Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
33816/04.9YYLSB-A.G1
Relator: ELLISABETE COELHO DE MOURA ALVES
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
INEPTIDÃO DO REQUERIMENTO EXECUTIVO
LIVRANÇA
PREENCHIMENTO ABUSIVO
PRESCRIÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. A livrança constitui um título de crédito à ordem que consubstancia uma promessa de pagamento pela qual o emitente, subscritor ou sacador se compromete a pagar determinada importância em certa data a certa pessoa (75º n.7 e 78º da LULL).
2. Desse modo, uma livrança, enquanto título de crédito que contenha os requisitos essenciais referidos nos artigos 75º e 76º da LULL constitui título cambiário autónomo e abstracto, integrado no elenco dos títulos executivos que, pode ser dada à execução de per si, sem a alegação da relação jurídica subjacente, da qual o título cambiário se abstrai, já que o título incorpora o direito nele representado, com plena autonomia da relação fundamental subjacente.
3. Não obstante o aval ser uma garantia dada pelo avalista à obrigação cambiária e não à relação causal, intervindo este (avalista) no pacto de preenchimento e encontrando-se o título no domínio das relações imediatas, assiste ao avalista o direito de excepcionar o preenchimento abusivo do título, cabendo-lhe então o ónus de alegação e prova dos factos atinentes, pois de uma excepção material se trata.
4. Para que se tenha por verificada a interrupção da prescrição, nos termos do n. 2 do artigo 323º do Código Civil, a lei não exige uma diligência excepcional do autor/exequente, pedindo-lhe apenas que o requerimento de citação dê entrada em juízo cinco dias antes do fim do prazo de prescrição e, caso a citação não se efective dentro desse período de tempo, que não lhe seja imputável a causa dessa demora, sendo entendimento unânime da jurisprudência, que a expressão «causa não imputável ao requerente», usada naquele artigo, deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva.
5. Por força do disposto no artigo 327º n.1 do Código Civil, se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

Inconformado com a sentença proferida na oposição à execução que lhe move «X – Instituição Financeira de Crédito, S.A.» e que julgou a oposição que deduziu improcedente com o consequente prosseguimento da execução, veio o opoente/executado E. P. interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

« A) - NULIDADE DA SENTENÇA
1 – A sentença ora em crise padece do vício a que alude a al. d) do art. 15.º, nº 1 do C. P. C., pois deixou de se pronunciar sobre questões sobre as quais devia decidir.
2 – Ora, o Tribunal “ a quo” não se pronuncia quanto à prescrição do valor peticionado a título de juros, excepção sobre a qual não foi proferida decisão, e que não se confunde com a prescrição da ação cambiária.
3 - As quantias exigidas pelo exequente a título de juros de mora vencidos, estão prescritas, tendo o Tribunal “a quo” violado o disposto no artigo 310.º do Código Civil, assim como as restantes quantias peticionadas pela exequente, conforme a Exequente reclama.
4 - O executado foi citado em outubro de 2019, pelo que quaisquer prestações de juros estão prescritas, assim como quaisquer juros que fossem devidos vencidos antes dessa data.
5 - Com a decisão proferida tal leva a um non liquet, e à sua nulidade, cfrr. 608º, nº 2 e 615º do C.P.C.

B)- DA MATÉRIA DE FACTO
6 - Nos termos e para os efeitos do artigo 640.º, nº 1, al. a), do Código de Processo Civil os Apelantes indicam quais os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, Os factos dados como provados na çaiene G) cuja resposta deveria ser NÃO provados, e os factos da p.i. de embargos cuja resposta deveria ser provados, descritos supra nos pontos 1 a 6.
7 - Nos termos e para os efeitos do artigo 640º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil os Apelantes indicam quais os meios probatórios que impunham decisão diversa sobre os pontos supra indicados: 1.º - Contradição entre a matéria assente e documentos dos autos; 2.º - O depoimento de: E. P. e 3.º - As regras da experiência comum.
8 - Não podia o Tribunal ter dado como provado que “O Executado não comunicou à Exequente a alteração de morada, desconhecendo esta que o Executado passou a residir no Lugar ..., n.º .. em ..., Vila Real, pois como resulta do requerimento executivo, datado de 2004, nomeadamente do anexo C3 do requerimento executivo, no campo 08, para identificação do executado com referência à morada opcional, fls 9 dos autos, a Exequente conhecia essa morada.
9 - Bastaria ao Tribunal “a quo” ter analisado o requerimento executivo para constatar que no espaço indicado para morada alternativa, a exequente colocou: “Lugar ..., n.º .. em ..., Vila Real.”
10 - Mal andou também o tribunal “a quo” ao não analisar aa movimentação dos autos, nomeadamente a datada de 4 de Maio de 2010, com a Ref. 3712045.
11 - Deveria ter concluído que apenas a negligência da exequente permitiu que o processo estivesse até àquela data sem pagamento da provisão necessária à prossecução das diligências de citação dos executados.
12 - Assim, o tribunal “a quo” não fez uma correcta análise dos documentos e elementos da movimentação processual porquanto os mesmos contradizem os factos dados como provados.
13 - O Depoimento de parte do Executado/Embargante E. P., Minutos 1:00 a 4:30; Minutos 5:50 a 6:50 e Minutos 7:25 a 7:50, que referiu que a empresa fechou em 2013 por causa da crise dos combustíveis, esclareceu que há cerca de 6/7 anos se divorciou, e que já estava separado de facto desde 2007/2008, e afirmou que foi a ex-mulher que lhe disse que tinha pago as dívidas apesar de não ter documentos comprovativos de tal pagamento, os quais, a existirem, estarão com a ex-mulher uma vez que era ela que tratava da parte burocrática.
14 - Sempre ditariam as regras da experiência que ficou demonstrado que ninguém é obrigado a manter a morada durante mais de 15 anos, ditam as regras da experiência que alguém que confia estar tudo regularizado não anda a tentar informar alterações de morada.
15 - Bastaria assim analisar os documentos juntos aos autos, os depoimentos, aplicando as regras da experiência para concluir que, por um lado o Executado não tinha de comunicar à Exequente a alteração de morada, e por outro que a executada só não soube onde morava o executado porque não quis, e se não deu impulso processual à execução foi por inércia própria.
16 - Verifica-se assim a nulidade da sentença por oposição entre fundamentos e decisão, tipificada na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, quando os fundamentos invocados conduzirem logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou mesmo diferente.
17 – O Tribunal “a quo” violou os art.s 342.º, 343.º, do C.C.
18 - Com a decisão proferida, o Tribunal “a quo” cometeu erro na indagação dos factos, pelo que violou, além das supra referidas normas, o disposto nos artigos 5º, 574º, 413º e 609º do Código de Processo Civil e seus basilares princípios.
19 - Em consequência, deve a decisão sobre a matéria de facto ser alterada em conformidade com o exposto, ou se assim se não entender, deve, nos termos do artigo 662º do Código de Processo Civil, proceder-se á repetição do julgamento, afim de se eliminarem as contradições e faltas de fundamentação da matéria de facto dada como provada.

C) - DA MATÉRIA DE DIREITO

20 - O requerimento executivo é inepto, porquanto, dele não consta a exposição dos factos que conduziram ao aparecimento da livrança, ao seu preenchimento nos termos em que se apresenta, visto que se encontrava em branco.
21 - O Tribunal “a quo” violou o disposto no art.º 724.º, n.º1, alínea E) do CPC, que relativamente à causa de pedir, refere que o requerimento executivo deve conter a “exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo”, e a alínea H) do mesmo impõe a liquidação da obrigação.
22 - No requerimento executivo o exequente referiu que os factos constam exclusivamente do título, o que não é certo, pois trata-se de uma livrança em branco, preenchida posteriormente pela exequente, sem expor os factos em que assenta o preenchimento e os valores.
23 - O requerimento executivo também é inepto por não constar a liquidação do valor que foi aposto no pedido.
24 - Da “liquidação da obrigação”, que é considerado o pedido da execução, nada se refere quanto à origem daquele valor, dando-se como consumado o valor de 20.436,37 €, para depois lhe ser aplicada uma taxa de juro.
25 – O Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 186.º, 727.º, 731.º e 729.º do CPC, pois tendo em conta a contradição e a falta de alegação, deveria o requerimento executivo ser julgado inepto, devendo tal facto ser declarado com as legais consequências.
26 - A livrança apresentada teve a sua origem num contrato de financiamento, cujo exemplar o executado não dispõe, dado que nunca lhe foi entregue pela exequente.
27 - Nas relações imediatas aquele título não pode ser desligado deste contrato, de tal modo que a sua sorte é incindível do mesmo, e está sujeito às suas vicissitudes.
28 – O Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 5.º e segs. do Decreto-Lei n.º 44685, de 25 Outubro, que dispõe que os aderentes de um contrato, como é o caso, dado que o contrato em apreço reveste todas as características do contrato de adesão, têm o direito de lhes ser comunicadas as cláusulas contratuais e informados sobre as mesmas, tendo havido violação destes preceitos.
29 - Por outro lado, também a “convenção de preenchimento da livrança” não define e determina em concreto o objecto da responsabilidade do executado.
30 - Da convenção de preenchimento da livrança em branco também não constam as cláusulas do contrato de financiamento, mormente o limite máximo da obrigação de garantia do executado expresso em moeda.
31 - Também não se extrai do documento o que são “as demais encargos e despesas emergentes do contrato), faltando concretização e dando aso a cláusulas nulas ou abusivas.
32 - De modo que, com base nos vícios supra referidos, que determinam a nulidade do contrato causal celebrado, deveriam as excepções proceder, e o executado ter sido absolvido do pagamento daquela quantia à exequente.
33 - Ainda que se fizesse tábua rasa do supra exposto, houve preenchimento abusivo da livrança quanto ao valor, pois não foi alegado ou explicado como se atingiu o valor aposto na livrança, e não consta do título, sendo que o executado não deve essa quantia à exequente.
34 - Não existem factos que alicercem o valor pedido, pelo que aquele montante é infundado, não tem cabimento legal, nem contratual, e foi colocado abusivamente na livrança, sendo que tal quantia não é certa, líquida e exigível face aos documentos apresentados, o que constitui requisito intrínseco à quantia exequenda, levando à improcedência do peticionado.
35 – O Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 713.º, 731.º e 729.º, alínea e), do CPC, argui-se a incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda, por aquelas quantias serem ilegais e infundadas, não estarem discriminadas, e não supridas na fase introdutória da execução, que impedem a prossecução da execução, pois nunca a extensão da dívida titulada na livrança se aceitaria, por não corresponder à verdade e ao convencionado.
36 - A presente execução não pode prosseguir nos termos em que foi Requerida porquanto está prescrita, Cfr. artigos 77.º e 70.º da LULL.
37 - Consta do documento denominado livrança que o seu prazo de vencimento seria no dia 8 de Maio de 2003, elemento preenchido abusivamente após a assinatura da mesma.
38 - Sendo certo que o executado apenas foi notificado para a execução deste documento no mês de outubro de 2019, tal como consta dos autos.
39 – O Tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 71.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, aplicável por via do seu artigo 78.º, que determina que a interrupção da prescrição da obrigação cambiária contra o subscritor de uma livrança não produz efeito em relação ao respectivo avalista.
40 - Ainda que se fizesse tábua rasa do supra exposto, no que não se concede, pois nada deve o executado à exequente, com base no título e no alegado supra não pode a exequente exigir qualquer quantia a título de juros de mora vencidos, que se teriam vencido desde 1 de dezembro de 2002, como alega no requerimento executivo, prescrito nos termos do artigo 310º do Código Civil.
41 – O Tribunal “a quo” violou o disposto na al. d) do artº 310° CCiv, e no nº 1 do artº 306º.

D) - DO ABUSO DE DIREITO
42 - A decisão proferia pelo Tribunal” a quo” conduz a um claro Abuso de direito por parte da exequente.
43 - O benefício concedido ao credor no art. 323º, n.º 2, do C. Civil (interrupção da prescrição), exige que o demandante não tenha adjectivamente contribuído para que a citação não chegasse ao demandado no prazo de cinco dias.
44 - O atraso na citação será da responsabilidade do demandante sempre que ele não pratique ou pratique mal os actos processuais que lhe incumbe realizar entre o momento da apresentação do requerimento inicial e o decurso do referido prazo de cinco dias.
45 - O n° 2 do art° 323° do C. C. não poderá ser aplicado ao caso concreto, uma vez que o recorrido não agiu de forma a alcançar a interrupção da prescrição por via da citação atempada do recorrente e por esse motivo a excepção alegada deverá ser considerada procedente.
46 - Está demonstrado nos autos uma inércia total no desenrolar do processo, não acautelando o normal andamento do mesmo, nomeadamente o cumprimento da citação da recorrente em tempo.
47 - A exequente conhecia a morada: Lugar ..., n.º .. em ..., Vila Real.
48 - Tanto a conhece como foi a própria exequente que a colocou no seu requerimento executivo, já datado de 2004, Pelo que, alegar o seu desconhecimento seria um claro “venire contra facto proprium”,
49 - Mal andou o tribunal “a quo” ao considerar que o alegado desconhecimento da exequente é fundamento para esta beneficiar da presunção de citação, tudo em completa em contradição com os elementos documentais dos autos.
50 - Mal andou o tribunal “a quo” ao não ter em conta o demonstrado pela movimentação dos autos, nomeadamente a datada de 4 de Maio de 2010, com a Ref. 371 2045, de onde resulta que apenas a negligência da exequente permitiu que o processo estivesse até àquela data sem pagamento da provisão necessária à prossecução das diligências de citação dos executados.
51- O Tribunal “a quo” sempre deveria ter considerado ilidida a presunção de citação do n.º 2 do art.º 323 do Código Civil
52 - O aqui recorrente ficou impossibilitado de exercer um direito com garantia constitucional e que deveria sempre prevalecer sobre a presunção que assiste ao recorrido (de expurgar a culpa da não citação da recorrente atento o disposto no n° 2 do artigo 323° do C.C.) quando, para mais, nada fez para acautelar esse direito.
53 - Quando a lei, no n° 2 do citado art. 323.°, prevê expressamente a interrupção do prescrição com o decurso dos 5 dias após o instauração do acção e o requerimento para citação, tal apenas significa que, a partir daí, o prazo prescricional, in casu de três anos, começa o contar de novo, cinco dias esses que hão-de ser contados a partir do momento em que a citação era possível de ser efectuada, ou seja, após a penhora do vencimento da recorrente.
54 - O abuso do direito – art. 334.º do CC –, na modalidade da supressio, verifica-se com o decurso de um período de tempo significativo susceptível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido.
55 - O Banco exequente, ao deduzir processo executivo contra o avalista duma livrança em branco, 15 anos depois, e depois desse mesmo avalista ter abandonado a sociedade subscritora da livrança, e reportando-se as responsabilidades reclamadas, só conhecidas do embargante quando foi citado para a execução, age com manifesto abuso do direito, na modalidade da supressio.
56 - O embargante confiou que, tanto tempo depois de se ter desvinculado da sociedade subscritora, o Banco não accionaria o aval que prestou, e que estava tudo regularizado.
57 - Devia assim o Tribunal " a quo" ter julgado procedentes os embargos, e indeferido liminarmente a execução contra o aqui apelante por falta de titulo executivo por parte do exequente.
58 - O Tribunal " a quo" violou o disposto no artigo 10.º, n.º5, do Código de Processo Civil, “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.”
59 - O Tribunal " a quo" violou o disposto na alínea c) do art.º 703.º, do Código de Processo Civil.
60 - Com a decisão proferida, o Tribunal “a quo” cometeu erro na indagação dos factos e erro na apreciação da matéria de facto dada como provada, pelo que violou o disposto nos artigos 5º, 596º, 413º e 609º do Código de Processo Civil.
61 - Além disso, houve erro na interpretação dos factos dados por provados e contradição entre estes e a decisão final, em nítida violação do disposto no artigo 5º do C.P.C.
62 - Além disso, houve erro na interpretação dos factos e dos documentos e contradição entre estes e a decisão final, em nítida violação do disposto no artigo 607.º do C.P.C.
63 - Portanto, a douta sentença recorrida tem de ser substituída por outra que declare totalmente procedentes os embargos, dado que há nítida contradição entre a prova produzida pelo Apelante em audiência e no processo e a decisão final, pelo que a sentença violou o disposto nos artigos nos artigos 342.º Código Civil, 590.º, 596.º, 411.º e 547.º Código de Processo Civil, e seus basilares princípios.

Termos em que, e nos melhores de direito que V. (s) Exa. (s) doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, revogada a douta decisão em crise, tudo com as legais consequências, devendo a oposição à execução ser dada como totalmente procedente por provada, ordenando a extinção da execução.»
*
Foram apresentadas contra-alegações, pugnando o Recorrido X pela manutenção do decidido, com as seguintes conclusões:

«1. Nos termos do artigo 607º, nº 5, do CPC, o tribunal a quo aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção, ou seja, depois da prova produzida, o tribunal tira as suas conclusões, em conformidade com as suas impressões recém-colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as regras da ciência, do raciocínio, e das máximas da experiência, que forem aplicáveis;
2. O depoimento do Embargante, para além de parcial, não é suficiente para alterar a prova que se deu por assente;
3. A factualidade que foi dada como provada teve em consideração o teor dos documentos juntos aos autos, tais como o teor da livrança oferecida como título executivo nos autos principais de execução, o acordo de resolução junto aos presentes autos, o depoimento de parte do Executado/Embargante E. P. e o depoimento da testemunha E. F., oferecida pela Exequente;
4. O Executado não põe em causa que assinou a livrança que serve de título executivo aos presentes autos nem o contrato de locação financeira que lhe está subjacente até porque, como referiu, sempre assinou tudo o que lhe apresentavam e não estava preocupado com o contrato pois o que queria era trazer dinheiro para a empresa que dele necessitava;
5. A testemunha oferecida pela Exequente a Exma. Sra. D. E. F. referiu desconhecer qualquer alteração da morada contratual, não havendo ainda qualquer documento comprovativo de pagamento da dívida exequenda, pelo que a mesma se mantém nos termos reclamados;
6. A matéria constante das conclusões 9, 10, 11 e 12 das alegações de recurso apresentadas é nova e não foi alegada em sede de oposição à Execução, não tendo sido sujeita ao contraditório, pelo que não pode ser levada em conta em sede de recurso;
7. O Embargante era sócio gerente da sociedade devedora e que por tal não pode invocar desconhecimento do contrato celebrado;
8. O Embargante, em momento algum, coloca em causa o contrato celebrado com o Exequente ou a aposição da sua assinatura na Livrança dada à Execução e que serve de fundamento à presente Execução;
9. A livrança que constitui título executivo nos presentes autos, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 703.º do CPC, delimita o fim e os limites da ação, expondo sucintamente os factos que fundamentam o pedido e por isso preenchendo o formalismo previsto na alínea e) do n.º 1 do art.º 724.º CPC.
10. Não carece o Exequente de expor os factos que fundamentam o seu pedido porquanto os mesmos constam, exclusivamente, do título executivo;
11. O Requerimento Executivo preenche todos os requisitos previstos no art.º 724.º do CPC, não padecendo de qualquer ineptidão, assim o entendeu também o Tribunal a quo e assim se pronuncia também a doutrina a jurisprudência pelo deve improceder a alegação do Embargante;
12. Compete a quem invoca o preenchimento abusivo o ónus de alegar e provar os respetivos pressupostos, o que nos presentes autos não aconteceu;
13. Estabelece o artigo 70º da LULL que todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento;
14. Por sua vez, dispõe o artigo 323º do C.C. que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente;
15. Porém, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias;
16. Dado que livrança apresentada tem a data do seu vencimento em 2003.05.08 o prazo de prescrição ocorreria a 08.05.2006 e, tendo a exequente proposto a execução em 30/09/2004, deve ter-se tal prescrição por interrompida decorridos cinco dias após, ou seja, a 05/10/2004, uma vez que a citação do executado apenas foi concretizada posteriormente;
17. O mesmo se diga quanto à prescrição dos juros que também deverá improceder pelas mesmas razões decidindo-se pela não verificação da prescrição do título e pela proposição atempada da execução, fica prejudicada a apreciação da prescrição dos juros;
18. Quanto ao abuso de direito, sempre se dirá que uma decisão proferida pelo Tribunal não poderá, certamente, conduzir a um abuso de direto por parte da Exequente;
19. A matéria alegada nas conclusões 9, 10, 11, 12, 43, 44, 46 a 56, é nova e não foi discutida nos autos, nem sujeita a contraditório, pelo que não pode ser tida em conta em sede de recurso, nem pode ser tida em conta para avaliar de contradição ou nulidade da decisão proferida;
20. O Tribunal com a decisão proferida limitou-se a fazer cumprir as normas que regulam o título de crédito que foi dado à Execução e com tal decisão não violou qualquer norma das que o Embargante invoca;
21. Deverá a decisão ser mantida pois é fiel à prova produzida nos autos e conforme ao direito aplicável.»
*
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (arti-gos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

As questões a apreciar, são as seguintes segundo uma ordem lógica e de precedência face ao conhecimento das demais:

1ª- Aferir se se verifica a nulidade da decisão arguida;
2º- Saber se o requerimento executivo é inepto por não terem sido alegados os factos relativos à relação subjacente à livrança apresentada como título executivo;
3º- Saber se se verificam os requisitos quanto a um preenchimento abusivo da livrança e se para a sua aferição se justifica a apreciação da impugnação da matéria de facto, pressupostos os requisitos da sua admissibilidade;
4º- Saber se está prescrito o direito, bem como os juros e se para a sua aferição se justifica a apreciação da impugnação da matéria de facto.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO

1. Os factos

Factos considerados provados em Primeira Instância, assinalando-se a negrito – para melhor percepção- aqueles que, constando da decisão, se mostram impugnados na apelação:

A) A livrança dada à execução destinou-se a garantir o cumprimento integral das obrigações decorrentes do Contrato de locação financeira n.º ….3, relativo à aquisição de veículo automóvel da marca RENAULT, com a matrícula RZ celebrado, em 01/10/2001, entre a Exequente X – Instituição Financeira de Crédito, S.A., e a sociedade R. & A., Transportes de Comento, Lda, da qual, ente outros, o Executado/Embargante era sócio gerente e avalista.
B) Em simultâneo, o Executado/Embargante, na qualidade de sócio gerente, assinou o pacto de preenchimento junto aos autos, no qual expressamente autorizou a Exequente a preencher a livrança anexa ao dito contrato de locação financeira pelo valor correspondente ao saldo que for devido e demais acréscimos.
C) A sociedade subscritora da livrança, obrigou-se ao pagamento das rendas mensais, contudo, após o pagamento de 11 rendas, deixou de pagar as prestações vencidas.
D) Por o contrato se encontrar em incumprimento, entre a Exequente e a sociedade subscritora da livrança (a qual foi representada no ato pela sócia gerente, M. R.) foi celebrado, em 11/05/2004, um acordo de resolução do dito contrato de locação financeira.
E) A Exequente enviou a correspondência relativa ao incumprimento do dito contrato para a morada contratual (… – ... – ...).
F) A sociedade subscritora da livrança procedeu à entrega da viatura objeto do contrato de locação financeira antes da data em que foi efetuado o acordo de resolução do contrato supra mencionado.
G) O Executado não comunicou à Exequente a alteração de morada, desconhecendo esta que o Executado passou a residir no Lugar ..., n.º .. em ..., Vila Real.
*
Com relevância para a decisão do recurso, após consulta electrónica dos autos e consulta em suporte físico da execução (cuja remessa a este tribunal foi solicitada para consulta dada a inexistência de suporte físico dos primeiros actos praticados na execução), há que atender ainda aos seguintes factos:

- Nos embargos que interpôs, o embargante E. P. invocou, em súmula, a ineptidão do requerimento executivo, por falta de exposição dos factos que conduziram ao aparecimento da livrança, a qual se trata de uma livrança em branco preenchida posteriormente pela exequente; não se mostram explicados os valores indicados no requerimento executivo; a falta de título decorrente da relação jurídica subjacente, designadamente do contrato de financiamento que faz nascer a livrança e o pacto de preenchimento, relativamente aos quais não foi cumprido o dever de informação e comunicação; o abuso de preenchimento da livrança quanto ao valor, já que inexistem factos que alicercem o valor colocado na livrança; a incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda; a prescrição da acção cambiária, já que consta da livrança que o seu prazo de vencimento seria no dia 8 de maio de 2003, sendo certo que os executados apenas foram citados para a execução no mês de outubro de 2019; prescrição do valor reclamado a título de juros de mora.
- A exequente deduziu contestação onde pugna pela improcedência das excepções arguidas.
- A exequente X- Instituição Financeira de Crédito, SA instaurou execução contra “R. A.-Transportes de Cimento, Ldª”; E. P. e M. R., dando à execução como título executivo uma livrança subscrita por “R. A.-Transportes de Cimento, Ldª”, com data de emissão de 1.10.2001 e data de vencimento de 08.05.2003, com a indicação do tomador “X Leasing”, e a importância de 4.097.124$00, constando do seu verso os seguintes dizeres: «Bom por aval ao(s) subscritor(es), a preencher nos termos e condições do contrato a que a livrança se reporta e que são do meu/nosso conhecimento.”, seguida das assinaturas M. R. e E. P..
- Foi dada entrada da execução, na secretaria geral de execuções de Lisboa, em 30.09.2004.
- No modelo do requerimento executivo apresentado a exequente apôs uma cruz na quadrícula correspondente a «Exposição dos Factos» e «Constam Exclusivamente do Título Executivo»; na “Liquidação da Obrigação” apôs uma cruz e mencionou:
Valor Líquido – 20.436,37€
Valor Dependente de Simples Cálculo Aritmético – 1.499,42€

No quadro respeitante a «Se indicou valor dependente de cálculo (seja este ou não aritmético) exponha como foi ou foram obtidos esses valores» a exequente escreveu:
Juros de mora à taxa legal de 7% (Portaria 263/99, de 12 de Abril), calculados desde 2002.12.01 a 2003.04.30, no total de 587,90 (Quinhentos e oitenta e sete euros e Noventa Cêntimos).
Juros de mora à taxa legal de 4% (Portaria 291/03 de 8 de Abril, contados desde 2003.5.1 a 2004.06.07, no total de 911,52 (Novecentos e Onze Euros e cinquenta e dois cêntimos)

- Com data de 3.03.2006 foi proferido despacho a ordenar a citação dos executados para no prazo de 20 dias pagarem ou deduzirem oposição à execução (artigo 812º n.6 do CPC).
- O executado E. P. foi citado editalmente em Outubro de 2019 (cfr. citação de 4.12.2019- ref.ª elect. 2151134).
*
2- Nulidades da sentença:

Sustenta o apelante que a sentença proferida é nula por força do disposto pelo artigo 615º n.1 al. d) do CPC, já que deixou de se pronunciar sobre questões sobre as quais devia decidir e, designadamente, não se pronuncia quanto à prescrição do valor peticionado a título de juros, excepção sobre a qual não foi proferida decisão, e que não se confunde com a prescrição da ação cambiária.
Vejamos:
Muito sinteticamente, diz-se nula a sentença nos termos da al. d) do artigo 615º n.1 do C.P.C., quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta nulidade está interligada ao que se prescreve no art. 608º n.º 2 do C.P.C., segundo o qual: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.»
Existe uma distinção clara entre “questões a apreciar” e “razões” ou “argumentos” aduzidos pelas partes: «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão (1) .»
Como se salienta no Ac. do STJ de 7.09.2020 (2) «Com efeito, mostra-se uniforme o entendimento quanto a considerar que na expressão «questões» não se incluem os elementos, argumentos ou raciocínios utilizados, quer pelas partes, quer pelo tribunal, para a resolução das questões que efectivamente cumpre apreciar.
Igualmente tem vindo a ser pacificamente entendido que não há omissão de pronúncia sempre que a matéria tida por omissa ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada.
Acresce que nada obriga a que o tribunal aprecie todos os argumentos invocados pelas partes, impondo-se apenas que indique a razão que serve de fundamento à decisão proferida.».
Feitos estes breves considerandos e analisada a sentença, linearmente se constata carecer de sentido a nulidade arguida, porquanto nesta expressamente se aduz, após análise do instituto da prescrição e sua subsunção aos autos, que: «No caso em apreço, atenta a data do vencimento da livrança – 08/05/2003 – e a data da instauração da execução – 30/09/2004 – é por demais evidente que o direito cartular não se encontra prescrito pois que o prazo de prescrição ocorreria a 08/05/2006, contudo, tal prescrição tem-se por interrompido decorridos cinco dias após a data de instauração da execução, ou seja, a 05/10/2004.
Com efeito, interrompendo-se o prazo de prescrição cinco dias após a data da propositura da ação (uma vez que não se vislumbra que a citação do Executado/Embargado, que apenas ocorreu em outubro de 2019, se tenha ficado a dever a qualquer conduta negligente da Exequente nos termos invocados no douto articulado de oposição, nos termos do art. 323.º, n.º 1 e 2 do Código Civil), é forçoso concluir que o prazo de prescrição de 3 anos não se completou integralmente, o mesmo acontecendo com a prescrição dos juros, a qual se julga também improcedente.
Razão pela qual, e sem necessidade de maiores considerações, importa julgar improcedente a invocada exceção de prescrição, o que se decide.» (negrito nosso).
De facto, independentemente do mérito do decisório, e é disso que os Embargantes se queixam – de um eventual erro de julgamento - que aqui não está em apreciação e que o apelante convoca confundindo-o com a arguição de nulidade, linearmente se extrai da motivação da decisão que a questão da prescrição dos juros foi alvo de apreciação e decisão, pelo que se mostra votada ao insucesso a sua invocação.
A aferição da bondade do decidido será efectuada infra.

3. Ineptidão do requerimento executivo:

A este propósito a apelante sustenta que o requerimento executivo é inepto, porquanto dele não consta a exposição dos factos que conduziram ao aparecimento da livrança, ao seu preenchimento nos termos em que se apresenta, visto que se encontrava em branco e tendo origem num contrato de financiamento não foi explicado como se chegou àqueles valores; a exequente não expôs os factos em que assenta o preenchimento e os valores reclamados, sendo que tal quantia não é certa, liquida nem exigível.
Na sentença escreveu-se a este propósito, que: «Dispõe o art.724.º nº 1 alínea e) do CPC que “no requerimento executivo dirigido ao tribunal de execução, o exequente expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido quando não constem do título executivo (…)”.
No caso em apreço, o título executivo apresentado nos autos principais traduz-se numa livrança preenchida com o valor em dívida indicado no requerimento executivo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
A livrança é um título de crédito que consubstancia, por si só, uma promessa feita, no título, pelo subscritor de pagar ao tomador ou à sua ordem uma quantia determinada, desde que estejam observados todos os requisitos previstos na LULL.
Nestes moldes sendo apresentada como título de crédito, a livrança constitui um título executivo em que impera a característica da abstração, pelo que é enquadrável no art. 703.º alínea c) do CPC e na parte final do art.724.º nº 1 alínea e) do mesmo diploma legal, dispensando-se a alegação da factualidade subjacente ou fundamental.
Assim, consideramos que não se verifica a exceção dilatória do requerimento executivo prevista no art.186.º do CPC.»
Concordamos com a conclusão vertida na decisão porquanto, face ao título dado à execução e seu teor, não poderá deixar de se considerar improcedente a alegada ineptidão.
Senão vejamos:
A presente execução foi instaurada em 30 de Setembro de 2004, pelo que há que convocar, quanto a esta questão, as regras da acção executiva no âmbito da vigência do DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (que procedeu à revisão e republicação do C.P.C. de 1961), com as alterações introduzidas até esse momento mormente pelo DL n.º 38/2003, de 08 de Março, e, designadamente, o disposto no artigo 810º n.3 als. b) e c) e n.4, que assim prescrevia quanto aos requisitos do requerimento executivo e para o que ora releva:
(..) «3- O requerimento executivo deve conter os seguintes elementos, além dos referidos nas alíneas b), c), e) e f) do n.º 1 do artigo 467.º, bem como na alínea c) do n.º 1 do artigo 806.º:
(…)
b) Exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo;
c) Liquidação da obrigação, nos termos do n.º 1 do artigo 805.º, e escolha da prestação, quando ela caiba ao credor; (…)
4- Sem prejuízo da apresentação de outros documentos, o requerimento executivo deve, além do referido no n.º 3 do artigo 467.º, ser acompanhado do título executivo e dos documentos ou títulos que tenha sido possível obter relativamente aos bens penhoráveis indicados.» (negrito nosso).
Por seu turno, estabelecia o artigo 46º n.1 al. c) que constituíam títulos executivos «os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético» (…) E o n.2, que, «consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante».
No requerimento executivo apresentado nos autos ( através do modelo a que alude o n.2 do artigo em referência e que foi aprovado pelo D.L. 200/2003 de 10.09), o exequente assinalou na quadrícula referente à exposição dos factos, que estes constam exclusivamente do título executivo, juntando a este requerimento o original da livrança dada como título executivo e subscrita por “R. A.-Transportes de Cimento, Ldª”, com data de emissão de 1.10.2001 e data de vencimento de 08.05.2003 e a importância de 4.097.124$00, constando do seu verso os seguintes dizeres: «Bom por aval ao(s) subscritor(es), a preencher nos termos e condições do contrato a que a livrança se reporta e que são do meu/nosso conhecimento.”, seguida das assinaturas M. R. e E. P..
No modelo do requerimento executivo apresentado a exequente apôs uma cruz na quadrícula correspondente a «Exposição dos Factos» e «Constam Exclusivamente do Título Executivo».
Perante a referida factualidade a questão que se coloca é a de saber se a junção ao requerimento executivo do título executivo em questão - livrança, com os dizeres que neste constam- era suficiente, ou se ao invés, o requerimento executivo é inepto por deste não constar a exposição de factos em que assenta o preenchimento e os valores aí indicados, como defende o apelante, o que desde já adiantamos, carece de razão.
Na verdade, a exequente traz à execução uma livrança de que é portadora legítima, sendo que esta qualidade não está colocada em causa, que foi subscrita, em branco, por “R. A. -Transportes de Cimento, Ldª” à qual deram o seu aval, entre outros, o aqui embargante/apelante E. P., e que como se evidencia pela simples inspecção do título, no seu verso apôs, pelo seu próprio punho, a sua assinatura imediatamente a seguir aos dizeres « Bom por aval ao(s) subscritor(es), a preencher nos termos e condições do contrato a que a livrança se reporta e que são do meu/nosso conhecimento». Facto aliás que o embargante reconhece, centrando a sua defesa, como vimos, na circunstância de desconhecer os factos em que assentou o contrato causal que determina o âmbito da sua responsabilidade, mas sem razão.
Como se salienta no Ac. R.P. de 23.11.2020, in www.dgsi.pt «Frequentemente, aos contraentes não convém, por razões várias (mas quase sempre relacionadas com o desenvolvimento da relação subjacente), estabelecer, de imediato, uma obrigação cambiária, limitando-se a criar as condições para a emissão futura de uma letra de câmbio ou de uma livrança.
Exigências mínimas para que tal aconteça são, por um lado, que o instrumento (letra ou livrança) contenha, desde logo, a assinatura de, pelo menos, um dos obrigados cambiários e, por outro, que, com a sua entrega, o legítimo portador seja investido em poderes de preenchimento dos elementos em falta (normalmente, o montante e a data de vencimento). Para tanto, o adquirente imediato do título e o subscritor (geralmente, o aceitante na letra de câmbio e o emitente na livrança) definem as condições de preenchimento e obrigam-se a respeitá-las através de um pacto que, frequentemente, é reduzido a escrito, mas que pode, simplesmente, resultar das circunstâncias do negócio».
In casu e como se verifica do verso da livrança, os avalistas deram, desde logo, a sua anuência ao respectivo preenchimento nos termos e condições do contrato a que a livrança se reporta e que declararam ser do seu conhecimento.
De facto, o documento que serve de suporte à ação executiva reveste natureza cambiária e é legalmente qualificado como livrança (cfr. artigo 75º, da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças – doravante, abreviadamente, LULL.), o qual, após o seu preenchimento, reúne todos os requisitos, mormente de certeza, liquidez e exigigibilidade para que lhe seja conferida força executiva (3).
Estamos, assim, perante uma acção cambiária directa, mediante a qual o Banco exequente intentou a presente acção contra o subscritor e contra os avalistas deste, na sua vertente executiva, o que podia fazer nos termos do artigo 48º e 77º da LULL e artigo 46º n.1 al.c) já que o título em questão reúne as condições de exequibilidade neste previstas (4).
De facto, está em causa um título de crédito dotado das características da incorporação, literalidade, abstração e autonomia. O crédito cambiário está compenetrado com o documento, sendo a titularidade deste que decide a titularidade daquele, decorrendo do princípio da abstração que a relação cartular se distingue da relação jurídica fundamental, de tal modo que a assunção da obrigação cartular não determina a novação da obrigação subjacente, que não se presume, devendo ser demonstrada, funcionando, portanto, como datio pro solvendo (neste sentido, Abel Delgado, Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças Anotada).
O título abstrai da obrigação subjacente, tal não significa, porém, que a obrigação cambiária exista sem causa: a obrigação abstrata significa apenas uma obrigação cuja causa não está determinada ou não é necessário determinar; apesar de abstratos os títulos de crédito têm uma causa, mas, ao contrário do que acontece nos títulos causais a causa não exerce uma influência decisiva, direta e imediata na vida do título (Pinto Coelho/Guilherme Moreira, Letras, Volume II, p.46).
A livrança constitui um título de crédito à ordem que consubstancia uma promessa de pagamento pela qual o emitente, subscritor ou sacador se compromete a pagar determinada importância em certa data a certa pessoa (75º n.7 e 78º da LULL).
Desse modo, uma livrança, enquanto título de crédito que contenha os requisitos essenciais referidos nos artigos 75º e 76º da LULL constitui título cambiário autónomo e abstracto, integrado no elenco dos títulos executivos que, pode ser dada à execução de per si, sem a alegação da relação jurídica subjacente, da qual o título cambiário se abstrai, já que o título incorpora o direito nele representado, com plena autonomia da relação fundamental subjacente (5).
Em suma, o legítimo portador do título de crédito pode desse modo intentar a execução, como sucedeu in casu, com base exclusivamente na obrigação cambiária, estando assim dispensado de invocar a relação causal subjacente à emissão deste título. O título de crédito vale pelo que dele consta, sendo independente da relação causal e é por este título que se determinam os fins e os limites da acção executiva (art. 45º n.1 do CPC vigente à data da instauração da execução).
Como se salienta no Ac. R.E. 28.06.2017 in www.dgsi.pt «Tratando-se de títulos que valham como títulos de crédito, verificando-se a unidade entre a relação jurídica cambiária e a relação jurídica subjacente (princípio da incorporação) e valendo a relação cambiária independentemente da causa que lhe deu origem (princípio da abstração), atento ainda o regime conjugado decorrente dos arts. 703.º, n.º 1, al. c) e 724.º, n.º 1, al. e), do CPC, cabe concluir que uma livrança, enquanto título de crédito, pode ser dada à execução de per si, sem a alegação da relação jurídica subjacente, da qual o título cambiário se abstrai.»
Ou ainda no Ac. R.C. de 7.02.2017 in www.dgsi.pt « A livrança corresponde a um título de crédito que, como tal, incorpora uma obrigação cambiária, literal, autónoma e abstracta, que existe nos termos que constam do título e independentemente da relação subjacente que deu origem à sua emissão. Com efeito, apesar de a obrigação cambiária pressupor a existência de uma relação jurídica anterior (relação subjacente ou fundamental) de onde decorre a obrigação que dá causa e origem à emissão do título, a obrigação cambiária, uma vez constituída, separa-se e destaca-se da relação subjacente, tudo se passando como se fosse uma obrigação sem causa.
Assim, porque a obrigação cambiária é uma obrigação literal e abstracta, que decorre do título que a incorpora, o credor que exige o respectivo pagamento não carece de invocar a sua causa (a relação subjacente ou fundamental) e, portanto, poderá limitar-se a apresentar o título que incorpora a obrigação, correspondendo esta obrigação cambiária à causa de pedir da acção/execução onde se exige o seu cumprimento.
É certo, portanto, que o Exequente, enquanto portador da aludida livrança pode exigir aos obrigados cambiários o cumprimento (pagamento) da obrigação cambiária que nela está incorporada, sem necessidade de alegar e provar a existência e os contornos da relação jurídica que lhe esteja subjacente (já que, como se disse, a obrigação cambiária existe por si e independentemente da relação jurídica que deu origem à sua constituição).»
O recorrente/embargante assinou a livrança enquanto avalista do subscritor, facto não colocado em causa, e prestando o aval a obrigação do avalista consubstancia uma garantia do pagamento da obrigação cambiária avalizada, no seu vencimento, e não da obrigação subjacente (artigos 30º a 32º da LULL).
Diz-nos o artº 32º do LULL que os avalistas são responsáveis da mesma forma que a pessoa por si avalizada e que a sua obrigação se mantém, mesmo no caso de a obrigação garantida ser nula por qualquer razão que não um vício de forma, ou seja, por vícios respeitantes ao próprio título de crédito, nomeadamente e, reportando-nos às livranças, pela ausência dos requisitos essenciais referidos nos artºs 75º e 76º da LULL.
A obrigação do avalista é, assim, de garantia do pagamento da obrigação cambiária avalizada no seu vencimento e não da obrigação causal (relação extra-cartular). A obrigação do avalista é uma garantia autónoma, constituindo um verdadeiro negócio cambiário, já que o dador do aval não se limita a responsabilizar-se pela pessoa por quem dá o aval, mas assume a responsabilidade do pagamento da letra (6).
Deste modo, a livrança desde que contenha os requisitos essenciais previstos no artº 76º da LULL, vale como título executivo, sem que do título, ou do requerimento executivo, tenha de constar a obrigação subjacente, ou a menção a eventuais acordos celebrados relativamente ao seu preenchimento, ou qualquer facto relativo ao vencimento da obrigação causal.
Feitos estes considerandos e reportando-os à situação dos autos, linearmente se constata que o título cambiário apresentado, a livrança exequenda contém todos os requisitos para produzir efeito como livrança, (cf., art. 76º da LU), nem este aspecto é questionado pelo embargante, pelo que o exequente, como portador legítimo da mesma, podia, como fez, limitar-se a apresentar o título que incorpora a obrigação, correspondendo a obrigação cambiária à causa de pedir da execução onde se exige o seu cumprimento, encontrando-se por isso dispensado de alegar a causa e os contornos da relação jurídica que lhe está subjacente (a relação subjacente).
Por outras palavras, o exequente e ora apelado, podia como o fez dar como título executivo a aludida livrança contra os obrigados cambiários, subscritor e avalistas, a qual se mostra assinada pelo subscritor e pelos dadores do aval e contém as datas de emissão e de vencimento e o valor de 4.097.124$00, correspondente à quantia em euros de 20.436,37€, indicada como valor líquido, sem que tivesse que alegar a relação jurídica subjacente ou explicitar os fundamentos em que assentou o respectivo preenchimento ( questão a que voltaremos infra a propósito do seu preenchimento abusivo e que não releva quanto à questão em apreciação referente à ineptidão do requerimento executivo), bastando-lhe como o fez indicar que os factos constam exclusivamente do título executivo.
Acresce que a quantia exequenda se mostra liquidada (artigos 802º e 805º do CPC/61) considerando o valor do título e que, aquele que é indicado a título de juros, mostra-se devidamente explicitado quanto ao cálculo efectuado, pelo que é certa, líquida e exigível.
Em sede conclusiva, a livrança dada à execução, avalizada pelo embargante, tem natureza de título executivo, sendo este cabal à demonstração da relação cambiária, literal e abstracta que constitui a verdadeira causa de pedir da acção executiva, pelo que, contrariamente ao pugnado pelo recorrente, basta-se enquanto tal, encontrando-se o exequente dispensado da alegação complementar, no requerimento executivo, dos factos constitutivos da relação subjacente, inexistindo, por isso, a arguida ineptidão do requerimento executivo.
Sustenta, outrossim, que a livrança dada à execução se trata de uma livrança em branco, preenchida posteriormente pela exequente sem que no requerimento tenha exposto os factos em que assentou o preenchimento e os valores, pelo que tendo a sua origem num contrato de financiamento, cujo exemplar o embargante não dispõe e cujos termos não lhe foram comunicados, estando o título sujeito às vicissitudes daquele cuja convenção de preenchimento da livrança também não define, nem determina em concreto, inexistindo factos para determinar o objecto da responsabilidade do executado, mormente o seu limite máximo.
Lendo as alegações do apelante ficamos sem perceber o que verdadeiramente pretende, já que não aduz qualquer factualidade concreta que permitisse subsumir a alegação que efectua, que é meramente genérica, dubitativa e conclusiva, a um eventual preenchimento abusivo da livrança, o qual parece pretender invocar, situação de omissão factual que tem a sua origem, desde logo, na petição de embargos. Não basta para tal alegar que desconhece se o valor indicado é o reflexo da sua situação pessoal perante a exequente; desconhece os termos do contrato de financiamento, cujos termos não lhe foram comunicados ou fornecida cópia, não tendo a convenção de preenchimento acrescentado nada a esta lacuna, pois desta não constam as cláusulas do contrato de financiamento e, designadamente, o limite máximo da obrigação; ou que a quantia ali colocada apenas se atingiu com a soma de valores a título dos “demais encargos e despesas emergentes do contrato”, inexistindo factos que alicercem tal valor.
Na verdade, é pacífico na jurisprudência que, a alegação e prova de que a livrança apresentada e avalizada pelo executado/embargante se trata de uma livrança em branco, de que foi efectuado um pacto de preenchimento e de que nele teve intervenção o avalista e a concreta forma e medida em que tal pacto foi violado, constitui um ónus cuja alegação e prova cabe ao embargante/avalista, por se tratarem de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito emergente do título de crédito – artigo 342º n.2 do Código Civil- sob pena de permanecer incólume a obrigação cambiária que resulta da literalidade do título de crédito dado à execução (artigos 378º e 458º do Código Civil) (7).
De facto, e não obstante o aval ser uma garantia dada pelo avalista à obrigação cambiária e não à relação causal, intervindo este (avalista) no pacto de preenchimento e encontrando-se o título no domínio das relações imediatas, assiste ao avalista o direito de excepcionar o preenchimento abusivo do título, cabendo-lhe então o ónus de alegação e prova dos factos atinentes, pois de uma excepção material se trata.
A existência de um acordo de preenchimento e a sua inobservância, assume natureza de excepção peremptória, uma vez que traduz a alegação de um facto impeditivo do direito do credor (Acórdão do STJ de 10.12.2019, P. 814/17), sendo certo que, intervindo ( e só nesta situação) no pacto de preenchimento (ou no contrato causal no qual estejam definidas as condições do preenchimento) e estando o título no domínio das relações imediatas (quando entre o portador e os obrigados cambiários não se interpõe qualquer outro e quando os sujeitos da relação cambiária são os sujeitos da relação causal), o executado/embargante/avalista poderá opor ao exequente/embargado a violação desse pacto de preenchimento quanto às condições do respectivo preenchimento (8), tendo de alegar, com factos susceptíveis de prova, uma ou mais violações em concreto e de as provar.
De facto, contrariamente ao que pugna o recorrente, era sobre si que impendia tal ónus de alegação e prova e não sobre o exequente. Nessa medida, e como elucidativamente se expõe no Ac. da Relação de Coimbra de 15.12.2021, in www.dgsi.pt « (…) apresentado título de crédito para pagamento da obrigação cambiária dele constante, contra os subscritores e avalistas, pretendendo os avalistas opor ao portador os meios de defesa baseados na relação causal e em eventual violação de pacto de preenchimento, terão de alegar nos respectivos embargos que apresentem, que a livrança não entrou em circulação e, por essa via, os factos concretos referentes a eventual pacto de preenchimento da livrança, ou as excepções opostas à relação causal.
Não necessitando, conforme refere ABEL DELGADO[9], o pacto de preenchimento de revestir forma escrita, podendo inclusive ser um acordo tácito, porque da sua violação, resultam efeitos extintivos ainda que parciais da obrigação exequenda, já que conforme defende PAULO SENDIM[10], a obrigação peticionada ficará reduzida aos termos acordados no pacto, segundo o brocardo utile per inutile non vitiatur.
Nesta medida, pretendendo o embargante invocar meios de defesa com base nessa relação causal e nos acordos outorgados com vista ao preenchimento da livrança, deverá, sob pena de indeferimento liminar dos embargos, alegar os factos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito que o exequente pretende exercer (artº 342º, nº 1 e 2 do C.C.).
Este ónus de alegação dos factos essenciais e constitutivos dos fundamentos de embargos, não pode ser suprido nem por despacho de aperfeiçoamento, nem por eventual contestação que venha a ser oposta pelo exequente (à semelhança da possibilidade prevista para as petições iniciais, no artº 186º, nº 3 do C.P.C.), uma vez que a sua existência é condição prévia de admissão dos embargos.
Acresce que, prevendo a lei, em casos especiais, a inversão do ónus de prova, não prevê a inversão do ónus de alegação, de indicação concreta dos factos que integram as excepções de direito material, opostas à obrigação causal.» (…)
Destarte e como aí se refere, mais adiante « o ónus de alegação e prova da existência e conteúdo do pacto de preenchimento, cabe ao executado/embargante, como lhe caberá face à autonomia, abstração e literalidade do título, o ónus de alegação e prova dos factos relativos à relação causal. Não basta assim, ao embargante, alegar de fora genérica e vaga a existência de exceções de direito material, opostas ao título, impondo-se-lhe a alegação de factos jurídicos concretos, que então se enquadrarão na respectiva norma jurídica, permitindo ao tribunal que se pronuncie sobre o mérito da causa, quer em sentido positivo, quer em sentido negativo.»
Reportando à situação em apreço, lida e relida a petição de embargos em vão se surpreende a alegação de quaisquer factos concretos relativos ao pacto de preenchimento ou ao contrato de financiamento, que, aliás, não se mostra junto aos autos, tudo levando a crer, considerando os dizeres apostos no verso da livrança, que as condições de preenchimento da livrança serão as que resultam deste último, já que nesta os avalistas apuseram pelo seu punho a sua assinatura por baixo dos dizeres « Bom para aval ao (s) subscritor(es) nos termos e condições do contrato a que a livrança se reporta, e que são do meu/nosso conhecimento.» (negrito nosso).
Deste modo, dificilmente se compreende a alegação, reiteremos genérica, vaga e conclusiva do apelante ao sustentar o desconhecimento do seu conteúdo, “alcance real” e falta de informação/comunicação do teor do contrato causal, sem que, em momento algum, alegue factualmente o concreto e real teor do negócio jurídico celebrado e seus intervenientes, os termos e condições do mesmo e as que foram acordadas quanto ao preenchimento da livrança, bem como, inexiste qualquer alegação dos factos aos quais subsume o alegado incumprimento pela exequente no preenchimento da livrança, o que afasta também a invocação efectuada, nos mesmos moldes genéricos e não concretizados, de um alegado incumprimento do dever (a existir, o que se desconhece nos termos expostos) de comunicação e informação de uma qualquer concreta cláusula do mesmo, o que, sem mais, faz improceder tal alegação.
Na verdade, inexiste qualquer relato factual e descritivo na petição de embargos que permita concluir que o título cambiário não devia ter sido preenchido (por não se verificarem os pressupostos do pacto que permitem o preenchimento) ou que o seu preenchimento pela exequente foi efectuado de forma incorrecta, mormente face ao estado do incumprimento e valores devidos em função do mesmo). E, não se diga que tal alegação ficaria suprida com os factos que o apelante, pretende agora em sede de recurso, que fossem aditados por este tribunal ad quem à factualidade provada na decisão proferida, porquanto para além de absolutamente inócuos (9) à decisão quanto a um eventual preenchimento abusivo da livrança, em vão se alcança, lida e relida a petição de embargos, a sua concreta alegação nesta peça processual, como sempre se imporia nos termos acima expostos.
Na verdade, dar como provado que: «1 - A empresa fechou em 2013 por causa da crise dos combustíveis; 2 – O Executado à acerca de 6/7 anos divorciou-se, estando separado de facto desde 2007/2008, 3 – Foi a mulher do executado que pagou as dívidas apesar de não ter documentos comprovativos de tal pagamento, os quais, a existirem, estarão com a ex-mulher uma vez que era ela que tratava da parte burocrática. 4 – O executado nunca ocultou a sua morada; 5 – A morada do executado consta de todos os registos do estado, sendo facilmente obtida. 6 – O executado não assinou qualquer obrigação de manter a morada no local da empresa.», é absolutamente irrelevante, nos termos expostos, à decisão quanto ao referido preenchimento da livrança, o que, sem prejuízo da já referida falta de alegação oportuna e tempestiva dos mesmos, sempre conduziria à inutilidade da sua apreciação, inutilidade essa que se estende, como veremos de seguida à apreciação da excepção da prescrição.
Em sede conclusiva, não tendo os embargantes alegado e, consequentemente provado, quaisquer factos relativos ao acordo de preenchimento da livrança e à obrigação causal (na qual tivessem intervenção) que permitissem infirmar a bondade do seu preenchimento pela exequente, nos termos que dela constam, e, portanto, não tendo logrado demonstrar que ocorreu um preenchimento abusivo da livrança, mais não resta que concluir, nos termos expostos na sentença recorrida, pela improcedência da referida excepção.

4º- Prescrição do crédito e dos juros de mora/ abuso de direito:
Sustenta o apelante que tendo sido citado em outubro de 2019, tendo a livrança como data de vencimento o dia 8 de Maio de 2003 e a acção sido intentada em 30 de setembro de 2004 (facto aceite pelas partes), se terá de considerar a acção prescrita, uma vez que, contrariamente ao decidido, o atraso na citação é imputável ao exequente dada a sua total inércia no desenrolar do processo, pelo que o n.2 do artigo 323º do código Civil não poderá ser aplicado ao caso concreto, sustentando, para tal, que o exequente conhecia a morada do executado que indicou no requerimento executivo, resultando da movimentação dos autos, mormente datada de 4.05.2010, a inércia do exequente na sua falta de impulso e que a considerar-se interrompida a prescrição ao fim de cinco dias, o referido prazo prescricional começa a contar-se de novo.
Argui, ademais, abuso de direito na modalidade da supressio, face ao tempo decorrido até à citação e expectativa criada que o direito não seria exercido, pois o embargante há muito havia abandonado a sociedade subscritora da livrança (entretanto extinta) e as responsabilidades reclamadas apenas foram conhecidas após o seu acionamento, mais de 15 anos depois da sua subscrição.
Nas suas contra-alegações a recorrida pugna pela improcedência de tal alegação considerando que o retardamento na efectivação da citação não lhe pode ser imputado, resultando de razões de ordem judiciária e processual; a matéria alegada pelo recorrente é matéria nova não discutida nos autos, inexistindo abuso de direito.

Que dizer:
Na decisão recorrida foi a referida excepção de prescrição julgada improcedente por se ter entendido que o prazo de prescrição se interrompeu, aduzindo-se para tal, além do mais, que: «O direito cartular está sujeito a prazos de prescrição extintiva, nos termos do art. 70.º da LULL, sendo tais prazos diferentes, consoante as posições dos sujeitos cambiários.
Assim, e no que ao caso interessa, verifica-se a prescrição do direito de acção contra o aceitante no prazo de 3 anos a contar do vencimento. Os avalistas estão sujeitos aos mesmos termos dos seus avalizados (art. 32.º da LULL).

No caso em apreço, atenta a data do vencimento da livrança – 08/05/2003 – e a data da instauração da execução – 30/09/2004 – é por demais evidente que o direito cartular não se encontra prescrito pois que o prazo de prescrição ocorreria a 08/05/2006, contudo, tal prescrição tem-se por interrompido decorridos cinco dias após a data de instauração da execução, ou seja, a 05/10/2004.
Com efeito, interrompendo-se o prazo de prescrição cinco dias após a data da propositura da ação (uma vez que não se vislumbra que a citação do Executado/Embargado, que apenas ocorreu em outubro de 2019, se tenha ficado a dever a qualquer conduta negligente da Exequente nos termos invocados no douto articulado de oposição, nos termos do art. 323.º, n.º 1 e 2 do Código Civil), é forçoso concluir que o prazo de prescrição de 3 anos não se completou integralmente, o mesmo acontecendo com a prescrição dos juros, a qual se julga também improcedente.»
A decisão proferida merece a nossa concordância, porquanto encontrando-se o cerne da questão no facto interruptivo a tramitação evidenciada pelos autos não permite infirmar o juízo formulado, contrariamente ao que pugna o apelante.
De facto, não se mostra questionado que o prazo de prescrição aplicável, que por força dos artigos citados na decisão (artigos 70º ex vi 77º e 32º da LULL), é de 3 anos a contar do vencimento da livrança (10), ou seja, no caso desde 8.05.2003 e que a execução foi instaurada em 30.09.2004, vindo o executado a ser citado editalmente apenas em 2019 (cfr. docs. Citação juntos 4.12.2019- ref.ª elect. 2151134).
Se de facto resulta incontornável que o exequente interpôs a execução muito antes do decurso do prazo de prescrição do direito, na verdade, cerca de 1 ano e 7 meses antes do fim do prazo, o fulcro da questão centra-se como já adiantado, na sua interrupção, considerando que só em outubro 2019, o executado veio a ser citado (editalmente) para a execução.
Diz-nos, para o que ora releva, o artigo 323º nos seus n.ºs e1 e 2 do Código Civil (11) que: «1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. (…)»
Atentando no normativo em referência, pode concluir-se, que, para que se tenha por verificada a interrupção da prescrição a lei não exige uma diligência excepcional do autor/exequente, pedindo-lhe apenas que o requerimento de citação dê entrada em juízo cinco dias antes do fim do prazo de prescrição e, caso a citação não se efective dentro desse período de tempo, que não lhe seja imputável a causa dessa demora, sendo entendimento unânime da jurisprudência, que a expressão «causa não imputável ao requerente», usada naquele artigo, deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva (12), só excluindo a interrupção da prescrição quando aquele tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação, sendo necessário que se demonstre existir um nexo objectivo de causalidade entre o comportamento processual do requerente, após a apresentação do requerimento de citação, e o facto desta ter sido concretizada para além do 5.º dia após a apresentação daquele.
Este normativo consagra, assim, um regime especial de interrupção da prescrição sempre que a mesma deva ocorrer através da citação, contemplando uma citação “ficta” após o decurso de 5 dias posteriores à propositura da acção (sendo pressuposto que o prazo de prescrição ainda esteja a decorrer nos cinco dias posteriores à propositura da acção), se a citação não se fizer dentro desse prazo depois de ter sido requerido e que o retardamento na sua efectivação (nesse prazo de cinco dias) não seja imputável ao autor/exequente.
Reportando as considerações tecidas à situação dos autos, resulta inquestionável que, quando o embargante foi citado, em outubro de 2019, há muito havia decorrido o prazo de prescrição de 3 anos a contar da data de vencimento da livrança – 8.05.2003- pelo que o cerne da questão é, como adiantámos, o de saber se se pode considerar, como decidido na decisão recorrida, que decorridos cinco dias sobre a data da instauração da execução - 30 de setembro de 2004 - se tem por interrompido o prazo prescricional em curso, para o que se deverá atentar na tramitação inicial dos autos de execução e às normas processuais aplicáveis à data, mormente o disposto pelos artigos 812º e 812º-A n.1 (a contrario) do Código de Processo Civil/61, redacção do D.L. 38/2003 de 8.03, de onde resulta que estando em causa uma execução para pagamento de quantia certa, com base num documento particular- livrança-, excedendo o montante da dívida exequenda – 21.935,79 € - a alçada do Tribunal da Relação, que à data era de € 14.963.94 (art. 24º, nº 1, da Lei 3/99, de Janeiro LOTJ/99 na redacção anterior à alteração ao artigo 24º n.1 efectuado pelo D.L. 303/2007 de 24.08 que a alterou para 30.000,00€), se estava perante uma execução cujo processo tinha de ser concluso ao juiz para despacho liminar (citação prévia) (13).
Sucede que após a distribuição da acção (ocorrida em 6.10.2004
(14)), os autos apenas foram conclusos ao juiz para despacho liminar em
3.03.2006, por razões que se desconhecem (dos autos apenas consta uma cota lavrada por funcionário judicial em 1.03.2006 na qual se escreveu “consigno nos presentes autos que atendendo à elevada acumulação de serviço só nesta data me foi possível verificar se os mesmos estão correctamente autuados”), data em que foi proferido despacho a ordenar a citação dos executados para, no prazo de 20 dias, pagarem ou deduzirem oposição à execução, nos termos do artigo 812º n.6 do C.P.C./61 (15).
Perante a factualidade que resulta dos autos é manifesto que não se mostram verificados factos que permitam imputar ao exequente culpa na falta de efectivação da citação nos cinco dias subsequentes à entrada da acção executiva em juízo (16), constituindo jurisprudência uniforme a de que a citação efectuada para além do 5º dia, após aquele em que for requerida, não é imputável ao respectivo requerente quando a demora é devida a motivos de índole processual, de organização judiciária, do tribunal ou dos seus funcionários, acumulação de serviço ou outras circunstâncias anómalas, circunstâncias que estão fora da alçada e domínio da parte/no caso do exequente (17).
Nesse sentido refere-se no Ac. R.P. de 7.10.2021, in www.dgsi.pt (18) «(…) não resultando dos autos qualquer evidência sobre a responsabilidade da exequente no atraso da citação, tem de considerar-se a prescrição por interrompida cinco dias após a entrada em juízo do requerimento executivo (equivalente, para todos os efeitos, ao pedido de citação dos executados), sendo irrelevante, nesta circunstância, a data em que o executado foi efectivamente citado para os termos da execução.
Esta questão tem particular acuidade no contexto actual do desenvolvimento da acção executiva, que escapa por completo à capacidade de controle dos exequentes, que não têm meios para a tornar mais célere ou de a adaptar àqueles que são seguramente os seus interesses: a cobrança coerciva célere do seu crédito.
Como bem refere o tribunal recorrido, não é previsível ou expectável, à luz de critérios de normalidade, que a citação, ainda que a efectuar após a penhora, demore mais de cinco anos a concretizar-se ou que, numa execução instaurada em Junho de 2004, seja praticado o primeiro acto útil em 2017, inexistindo qualquer responsabilidade da exequente no apontado atraso, designadamente uma qualquer inércia que haja impossibilitado o normal andamento dos autos, que se limitaram a seguir a sua normal (lenta) tramitação.
A prescrição, como a caducidade, constituem mecanismos de censura do titular do direito por omissão prolongada no seu exercício.
A consagração destes institutos tem como fundamento a negligência do titular do direito em fazer valer esse mesmo direito durante um determinado lapso de tempo, permitindo presumir-se que o titular pretende renunciar a esse direito, ou pelo menos, considerar que o titular, após aquele período, se torna indigno de protecção jurídica. Subjacente à consagração deste instituto encontram-se também as ideias de certeza e segurança jurídica - cfr. Vaz Serra “Prescrição e caducidade”, in BMJ 105-32.
Se a exequente, munida de um título com vencimento em Dezembro de 2003, dá início à acção executiva meses depois, nenhuma censura lhe pode ser dirigida, inexistindo qualquer acto que lhe seja imputável e que possa estar na origem da tardia interpelação judicial dos executados para os termos da acção, não podendo os credores, munidos de um título executivo que lhes deveria conferir uma garantia de celeridade na obtenção do pagamento do seu crédito, ser responsabilizados pela entropia própria da acção executiva, cuja reconhecida ineficiência assenta em causas totalmente estranhas ao interesse, vontade e impulso útil dos credores/exequentes, como sucede no caso concreto dos autos principais.
Assim, ao abrigo do citado artigo 323º, n.2 do Código Civil, tem-se por interrompido o prazo de prescrição cinco dias após a entrada do requerimento executivo em juízo, motivo pelo qual inexiste qualquer prescrição a declarar.»
Na situação dos autos o exequente instaurou a execução muito antes da data em que ocorreria a prescrição do direito, cerca de 1 ano e 7 meses antes - aquela só ocorreria em 8.5.2006- e, como é sabido, o exequente não tem o poder de controlar o momento em que o agente de execução efectua a citação do executado, não sendo minimamente expectável que a citação ocorresse apenas cerca de quinze anos depois, pelo que inexistindo qualquer facto que permita imputar-lhe o atraso na citação - mediante a imputação ao requerente de quaisquer actos ou omissões — que não devia ter cometido — que se apresentem como condição necessária e adequada à produção do resultado traduzido na citação ou notificação mais de cinco dias depois de requerida e que permitissem afirmar a verificação de um nexo de causalidade objectiva entre a actuação do requerente e aquele resultado - importa concluir pelo bem fundado da decisão recorrida que julgou interrompida a prescrição 5 dias após a data da interposição da execução, nos termos do citado artigo 323º n.2 do Código Civil.
E, não se diga, como alega o recorrente, só agora em sede de recurso e sem que o tenha feito nos embargos deduzidos ou tal matéria factual tenha sido alvo de apreciação na decisão, o que infirma a sua apreciação nesta sede, já que os recursos destinam-se a apreciar as decisões recorridas sobre as questões aí apreciadas e não a apreciar questões novas (19), que a referência à movimentação processual de 4.10.2010 com a ref. 371, na qual o solicitador de execução vem informar os autos que aguarda desde 13.10.2006 a junção do comprovativo do pagamento da provisão solicitada, carreia qualquer facto relevante aos autos, já que, ainda que possível fosse o seu conhecimento (com base em factos não oportunamente alegados) por este tribunal ad quem, sempre se dirá, que tal informação é destituída de qualquer utilidade à aferição da questão suscitada, como, aliás, decorre do que já foi exposto (20). Pois, para além de em tal data - 13.10.2006- o prazo prescricional já se mostrar interrompido, como vimos, tal informação não permite sequer aferir das circunstâncias concretas de tal informação, sendo que a data aí indicada é muito posterior ao decurso do prazo de 5 dias após a propositura da acção e, diga-se, ao próprio términus do prazo prescricional.
Do mesmo modo, também a impugnação da matéria de facto que o tribunal deu como provada na alínea G) dos factos provados na decisão e os factos que agora- em sede de recurso- pretende que sejam dados como provados e que elenca no recurso sob os n.s 1 a 6, sem que antes os tenha alegado, ainda que outras questões não houvesse e há, para a sua improcedência, se mostram destituídos de qualquer relevo e utilidade à questão decidenda.
Na verdade, como já supra referido, tal factualidade, na qual o embargante pretende fundar as excepções deduzidas, não foi alegada nos articulados da acção e mormente na petição inicial de embargos, não se alcançando assim de onde retira o apelante a alegada omissão do tribunal na sua consideração, já que não basta que estes tenham sido referidos nas declarações que o embargante prestou em audiência (cfr. artigo 5º n.1 do NCPC), para que possam ser considerados, o que sem mais precludiria a ampliação da matéria de facto nesta sede. Sem prejuízo, a sua arguição nesta sede sempre se mostraria vedada, já que o tribunal de recurso encontra-se limitado no seu conhecimento ao quadro da matéria essencial alegada oportunamente pelas partes como fundamento da pretensão e da defesa, não sendo lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se via a sua reapreciação e a sua consequente alteração e/ou revogação.
Ainda que assim não fosse, e é, tal matéria factual é absolutamente despicienda, inócua, à aferição quer da excepção do preenchimento abusivo, nos termos já expostos, quer à aferição da prescrição, porquanto saber se :1 - A empresa fechou em 2013 por causa da crise dos combustíveis; 2 – O Executado à acerca de 6/7 anos divorciou-se, estando separado de facto desde 2007/2008, 3 – Foi a mulher do executado que pagou as dívidas apesar de não ter documentos comprovativos de tal pagamento, os quais, a existirem, estarão com a ex-mulher uma vez que era ela que tratava da parte burocrática. 4 – O executado nunca ocultou a sua morada; 5 – A morada do executado consta de todos os registos do estado, sendo facilmente obtida. 6 – O executado não assinou qualquer obrigação de manter a morada no local da empresa.» são factos que de acordo com tudo aquilo que já se deixou exposto, nada carreiam de relevante à aferição efectuada, insusceptíveis, por isso, de alterar o juízo efectuado sobre a não imputabilidade à exequente de qualquer actuação censurável na falta de citação do embargante no prazo de cinco dias após a interposição da acção.
Também quanto à impugnação da alínea G) dos factos provados a conclusão da sua inutilidade para a decisão das questões suscitadas na acção/apelação, conduz inexoravelmente à improcedência da mesma, já que, com todo o respeito, dar como não provado ( ou dar como provado) que o “executado não comunicou à exequente a alteração da morada, desconhecendo esta que o executado passou a residir no Lugar ... n. .. em ..., Vila Real”, não tendo sequer sido esta a morada onde aquele foi citado (a afixação do edital na última morada conhecida foi em Rua …, …), é absolutamente irrelevante à aferição de qualquer das questões suscitadas e, designadamente, da prescrição.
A exequente indicou uma morada do executado, aliás coincidente com aquela que foi indicada na livrança, pelo que cabia ao embargante, atentas as regras do ónus da prova, alegar e provar que comunicou à exequente uma outra concreta morada ( que não a constante do requerimento executivo) para efeito das comunicações entre as partes e que era nessa morada que residia à data da propositura da acção, facto que é absolutamente distinto daqueloutro, pelo que a sua reapreciação constituiria acto inútil, cuja prática está vedada.
Uma nota ainda para referir que, apesar de o recorrente arguir “en passant” a nulidade da decisão por oposição entre os seus fundamentos e a decisão nos termos do artigo 615º n.1 al c) do CPC – nulidade que corresponde a um vício lógico da decisão, na medida em que se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença - claramente se evidencia que o que está em causa é, não a nulidade em questão, mas a sua discordância quanto à apreciação que foi efectuada pelo tribunal a quo da prova relativamente ao facto descrito na referida alínea G) dos factos provados, e que pretende impugnar com fundamento na por si alegada oposição entre esse facto e aquilo que refere ter sido colocado pela exequente no requerimento executivo, ao indicar aí uma morada alternativa do embargante no "Lugar ..., n. .. em ..., Vila Real”. Ora, sem prejuízo da já referida irrelevância dessa factualidade para a decisão da causa, e consequente inutilidade da apreciação da impugnação desse facto, não poderá deixar de se referir que tal alegação não se mostra consentânea com o teor do requerimento executivo, em que no anexo respeitante ao embargante/ora apelante não consta qualquer morada opcional, esta apenas consta no anexo respeitante à executada M. R. (fls. 8 e 9 da execução)!.
Em suma e face ao exposto, mais não resta a conclusão de que, efectivamente, por força do disposto no artigo 323º n.2 do Código Civil, a prescrição se tinha de considerar interrompida decorridos que foram os cinco dias contados da data da instauração da execução, ou seja, em 5.10.2004.
Acresce, que por força do disposto no artigo 327º n.1 do Código Civil, se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
Ou seja, contrariamente ao que parece pugnar o apelante, estando em causa a interrupção da prescrição por via da “citação” no âmbito de um processo executivo, não começa a correr novo prazo de prescrição enquanto a decisão final de tal processo de execução não transitar em julgado, ou seja, só o trânsito em julgado da sentença de extinção da execução desencadeia o reinício da sua contagem nos termos do artigo 326º do C.C.
Como elucidativamente se refere no Ac. já citado desta Relação de Guimarães, de 18.03.2021, que seguimos de perto: «Tem sido entendido pela Jurisprudência, de forma tácita ou expressa, que, quando o prazo de prescrição é interrompido numa ação judicial, em qualquer uma das circunstâncias do art.323º do C. Civil, aplica-se não só o regime da inutilização do prazo anterior, nos termos previstos no art.326º/1 do C. Civil («1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo seguinte.»), mas também o regime da manutenção duradoura dos efeitos da interrupção até ao trânsito em julgado da decisão da ação judicial, nos termos do disposto no nº1 do art.327º do C. Civil («1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.»), sem prejuízo do disposto no nº2 e nº3 do art.327º do C. Civil. Neste sentido, registam-se os seguintes acórdãos, que se perfilham:
O acórdão da Relação de Lisboa de 26.03.2019, proferido no processo nº3350/06.9TBAMD-A.L1-7, relatado por José Capacete, entendeu:
«1.– À prescrição cambiária são aplicáveis as disposições do Código Civil sobre a interrupção da prescrição.
2.– O instituto da prescrição extintiva, não obstante não lhe serem estranhas razões de justiça, tem em vista, fundamentalmente, a realização de objetivos de conveniência e oportunidade.
3.– O decurso do prazo de cinco dias previsto no n.º 2 do art. 323.º do C.C., equivale à citação, funcionando assim como uma verdadeira excepção ao mecanismo da interrupção da prescrição por via da citação judicial.
4.– Tal exceção pressupõe que a citação se venha a realizar, já que sem ela o devedor não chega a ter conhecimento da pretensão do credor, ficcionando, assim, aquele normativo, que contempla, afinal de contas, uma citação “ficta”, uma interrupção da prescrição nas suas aludidas condições.
5.– Essa ficção legal pressupõe a concorrência de três requisitos:
a)- que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à instauração da acção declarativa ou executiva;
b)- que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; e
c)- que o retardamento da citação não seja imputável ao requerente, tudo se passando como se a citação tivesse sido realizada nesse quinto dia.
6.– Interrompida a prescrição, tal não significa que não possa iniciar-se novo prazo prescricional, podendo seguir-se nova inércia do respetivo titular, havendo, assim, fundamento para começar a correr novo prazo de prescrição.
7.– O momento a partir do qual começa a correr novo prazo prescricional é aquele em que findar a eficácia da causa interruptiva, podendo esta ser:
- instantânea, se a sua eficácia se produzir em dado momento e cessar de imediato, começando, portanto, logo um novo período prescricional:
- permanente, se a sua eficácia durar por um lapso de tempo mais ou menos longo, findo o qual se inicia o novo período de prescrição.
8.– O n.º 1 do art. 327.º do C.C., estabelece um regime especial, o da interrupção duradoura do prazo da prescrição, nele se incluindo os casos em que a prescrição se deu como interrompida, mesmo na ausência da citação não efectuada por razões não imputáveis ao requerente, decorridos que foram cinco dias depois de ter sido requerida.
9.– Não se trata de fazer a aplicação analógica da norma excecional contida naquele preceito, prática que a 1ª parte do art. 11.º do C.C. expressamente proíbe, mas, quando muito, de uma interpretação extensiva do mesmo, essa sim, permitida pela 2.ª parte do referido art. 11.º, respeitando o pensamento do legislador, a unidade do sistema e a vontade da lei.
10.– Não é materialmente inconstitucional a norma contida n.º 1 do art. 327.º do C.C., por violação dos princípios constitucionais da confiança, estabilidade, certeza e segurança das relações jurídicas, assim como do princípio da proporcionalidade, se interpretada no sentido de que no efeito interruptivo da prescrição aí previsto, quanto à sua duração, abrange também a citação ficta, prevista no n.º 2 art. 323.º, do C.C., não seguida de efectiva citação durante um período máximo de três anos, calculado pela cumulação dos prazos de interrupção e de subsequente deserção e extinção da instância, a que aludiam os arts. 285.º e 291.º, n.º 1, do C.P.C./61.» .
O acórdão da Relação de Lisboa de 03.03.2020, proferido no processo nº2747/08.4TBOER-C.L1-7, relatado por Luís Filipe Pires de Sousa, e supra citado, defendeu também: «Nos termos do Artigo 327º, nº1, do Código Civil, «Se a interrupção resultar da citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.» Resulta deste preceito que, uma vez interrompida a prescrição, nada releva o facto de, no seguimento dos autos, o exequente – por hipótese – haver descurado ulteriormente a realização da citação (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.3.1992, José Magalhães, 081416). (…)
Posto isto, é manifesto que a interpretação acima feita dos artigos 323º e 327º do Código Civil não bule com os invocados princípios da segurança e confiança jurídica. Com efeito, trata-se de soluções normativas estabilizadas desde a entrada em vigor do Código Civil, as quais não sofreram alteração legislativa nem são objeto de dissídio jurisprudencial, sendo que do atraso na realização da citação por via do regime próprio da ação executiva não pode derivar uma expectativa legítima do executado de que já não terá de arcar com a sua responsabilidade patrimonial.».
Aqui chegados, em sede conclusiva, contrariamente ao que pugna o apelante, tendo-se interrompido o prazo prescricional a 5.10.2004, altura em que faltavam ainda cerca de 1 ano e 7 meses para a prescrição de 3 anos, conforme se referiu supra, e encontrando-se a execução pendente desde o efeito interruptivo, sem declaração de extinção da ação executiva, relevante para os efeitos de reinício do prazo nos termos do art.327º/1 do C. Civil, não se reconhece a prescrição do direito cambiário, que permita a alteração da sentença recorrida.
Tal constatação estende-se, igualmente e pelos mesmos fundamentos, à invocada prescrição dos juros reclamados/liquidados na execução desde 1.12.2002 (cujo inicio do prazo o apelante reporta a outubro de 2001, por considerar ser a data em que a prestação pode ser exigida, encontrando-se, todavia, na execução reclamados juros apenas desde 1.12.2012), já que se interrompendo a prescrição 5 dias após a instauração da execução, ou seja, como decidido em 5.10.2004, e, portanto, antes do decurso do prazo de prescrição de 5 anos a que alude o disposto pelo artigo 310º al.d) do Código Civil, inevitavelmente tal interrupção conduz à improcedência da apelação quanto à alegada prescrição dos juros, conforme decidido pelo tribunal a quo, cuja decisão será de manter.

Por último e também quanto ao invocado abuso de direito, a apelação terá de improceder, conclusão que se evidencia de tudo quanto já ficou exposto, inexistindo factos que o possam configurar.
A apelante sustenta o abuso de direito da exequente, na modalidade da supressio, no facto de a exequente apenas ter deduzido o processo executivo contra o avalista de livrança em branco 15 anos depois, e depois desse mesmo avalista ter abandonado a sociedade subscritora da livrança, confiando este, que tanto tempo depois o Banco não accionaria o aval que prestou e tudo estava regularizado.
O abuso de direito, em qualquer das suas feições, pressupõe sempre que “o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” – artigo 334º do CC.»
O abuso do direito, na modalidade da supressio, verifica-se com o decurso de um período de tempo significativo susceptível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido.
Para além do decurso de um período de tempo razoável sem exercício do direito, exige-se, também, a verificação de indícios objetivos de que esse direito não irá ser exercido. Indícios objetivos esses que permitem justificar que na contraparte (beneficiário do não exercício) se gere confiança na “inação do agente”.

Costumam ser enunciados como requisitos de aplicação desta figura (21):
- um não exercício prolongado do direito;
- uma situação de confiança daí derivada para a contraparte, coadjuvada por elementos circundantes que a sustentem;
- uma justificação para essa confiança;
- um investimento de confiança;
- a imputação ao não exercente da confiança criada.

Reportando à situação dos autos, resulta linear que na alegação efectuada o recorrente parte de um pressuposto errado, qual seja o de que o exequente apenas deduziu a execução com base numa livrança em branco, 15 anos depois da data do seu vencimento, o que manifestamente não se mostra conforme à realidade.
A realidade é que tendo a livrança em branco, dada à execução, sido subscrita em 1.10.2001 e sido aposta a data de vencimento de 8.05.2003, logo em 30.09.2004 foi instaurada a execução contra o subscritor e avalistas, entre os quais o embargante, o que claramente não permite evidenciar, antes pelo contrário, qualquer comportamento de inércia, e muito menos prolongada, do exequente no exercício do direito.
Acresce que, como já decorre de todas as considerações acima expostas, a citação tardia do embargante não pode ser imputada a qualquer comportamento negligente do exequente, o que conduziu nos termos referidos a que a prescrição se tivesse por interrompida ao fim de cinco dias após a propositura da acção.
Na verdade, inexistem quaisquer factos alegados e provados na acção que permitam imputar ao exequente, quer a falta de citação nos 5 dias posteriores à propositura da acção, quer no decurso dos cerca de 15 anos que demorou a ser efectivada a citação do embargante, e, muito menos, que a mesma seja imputável a qualquer inacção daquele que da mesma fosse causal, antes tudo indica que lhe estão subjacentes motivos de índole processual e de organização judiciária (eventuais atrasos dos serviços).
Do mesmo modo carece de sentido a alegação, por parte do embargante, quanto à convicção de que a responsabilidade assumida pelo aval jamais lhe seria exigida, pois mantendo-se o aval prestado pelo mesmo, este deveria contar, a qualquer momento, com o exercício do direito de cobrança coerciva dos créditos vencidos, designadamente pela via da ação cambiária, sendo certo que o avalista não se obriga perante o avalizado, mas sim perante o titular da livrança (ou da letra), respondendo como obrigado direto, pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança, sendo certo que não se mostra alegada e provada qualquer factualidade que permitisse imputar à exequente um qualquer comportamento que permitisse justificar a convicção do embargante de que aquela não ia exigir dos garantes a quantia em dívida e os respetivos juros, que, entretanto, e desde o incumprimento, se continuavam a vencer.
Em suma, a factualidade resultante dos autos não permite afirmar a existência de quaisquer circunstâncias que legitimassem uma justificada confiança por parte do embargante de que o direito não seria exercido e, muito menos, que a mesma seja imputável a qualquer acto omissivo por parte do exequente (titular do direito) no respectivo exercício.
Inexiste assim, abuso de direito.
A apelação está votada ao insucesso, restando, por isso confirmar a decisão proferida.
Pelo exposto, improcedem todas as conclusões de recurso, não merecendo a decisão recorrida, que julgou os embargos improcedentes e determinou o prosseguimento da execução, qualquer censura.
*
*
IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 30 de Junho de 2022

Elisabete Coelho de Moura Alves (Relatora)
Fernanda Proença
Anizabel Sousa Pereira
(assinado digitalmente)



1. Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pág. 143.
2. Processo 2774/17.0T8STR.E1.S1, in www.dgsi.pt
3. Apenas se exige para a constituição de uma título de crédito válido e exequível que do respetivo impresso constem determinados requisitos essenciais, previstos, em relação às livranças, no artº 75º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, ou seja: - a palavra "livrança" inserta no próprio texto do título; -a promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada; -a época do pagamento; - a indicação do lugar em que se deve efectuar o pagamento; - nome da pessoa a quem ou a ordem de quem deve ser paga; - a indicação da data em que e do lugar onde a livrança é passada; - a assinatura de quem passa a livrança (subscritor).
4. A propósito Ac. R.L. de 10.2.2009, in www.dgsipt
5. Neste sentido entre outros, Ac. R.C. de 15.12.2021, in www.dgsi.pt
6. Vide a propósito Ac. STJ de 25.05.2017, in www.dgsi.pt
7. Vide, entre outros, Ac. STJ de 13.11.2018; de 14.09.2021; 6.10.2020; R.C. de 14.12.2020; de 15.12.2021, todos in www.dgsi.pt
8. Vide Ac. STJ de 25.05.2017, in www.dgsi.pt
9. Vide, entre outros, Ac. R.G. de 11.11.2021 in www.dgsi.pt onde se refere « - Não se deve proceder à reapreciação da matéria de facto quando a alteração nos termos pretendidos pelos Recorrentes, tendo em conta as específicas circunstâncias em causa, não tenha qualquer relevância jurídica, sob pena de, assim não sendo, se estarem a praticar atos inúteis, que a lei não permite. »
10. Como referimos no acórdão por nós relatado no processo 104/18.3T8MDR-A.G1, de 20.01.2022 « numa livrança em branco, o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 70º ex vi do artigo 77º, da LULL conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respectivo portador, desde que não colida com o estabelecido no pacto de preenchimento, quer essa data coincida ou não com o incumprimento do contrato subjacente ou com o vencimento da obrigação subjacente.»
11. A propósito vide o elucidativo acórdão desta Relação de Guimarães de 18.03.2021, processo 259/14.6TBBRG-B.G1, in www.dgsi.pt
12. Cfr. a propósito, entre outros, Ac. S.T.J. de 29.11.2016, , processo 448/11.5TBSSB-A.E1.S1; Ac. do S.T.J. de 14.05.2002, processo 02A1159; R.P. de 7.3.2022, processo 6711/05.1YYPRT-A.P1; todos in www.dgsi.pt
13. No regime vigente à data da instauração da execução não havia lugar a despacho liminar nas execuções baseadas em decisões judiciais ou arbitrais, em requerimentos de injunção com aposição de fórmula executória, em documentos exarados ou autenticados por notário, ou em documento particular com reconhecimento presencial da assinatura do devedor e desde que o montante da dívida não exceda a alçada do Tribunal da Relação... – artº 812º-A, nº 1. Fora de tais casos e nos termos do nº 2 do artº 812º-A, haveria despacho liminar, para o que deveria o processo ser concluso ao juiz – artº 812º, nº 1.
14. Cfr. fls. 2 da execução.
15. Redacção do D.L. 38/2003 de 8.03.
16. Vide ainda a propósito o Ac. R.L. de 12.2.2020, processo 1274/18.6T8VFX.L1-4, onde se diz a dado passo: « E, em nosso entender, o nº 2º do artigo 323º do Código Civil refere “se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias “ e não se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, não se verificando ainda qualquer uma susceptível de futuramente lhe ser assacada , tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. (…)»
17. Aliás, como se refere no Ac. R.L. 13.1.2009 « a regra, contida no nº 2 do artº 323º do CCiv, segundo a qual, para efeitos de prescrição, se deve considerar efectuada a citação decorridos cinco dias sobre a instauração da acção aplica-se também às execuções em que não há lugar a despacho liminar, em que a penhora precede a citação.» aí se dizendo: « Por outro lado, é também firme a orientação jurisprudencial no sentido de que no caso de desconjugação entre os preceitos referentes a custas, organização judiciária e processo e a lei substantiva deve dar-se prevalência a esta. A lei substantiva – artº 323º, nº 2, do CCiv – estabelece a regra de que para efeitos de interrupção da prescrição se deve considerar como efectuada a citação decorridos cinco dias após a instauração da acção, salvo se a omissão for imputável ao autor. Se as leis processuais – como é o caso dos autos – impõem uma tramitação processual que inviabiliza a realização da citação naquele prazo (em concreto porque a mesma só ocorre após a penhora) isso é uma circunstância não imputável ao autor, de acordo com o critério acima enunciado. E não se afigura fundado exigir do autor que conte com essa circunstância processual na medida em que a lei substantiva lhe postula um prazo de cinco dias para a efectivação da citação. Nesses termos, tendo a execução sido instaurada mais de cinco dias antes de se completar o prazo de prescrição, não pode considerar-se como imputável ao autor o facto de a citação só vir a ocorrer muito depois daquele prazo, em virtude de a lei processual determinar que a mesma só ocorra depois da penhora (e sem que se impute ao exequente qualquer conduta negligente após a proposição da execução). E, consequentemente, haverá por ter-se interrompida a prescrição. No mesmo sentido se pronunciou já a Relação de Coimbra por acórdão de 13JUN2006 (proc. 1471/06).» A propósito vide ainda, entre outros o acórdão já citado desta Relação de Guimarães de 18.03.2021, processo 259/14.6TBBRG-B.G1, in www.dgsi.pt e Ac. R.L. 6.05.2010 in www.dgsi.pt.
18. Processo 12348/04.0TJPRT-A.P2
19. A propósito Ac. desta Relação de Guimarães de 18.03.2021, processo 259/14.6TBBRG-B.G1, in www.dgsi.pt
20. Sendo certo que à data da instauração da execução /Set 2004, os requisitos do requerimento executivo eram os que constavam dos artigos 810º e 811º do CPC/61 e nem sequer existia norma corresponde ao actual 724º n.6 do C.P.C., e mesmo no âmbito desse preceito se considera que a interrupção da prescrição ocorre independentemente do regime aí fixado quanto à data em que se considera apresentado o requerimento executivo, conforme se salienta no Ac. R.P. de 17.05.2022, onde se diz a dado passo: « embora este preceito prescreva que “[o]o requerimento executivo só se considera apresentado: a) Na data do pagamento da quantia inicialmente devida ao agente de execução a título de honorários e despesas, a realizar nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça ou da comprovação da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de atribuição de agente de execução; [ou] b) Quando aplicável, na data do pagamento da retribuição prevista no n.º 8 do artigo 749.º, nos casos em que este ocorra após a data referida na alínea anterior”, é hoje entendimento dominante na doutrina[7] e jurisprudência[8] que o mesmo carece de uma interpretação que vá além da sua literalidade. E, assim, por exemplo, para os efeitos interruptivos previstos no já citado artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, não são essas as referências temporais. Com efeito, a circunstância de “se estabelecer, no artigo 724º, nº 6, alínea a) do Código de Processo Civil, que o requerimento executivo só se considera apresentado na data do pagamento pelo exequente da quantia inicialmente devida ao agente de execução, a título de honorários e despesas, ou da comprovação da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de atribuição de agente de execução, não exclui a aplicação, ao processo de execução, do regime da interrupção da prescrição previsto no artigo 323º, nº 2 do Código Civil”[9]. Até porque, “estando aqui em causa os efeitos substantivos da propositura de um processo judicial, nenhuma justificação haveria, na ótica da razoabilidade das soluções legais, para que, visto o campo de aplicação do nº 6 do mencionado art. 724º, inserido que está na regulamentação da ação executiva e sem norma equivalente no processo declarativo, aqueles efeitos fossem diversos, quanto à eficácia interruptiva da prescrição, consoante estivéssemos perante ação de uma ou de outra natureza”[10].»
21. In Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, tomo 4, Almedina, 2005, pág. 324, e Código Civil Comentado, vol. I, pág. 936, Almedina, 2020.