Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1794/22.8T8BCL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
ILICITUDE DO DESPEDIMENTO
DO VALOR DA INDEMNIZAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO POR DANO NÃO PATRIMONIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO – PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – A sanção disciplinar mais gravosa é o despedimento com justa causa que só deverá ser aplicada nas situações em que o ilícito laboral praticado conduza à impossibilidade imediata da subsistência da relação de trabalho.
II- Tendo presente as circunstancias em que os factos que ocorreram, ou seja na sequência da separação de facto do Autor com a legal representante da Ré, ocorrendo grande confusão entre as relações pessoais estabelecidas entre ambos e a relação laboral que mantinham, teremos de concluir que o facto do autor afirmar quer perante colegas de trabalho, quer perante um cliente da Ré, que a legal representante da Ré “anda metida com bruxos e cartomantes”, constitui uma violação do dever de respeitar a sua superior hierárquica, contudo, tal não assume uma gravidade que nos permita concluir pela impossibilidade da manutenção da relação laboral, com a consequente perda da confiança naquele trabalhador. Acresce dizer que também não se provou que tais comportamentos do Autor tivessem causado à Ré prejuízos, designadamente perda de clientes.
III – Considerando, o moderado grau de ilicitude da conduta do empregador, uma vez que se provou a prática pelo trabalhador de factos que constituem infracção disciplinar, apenas tendo o tribunal concluído pela desproporcionalidade da sanção aplicada. O valor da retribuição mensal do Autor que é de considerar de ligeiramente acima do salário médio, mostra-se justo, equitativo, adequado ao comportamento da Ré e às circunstâncias em que ocorreu o despedimento, fixar a indemnização de antiguidade em 20 dias de retribuição de base por cada ano de antiguidade ou fracção, sendo assim de confirmar neste segmento a decisão recorrida.
IV - Os danos não patrimoniais sofridos pelo trabalhador em consequência do despedimento terão de integrar lesão grave, que vá para além daquela que normalmente ocorre em situações similares de despedimento, uma vez que o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra, mas apenas no caso de haver uma razão, que nos permita concluir pela necessidade de reparar a lesão que fique por satisfazer.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ..., ..., intentou a presente acção, com processo especial, de impugnação da regularidade e licitude do despedimento promovido pela sua entidade empregadora L... UNIPESSOAL, LDA, com sede com sede na Rua ..., ... – ..., apresentando para tanto o respectivo formulário a que alude o artigo 98.º- C do CPT. e requerendo a declaração da ilicitude ou irregularidade do seu despedimento, com as legais consequências.
A entidade empregadora apresentou o articulado de motivação do despedimento e juntou o procedimento disciplinar. Pugna pela improcedência da acção, pela manutenção da decisão de despedimento com justa causa e pede que o autor seja condenado a entregar à ré o instrumento de trabalho, o veículo automóvel de matricula ..-HV-...
O trabalhador apresentou a sua contestação/reconvenção, nega a prática dos factos que lhe são imputados e defende que tudo se deve a vingança pessoal decorrente da sua separação da legal representante da Ré.

Em sede de reconvenção pede:

a) a declaração de ilicitude do seu despedimento;
b) a condenação da empregadora a pagar:

i. 14.240,03€ a título de férias, subsídio de férias, férias não gozadas, subsídio de férias vencidas, proporcionais do ano da cessação, subsídio de natal e proporcionais de subsídio de férias bem como a compensação;
ii. 3.540,00€ de retribuições vencidas dos meses de junho a agosto de 2022 e as que se vencerem até ao trânsito em julgado;
iii. 670,00€ de ausência de formação profissional ao autor;
iv. 5.000,00€ a título de danos não patrimoniais;
sendo todas as quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a data dos respetivos vencimentos até integral pagamento.
O empregador veio responder ao pedido reconvencional pugnando pela sua improcedência.

Foi dispensada a realização de audiência prévia e a fixação dos temas de prova.

Por fim foi realizada a audiência de julgamento e foi pelo Mmo. Juíz a quo proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos e pelo expendido:

a) declaro ilícito o despedimento de AA, levado a cabo pela entidade empregadora L... UNIPESSOAL, LDA., Lda. por decisão proferida em 13/06/2022, absolvendo-se da entrega do veículo;
b) julgo a reconvenção parcialmente procedente, por provada, e, consequentemente, condeno L... UNIPESSOAL, LDA., Lda.
i. a pagar a AA a quantia correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da presente sentença, à razão de 1.284,94€ (mil duzentos e oitenta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos) mensais, deduzida dos montantes que o autor tenha eventualmente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e, ainda, do montante do subsídio de desemprego eventualmente auferido;
ii. a pagar a AA uma indemnização em substituição da reintegração no valor de 9.440,04€ (nove mil quatrocentos e quarenta euros e quatro cêntimos), até hoje, sem prejuízo do montante correspondente à antiguidade à data do trânsito em julgado;
iii. a pagar a AA a quantia global de 749,10€ (setecentos e quarenta e nove euros e dez cêntimos), a título de formação profissional;
iv. a pagar a AA a quantia global de 1.000,00€ (mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais;
v. a pagar os juros de mora desde o vencimento das respetivas quantias até ao pagamento.
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Não tendo ainda decorrido doze meses desde a data de apresentação do formulário que deu início ao processo, não é devido qualquer pagamento pela Segurança Social (art.º 98.º-N, a contrario do Código de Processo do Trabalho).
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Custas pela ré (cfr. artigo 527º, nos 1 e 2 do Código de Processo Civil).
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Valor da ação: 18.898,78€ - art.º 98.º-P, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho.
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Registe e notifique.
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Notifique a entidade competente da área da Segurança Social, nos termos do disposto no art.º 98.º-N, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho.”

Inconformado com o decidido apelou o Empregador para este Tribunal da Relação, terminando a sua alegação mediante a prolação das seguintes conclusões devidamente aperfeiçoadas:

“1. (…)
2. Decidindo deste modo, o Tribunal recorrido: a) Julgou incorretamente a matéria de fato, pois os meios probatórios constantes do processo e reproduzidos em audiência de julgamento impunham decisão diversa da recorrida; b) Fez uma incorreta interpretação dos fatos e por via disso, uma incorreta aplicação do Direito, e simultaneamente faz uma incorreta interpretação e aplicação das normas que constituem fundamento jurídico da decisão;
3. A Recorrente impugna os pontos AG e AH da matéria de fato dada como provada, por impugnação da matéria de fato nos termos do artigo 640 n.º1 do CPC bem assim como, impugna os pontos 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9 , 10 e 12 da matéria de fato dada como não provada nos termos do artigo 640 n.º1 do CPC, pois os meios probatórios constantes do processo e reproduzidos em audiência de julgamento impunham decisão diversa da recorrida;
Da impugnação da matéria de fato dada como provada
4. O Tribunal “a quo” fundamentou a prova dos pontos AG e AH da matéria de fato dada como provada, “(…) além de resultar das regras de experiência comum (…)”, no depoimento das testemunhas BB, ex-funcionária da ré e CC cunhada de ambos.
5. Entende a Recorrente que os fatos consideram-se provados ou não provados, por ter sido produzida ou não prova através dos meios de prova carreados para os autos e legalmente admissíveis e não com base em regras de experiência comum.
6. O tribunal “a quo”, deu erradamente como provados os fatos AG e AH também com base nos depoimentos das testemunhas indicadas pelo Autor, BB e CC.
7.  e 8. (…)
9. Não tendo o Autor através do depoimento das testemunhas BB e CC, logrado fazer prova dos fatos AG e AH, não pode o Tribunal “a quo” dar os fatos como provados com base na experiência comum, que como supra se mencionou não é um meio de prova.
10.Os fatos AG e AH da sentença, deverão ser considerados como fatos não provados.
Da impugnação da matéria de fato dada como não provada– artigo 640.º n.º 1 CPC
11.O Tribunal “a quo”, deu erradamente como não provados os fatos dos pontos 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10 e 12.
12.Para prova destes fatos foram inquiridas as testemunhas DD, EE, FF, GG e HH.
13.Entendeu o Tribunal “a quo” que estes pontos não se provaram ou devido à ausência de prova sobre os mesmos ou devido ao fato de se ter considerado o depoimento das testemunhas GG, II, JJ e KK, nessa parte, demasiado concertado e forçado na imputação de fatos ao Autor.
14.Entende a Recorrente que os fatos devem ser considerados provados ou não provados, por ter sido produzida ou não prova através dos meios de prova carreados para os autos e legalmente admissíveis e não através da apreciação critica do Tribunal.
15. a 19 (…)
20.Pelo que o ponto 10 dos fatos dados como não provados deve ser considerado como fato provado.
21.(…).
22.Pelo que o ponto 12 da sentença que agora se recorre deverá ser considerado parcialmente provado e passar a ter a seguinte redação: “Que nas circunstâncias referidas em J) o Autor também tenha dito que “agora anda metida com bruxos, que a avisam que tem coisas nas cadeiras e nas máquinas e ela anda sempre a limpar tudo”.
23.Entende a Recorrente que não podia o Tribunal concluir que o Autor não pretendia destabilizar e intimidar a sua superior hierárquica, pois as expressões que resultaram provadas foi num contexto de conflito do ex- casal, quando do depoimento das testemunhas resulta precisamente o contrário.

Do Direito

24.Entende a Recorrente, que a licitude do despedimento do Autor por justa causa deve ser apreciada depois de alterada a matéria de fato provada e não provada tal como requerido pela Recorrente.
25.No entanto, sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio inicialmente analisa-se a licitude do despedimento do Autor por justa causa tendo apenas como premissa a matéria de fato provada considerada pelo Tribunal “a quo” nos pontos B, C, E, F, G, H, I, J.
26.Mesmo que os senhores juízes desembargadores entendam não se verificar uma alteração da matéria de fato provada e não provada (o que apenas por mera cautela de patrocínio se concebe), houve erro de julgamento do tribunal “a quo”.
27.A sentença de 1ª instância, convocando a matéria de fato considerada provada, reconhecendo a existência de infração disciplinar por parte do Autor, concluiu pela inexistência de justa causa e ilicitude do despedimento.
28.Atenta a factualidade apurada pelo tribunal “a quo”, a questão essencial a apreciar é a de averiguar da existência/inexistência de justa causa de despedimento consignado no artigo 351º do código do Trabalho e da consequente licitude ou ilicitude do despedimento do Autor.
29.Entende a Recorrente que o Tribunal “a quo” fez uma incorreta interpretação dos fatos e por via disso, uma incorreta aplicação do Direito, e simultaneamente faz uma incorreta interpretação e aplicação das normas que constituem fundamento jurídico da decisão.
30.O Tribunal “a quo” não tem dúvidas que o Autor violou o dever previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho, no entanto desvaloriza esse comportamento violador do Autor, essencialmente porque considerou que o Autor apenas dirigiu as expressões “Ela anda é metida com bruxos” à sua superior hierárquica em dois episódios e que portanto não estamos perante um comportamento reiterado do Autor, porque, o autor foi trabalhador da ré durante onze anos e nunca foi punido pela prática de qualquer ilícito disciplinar, nunca tendo havido notícia de qualquer comportamento semelhante àqueles que ficaram demonstrados nestes autos e porque estes factos têm de ser encarados como ocasionais e decorrentes de problemas pessoais entre os seus principais intervenientes;
31.Esta conclusão do Tribunal “a quo”, não corresponde à matéria de fato provada, para além de que é necessário contextualizar esses dois episódios, analisar a sua gravidade e as suas consequências.
32.Resultou provado, nos pontos I, J e G dos fatos provados as expressões proferidas pelo Autor dirigidas à sua superior hierárquica e que essas expressões foram proferidas na presença das colegas de trabalho perante funcionário de uma cliente da Recorrente.
33.As testemunhas JJ e KK, confirmaram também que as expressões usadas pelo Autor para se referir à sua superior hierárquica aconteceram não só na presença destas, das restantes funcionárias, como também na presença de clientes da Recorrente, ou mesmo ao telefone.
34.Trata-se portanto de um comportamento reiterado do trabalhador e que ocorreu depois da separação de fato do Autor e da sua superior hierárquica, entre os meses de Abril e Maio de 2022.
35.E apesar de o tribunal “a quo” não ter dado (erradamente) como provado que esta expressão era usada pelo Autor num tom irónico, da análise de um bom pai de família e pelas regras de experiência comum, não existem dúvidas de que o eram efetivamente.
36.Também o Tribunal “a quo” deu como provado no ponto H dos fatos provados que “O Autor tinha por hábito a assobiar e cantarolar durante o dia.”
37.Apesar de o tribunal “a quo” não ter dado (erradamente) como provado que este comportamento incomodava as restantes trabalhadoras e causava mau estar no local de trabalho e que por esse motivo foi várias vezes chamado á atenção pela sua superior hierárquica, também da análise de um bom pai de família e pelas regras de experiência comum, não existem dúvidas de que esse comportamento era desconforme aos deveres do trabalhador, nomeadamente violador do dever previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho.
38.Não estando em causa a existência de infração disciplinar, nem tão pouco a aplicação, de sanção disciplinar, entende a Recorrente que os referidos fatos, no contexto da relação de trabalho do Autor com a Recorrente, justificam o respetivo despedimento.
39.O Autor sabia que tais comportamentos não lhe eram permitidos, tendo ele violado, culposamente, o dever de respeitar a sua superior hierárquica, e ao dirigir-se desta forma às restantes trabalhadoras e a clientes ou funcionários de clientes da Recorrente violou também o dever de respeitar e tratar com urbanidade os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionam com a empresa e o comportamento do Autor é ainda mais censurável, uma vez que ao exercer a função de encarregado exigia-se-lhe um comportamento adequado à posição que ocupava, independentemente de ter ou não problemas pessoais com a sua superior hierárquica.
40.E por esse fato entende a Recorrente que o Autor violou também o dever de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à disciplina do trabalho, como prescreve a alínea e) do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho.
41.Nos termos do artigo 351º da jurisprudência unânime do Supremo Tribunal e do entendimento generalizada da doutrina, a justa causa de despedimento depende, para além da gravidade das consequências danosas do comportamento, da verificação cumulativa de três elementos: um elemento subjetivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador; um elemento objetivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade;
42.O Tribunal “a quo” deu como provados os fatos culposos praticados pelo Autor.
43.a 45. (…)
46.Tendo o Autor violado, de forma reiterada, os deveres do trabalhador, e de que o Autor tinha perfeito conhecimento (até pelas funções que exercia), não lhe (à Recorrente) é exigível que mantenha a relação laboral, assim constituindo justa causa para o despedimento.
47.Entendeu ainda o Tribunal “a quo” que pese embora se tenha provado a prática pelo trabalhador dos fatos relativos a dois episódios, não se provaram os danos na esfera da empregadora, pelo que apesar da gravidade da conduta do autor, ela não se traduziu em prejuízos concretos para a empregadora.
48.Entende a Recorrente que o dever de respeito não admite gradações, para além de que o valor e gravidade dos comportamentos do Autor radicam na conduta em si e não nos prejuízos efetivamente verificados ou não na esfera jurídica da Recorrente e mesmo que não impliquem necessariamente um prejuízo patrimonial para a Recorrente, os mesmos sempre poderão acarretar um dano “organizacional”, que, in casu, o Autor gerou na esfera da Recorrente ao faltar ao respeito à sua superior hierárquica, ao agredi-la verbalmente e ao pôr em causa a imagem de que a Recorrente pretende gozar perante a sociedade, o mercado e a comunidade onde desenvolve o seu negócio, no qual se inclui o núcleo de clientes, fornecedores e trabalhadores, tendo o Autor lhe infligido, com o seu comportamento, um relevantíssimo dano organizacional.
49.Por outro lado, a antiguidade do Autor e o seu bom comportamento durante os 11 anos de trabalho não são, só por si, determinantes da aplicação de qualquer outra sanção que não o despedimento se, perante a gravidade dos factos, estes constituírem, nos termos do art. 351º, nº 1, do Código do Trabalho, justa causa de despedimento.
50.No que se reporta à antiguidade do Autor e ao cargo de chefia que ocupava, bem como a relação pessoal que tinha com a sua superior hierárquica, seria até expectável que o comportamento em causa não tivesse tido lugar, e a tê-lo não ocorresse no local de trabalho, nem na presença das restantes funcionárias nem na presença de clientes da Recorrente, porquanto a jurisprudência vem pacificamente entendendo que, ao invés de atenuar a gravidade do ilícito praticado, a antiguidade do trabalhador tem a virtualidade de a agravar dado que esse longo passado é suscetível de gerar no espírito do empregador a forte expectativa de que o trabalhador, que sempre adotou comportamentos orientados por padrões de normalidade nas relações laborais, tinha um dever acrescido de pautar a sua conduta por esses mesmos padrões cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 17/5/2018, e, acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 6 de junho de 2013, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Por outro lado,
51.Provando-se o ponto 3 dos fatos não provados, temos que o Autor violou também o dever de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade, previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho.
52.Segundo o bom pai de família e atendendo ás regras de experiência comum o Autor ao proferir a expressão referida “oh minha querida, ex mulher!” ao dirigir-se à sua superior hierárquica, só o poderia estar a fazer em tom irónico ou de gozo e com isso quis e tinha consciência que violava o dever de respeito em relação á sua superior hierárquica, previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho.
53.Entende a Recorrente de que foi feita prova dos pontos 6, 7, 8 dos fatos dado como não provados, através dos depoimentos das testemunhas JJ e KK e que supra se transcreveram.
54.Quanto ao ponto 8, o Autor ao proferir as expressões em relação à suasuperior queria destabiliza-la e por consequência prejudicar a produtividade desta e das restantes trabalhadoras.
55.Com os comportamentos descritos nos pontos 6, 7 e 8 dos fatos não provados o Autor violou os deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência e de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, previsto nas alíneas c) e e) do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho.
56.Com os comportamentos descritos no ponto 9 dos fatos não provados o Autor violou o dever de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, previsto na alínea e) do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho.
57. Com os comportamentos descritos no ponto 10 dos fatos não provados o Autor violou o dever de respeito, previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho.
58. Com os comportamentos descritos no ponto 12 dos fatos não provados o Autor violou o dever de respeito, previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho.
59. O Autor tinha plena consciência que, as expressões que dirigiu à sua superior hierárquica, no contexto em que foram proferidas, eram aptas a lesar a honra e consideração desta e como tal este comportamento do Autor encerram elevada censurabilidade relevando, de sobremaneira, a circunstância de os fatos praticados por este terem sido presenciados e conhecidos pelas restantes trabalhadoras da Recorrente, bem como por clientes desta.
60. e61. (…)
62. Termos em que, ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo” fez uma incorreta interpretação e violou o disposto nos artigos 128.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e e), 351.º, nºs. 1.º e 3, 357.º, n.º 4, e 381.º, al. b), todos do Código do Trabalho, o que expressamente se invoca para todos os devidos efeitos legais.
Do pedido reconvencional
Sem conceder quanto a tudo quanto exposto relativamente à licitude do despedimento,
Indemnização em substituição da reintegração
63. Tendo o despedimento do Autor sido declaro ilícito, considerou o Tribunal “a quo” que aquele teria direito, atento o disposto no art.º 391.º n,º 1 e 3, do Código. do Trabalho, a receber indemnização em substituição da reintegração.
64. Nos termos do n.º 1 da citada disposição legal para a fixação judicial do valor da indemnização deve atender-se ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude com referência à ordenação estabelecida no art.º 381.º do Código do Trabalho.
65. O n.º 2 do mesmo comando legal manda ainda atender na fixação do valor da indemnização o tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
66. Quanto ao valor da retribuição como refere João Leal Amado (Contrato de Trabalho, noções básicas, 2016, Almedina, pág. 363) “para um trabalhador que aufira uma remuneração elevada, o tribunal tenderá a graduar a indemnização em baixa, para um trabalhador que aufira um salário modesto, o tribunal tenderá a modulá-la em alta”.
67. No que diz respeito à ilicitude a lei remete para as situações enunciadas nas três alíneas do art.º 381.º, devendo ainda atender-se como refere Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, 2017, 8.ª edição, Almedina, pág. 1057) “ao grau de culpa do empregador, nomeadamente na apreciação do motivo justificativo invocado.”
68. Finalmente a lei manda ainda atender na fixação do valor da indemnização ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, o que leva Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª Edição, revista e atualizada, Principia, pág. 555) a afirmar “... a indemnização será menor ou maior consoante o tempo decorrido até ao termo da ação. E, na verdade, o valor final que o trabalhador tem direito a receber depende em grande medida do tempo que a ação levar a ser julgada, dada a condenação do empregador no pagamento dos salários intercalares. Esse valor é tendencialmente muito mais elevado do que o da indemnização substitutiva da reintegração. Neste quadro, é razoável que o montante desta indemnização seja tanto menor quanto maior for o dos salários intercalares”.
69. No caso concreto a retribuição a considerar, no montante de €1.284,00, tem de se considerar alta, atendendo á categoria profissional do Autor.
70. Por outro lado, estamos perante um despedimento que foi declarado ilícito por violação do princípio da proporcionalidade, em virtude de o tribunal ter entendido que a infração disciplinar cometida pelo autor pela sua gravidade e consequências não era de molde a tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
71. Quanto a este ponto resulta da matéria de fato provada que o Autor violou o dever de respeito para com a sua superior hierárquica que era também sua mulher (embora separados de fato desde 9 de Abril de 2022), assumindo este comportamento relevância disciplinar grave.
72. Nestas circunstâncias, o grau de ilicitude do despedimento não se pode considerar elevado, muito pelo contrário.
73. Finalmente, se o presente recurso improceder e se mantiver a decisão da 1ª instância (o que apenas por dever de patrocínio se concebe) o Autor irá receber salários intercalares até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
74. Perante este quadro o montante da indemnização deve corresponder ao limite mínimo previsto na lei, quinze dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade.
75. Termos em que, ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo” fez uma incorreta interpretação e violou o disposto nos artigos 381.º, al. b) e 391º todos do Código do Trabalho, o que expressamente se invoca para todos os devidos efeitos legais.

Indemnização por danos não patrimoniais

76. O tribunal “a quo” decidiu mal ao entender ser devida indemnização relativa a danos não patrimoniais sofridos.
77. e 78 (…)
79. No caso vertente entende a Recorrente que o Autor não logrou provar a sua suposta angústia e revolta, mas mesmo que assim não se entenda, o que apenas por dever de patrocínio se concebe, a materialidade que o Tribunal “a quo” considerou provada reduz-se à angústia e revolta que o deixou fragilizado devido à situação de desemprego, não tendo o Autor logrado demonstrar ter tido danos não patrimoniais de especial relevo, suscetíveis de serem indemnizados, nestes termos.
80. Donde, não se provando que o Autor, haja sofrido danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, em consequência, da ilicitude do despedimento, não pode condenar-se a Recorrente a este título, impondo-se a sua absolvição do pagamento do pedido desta indemnização.
81. Termos em que, ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo” fez uma incorreta interpretação e violou o disposto nos artigos 381.º, al. b) e 389º todos do Código do Trabalho, o que expressamente se invoca para todos os devidos efeitos legais.
Nestes termos e nos demais de direito que certa e Doutamente Vexa (s) suprirão, deve o presente recurso:
a) ser julgado totalmente procedente, devendo a sentença recorrido ser revogada e substituída por outro que dê como não provado os pontos AG e AH dos fatos provados, que dê como provados os pontos 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10 e 12 dos fatos não provados e em consequência declare a regularidade e licitude do despedimento do Autor, com as legais consequências e absolvendo-se a Recorrente do pedido;
b) caso assim não se entenda, e apenas por uma questão de mero patrocínio, sempre deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que declare a regularidade e licitude do despedimento do Autor, com as legais consequências e absolvendo-se a Recorrente do pedido.
c) ou caso venha a ser confirmada a ilicitude do despedimento do Autor se fixe o montante da indemnização em substituição da reintegração no limite mínimo de 15 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidades e se absolva a Recorrente do pagamento da indemnização por danos não patrimoniais.
Pois só assim se fará Inteira e Sã justiça.”
O Trabalhador veio responder ao recurso, concluindo pela sua improcedência.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da procedência parcial do recurso.
Mostram-se colhidos os vistos dos senhores juízes adjuntos e cumpre decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 608.º n.º 2, 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do art.º 1.º n.º 2, al. a) e art.º 87.º do Código do Processo do Trabalho (CPT)), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nele não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, no recurso interposto, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

1 - Da impugnação da matéria de facto;
2 - Da impugnação da matéria de direito;
A – Da justa causa do despedimento;
B – Do valor da indemnização
C – Da indemnização por dano não patrimonial.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

São os seguintes os factos provados:

A) A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à confeção de vestuário exterior em série.
B) O Autor foi trabalhador da Ré desde 14 de setembro de 2011.
C) O Autor sempre exerceu, sob as ordens e direção desta, as funções correspondentes à categoria profissional de encarregado, mormente as seguintes:
- distribuía trabalho pelas restantes funcionárias;
- separava peças;
- ia buscar ou levar obra, aos clientes, quando assim se mostrasse necessário;
- emitia as guias de transporte e faturas quando necessário.
D) Atualmente, o Autor auferia a retribuição ilíquida de € 1.180,00, acrescida de um subsidio de alimentação de € 4,77 por cada dia efetivo de trabalho prestado.
E) O Autor recebia ordens diretas da sua superior hierárquica, LL.
F) O Autor é cônjuge da sua superior hierárquica, embora se encontrem separados de facto desde 9 de Abril de 2022.
G) O Autor após a separação chegou a dirigir-se à sua superior hierárquica dizendo “oh minha querida, ex mulher!”.
H) O Autor tinha por hábito a assobiar e cantarolar durante o dia.
I) Em dia e hora não concretamente apurados, mas entre abril e maio de 2022, o Autor referindo-se à pessoa da sua superior hierárquica, LL, dirigiu-se às restantes funcionárias e afirmou em tom alto: “Ela anda é metida com bruxos e cartomantes”, “Ela obrigou-me a casar com ela”.
J) A empresa C... é cliente da Ré e em dia não concretamente apurado, mas entre abril e maio de 2022, quando o funcionário da empresa C..., MM, foi à sede da Ré, o Autor referindo-se à pessoa da sua superior hierárquica, LL, afirmou: “Ela anda é metida com bruxos”, “Eu dava-lhe uma vida boa”, “Ela não gostava da minha mãe e dos meus irmãos e eu dava-lhe uma vida boa”.
Do procedimento disciplinar
K) No dia 12 de maio de 2022, a Ré lavrou auto de notícia, nos termos constantes de fls. 30verso e 31.
L) No dia 13 de maio de 2022, a Ré, decidiu dar início ao processo disciplinar, e nomear instrutora a advogada Dra. NN (fls. 32).
M) No decurso da instrução, foram inquiridas a gerente da entidade patronal e superior hierárquica do trabalhador, as trabalhadoras DD, EE, FF e a funcionária da cliente (OO) GG, nos termos que constam de fls. 32 a 36.
N) No dia 19 de Maio de 2022, a Ré remeteu por correio registado com aviso de receção, ao Autor, a nota de culpa, com a descrição dos fatos que foram imputados ao trabalhador e comunicou a decisão de suspensão preventiva do trabalhador, conforme resulta de fls. 38 a 39verso, que aqui se dá por reproduzido.
O) Documentos que foram rececionados pelo Autor no dia 24 de maio de 2022 (fls. 2140 e verso).
P) No dia 1 de junho de 2022, o Autor remeteu, por correio registado com aviso de receção, resposta à nota de culpa, nos termos constantes de fls. 41verso e 42, não tendo requerido a realização de qualquer diligência probatória.
Q) Concluída a instrução, foram considerados provados pela Ré, os factos constantes da nota de culpa, que se transcreve:
1. L... UNIPESSOAL, LDA, dedica-se à confeção de vestuário exterior em série.
2. O arguido é trabalhador e exerce as funções de encarregado nas instalações da empresa L... UNIPESSOAL, LDA, sita na Rua ..., ... ..., sem prejuízo de deslocações inerentes ao exercício das suas funções.
3. A superior hierárquica do arguido é a gerente da empresa.
4. Para além disso, a gerente da entidade patronal e superior hierárquica e o arguido são casados, embora se encontrem separados de fato desde o dia .../.../2022.
5. Desde o inicio do mês de Maio de 2022, que o trabalhador arguido de forma reiterada não acata de bom modo as indicações e ordens que lhe são transmitidas pela sua superior hierárquica, resmungando e contestando sempre que lhe é dada alguma indicação e desempenhando as suas funções de forma contrariada e desinteressada ou mesmo recusando-se a fazê-las.
6. Tal como aconteceu nos dias 4, 5, 6, 9, 10, 11, 12, 13, 16 e 17 de Maio de 2022.
7. Nestes dias, sempre que sua superior hierárquica lhe dava uma ordem clara, o arguido mostrava-se desinteressado na sua execução, interrompendo constantemente o trabalho da sua superior hierárquica para a questionar,
8. fazendo questões para as quais já tinha obtido resposta de forma inoportuna e desadequada.
9. Quando a sua superior hierárquica lhe dava ordem para rematar as peças que já se encontravam prontas, apesar do arguido ter conhecimento, competência e fazer parte das suas funções, o mesmo questionava repetidamente: “quais são as peças?”, “onde estão as peças?”
10. Passados alguns minutos, voltava a questionar a sua superior hierárquica: “quais são as peças?”, “onde estão as peças?” “Como faço?”
11. E assim se passava, repetidamente ao longo do dia.
12. Mostrando um claro desinteresse na sua execução e em cumprir as ordens que lhe eram dadas diretamente.
13. Para além disso, nestes dias o arguido ausentou-se por longos períodos de tempo do seu posto de trabalho, sem qualquer justificação.
14. Mostrando um claro desrespeito pela sua entidade patronal.
15. Nesses mesmos dias, por diversas vezes, dirigia-se à sua superior hierárquica em tom irónico, sarcástico e desrespeitoso e dizia: “oh minha querida, ex mulher!”, “oh minha querida ex mulher que trabalho tenho para hoje”.
16. As situações e conversas supra descritas foram presenciadas por outras funcionárias da entidade patronal.
Acresce que,
17. No dia 6 de Maio de 2022, pelas 17 horas, o arguido referindo-se à pessoa da sua superior hierárquica, LL, dirigiu-se às restantes funcionárias e afirmou em tom alto: “Ela anda é metida com bruxos e cartomantes”, “Ela obrigou-me a casar com ela”.
18. O arguido para além de misturar a sua vida pessoal com a profissional, expô-la no seu local de trabalho humilhando e injuriando a sua superior hierárquica perante as restantes funcionárias.
Mais,
19. A empresa C... é cliente da entidade patronal do arguido.
20. No dia 11 de Maio de 2022, pelas 18 horas, quando o funcionário da empresa C..., MM, foi à sede da empresa L... UNIPESSOAL, LDA, o arguido referindo-se à pessoa da sua superior hierárquica, LL, afirmou:
21. “Ela anda é metida com bruxos”, “Eu dava-lhe uma vida boa”, “Ela não gostava da minha mãe e dos meus irmãos e eu dava-lhe uma vida boa”, “agora anda metida com bruxos, que a avisam que tem coisas nas cadeiras e nas máquinas e ela anda sempre a limpar tudo”, ”até foi à GNR fazer queixa de mim”.
22. Tais afirmações proferidas perante funcionário de uma cliente da sua entidade patronal, para além de injuriosas para com a pessoa da sua superior hierárquica, descredibilizam a sua entidade patronal perante funcionários e clientes.
23. O arguido ao proferir tais afirmações sabia e quis injuriar a sua superior hierárquica perante colegas de trabalho e clientes.
24. Tais comportamentos culposos do trabalhador, pela sua gravidade e consequências, torna imediata e impossível a subsistência da relação de trabalho.
25. Com todas as condutas supra referidas, o trabalhador arguido:
- Desobedeceu ilegitimamente às ordens dadas pela responsável hierarquicamente superior;
- Não realizou o trabalho com zelo e diligência;
- Provocou repetidamente conflitos com a sua superior hierárquica;
- Mostrou desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto;
- Praticou, no âmbito da empresa, injúrias e outras ofensas punidas por lei sobre a sua superior hierárquica e gerente da entidade patronal;
- Não cumpriu as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho;
- Não promoveu ou executou os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;
26. Como tal, o trabalhador arguido, violou os seus deveres laborais constantes das alíneas a), b), c), e) e h) do n.º 1 do art.º 128 do Código de Trabalho.
27. Tais comportamentos do arguido descredibilizam a sua entidade patronal perante funcionários, colaboradores e clientes, o que acarreta graves prejuízos para esta empresa, tendo sido lesados os interesses patrimoniais da mesma.
28. Perante a conduta supra descrita do trabalhador arguido, comportamento esse grave e culposo, a entidade patronal perdeu a confiança que nele depositava.
29. Tornando-se assim impossível a subsistência da relação de trabalho entre ambos estabelecida, pela sua gravidade e consequências.
30. Para além disso, o comportamento do trabalhador arguido constitui justa causa de despedimento nos termos do art.º 351º n.º 1, 2 alíneas a), c), d), e), i) e m) do Código de Trabalho.
R) No dia 13 de junho de 2022, a Ré proferiu decisão final do procedimento disciplinar, pelas razões constantes do relatório final do procedimento disciplinar, concluindo-se pela aplicação da sanção de despedimento sem indemnização (fls. 43 e 44).
S) A qual remeteu ao Autor no dia 14 de junho de 2022 e foi por este recebido no dia 15 de junho de 2022 (fls. 45 a 49).
T) A Ré junto com a decisão final do procedimento disciplinar, enviou certificado de trabalho e declaração da situação de desemprego do trabalhador (fls. 48).
U) Com a comunicação da cessação do contrato de trabalho, a Ré solicitou ao autor a entrega do veículo automóvel ... de matrícula ..-HV-.. usado por este, como instrumento de trabalho e propriedade daquela e até à presente data o Autor não entregou o veículo automóvel à Ré.
Da contestação
V) Até à separação não tinha existido nenhum problema entre a Gerente da ré e o autor, fazendo cado um a parte que lhe competia.
X) Após a separação a sua mulher levou os dois carros que são pertença do casal (um está na posse da sua filha) não mais o entregando.
Y) A empresa, tinha a sua sede, até então, na parte de baixo – cave/garagem da casa morada de família.
Z) Desde essa altura que a gerente, alterou o seu comportamento para com o autor, vedando lhe assim qualquer acesso aos serviços que estava a ser elaborado e executado por aquele ocultando-lhe toda a informação e todos os dados.
AA) Sucede que no dia 23 de Maio, por volta das 8h da manhã, quando o autor ia-se apresentar ao serviço, encontrava-se um camião de transporte da sociedade transportes R... Lda., Avenida ..., ..., ....
AB) De imediato a gerente da Ré e todas as demais colaboradoras começaram a carregar e a retirar toda mercadoria e toda a maquinaria do local, não dando qualquer satisfação ao Autor que, atónico, questionava o que se estava a passar.
AC) O Autor viu-se confrontado com a retirada de todos os bens da empresa – e constatou que todas as demais colaboradoras, em conluio com a gerente, já tinham prévio conhecimento da situação, sabendo inclusivamente onde era o novo local de trabalho, mas nunca a entidade patronal o informou fosse o que fosse ao Autor.
AD) Nesse mesmo dia, a gerente entregou um documento escrito, à mão pela própria, sem o consentimento e/ou aceitação por parte do Autor de que o mesmo estaria de férias e que aguardasse por notícias.
AE) As notícias de que a gerente se referia nada mais era do que notificação do processo disciplinar com suspensão - carta registada com aviso recebida no dia 24 de Maio de 2022.
AF) Durante todos os anos de serviço do autor prestado à ré, nunca foi alvo de qualquer reprimenda e/ou de qualquer processo disciplinar.
AG) Eliminado em conformidade com o decidido em III-1.)
AH) Eliminado em conformidade com o decidido em III-1.).
AI) A entidade patronal nunca deu formação profissional ao autor.
Da réplica
AJ) A Ré pagou a título de créditos vencidos as seguintes quantias ilíquidas:
. 13 dias do mês de Junho de 2022 – 511,33€
. Férias vencidas e não gozadas em 2022 – 1126,36€
. Subsídio de férias vencido e não pago em 2022– 1180,00€
. Proporcionais de férias no ano de cessação – 530,17€
. Proporcionai de subsidio de férias no ano de cessação– 530,17€
. Proporcionais de Subsidio de Natal no ano de cessação– 530,17€.

Factos Não Provados

Com relevo para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:

1. Que o Autor já antes da factualidade supra descrita, quando recebia ordens diretas da sua superior contestava–as e desempenhava as suas funções com desinteresse e desrespeito cantarolando e assobiando e, quando chamado à atenção por fazer algum trabalho errado respondia-lhe de forma altiva, deixando a sua superior intimidada e com vergonha perante as restantes trabalhadoras.
2. Que, a partir do final do mês de abril e início do mês de maio de 2022, esse comportamento do trabalhador passou a ser diário e repetido durante o dia.
3. Que, o trabalhador começava o dia de trabalho e pouco tempo depois ausentava-se do seu posto de trabalho, sem dar qualquer justificação ou apenas dizia: “vou dar o pequeno almoço ao meu pai”, e fazia-o sem autorização ou consentimento da sua superior hierárquica.
4. Que a expressão referida em G) tivesse sido em modo de gozo.
5. Que nas circunstâncias referidas em G) o Autor também tenha dito “oh minha querida ex mulher que trabalho tenho para hoje”.
6. Que a sua superior hierárquica dava-lhe as instruções necessárias e passados uns minutos o Autor dirigindo-se a ela questionava “quais são as peças?”, “onde estão as peças?”
Passados alguns minutos, voltava a questionar a sua superior hierárquica: “quais são as peças?”, “onde estão as peças?” “Como faço?”.
7. Que isto acontecia, durante todo o dia, apesar do Autor ter perfeito conhecimento do trabalho que tinha a desempenhar.
8. Que com este comportamento, o Autor pretendia destabilizar a sua superior hierárquica e por consequência prejudicar a produtividade da sua superior e restantes trabalhadoras.
9. Que a entidade patronal tivesse pedido insistentemente ao Autor para não assobiar ou cantarolar porque incomodava as restantes trabalhadoras.
10. Que esses comportamentos do Autor, deixavam a sua superior hierárquica transtornada, intimidada e com vergonha das restantes trabalhadoras o que a levava, muitas vezes, quando tal acontecia, a refugiar-se no seu veículo automóvel para se acalmar e recompor.
11. Os comportamentos do trabalhador, supra descritos aconteceram pelo menos nos dias 4, 5, 6, 9, 10, 11, 12, 13, 16 e 17 de Maio de 2022, na presença das restantes trabalhadoras e muitas vezes na presença de funcionários de clientes ou dos próprios clientes da entidade patronal.
12. Que nas circunstâncias referidas em J) o Autor também tenha dito que “agora anda metida com bruxos, que a avisam que tem coisas nas cadeiras e nas máquinas e ela anda sempre a limpar tudo”, ”até foi à GNR fazer queixa de mim”.
13. Que a gerente da ré nos últimos tempos tratava o autor com desprezo, humilhava-o, denegria a sua imagem, deixando de lhe dirigir qualquer palavra ao Autor que ia trabalhar todos os dias.
14. O autor recusou-se a receber a respetiva formação profissional.
15. Esta situação toda gerou no autor enorme angústia e revolta, deixando-o completamente à deriva pois não só ficou privado do seu vencimento, como qualquer acesso ao seu único sustento (em conformidade com o decidido em III – 1.).
16. Toda esta situação e da forma como atuou a Ré com o respetivo procedimento disciplinar causou desgosto ao trabalhador, que se vê, fragilizado emocionalmente, privado de uma fonte de rendimento exclusiva e ansiedade pela incerteza do futuro sustento (em conformidade com o decidido em III – 1.).

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

1 – Da impugnação da matéria de facto

A Recorrente nas suas conclusões, mais precisamente nas enumeradas de 3 a 23 defende que a decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto deve ser alterada, sustentando que os pontos AG e AH dos pontos de facto provados devem ser dados como não provados, e os pontos de facto não provados 3, 4, 6 a 10 e 12 devem passar a constar dos pontos de facto provados
Indica como meios de prova para fundamentar a sua pretensão os depoimentos prestados por BB, CC, PP, FF, GG, JJ, KK, QQ e HH.
Vejamos:
Prescreve o artigo 662.º n.º 1 do CPC. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por seu turno, resulta do artigo 640.º do CPC. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto” que quando se impugne a decisão proferida quanto à matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, bem como, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Importa ainda referir que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no artigo no n.º 5 do artigo 607.º do CPC, segundo tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial.
No que respeita à prova testemunhal mostra-se consagrado no artigo 396.º do CC., o princípio da livre apreciação da prova testemunhal, segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador ao dispor o citado preceito legal que a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.
Relacionado com este princípio estão os princípios da oralidade e da imediação. O primeiro exige que a produção de prova e a discussão na audiência de julgamento se realizem oralmente, para que as provas, excepto aquelas, cuja natureza o não permite, sejam apreendidas pelo julgador por forma auditiva. O segundo diz respeito à proximidade que o julgador tem com o participante ou intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova através de uma perceção directa ou formal. Esta perceção imediata oferece maiores possibilidades de certeza e da exacta compreensão dos elementos levados ao conhecimento do tribunal.
Sobre a reapreciação da prova impõe-se toda a cautela para não desvirtuar os mencionados princípios, sem esquecer que não está em causa proceder-se a novo julgamento, mas apenas examinar a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, analisar as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, a fim de averiguar se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.
Em suma, o uso dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de manifesta desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos impugnados, acrescendo dizer que estando em causa a análise de prova gravada só se deve abalar a convicção criada pelo juiz a quo, em casos pontuais e excepcionais, ou seja quando não estando em causa a confissão ou qualquer facto só susceptível de prova documental, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer suporte nos elementos de prova trazidos aos autos ou estão em manifesta contradição com a prova produzida, ou não têm qualquer fundamento perante a prova constante dos autos.
Cabe assim ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria de facto controvertida em face dos elementos a que teve acesso, de forma a verificar ou não um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas, aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento, que possa vir a impor decisão diversa.
Cumprido pela recorrente o ónus de impugnação previsto no citado art.º 640.º do CPC., que sobre si impendia, passamos a apreciar e a decidir
Após a audição de todos depoimentos prestados na audiência de julgamento e analisada a prova documental junta aos autos, podemos desde já dizer que nada temos a objectar relativamente à decisão da matéria de facto não provada proferida pelo tribunal a quo.

Mas, vejamos:

Pretende a Recorrente que seja dada como não provado os pontos de facto provados AG e AH dos quais consta o seguinte:
“AG) Esta situação toda gerou no autor enorme angústia e revolta, deixando-o completamente à deriva pois não só ficou privado do seu vencimento, como qualquer acesso ao seu único sustento.
AH) Toda esta situação e da forma como atuou a Ré com o respetivo procedimento disciplinar causou desgosto ao trabalhador, que se vê, fragilizado emocionalmente, privado de uma fonte de rendimento exclusiva e ansiedade pela incerteza do futuro.”
O tribunal a quo fundamentou a prova desta factualidade nos seguintes termos:
“Sobre o estado emocional do autor (al. AG) e AH) dos factos provados, além de resultar das regras da experiencia comum, que o facto de lhe terem sido retiradas parte das funções (nomeadamente as mais expressivas, sendo certo que o mesmo era também visto pelas trabalhadoras como patrão – testemunha KK) e de assistir à mudança das instalações da sociedade sem o seu prévio conhecimento, sendo ao mesmo impostas férias e um processo disciplinar, são factos suscetíveis de afetar psicologicamente uma pessoa, e as próprias testemunhas BB, ex-funcionária da ré e CC, cunhada de ambos, que confirmaram o estado psicológico do autor na decorrência dos factos, nomeadamente de incompreensão e tristeza.
Da análise da prova produzida teremos de dizer que a factualidade dada como provada não tem o mínimo sustento em qualquer um dos testemunhos prestados em audiência de julgamento designadamente nos depoimentos prestados pelas testemunhas BB e CC, pois para além de não terem revelado qualquer conhecimento sobre o estado de espirito do autor resultante do despedimento, por outro lado não resultou minimamente provado, que o vencimento do autor fosse a sua única fonte de vencimento.
Como bem refere a Sr. Procuradora Geral Adjunta no parecer junto aos autos, a propósito dos depoimentos prestados por BB e CC “… ambas referem pouco ter convivido com o Autor após a separação, que era um homem brincalhão, alegre e, após a separação, andava mais cabisbaixo, referindo ambas a separação e não o despedimento/cessação da relação laboral como causa.”
Não resultam nem destes depoimentos tais factos provados.
Acresce dizer que as regras da experiência não são meios de prova, mas juízos gerais de facto, que permitem afirmar que um dado facto ou um conjunto de factos é verosímil e, assim, dá-lo como provado, na medida em que seja conforme com os conhecimentos científicos adquiridos e validados ou conforme a verificação reiterada de uma sucessão de acontecimentos.
Em suma as regras de experiência não deixam de ser argumentos que ajudam a explicar o caso particular como o que é normal acontecer.
Ora, no caso não existe qualquer suporte que nos permita dar como provada tal factualidade utilizando como argumento as regras da experiência, já que as testemunhas revelaram ter pouco ou nenhum conhecimento desta factualidade.
Assim, afigura-se-nos dizer que, quanto aos factos que constam dos pontos AG e AH dos pontos de facto provados, nem as mencionadas testemunhas, nem as demais inquiridas em audiência de julgamento revelaram ter qualquer conhecimento, razão pela qual não podem constar dos pontos de facto provados.
Em face do exposto impõe-se proceder à eliminação dos pontos de facto provados AG e AH, que devem passar a constar dos pontos de facto não provados, o que se fará constar no local próprio.
Procede nesta parte a impugnação da matéria de facto.
Pretende ainda a Recorrente que se faça constar dos pontos de facto provados os seguintes de ponto de facto não provados
3. Que, o trabalhador começava o dia de trabalho e pouco tempo depois ausentava-se do seu posto de trabalho, sem dar qualquer justificação ou apenas dizia: “vou dar o pequeno almoço ao meu pai”, e fazia-o sem autorização ou consentimento da sua superior hierárquica.
4. Que a expressão referida em G) tivesse sido em modo de gozo.
6. Que a sua superior hierárquica dava-lhe as instruções necessárias e passados uns minutos o Autor dirigindo-se a ela questionava “quais são as peças?”, “onde estão as peças?”
Passados alguns minutos, voltava a questionar a sua superior hierárquica: “quais são as peças?”, “onde estão as peças?” “Como faço?”.
7. Que isto acontecia, durante todo o dia, apesar do Autor ter perfeito conhecimento do trabalho que tinha a desempenhar.
8. Que com este comportamento, o Autor pretendia destabilizar a sua superior hierárquica e por consequência prejudicar a produtividade da sua superior e restantes trabalhadoras.
9. Que a entidade patronal tivesse pedido insistentemente ao Autor para não assobiar ou cantarolar porque incomodava as restantes trabalhadoras.
10. Que esses comportamentos do Autor, deixavam a sua superior hierárquica transtornada, intimidada e com vergonha das restantes trabalhadoras o que a levava, muitas vezes, quando tal acontecia, a refugiar-se no seu veículo automóvel para se acalmar e recompor.
12. Que nas circunstâncias referidas em J) o Autor também tenha dito que “agora anda metida com bruxos, que a avisam que tem coisas nas cadeiras e nas máquinas e ela anda sempre a limpar tudo”, ”até foi à GNR fazer queixa de mim”. adite à factualidade provada os seguintes factos:
O Tribunal a quo motivou da decisão de facto relativamente aos factos não provados da seguinte forma:
No que concerne aos factos não provados, nomeadamente aos constantes dos pontos 1. a 12., os mesmos deveram-se à ausência de prova sobre os mesmo ou ao facto de se ter considerado que o depoimento das testemunhas RR, II, JJ e KK, nessa parte, mostraram-se demasiado concertados e forçados na imputação de factos ao autor, o que até já suscitava duvidas relativamente ao processo disciplinar donde resultam decalcados os depoimentos das testemunhas JJ e KK.
Desde logo, se registe que igualmente muito se estranha o auto de notícia de fls. 31, junto pela ré, que imputando a ocorrência de factos ao autor nos dias 4, 5, 6, 9, 10, 11, 12, 13, 16 e 17 de maio, tenha o mesmo sido elaborado no dia 12 de maio de 2022.
Além disso, depois em sede de audiência final, as testemunhas que prestaram depoimento em sede de processo disciplinar, já não foram capazes de concretizar alguns dos factos, apesar do lapso temporal não ter sido muito, nomeadamente expressões e datas.
Não resultou dos depoimentos, que antes da separação existissem problemas, pois apesar das testemunhas JJ e KK terem referido que o autor era um pouco distraído, nenhum facto em concreto lhe apontaram.
A testemunha HH, encarregada geral numa empresa para a qual a ré presta serviços, tentando convencer da versão daquela, referiu que era difícil falar com o autor porque ou estava com o pai ou a mãe no hospital (mas não disse se tal era no horário de expediente e quando estava ao serviço) e que de há um ano para cá as coisas não corriam bem com as encomendas imputando ao autor o facto de marcar mal as peças. Todo este depoimento além de muito genérico, não se compreendeu até o conhecimento tão profunda da testemunha sobre o funcionamento da ré, quando resulta que quem ia à empresa era a testemunha GG.
Relativamente ao cantar e assobiar e às ausências do local de trabalho, além de ter resultando que este já era o comportamento do autor (sendo até reconhecido pela testemunha JJ que o autor era bem disposto), resultou do depoimento destas testemunhas funcionárias da ré e da ex-funcionária BB, que o autor tinha por hábito cantar. E, quanto às ausências, além do autor, também realizar o seu serviço no exterior do posto de trabalho (confirmado também por todas), a verdade é que o mesmo era visto como um patrão pelas restantes trabalhadoras, desfrutando por isso de um regime laborar mais permissivo do que as restantes, pelo que nunca se poderia concluir que o mesmo saia sem qualquer justificação e sem autorização ou consentimento da sua superior hierárquica.
Quanto às expressões vertidas em 5., 6. e 12. da factualidade não provada, nenhuma prova sobre as mesmas foi produzida.
Nem tampouco se pode concluir que o autor pretendia destabilizar e intimidar a sua superior hierárquica, pois as expressões que resultaram provadas foi num contexto de conflito do ex-casal e quando aquela até já lhe tinha retirado o acesso a algumas das suas funções (como o confirmou a testemunha SS, dizendo que logo em abril, quando saiu de casa com a mãe, levaram o computador da empresa utilizado pelo autor para fazer parte das suas funções). A própria legal representante da ré, admitiu que a situação estava tão má a nível pessoal entre eles que era impossível continuarem juntos, não se conseguindo distinguir aquilo que a legal representante sentia enquanto tal e aquilo que sentia na relação conjugal.
Após audição dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, constatamos o acerto do juízo probatório efectuado pelo tribunal a quo no que respeita à prova da factualidade que agora a recorrente pretende que seja dada como provada. O tribunal a quo procedeu à análise da prova produzida de forma irrepreensível, não se detetando qualquer erro que impusesse qualquer alteração.
A fundamentação da decisão de facto nesta parte afigura-se-nos de clara, precisa e suficiente, indo de encontro à prova produzida, revelando-se compreensível e apreensível o fio condutor do raciocínio crítico do julgador que ditou que tal materialidade fáctica não fosse dada como não provada.
No que respeita ao ponto de facto 3 dos pontos de facto não provados, apraz dizer que apesar da testemunha JJ ter afirmado que o Autor “saía muitas vezes”, designadamente para dar almoço ao pai ou ir ao cemitério por uma velinha à mãe, dentro no horário de trabalho, não resulta que tal era feito sem o consentimento da sua superior hierárquica, sendo certo que não podemos deixar de concordar com o Tribunal a quo ao desvalorizar o depoimento desta testemunha por o mesmo se revelar demasiado concertado e forçado na imputação de factos ao autor, não esquecendo que a testemunha é funcionária da Ré e o Autor, o ex marido da legal representante da Ré, sendo até à separação sempre visto e tratado como sendo o também o patrão.
Quanto ao ponto 4 dos pontos de facto não provados teremos de dizer que da prova produzida designadamente do depoimento prestados por JJ não resulta que a expressão utilizada pelo autor ao referir-se à ex mulher “oh minha querida, ex mulher” foi proferida em tom de gozo ou de ironia, pois a referida testemunha apenas referiu que o Autor se dirigia à autora em tom provocador, sendo certo que tal como já deixámos expresso, o depoimento desta testemunha quanto estes aspectos (relacionamento entre autor e ex mulher/patroa) não se revelou nem de imparcial, nem de credível, por isso bem andou o Tribunal a quo ao dar tal factualidade como não provada.
Quanto aos pontos 6, 7 e 8 dos pontos de facto não provados referentes ás instruções de trabalho dadas pela legal representante da Ré ao ex marido, bem como quanto à eventual destabilização criada pelo autor à ex mulher, afigura-se-nos dizer que os trechos truncados dos depoimentos prestados quanto a estes factos pelas testemunhas JJ e KK revelam-se de insuficientes para dar tal factualidade como provada. O facto do Autor cantar e assobiar e de provocar a ex mulher, tornando o ambiente de trabalho pesado, em nada contende com o cumprimento de instruções emanadas pela legal representante da Ré, nem permite concluir que o autor tinha perfeito conhecimento do trabalho que tinha de desempenhar, nem permite concluir que o autor pretendia prejudicar a produtividade da ex mulher e dos restantes trabalhadores.
Em suma, quer porque os depoimentos das mencionadas testemunhas não se nos afiguram de imparciais, nem credíveis, quer ainda porque se revelam de insuficientes, bem andou o Tribunal a quo em dar tais pontos de facto como não provados.
Quanto ao ponto de facto 9 dos pontos de facto não provados teremos de dizer que apesar das testemunhas, designadamente a PP e a KK, referirem que o autor assobiava e cantarolava, o certo é que nenhuma das testemunhas referiu que a legal representante da Ré tivesse pedido insistentemente ao autor para não assobiar ou cantarolar, porque tal incomodava os restantes trabalhadores. Apenas foi referido que uma vez a ex mulher lhe terá chamado à atenção e tal revela-se de manifestamente insuficiente para dar como provado o ponto 9 dos pontos de facto não provados.
No que respeita ao ponto 10 dos pontos de facto não provados apraz dizer de novo que os depoimentos concertados das duas testemunhas JJ e KK não se revelaram nem de imparciais, nem de credíveis, razão pela qual improcede a impugnação nesta parte.
Por fim, quanto ao ponto de facto 12 dos pontos de facto não provados defende a Recorrente que o depoimento da filha dos autores, SS, é suficiente para dar tal factualidade como provada.
Ora, não partilhamos de tal opinião, o depoimento prestado pela filha do autor, que se encontra zangada com o pai, revelou-se de exagerado e de pouco preciso, revelando-se de suficiente para dar como provado o ponto J) dos pontos de facto provados, mas não sendo suficientemente preciso para dar como provado os factos que constam do ponto 12 dos factos não provados.
Por último, no que respeita à impugnação da matéria de facto não provada cumpre ainda dizer que ao juiz incumbe apreciar livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto e não existindo nem discrepâncias, nem contradições, nem obscuridade, nem ambiguidade, nem cometimento de erro que importe corrigir, não pode, nem deve o tribunal ad quem alterar a factualidade apurada.
Em suma, é de manter a decisão proferida pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto não provada, pois a globalidade da prova produzida não permite outra conclusão, sendo que os juízos de valor subjectivos, formulados pela recorrente, não têm o condão de impor a sua própria convicção à convicção do juiz a quo.

2 – Da impugnação da decisão de direito

A - Da justa causa do despedimento.

Mantendo-se a factualidade dada como assente em 1ª instância, no que respeita aos factos motivadores do despedimento, importa agora averiguar da verificação da justa causa do despedimento da iniciativa do empregador.

A 1ª instância conclui pela ilicitude do despedimento e para tanto desenvolveu a seguinte argumentação:

“vejamos então dos factos imputados e que fundamentaram a decisão de despedimento.
De acordo com o estabelecido no art.º 338.º do Código do Trabalho, são proibidos os despedimentos sem justa causa, norma que tem na sua base o direito estabelecido no art.º 53.º da Constituição da República Portuguesa.
Para sustentar a licitude do despedimento, a entidade empregadora apenas podia invocar os factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador, nos termos do disposto no art.º 387.º, n.º 3 do Código do Trabalho.
No caso em apreço, resulta da decisão disciplinar proferida no final do processo disciplinar que a ré invoca as alíneas a), c), d) e) e i) do art.º 351.º, n.º 2 do Código do Trabalho: “Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador: a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores; (…) c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa; d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto; e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa; (…) i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes.”
A justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa de vários requisitos:
- comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta inerentes à disciplina laboral;
- impossibilidade imediata e prática da subsistência da relação laboral;
- nexo de causalidade entre o comportamento e a impossibilidade prática e imediata da manutenção da relação laboral.
Regressando ao caso dos autos, resultaram demonstrados os seguintes factos:
- O Autor após a separação chegou a dirigir-se à sua superior hierárquica dizendo “oh minha querida, ex mulher!”.
- O Autor tinha por hábito a assobiar e cantarolar durante o dia.
- Em dia e hora não concretamente apurados, mas entre abril e maio de 2022, o Autor referindo-se à pessoa da sua superior hierárquica, LL, dirigiu-se às restantes funcionárias e afirmou em tom alto: “Ela anda é metida com bruxos e cartomantes”, “Ela obrigou-me a casar com ela”.
- A empresa C... é cliente da Ré e em dia não concretamente apurado, entre abril e maio de 2022 quando o funcionário da empresa C..., MM, foi à sede da Ré, o Autor referindo-se à pessoa da sua superior hierárquica, LL, afirmou: “Ela anda é metida com bruxos”, “Eu dava-lhe uma vida boa”, “Ela não gostava da minha mãe e dos meus irmãos e eu dava-lhe uma vida boa”.
Analisando estes factos que se demonstrou terem sido praticados pelo autor, e independentemente do tom em que foram proferida tais expressões, dúvidas não podem restar quanto a constituírem falhas disciplinares. Dispõe o art.º 128.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho que, para além de outras obrigações, o trabalhador deve “respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade”. Os factos provados são inequívocas violações do dever de respeito previsto no citado art.º 128.º, n.º 1, alínea a).
Tendo o autor praticado um ilícito disciplinar, estava legitimada a aplicação de uma sanção disciplinar por parte da entidade empregadora, pelo que cumpre apenas apreciar da sua proporcionalidade e adequação.
*
Quanto às sanções disciplinares, e tendo em conta o que prevê o art.º 328.º do Código do Trabalho, a entidade empregadora, in casu, optou pela aplicação ao trabalhador da sanção mais gravosa – o despedimento com justa causa, sem direito a indemnização.
Ora, segundo o disposto no artigo 351.º do Código do Trabalho estabelece que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, elencando-se no seu n.º 2 algumas situações que configuram essa situação. Estabelece o n.º 3 do mesmo artigo que “na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.
Mais prevê o art.º 330.º do mesmo diploma legal que, a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator. A decisão de despedimento sem direito a indemnização configura a mais grave de todas as sanções disciplinares que a entidade empregadora pode aplicar ao trabalhador. Como se referiu já, o art.º 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho limita o seu âmbito de aplicação àqueles casos em que seja “imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Ora, não restam dúvidas quanto a ter o trabalhador praticado factos que constituem ilícito disciplinar, como acima já foi analisado. Contudo, não creio que a sua gravidade justificasse a aplicação da sanção mais grave prevista no Código do Trabalho.
Logo à partida, deve atentar-se às circunstancias em que tais expressões foram proferidas, nomeadamente após a separação ocorrida entre o autor e a legal representante da ré, que eram casados.
Ora, por ser assim e tendo-se apenas provado os dois episódios em que o autor referindo-se à legal representante da ré disse que “Ela anda é metida com bruxos”, não é possível concluir estarmos perante uma conduta reiterada por parte do autor.
Por outro lado, e atendendo “ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”, conforme impõe o art.º 351.º, n.º 3 do Código do Trabalho, temos de atentar no facto de o autor ter sido trabalhador da ré durante onze anos e nunca ter sido punido pela prática de qualquer ilícito disciplinar, nunca tendo havido notícia de qualquer comportamento semelhante àqueles que ficaram demonstrados nestes autos. Isto também aponta para que estes factos tenham de ser encarados como ocasionais e decorrentes de problemas pessoais entre os seus principais intervenientes. Mais se diga que pese embora se tenha provado a prática pelo trabalhador dos factos relativos às duas datas referidas, não se provaram os danos na esfera da empregadora, pelo que apesar da gravidade da conduta do autor, ela não se traduziu em prejuízos concretos para a empregadora.
Atendendo a todas as considerações tecidas, a sanção de despedimento aplicada parece desproporcionada. O trabalhador deveria ter sido punido, não há dúvida, tendo em conta a natureza dos factos praticados perante um superior hierárquico, mas antes do seu despedimento dever-lhe-ia ter sido dada uma oportunidade de alterar o seu comportamento, servindo a sanção como forma de o fazer repensar a sua conduta. Antes do despedimento, dispunha a entidade empregadora de outras sanções, não se mostrando justificado o recurso imediato ao despedimento sem indemnização ou compensação.
Por todas as razões tecidas, conclui-se ser a sanção disciplinar aplicada ao autor/trabalhador desproporcionada e desadequada aos contornos concretos do caso. Assim sendo, o despedimento levado a cabo pela entidade empregadora tem de ser declarado ilícito, conforme pretende o autor.”
A Recorrente/Apelante discorda de tal entendimento, defendendo que a sanção aplicada é ajustada ao caso concreto, já que ficou sobejamente provado que o autor não só violou o dever de respeitar a sua superior hierárquica, como também violou o dever de respeitar tratar com urbanidade os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionam com a empresa, tendo também ainda violado o dever de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à disciplina do trabalho (cfr. art.º 128.º n.º 1 al. a) do CT.). Mais refere que a violação de tais deveres conduziu à perda de confiança no autor, confiança essa, indispensável à possibilidade de manutenção da relação laboral,  
Antes de mais cumpre dizer que bem andou o tribunal a quo ao considerar que a sanção do despedimento não se revela nem de adequada, nem de ajustada aos factos apurados, pois a factualidade provada ficou aquém da factualidade que resulta da decisão do despedimento, já que apenas se provaram alguns dos factos integradores da violação do dever de respeito, violação essa que não teve o condão de tornar imediata, irremediável e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Vejamos:

A justa causa traduz-se numa situação de impossibilidade prática, de inexigibilidade no confronto dos interesses opostos das partes – essencialmente o da urgência da desvinculação do empregador e o da conservação do vínculo por parte do trabalhador.
Existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato, com a subsistência das relações pessoais e patrimoniais que isso implica, venha a ferir, de modo exagerado e violento (e por isso injusto), a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador.
 A rutura da relação laboral terá sempre de ser irremediável, na medida em que nenhuma outra sanção seja suscetível de sanar a crise contratual aberta por aquele comportamento culposo.
Em resumo, a noção de justa causa de despedimento, pressupõe um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação de trabalho, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral
Tendo em atenção a matéria de facto dada como provada e supra elencada, não restam dúvidas que o empregador não logrou provar a totalidade dos factos que fez constar quer da nota de culpa, quer da decisão do despedimento.
Da factualidade provada apenas se apuraram dois episódios isolados dos quais resulta que o autor referindo-se à sua ex mulher, a legal representante da Ré, perante colegas de trabalho e clientes da empresa proferiu a seguinte expressão “Ela anda é metida com bruxos”; “Ela anda é metida com bruxo e cartomantes.
Estes factos constituem uma violação ao dever de urbanidade e probidade, sendo por isso integradores da prática de infracção disciplinar.
Quanto aos restantes factos, designadamente ao facto do autor se dirigir à mulher dizendo “oh minha querida, ex mulher!”, bem como o facto do autor ter o hábito de assobiar e cantarolar durante o dia, não se vislumbra que tal factualidade desacompanhada de qualquer outra integre a violação dos deveres do trabalhador, ou constitua a prática de uma qualquer infracção disciplinar
Com efeito, a factualidade provada revela-se de escassa e não permite sequer concluir pela violação do dever de obediência a instruções emanadas da legal representante da Ré, pois não se provou que o autor tivesse desobedecido a qualquer ordem ou instrução emanada da sua superior hierárquica, a legal representante da Ré. Nem permite concluir que o autor não realizou o trabalho com zelo e diligência e que mostrou desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto e nem permite concluir que o autor provocou repetidamente conflitos com a sua superior hierárquica, não tendo promovido atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa.
Em suma, os factos provados apenas nos permitem concluir que o autor violou os direitos laborais que constam da alínea a) do n.º 1 do art.º 128.º do CT.
Como é consabido a sanção disciplinar mais gravosa é o despedimento com justa causa que só deverá ser aplicada nas situações em que o ilícito laboral praticado conduza à impossibilidade imediata da subsistência da relação de trabalho.
Assim tendo presente as circunstancias em que os factos ocorreram, ou seja na sequência da separação de facto do Autor com a legal representante da Ré, ocorrendo grande confusão entre as relações pessoais estabelecidas entre ambos e a relação laboral que mantinham teremos de concluir que o facto do autor afirmar quer perante colegas de trabalho, quer perante um cliente da Ré, que a legal representante da Ré “anda metida com bruxos e cartomantes”, constitui uma violação do dever de respeitar a sua superior hierárquica, contudo tal não assume uma gravidade que nos permita concluir pela impossibilidade da manutenção da relação laboral, com a consequente perda da confiança naquele trabalhador. Acresce dizer que também não se provou que tais comportamentos do autor tivessem causado à Ré prejuízos, designadamente perda de clientes.
A sanção do despedimento aplicada pela Recorrente, em face da factualidade que logrou provar, afigura-se-nos desajustada e desproporcional à gravidade do caso.
Não restam dúvidas de que o Autor deveria ter sido punido disciplinarmente atento o comportamento assumido desrespeitador para com o seu superior hierárquico, contudo deveria ter-lhe sido aplicada uma sanção conservatória dando-se assim a oportunidade do Autor de repensar e alterar o seu comportamento, já que o despedimento não pode deixar de ser considerado de desajustado à gravidade da factualidade apurada.
Improcede também neste segmento a apelação.

B – Do valor da indemnização

Quanto ao valor da indemnização fixado pelo Tribunal a quo pela ilicitude do despedimento de que o Autor foi alvo, pretende a Ré que o mesmo seja fixado no mínimo legal ao invés dos 20 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, que foram fixados pelo Tribunal a quo.
Vejamos:
A respeito dos efeitos decorrentes da ilicitude do despedimento dispõe o n.º 1 do art.º 391.º do Código do Trabalho, que “Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal fixar o montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no art.º 381.º

Do citado preceito legal resulta que na graduação temporal da indemnização se atende ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do despedimento.

Por outro lado, o art.º 381º do CT. estabelece as causas de ilicitude do despedimento da iniciativa do empregador ao prescrever o seguinte:

“Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes e em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:

a)Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c) Se não for precedido do respectivo procedimento;
d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres”.

 De tudo isto resulta que os critérios a atender na fixação da indemnização, são genéricos e vagos, sem que exista qualquer concretização esclarecedora quanto ao critério da graduação dos dias de retribuição base e de diuturnidades a atender na fixação da dita indemnização de antiguidade, razão pela qual o seu cálculo terá de ser efectuado caso a caso, de forma equilibrada e adequada.
Quanto ao valor da retribuição é de entender que a lei quis sugerir que será de atribuir uma indemnização maior aos casos de retribuições mais baixas, visando assim alcançar um valor absoluto que seja compensador do prejuízo causado com a perda do posto de trabalho. Neste sentido cfr. António Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, 12ª edição, pág. 564,
No caso em apreço, o trabalhador auferia uma importância que é de considerar de valor um pouco acima do salário médio, em face do valor da retribuição mínima mensal garantido à data do despedimento, vulgo salário mínimo nacional (€705,00), sendo por isso de considerar estarmos perante um vencimento acima da média.
Quanto ao grau de ilicitude, por força da remissão prevista no disposto no art.º 391º, 1, do CT, para o art.º 381.º do CT, no qual se encontram ordenadas as causas de ilicitude de despedimento, temos o despedimento com motivo julgado improcedente, elencado em segundo lugar, sendo assim apenas precedido dos motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos. Apesar das causas de ilicitude de despedimento se encontrarem apenas listadas, que não hierarquizadas ou graduadas, o certo é que não podemos deixar de considerar de “menor” grau de ilicitude o despedimento com base num vício procedimental do que um despedimento por motivos étnicos e com “maior” grau de ilicitude um despedimento com motivo julgado improcedente, ou desproporcional em face da infracção praticada, do que um despedimento que não tenha sido solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
Cabe-nos ainda referir que a indemnização de antiguidade para além do cariz reparatório, inerente à ideia de obtenção pelo trabalhador de uma compensação pela perda do emprego, que o acautele e prepare para o relançamento da sua actividade profissional futura, assume também uma natureza sancionatória da actuação ilícita do empregador.
No caso em apreço, o grau de ilicitude resultante do facto de o motivo do despedimento ser improcedente afigura-se-nos de moderado, encontrando-se a improcedência dos motivos justificativos do despedimento elencada em segundo lugar como causa da sua ilicitude no artigo art.º 381º do CT.
Acresce dizer que a indemnização mínima propugnada pela Recorrente, deve ficar reservada sobretudo para os casos de irregularidade formal do despedimento, como sucede nas situações de falta de processo disciplinar, apesar de se vislumbrarem motivos substanciais que conduziriam à cessação da relação laboral em razão de uma conduta de incumprimento contratual por parte do trabalhador. Neste sentido Ac. RG de 7/11/2019, Proc. n.º 1280/17.8T8BGC.G1 (relatora Maria Leonor Barroso) disponível in www.dgsi.pt.
 No caso dos autos não estamos perante nenhuma das situações em que se justifique que seja fixada a indemnização mínima proposta pela recorrente, designadamente perante uma situação de irregularidade formal do despedimento.
Assim, considerando, o moderado grau de ilicitude da conduta do empregador, uma vez que se provou a prática pelo trabalhador de factos que constituem infracção disciplinar, apenas tendo o tribunal concluído pela desproporcionalidade da sanção aplicada. O valor da retribuição mensal do Autor que é de considerar de ligeiramente acima do salário médio, mostra-se justo, equitativo, adequado ao comportamento da Ré e às circunstâncias em que ocorreu o despedimento, fixar a indemnização de antiguidade em 20 dias de retribuição de base por cada ano de antiguidade ou fracção, sendo assim de confirmar neste segmento a decisão recorrida.
Improcede também neste segmento a apelação.

C – Da indemnização por dano não patrimonial.

Insurge-se a Recorrente quanto ao facto de ter sido condenada a indemnizar o Autor por dano não patrimonial que terá causado em consequência da ilicitude do despedimento, por considerar que não se provou que o autor tivesse sofrido danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, razão pela qual reclama a sua absolvição do pagamento do pedido desta indemnização.
Antes de mais cumpre dizer que os factos atinentes aos danos não patrimoniais que o autor possa ter sofrido em consequência da ilicitude do despedimento passaram a constar dos factos não provados em conformidade com o acima decidido em sede de impugnação da matéria de facto.
Ora, não tendo assim resultado provado que em consequência do despedimento sem justa causa o autor sofreu danos de natureza não patrimonial merecedores de reparação, em conformidade com o prescrito no art.º 496.º do Código Civil, mais não resta do que concluir pela improcedência de tal pedido
Mas caso assim não entendêssemos, impõem-se ainda fazer umas curtas considerações a este propósito, pois se dúvidas não existem relativamente à ilicitude do despedimento quanto aos danos dele resultante o mesmo não sucede.
Como é consabido para que haja lugar a indemnização por danos não patrimonial, é necessário que se demonstrarem os requisitos da responsabilidade contratual, em conformidade com o prescrito nos arts. 381º e 389º, nº 1, al. a), do CT e que, aqueles revestam gravidade, nos termos do disposto no art.º 496º do Código Civil. Ou seja, os danos não patrimoniais sofridos pelo trabalhador em consequência do despedimento terão de integrar lesão grave, que vá para além daquela que normalmente ocorre em situações similares de despedimento, uma vez que o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra, mas apenas no caso de haver uma razão, que nos permita concluir pela necessidade de reparar a lesão que fique por satisfazer.
Assim, para que haja lugar à indemnização por dano não patrimonial tem o trabalhador de alegar e provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que normalmente sucede nos casos de manifesta culpa do empregador em que os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como, objetivamente, graves e o nexo de causalidade não suscite dúvidas. Neste sentido cfr. Acórdão do STJ de 25/01/2012, in www.dgsi.pt,
Daqui resulta que se os danos não patrimoniais não tiverem especial relevo, traduzindo-se no que sucede na generalidade das situações idênticas, como seja os desgostos, a angústia e o sentimento de injustiça, etc, não há lugar à sua reparação. Neste sentido cfr. Ac. RP de 30.05.2018, Proc. nº 6676/17.2T8PRT.P1, in www.dgsi.pt.
Ora, caso, não tivéssemos determinado a eliminação dos pontos de facto provados AG e AH atento o circunstancialismo deles constante – o despedimento gerou no autor enorme angústia e revolta, deixando-o completamente à deriva pois não só ficou privado do seu vencimento, como qualquer acesso ao seu único sustento; tendo tal causado desgosto ao trabalhador, que se vê, fragilizado emocionalmente, privado de uma fonte de rendimento exclusiva e ansiedade pela incerteza do futuro-, cremos que tal circunstancialismo tem de ser  entendido como o que sucede em situações similares de despedimento, não tendo um especial relevo que nos permita concluir serem estes danos suscetíveis de serem indemnizados, nestes termos.
Em suma, não se tendo provado que Autor haja sofrido danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, em consequência, da ilicitude do despedimento, não é de condenar a Ré a este título, ao invés impõe-se a sua absolvição do pagamento do pedido desta indemnização.
Procede nesta parte o recurso.

V- DECISÃO

Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do CPT. e 663.º do CPC., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar a apelação parcialmente procedente e consequentemente revoga-se a sentença recorrida no que respeita à condenação da Recorrente L... UNIPESSOAL, LDA., no pagamento da indemnização por dano não patrimonial.
Custas a cargo da Recorrente e do Recorrido na proporção do decaimento.
Notifique.
27 Abril de 2023

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Francisco Sousa Pereira