Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2689/20.5T8VNF-D.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: INSOLVÊNCIA
VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
TRABALHADOR
PAGAMENTO PELO FGS
PRÉVIA DECISÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I - Nos termos do art. 233º, nº 2, al. b), do CIRE, a consequência legal do encerramento do processo de insolvência antes do rateio final é a extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados.
Esta regra admite duas exceções:
1) a situação de já ter sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no art. 140º;
2) a situação de o encerramento resultar da aprovação do plano de insolvência.
II - Nas exceções ao regime regra de extinção da instância não se enquadra o requerimento do autor ou do devedor para o prosseguimento das ações, não prevendo a lei a possibilidade de tais ações continuarem por uma mera declaração de vontade do autor ou do devedor nesse sentido.
III - O requerimento para a continuação das ações não constitui ele próprio uma exceção ao regime regra de extinção e só se aplica no caso de se verificar a segunda exceção consistente no encerramento resultante da aprovação do plano de insolvência e unicamente quanto às ações de restituição e separação e bens, não tendo aplicação sequer às ações de verificação de créditos.
IV - O pagamento pelo FGS não depende da existência de uma prévia decisão judicial de reconhecimento do crédito, bastando unicamente que o crédito tenha sido reclamado no âmbito do processo de insolvência.
V – Tendo o processo de insolvência sido declarado encerrado por insuficiência da massa insolvente e não decorrendo do regime legal vigente a necessidade de prévia obtenção de uma decisão judicial de verificação e graduação de créditos para efeitos de obter o pagamento através do FGS, não se justifica que, com vista a alcançar esta finalidade, se determine o prosseguimento da ação de verificação ulterior de créditos que a trabalhadora interpôs.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

RELATÓRIO

M. M. veio, com o patrocínio do Ministério Público e por apenso ao processo em que foi declarada insolvente “F. G., Lda.”, instaurar ação de verificação ulterior de créditos contra a massa insolvente, os credores e o devedor pedindo o reconhecimento dos seguintes créditos laborais:

a) 1 950,00 € a título de indemnização pelo despedimento ilícito;
b) 3 900,00 € (650,00 € x 6) a título de compensação, ou seja, as retribuições e subsídios de férias e de natal que a A. deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença;
c) 1 300,00 € a título de salários, férias e subsídio de férias vencidos em 2020;
d) 486,16 €, respeitante ao subsídio de natal proporcional ao tempo de trabalho até agora prestado no corrente ano (273 dias);
e) 722,05 €, respeitante a férias, subsídios de férias e de natal;
f) 625,05 €, respeitantes a salários já vencidos;
g) juros de mora sobre todas as quantias em que a insolvente vier a ser condenada desde a citação até total pagamento.

Na petição inicial formulou ainda o seguinte requerimento:
Porque os créditos da trabalhadora ainda não foram reconhecidos por qualquer Tribunal (1), não figurando também em qualquer lista de credores, provisória ou definitiva (2), e existe a possibilidade de os autos principais serem encerrados por insuficiência da massa insolvente, o que demandará a consequente extinção deste apenso, caso tal venha a ocorrer requer-se desde já o seu prosseguimento nos termos do disposto no artº 233º, nº 2, al. b), in fine, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, para que os mesmos venham a ser reconhecidos e ressarcidos pelo Fundo de Garantia Salarial.
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Em 4.12.2020 foi proferido despacho com o seguinte teor:
Aguardem os autos a decisão a proferir sobre a votação do relatório apresentado pelo sr administrador, depois da prestação dos esclarecimentos solicitados, que pode tornar inútil a presente ação.
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O Ministério Público foi notificado deste despacho, em 9.12.2020, e apresentou requerimento pedindo que fosse determinado o prosseguimento dos autos com a citação dos réus até ser proferida decisão que apreciasse o mérito do pedido formulado.
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Quanto a este requerimento foi proferido despacho, em 13.1.2021, com o seguinte teor:
Conforme já ordenado, os autos aguardarão o resultado da votação nos autos principais pois o eventual encerramento dos autos principais pode levar à inutilidade da presente lide, conforme já por nós decidido em outros processos bem como nos Acórdãos proferidos pela Relação de Guimarães nos processos nº 4809/19.3T8VNF de 14-5-2020, 7842/19.1T8VNF de 3-12-2020 e 7329/18.0T8VNF, e ainda o Acórdão de 15-6-2020, os dois últimos disponíveis em www.dgsi.pt.
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Este despacho foi notificado ao Ministério Público, em 14.1.2021.
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O processo de insolvência foi declarado encerrado, por insuficiência da massa insolvente, por decisão de 14.4.4021.
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No presente apenso foi proferida sentença a qual considerou, que, por ter sido proferida sentença de encerramento da insolvência por insuficiência da massa para pagamento das custas e dívidas da massa, sem que tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, nem tenha sido aprovado plano de insolvência, tal acarreta a extinção da instância nos termos do art. 233º, nº 2, al. b) do CIRE.
Por outro lado, a trabalhadora, após o encerramento do processo, pode demandar diretamente a insolvente e, além disso, a trabalhadora não necessita de uma sentença para acionar o Fundo de Garantia Salarial.
Em consequência, pronunciou-se pela ocorrência de uma situação de inutilidade superveniente da lide, por não mais poder ser atingida a utilidade da mesma - artigo 277º, al e) CPC ex vi artigo 17º CIRE.
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O Ministério Público não se conformou com esta decisão e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. Com a tempestiva instauração da presente acção, e consciente que o processo de insolvência poderia ser encerrado por insuficiência da massa insolvente, o Ministério Público pretendeu (tendo para o efeito requerido oportunamente o prosseguimento dos autos, antes da aludida decisão de encerramento) obter uma decisão de mérito que legitimasse a trabalhadora por si representada a accionar o Fundo de Garantia Salarial;
2. Não concordando com a posição assumida pelo Ministério Público, e nos termos do artº 277º, al. e), do Código de Processo Civil, o Tribunal a quo determinou a extinção da instância, por inutilidade superveniente, porque:
2a) assim dispõe o artº 233º, nº 2, al. b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
2b) o trabalhador sempre poderá demandar a sua antiga entidade patronal, após o encerramento do processo;
2c) o trabalhador pode recorrer ao Fundo de Garantia Salarial, ainda que não seja aqui proferida qualquer sentença;
3. A inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo (torna-se impossível alcançar o resultado), ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida (o resultado foi alcançado por outro meio);
4. A inutilidade superveniente da lide é uma realidade absoluta, não se podendo extinguir a instância nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável;
5. Actos absolutamente inúteis traduzem uma realidade processual substancialmente diferente de actos supérfluos ou desnecessários pois que estes podem ter alguma utilidade;
6. A trabalhadora M. M., sempre patrocinada pelo Ministério Público, manifestou perante dois Juízos distintos (Trabalho e Comércio) um pedido de reconhecimento de créditos laborais e, em ambas as situações, foi confrontada com um non liquet [ali perfeitamente justificado face ao estatuído no artº 277º, al. e), do Código de Processo Civil, e à declaração de insolvência aqui ocorrida];
7. Como tal, nenhum Tribunal Português proferiu uma decisão de mérito sobre a pretensão da aludida trabalhadora, o reconhecimento de créditos sobre a sociedade insolvente “F. G., Ldª”;
8. A afirmação do direito à apreciação da pretensão, mediante a tutela do direito ou interesse legítimo e, portanto, do primado da decisão de mérito sobre a decisão processual, visa assegurar a realização da função jurisdicional;
9. O artº 233º, nº 2, al. b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, deve ser entendido como agasalhando uma excepção à regra da extinção da instância nos processos de verificação ulterior de créditos (quando o processo de insolvência seja encerrado antes do rateio final por insuficiência da massa insolvente) nos casos em que os autores de determinadas acções requeiram o seu prosseguimento, como o Ministério Público fez;
10. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que o intérprete não pode olhar para este preceito e aplicá-lo, sem mais, qualquer que seja o crédito reclamado;
11. A devida (pelo intérprete) visão holística do direito manda que se tenham em consideração valores como a exigência do bem comum, o ideal de justiça, a ética e a igualdade pois que a lei vigora numa ordem social e o seu texto é indecifrável se aí não for integrado;
12. O espírito da lei é o que resulta dessa integração e os chamados elementos lógicos da interpretação - histórico, sistemático e teleológico - só têm sentido se vistos naquele enquadramento;
13. Como tal, e recorrendo aos ensinamentos do artº 9º do Código Civil, sempre deveria o Tribunal a quo ter averiguado o escopo do artº 233º, nº 2, al. b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o que não sucedeu pois preferiu manter o processo a aguardar por 165 dias para proferir uma decisão de forma, sem mérito;
14. Assim, facilmente intuiria que a teleologia deste normativo restringe a sua aplicação aos casos em que a parte pretende, intraprocessualmente, fazer-se valer de um direito que, ainda que judicialmente constatado, tornar-se-á de inexistente valia face ao encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente;
15. O mesmo não sucederá quando esse exercício vier a ocorrer extraprocessualmente (v.g., quando o autor quiser recuperar o IVA [artº 78º, nº 7, al. b), do Código do IVA], considerar o seu crédito incobrável para ser valorado na competente declaração de IRC [artº 41º, nº 1, al. b), do Código do IRC], demandar o Fundo de Garantia Salarial (artº 336º do Código de Trabalho) ou responsabilizar os gerentes ou directores da insolvente (artº 78º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais);
16. Esta interpretação tem respaldo jurisprudencial (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de Junho de 2011, processo nº 179/04.2TBMFR.L1-7, relatora Maria João Areias, disponível em www.dgsi.pt);
17. A possibilidade alvitrada pela meritíssima a quo de a trabalhadora poder vir a demandar a sua antiga entidade patronal (assim estando assegurada a tutela do seu direito agora invocado), pessoa colectiva já declarada insolvente e cujo processo foi encerrado por insuficiência da massa insolvente (porquanto quase em morte jurídica pois que não se trata de uma pessoa singular) agasalha uma hipótese perfeitamente académica e que nunca a poderia ter legitimado a não exercer a sua função jurisdicional, sugerindo à trabalhadora que recorra a uma “terceira via” para resolver o seu conflito que os Tribunais teimam em não julgar;
18. No caso concreto, a liquidação da sociedade insolvente será promovida oficiosamente pelo conservador do registo comercial competente, de acordo com as disposições combinadas dos arts. 234º, nº 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e 15º, nº 5, al. i), do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e Liquidação de Entidades Comerciais, que constitui o Anexo III do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março;
19. Apesar de a sociedade insolvente continuar a manter a sua personalidade jurídica (artº 146º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais) e poder ser demandada, a verdade é que a muito provável celeridade inerente a tal processado e a óbvia inexistência de bens desencorajam qualquer actuação da autora que, ainda que agisse em conformidade, sempre veria ultrapassado o prazo para requerer a intervenção do Fundo de Garantia Salarial, se é que algum terá a sua pretensão apreciada por alguma entidade;
20. Este comportamento (sugerido à trabalhadora, como forma de ver o seu crédito apreciado e reconhecido) é que incorpora a prática de verdadeiros actos inúteis, proibidos por lei (artº 130º do Código de Processo Civil);
21. Como tal, o Tribunal a quo deve apreciar o mérito da pretensão formulada pelo Ministério Público, nunca considerando a extinção da instância porque nem estamos perante uma hipótese em que aquela não se pode manter, por desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo (caso em que a solução do litígio deixa de interessar, por ser impossível alcançar o resultado pretendido), ou porque foi satisfeita fora dos presentes autos (caso em que a solução do litígio deixa de interessar, porque o resultado foi atingido de outra forma);
22. Ali porque continua a interessar a apreciação do conflito e aqui uma vez que a pretensão da trabalhadora (reconhecimento dos seus créditos, e posterior pagamento) não foi dirimida em qualquer outro local, perante outra entidade;
23. A possibilidade de a trabalhadora recorrer ao Fundo de Garantia Salarial avançada pelo Tribunal a quo é equívoca pois que é uma credora aparente, putativa, sem qualquer decisão judicial com força executiva que a legitime a requerer e exigir a satisfação dos seus direitos, por terem sido apreciados e constatados por quem reconheceu que advêm de uma prestação válida de trabalho a favor de outrem, da sua violação ou cessação;
24. Ademais, aquela trabalhadora não viu o seu crédito reconhecido na lista provisória de credores ou na lista definitiva de credores e, como tal, a maioria da jurisprudência invocada na decisão em crise é perfeitamente desajustada ao caso concreto (pois pressupõe que aquilo tenha ocorrido);
25. A jurisprudência citada e proferida pelos Tribunais Administrativos aponta no sentido que “não existindo sentença do Tribunal de Trabalho que declare a ilicitude do despedimento, nem sentença de verificação e graduação de créditos no processo de insolvência, mostra-se ilegítima a fixação de uma qualquer indemnização, exatamente em decorrência da falta de declaração judicial de despedimento ilícito” e, como tal, os direitos laborais ficarão sem reconhecimento [o despedimento ocorreu fora do período experimental (1), não foi precedido de processo disciplinar para averiguação de justa causa do despedimento (2) e não foi fundado em justa causa, pelo que é ilícito (3). Sendo ilícito, existe direito a indemnização (4), eventualmente reintegração (5), compensação (6), aos salários, férias e subsidio de férias (7) e subsidio de natal proporcional (8) em dívida];
26. A utilidade da lide mais se fortalece com a pendência do incidente de qualificação da insolvência, onde dois credores pugnam pela sua tipificação como culposa e o Ministério Público aguarda a produção de prova para adoptar procedimento idêntico;
27. Se tal vier a ocorrer, e face ao não reconhecimento do dito crédito, a trabalhadora representada pelo Ministério Público não vai poder beneficiar do mecanismo previsto no artº 189º, nº 2, al. e), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
28. Não sendo uma credora reconhecida, a indemnização a fixar não lhe será arbitrada;
29. Esta interpretação tem respaldo jurisprudencial (acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15 de Março de 2018, relatora Maria Conceição Correia Ribeiro Cruz Bucho, processo nº 459/17.7T8VNF-C.G1, disponível em www.dgsi.pt);
30. Foram violados os arts. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, 2º, nº 1, do Código de Processo Civil (por não aplicação), 8º, nº 3, e 9º do Código Civil, 189º, nº 2, al. e), 233º, nº 2, al. b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 277º, al. e), do Código de Processo Civil (por errada interpretação), e 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21 de Abril (por errada aplicação).”

Termina pedindo a revogação da sentença e prosseguimento dos demais termos do processo.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.
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Apesar de na decisão recorrida não ter sido expressamente fixado valor à causa, considera-se que a mesma aceitou tacitamente o valor indicado na petição inicial, que é de € 8 983,26.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, a questão relevante a decidir consiste em saber se o encerramento do processo de insolvência antes de ter sido proferida decisão de verificação e graduação de créditos não determina a extinção do processo de verificação ulterior de créditos, por ter sido requerido o seu prosseguimento nos termos do art. 233º, nº 3, al. b) 2ª parte, do CIRE, e para que os créditos venham a ser reconhecidos e ressarcidos pelo Fundo de Garantia Salarial.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos relevantes são os que se mostram descritos no relatório.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o art. 233.º, n.º 2, al. b), do CIRE que o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina a extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, exceto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º, ou se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença e as ações cujos autores ou a devedora assim o requeiram, no prazo de 30 dias.
Decorre desta norma que, como regra, a consequência legal do encerramento do processo de insolvência antes do rateio final é a extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados.

Esta regra geral admite duas exceções:
1) a situação de já ter sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no art. 140º;
2) a situação de o encerramento resultar da aprovação do plano de insolvência.

Nas exceções ao regime regra de extinção da instância não se enquadra o requerimento do autor ou do devedor para o prosseguimento das ações, não prevendo a lei a possibilidade de tais ações continuarem por uma mera declaração de vontade do autor ou do devedor nesse sentido.
Esta declaração de vontade constitui apenas requisito para continuação da ação quando se verificar a exceção decorrente da aprovação do plano de insolvência.
Sobre esta temática, e depois de analisarem exaustivamente este normativo e a redação do mesmo, que consideram não ser inequívoca, Carvalho Fernandes e João Labareda (in CIRE Anotado, 3ª edição, pág. 841) colocam a dúvida de saber se o “pensamento legislativo não irá mais além, a ponto de determinar a continuação do apenso de verificação de créditos até decisão final, no caso de o processo de insolvência terminar na decorrência da homologação de um plano, o que se apresenta sobremaneira sugestivo na eventualidade de terem sido deduzidas impugnações à lista elaborada pelo administrador de insolvência dada uma certa analogia com a hipótese de interposição de recurso da sentença de verificação”. No entanto, a esta dúvida respondem de forma negativa e concluem que “neste contexto, cremos que, no caso de o processo judicial ter terminado na decorrência de um plano de insolvência, não estando, como é pressuposto, proferida sentença de verificação de créditos, apenas se salvaguarda a continuação das ações pendentes de restituição e separação de bens já liquidados cujos autores assim requeiram, no prazo de trinta dias”.
Por conseguinte, e em síntese, o requerimento para a continuação das ações não constitui ele próprio uma exceção ao regime regra de extinção e só se aplica no caso de se verificar a segunda exceção consistente no encerramento resultante da aprovação do plano de insolvência e unicamente quanto às ações de restituição e separação e bens, não tendo aplicação sequer às ações de verificação de créditos.
Caso não se verifique nenhuma das duas apontadas exceções, cai-se no regime regra, ocorrendo, por isso, forçosamente, a extinção da instância.
Portanto, não tem razão a apelante quando invoca que a ação de verificação ulterior de créditos que interpôs deveria ter prosseguido em virtude de ter formulado requerimento nesse sentido, uma vez que, no caso, não se verifica nenhuma das exceções à extinção visto que não foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos e o processo não foi encerrado na sequência de um plano, mas sim por insuficiência da massa.
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Importa aqui abrir um breve parêntesis para analisar a invocação feita pela recorrente de que o processo esteve “parado 165 dias para legitimar a prolação de uma decisão de forma quando, se tivesse ordenado a citação dos RR’s a (...) decisão de mérito estaria há muito transitada em julgado”.
Embora tal não seja expressamente afirmado, parece-nos, do conjunto da argumentação expendida, que se pretende extrair a conclusão de que, não fora tal situação, a sentença de verificação existiria, verificar-se-ia a exceção e consequentemente a extinção da instância não ocorreria.
Não obstante a natureza meramente hipotética desta situação, pois não se sabe se efetivamente à data de encerramento do processo a sentença de graduação já teria sido efetivamente proferida, é de referir que tal ocorreu na sequência da prolação dos despachos de 4.12.2020 e 13.1.2021 os quais determinaram que os autos aguardassem o resultado da votação do relatório apresentado pelo Sr. administrador nos autos principais.
Ambos os despachos foram devidamente notificados à recorrente e não foram impugnados, sendo certo que poderiam ser objeto de apelação autónoma.
Ainda que assim não se entendesse, tais despachos também não foram impugnados neste recurso pois que o mesmo versa unicamente sobre a decisão que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, como resulta da leitura do requerimento de interposição de recurso.
Não sendo esses despachos objeto deste recurso, não é possível apreciar tais decisões nem delas retirar quaisquer consequências designadamente que se não tivessem sido proferidas já teria havido a decisão de verificação e graduação de créditos que constituiria exceção à extinção da lide consagrada no art. 233º, nº 2, al. b), do CIRE, sob pena de se cometer nulidade por excesso de pronúncia.
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Prosseguindo e retornando ao objeto do recurso, verifica-se que o processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa e que não se verifica nenhuma das exceções a que alude o art. 233º, nº 2, al. b), do CIRE pelo que, face ao regime regra aí estatuído, a conclusão a retirar é a de que o encerramento antes do rateio final determina a extinção da instância do apenso de verificação ulterior de créditos.
Bem se compreende que assim seja pois importa lembrar que, como decorre do art. 146º, nº 1, do CIRE, a verificação ulterior de créditos se destina unicamente a possibilitar que findo o prazo de reclamações se reconheçam outros créditos “de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de ação proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor”(sublinhado nosso).
Como resulta do citado preceito, esta ação tem unicamente como finalidade que os créditos sejam reconhecidos para que possam ser atendidos no próprio processo de insolvência, não visando a obtenção de uma sentença para outros efeitos, estranhos ou alheios ao processo de insolvência. Dito de outro modo, o que se visa com tal ação é o reconhecimento da qualidade de credor da insolvente para efeitos de exercício do respetivo direito no âmbito do processo de insolvência.
Como tal, encerrado o processo de insolvência, sem aprovação de plano e sem que tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, a instância extingue-se porque não há processo de insolvência onde os créditos possam ser atendidos e exercidos. Desaparecendo o fim a que se destinava o reconhecimento dos créditos, a ação perde a sua finalidade e a instância tem que se extinguir, como resulta da leitura conjugada dos arts. 146º, nº 1 e 233º, nº 2, al. b), do CIRE.
Pretendo a trabalhadora uma decisão de mérito com efeitos extraprocessuais, que constitua título executivo, terá de recorrer a outra via, que não a da verificação ulterior de créditos que, reafirma-se, só se destina ao reconhecimento de créditos para serem atendidos no processo de insolvência.
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Não obstante, importa analisar se obsta a esta extinção da instância a necessidade de uma decisão judicial para obter o pagamento dos créditos através do Fundo de Garantia Salarial, como invocado pela recorrente e apreciado na decisão recorrida.
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E aqui importa abrir novo parêntesis para dizer que só será analisada a questão do prosseguimento da ação na ótica do recurso ao Fundo de Garantia Salarial posto que só ela foi suscitada e apreciada no tribunal recorrido.
Nas alegações a recorrente, com vista a demonstrar a necessidade de prosseguimento da ação, invoca outras matérias, como seja a recuperação do IVA, a declaração do crédito como incobrável para efeitos de IRC, a responsabilização dos gerentes ou diretores da insolvente e a declaração como credor para efeitos de ser abrangido pela indemnização do art. 189º, nº 2, al. e), do CIRE.
Todavia, nenhuma destas matérias foi suscitada no tribunal recorrido pelo que as mesmas não foram aí analisadas.
Como escreve António Santos Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pág. 119) “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não analisar questões novas, salvo quando (...) estas sejam de conhecimento oficioso (...). Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso.”
Como tal, a questão da utilidade do prosseguimento da ação será apreciada unicamente na ótica do recurso ao Fundo de Garantia Salarial, pois foi sob esse prisma que a questão foi suscitada no tribunal a quo e por ele decidida.
*
Dispõe o art. 336.º do Código do Trabalho que o pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica.
Tal legislação específica é o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, que aprovou o novo regime do Fundo de Garantia Salarial e transpôs a Diretiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa a proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador.

Nos termos do art. 1º do aludido diploma:

1 - O Fundo de Garantia Salarial, abreviadamente designado por Fundo, assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja:
a) Proferida sentença de declaração de insolvência do empregador;
b) Proferido despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de processo especial de revitalização;
c) Proferido despacho de aceitação do requerimento proferido pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I. P. (IAPMEI, I. P.), no âmbito do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.

Relativamente ao procedimento previsto para o efeito, dispõe o art. 5.º que:

1 - O Fundo efetua o pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual constam, designadamente, a identificação do requerente e do respetivo empregador e a discriminação dos créditos objeto do pedido.
2 - O requerimento é instruído, consoante as situações, com os seguintes documentos:
a) Declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório;
b) Declaração comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, quando o mesmo não seja parte constituída, emitida pelo empregador;
c) Declaração de igual teor, emitida pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, quando não seja possível obtenção dos documentos previstos nas alíneas anteriores.
3 - O requerimento é certificado pelo administrador da insolvência, pelo administrador judicial provisório, pelo empregador ou pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, consoante o caso.

Conforme pertinentemente se salienta no Acórdão da Relação do Porto, de 15.06.2020, Relatora Fernanda Almeida (in www.dgsi.pt), “em lado algum do diploma se alude à necessidade de os créditos que se reclamam haverem sido reconhecidos por sentença judicial prolatada em apenso ao processo de insolvência.”

No sentido de não ser necessária uma decisão judicial para obter o pagamento dos créditos pelo FGS referiu-se ainda no Ac. do TCA do Norte, de 7.7.2017, Relatora Fernanda Brandão (in www.dgsi.pt) que “a reclamação ao FGS é independente do reconhecimento dos créditos salariais em sede de insolvência, bastando a declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório (cfr. art° 5°/2/al. a) do DL 59/2015). Por isso, o reconhecimento dos créditos não é necessário nem imprescindível para se efectuar a reclamação ao Fundo, aqui Recorrido, pelo que o trabalhador poderia e deveria ter feito o pedido a este (Fundo) logo após a reclamação dos créditos na insolvência.
(...)
De facto, a criação deste Fundo teve como objectivo fundamental garantir, essencialmente em tempo útil, o pagamento das prestações referidas na lei, bem sabendo o legislador que a habitual morosidade dos tribunais é incompatível com a liquidação célere dessas prestações. E não faria qualquer sentido que, por um lado, previsse o pagamento pelo Fundo, com o objectivo de garantir um rápido acesso às prestações devidas, e depois sujeitasse o interessado à prévia obrigação de obter uma sentença judicial transitada em julgado como sua condição, decisão que por vezes, demora alguns anos.
Este entendimento quanto à desnecessidade de decisão judicial para efeitos de obter o pagamento dos créditos laborais pelo FGS foi igualmente perfilhado no Acórdão do TCAN, de 29.11.2019, Relator Rogério Martins (in www.dgsi.pt), o qual, na sua fundamentação, cita o acórdão de 7.7.2017, já supra parcialmente transcrito.

Assim, não nos restam dúvidas de que o pagamento pelo FGS não depende da existência de uma prévia decisão judicial de reconhecimento do crédito, bastando unicamente que o crédito tenha sido reclamado no âmbito do processo de insolvência. Nem sequer é necessário que o crédito tenha sido verificado, pois a lei limita-se a exigir que tenha sido reclamado. Como tal, para o efeito deve o trabalhador apresentar junto do Fundo documento comprovativo dos créditos reclamados, nos termos do art. 5º, nº 2.

Naturalmente que este preceito tem que ser entendido em termos hábeis e adaptados na parte em que se refere à declaração emitida pelo administrador de insolvência. A norma está pensada para as situações regra em que a reclamação de créditos é apresentada junto do administrador de insolvência, nomeadamente nos termos do art. 128º, nº 2, do CIRE. Daí que lhe seja conferida a competência para emitir uma declaração certificando que o trabalhador apresentou reclamação de créditos.
Nos casos, como sucede nos autos, em que a reclamação de créditos é feita por via da ação de verificação ulterior prevista no art. 144º, do CIRE, naturalmente que já não faz sentido nem se justifica impor que seja o administrador de insolvência a emitir essa declaração, podendo a mesma ser substituída por certidão emitida pelo tribunal pois que o crédito foi reclamado junto deste e não do administrador de insolvência.
Como tal, conclui-se que nenhuma sentença tem que ter sido proferida para que o trabalhador beneficie do pagamento por parte do FGS, pelo que não existe interesse atendível que imponha o prosseguimento dos autos com essa finalidade, sendo inútil o prosseguimento da ação para reconhecimento e verificação ulterior dos créditos da trabalhadora.
Neste mesmo sentido se tem norteado a mais recente orientação jurisprudencial, havendo diversos acórdãos que se pronunciaram no sentido da inutilidade do prosseguimento dos autos para efeitos de verificação de crédito de trabalhador com vista a obter o pagamento pelo FGS, designadamente os Acórdãos da Relação do Porto, ambos de 15.6.2020, Relatoras Eugénia Cunha e Fernanda Almeida, e de 15.4.2021, Relator Joaquim Correia Gomes, sendo que este último aresto se refere a um caso similar ao dos presentes autos, e se encontra sumariado nos seguintes moldes:
I - O trabalhador enquanto credor de créditos laborais cuja entidade patronal foi declarada insolvente, pode, desde o momento em que tais créditos se podem considerar como vencidos (i) e os tenha reclamado no processo de insolvência (ii) – não sendo necessário a sua verificação e graduação neste último processo – requerer o seu pagamento ao Fundo de Garantia Salarial (FGS).
II - Havendo essa possibilidade e tendo sido encerrado o processo de falência em virtude de a massa insolvente ser insuficiente, o processo de verificação ulterior de créditos deve ser declarado extinto, por impossibilidade superveniente.
Não se desconhece a existência de acórdãos em sentido contrário, designadamente o Acórdão da Relação de Lisboa, de 30.6.2011, Relatora Maria João Areias, e desta Relação de Guimarães, de 15.3.2018, Relatora Maria da Conceição Bucho (disponíveis in www.dgsi.pt).
Porém, para além de não perfilharmos as posições aí defendidas, é de salientar que a orientação mais recente deste Tribunal da Relação de Guimarães tem sido no sentido de não ser necessária qualquer decisão judicial para efeitos de recurso ao FGS.

Assim, o acórdão de 14.5.2020, Relator Espinheira Baltar, em cujo sumário se pode ler:
“I. Ao abrigo do disposto no artigo 5 n.º 1 e 2 do Anexo ao DL.59/2015, de 21/04, não é exigível uma decisão judicial para comprovar os créditos emergentes de um despedimento laboral, quando sejam reclamados e reconhecidos no processo de insolvência.
II. A interpretação destas normas, que levou à conclusão plasmado no ponto 1, não é inconstitucional por violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 3º da CRP.
III. O encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente não impede o apelante de requerer, perante o Fundo de Garantia Salarial, o seu crédito reclamado e reconhecido no processo de insolvência nem a interpretação das normas em que o tribunal se fundamentou viola o princípio da legalidade nem o do acesso ao direito.”

O Acórdão de 3.12.2020, Relator José Alberto Moreira Dias, em cujo sumário consta:

“5- A reclamação ao Fundo de Garantia Salarial é independente da verificação e graduação dos créditos salariais em sede de insolvência, estando apenas dependente da declaração da insolvência da entidade empregadora e de requerimento instruído pelo trabalhador com declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos por ele reclamados emitida pelo administrador de insolvência.

E ainda o Acórdão de 3.12.2020, Relator Jorge Santos, sumariado nos seguintes moldes:
“- É inútil o prosseguimento da ação para reconhecimento e verificação de créditos do trabalhador (art. 277.º e) CPC) no âmbito da reclamação apresentada quando a insolvência apensa é encerrada antes do rateio final por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, nos termos do disposto no art. 232.º do CIRE.
- Em tal caso, o trabalhador pode dirigir requerimento ao Fundo de Garantia Salarial, nos termos do art. 5.º do DL 59/2015, de 21.4, instruindo tal requerimento com a declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador emitida pelo administrador de insolvência.”

Este último acórdão tem como 2ª adjunta a Relatora do acórdão de 15.3.2018 acima referido, o que nos leva a crer que terá reconsiderado a posição anteriormente assumida e aderido à corrente jurisprudencial mais recente.

Não decorrendo do regime legal vigente a necessidade de prévia obtenção de uma decisão judicial de verificação e graduação dos créditos da trabalhadora para efeitos de obter o pagamento desses créditos através do FGS, não se justifica que, com vista a alcançar esta finalidade, se determine o prosseguimento da ação de verificação ulterior de créditos pela mesma interposta.
A invocação de que a trabalhadora não viu os seus créditos judicialmente reconhecidos nem no processo de insolvência nem no Tribunal de Trabalho não implica qualquer violação do art. 20º, nº 1, da CRP, que consagra que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. E não implica porque a lei estabeleceu um outro meio legal de satisfação do crédito dos trabalhadores que não possam ser satisfeitos pela entidade empregadora, mercê da sua insolvência, meio esse que se traduz exatamente no pagamento com recurso ao FGS, ao qual a autora pode recorrer nos termos já supra explanados.
Por outro lado, após o encerramento do processo, cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência e os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor nos termos gerais, salvas as restrições decorrentes do plano de insolvência e do art. 242º, nº 1, como decorre do disposto no art. 233º, nº 1, als. a) e c), ambos do CIRE.
Assim, a entidade empregadora declarada insolvente pode ser demandada pela trabalhadora e, caso a mesma já se encontre extinta, podem ser demandados os sócios nos termos e para os efeitos do art. 163º do CSC.
Logo, também por esta via não se vislumbra a existência de qualquer violação do princípio consagrado no art. 20º, nº 1, da CRP, ou do direito de obter uma decisão judicial e a possibilidade de a fazer executar consagrado no art. 2º, nº 1, do CPC.
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Improcede, assim, o recurso, sendo de manter a decisão recorrida.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas, atenta a isenção de que goza a trabalhadora nos termos do art. 4º, nº 1, al. h), do RCP.
Notifique.
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Guimarães, 13 de julho de 2021

(Relatora) Rosália Cunha
(1ª Adjunta) Lígia Venade
(2º Adjunto) Jorge Santos