Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1349/13.8TBVRL.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: DOAÇÃO
MÚTUO
NULIDADE
RESTITUIÇÃO
PODERES DE COGNIÇÃO DO TRIBUNAL
REAPRECIAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

I- Atento o disposto no artigo 5, nºs 1 e 2, als a) e b), “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas”, sendo que, “além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

- os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
- os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciarem;

II- Contudo, este poder inquisitório do juiz está limitado aos factos que sejam complemento ou concretização de outros, o que, obviamente, implica necessariamente que as partes tenham alegado satisfatoriamente nos articulados os factos que preenchem e integram os fundamentos da acção e da defesa.

III- Para que se possam dar como provados os factos complementares ou concretizadores é necessário que os factos essenciais de que eles sejam complemento ou concretização tenham ficado provados, não sendo de admitir que não sendo provados esses factos essenciais da causa de pedir, se julgue a acção procedente com base nos ditos complementares ou concretizadores mas que afinal substituam os da causa de pedir que não se tenham provado.

IV- Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, for irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.

V- Por isso, não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

O Autor HENRIQUE, residente na Rua (...), Chaves, intentou a vertente acção de processo ordinário contra JOSÉ, Bispo de (...), com domicílio no Paço (…), e o SEMINÁRIO X, com sede na Rua (...), peticionando ser:

A) Declarada nula a doação de 55.000€ ao 1º Réu por vício de forma;
B) Declarada nula a doação de 55.000€ ao 1º Réu por se tratar de um caso de indisponibilidade relativa, e, em consequência, ser condenado a restituir ao A. a aludida quantia, acrescida de juros legais de mora vencidos e vincendos até afectivo e integral pagamento;
C) Declarado nulo o contrato de mútuo celebrado com o 2.º Réu, por vício de forma, e, em consequência, ser condenado a restituir ao A. a quantia no valor de € 256.197,01 acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alega, sumariamente, que:

O Padre F. C. estudou no SEMINÁRIO X e mantinha uma relação de amizade e confiança com o 1º Réu, o qual visitava regularmente, sendo que, em meados de 2011, aquando de uma das suas visitas regulares ao 1º Réu, no Paço (...) informou o Sr. Bispo que havia decidido doar-lhe 55.000 €, montante que fazia parte das suas poupanças, o que pretendia fazer porquanto aquele Réu tinha sido sempre uma grande ajuda e um apoio excepcional ao longo dos anos.

No mês de Outubro de 2011, o Padre F. C. foi contactado pelo 1º Réu e pelos responsáveis da 2ª Ré, com quem mantinha boas relações, para emprestar dinheiro àquela instituição, pois pretendiam realizar obras nesta instituição e necessitavam de valor avultado.

O Padre F. C. acedeu ao pedido e informou-os de que poderia emprestar no máximo o valor de 256.000 €.
Assim, em 25/10/2011, transferiu para a conta do 2º Réu o montante de 256.197,01 €.

Ora, em Setembro de 2012, decorridos cerca de dois meses após a morte do Padre F. C. os seus herdeiros, os aqui Autores, solicitaram ao primeiro Réu que entregasse o excedente acima do valor de 55.000,00 €, que lhe tinha sido doado, ou seja, que lhe devolvessem 201.197,01 €, dos 256.197.01, que lhe haviam sido emprestados.

Sucede que, os RR., por intermédio do 1º Réu, informou-os que a quantia lhe havia sido doada pelo Padre F. C. e que não havia lugar a nenhuma devolução.

Concluem os Autores que a doação efectuada, que ocorreu em 2011, é nula por vício de forma porquanto a declaração de vontade de doar não foi acompanhada da tradição da coisa doada e não revestiu a forma escrita.

Mas, mesmo que assim se não entenda, sempre tal doação seria nula por se tratar de uma situação de indisponibilidade relativa nos termos do disposto no artigo 2194, do Código Civil, ex vi do disposto no artigo 953, do mesmo diploma.

Por outro lado, o contralto de mútuo realizado entre o Padre F. C. e o 2º Réu é também nulo, por vício de forma, dado não ter sido celebrado por escritura pública, conforme se estipula no artigo 1143, do C. Civil, para os contratos de mútuo de valor superior a 20.000.00 €, pelo que deverá ser restituído, pelo mutuário, tudo o que tiver sido prestado pelo mutuante, o seja, no caso, o montante de 256.197,01 €.
E com estes fundamentos conclui formulando os pedidos supramencionados.
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Os Réus JOSÉ e SEMINÁRIO X aduziram contestação, arguindo as excepções de incompetência absoluta do Tribunal e de ilegitimidade passiva, invocando, sinteticamente, que o Padre F. C. quis oferecer à Igreja que o havia formado ao longo da vida o pecúlio de que já não necessitava para fazer face à sua vida normal, em consonância com o seu múnus sacerdotal e advogando a inconstitucionalidade do artigo 2194.º, do Código Civil.
Concluiu, propugnando a absolvição da instância ou a improcedência da acção.
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O Autor exerceu o direito ao contraditório, pugnando a improcedência das excepções dilatórias alegadas pelos Réus.
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O Autor deduziu incidente de intervenção principal com seus associados de F. C., Manuela, A. M., Francisco, H. M., Teresa, G. M., G. P., Fátima, Cândido, M. J., António, Ana, Flávio, Luísa, A. G., Albertina, J. F., T. J., O. F., J. M., C. S., U. M., Armando, T. F., Adelaide, Beatriz.
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Proferiu-se despacho que deferiu o incidente de intervenção principal.
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Os intervenientes declararam a adesão à petição inicial.
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Exarou-se despacho saneador, o qual julgou as excepções de incompetência absoluta do Tribunal e de ilegitimidade passiva improcedentes, bem como o despacho que enunciou o objecto do litígio e os temas da prova.
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Os Requerentes M. M., JOÃO e CRISTIANA deduziram incidente peticionando a sua habilitação como herdeiros do falecido Henrique.
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Proferiu-se sentença que julgou procedente o incidente de habilitação de herdeiros.
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Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu julgar totalmente improcedente a presente acção.

Inconformado com tal decisão, apela o Autor, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

I. A douta sentença deve ser revogada, por violar lei adjectiva e substantiva;
II. O tribunal deu como provados os factos que antecedem fundando-se na análise crítica e conjugada dos depoimentos das testemunhas.
III. Contudo na modesta opinião do Apelante, resultou da prova produzida em audiência de discussão e julgamento que o Réu seminário está obrigado a devolver aos autores a quantia de 55.000€.
IV. Pelo que, o tribunal devia de ter dado como provado a devolução de parte do pedido no montante de 55.000€.
V. Prova da matéria de facto essa que consta dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Autor e Ré, cfr. acta de audiência de discussão e julgamento, como infra se expõe: J. F., com depoimento gravado em CD, com a duração de 00h 05 m e 54s, com início da gravação entre 17h04m12s e fim de gravação às 17h10m07s; G. M., com depoimento gravado em CD, com a duração de 00h 22m e 40s, com início da gravação entre 15h 30m e 13s e fim de gravação às 15h 52m e 54s; T. J., com depoimento gravado em CD, com a duração de 00h 17m e 40s, com início da gravação entre 14h 12m e 48s e fim de gravação às 14h 30m e 29s; M. M., com depoimento gravado em CD, com a duração de 00h 06m e 59s, com início da gravação entre 14h 31m e 11s e fim de gravação às 14h 38m e 11s; Paulo, com depoimento gravado em CD, com a duração de 00h 26m e 28s, com início da gravação entre 16h 09m e 18s e fim de gravação às 16h 35m e 48s;Florência com depoimento gravado em CD, com a duração de 00h 07m e 16s, com início da gravação entre 14h 11m e 26s e fim de gravação às 14h 18m e 44s;
VI. Passando à análise crítica da decisão sobre a matéria de facto dada como provada, o Tribunal deveria ter dado como provados os seguintes pontos:
12. Em inícios do mês de Outubro de 2011, o Padre F. C. foi contactado pelo Réu JOSÉ e por responsáveis do SEMINÁRIO X para emprestar dinheiro àquela instituição, pois pretendiam realizar obras na Instituição, referindo-lhe que sabiam que era uma pessoa abastada e acrescentando que, sendo um ex-aluno daquela instituição, cabia-lhe a obrigação de os ajudar.
VII. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, desde já adiantaremos que estamos convencidos que o Tribunal os deveria ter dado como provados nos termos lá elencados, originando por esta via a procedência parcial da acção.
VIII. Pois do depoimento das testemunhas J. F., G. M., T. J., M. M., Paulo, Florência e do depoimento de parte do réu Bispo D. Amândio, resultou provado que o falecido padre F. C. solicitou a devolução de 55.000€ ao SEMINÁRIO X.
IX. A testemunha Paulo disse que a transferência dos 256.000 euros foi a título de liberalidade do padre F. C., mas a mesma testemunha confirmou que o padre F. C. lhe solicitou a devolução de 55.000 euros.
X. O Réu D. Amândio confessou que teve uma conversa no hospital horas antes do padre F. C. faleceu em que lhe pediu a devolução dos 55.000 euros.
XI. Os herdeiros tiveram reuniões com o bispo onde ele assumir que seriam devolvidos os 55.000 euros.
XII. Contudo, o Mº juiz do tribunal a na douta sentença ora recorrida não se pronunciou sobre a devolução daquele valor o que levaria a que a acção fosse parcialmente procedente.
XIII. Pelo que se impunha decisão diversa da recorrida.
XIV. Para além disso, o tribunal à quo ao não se pronunciar sobre a devolução dos 55.000€ aos autores houve uma omissão de pronuncia por parte do tribunal a qual é geradora de nulidade nos termos do artª 640º do cpc o que se requer.
XV. Nos termos do artº 5, nº 2 do CPC são considerados pelo juiz a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; e b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
I) Por outro lado, entendem os autores que a questão da devolução dos 55.000€ por parte do seminário, não extravasa os poderes de cognição do tribunal, uma vez que o pedido formulado pelos autores para além de outros é: … ser condenado a restituir ao A. a quantia no valor de €.: 256.197,01 acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento com todas as consequências legais.
XVI. Contudo o pedido quanto ao réu seminário assentava na declaração de nulidade do contrato de mútuo e na restituição do valor de 256.197,01 euros mutuados.
XVII. Da prova produzida resultou que apenas existiu uma doação ao seminário no valor de 256.197,01€ e que foi pedida a devolução pelo padre F. C. da quantia de 55.000€, pelo que o tribunal deveria de se ter pronunciado quanto a esta questão pois a mesma não extravasa o seu poder de cognição nem se divisa da causa de pedir que enforma a acção.
XVIII. A causa de pedir, face ao preceituado no art. 498º, nº. 4, do C.Proc.Civil, que afirma no nosso direito adjectivo a teoria da substanciação, é o facto concreto de que deriva o direito invocado, isto é, o efeito jurídico pretendido.
XIX. Ora, o efeito jurídico pretendido pelos autores era devolução do dinheiro que havia sido mutuado ou doado.
XX. Tendo o 2º réu confessado a existência da conversa com o padre F. C. na qual aquele lhe solicitou a devolução dos 55.000 euros.
XXI. E tendo as testemunhas Paulo e Florência afirmado que o padre F. C. havia solicitado ao bispo a devolução de 55.000€.
XXII. Ficou plenamente provado a real intenção do padre F. C. que lhe fossem devolvidos os 55.000.
XXIII. Pelo que, deveria o tribunal ter-se pronunciado sobre esta questão decidindo pela obrigação da devolução por parte do seminário uma vez que o efeito jurídico pretendido pelos autores era e sempre foi a devolução do dinheiro que havia sido doado/mutuado aos réus, mesmo que se trate de apenas uma parte.
XXIV. Isto não obstante não se terem provados os negócios jurídicos alegados pelos autores no seu pedido.
XXV. Pelo que, a sentença enferma de nulidade por omissão de pronuncia nos termos do artº 608º, nº 2 do CPC
XXVI. Ocorreu pois errada interpretação e aplicação do direito em causa;
XXVII. Violaram-se assim os corolários dos princípios do dispositivo e da legalidade;
XXVIII. Sendo que a douta decisão proferida nos autos carece de legalidade, nos termos supra expostos;
XXIX. Pelos motivos supra expostos, corolário lógico deverá ser a revogação da sentença proferida pelo tribunal a quo de que ora se recorre, o que se requer.
XXX. A presente sentença de que ora se recorre viola, entre outros, o disposto no artº 640º e 608.º do CPC.
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Os Apelados apresentaram contra-alegações concluindo pela improcedência da apelação interposta.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Apreciar da invocada nulidade da decisão recorrida por omissão de conhecimento, prevista no artigo 615, nº 1, al. d), do C.P.C..
- Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida é a seguinte:

Factos provados.

Com relevância para a apreciação do mérito da causa, o Tribunal considera provados os seguintes factos:

1. Em 23 de Junho de 2012, faleceu, na cidade de Chaves, o Padre F. C..
2. Os autores Henrique, F. C., Manuela, A. M., Francisco, H. M., Teresa, G. M., G. P., Fátima, Cândido, M. J., António, Ana, Flávio, Luísa, A. G., Albertina, J. F., T. J., O. F., J. M., C. S., U. M., Armando, T. F., Adelaide, Beatriz são sobrinhos do Padre F. C..
3. O Réu JOSÉ é Bispo da Diocese X, onde o Padre F. C. estudou e se formou Sacerdote.
4. Para além disso o Padre F. C. residia e foi sacerdote no concelho de Chaves o qual pertence à Diocese X.
5. O SEMINÁRIO X é uma instituição ligada à Igreja Católica que se dedica à formação de jovens que pretendem se formar como sacerdotes.
6. O Padre F. C. estudou no SEMINÁRIO X.
7. O Padre F. C. mantinha uma relação de amizade e confiança com o Réu JOSÉ.
8. No ano de 2011, o Padre F. C., com a idade de 88 anos, padecia de diversas enfermidades, tais como artroses.
9. Em 11.10.2011, o Padre F. C. procedeu ao resgate das aplicações financeiras que detinha junto do Banco A, que eram compostas por 1.285 acções da Y – energias no valor nominal de 2,4490€ e com o valor de mercado naquela data de 3.146,97€ e por um seguro financeiro, de seu nome Banco A Seguro Cinco/Vinte com um valor total investido de 252.244,92€, tudo no valor global de 256.197,01€.
10. Em 25-10-2011, o Padre F. C. transferiu a quantia de 256.197,01€ indicada em 9) para a conta n.º 09060.45130130 aberta no Banco A em nome do Réu SEMINÁRIO X.

Factos não provados

11. Em meados de 2011, aquando de uma das suas visitas regulares ao mesmo no Paço (...), o Padre F. C. informou o Bispo JOSÉ que havia decidido doar-lhe 55.000,00€, declarando que tal ocorria pois o mesmo tinha sido sempre um apoio excepcional ao longo dos anos e que lhe havia ajudado espiritualmente e psicologicamente a suportar as enfermidades de que padecia.
12. Em inícios do mês de Outubro de 2011, o Padre F. C. foi contactado pelo Réu JOSÉ e por responsáveis do SEMINÁRIO X para emprestar dinheiro àquela instituição, pois pretendiam realizar obras na Instituição, referindo-lhe que sabiam que era uma pessoa abastada e acrescentando que, sendo um ex-aluno daquela instituição, cabia-lhe a obrigação de os ajudar.
13. No âmbito do indicado em 12), o Padre F. C. informou o Réu JOSÉ e os responsáveis do SEMINÁRIO X de que poderia emprestar o valor de 251.197,01€, o que os mesmos declararam aceitar, tendo acordado que este montante seria devolvido num prazo de 1 ano.
14. O Padre F. C. acordou com o Réu JOSÉ e os responsáveis do SEMINÁRIO X que transferiria a quantia de 256.197,01€ para a conta do referido Seminário, de onde seriam retirados os 55.000,00€ a entregar ao Réu JOSÉ por conta do enunciado em 12).
15. O descrito em 9) e 10) ocorreu na sequência do indicado em 12) e 13).

Fundamentação de direito.

Como fundamento da nulidade que invoca alegam os Recorrentes que o tribunal à quo não se pronunciou, como devia, sobre a devolução dos 55.000€ aos autores, razão pela qual terá havido uma omissão de pronúncia por parte do tribunal a qual é geradora de nulidade.

Com efeito, em seu entender, nos termos do artº 5, nº 2, do CPC, devem ser considerados pelo juiz a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; e b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.

E assim sendo, entendem os Recorrentes que a questão da devolução dos 55.000€ por parte do seminário, não extravasa os poderes de cognição do tribunal, uma vez que o pedido formulado pelos autores para além de outros é:ser condenado a restituir ao A. a quantia no valor de €.: 256.197,01 acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento com todas as consequências legais, sendo que, assentando o pedido quanto ao réu seminário na declaração de nulidade do contrato de mútuo e na restituição do valor de 256.197,01 euros mutuados, e tendo resultado demonstrado que apenas existiu uma doação ao seminário no valor de 256.197,01 €, e que foi pedida a devolução pelo padre F. C. da quantia de 55.000€, deveria o tribunal deveria ter-se pronunciado quanto a esta questão pois a mesma não extravasa o seu poder de cognição nem se divisa da causa de pedir que enforma a acção.

Na verdade, sendo a causa de pedir, face ao preceituado no art. 498º, nº. 4, do C. Proc. Civil, que afirma no nosso direito adjectivo a teoria da substanciação, o facto concreto de que deriva o direito invocado, isto é, o efeito jurídico pretendido, pelos autores foi manifestada a pretensão de que se procedesse à devolução do dinheiro que havia sido mutuado ou doado.

Assim, tendo o 2º réu confessado a existência da conversa com o padre F. C. na qual aquele lhe solicitou a devolução dos 55.000 euros e tendo as testemunhas Paulo e Florência afirmado que o padre F. C. havia solicitado ao bispo a devolução de 55.000 €, ficou plenamente provado a real intenção do padre F. C. que lhe fosse devolvidos os 55.000 €, pelo que, deveria o tribunal ter-se pronunciado sobre esta questão decidindo pela obrigação da devolução por parte do seminário uma vez que o efeito jurídico pretendido pelos autores era e sempre foi a devolução do dinheiro que havia sido doado/mutuado aos réus, mesmo que se trate de apenas uma parte.

Isto não obstante não se terem provados os negócios jurídicos alegados pelos autores no seu pedido, pelo que, a sentença enferma de nulidade por omissão de pronuncia nos termos do artº 608º, nº 2 do CPC

Ora, parece-nos de todo evidente estar em causa uma alegada violação do disposto no art. 615º, nº 1, al. d), do C.P.C., cuja nulidade abrange os casos nulidades da “omissão de conhecimento” e do “conhecimento indevido” (1).

O primeiro desses casos (2) consiste, assim, no facto de a decisão não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer, por força do disposto no art. 608º, nº 2 do C.P.C.. (3)

Daí que se possa afirmar que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não ter tido aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.

A segunda das referidas hipóteses, a prevista na alínea d) – a do conhecimento indevido ou excesso de pronúncia –, verifica-se em todos aqueles casos em que sejam conhecidas e apreciadas questões que na sentença não podiam ser tratadas ou julgadas, por não terem sido colocadas em causa por qualquer das partes e não serem de conhecimento oficioso.

Este tipo de nulidade, tal como a omissão de pronúncia, está também directamente relacionada com o comando legal fixado no nº 2, do artº 608º, do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Esta norma suscita o problema de se saber qual o sentido exacto da expressão «questões» nele empregue, sendo elucidativos os ensinamentos de Alberto dos Reis, o qual refere que “(…) assim como a acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (…) também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado”. (4)

E, assim sendo, óbvio resulta que o conceito (questões) terá ser considerado num sentido amplo, ou seja, englobando tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que sobre elas as partes hajam suscitado.

De tudo decorre, assim, que não basta à regularidade da decisão a fundamentação que contém, revelando-se ainda necessário que trate e aprecie o divergência jurídica carreada para autos pelas partes, podendo assim considerar-se que esta causa de nulidade da decisão complementa a da nulidade por falta de fundamentação, pois que, o contraditório proporcionado às partes com relação aos aspectos jurídicos da causa não pode deixar de encontrar a devida expressão e resposta na decisão. (5)

Destarte e, sintetizando, estando defeso ao Juiz ocupar-se de questões não suscitadas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso, a nulidade da decisão por pronúncia indevida (conhecimento indevido), constituindo hipótese inversa à da omissão de pronúncia, apenas ocorre nos casos em que na decisão se conhece questão de que não se podia tomar conhecimento.

Aqui chegados, vejamos então se a decisão recorrida enferma ou não do apontado vício, ou seja, se deixou se pronunciar sobre qualquer questão de que não pudesse deixar de conhecer, como pretendem os Recorrentes.

Como é consabido, a doutrina e a jurisprudência distinguem, por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” e, concluem que só a falta de apreciação das primeiras – das "questões” – integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das «razões» ou «argumentos» invocados para concluir sobre as questões. (6)

Efectivamente, sabemos que o objecto da acção é o pedido (petitum) formulado na petição inicial (artigo 552º nº 1 e) do C.P.C.), já que este tem, como objecto imediato, a obtenção de uma prestação jurisdicional, consubstanciada na sentença que, através do processo, actua o direito objectivo a um caso concreto.

Ora, no que concerne ao conteúdo componente da petição inicial, deriva da mera leitura do preceituado no art. 552º que o autor deve expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção, como lógico antecedente da pretensão que pretende formular.

Decorrência lógica do funcionamento do princípio do dispositivo, em vigor no ordenamento processual, é sobre aquele que invoca a titularidade de um direito - autor - que recai o ónus de alegação dos factos de cuja prova seja possível concluir pela existência desse direito - art. 5 nº1, do CPC.

Na realidade, o Processo Civil surge como o instrumento privilegiado de realização do direito privado, não cabendo ao Tribunal a função de recolha de factos com interesse para a resolução de qualquer litígio que seja incumbido de resolver (art. 5º, nº 3, CPC), embora tal não prejudique a atendibilidade de factos instrumentais advenientes da discussão da causa (art. 5º, nº2).

Nesta consonância, a narrativa em que se consubstancia a petição inicial há-de conter, pelo menos, «os factos pertinentes à causa e que sejam indispensáveis para a solução que o Autor quer obter: os factos necessários e suficientes para justificar o pedido».

A causa de pedir consiste no acto ou facto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, sendo certo que este direito não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar-se) sem um acto ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir (7).

Dito de outro modo: a causa de pedir consiste no acto ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido (8), traduzindo-se a indicação da causa de pedir na individualização daquele acto ou facto.

É evidente que não é exigível que o autor faça uma exposição completa do elemento factual (9). Todavia, não pode deixar de considerar-se que uma indicação de qualquer um dos elementos integradores da causa de pedir em termos genéricos pode importar uma individualização da causa de pedir que não constitui especificação suficiente do facto jurídico de que procede a pretensão e que leva à ineptidão da petição inicial (10).

Como ensina o Prof. A. de Castro (11), não deve buscar-se uma noção de causa de pedir única para todos os efeitos, v. g., caso julgado, litispendência, alteração do pedido no decurso da causa (ou, acrescentamos nós, para aplicação do instituto da ineptidão da petição inicial), antes se devendo procurar a solução que melhor se ajuste para cada efeito, havendo que adoptar o conceito mais adequado aos fins próprios de cada instituto – causa de pedir referida a factos concretos (para efeitos de caso julgado) e causa de pedir referida a categorias factuais abstractas (no que toca à alteração superveniente da causa de pedir e da litispendência).

Ora, retomando o nosso casso, e como supra se expôs, entende o Recorrente verificar-se a aludida nulidade por o tribunal à quo se não ter pronunciado, como, em seu entender, devia, sobre a devolução dos 55.000€ aos autores, pois que, nos termos do artº 5, nº 2 do CPC devendo ser considerados pelo juiz a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; e b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, a questão da devolução dos 55.000€ por parte do seminário, não extravasa os poderes de cognição do tribunal, uma vez que o pedido formulado pelos autores para além de outros é:ser condenado a restituir ao A. a quantia no valor de €.: 256.197,01 acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento com todas as consequências legai, sendo que, assentando o pedido quanto ao réu seminário na declaração de nulidade do contrato de mútuo e na restituição do valor de 256.197,01 euros mutuados, e tendo resultado demonstrado que apenas existiu uma doação ao seminário no valor de 256.197,01 €, e que foi pedida a devolução pelo padre F. C. da quantia de 55.000€, deveria o tribunal deveria ter-se pronunciado quanto a esta questão pois a mesma não extravasa o seu poder de cognição nem se divisa da causa de pedir que enforma a acção.

E a este propósito começaremos por referir que, analisada a pretensão inicialmente deduzida e os fundamentos em que a mesma é alicerçada, à evidência resulta que a pretendida factualidade em que se pretende alicerçar agora o pedido de devolução dos 5.000 €, que se alega ter sido omitido o respectivo conhecimento, não tem por fundamento materialidade que tenha sido inicialmente alegada, sendo entendimento dos Recorrentes que sempre poderia ser considerada, em razão do disposto no artigo 5.º, n.º2, als. a) e b), do CPC, onde se prescreve que, “além dos factos alegados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da instrução da causa”, bem como “Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar”.

Na verdade, como fundamento dos pedidos que deduziu alegaram os Autores no seu articulado inicial o seguinte:

(…)
No mês de Outubro de 2011, o Padre F. C. foi contactado pelo 1º Réu e pelos responsáveis da 2ª Ré, com quem mantinha boas relações, para emprestar dinheiro àquela instituição, pois pretendiam realizar obras nesta instituição e necessitavam de valor avultado.

O Padre F. C. acedeu ao pedido e informou-os de que poderia emprestar no máximo o valor de 256.000 €.
Assim, em 25/10/2011, transferiu para a conta do 2º Réu o montante de 256.197,01 €.

Ora, em Setembro de 2012, decorridos cerca de dois meses após a morte do Padre F. C. os seus herdeiros, os aqui Autores, solicitaram ao primeiro Réu que entregasse o excedente acima do valor de 55.000,00 €, que lhe tinha sido doado, ou seja, que lhe devolvessem 201.197,01 €, dos 256.197.01, que lhe haviam sido emprestados.
Sucede que, os RR., por intermédio do 1º Réu, informou-os que a quantia lhe havia sido doada pelo Padre F. C. e que não havia lugar a nenhuma devolução.

E com estes fundamentos deduziram os seguintes pedidos:

II) Declarada nula a doação de 55.000€ ao 1º Réu por vício de forma;
III) Declarada nula a doação de 55.000€ ao 1º Réu por se tratar de um caso de indisponibilidade relativa, e, em consequência, ser condenado a restituir ao A. a aludida quantia, acrescida de juros legais de mora vencidos e vincendos até afectivo e integral pagamento, e;
IV) Declarado nulo o contrato de mútuo celebrado com o 2.º Réu, por vício de forma, e, em consequência, ser condenado a restituir ao A. a quantia no valor de €.: 256.197,01 acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento com todas as consequências legais.

Não obstante, alegam agora os Recorrentes, ter resultado da prova produzida em audiência de discussão e julgamento que o Réu seminário está obrigado a devolver aos autores a quantia de 55.000€, já que dos depoimentos das testemunhas J. F., G. M., T. J., M. M., Paulo, Florência e do depoimento de parte do réu Bispo D. Amândio, resultou provado que o falecido padre F. C. solicitou a devolução de 55.000€ ao SEMINÁRIO X.

Assim, sem adução de qualquer argumentação ou fundamento jurídico em que se sustente, concluem que deveria o tribunal “ter dado como provado a devolução de parte do pedido no montante de 55.000€”.

Isto considerado, temos que, o pedido formulado de devolução dos 55.000 € (que os Recorrentes não especificam se se reportam ao alegadamente doado ou se é parte de que alegam ter sido mutuado), assentou, por um lado, numa alegada nulidade da doação ou do alegado mútuo efectuada desse valor, por vício de forma, ou, caso assim se não entenda, por se tratar de um caso de indisponibilidade relativa, assentado assim, em qualquer situação, no pressuposto ou fundamento de que sobre tal valor incidiu um negócio jurídico que consistiu numa doação ou num mútuo desse valor, pois, conforme foi alegado como fundamento da acção, os aqui Autores, solicitaram ao primeiro Réu que entregasse o excedente acima do valor de 55.000,00 €, que lhe tinha sido doado, ou seja, que lhe devolvessem 201.197,01 €, dos 256.197.01, pois sempre consideraram que o padre F. C. tinha doado os 55.000 € ao 1º Réu, por aquele ter sido sempre uma grande ajuda e um apoio excepcional ao longo dos anos.

Assim no articulado inicial, e como se deixou dito, apenas se refere que “em Setembro de 2012, decorridos cerca de dois meses após a morte do Padre F. C. os seus herdeiros, os aqui Autores, solicitaram ao primeiro Réu que entregasse o excedente acima do valor de 55.000,00 €, que lhe tinha sido doado, ou seja, que lhe devolvessem 201.197,01 €, dos 256.197.01, que lhe haviam sido emprestados”, sendo que, por um lado, tendo sido alegado que o Padre F. C. terá doado os 55.000 €, em nenhum momento se alegou que tenha alterado esta sua declaração de vontade, e, por outro, não resultou também demonstrada a realização de qualquer contrato de mútuo, sendo mesmo no pressuposto de que esses negócio jurídicos foram celebrado e mantidos que os Autores deduziram o seu valor ao que alegam ter pedido ao 1º Réu que fosse devolvido, ou seja, pediram que este último lhes devolvessem apenas 201.197,01 € e não os 256.197.01 €, por considerarem ter sido apenas aquele valor o mutuado e sendo o restante o que foi doado, o que, contudo, não lograram demonstrar.

Isto assente temos que de harmonia com o disposto no artigo 5, nºs 1 e 2, als a), b) e c), “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas”, sendo que, “além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

- os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
- os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciarem;
- os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções”.

Assim, podem ser considerados na decisão final os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.

O juiz pode assim, por sua iniciativa ou a requerimento da parte, coligir factos complementares ou concretizadores dos factos principais ou essenciais, ou seja, factos substanciadores da causa de pedir ou da excepção, havendo, contudo, de realçar-se que este poder inquisitório do juiz está limitado aos factos que sejam complemento ou concretização de outros, o que, obviamente, implica necessariamente que as partes tenham alegado satisfatoriamente nos articulados os factos que preenchem e integram os fundamentos da acção e da defesa.

Na verdade, e pese embora não integrem a causa de pedir, os actos complementares não podem deixar de estar directamente conexionados com aquela que tenha servido de fundamento á acção.

Isto, sem embargo de esta causa petendi ter de constar da petição inicial, sob pena de ineptidão deste articulado (art. 186.º, n.º 2, al. a), NCPC), pois que, se a petição não é inepta por conter uma causa de pedir, nenhum facto que seja adquirido durante a tramitação da causa pode integrar essa mesma a causa de pedir. O que já está completo na petição inicial não pode ser completado por nenhum outro facto.

Os factos complementares são isso mesmo: São factos complementares de uma causa de pedir, ou seja, os factos complementares não integram a causa de pedir (ou seja, são irrelevantes para a admissibilidade da acção), embora possam ser essenciais para a procedência desta acção, e logo têm de estar conexionados com ela como condição da procedência do pedido formulado.

Como refere Lopes do Rego, são factos essenciais todos aqueles que se afigurem decisivos para a viabilidade da acção - e da reconvenção ou da defesa por excepção - e que se mostrem, por isso, indispensáveis ao preenchimento da norma jurídica que dá satisfação ao interesse que a parte pretende fazer valer em juízo (12)

Por sua vez, para Rodrigues Bastos, “são factos principais aqueles que integram o facto ou factos jurídicos que servem de base á acção ou á excepção. Estes factos dividem-se em essenciais ou complementares, sendo os primeiros aqueles que constituem os elementos típicos do direito que se pretende fazer actuar em juízo, e os segundos, aqueles que, de harmonia com a lei, lhes dão a eficácia jurídica necessária para fazer essa actuação”. (13)

Para Castro Mendes, factos instrumentais são os que interessam indirectamente à solução do pleito por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos actos pertinentes (14). Já segundo TEIXEIRA DE SOUSA, trata-se de factos que indiciam os factos essenciais. (15)

Conforme escreve Lopes do Rego, os "factos instrumentais definem-se, por contraposição aos factos essenciais, como sendo aqueles que nada têm a ver com substanciação da acção e da defesa e, por isso mesmo, não carecem de ser incluídos na base instrutória, podendo ser livremente investigados pelo juiz no âmbito dos seus poderes inquisitórios de descoberta da verdade material", enquanto os "factos essenciais, por sua vez, são aqueles de que depende a procedência da pretensão formulada pelo autor e da excepção ou da reconvenção deduzidas pelo réu". (16)

Para este autor, e numa definição positiva, são factos instrumentais aqueles que se “destinam a realizar a prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes — assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa”. (17)

Os factos instrumentais são, assim, os que interessam indirectamente à solução da causa, por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos essenciais, não pertencendo, portanto, à norma fundamentadora do direito, sendo-lhe mesmo, em si, indiferentes, e apenas servindo para, da sua existência, se poder concluir pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da excepção.

Assim, “para que os factos sejam instrumentais é necessário que tenham uma relação com os factos principais, de tal maneira que, a partir daqueles, se possa chegar a estes”, referindo Castro Mendes, in ob. e loc. cit., que “são factos instrumentais aqueles que, sem fazerem directamente a prova dos factos principais, servem indirectamente a prová-los, pela convicção que criam da sua ocorrência”. (18)

Aqui chegados, afigura-se-nos evidente que, e com e devido respeito, todos os factos referenciados pelos Recorrentes, por um lado, não assumem a natureza de factos instrumentais, e, por outro, a serem considerados fundamentais tinham de ter sido alegados, e podendo revestir uma natureza complementar não podem também relevar enquanto tais, pois não complementam factualidade que tenha sido alegada e controvertida.

É que, conforme resulta de tudo o exposto e se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 9/02/2017, são “factos principais aqueles que integram o facto ou factos jurídicos que servem de base à acção ou à excepção os quais se podem dividir em essenciais ou complementares (ou concretização dos que as partes alegado), sendo os primeiros aqueles que constituem os elementos típicos do direito que se pretende fazer actuar em juízo, e os segundos aqueles que, de harmonia com a lei, lhes dão a eficácia jurídica necessária para fazer essa actuação, deixando-se registado que se são complemento ou concretização dos essenciais, em boa verdade e rigor lógico não se podem provar os segundos sem que os primeiros o estejam”. (19)

E assim sendo, desde logo haverá de concluir-se que não tendo resultado demonstrada a materialidade que consubstanciava esses negócios jurídicos e os vícios formais de que se alegava padecerem e que constituíram a causa de pedir que serviu de fundamento à acção, nunca tais factos poderiam assumir a relevância jurídica que se lhes pretende atribuir, ou seja, relevância jurídica como factos instrumentais ou complementares.

Por outro lado, e mesmo que assim se não entendesse, parece-nos de todo evidente que os factos em referência, de modo algum poderiam ser considerados como possuindo uma natureza complementar ou instrumental da materialidade alegado na acção pelos Recorrentes, pois que, sendo invocada a nulidade da doação e do mútuo e uma situação de alegada indisponibilidade relativa, não resultou demonstrada materialidade passível de concluir pela nulidade dos negócios, e também em nenhum momento foi alegada a revogação do primeiro dos aludidos negócios e/ou o vencimento do segundo (a doação ou o mútuo, respectivamente), sendo que, por outro lado, também tal factualidade é completamente alheia e em nada contende com a segunda situação (da alegada indisponibilidade relativa), pelo que, e por decorrência, não podem ser considerada ou ser-lhe atribuída qualquer relevância jurídica, no contexto dos fundamentos da presente causa.

E que não resultou demonstrada a materialidade que consubstanciava os aludidos negócios jurídicos e os vícios dos mesmos que fundamentaram os pedidos formulados, à evidência resulta da decisão recorrida, quando, a propósito das pretensões deduzidas pelo Autor nos presente autos refere na sua fundamentação o seguinte:
(…)
O mútuo positiva, assim, um efeito real, a transmissão da propriedade da coisa para o mutuário, pelo facto da sua entrega, e um efeito obrigacional, consistente na obrigação de restituição do tantundem eiusdem generis, admitindo-se, em determinadas situações tipificadas, variações quantitativas e qualitativas do objecto restitutório (vd. Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. 3.º, 6.ª edição, p. 408 e seguintes, Almedina).
O mútuo é celebrado pelo prazo acordado pelas partes, podendo ser gratuito ou oneroso; sendo o mútuo oneroso, o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes (artigos 1145.º e 1147.º do CC).
Ademais, sendo o mútuo oneroso adstringe-se ao mutuário a obrigação de pagamento de juros, ao abrigo do disposto no art.º 1145.º/1, do Código Civil.
No que se refere à forma do negócio jurídico, o mútuo civil de valor superior a 25.000,00€ só é válido se for celebrado por escritura pública, e o de valor superior a 2.500,00€ se o for por documento assinado pelo mutuário, em efectivação do exarado no art.º 1143.º, do Código Civil (com a redacção do D.L. n.º 116/2008, de 4 de Julho), sendo que esta exigência é dispensada se for adoptado o procedimento especial de transmissão, oneração e registo de imóveis, constante do D.L. n.º 263-A/2007, de 23 de Julho e da Portaria n.º 794-B/2007, de 23 de Julho.
*
No que tange à doação, prefigura o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente, em convergência com o plasmado no art.º 940.º, do Código Civil.

(…)
Ademais, enuncia-se que o contrato é um acto jurídico bilateral ou plurilateral de autonomia privada ou de auto-regulamentação de interesses estribado em declarações de vontade que consubstanciam um acordo negocial (artigos 217.º e 232.º do Código Civil), as quais, ao abrigo do poder “jurígeno” das partes, constituem situações jurídicas obrigacionais, i.e., geram vínculos jurídicos que obrigam ao cumprimento de determinadas prestações, sejam elas de dare, de facere ou de non facere (art.º 397.º do CC; vd. Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, Coimbra Editora, p. 9 e seguintes e A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, tomo I, 3.ª edição, Almedina, p. 451 e seguintes).

Na verdade, ao abrigo dos princípios da autonomia privada e da liberdade contratual, as partes titulam a liberdade de celebração de contratos e liberdade de estipulação dos seus termos, salvaguardadas as disposições legais imperativas, sendo que, em decorrência do princípio do numerus apertus, podem celebrar contratos típicos ou atípicos, nominados ou inominados (art.º 405.º do Código Civil; vd. A. Menezes Cordeiro, op. cit.).
O conteúdo do negócio corresponde à regulação desencadeada pelo mesmo, postulando, assim, a aplicação de um conjunto de regras jurídicas à composição privada efectivada pelas partes, sob o crivo da dicotomia vontade negocial/declaração, sendo que o tipo negocial consubstancia um acervo de elementos essenciais ou essentialia negotii (exigíveis para a validade do negócio), elementos naturais ou naturalia negotii (que derivam supletivamente da lei) e elementos acidentais ou accidentalia negotii (introduzidos ao abrigo da vontade das partes), i.e., uma concatenação de elementos normativos e elementos voluntários (vd. A. Menezes Cordeiro, op. cit., e Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra Editora, vol. 2.º, p. 33 e seguintes).
*
In casu, atesta-se que naufragou linearmente a comprovação da factualidade constitutiva da doação ao Réu Amândio e do empréstimo ao SEMINÁRIO X invocados pelos Autores, prejudicando-se, assim, a apreciação das excepções de nulidade alegadas pelos mesmos.

Ademais, a matéria fáctica demonstrada em 9) e 10) é passível tão-só de consubstanciar uma doação a favor do SEMINÁRIO X formalmente válida, não se vislumbrando qualquer vício inquinante da mesma e sendo inaplicável a estatuição do artigo 2194.º do Código Civil, pelo que se afigura prejudicada a aferição da excepção de inconstitucionalidade arguida pelos Réus.

Destarte, demanda-se o meridiano decaimento das pretensões formuladas pelos Autores e a consequente improcedência integral da acção.

(…)

Ora, como se sumaria no citado acórdão da Relação de Coimbra:

I- Os factos complementares ou concretizadores dos essenciais que compõem a causa de pedir nos termos do art. 5º do CPC, para poderem ser tomados em consideração pelo tribunal têm que ser considerados como provados na sentença e previamente a tal ser dado conhecimento às partes que irão ser acrescentados.
II- Para que se possam dar como provados os factos complementares ou concretizadores é necessário que os factos essenciais de que eles sejam complemento ou concretização tenham ficado provados, não sendo de admitir que não sendo provados esses factos essenciais da causa de pedir, se julgue a acção procedente com base nos ditos complementares ou concretizadores mas que afinal substituam os da causa de pedir que não se tenham provado.

E assim sendo, considerando que foram conhecidos todos os fundamentos invocados, não se vislumbra que a decisão tenha deixado de apreciar e decidir as questões litigadas pelas partes, e, por decorrência, que se verifique a invocada nulidade de omissão de pronúncia, improcedendo nesta parte a apelação.

Cumpre agora proceder à apreciação da impugnação da matéria de facto pretendida pelos Apelantes, pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito.

A impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância.

Pretende-se que a Relação reaprecie e repondere os elementos probatórios produzidos nos autos, averiguando se a decisão da primeira instância relativa aos pontos de facto impugnados se mostra conforme às regras e princípios do direito probatório, impondo-se se proceda à apreciação não só da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios, da sua consistência e coerência, à luz das regras da normalidade e da experiência da vida, mas também da sua valia extrínseca, ou seja, da sua consistência e compatibilidade com os demais elementos.

Como refere Abrantes Geraldes (20) «Consistindo o processo jurisdicional num conjunto não arbitrário de actos jurídicos ordenados em função de determinados fins, as partes devem deduzir os meios necessários para fazer valer os seus direitos na altura/fase própria, sob pena de sofrerem as consequências da sua inactividade, numa lógica precisamente assente, em larga medida, na autorresponsabilidade das partes e, conexamente, num sistema de ónus, poderes, faculdades, deveres, cominações e preclusões» (21).
«Sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova.
Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso.
Assim o determina o princípio do dispositivo que se revela através da delimitação do recurso (da matéria de facto) através das alegações e mais concretamente das conclusões» (22).

Como é consabido, os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.

A prova não visa, adverte o Prof. Antunes Varela, “(...) a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (...)”, mas tão só, “(...) de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.(23).

Através das provas não se procura criar no espírito do julgador a certeza absoluta da realidade dos factos, pois que, “se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça” (24), o que, evidentemente, implica que a justiça tenha de se bastar com um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso, às regras da experiência da vida e aos ensinamentos da ciência.

A apreciação das provas resolve-se, assim, em formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador, como diz o Prof. Alberto dos Reis, “(...) segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual, e portanto segundo as máximas de experiência e as regras da lógica (...)”. (25)

E, como refere Teixeira de Sousa, nessa actividade de livre apreciação da prova deve o tribunal especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção adquirida (art. 653º, nº 2 do CPC), permitindo, dessa forma, que se “possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (26) e exercer um controle externo e geral do fundamento de facto da decisão.

Mas, como é óbvio, e convirá realçar, a liberdade na apreciação da prova não equivale a uma apreciação arbitrária das provas produzidas, uma vez que o inerente dever de fundamentação do resultado alcançado impedirá a possibilidade de julgamentos despóticos.

À luz de tudo o exposto importa agora sindicar a decisão da matéria de facto, averiguando, por um lado, se as respostas impugnadas foram proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório e, por outro, se existem factos alegado que não foram considerados e que se revestiam de relevante interesse para o proferimento da decisão recorrida.

Ora, como resulta do supra exposto, o Apelantes impugna a materialidade fixada na decisão recorrida alegando como fundamento em que o Tribunal recorrido deu como não provados o facto a seguir referido, os qual, contudo, em seu entender, em respeito pela integridade da prova produzida nos autos, deveriam ter sido dados como demonstrado.

Esse facto é o seguinte:

“12. Em inícios do mês de Outubro de 2011, o Padre F. C. foi contactado pelo Réu JOSÉ e por responsáveis do SEMINÁRIO X para emprestar dinheiro àquela instituição, pois pretendiam realizar obras na Instituição, referindo-lhe que sabiam que era uma pessoa abastada e acrescentando que, sendo um ex-aluno daquela instituição, cabia-lhe a obrigação de os ajudar.”

Ora, como é consabido, a jurisprudência tem vindo a defender que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.

Assim, e como se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães, de 02/02/2017, “a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior C.P.C.], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante»

Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, com bold apócrifo).

Por outras palavra, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.

Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10)”. (27)

Destarte e como aí se conclui, “o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados”, ou seja, quando da análise conjugada dos meios probatórios produzidos em audiência, se imponha “uma conclusão diferente (prevalecendo, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova) ”, sendo que, “não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstância próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)”.

Ora, na presente situação, e pese embora os Recorrentes aleguem que em decorrência da prova produzida resultou demonstrado o aludido facto ínsito sob o nº 12, dos considerados não provados, e no qual apenas de refere que “o Padre F. C. foi contactado pelo Réu JOSÉ e por responsáveis do SEMINÁRIO X para emprestar dinheiro àquela instituição, pois pretendiam realizar obras na Instituição, referindo-lhe que sabiam que era uma pessoa abastada e acrescentando que, sendo um ex-aluno daquela instituição, cabia-lhe a obrigação de os ajudar”, o certo é que, a pretensão que deduzem por via recursória de que o tribunal deveria “ter dado como provado a devolução de parte do pedido no montante de 55.000€”, assenta no facto de em seu entender ter resultado da prova produzida em audiência de discussão e julgamento que o Réu seminário está obrigado a devolver aos autores a quantia de 55.000€, por ter resultado provado que o falecido padre F. C. solicitou a devolução de 55.000€ ao SEMINÁRIO X.

Ora como é evidente, estas são conclusões factuais autónomas que não decorrem directa ou indirectamente da eventual demonstração do facto objecto de impugnação e cuja demonstração se entende ter sido efectuada.

Na verdade, e como se referiu aquando do tratamento jurídico da invocada nulidade, em face dos fundamentos invocados a alicerçar o pedido formulado de devolução dos 55.000 €, algumas são conclusões que daí decorrem de modo evidente e irrefutável:

- Por um lado, tal pedido tem como causa de pedir uma alegada nulidade da doação e do mútuo alegadamente efectuados, por vício de forma, ou, caso assim se não entenda, por se tratar de um caso de indisponibilidade relativa, ou seja, tem como pressuposto ou fundamento de que sobre tal valor incidiram os negócios jurídicos que consistiram numa doação ou mútuo desse valor, pois, conforme foi alegado, os aqui Autores, solicitaram ao primeiro Réu que entregasse o excedente acima do valor de 55.000,00 €, que lhe tinha sido doado, ou seja, que lhe devolvessem 201.197,01 €, dos 256.197.01, pois sempre consideraram que o padre F. C. tinha doado os 55.000 € ao 1º Réu, por aquele ter sido sempre uma grande ajuda e um apoio excepcional ao longo dos anos.
- Por outro lado, e assim sendo, tendo sido alegado que o Padre F. C. terá doado os 55.000 €, em nenhum momento se alegou que tenha alterado esta sua declaração de vontade, sendo mesmo no pressuposto de que ela se manteve que o Autor deduziu o seu valor ao que alega ter pedido ao 1º Réu que fosse devolvido, ou seja, pediu que este último lhe devolvessem apenas 201.197,01 € e não os 256.197.01 €, por considerar ter sido apenas aquele valor o mutuado e sendo o restante o que foi doado.
- Logo, e por decorrência, à evidência resulta que uma tal materialidade, que o próprio Recorrente invoca não ter sido alegada na acção e ter resultado da discussão da causa - quando refere que o tribunal à quo ao não se pronunciou, como devia, sobre a devolução dos 55.000€ aos autores, pois que, em seu entender, nos termos do artº 5, nº 2 do CPC devem ser considerados pelo juiz a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; e b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar -, atenta a causa de pedir invocada, não pode ser considerada como possuindo uma natureza complementar ou instrumental da materialidade alegada na acção pelo Recorrente, como fundamento das pretensões que deduziu, já que, como se deixou dito, tal factualidade é completamente alheia à causa de pedir invocada, pelo que, e por decorrência, não pode ser considerada ou ser-lhe atribuída qualquer relevância jurídica.

De tudo o exposto à evidência resulta que a materialidade objecto de impugnação revela-se completamente inócua ou irrelevante para a decisão da questão em apreço, de modo algum podendo fundamentar a pretensão deduzida pelos Recorrentes, mesmo que tivesse sido considerada como demonstrada, pois nem sequer é com fundamento nela que foi deduzida a pretensão formulada na apelação.

Por decorrência, improcede também nesta parte a presente apelação mantendo-se na íntegra a matéria de facto fixada na decisão recorrida.

Destarte, e pelas razões que antecedem, julga-se improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.


IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Apelantes.
Guimarães, 20/ 09/ 2018.

Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Helena Gomes de Melo.


1. Cfr. A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 690.
2. Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, reimpressão, p. 142.
3. Cfr., p. ex., A. Varela e outros, obra citada, p. 690; Alberto dos Reis, obra e local citado (estabelecendo também uma correspondência directa entre o vício em questão e a exigência mencionada no art. 660º, nº 2 do C.P.C.); Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, 1982, p. 142.
4. Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., pg. 54.
5. Cfr. Anselmo de Castro, obra e local citados na nota anterior.
6. Cfr. Neste sentido, Acórdão STJ de 02.07.1974, de 06.01.1977 e de 05.06.1985, entre outros.
7. Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 111.
8. Cfr. J. A. dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, p. 369.
9. Cfr. A. de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1981, Vol. II, pag. 221.
10. Cfr. Castro Mendes, Direito Processual Civil, III, pag. 48.
11. Direito Processual Civil Declaratório, 1981, Vol. I, pp. 209 a 211
12. Cfr. Lopes do Rego, Com. Cod. Proc. Civ., pg. 200.
13. Cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, pg. 12,
14. Cfr. Castro Mendes, in Direito Processual Civil, vol. II, p. 208
15. Cfr. Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, p. 52.
16. Cfr. Lopes do Rego, Comentário ao CPC, p. 201.
17. Cfr. Lopes do Rego, Comentários ao C. P. C., Vol I, 2.ª edição, pág. 252.
18. Cfr. Ac. da Relação de Coimbra, de 27.04.2004, proc. 204/04, www.dgsi.pt.
19. Cfr. AC STJ de 18-05-2004 proc. n.º 1570/04, in dgsi.pt.
20. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 127.
21. Ac. do STJ (4ª secção) de 12.03.2015 (Mário Belo Morgado), proc. 756/09.5TTMAI.P2.S1, in www.dgsi.pt.
22. Abrantes Geraldes, in ob. cit. págs. 228 e 229.
23. Cfr. A. Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora - 1984 - págs. 419 e 420.
24. Cfr. A. Varela, RLJ, Ano 116, p. 339.
25. Cfr. Alberto do Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 245.
26. Cfr. M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348.
27. Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 02/02/2017m proferido no processo nº 121/15.5T8VVD.G1, in www.dgsi.pt