a sua Sentença, desde logo, porque os AA. colocaram uma acção negativa, no ano de 2018 apenas porque os RR. vinham recentemente colocando em causa a pré-existência de 2 acções (60/1985 e 70/88) e sobretudo a convicção que tais decisões geraram nas partes (AA. e RR.) as quais, no entendimento dos AA., sempre lhes asseguraram o reconhecimento da propriedade exclusiva das respectivas parcelas de casa e terreno aqui em discussão (unidades prediais autónomas), sendo que a 1ª decisão concedeu razão aos AA. relativamente à sua aquisição originária sobre tal parcela de 1º/b); e a 2ª acção., “qual prova dos 9”, havia concedido razão aos RR./reconvintes na declaração de que a outra unidade predial a nascente daquela havia sido também adquirida por estes, por usucapião.
56ª – E, mesmo que isso insuficiente fosse (ou não se verificasse), sempre os AA. aqui cuidaram de, subsidiariamente, requerer novamente a aquisição da parcela aqui discutida por usucapião por actos exclusivos de posse realizados até hoje pelos próprios AA. e pelos seus antepossuidores, praticados durante décadas mesmo depois da acção 70/88, cientes de que os praticavam como sendo seus donos, …isto é, não se compreende que o Tribunal tenha vedado aos AA. a discussão de matéria diferente e uma aquisição para todos os efeitos diferente da que foi antes discutida no proc. 70/88 nem muito menos se aceita como possa o Tribunal ter condenado os AA. por exercerem o seu livre direito de requererem tal diferente tutela jurisdicional!
57ª – Por outro lado, não se entende como possa o Tribunal “a quo” ter verificado uma litigância de má fé por parte dos AA., criticando-os por terem proposto a presente acção, em 5.7.2018, justificando-se pelo conhecimento destes (prévio !?) de uma decisão judicial (214/17.4T8MNC)… que apenas viria a transitar em Fevereiro de 2021!! (Como poderiam os AA. imaginar qual seria o desfecho de uma acção 3 anos antes?? É de bradar aos céus!).
58ª - E, note-se, uma acção (214/17.4T8MNC) que não possui identidade subjectiva com o presente processo (como julgado pelo STJ) e, de qualquer forma, em que os aqui AA. não foram parte e não conheceram minimamente as peças ou o que tenha aí sido alegado, discutido ou decidido (!!)
59ª – Ainda de outro lado, a circunstância de tal condenação (dos AA. como litigantes de má fé) ter sido emitida em despacho de 14.1.2022, isto é, depois de emitida a decisão/Sentença final do processo datada de 8.12.2021 sempre determinará a sua nulidade, porque em frontal violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional (artº 613 e 615º do CPC entre outros)
60ª - De facto, entre muitos, “1. A apreciação da má fé da parte e a sua condenação em multa e indemnização, por via da actuação na lide na fase que antecedeu a sentença, não pode o juiz relegá-las para depois da sentença, embora já não assim quanto à fixação do quantitativo da indemnização, caso o processo, na altura da sentença, o não habilite a determiná-lo.
2. Nestas circunstâncias, não se tratando de conduta superveniente relativamente à sentença, com a prolação da sentença, que não apreciou da relevância da conduta da parte em sede de litigância de má fé, esgotado fica o poder jurisdicional relativamente a esta matéria.
3. É nulo por excesso de pronúncia o despacho proferido após o esgotamento do poder jurisdicional do juiz do processo (art.ºs 613º, n.º 3 e 615º, n.º 1 al. d), 2ª parte, do CPC)”. (Ac RC de 8.9.2020, proc. 197/17.0T8TND.C2);
61ª – Ou ainda “2. Não é consentido ao juiz, salvo casos excepcionais (de incidentes ou factos supervenientes à sentença), relegar tal decisão quanto à litigância de má-fé para momento posterior à sentença, por a tanto se oporem os limites do seu poder jurisdicional, que cessa com a prolação da mesma”. (Ac RG de 2.6.2016, proc. 128/12.4TBVLN.G2).
Assim decidindo, violou o Tribunal “a quo”, entre outros, os artigos, 278º/1/e), 607º, 608º, 613º, 615º e 625 CPC e os artigos 342º, 352º, 355º, 358º, 1256º, 1264º, 1287º e ss, 1314º (336º), 1350º, 1405º, e 1406º CC.
*
Os Apelados apresentaram contra-alegações pugnando pela improcedência da apelação interposta.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Analisar da oficiosidade do seu conhecimento e da existência ou não da excepção de caso julgado ou da autoridade de caso julgado.
- Analisar da existência de nulidade por falta de causa de pedir, ou seja, de alegação convenientemente um seu direito sobre a parcela de casa e terreno que os AA. identificam e localizam fisicamente na sua PI em item 1º/b)
- Analisar da correcta identificação dos prédios em razão do substrato documental junto aos autos.
- Analisar da admissibilidade ou não, no caso vertente, da excepção dilatória invocada.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A- Dos elementos constantes dos autos, resultaram apurados os seguintes factos:

Factos provados:

PROC. N.º 70/1988
1. Na acção declarativa sumária, processo n.º 70/88, deste Tribunal, vieram os Autores O. V. e mulher G. G. contra os RR M. L. e mulher M. N. pedir que se declare que os AA são os únicos e exclusivos donos e legítimos possuidores dos seguintes prédios: a) casa de morada com dois pavimentos, quinteiro e rossios, a confrontar de norte com M. V., sul AA., nascente com L. D., e poente com prédio a seguir indicado, inscrito na respectiva matriz sob ¼ do artigo ... e fazendo parte da descrição predial n.º ... da Conservatória do Registo Predial de ...; b) Casa de morada e respectivo rossios, a confrontar de norte com M. V., sul AA., nascente com os AA, e poente com herdeiros de S. B., inscrito na respectiva matriz sob o art. ....º e inscrito sob o n.º ... da Conservatória do Registo Predial de ...; condenação dos RR a entregarem aos AA o canastro e respectivos rossios que a estes pertencem;
2. Por sentença proferida naqueles autos (1.) em 01-04-1993 (confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto) o Tribunal decidiu: “Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e declaro os Autores donos e legítimos possuidores do prédio identificado em B) e donos de ¼ indiviso do prédio id. em A (da especificação) – e declaro os Réus donos da unidade predial descrita em F) e respostas aos quesitos 27.º a 30.º inclusive; - condeno os Autores a reconhecerem tal direito; (…).”;;”

PROC. N.º 214/17.4T8MNC
3. Na acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum n.º 214/17.4T8MNC, os Autores M. L., H. F., e H. M. vieram contra os Réus J. M., A. B., e A. G., peticionando que os réus sejam condenados a reconhecer o direito de propriedade dos autores e absterem-se de impedir ou obstaculizar o uso e fruição plenos do prédio urbano descrito na petição inicial, bem como a sua condenação no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos autores em virtude da conduta dos réus;
4. Para fundamentar a sua pretensão, alegaram em síntese, que são donos e legítimos possuidores de uma quota indivisa de ¾ de um prédio urbano, pertencendo a quota indivisa de ¼ aos herdeiros de O. V. e G. G.; que estes herdeiros venderam ao primeiro réu um prédio urbano com o artigo matricial nº ..., que era contíguo ao prédio dos autores; que nos primeiros meses do ano 2012, o prédio artigo matricial ... foi totalmente demolido; que é público no Lugar da ... que os herdeiros de O. V. receberam o preço de trinta mil euros, não só pela venda do prédio artigo ..., mas também pela venda (verbal) da quota de ¼ do prédio artigo matricial ...; que no dia 29 de Maio de 2014, os autores verificaram que o réu A. G., por si e por ordem dos réus A. C. e J. M., ofendeu a propriedade dos autores, ao iniciar o desmoronamento, com a remoção quase integral, da telha e estrutura de suporte da cobertura de madeira do prédio artigo matricial ...; Alegaram, ainda, que no dia 2 de Janeiro de 2015, houve nova ofensa ao direito de propriedade dos autores por banda dos réus, porquanto a estrutura de cobertura que restava foi integralmente demolida e a parede exterior da alçada poente do imóvel, quase integralmente eliminada e a parede exterior da alçada norte, na sua parte superior, parcialmente demolida;
5. Regularmente citados, os réus apresentaram contestação e efectuaram pedido reconvencional, através do qual pretendem que o tribunal declare que a quota de ¼ do prédio urbano artigo matricial nº ... (que se encontra autonomizado em relação aos restantes ¾, não existindo entre ambos comunicação física, e antes se encontrando as duas partes do mesmo prédio totalmente separadas autonomizadas fisicamente uma em relação à outra, conforme decisão proferida na acção declarativa com processo sumário, na qual O. V. e mulher, G. G., demandaram, M. V. e mulher, R. N., que correu termos no tribunal Judicial da Comarca de ... sob o nº 60/1985) e o prédio actualmente com o artigo matricial nº ..., têm sido usados pelo réu J. M. e ante possuidores como se de um único prédio se tratasse; que se declare que o réu J. M. adquiriu aos herdeiros de O. V. um prédio composto pelo artigo matricial ... e por ¼ do artigo matricial ..., quer por usucapião, quer por compra; que o tribunal ordene a rectificação das descrições prediais dos imóveis supra identificados e condene os autores a absterem-se de comportamentos perturbadores da posse pelo réu J. M. do imóvel ..., com a composição acima descrita;
6. Nesta acção, por sentença proferida em 24-02-2019, transitada em julgado em 11-02-2021, o Tribunal julgou provados os seguintes factos:
6.1. Encontra-se inscrita a favor dos Autores a aquisição de uma quota indivisa de ¾ de um prédio urbano, composto de casa com dois pavimentos e rossios, sito no lugar da ..., na freguesia de ... deste concelho de ..., tendo a área de 500 m2 e confrontando do norte com M. V. e G. J., de sul com estrada nacional, de nascente com caminho público e de poente com O. V., com o artigo ... da matriz predial urbana da freguesia de ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...;
6.2. Devido à recente reorganização administrativa, com a criação da união das freguesias de ... e ..., ao sobredito prédio urbano foi atribuído novo artigo matricial: o artigo ...;
6.3. No decorrer do ano de 1999, faleceu M. N., que era esposa do Autor M. F. e mãe dos Autores H. F. e H. M.;
6.4. Foi esta, a quem, no dia 20 de Fevereiro de 1987, por escritura pública de doação, foram transmitidos, por L. D., “três quartos indivisos do prédio urbano composto de casa de morada com dois pavimentos e rossios, sito no lugar da ..., da freguesia de ... deste concelho de ..., com a área coberta de cento e cinquenta e seis metros quadrados e descoberta de trezentos e cinquenta e três metros quadrados, descrito na conservatória do Registo Predial, deste concelho sob o número ..., a folhas ... do livro B-... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo número ...”;
6.5. Os Autores, na sequência de um acto notarial de habilitação de herdeiros, fizeram o registo da sua aquisição no dia 14 de Outubro de 2010;
6.6. Por outro lado, a quota indivisa de ¼ sobre esse mesmo prédio encontra-se registada a favor dos herdeiros de O. V. e G. G.: A. S., F. A., J. A., M. F., F. M., M. G., M. M. e S. S.;
6.7. Até o dia 29 de Setembro de 2011, também era propriedade dos herdeiros de O. V. e G. G., o seguinte prédio urbano: prédio composto de casa com dois pavimentos e rossios, sito no Lugar da ..., Freguesia de ..., concelho de ..., com a área de 325m2, confrontando do norte com F. P. e caminho de servidão, do sul com A. C., nascente com M. L. (1.º Autor) e caminho de servidão e poente com J. B. (1.º Réu) e J. R., anteriormente inscrito na matriz predial urbana sob artigo ... e que, ulteriormente, por via da recente reorganização administrativa, com a união das freguesias de ... e ..., passou a estar inscrito sob o artigo ...; estando actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob nº ..., tendo a predita aquisição sido inscrita pela apresentação nº … de 29.09.2011;
6.8. Nesse dia 29 de Setembro de 2011, por título de compra e venda, os herdeiros de O. V. e de G. G. venderam ao 1.º Réu, J. M., o prédio identificado no artigo antecedente, pelo preço de € 30.000,00 (trinta mil euros);
6.9. Este prédio do artigo .../..., que foi totalmente demolido nos primeiros meses do ano de 2012, era contíguo, em toda a sua extensão, ao prédio urbano do artigo .../...;
6.10. No decorrer da década de oitenta do século passado, a delimitação/demarcação dos dois prédios motivou um litígio judicial que opôs O. V. e esposa, G. G., a M. L. e esposa, M. N., esta já falecida desde 1999;
6.11. Na acção declarativa sumária, processo n.º 70/88, no art.º 1.º da petição inicial dessa acção, O. V. e G. G. juntavam um “esboço”, como doc. n.º 1, e afirmavam o seguinte: “os AA. são donos e legítimos possuidores dos seguintes prédios urbanos, contíguos e sitos no aludido Lugar da ...: a) Casa de morada com dois pavimentos, quinteiro e rossios, a confrontar do norte com M. V., sul AA., nascente com L. D. e poente com o prédio a seguir indicado, inscrito na respectiva matriz sob ¼ do art.º ...º e fazendo parte da descrição predial n.º ..., a fls. 189, Lv B-124, de Conservatória do Registo Predial de ... – indicado sob o n.º2 no esboço topográfico, junto, como doc. n.º 1; e b) Casa de morada e respectivos rossios, a confrontar do norte com M. V., sul AA., nascente com os AA. e poente com herdeiros de S. B., inscrito na respectiva matriz sob o art.º ..., e descrito sob o n.º ..., a fls. 111v, do Lv. B-160, da Conservatória do Registo Predial de ... – n.º 1 do esboço.”;
6.12. No art.º 2.º dessa petição concretizavam: “O domínio e posse do primeiro daqueles imóveis adveio ao AA, por compra que dele fizeram a J. G. e mulher C. D., por escritura lavrada aos de Janeiro de 1966, a fls. 84v do Liv n.º 341 do Cartório Notarial de ....”;
6.13. E no art.º 8.º da mesma peça, ainda aduziam que: “O domínio e posse do imóvel referido na al. b) do art.º 1 desta petição, adveio aos AA. por compra que dele fizeram a AD., por escritura outorgada em 6 de Dezembro de 1978, lavrada a fls. 89v do Livro D-… do Cartório Notarial de ....”;
6.14. Os aí Réus-Reconvintes (ora autores) deduziram o seguinte pedido: «…Deve ser julgada procedente e provada a deduzida reconvenção e, em consequência: a) Declarar-se que os RR são os únicos donos e possuidores da unidade predial autónoma e distinta alegada nos artºs 96º, 97º, 98º, 99º, 100º e 101º, todos da contestação»;
6.15. E no art. 97º dessa peça processual fizeram constar: «não obstante na respectiva escritura constar ¾ indivisos do artº ... devendo-se tal à fracção omissa dolosa do prédio declarado omisso pela AD., quando vendeu aos AA que devia ter destacado ¼ parte indivisa do aludido artº ...» (artigo 97 da contestação-reconvenção);
6.16. A sentença, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ao comprovar a existência contígua desses artigos matriciais, respectivos rossios e edificações nas alíneas A) e B) da especificação, decidiu o seguinte: “(…) Os Autores beneficiam da presunção de propriedade conferida pelo registo em relação aos prédios descritos em A) e B) da especificação, conforme resulta da certidão junta a fls. 99 a 104. Contudo, no que toca ao prédio descrito em A) essa presunção limita-se tão só a ¼ do respectivo prédio, o que resulta igualmente do teor da escritura pública de compra e venda celebrada em 1966, a que se faz referência na alínea A). (…) Desta forma não procede em parte o primeiro pedido formulado pelo Autores, já que tão só se provou que os AA. são proprietários de ¼ do prédio id. no art.º 1.º a) da petição inicial. Provou-se ainda que os Réus possuem como donos os restantes ¾ do prédio (alínea F, e resposta aos quesitos 27.º a 30.º inclusive) (…) III. Decisão: Pelo exposto, julgo parcialmente procedente por provada a acção e: - declaro os Autores donos e legítimos possuidores do prédio identificado em B) e donos de 1/4 indiviso do prédio id. em A), (da especificação); (…) – e declaro os Réus donos da unidade predial descrita em F) e respostas aos quesitos 27.º a 30.º inclusive; - condeno os Autores a reconhecerem tal direito; (…).”;
6.17. O réu J. M. mandou proceder a um levantamento topográfico elaborado pelo senhor A. T., onde se delimitavam “as novas dimensões” desse prédio para que o Autor M. F. assinasse “de cruz”;
6.18. Este recusou sempre a assinatura;
6.19. No dia 29 de Maio de 2014, quando o Autor M. F. se deslocou ao seu prédio, comprovou que no imóvel descrito em 1) e sem qualquer permissão sua ou dos filhos (2.º e 3.º Autores), tinham sido feitas obras de construção civil;
6.20. O Réu A. G., na qualidade de encarregado da obra, por ordem do Réu J. M., iniciou o desmoronamento do imóvel, com a remoção, quase integral, da telha e estrutura de suporte da cobertura (em madeira) do prédio do antigo artigo ... (actual artigo ...);
6.21. O edificado do artigo .../... ficou a “céu aberto”, as telhas e os barrotes em madeira que compunham a sua cobertura foram totalmente destruídos;
6.22. No mesmo dia 29 de Maio, os Autores embargaram extrajudicialmente os trabalhos novos no seu prédio e, de seguida, interpuseram a respectiva ratificação judicial na Instância Local de ... do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – proc. n.º 272/14.3 TBMNC;
6.23. O Réu A. G., citado, não se opôs;
6.24. O Réu J. M., citado, veio deduzir oposição, alegando, em síntese, que as obras embargadas estavam a ser feitas no prédio do antigo artigo ... (actual artigo ...) e não no prédio do antigo artigo ... (actual artigo ...);
6.25. Naquele articulado de oposição, o réu, perante a Fotografia 1, que não impugnou, afirmou isso mesmo;
6.26. O tribunal, por decisão datada de 30.12.2014, não decretou a ratificação do embargo extrajudicial;
6.27. No dia 2 de Janeiro de 2015, os Autores, por cerca das 9h20m, viram o Réu A. G., por ordem do Réu J. M., auxiliado por dois trabalhadores não identificados, demolir integralmente a parede exterior da alçada poente do imóvel, que até o início de 2012 era contígua à edificação/ moradia do antigo artigo ... (actual artigo ...) e demolir parcialmente a parede exterior da alçada norte, na sua parte superior;
6.28. Os Autores voltaram a embargar extrajudicialmente os trabalhos de demolição;
6.29. A conduta do Réu J. M. gerou nos Autores preocupação e ansiedade, e ao primeiro autor, tristeza;
7. E proferiu a seguinte decisão: “Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: a) Condeno os réus J. M. e A. G. a reconhecerem os autores como donos e legítimos proprietários de uma quota de ¾ sobre o prédio urbano composto de casa com dois pavimentos e rossios, sito no lugar da ..., na freguesia de ... deste concelho de ..., tendo a área de 500 m2 e confrontando do norte com M. V. e G. J., de sul com estrada nacional, de nascente com caminho público e de poente com O. V., com o artigo ... (antigo artigo ...) da matriz predial urbana da freguesia de ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...; b) Condeno os réus J. M. e A. G. a absterem-se, doravante, de impedir ou obstaculizar o uso e fruição plenos, pelos autores, do prédio urbano descrito em a); c) Condeno os réus J. M. e A. G. a ressarcir os autores no pagamento do valor das obras necessárias à reparação dos danos descritos nos factos provados sob os pontos 20), 21) e 27), relegando para incidente de liquidação se sentença, o apuramento do valor; d) Condeno o réu J. M. no pagamento de uma indemnização aos autores no valor de mil e quinhentos euros, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora contabilizados desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento; e) Condeno o réu J. M. como litigante de má fé, na multa de 5 UC (cfr. art. 542º do CPC); f) Absolvo o réu A. B. de todos os pedidos; g) Absolvo os réus J. M. e A. G. das restantes quantias peticionadas; h) Absolvo o réu A. G. do pedido de condenação por litigância de má-fé; i) Absolvo os autores do pedido de condenação por litigância de má-fé.”;

PROC. N.º 332/18.1T8MNC
8. Nos presentes autos de acção declarativa sob a forma de processo comum, os AA são herdeiros de O. V. e G. G., falecidos em ..-09-1993 e ..-06-1998, respectivamente;
9. Nos presentes autos vieram os AA (M. G., F. M., J. A. – entretanto falecido (em 14-08-2018) e habilitados em sua substituição os demais AA; M. M. e marido J. N.; A. S. e marido M. F.; S. S.; e F. A. e mulher I. S.) contra os RR (M. L., H. F., e H. M.), pedir a declaração que os RR. não são donos nem detêm qualquer direito (nomeadamente de compropriedade) que lhes permita ocupar ou obstar à sua ocupação sobre a “parcela de casa e terreno” definida e identificada no item 1/b) da petição inicial e delimitada em plantas de docs. 6 e 7, nem, bem assim, detêm qualquer direito sobre o prédio descrito na C.R.Predial de ... sob o n.º .../..., inscrito sob o artº ... (agora ...) e com configuração e delimitação melhor identificada em plantas de docs. 8, 9 e 10;
10. Para fundamentar a sua pretensão alegam, em síntese, o seguinte:
10.1. Por óbito de O. V. e mulher G. G., falecidos respectivamente em 12.9.1993 e 30.6.1998 os Autores adquiriram por sucessão, em comum e sem determinação de parte ou direito (tendo os 6ª e 7º AA. adquirido apenas em 2006) os prédios urbanos descritos no art. 1.º da petição inicial, ambos do lugar da ..., ... - (a) Prédio urbano com casa e rossios, descrito na Conservatória de Reg. Predial de ... sob o n.º ... de ... e inscrito sob o artº urbano ... da freguesia de ..., confrontando do Norte com F. P. e caminho de servidão, do Sul com A. C., do nascente com o prédio abaixo indicado em b) e caminho de servidão e do poente com J. B. e J. R., com a configuração e limites melhor evidenciados nas plantas que se juntam como docs. 4 e 5, aqui reproduzidas onde o prédio em causa se encontra identificado como “A”. (b) Prédio urbano com casa e rossios, omisso na matriz das Finanças e na Conservatória de Registo Predial, confrontando do Norte com F. P., caminho de servidão e M. V., do Sul com A. C., do nascente com M. L. (aqui 1º R.) e servidão de passagem e do Poente com o prédio acima indicado em a), com a configuração e limites melhor evidenciados nas plantas que se juntam como docs. 6 e 7, aqui reproduzidas, onde o prédio em causa se encontra identificado como “B”;
10.2. Em 2010, porque estes 2 prédios pertenciam exclusivamente às mesmas pessoas (AA.) e porque desde há décadas que já não existia divisória física entre os mesmos, sendo indistintamente utilizados pelos AA. e seus antepossuidores como se um único prédio se tratasse, os AA. procederam à união de tais 2 prédios, englobando ou anexando o prédio omisso referido em 1/b) ao prédio referido em 1/a) passando assim tal prédio urbano (que adoptou o n.º ... de ... e o artº urbano ... da freguesia de ...) a possuir uma área total aproximada de 325m2, a confrontar do norte com F. P., caminho de servidão e M. V., do sul com A. C., do nascente com M. L. (aqui 1º R.) e servidão de passagem e do poente com J. B. e J. R., com a configuração e limites melhor evidenciados nas plantas que se juntam como docs. 8, 9 e 10 (plantas topográficas), aqui integralmente reproduzidas, onde o prédio em causa se encontra identificado a traçado e docs 11 e 12;
10.3. Pelo menos nos 60 anos que precederam tal união, a área da parcela/prédio urbano omisso indicado em 1/b) encontrava-se fisicamente dividida e demarcada como aí consta indicado, constituindo uma unidade predial distinta e autónoma, concretamente, desde tais recuados tempos que a confrontação nascente deste prédio é constituída pela parede nascente da casa e por uma divisória, inicialmente em madeira e depois em cimento que se estendia pelos rossios (quintal) para norte até à parede da casa outrora de M. V., não havendo assim qualquer ligação física ou de funcionalidade entre este prédio (1/b)) e com o prédio a nascente, que outrora pertenceu a L. D. e que hoje pertence aos 3 RR, divisória melhor identificada com a linha grossa em planta de doc. 13;
10.4. Durante décadas e até há cerca de 40/50/60 anos, o prédio dos AA indicado em 1/b) encontrava-se descrito como parte (1/4) do prédio outrora descrito sob o n.º ... de ... (depois, n.º ...) e inscrito sob o artº ... de ... (depois ...);
10.5. E, por seu lado, o prédio que lhe ficava a nascente, antes de L. D. e hoje pertença do 1º Réu e da herança de sua falecida mulher (de que são herdeiros os 3 RR.), encontrava-se descrito com a restante parte (3/4) da mesma descrição e inscrição predial – vd. planta doc. 14 aqui reproduzida;
10.6. Porém, há cerca de 60 anos, tal repartição de quota “ideal” passou a referir-se a uma parte “física, a) usando os antepassados dos AA. a parte poente do prédio de forma exclusiva - cerca de 1/4 “físico” a que corresponde a parcela alegada em 1/b) – docs. 6 e 7, b) e os antepassados dos RR. usavam a parte nascente do prédio (os restantes 3/4 – doc. 14, divididas tais 2 parcelas que estavam pelas construções id. em item 5 (doc. 13) e referindo-se ambos os proprietário como se tratando de 2 prédios autónomos e independentes;
10.7. Tais descrições e inscrições (1/4 e 3/4) encontram-se assim notoriamente erradas porque desactualizadas desde há várias décadas e já não identificam correctamente os prédios pois que tanto o prédio indicado em 1/b) como o prédio dos RR. que lhe fica a nascente são, desde há várias décadas, duas unidades prediais distintas e autónomas entre si (encontrando-se na verdade omissas);
10.8. No que toca ao prédio identificado em 1/b), os AA. e seus antepossuidores e anteproprietários vinham utilizando exclusivamente tal parcela de casa e de terreno desde há mais de 50 anos e até 2011, sem interrupção, à vista de toda a gente, de boa-fé, sem a oposição de ninguém e na convicção de exercerem um direito de propriedade próprio, habitando a casa e respectivo rossio de tal prédio, substituindo o soalho da casa, substituindo anualmente as suas telhas que se iam partindo, a fim de conservar a casa, efectuavam habitualmente a limpeza do terreno (terreno/rossios na parte norte, id. em planta de docs. 6 e 7) onde também depositavam objectos vários (alfaias, materiais…), cuidavam das árvores então existentes em tais rossios (terreno) a norte da casa, designadamente de um limoeiro que aí existia de onde colhiam e consumiam seus frutos, guardavam alfaias agrícolas na casa e demais utensílios, garrafas, etc…, entravam e saiam livremente da casa (da qual possuíam as respectivas chaves) e do terreno;
10.9. O mesmo vinha sucedendo com o prédio urbano a nascente referido em item 7 (casa e rossios), agora dos RR. e outrora de L. D., o qual, desde há 50 anos, sempre foi utilizado exclusivamente por estes como uma unidade predial distinta e autónoma, não se confundindo com o (diferente) prédio identificado em 1/b), com o qual confronta a poente pela mesma linha divisória referida em item 5 supra, e doc 1;
10.10. Nem nunca os AA. ou seus antepossuidores usaram a casa e rossios do item 7 (doc. 14) nem os RR. ou seus antepossuidores usaram ou habitaram alguma vez na casa e rossios da parcela identificada no item 1/b) supra (docs. 6 e 7);
10.11. A unidade e independência entre si de tais 2 prédios bem como a sua aquisição originária (usucapião) sempre foi pacificamente aceite entre “as partes”, designadamente entre os aqui AA. ou os antepossuidores dos seus prédios de 1/a) e 1/b) (hoje unidos) e entre os RR. e antepossuidores do prédio referido em item 7;
10.12. Que por sentença proferida nos processos 60/1985 e 70/1988 o Tribunal declarou que o prédio dos aqui AA. identificado em 1/b) e o prédio dos RR identificado em item 7 são duas unidades prediais distintas e autónomas, tendo sido desde há largas décadas usadas de forma isolada e exclusiva;
10.13. O prédio n.º .../... (outrora artº ...) alegado em item 3. supra, que resultou da anexação dos 2 prédios alegados no item 1º e com a configuração e limites indicados em docs. 8 e 9, foi vendido a J. M. através de título de compra e venda lavrado em 29.9.2011 na Conservatória de Registo Predial de ...;
10.14. Os aqui RR. têm ultimamente invocado que são ainda comproprietários e detentores de um direito de propriedade de 3/4 sobre o prédio identificado com o n.º .../... e artº ..., concretamente, invocam que a parte poente desse prédio, correspondente à parcela de casa e terreno aqui alegada em item 1/b) é ainda o 1/4 (físico) do prédio de que todos eles serão comproprietários;
10.15. Arrogando-se ainda como comproprietários (3/4) do prédio .../... (artº ...), entendem assim que o adquirente do prédio referido em 3. (Sr. J. B.), não teria qualquer direito a ocupar e fazer obras na parcela de casa e terreno alegada em 1/b), a mesma que, na visão (deturpada) dos RR corresponde à parte poente daquele prédio n.º .../... (artº ...);
11. Regularmente citados, os RR apresentam contestação alegando que se discute nesta acção quem titula, e de que forma, a propriedade sobre o prédio urbano …/..., o que já foi decidido no âmbito de outras acções judiciais (processos n.os 60/1985 e 70/1988 e n.º 513/15.0T8MNC, que correu termos no Juízo Central Cível de Viana do Castelo - Juiz 4), pelo que se verifica a excepção dilatória inominada da autoridade do caso julgado; mais alegam que, e conforme já decidido nessas acções:
11.1. Os Réus são donos e legítimos possuidores de uma quota indivisa de ¾ sobre o referido prédio, sendo dele comproprietários, juntamente com os Autores, estes apenas detentores de uma quota indivisa de ¼ (no decorrer do ano de 1999, faleceu M. N., que era esposa e mãe, respectivamente, do Réu M. L. e dos Réus H. F. e H. M., tendo sido àquela M. N., a quem, no dia 20.02.1987, por escritura pública de doação, foram transmitidos, por L. D., “ três quartos indivisos do prédio urbano composto de casa de morada com dois pavimentos e rossios, sito no lugar da ..., da freguesia de ... deste concelho de ..., com a área coberta de cento e cinquenta e seis metros quadrados e descoberta de trezentos e cinquenta e três metros quadrados, descrito na conservatória do Registo Predial, deste concelho sob o número ..., a folhas ... do livro B-... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo número ...” ; Por consequência do ocaso de M. N., houve a dissolução da comunhão conjugal e efectivou-se a respectiva sucessão hereditária dos Réus; Na transmissão mortis causa desse património incluiu-se o direito de propriedade sobre ¾ do referido prédio urbano; Os Réus, na sequência de um acto notarial de HABILITAÇÃO DE HERDEIROS, fizeram o registo da sua aquisição em 14.10.2010;) ; ainda que
11.2. No dia 29-09-2011, os AA por meio de “Escritura Pública de compra e venda” formalizada na Conservatória do Registo de ..., venderam a J. M. o prédio urbano inscrito na matriz predial daquela freguesia de ... sob o artigo .../..., identificado no artigo 1.º a) da petição inicial, pelo preço de 30.000,00 € (trinta mil euros);

B- Da fundamentação de direito da decisão recorrida, consta, designadamente, o seguinte:

1- “(…) DA NULIDADE POR FALTA DE PEDIDO E CAUSA DE PEDIR
Os RR invocam, na Réplica, a nulidade da contestação por falta de pedido e causa de pedir.
Cumpre apreciar e decidir.
Constitui elemento característico das acções de simples apreciação negativa (artº 10.º, n.º 3, al. a), CPC), a sua sujeição, no que tange ao ónus da prova, ao regime do artº 343º, nº 1, do Cód. Civil, competindo nelas a quem ocupe a posição de Réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga (ou seja, compete à parte demandada o ónus de prova dos factos constitutivos da existência do direito cuja inexistência a parte demandante pretende ver ser declarada), sendo que a réplica serve para o Autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu (art. 584.º, n.º2, do CPC).
As acções de simples apreciação positiva ou negativa têm a finalidade única de pôr termo a uma situação de incerteza quanto à existência ou inexistência de um direito ou de um facto; nestas acções, é parte legitima do lado passivo, o ou os pretensos sujeitos da obrigação correspondente ao direito negado, ou o(s) pretenso(s) titular(es) do direito contra este alardeado (in Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-04-2012, Processo n.º 104/08.1TBVLN.G2, Relator Isabel Rocha).
A improcedência de uma acção de simples apreciação negativa envolve o reconhecimento da existência do direito que o R. se arroga, o qual fica definitivamente estabelecido em face da parte contrária.
Quem intenta uma acção de simples apreciação tem de demonstrar o seu interesse em propor a acção, ou seja, a necessidade em obter a declaração judicial da existência ou inexistência de um direito ou de um facto, pois que, tendo as acções de simples apreciação por objectivo pôr termo a uma situação de incerteza, só é legítimo o recurso a este tipo de acções quando o autor estiver perante uma incerteza real, séria e objectiva, de que lhe possa resultar um dano («O interesse processual consiste na necessidade de usar o processo, por isso mesmo que exprime a necessidade ou a situação objectiva de carência de tutela judiciária por parte do autor, face à pretensão que deduz, ou do réu, à luz do pedido reconvencional que tenha oportunamente formulado (…) Essa situação de carência de tutela exprime-se na concreta utilidade da concessão dessa mesma tutela judiciária para a parte que formula a pretensão …» (Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª edição, p. 393). E, como acrescenta o mesmo autor, «[e]ste pressuposto processual assume especial relevo nas acções de simples apreciação. É que, nestas acções, a situação de incerteza quanto à afirmação ou à negação do direito ou do facto por parte do réu tem que ser uma situação de incerteza objectiva – que brote de factos exteriores, de circunstâncias externas e não apenas da mente do autor – e, sobretudo, de incerteza grave, que não se traduza num mero capricho. E será grave essa incerteza se for considerável o prejuízo material ou extrapatrimonial causado pela manutenção dessa situação de incerteza.» (Ob. cit., pág. 394). Na acção declarativa de simples apreciação, “não se exige do réu prestação alguma, porque não se lhe imputa a falta de cumprimento de qualquer obrigação. O autor tem simplesmente em vista pôr termo a uma incerteza que o prejudica: incerteza sobre a existência de um direito” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 15). Como justificação das acções de simples apreciação, escreve ainda o mesmo autor (R.L.J. Ano 80º- 231): “o estado de incerteza sobre a existência de um direito ou de um facto é susceptível de causar prejuízo a uma pessoa; deve, por isso, pôr-se à disposição dessa pessoa um meio de se defender contra tais prejuízos. Esse meio é a acção declarativa. Quer dizer, o prejuízo inerente à incerteza do direito ou do facto legitima e justifica o uso da acção de simples declaração positiva ou negativa”).
Não subsistem dúvidas de que a presente acção, tendo em conta o pedido e a causa de pedir formulados, configura uma acção de simples apreciação (negativa), porquanto a mesma tem por fim obter a declaração da inexistência de um direito (cf. artigo 10º, n.º 2 e 3, alínea a) do Código de Processo Civil).
No entanto, considera-se como desadequado um qualquer pedido reconvencional em tal tipo de acções, por prejudicialidade do mesmo, pelo que não assiste razão aos AA quando invocam a falta do pedido (“Um non liquet probatório nas acções de simples apreciação negativa terá sempre que resolver-se em desfavor do réu. Já, pelo contrário, a improcedência deste tipo de acção implica, sem margem para dúvidas, o reconhecimento da existência do direito que o réu se arroga, que fica definitivamente estabelecida, perante o autor.… a inadmissibilidade da reconvenção só se verifica em relação ao pedido de reconhecimento do direito cuja declaração de inexistência é pedida …” - in Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-05-2020, Processo: 2134/18.6T8AVR-A.P1, Nº Convencional: JTRP000, Relator: Deolinda Varão)
Por outro lado, uma vez que a causa de pedir nas acções de simples apreciação negativa consubstancia-se na inexistência do direito e nos factos materiais pretensamente cometidos pelo demandado que determinaram o estado de incerteza, não se verifica qualquer ineptidão por insuficiência da causa de pedir.
Nas acções de apreciação negativa pretende-se que o tribunal declare a inexistência de um direito ou de um facto, sendo que o que lhes subjaz é uma atitude de arrogância extrajudicial por parte do réu relativamente à titularidade desse direito ou à existência desse facto, arrogância essa que prejudica o Autor.
Enquanto que nos outros tipos de acção a alegação e prova dos factos constitutivos do direito que se pretende fazer valer em juízo, competem aquele que os invoca, ou seja, ao autor – art 342º CC - nas acções de simples apreciação negativa, não cabe ao autor alegar e provar, pela negativa, que o direito ou facto não existe, mas compete ao réu que vinha arrogando extrajudicialmente a existência desse direito ou facto, alegar e provar pela positiva, tal existência. Dá-se uma inversão do ónus da prova, como resulta do art 343º/1 CC, adjectivando-se depois essa inversão do ónus da prova no art 502º CPC, referindo-se que o prazo para replicar, nestas acções, se alarga de 15 para 30 dias (cfr nº 3 do art 502º) e que a réplica (funcionando como contestação) serve para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e alegar os factos impeditivos ou extintivos para excluir o direito que o réu tenha invocado.
Assim, e em conclusão, improcede a nulidade arguida pelos Réus.
*
Inexistem excepções dilatórias ou outras nulidades de que cumpra apreciar e obstem ao conhecimento do mérito da causa.
(…)
2- “(…) CONDIÇÕES DE VERIFICAÇÃO DE AUTORIDADE DO CASO JULGADO.
a. CONDIÇÃO OBJECTIVA NEGATIVA
Como condição objectiva negativa, a autoridade de caso julgado opera em simetria com a excepção de caso julgado: opera em qualquer configuração de uma causa que não seja a de identidade com causa anterior; ou seja, supõe uma não repetição de causas (para tanto, basta que não ocorra um dos requisitos exigidos pelo artigo 581.º do CPC). Se houvesse uma repetição de causas, haveria, ipso facto, excepção de caso julgado.
b. CONDIÇÃO OBJECTIVA POSITIVA: RELAÇÃO DE PREJUDICIALIDADE
Enquanto a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior, quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva a repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente (in Professor Miguel Teixeira de Sousa, “O objecto da sentença e o caso julgado material”, BMJ 325, pág.171 e segs.).
Ou seja, a figura da autoridade do caso julgado tem a ver com a existência de relações – já não de identidade jurídica – de prejudicialidade entre objectos processuais: julgada, em termos definitivos, certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa, sobre essa precisa “questio judicata”, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes – incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção, ou seja, uma relação de prejudicialidade ou uma relação de concurso material entre objectos processuais ou, pelo prisma da decisão, uma relação entre os efeitos do caso julgado prévio e os efeitos da causa posterior, seja quanto a um mesmo bem jurídico, seja quanto a bens jurídicos conexos - pois que, na ausência dessas relações, não é invocável a força vinculativa da autoridade de caso julgado.
Generalizando, e apresentando-a por outra perspectiva, a condição objectiva positiva consiste na existência de uma relação entre os objectos processuais de dois processos de tal ordem que a desconsideração do teor da primeira decisão redundaria na prolação de efeitos que seriam lógica ou juridicamente incompatíveis com esse teor. Nessas situações, a consideração do teor da sentença já transitada em julgado poderá determinar o sentido da posterior decisão de mérito, seja para a procedência, seja para a improcedência (a este propósito escreve Teixeira de Sousa que “o tribunal da acção dependente está vinculado à decisão proferida na causa prejudicial”) – e nisto consistem as consequências da sua verificação, ou seja, a imposição de uma determinada de cisão de mérito (por oposição à excepção dilatória que impede a prolação de decisão de mérito, impondo antes a absolvição da instância).
Deste modo, se o efeito negativo do caso julgado (excepção de caso julgado) leva à admissão de apenas uma decisão de mérito sobre um mesmo objecto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo (autoridade de caso julgado) admite a produção de decisões de mérito sobre objectos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão. Em termos de construção lógica da decisão, na autoridade de caso julgado a decisão anterior determina os fundamentos da segunda decisão; na excepção de caso julgado a decisão anterior obsta à segunda decisão.
A vinculatividade do instituto do caso julgado impõe que o objecto da primeira decisão funcione como pressuposto indiscutível da nova decisão de mérito, a proferir na segunda causa, incidente sobre relação jurídica diversa, mas dependente ou condicionada pela anteriormente apreciada, em termos definitivos, pelo tribunal.
c. CONDIÇÃO SUBJECTIVA: MESMAS PARTES DO PONTO DE VISTA JURÍDICO (NÃO PROCESSUAL)
Chegados aqui, devemos acrescentar uma condição subjectiva para que haja uma tal força vinculativa do caso julgado fora do seu objecto processual: a autoridade de caso julgado apenas pode ser oposta a quem seja tido como parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica como definido pelo artigo 581.º, n.º 2. Seria absolutamente inconstitucional, por contrário à proibição de indefesa, prevista no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição e no artigo 3.º do Código de Processo Civil, que uma decisão vinculasse quem foi terceiro à causa.
Daqui decorre que a autoridade de caso julgado (i) pode ser oposta pelas concretas partes entre si e (ii) não pode ser oposta a quem é terceiro. Para este efeito, “terceiro” é o que decorre a contrario da referida definição legal do artigo 581.º, n.º 2: aquele que não é parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica no processo em que a decisão foi proferida. Trata-se, assim, de um conceito material de terceiro e não de um conceito formal de terceiro.
Ou seja, é ainda parte o sujeito que não esteve no processo (terceiro processual), mas está na relação jurídica que foi julgada. A não ser assim, bastaria às partes primitivas cederem os seus direitos para “escaparem” tanto à excepção de caso julgado, como à autoridade de caso julgado, seja na sua vertente interna (no interior da mesma relação jurídica), como externa (quanto a relações jurídicas carentes de harmonização com aquela).
E também abrange não apenas as pessoas que sejam as mesmas do ponto de vista da sua qualidade física (i.e., as que efectivamente estiveram no processo), mas também aqueles que sejam os mesmos sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica (cf. artigo 581.º, n.º 2, do CPC). Ou seja, os herdeiros, cessionários ou adquirentes dos direitos declarados na decisão também estão vinculados a cumprir a decisão. A sentença também constitui título executivo contra eles, nos termos do artigo 54.º, n.º 1, do CPC. Em suma: o efeito positivo interno do caso julgado vincula as partes da relação jurídica e não os sujeitos do processo. A contrario, o caso julgado não se estende a terceiros, ou seja, a todos aqueles que não sejam os mesmos que os destinatários sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

LIMITES E DURAÇÃO DOS EFEITOS DO CASO JULGADO
O caso julgado tem como limites (conforme já referido) os que decorrem dos próprios termos da decisão, pois, como estatui o artigo 621º do C.P.C., “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”. Trata-se de um corolário do conhecido princípio dos praxistas enunciado na fórmula latina “tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat”.
Mesmo para quem entenda que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade, como parece ser o caso da maioria jurisprudencial e de amplo sector doutrinal, será sempre em função do teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado e, consequentemente, a autoridade deste.
Por isso é que, é entendimento dominante na nossa jurisprudência que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.07.2011, no processo n.º 129/07.4.TBPST.S1, disponível in www.dgsi.pt; na doutrina vide o Professor Miguel Teixeira de Sousa (in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 579) “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”).
Ou seja, na determinação dos seus limites e eficácia, deve atender-se não só à parte decisória, mas também aos respectivos fundamentos, pois que a parte dispositiva constitui a conclusão decorrente de silogismos internos de uma decisão, nos quais os fundamentos de facto ou de direito são as premissas.
Por isso, e sem prejuízo do que se acaba de afirmar, tem-se entendido que a parte dispositiva vincula enquanto conclusão dos fundamentos respectivos.
Já vimos que nas relações de prejudicialidade entre objectos processuais o sentido de uma decisão anterior determina os fundamentos de uma decisão posterior; noutra perspectiva, a resolução da segunda questão está dependente da resolução de uma primeira questão. Sucede que, em face deste alcance do caso julgado, essas relações de prejudicialidade tanto podem ser no domínio da mesma relação jurídica julgada com valor de caso julgado, como no domínio de relação jurídica conexa.
Em suma: apenas à luz dos fundamentos de uma decisão se pode dar a qualificação jurídica à parte dispositiva. O título jurídico de onde emanam efeitos para a esfera do destinatário da decisão é, assim, a parte dispositiva nos termos dos fundamentos.
Quanto à duração dos seus efeitos, por regra, sem prejuízo da possibilidade de revogação da própria decisão em recurso de revisão (cf. artigos 696.º ss.), justificada em ilegalidade ou incorrecção graves, qualquer decisão transitada em julgado – de mérito ou de forma – durará rebus sic stantibus: enquanto não sobrevierem alterações subjectivas ou objectivas aos direitos declarados na sentença, o que supõem sempre uma superveniência objectiva: as mudanças sucederam depois da decisão.
*
IN CASU:

Ora, tendo nós por certo que é pelo teor da decisão e respectivos fundamentos que se mede a extensão objectiva do caso julgado, como se disse e, consequentemente, a autoridade deste, como refere Alberto dos Reis, (in “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, pág. 174), resulta desde logo que uma das questões que é colocada nestes autos, designadamente, a de saber se o prédio descrito em 1.b) da petição inicial (“Prédio urbano com casa e rossios, omisso na matriz das Finanças e na Conservatória de Registo Predial, confrontando do Norte com F. P., caminho de servidão e M. V., do Sul com A. C., do nascente com M. L. (aqui 1º R.) e servidão de passagem e do Poente com o prédio acima indicado”) faz parte integrante do prédio outrora descrito sob o n.º... de ... (depois ...) e inscrito sob o art.º … de ... (depois ...) ou constitui uma unidade predial distinta e autónoma deste último, já foi objecto de discussão e decisão transitada em julgado, pois que, sobre a mesma este Tribunal já se pronunciou, não uma, mas duas vezes: nos processos n.º 70/1998 e 214/17.4T8MNC. Na verdade, e conforme resulta dos factos provados, nestes dois identificados processos (o primeiro que opunha os antecessores de Autores e Réus e o segundo opondo os Réus e os cessionários dos AA desse mesmo prédio), por sentenças transitadas em julgado, decidiu-se que o referido prédio descrito no artigo 1b) da petição inicial corresponde ao prédio outrora descrito sob o n.º... de ... (depois ...) e inscrito sob o art.º … de ... (depois ...), sendo AA e RR comproprietários desse mesmo prédio na proporção de ¼ e ¾ respectivamente.
Não obstante, e pese embora tal questão tenha sido sujeita a duas decisões judiciais, os AA vêm, novamente, colocar à apreciação deste Tribunal saber se os RR têm ou não direito de propriedade sobre tal prédio (o que por duas vezes foi já respondido afirmativamente), insistindo em alegar que as descrições e inscrições (1/4 e ¾) encontram-se erradas e desactualizadas, o que já foi, ad nauseam, analisado e apreciado.
Não há quaisquer dúvidas que as decisões proferidas nos processos n.º 70/1998 e 214/17.4T8MNC encontra-se, indiscutivelmente, numa relação de prejudicialidade relativamente a este pedido em concreto, na medida em que incide totalmente sobre o mesmo objecto, pois que, e como resulta dos factos supra elencados, no proc. n.º70/1988, já os antecessores dos AA tinham pedido a declaração de que ¼ do prédio descrito no artigo º … de ... (depois ...) era autónomo, pretensão esta que foi julgada improcedente. A mesma pretensão teve o Réu J. B., na acção n.º214/17.4T8MNC, o que foi novamente negado, concluindo o Tribunal (como anteriormente já o tinha feito na acção n.º 70/1988) que tal quota faz parte do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ....
Além desta relação de prejudicialidade, está ainda preenchida a condição subjectiva supra analisada, porquanto em ambas as acções estamos perante as mesmas partes do ponto de vista jurídico (no proc. n.º 70/1988 os antecessores dos RR, nesta os RR, na qualidade de herdeiros daqueles).
Aqui chegados, não há duvidas que as decisões apreciadas naqueles supra identificados processos produzem um efeito positivo de autoridade de caso julgado, impondo-se como pressuposto lógico da decisão que vier a ser proferida nestes autos, determinando o sentido da mesma.
Igualmente, facilmente constatamos que, a ser julgado procedente este pedido dos AA, tal decisão encontrar-se-ia em contradição com o conteúdo das sentenças anteriormente proferidas, as quais tiveram como pressuposto de que tal prédio pertence, em compropriedade, a AA e RR.
Por outro lado, repare-se que não é alegado que tenham ocorrido quaisquer circunstâncias supervenientes que tenham alterado a situação sub judice.
Ou seja, não poderá a acção, nesta parte do pedido, ser julgada procedente sob pena de violação da autoridade do caso julgado, impondo-se julgar tal parte do pedido totalmente improcedente por imposição da autoridade do caso julgado. E, uma vez que estamos perante uma acção de simples apreciação negativa, a improcedência da mesma acarreta o reconhecimento desse direito na esfera jurídica dos Réus.
*
Relativamente ao pedido de declaração de que os RR não têm qualquer direito sobre o prédio descrito na conservatória do registo predial sob o artigo ... (agora ...), também este se encontra numa relação de prejudicialidade em relação ao já decidido no processo n.º 70/1998, havendo identidade de sujeitos da reacção jurídica (nos termos já explicados e para os quais se remete) no qual, por sentença transitada em julgado, o Tribunal decidiu declarar os antecessores dos Autores donos e legítimos possuidores desse mesmo prédio.
Nestes termos, nesta parte do pedido, impõe-se proferir uma decisão de procedência, atendendo a que assim já se pronunciou este Tribunal no proc. n.º 70/1986 (colocando-se até a dúvida se os Autores têm, nesta parte do pedido, interesse em agir, pois que os RR jamais colocaram em questão a propriedade dos Autores sobre este identificado prédio).

(…)
Fundamentação de direito.

No que concerne à apelação interposta, sem embargo de se não colocar em causa a assertividade substancial de algumas das questões invocadas, também se não pode deixar de considerar que parte delas assentam em irregularidades formais e erros de imputação facilmente entendíveis na sua substancia e que de modo algum podem servir para comprometer o êxito da presente acção, ou antes, a decisão que nela foi proferida, como mais adiante se constatará.
Ora, alegam os Recorrentes que ao julgar verificada a condição subjectiva (identidade das partes) para que a autoridade de caso julgado possa actuar (se de conhecimento oficioso fosse) entre este processo (de um lado) e os processos 214/17.4T8MNC e a acção 70/1988 (de outro lado), violou a Sentença recorrida a decisão emitida pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre a não verificação da identidade de pessoas entre a acção 214/17.4T8MNC e a acção 70/1988 (e, por arrastamento, entre aquela e a presente acção).
De facto, é errado concluir (pág. 22 da Sentença “a quo ”) que no processo 214/17.4T8MNC tenham estado, como RR., os “cessionários dos AA.” do prédio com o artº ...º (ou de parte deste) pois que isso foi frontalmente negado pelo acórdão do STJ emitido naqueles autos (junto aos presentes autos em 12.4.2021, págs. 35 a 37) …tendo sido essa a até a justificação para a recusa em sequer apreciar a eventual existência de caso julgado ou de autoridade de caso julgado entre essa acção e a acção 70/1988 que, assim, têm partes diferentes, terceiras entre si.
Disse então tal acórdão que …“a identidade subjectiva ocorre apenas em relação aos aqui autores pois no processo nº 70/88, eram réus reconvintes o aqui autor M. L. e sua mulher, entretanto falecida, intervindo nos presentes autos os herdeiros que sucederam na posição jurídica daquela” e ainda que “, os aqui réus não são parte no processo n.º 70/88 nem por si nem pela qualidade, alegada mas não provada, de sucessores na posse dos ali autores, nem tampouco se encontram abrangidos por qualquer norma legal que permita que beneficiem do caso julgado formado naquele processo” e “Conclui-se assim pela não verificação da alegada ofensa do caso julgado ou autoridade do caso julgado formado com a decisão proferida no processo n.º 70/88.
Vejamos então se se verifica ou não a violação do caso julgado.

A propósito do caso julgado refere o Acórdão da Relação de Guimarães, de 24/10/2019, o seguinte:
(…)
“Porque se trata de questão de oficioso conhecimento (a autoridade de caso julgado merece o mesmo tratamento que a excepção do caso julgado, pois que imbuída das mesmas razões e justificada pelos mesmos interesses), pode a questão da autoridade do caso julgado material formado por decisão transitada ser suscitada em recurso apesar de não tratada na decisão recorrida (e de não lhe ter tampouco sido submetida a julgamento) – a regra de que os recursos se destinam à apreciação de questões anteriormente suscitadas e decididas no processo, e não a provocar decisões sobre questões antes não submetidas ao contraditório e decididas pelo tribunal recorrido, sofre excepções, mormente a respeitante às questões de oficioso conhecimento (desde que a sua decisão não esteja coberta pelo caso julgado) (1).
Questão que tem precedência lógica sobre as demais, impondo-se o seu conhecimento prévio a elas – mesmo relativamente à impugnação da decisão da matéria de facto, pois que se for de reconhecer a autoridade de caso julgado da sentença proferida na referida acção, terá de considerar-se estar já decidida a responsabilidade do réu (sendo que a impugnação da matéria de facto concerne a factos cujo relevo se circunscreve ao apuramento de tal responsabilidade).
(…)
O caso julgado (2) material pode valer como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção do caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente (3).
Enquanto na excepção (do caso julgado) o caso julgado material garante ‘não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente, mas também a inviabilidade do tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica’, tendo por fim ‘obstar que o órgão jurisdicional da acção subsequente seja colocado perante a situação de contradizer ou de repetir a decisão transitada’, representando para o tribunal comando imperativo de não proferir decisão idêntica ou diversa da decisão transitada (comando de omissão que lhe estabelece o não proferimento de decisão idêntica ou diversa da anterior (4) e implica a absolvição do réu da instância), na autoridade do caso julgado o instituto representa ‘o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente’ (5).
Os efeitos do caso julgado material projectam-se em processo subsequente quer como excepção de caso julgado, quando a existência da decisão anterior constitui um impedimento à decisão de idêntico objecto posterior, quer como autoridade de caso julgado material, quando o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão do distinto objecto posterior (6).
Desta forma, ‘quando o objecto processual anterior é condição para a apreciação do objecto processual posterior, o caso julgado da decisão anterior releva como autoridade de caso julgado material no processo subsequente; quando a apreciação do objecto processualmente antecedente é repetido no objecto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva como excepção de caso julgado no processo posterior.
Ou seja, a diversidade entre os objectos adjectivos torna prevalecente um efeito vinculativo, a autoridade de caso julgado material, e a identidade entre os objectos processuais torna preponderante um efeito impeditivo, a excepção do caso julgado. Aquela diversidade e esta identidade são os critérios para o estabelecimento da distinção entre o efeito vinculativo, a vinculação dos sujeitos à repetição e à não contradição da decisão transitada, e o efeito impeditivo, o impedimento dos sujeitos à repetição e à contradição da decisão transitada: a vinculação das partes à decisão transitada em processo subsequente com distinto objecto é assegurada pela vinculação à repetição e à não contradição do acto decisório e o impedimento à reapreciação do acto decisório transitado em processo subsequente com idêntico objecto é garantido pelo impedimento dos sujeitos à contradição e à repetição da decisão’ (7).
A delimitação entre estas duas figuras pode estabelecer-se, grosso modo, da seguinte forma: se no processo subsequente, nada de novo há a decidir relativamente ao decidido no processo precedente (os objectos de ambos os processos coincidem integralmente, nenhuma franja tendo deixado de ser jurisdicionalmente valorada), verifica-se a excepção de caso julgado; se pelo contrário, o objecto do processo precedente não abarca esgotantemente o objecto do processo subsequente, e neste existe extensão não abrangida no objecto do processo precedente (e por isso não jurisdicionalmente valorada e, logo, não decidida), ocorrendo porém uma relação de dependência ou prejudicialidade entre os dois distintos objectos, verifica-se a autoridade do caso julgado.
A força ou autoridade de caso julgado desenvolve uma função positiva, tornando a solução do julgado vinculativa para outros casos que venham a ser decididos, inserindo-se a decisão tomada, como questão prejudicial, no objecto da segunda acção (assentando tal função positiva na dependência do objecto da segunda acção ao objecto da primeira); pressupondo diversidade de objectos entre as causas e surgindo o objecto da primeira como pressuposto da apreciação do objecto da segunda, é dispensada a verificação da tríplice identidade pressuposta pela excepção do caso julgado (arts. 580º e 581º do CPC), requerendo-se apenas, para lá da identidade subjectiva, uma relação de prejudicialidade ou dependência entre as causas (8).
A ‘autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa’ (9).
Importa à presente apelação apreciar dos limites subjectivos do instituto, assente que está a diversidade de partes do lado activo – merecendo porém referência, a propósito dos limites objectivos, que o facto ou acto jurídico que fundamenta as causas é diverso: ainda que respeitante ao mesmo episódio de vida do administrador da insolvência, certo é que na causa já decidida o fundamento é a assinatura de boletim de aceitação da oferta pública de troca de valores mobiliários referente àquela autora, e na presente acção é a assinatura do boletim referente a esta autora que é fundamento da causa; por isso que os factos são distintos (ainda que, se assim nos podemos expressar, gémeos).
Como resulta dos arts. 580º e 581º do CPC, os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado material são traçados pelos elementos da acção na qual foi proferida a sentença transitada: as partes, o pedido e a causa de pedir, ou mais rigorosamente, ‘pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo’ (10).
No que aos limites subjectivos do caso julgado material concerne, o princípio fundamental é o da sua eficácia relativa – a sentença só tem força de caso julgado entre as partes, tomadas estas não no sentido da estrita identidade física, mas antes da sua qualidade jurídica (eadem conditio personarum) (11).
O princípio da mera eficácia relativa do caso julgado (art. 581º, nº 2 do CPC), com raízes no direito romano e reconhecido no comum dos sistemas processuais vigentes, é um reflexo do princípio do contraditório (art. 3º do CPC), pois quem não pôde defender os seus interesses num processo pendente, não pode ser afectado pela decisão que nele foi proferida – os terceiros não podem ser nem prejudicados, nem beneficiados pelo caso julgado de uma decisão proferida numa acção em que não participaram nem foram chamados a intervir (12).
Assente o princípio da eficácia inter partes, pode o caso julgado também atingir terceiros, seja através da sua eficácia reflexa, seja através da sua extensão a terceiros – a eficácia reflexa acontece nos casos em que ‘a acção decorreu entre todos os interessados directos (quer activos, quer passivos) e, portanto, esgotou os sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma situação jurídica, pelo que aquilo que ficou definido entre os legítimos contraditores’ deve ser aceite por qualquer terceiro, justificando-se a extensão do caso julgado a terceiros quando seja necessário ‘abranger pelo caso julgado os terceiros para os quais ele implica a constituição, modificação ou extinção de uma situação jurídica’, implicando uma vinculação directa de certos interessados às consequências e efeitos de uma decisão (13).
Na eficácia reflexa trata-se de impor erga omnes o resultado de uma acção que decorreu entre todos os interessados directos, isto é, entre todos os sujeitos com legitimidade processual para nela participar e na extensão a terceiros estabelece-se a vinculação de certos interessados às consequências e efeitos da decisão (14).
À economia da decisão não interessam, porque manifestamente inaplicáveis, as situações em que se verifica a extensão do caso julgado a terceiros (no caso em análise, a extensão do caso julgado da acção nº 3118/06.2TBVCT-AS à presente acção) em razão da identidade da qualidade jurídica entre a parte e o terceiro (por exemplo, por sucessão na titularidade do objecto processual, inter vivos ou mortis causa), de substituição processual e na oponibilidade resultante do registo da acção (15).
Também se não verifica situação de prejudicialidade, que ocorre quando o terceiro é titular de relação jurídica dependente do objecto apreciado na causa julgada, ou seja, quando o objecto apreciado é prejudicial relativamente a situação jurídica de terceiro – p. ex., o caso julgado entre o credor e o devedor beneficia o fiador (art. 635º, nº 1 do CC) e o caso julgado entre o credor e o devedor aproveita ao terceiro que haja constituído hipoteca a favor daquele (arts. 717º, nº 2 e 635º, nº 1 do CC) (16).
A autoridade do caso julgado impõe (efeito positivo) o acatamento de decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objecto de acção posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa – a autoridade do caso julgado tem o efeito positivo de impor a primeira decisão como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito, efeito que assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (17).
Ora à luz de tudo quanto se acaba de expender muito pouco haverá a acrescentar o que se refere na decisão recorrida sobre a verificação dos requisitos desta excepção de caso julgado quando refere o seguinte:
(…)

c. CONDIÇÃO SUBJECTIVA: MESMAS PARTES DO PONTO DE VISTA JURÍDICO (NÃO PROCESSUAL)
Chegados aqui, devemos acrescentar uma condição subjectiva para que haja uma tal força vinculativa do caso julgado fora do seu objecto processual: a autoridade de caso julgado apenas pode ser oposta a quem seja tido como parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica como definido pelo artigo 581.º, n.º 2. Seria absolutamente inconstitucional, por contrário à proibição de indefesa, prevista no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição e no artigo 3.º do Código de Processo Civil, que uma decisão vinculasse quem foi terceiro à causa.
Daqui decorre que a autoridade de caso julgado (i) pode ser oposta pelas concretas partes entre si e (ii) não pode ser oposta a quem é terceiro. Para este efeito, “terceiro” é o que decorre a contrario da referida definição legal do artigo 581.º, n.º 2: aquele que não é parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica no processo em que a decisão foi proferida. Trata-se, assim, de um conceito material de terceiro e não de um conceito formal de terceiro.
Ou seja, é ainda parte o sujeito que não esteve no processo (terceiro processual), mas está na relação jurídica que foi julgada. A não ser assim, bastaria às partes primitivas cederem os seus direitos para “escaparem” tanto à excepção de caso julgado, como à autoridade de caso julgado, seja na sua vertente interna (no interior da mesma relação jurídica), como externa (quanto a relações jurídicas carentes de harmonização com aquela).
E também abrange não apenas as pessoas que sejam as mesmas do ponto de vista da sua qualidade física (i.e., as que efectivamente estiveram no processo), mas também aqueles que sejam os mesmos sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica (cf. artigo 581.º, n.º 2, do CPC). Ou seja, os herdeiros, cessionários ou adquirentes dos direitos declarados na decisão também estão vinculados a cumprir a decisão. A sentença também constitui título executivo contra eles, nos termos do artigo 54.º, n.º 1, do CPC. Em suma: o efeito positivo interno do caso julgado vincula as partes da relação jurídica e não os sujeitos do processo. A contrario, o caso julgado não se estende a terceiros, ou seja, a todos aqueles que não sejam os mesmos que os destinatários sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

LIMITES E DURAÇÃO DOS EFEITOS DO CASO JULGADO
O caso julgado tem como limites (conforme já referido) os que decorrem dos próprios termos da decisão, pois, como estatui o artigo 621º do C.P.C., “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”. Trata-se de um corolário do conhecido princípio dos praxistas enunciado na fórmula latina “tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat”.
Mesmo para quem entenda que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade, como parece ser o caso da maioria jurisprudencial e de amplo sector doutrinal, será sempre em função do teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado e, consequentemente, a autoridade deste.
Por isso é que, é entendimento dominante na nossa jurisprudência que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.07.2011, no processo n.º 129/07.4.TBPST.S1, disponível in www.dgsi.pt; na doutrina vide o Professor Miguel Teixeira de Sousa (in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 579) “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”).
Ou seja, na determinação dos seus limites e eficácia, deve atender-se não só à parte decisória, mas também aos respectivos fundamentos, pois que a parte dispositiva constitui a conclusão decorrente de silogismos internos de uma decisão, nos quais os fundamentos de facto ou de direito são as premissas.
Por isso, e sem prejuízo do que se acaba de afirmar, tem-se entendido que a parte dispositiva vincula enquanto conclusão dos fundamentos respectivos.
Já vimos que nas relações de prejudicialidade entre objectos processuais o sentido de uma decisão anterior determina os fundamentos de uma decisão posterior; noutra perspectiva, a resolução da segunda questão está dependente da resolução de uma primeira questão. Sucede que, em face deste alcance do caso julgado, essas relações de prejudicialidade tanto podem ser no domínio da mesma relação jurídica julgada com valor de caso julgado, como no domínio de relação jurídica conexa.
Em suma: apenas à luz dos fundamentos de uma decisão se pode dar a qualificação jurídica à parte dispositiva. O título jurídico de onde emanam efeitos para a esfera do destinatário da decisão é, assim, a parte dispositiva nos termos dos fundamentos.
(…)
Assim, como aí se conclui:
(…)
Não há quaisquer dúvidas que as decisões proferidas nos processos n.º 70/1998 e 214/17.4T8MNC encontra-se, indiscutivelmente, numa relação de prejudicialidade relativamente a este pedido em concreto, na medida em que incide totalmente sobre o mesmo objecto, pois que, e como resulta dos factos supra elencados, no proc. n.º70/1988, já os antecessores dos AA tinham pedido a declaração de que ¼ do prédio descrito no artigo º ... de ... (depois ...) era autónomo, pretensão esta que foi julgada improcedente. A mesma pretensão teve o Réu J. B., na acção n.º214/17.4T8MNC, o que foi novamente negado, concluindo o Tribunal (como anteriormente já o tinha feito na acção n.º 70/1988) que tal quota faz parte do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ....
(…)
E assim sendo, indubitável resulta a verificação da excepção de caso julgado, havendo, por consequência de improceder, nesta parte, a presente apelação.
Mais alegam os Recorrentes que, onde, sob o título de “DA NULIDADE POR FALTA DE PEDIDO E DE CAUSA DE PEDIR” a Sentença começa por referir-se (pág. 1) que “os RR. invocaram, na Réplica, a nulidade da contestação por falta de pedido e de causa de pedir” e, no final de tal título (pág. 3), conclui dizendo: “improcede a nulidade arguida pelos RR. ”… cometeram-se 3 importantes erros que, pelo seu número e pela fundamentação que se lhe seguiu, não acreditamos que tenham sido meros lapsos de escrita.
– De facto, dos excertos supra, é notório e evidente que:
1) - Não foram “os RR.” quem invocou “na Réplica” a ineptidão porque os RR. Não podem nunca apresentar Réplicas;
2) - Não pode “improceder a nulidade arguida pelos RR.” porque não foram eles que suscitaram a questão, mas antes os AA.;
3) – E os AA. (se é que a eles o Tribunal se quis referir) não invocaram qualquer ineptidão ou nulidade da contestação por falta de pedido e de causa de pedir … nem o poderiam fazer (não existe ineptidão de uma contestação), tendo peticionado na Réplica coisa diferente: “Deve a presente acção de simples apreciação negativa julgar-se procedente e provada tal como peticionado na PI, por falta, insanável, de cumprimento do ónus de alegação e de petição dos RR”.
No que concerne a este aspecto, sendo certo que são os Autores quem alegou o não cumprimento do ónus de alegação (ineptidão - insuficiência de causa de pedir e falta de pedido), resulta como incontroverso que se está perante um lapso da decisão recorrida que em nada compromete o sentido do decidido, já que conhece da questão invocada, não assumindo, por isso, qualquer relevância substancial, além da constatação da existência de alguns erros formais.
Mais alegam a existência de outros erros processuais cometidos pela Sentença recorrida e que apenas poderiam ter conduzido a uma decisão processual e substancialmente errada, nomeadamente (apenas para realçar os mais importantes):
- Completa omissão da análise da Réplica e do requerimento junto pelos AA. em 27.4.2021.
- Erro na transcrição de parte importante do texto da parte dispositiva da acção 70/1988
- Erro por omissão de enumeração (elenco) dos factos que considera provados e não provados e, consequentemente, inexistência de uma análise crítica dos muitos meios probatórios disponíveis (documentais e até confessórios).
- Erro por omissão da análise do acórdão do STJ emitido também nos precisos autos 214/17.4T8MNC que taxativamente negou a verificação dos pressupostos de que depende o caso julgado ou sequer de autoridade de caso julgado entre esta acção e a acção 70/1988.
Alegam também os Recorrentes que é notório que os RR. não alegaram convenientemente um seu direito sobre a parcela de casa e terreno que os AA. identificam e localizam fisicamente na sua PI em item 1º/b) e sobre a qual incidem o seu pedido negativo (e só isso é que interessava que alegassem na presente acção de declaração negativa) pois que os RR., na sua contestação, alegam e pedem apenas que sejam donos, porque herdeiros (invocando uma mera aquisição derivada e uma frágil inscrição registral), de ¾ um prédio ainda inscrito sob o artº ...º de ... (e nada mais dizem), ficando-se sem saber até se o prédio de que se arrogam comproprietários corresponde ou não à parcela física com a área e configuração que os AA. expressamente alegaram e pediram.
Concluem, assim, que os RR. não sabem identificar fisicamente o prédio de que se arrogam comproprietários (nem, de resto, cumpriram esse seu ónus) e ainda que os RR. aceitam que os AA. sejam exclusivamente donos do prédio que o Tribunal reconheceu a estes últimos, com a configuração e delimitação melhor identificada em plantas de docs. 8, 9 e 10, isto é, do actual prédio com o artº ... e n.º .../....
Por último alegam ainda que, tendo os RR. pedido na sua Contestação que “Deve a excepção dilatória de caso julgado material ser julgada procedente, por provada, absolvendo-se os Réus da instância” (…), tal pedido não é admissível no âmbito da presente acção negativa.
Na verdade, em seu entender, mostra-se pacífico que numa acção de declaração negativa apenas é inadmissível a dedução de reconvenção quando a mesma incida sobre o “reconhecimento do direito cuja declaração de inexistência é pedida, sem esquecer que (STJ em 3.3.2010, proc. 610/06.2TBPRG.P1) … “I – Na contestação das acções de mera apreciação negativa não tem, em princípio, cabimento defesa por excepção (material ou peremptória), nem a dedução de reconvenção, mas apenas (a) alegação dos factos constitutivos do direito que o R. se arroga ou dos sinais demonstrativos da existência do facto que afirma.”
De outro lado, baseando-se numa “autoridade de caso julgado”, não poderia a Sentença recorrida (se aquela existisse) deixar de declarar uma absolvição da instância (pois foi isso o pedido e, de resto, será o único desfecho possível para a verificação de uma tal excepção dilatória, de acordo com o artº 278º/1/e) CPC).
Vejamos então se aos Recorrentes assiste razão.
No que concerne à materialidade aduzida nos mencionados requerimentos foi tomada em consideração, havendo igualmente de ser realçado que na presente acção os meios de prova a analisar são documentais, e todos eles foram considerados, inexistindo, assim, os invocados erros.
E salvo o devido respeito, nada mais haverá a acrescentar ao conteúdo da decisão recorrida, a qual, aborda de modo satisfatório os aspectos essenciais da causa.
Com efeito, parece-nos incontroverso, que na presente acção foi efectuado um pedido de declaração negativo.
Como refere Castro Mendes, “A composição de um litígio é o fim do processo; é o conteúdo do pedido que o A. ou requerente dirige ao tribunal; e é, portanto, objecto do direito que a parte exerce quando a ele recorre, exigindo a sua intervenção - direito de acção judicial ou somente acção” (18), sendo estes diferentes tipos de litígio que dão origem a diferentes tipos de processo e diferentes acções.
A classificação que a lei processual apresenta no artigo 10º, do C.P.C., baseia-se em diferentes tipos de composição do litígio pretendido, se bem que este artigo tenha como epígrafe “espécies de acções consoante o fim“, e o termo “acção“ tem, nesse artigo, o sentido de pedido, havendo, aí, uma classificação de pedidos.
Assim, do aludido pedido de declaração do reconhecimento da inexistência do direito de propriedade na esfera juridica dos Réus, incidente sobre os mencionados terrenos, parece poder conclui-se, estar-se perante uma acção do tipo enunciado na al. a), do nº 2, do artigo 10º, do C.P.C..
Fala-se, porém, em acção declarativa, na medida em que se pretende “a declaração, pelo órgão judiciário, da solução concreta decorrente da ordem jurídica para a situação real que serve de base à pretensão deduzida”, e a expressão “simples apreciação“ pretende significar que “(...) são aquelas em que, reagindo contra uma situação de incerteza, o autor pretende apenas obter a declaração (com a força vinculativa própria das decisões judiciais) da existência ou inexistência de um direito ou de um facto”. (19)
“Mas, é precisamente no que vem após o reconhecimento (ou não reconhecimento) do direito, comum em princípio a todas elas, que reside a chave da distinção entre os vários tipos de acções (...) Se o autor, após o reconhecimento da existência (ou não reconhecimento) do direito, não pretende mais do que a declaração formal dessa existência ou inexistência do direito (ou do facto jurídico), a acção respectiva é de mera apreciação e dentro destas, de tipo negativo” (20)
As acções de simples apreciação negativa são definidas na al. a), do nº 10, do artigo citado, como as que têm por fim “obter unicamente a declaração de existência ou inexistência dum direito ou de um facto”.
Em termos doutrinais, estas últimas podem ser vistas sob duas perspectivas: como uma acção “normal“, com objecto determinado e causa de pedir, ou seja, fundamento possível, igualmente determinado, da relação ou facto negado pelo A., fundamento esse cuja inexistência ou ineficácia o A. alega e deve provar; ou como uma acção peculiar, em que o A. se pode limitar a negar certas relações, não invocando qualquer fundamento, antes empurrando para o R. o ónus de precisar o que impugna nessa negação e o seu fundamento, e prová-lo.
Como escreve Castro Mendes (21), o Prof. Anselmo de Castro, já antes do actual C.C., parecia inclinar-se para a segunda construção, dado que praticamente se dispensava, nestas acções, a alegação do A. duma causa de pedir.
Todavia, refere ainda o mesmo Autor, nada na lei excepcionava a acção de simples apreciação negativa do regime geral das acções - e, portanto, da necessidade de individualização precisa do objecto e causa de pedir, ónus da prova pelo A. – suscitando-se assim a discussão da questão de saber o que constitui a causa de pedir nas acções de simples apreciação negativa.
O Prof. Paulo Cunha, escrevia que “uma coisa é a causa de pedir propriamente dita, outra os fundamentos de facto da acção. Os fundamentos de facto hão-de compreender e englobar a causa de pedir; mas vão além dela. O autor não pode limitar-se a alegar só e secamente o facto jurídico de que emerge o seu direito: tem de indicar pormenorizadamente outros factos e circunstâncias complementares, das quais possa resultar a demonstração de que aquele facto central existe e bem assim na compreensão do seu significado e alcance“ (22), sendo este o entendimento também perfilhado pelo Prof. Alberto dos Reis, que, citando Chiovenda refere “a exposição do facto não respeita somente à existência do direito, senão também às outras condições da acção (... )”. (23)
O artigo 343º, n.º 1, C.C., veio clarificar, de certo modo, a situação, sendo acompanhado, no C.P.C., de disposições especiais para a acção de simples apreciação negativa, ao prescrever que “Nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao R. a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga”.
E, como refere A. de Castro, “o legislador converteu, pelo menos no que se refere ao “ónus probandi“, estas acções de mera apreciação negativa em verdadeiras “provocationes ad agendum“ (24), com o que se consagrou um caso de inversão do ónus da prova.
Tecidos estes breves considerandos, e à luz deles, parece-nos inequívoco que, quer a presente acção, configura, indubitavelmente, uma acção de declaração negativa, cujo ónus da prova impende, sobre os Réus, em ordem ao não reconhecimento do direito que os AA. pretendem fazer valer, pois que, tal como se refere na decisão reccorrida, “não subsistem dúvidas de que a presente acção, tendo em conta o pedido e a causa de pedir formulados, configura uma acção de simples apreciação (negativa), porquanto a mesma tem por fim obter a declaração da inexistência de um direito (cf. artigo 10º, n.º 2 e 3, alínea a) do Código de Processo Civil) (25).
Ora, na presente situação, contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, os Réus alegaram de modo suficiente os factos alicerçantes dos direitos que se arrogam, como se deduz do seu articulado.
Na verdade, como se refere na decisão recorrida, “Não subsistem dúvidas de que a presente acção, tendo em conta o pedido e a causa de pedir formulados, configura uma acção de simples apreciação (negativa), porquanto a mesma tem por fim obter a declaração da inexistência de um direito (cf. artigo 10º, n.º 2 e 3, alínea a) do Código de Processo Civil).
No entanto, considera-se como desadequado um qualquer pedido reconvencional em tal tipo de acções, por prejudicialidade do mesmo, pelo que não assiste razão aos AA quando invocam a falta do pedido (“Um non liquet probatório nas acções de simples apreciação negativa terá sempre que resolver-se em desfavor do réu. Já, pelo contrário, a improcedência deste tipo de acção implica, sem margem para dúvidas, o reconhecimento da existência do direito que o réu se arroga, que fica definitivamente estabelecida, perante o autor.… a inadmissibilidade da reconvenção só se verifica em relação ao pedido de reconhecimento do direito cuja declaração de inexistência é pedida …” - in Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-05-2020, Processo: 2134/18.6T8AVR-A.P1, Nº Convencional: JTRP000, Relator: Deolinda Varão)
Por outro lado, uma vez que a causa de pedir nas acções de simples apreciação negativa consubstancia-se na inexistência do direito e nos factos materiais pretensamente cometidos pelo demandado que determinaram o estado de incerteza, não se verifica qualquer ineptidão por insuficiência da causa de pedir”.
Improcede, também, nesta parte, a presente apelação.

No que concerne à excepção de caso julgado, como se refere na decisão recorrida, relativamente à relação de prejudicialidade entre os objectos das acções no caso julgado, “Generalizando, e apresentando-a por outra perspectiva, a condição objectiva positiva consiste na existência de uma relação entre os objectos processuais de dois processos de tal ordem que a desconsideração do teor da primeira decisão redundaria na prolação de efeitos que seriam lógica ou juridicamente incompatíveis com esse teor. Nessas situações, a consideração do teor da sentença já transitada em julgado poderá determinar o sentido da posterior decisão de mérito, seja para a procedência, seja para a improcedência (a este propósito escreve Teixeira de Sousa que “o tribunal da acção dependente está vinculado à decisão proferida na causa prejudicial”) – e nisto consistem as consequências da sua verificação, ou seja, a imposição de uma determinada de cisão de mérito (por oposição à excepção dilatória que impede a prolação de decisão de mérito, impondo antes a absolvição da instância).
Deste modo, se o efeito negativo do caso julgado (excepção de caso julgado) leva à admissão de apenas uma decisão de mérito sobre um mesmo objecto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo (autoridade de caso julgado) admite a produção de decisões de mérito sobre objectos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão. Em termos de construção lógica da decisão, na autoridade de caso julgado a decisão anterior determina os fundamentos da segunda decisão; na excepção de caso julgado a decisão anterior obsta à segunda decisão.
A vinculatividade do instituto do caso julgado impõe que o objecto da primeira decisão funcione como pressuposto indiscutível da nova decisão de mérito, a proferir na segunda causa, incidente sobre relação jurídica diversa, mas dependente ou condicionada pela anteriormente apreciada, em termos definitivos, pelo tribunal.
(…)

Assim, e revertendo agora para a situação em apreço, continua a decisão recorrida:
(…)
Ora, tendo nós por certo que é pelo teor da decisão e respectivos fundamentos que se mede a extensão objectiva do caso julgado, como se disse e, consequentemente, a autoridade deste, como refere Alberto dos Reis, (in “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, pág. 174), resulta desde logo que uma das questões que é colocada nestes autos, designadamente, a de saber se o prédio descrito em 1.b) da petição inicial (“Prédio urbano com casa e rossios, omisso na matriz das Finanças e na Conservatória de Registo Predial, confrontando do Norte com F. P., caminho de servidão e M. V., do Sul com A. C., do nascente com M. L. (aqui 1º R.) e servidão de passagem e do Poente com o prédio acima indicado”) faz parte integrante do prédio outrora descrito sob o n.º... de ... (depois ...) e inscrito sob o art.º ... de ... (depois ...) ou constitui uma unidade predial distinta e autónoma deste último, já foi objecto de discussão e decisão transitada em julgado, pois que, sobre a mesma este Tribunal já se pronunciou, não uma, mas duas vezes: nos processos n.º 70/1998 e 214/17.4T8MNC. Na verdade, e conforme resulta dos factos provados, nestes dois identificados processos (o primeiro que opunha os antecessores de Autores e Réus e o segundo opondo os Réus e os cessionários dos AA desse mesmo prédio), por sentenças transitadas em julgado, decidiu-se que o referido prédio descrito no artigo 1b) da petição inicial corresponde ao prédio outrora descrito sob o n.º... de ... (depois ...) e inscrito sob o art.º ... de ... (depois ...), sendo AA e RR comproprietários desse mesmo prédio na proporção de ¼ e ¾ respectivamente.
Não obstante, e pese embora tal questão tenha sido sujeita a duas decisões judiciais, os AA vêm, novamente, colocar à apreciação deste Tribunal saber se os RR têm ou não direito de propriedade sobre tal prédio (o que por duas vezes foi já respondido afirmativamente), insistindo em alegar que as descrições e inscrições (1/4 e ¾) encontram-se erradas e desactualizadas, o que já foi, ad nauseam, analisado e apreciado.
Não há quaisquer dúvidas que as decisões proferidas nos processos n.º 70/1998 e 214/17.4T8MNC encontra-se, indiscutivelmente, numa relação de prejudicialidade relativamente a este pedido em concreto, na medida em que incide totalmente sobre o mesmo objecto, pois que, e como resulta dos factos supra elencados, no proc. n.º70/1988, já os antecessores dos AA tinham pedido a declaração de que ¼ do prédio descrito no artigo º ... de ... (depois ...) era autónomo, pretensão esta que foi julgada improcedente. A mesma pretensão teve o Réu J. B., na acção n.º214/17.4T8MNC, o que foi novamente negado, concluindo o Tribunal (como anteriormente já o tinha feito na acção n.º 70/1988) que tal quota faz parte do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ....
Além desta relação de prejudicialidade, está ainda preenchida a condição subjectiva supra analisada, porquanto em ambas as acções estamos perante as mesmas partes do ponto de vista jurídico (no proc. n.º 70/1988 os antecessores dos RR, nesta os RR, na qualidade de herdeiros daqueles).
Aqui chegados, não há duvidas que as decisões apreciadas naqueles supra identificados processos produzem um efeito positivo de autoridade de caso julgado, impondo-se como pressuposto lógico da decisão que vier a ser proferida nestes autos, determinando o sentido da mesma.
Igualmente, facilmente constatamos que, a ser julgado procedente este pedido dos AA, tal decisão encontrar-se-ia em contradição com o conteúdo das sentenças anteriormente proferidas, as quais tiveram como pressuposto de que tal prédio pertence, em compropriedade, a AA e RR.
Por outro lado, repare-se que não é alegado que tenham ocorrido quaisquer circunstâncias supervenientes que tenham alterado a situação sub judice.
Ou seja, não poderá a acção, nesta parte do pedido, ser julgada procedente sob pena de violação da autoridade do caso julgado, impondo-se julgar tal parte do pedido totalmente improcedente por imposição da autoridade do caso julgado.
No que concerne ao pedido de declaração de que os RR não têm qualquer direito sobre o prédio descrito na conservatória do registo predial sob o artigo ... (agora ...), também este se encontra numa relação de prejudicialidade em relação ao já decidido no processo n.º 70/1998, havendo identidade de sujeitos da reacção jurídica (nos termos já explicados e para os quais se remete) no qual, por sentença transitada em julgado, o Tribunal decidiu declarar os antecessores dos Autores donos e legítimos possuidores desse mesmo prédio.
Nestes termos, nesta parte do pedido, impõe-se proferir uma decisão de procedência, atendendo a que assim já se pronunciou este Tribunal no proc. n.º 70/1986 (colocando-se até a dúvida se os Autores têm, nesta parte do pedido, interesse em agir, pois que os RR jamais colocaram em questão a propriedade dos Autores sobre este identificado prédio).
Por último, refere ainda a decisão recorrida que, “Relativamente ao pedido de declaração de que os RR não têm qualquer direito sobre o prédio descrito na conservatória do registo predial sob o artigo ... (agora ...), também este se encontra numa relação de prejudicialidade em relação ao já decidido no processo n.º 70/1998, havendo identidade de sujeitos da reação jurídica (nos termos já explicados e para os quais se remete) no qual, por sentença transitada em julgado, o Tribunal decidiu declarar os antecessores dos Autores donos e legítimos possuidores desse mesmo prédio.
Nestes termos, nesta parte do pedido, impõe-se proferir uma decisão de procedência, atendendo a que assim já se pronunciou este Tribunal no proc. n.º 70/1986 (colocando-se até a dúvida se os Autores têm, nesta parte do pedido, interesse em agir, pois que os RR jamais colocaram em questão a propriedade dos Autores sobre este identificado prédio).
Ora salvo o muito e devido respeito, não se nos afigura que isto assim possa ser, pois que, de harmonia com o disposto no artigo 619º, nº 1 do C.P.C., transitada “em julgado sentença (…) que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele”.
Precisa-se no art. ...º do C.P.C. que a “decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação”, pelo que, seja “qual for o seu conteúdo, a sentença produz, no processo em que é proferida, o efeito de caso julgado formal, não podendo mais ser modificada (…). Mas, quando constitui uma decisão de mérito (“decisão sore a relação material controvertida”), a sentença produz também, fora do processo, o efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual (…), distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado)” (26).
Assim sendo, tendo já sido declarado por sentença transitada em julgado, o que os antecessores dos Autores eram donos e legítimos possuidores desse mesmo prédio, nada resta para decidir neste processo quanto a esse aspecto.
E assim sendo verificada a excepção de caso julgado, improcede a apelação, com a consequente absolvição dos Réus da instância, nos termos do disposto no artigo 576, nº 2, do C.P.C.
Por último, e no que concerne à litigância de má-fé, nada haverá a acrescentar ao que consta da decisão recorrida.
Na verdade, como aí se refere, “Exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação de onde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte (in Abílio Neto, Código de Processo Civil anotado, anotações ao art.º 456º, citando Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 20/6/1990; Ac. STJ de 10/4/80; 19/9/91; 3/7/84, in www.dgsi.pt) e, por isso, deverá entender-se que não litiga de má-fé, quem litiga sem direito, mas o faz convicto de que tem razão substancial, ainda que a não tenha (cfr. neste sentido os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-02-2003, 27-05-2004 e 01-02-2006, in www.dgsi.pt; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-09-2012, no processo n.º 2326/11.09TBLLE.E1.S1 “1 - A litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão. 2. A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 456º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, todavia, se não forem observados os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé, patenteia-se litigância de má-fé.”; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-01-2000: “a má-fé psicológica, o propósito de fraude, exige, no mínimo, uma actuação com conhecimento ou consciência do possível prejuízo do acto; tal conhecimento ou consciência pode corresponder quer a dolo eventual quer a negligência consciente e, neste último quadro, aquela consciência pode reportar-se a uma simples previsão do prejuízo resultante do acto, nada se fazendo para o evitar, isto é, mesmo assim pratica-se o acto que se tem como potencialmente lesante”.).
Assim, considerado este enquadramento, “conforme já dito na sentença proferida nos autos, uma das questões que os Autores vieram trazer ao conhecimento do Tribunal - a de saber se o prédio descrito em 1.b) da petição inicial (“Prédio urbano com casa e rossios, omisso na matriz das Finanças e na Conservatória de Registo Predial, confrontando do Norte com F. P., caminho de servidão e M. V., do Sul com A. C., do nascente com M. L. (aqui 1º R.) e servidão de passagem e do Poente com o prédio acima indicado”) faz parte integrante do prédio outrora descrito sob o n.º... de ... (depois ...) e inscrito sob o art.º ... de ... (depois ...) ou constitui uma unidade predial distinta e autónoma deste último - já foi objecto de discussão e decisão transitada em julgado, pois que sobre a mesma este Tribunal já se pronunciou, não uma, mas duas vezes: nos processos n.º 70/1998 e 214/17.4T8MNC, o que os AA têm perfeito conhecimento.
Na verdade, e conforme resulta dos factos julgados provados, nos supra identificados processos (o primeiro que opunha os antecessores de Autores e Réus e o segundo opondo os Réus e os cessionários dos AA desse mesmo prédio), por sentenças transitadas em julgado, decidiu-se que o referido prédio descrito no artigo 1b) da petição inicial corresponde ao prédio outrora descrito sob o n.º... de ... (depois ...) e inscrito sob o art.º ... de ... (depois ...), sendo AA e RR comproprietários desse mesmo prédio na proporção de ¼ e ¾ respectivamente”.

Destarte, e pelo exposto, improcede, na íntegra, a presente apelação.

IV- DECISÃO.

Julgar verificada a autoridade do caso julgado das sentenças proferidas nos processos n.º 70/1998 e 214/17.4T8MNC e, consequentemente, julgar parcialmente procedente a presente acção nos seguintes termos:
- Declarar que os Réus não são donos e legítimos possuidores em regime de compropriedade de ¼ do prédio descrito sob o n.º... de ... e ... de ... da “parcela de casa e terreno” definida e identificada no item 1/b) da petição inicial;
- Reconhecer que os Réus não são donos e legítimos proprietários do prédio descrito na C.R.Predial de ... sob o n.º .../..., inscrito sob o artº ... (agora ...).

Custas pelos Apelantes.
Guimarães, 30/06/2022.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

Declaração de voto da Sra. Desembargadora Sandra Melo.
"Apesar de já ter sufragado opinião diversa quanto à eficácia da autoridade de caso julgado perante terceiros, entendo que efectivamente só reflexamente pode ser feito valer contra aqueles."

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relator: Jorge Alberto Martins Teixeira.
Adjuntos: Desembargador José Manuel Alves Flores.
Desembargadora Sandra Melo.



1. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, p. 102.
2. O caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª edição, p. 567.
3. Miguel Teixeira de Sousa, O objecto da sentença e o caso julgado material (O estudo sobre a funcionalidade processual), in BMJ, nº 325, p. 178.
4. Autor e obra citados, p. 176.
5. Autor e obra citados, a p. 179.
6. Autor e obra citados, p. 168 (itálicos da nossa responsabilidade).
7. Autor e obra citados, pp. 171 e 172 (itálicos da nossa responsabilidade).
8. P. ex., o acórdão do S.T.J. de 6/11/2018 (Maria João Vaz Tomé), no sítio www.dgsi.pt/jtsj. Refira-se que se vem já evidenciando que a excepção do caso julgado se desprende da tríplice identidade prevista nos artigos 580º e 581º do CPC – o ‘âmbito da excepção do caso julgado é definido pelo disposto no art. 580º, nº 2 (e, portanto, pela proibição de contradição e pela proibição de repetição), não pela repetição de acções a que se refere o art. 581º, nº 1. Esta repetição é apenas uma das situações em que opera a excepção de caso julgado, nada impedindo que essa excepção também possa relevar em situações em que o objecto das duas acções seja distinto’ [Miguel Teixeira de Sousa, Preclusão e caso julgado, p. 18 - Paper (199) publicado em 3/05/2016 no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com)].
9. Acórdão do STJ de 8/11/2018 (Tomé Gomes), no sítio www.dgsi.pt/jtsj.
10. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 309.
11. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, Vol. III, p. 385; Manuel de Andrade, obra citada, pp. 309 e 310.
12. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), p. 588. No mesmo sentido, afirmando que a inoponibilidade do caso julgado a terceiros representa um mero corolário do princípio do contraditório, Antunes Varela e outros, obra citada, pp. 720 e 721.
13. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), p. 590 e p. 594
14. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), p. 594.
15. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), p. 595 e 596.
16. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), p. 595 e 596.
17. Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2ª edição, 2008, p. 354, apud acórdão do STJ de 30/03/2017 (Tomé Gomes).
18. Cfr. Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, pag. 230.
19. Cfr. Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 16 -
20. Cfr. A. Varela, obra citada, pag. 16.
21. Cfr. Castro Mendes, obra citada, pag. 239.
22. Cfr. Paulo Cunha, in “Processo de Declaração”, vol. I, pág. 112 e 114.
23. Cfr. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, 3ª ed., Vol. II, pág. 351.
24. Cfr. A. de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. I, pág. 1991, pág. 116, nota 2 e 122
25. - in Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-05-2020, Processo: 2134/18.6T8AVR-A.P1, Nº Convencional: JTRP000, Relator: Deolinda Varão)
26. Cfr. José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, 713 e 714.