Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2959/20.2T8BCL-A.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: ARRESTO
PETIÇÃO INICIAL
INDEFERIMENTO LIMINAR
APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/04/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - É o requisito do justificado receio de perda da garantia patrimonial do crédito do requerente que consubstancia a marca distintiva do arresto relativamente a outras providências cautelares e se traduz no periculum in mora que alicerça os pressupostos da tutela cautelar em geral.
II - Os vícios substanciais que podem servir de fundamento à imediata rejeição da petição inicial em procedimento cautelar restringem-se a situações em que seja inequívoca ou manifesta a improcedência do procedimento à luz das diferentes interpretações jurídicas que poderão merecer os preceitos legais aplicáveis à facticidade alegada no requerimento inicial ou em que ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente,
III - Sempre que determinada matéria relevante para o objeto do procedimento tenha sido alegada com recurso a invocações essencialmente conclusivas ou valorativas, pressupondo a análise de um conjunto de circunstâncias de facto que permitam consubstanciar de forma objetiva tais juízos genéricos, apenas se justifica o indeferimento liminar do requerimento inicial quando se mostre de todo inviável a supressão ou correção de tais deficiências.
IV - Alegando o requerente da providência, de forma percetível, determinado circunstancialismo suscetível de permitir enquadrar em termos indiciários uma relevante alteração do contexto económico-financeiro dos requeridos, porque associada a uma redução ou diminuição do respetivo património e à iminente ou provável alienação do único património que lhes é conhecido, sendo tais fatores aliados ao conhecimento de uma recente decisão judicial condenatória proferida em ação proposta pelo aqui requerente, nos termos também alegados em sede de requerimento inicial, justifica-se o convite ao aperfeiçoamento visando completar e densificar de forma objetiva determinados juízos genéricos e conclusivos tendentes a comprovar o justo receio de garantia patrimonial.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA, instaurou procedimento cautelar de arresto contra BB e CC, pedindo o arresto do prédio urbano composto por casa de um pavimento, melhor descrito no requerimento inicial.

Alega, para o efeito, em síntese: requerente e requeridos celebraram um contrato de compra e venda, através do qual estes venderam ao primeiro o prédio urbano composto por casa de cave, rés do chão com logradouro, destinado a habitação, melhor descrito na petição inicial; sucede que no referido prédio surgiram vários defeitos cuja obrigação de reparação incumbe aos requeridos, na qualidade de vendedores de coisa defeituosa, tendo estes já sido instados para proceder à sua reparação, que recusaram, levando a que o requerente intentasse  ação judicial contra os requeridos, a qual correu termos sob o n.º 2959/20...., no Juízo Local Cível ... - Juiz ... - na qual foi já proferida sentença, entretanto revogada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02 de março de 2023 que decidiu julgar procedente a ação, condenando os aqui requeridos a reparar ou eliminar os vícios, defeitos, anomalias e patologias existentes no prédio objeto da presente ação, no prazo ali fixado, bem como em sanção pecuniária compulsória no valor de 100 €, por cada dia de atraso ou, em alternativa,  a pagar ao autor a quantia de 44.102,88€, a fim deste poder proceder à sua respetiva correção dos defeitos, através de terceiros; já após a instauração da referida ação, foi tentada a obtenção de um acordo de resolução do diferendo, mas os requeridos recusam responsabilizar-se pelo pagamento do valor da reparação, alegando não terem dinheiro; o requerente teve conhecimento que os requeridos não têm as condições económicas que outrora tiveram, vivendo atualmente com dificuldades financeiras; tendo sido obrigados a vender a casa de morada de família onde residiam por precisarem de dinheiro com vista a pagar aos seus credores; os requeridos possuem uma situação financeira delicada e já venderam e dissiparam património devido às dívidas que sobre si impendiam; desde a data da venda os requeridos residem numa segunda casa, mais modesta, alegadamente construída pelos próprios, sendo este o único bem que se encontra registado em nome dos requeridos; tendo o requerente conhecimento de que os requeridos já iniciaram diligências no sentido da venda do referido imóvel de que são proprietários, o que claramente demostra que estes pretendem dissipar o seu património, tendo o requerente sérias razões para ficar preocupado, pois enquanto não decorrer o prazo concedido aos requeridos para reparar os defeitos (de 180 dias), estes podem dissipar todo o seu património, colocando assim em causa a garantia patrimonial do crédito que o requerente detém sobre aqueles: concluem que existe justo receio de perda da garantia patrimonial do requerente, em virtude da conduta atual e passada dos requeridos, da sua débil situação económica que não lhes permite pagar o valor necessário à reparação dos defeitos na moradia vendida ao requerente.
De seguida foi proferido despacho, indeferindo liminarmente o procedimento cautelar por considerar, em suma, que face aos factos alegados, importava concluir no sentido de que, não obstante a verificação do primeiro requisito necessário para o decretamento da providência, sendo suficiente a alegação no que à existência do crédito do requerente respeita (a probabilidade da existência do crédito), já o mesmo não se podia fazer no tocante ao segundo requisito, concluindo que os factos alegados não são bastantes para se concluir pela existência de sério receio de perda da garantia patrimonial.

Nessa decisão consignou-se, além do mais, o seguinte:
«(…)
Pese embora o crédito alegado não seja desde já certo e exigível, quer porque não transitou ainda em julgado o referido Acórdão, quer porque se trata de uma condenação em alternativa, nos termos sobreditos, considerando que o decretamento da providência se basta com a prova sumária da probabilidade séria da existência do crédito, temos de concluir que a respetiva alegação da existência do crédito se faz em termos suficientes.
Aqui chegados, importa, então, apurar se está minimamente alegada a existência de sério receio de perda da garantia patrimonial - o segundo requisito aludido supra -, sendo certo que o justificado receio de perda da garantia patrimonial - para efeitos de decretar o arresto de bens do devedor - tem que ser aferido com base em critérios objetivos e, portanto, terá que assentar em factos concretos que revelem ou indiciem uma real situação de perigo de insatisfação do crédito decorrente da inexistência de bens que por ele possam responder.
A este respeito, alega o requerente o seguinte:
- resultou da instrução da causa principal, concretamente do depoimento da testemunha DD, prestado em 24/01/2022, que os aí réus, aqui requeridos, venderam a casa em causa nos autos principais ao autor, aqui requerente, por estarem a passar por dificuldades financeiras, ou seja, que os requeridos foram obrigados a vender a casa de morada de família onde residiam por precisarem de dinheiro com vista a pagar aos seus credores;
- daí retira que os requeridos possuem uma situação financeira atual delicada, tendo já vendido e dissipado património devido às dívidas que sobre si impendiam, sendo certo que, desde a data da venda ao autor - 19/12/2018 - os requeridos residem numa segunda casa, mais modesta, alegadamente construída pelos próprios, sendo este o único bem que se encontra registado em seu nome;
- os requeridos já iniciaram diligências no sentido da venda do referido imóvel de que são proprietários, o que claramente demostra que pretendem dissipar o seu património.
Considerando os ditos factos alegados, conclui-se que os mesmos não são bastantes para se concluir pela existência de sério receio de perda da garantia patrimonial.
Com efeito, nada foi alegado nos autos que indicie uma situação económico-financeira atual difícil dos requeridos, que justifique temer uma próxima insolvência do devedor ou uma sonegação, dissipação ou ocultação que impossibilite ou dificulte a realização coativa do crédito.
É que a situação dos requeridos alegada pelo requerente sustenta-se no depoimento da testemunha indicada que se reporta aos motivos da venda do prédio objeto dos autos principais pelos requeridos ao requerente, venda essa que ocorreu há mais de 4 anos atrás. Na verdade, o requerente retira daquele depoimento a alegação de que os requeridos têm atualmente uma situação económica difícil, mas não alega nada de concreto e atual quanto a tal. Não alega a existência atual de outros credores ou dívidas dos requeridos, limitando-se a alegar, de forma absolutamente genérica, vaga e imprecisa que os requeridos já iniciaram diligências no sentido da venda do referido imóvel de que são proprietários, sem concretizar quais os atos por este praticados, no tempo atual, que indiciem dissipação do único bem imóvel de que são titulares.
Ademais, não é alegado qualquer facto objetivo do qual se retire que os requeridos não tenham intenção de pagar ao requerente (apenas se alegou que antes e no decurso da ação, os requeridos não quiseram assumir qualquer responsabilidade pelas reparações exigidas, que é coisa diferente de não terem intenção de cumprir um pagamento judicialmente determinado) e que, por causa desta intenção de não pagar, estes sonegarão, dissiparão ou ocultarão os seus bens de modo a impossibilitar ou dificultar a realização coativa do crédito do requerente.
Ademais, sublinha-se, não se alega, sequer indiciariamente, nos autos qualquer situação de insolvência próxima dos devedores que faça temer pela perda da garantia patrimonial do requerente, sendo certo que a mera inexistência de mais património imobiliário não significa, direta e necessariamente, que os requeridos não tenham dinheiro ou outros bens que possa responder perante o requerente.
Em suma, entendemos que não resulta da alegação do requerente qualquer atitude dos requeridos que inculque a suspeita séria de que estes pretendem subtrair os seus bens à ação do requerente, seu credor.
A este respeito, não será despiciendo referir que, sendo o Acórdão do T.R.G. que atribui ao requerente o aludido crédito sobre os requeridos datado de 02/03/2023, tendo o presente procedimento cautelar entrado em juízo em 16/03/2023, e não tendo o requerente, durante toda a ação principal (entrada em juízo em 29/12/2020) alegado qualquer situação de perigo de insatisfação do crédito peticionado, impunha-se ao requerente que alegasse quais os atos concretos praticados pelos requeridos desde a data do reconhecimento do crédito pelo referido Acórdão – 02/03/2023 - que permitam concluir, à luz das regras da experiência, que estes pretendem subtrair os seus bens à ação do requerente, seu credor, e, por conseguinte, que existe o perigo de, não sendo decretada a providência, se tornar difícil ou mesmo impossível a cobrança do crédito.
Assim sendo e em conclusão, devendo o requerente alegar factos concretos - “ocorrências concretas, e não juízos de valor, induções ou conclusões a extrair dessas ocorrências” (ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, III, pág. 215) - que levem o tribunal a concluir pela verificação do justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito (segundo pressuposto necessário ao decretamento do arresto), e não o tendo feito, nos termos expostos, com os fundamentos expendidos, indefiro liminarmente o presente procedimento cautelar de arresto».

Inconformado, o requerente veio interpor recurso de apelação, pugnando no sentido da revogação da decisão e sua substituição por outra que ordene o prosseguimento do procedimento de arresto requerido, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«i.O recorrente não se pode conformar com a sentença proferida pelo Tribunal recorrido na parte em que o Tribunal decide indeferir liminarmente o presente procedimento cautelar de arresto, por considerar que não foi alegado o justo receito de perder a garantia patrimonial do seu crédito (segundo pressuposto necessário ao decretamento do arresto).
ii.Qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio é concretamente invocável pelo credor, podendo tratar-se, por exemplo, do receio de insolvência do devedor, ou do da ocultação por parte deste dos seus bens (se tiver começado a diligenciar nesse sentido ou usar fazê-lo para escapar ao pagamento das dívidas), ou do receio de que o devedor venda os seus bens (como quando se prove que está tentando fazê-lo), (cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2001, pp. 119-120).
iii.Ora, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.4.2007, relatora Fernanda Isabel Pereira, em: www.dgsi.pt: “o justo receio de perda da garantia patrimonial ocorre sempre que o devedor adopte, ou tenha o propósito de adoptar, conduta indiciada por factos concretos, relativamente ao seu património susceptíveis de fazer recear pela solvabilidade do devedor para satisfazer o direito do credor. A actual ou iminente superioridade do passivo relativamente ao activo, a ocultação do património, a alienação ou a expectativa de alienação ou de transferência do património, são entre outros, sinais de que pode resultar o justo receio de perda da garantia patrimonial. Não se exige, para que seja legítimo o recurso a este meio  conservatório da garantia patrimonial que exista a certeza de que a perda da garantia se vai tornar efectiva com a demora da acção, bastando que se verifique um justo receio de tal perda vir a concretizar-se”.
iv. No caso, o Requerente alegou na petição inicial um conjunto de factos tendentes à prova do justo receio:
v.Referiu o Requerente que os Requeridos foram condenados a reparar ou eliminar os vícios, defeitos, anomalias e patologias existentes no prédio objeto da ação principal no prazo máximo de 180 dias, findo o qual, não procedendo à reparação ou eliminação dos vícios e defeitos, foram condenados a pagar ao Requerente a quantia de €44.102,88 (quarenta e quatro mil, cento e dois euros e oitenta e oito cêntimos), a fim deste poder proceder à sua respetiva correção dos defeitos, através de terceiros.
vi.E que, não é de prever, que face a esta condenação judicial, os Requeridos procedam à reparação dos defeitos existentes no prédio em causa, por sempre se terem negado e continuam a negar a proceder à reparação ou pagamento do valor necessário com vista à sua reparação pelo Requerente.
vii.Tendo sido explicitamente alegado e consta no artigo 9.º da petição inicial que a justificação apresentada pelos Requeridos para a não reparação e não entrega da quantia necessária à reparação ao Requerente se deve ao facto destes não terem dinheiro!
viii.Portanto, os próprios Requeridos já comunicaram de forma explicita ao Requerente que não possuíam capacidade financeira para pagar o valor necessário à reparação dos defeitos.
ix.Tendo ainda sido alegado e demostrado através da transcrição do depoimento de uma testemunha prestado nos autos principais que efetivamente a situação financeira dos Requeridos alterou após a edificação do prédio vendido ao Requerente.
x.No demais, foi ainda alegado na Petição Inicial que o património dos Requeridos é constituído apenas por um prédio urbano e que estes já iniciaram diligências com vista à sua venda, o que efetivamente demostra que, além de não terem dinheiro, pretendem dissipar o seu escasso património.
xi.De onde se torna efetivamente justificável que o Requerente tenha efetivamente receio de perder a única garantia de pagamento do seu crédito.
xii.Assim, dúvidas não existem que resulta da experiência do homem comum que existe um sério e grave risco de o Requerente perder toda e qualquer garantia de satisfação do seu crédito.
xiii.Sendo efetivamente idóneo para justificação do receio a alegação dos Requeridos de que não possuíam dinheiro suficiente para proceder à reparação ou entregar ao Requerente afim deste proceder à reparação por terceira pessoa, a sua débil situação financeira ao longo dos anos, e o facto de só possuírem um bem que se encontra em fase de venda, na medida em que faz perigar a satisfação do crédito do Requerente - o qual, só ora viu reconhecido em sede de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação.
xiv.Sendo ainda de referir que, no arresto, a referência que a Lei faz à perda da garantia patrimonial, não implica a prova do desaparecimento de todos os bens ou de uma situação de efetiva insolvência, bastando a prova do justo receio de se tornar consideravelmente difícil a realização do crédito.
xv.Pelo exposto, decidindo como decidiu, a Meritíssima Juiz ad quo Juiz obstou ao apuramento concreto da situação patrimonial e financeira dos Requerentes, que faz o Requerente temer pela perda da garantia patrimonial do seu crédito, violando a decisão recorrida os artigos 391.º e 392.º do Código de Processo Civil, tanto mais que, trata-se aqui de uma mera apreensão de bens que não de afetação do património dos Requeridos.
xvi. Caso assim não se entenda, admitindo sem conceder que a Meritíssima Juiz ad quo concluísse pela deficiência na alegação dos factos, sempre deveria ter notificado o Requerente para apresentar o articulado aperfeiçoado nos termos ordenados, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 411.º, 7.º e alínea b) do n.º 2 do artigo 590.º do Código de Processo Civil, normativo que, decidindo corno decidiu, também violou:

xvii.Conforme dispõe o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 663/09.1TVLSB-A.L1-6, de 02-07-2009, relatora Fátima Galante, em: www.dgsi.pt:

I - Em sede de procedimento cautelar de arresto, o justo receio da perda da garantia patrimonial há-de revelar-se através de factos concretos à luz de uma prudente apreciação, não bastando um receio subjectivo do credor.
II - Uma deficiente alegação dos factos tendentes a comprovarem o justo receio de perda de garantia patrimonial não justifica o indeferimento liminar do procedimento cautelar de arresto, antes reclama o convite ao aperfeiçoamento da petição.
III - Deve reservar-se o indeferimento liminar por manifesta improcedência do pedido para quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente que se torne inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial”.
xviii. Cite-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 2748/15.6TBBCL - A.G1, em: www.dgsi.pt: “Relativamente aos eventuais factos susceptíveis de fundamentar a existência de justo receio de perda da garantia patrimonial do credor cuja falta ou imprecisa exposição ou concretização comprometem irremediavelmente o êxito da providência cautelar de arresto deve ser elaborado despacho pré-saneador destinado a convidar a parte ao suprimento das insuficiências ou imprecisões, apenas se justificando o indeferimento liminar quando se mostre de todo inviável a supressão da deficiência”.
xix. Assim, salvo o devido respeito, não andou bem a Meritíssimo Juiz a quo ao decidir nos termos em que o fez e com o devido respeito obstou ao apuramento concreto da situação patrimonial e financeira dos Requerentes, o que faz o Requerente temer pela perda da garantia patrimonial do seu crédito.
xx. Face ao supra explanado, deve o presente recurso ser julgado procedente e:
a) Deverá ser revogada a decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos por se encontrar devidamente fundamentado e justificado o receio de perda da garantia patrimonial.
b) Quando assim se não entenda, deverá ser revogada a decisão recorrida, substituindo-se por outra que ordene o aperfeiçoamento do requerimento inicial apresentado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 411.º, 7.º e 590.º, n.º 2, alínea b) do CPC.
Nestes termos, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e:
a) Deverá ser revogada a decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos por se encontrar devidamente fundamentado e justificado o receio de perda da garantia patrimonial.
b) Quando assim se não entenda, deverá ser revogada a decisão recorrida, substituindo-se por outra que ordene o aperfeiçoamento do requerimento inicial apresentado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 411.º, 7.º e 590.º, n.º 2, alínea b) do CPC.
ASSIM FARÃO V.EX.AS INTEIRA JUSTIÇA».

O recurso foi admitido para subir de imediato, nos próprios autos, e com efeito suspensivo da decisão.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto da presente apelação circunscreve-se à reapreciação do despacho que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar de arresto intentado pelo recorrente, aferindo se em sede de requerimento inicial foram alegadas circunstâncias fácticas suscetíveis de permitir consubstanciar - desde que sumariamente demonstradas -, os requisitos necessários ao deferimento do arresto solicitado, concretamente o requisito do justo receio da perda da garantia patrimonial; em caso negativo, se devia ter sido formulado convite ao aperfeiçoamento.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos

1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso
Atento o objeto da apelação, importa aferir se as circunstâncias que foram alegadas pelo requerente no âmbito do presente procedimento cautelar são suficientes para permitir o prosseguimento do procedimento de arresto solicitado, em especial quanto à necessária conformação do requisito do justo receio da perda da garantia patrimonial, considerando que o despacho recorrido apresenta natureza liminar.
O requerente veio instaurar procedimento cautelar contra os requeridos, com os fundamentos alegados no requerimento inicial, pedindo o arresto do prédio urbano composto por casa de um pavimento, melhor descrito no requerimento inicial.
O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor - cf. o artigo 391.º, n.º 1 do CPC.
Para o efeito, esclarece o artigo 392.º, n.º 1 do citado diploma, o requerente deduz os factos que tornem provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência, sendo o mesmo decretado, sem audiência da parte contrária, desde que, examinadas as provas produzidas, se mostrem preenchidos os requisitos legais (artigo 393.º, n.º 1 do CPC).
Resulta do quadro legal acima enunciado que a procedência do pedido de arresto preventivo, enquanto providência de garantia, depende da prova de que é provável a existência do crédito invocado pelo requerente e de que é justificado o seu receio de perder a garantia patrimonial.
A decisão recorrida começou por enunciar os requisitos necessários ao deferimento do arresto solicitado, concluindo pela presença do primeiro dos seus requisitos no âmbito das circunstâncias alegadas no requerimento inicial (a probabilidade da existência do crédito), mas entendendo que o requerente não alegou factos concretos que levem o tribunal a concluir pela verificação do justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito.
Contra esta decisão insurge-se o recorrente, sustentando, no essencial, que o quadro fático alegado na petição inicial é idóneo para justificar o receio de perda da garantia patrimonial, face à alegação de que os requeridos não possuíam dinheiro suficiente para proceder à reparação ou entregar ao requerente afim deste proceder à reparação por terceira pessoa, da sua débil situação financeira ao longo dos anos, e o facto de só possuírem um bem que se encontra em fase de venda, na medida em que faz perigar a satisfação do crédito do requerente - o qual, só ora viu reconhecido em sede de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
Atento o objeto da presente apelação, importa então aferir se as circunstâncias que foram alegadas pelo requerente no requerimento inicial são suscetíveis de permitir concluir pela iminência ou fundado receio da dissipação dos bens que possam responder pelo crédito enunciado.
Efetivamente, enquanto elemento constitutivo específico do objeto da providência cautelar, em contraste com o da ação principal de que é dependência, há que apreciar nesta sede da verificação dos fundamentos da necessidade da composição provisória, a qual decorre do «prejuízo que a demora na decisão da causa e na composição definitiva provocaria na parte cuja situação jurídica merece ser acautelada ou tutelada»[1].
Neste domínio, importa salientar que é o segundo dos requisitos antes enunciados que consubstancia a marca distintiva do arresto relativamente a outras providências cautelares e se traduz no periculum in mora que alicerça os pressupostos da tutela cautelar em geral.
Porém, «a avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjetivos do juiz ou do credor, antes em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, como fator potenciador da eficácia da ação declarativa ou executiva de que o procedimento é instrumental»[2].
A propósito do preenchimento do requisito em apreciação, refere Marco Filipe Carvalho Fernandes[3]: «o periculum in mora inerente à providência cautelar de arresto consubstancia-se no perigo de serem praticados atos de ocultação, disposição, alienação ou oneração do património do devedor - não sendo necessária a prova de qualquer conduta dolosa ou fraudulenta nesse sentido - até que o credor obtenha um título executivo de reconhecimento do seu crédito que lhe permita atingir o património do devedor. Fundamentalmente, o receio de perda da garantia patrimonial do crédito mostra-se justificado quando “está criado um perigo de insatisfação do crédito, por o seu titular se deparar com a ameaça de estar a ser lesado aquilo que lho garanta: o património do devedor”.
Neste particular, a lei “não exige a alegação e prova de que os bens a arrestar constituem a única garantia patrimonial do crédito. O que interessa é que os bens cujo arresto se pede figurem no património do devedor, não tendo o credor a obrigação de saber com exactidão quais os bens que integram tal património”.
(…)
Para que se verifique o preenchimento deste requisito processual, torna-se necessário que o credor alegue factos concretos e objetivos dos quais resulte o receio ou a forte probabilidade de perder a garantia patrimonial do seu crédito e/ou que, pelas regras da experiência comum ou pelo critério do bom pai de família, imponham o deferimento imediato da providência, sob pena de total ineficácia da ação judicial correlativa.
Consequentemente, o fundado receio deve ser “justo”, ou seja, o requerente do arresto deve alegar as razões de facto que justificam a apreensão imediata dos bens do requerido, i. e., a concreta situação de perigo que se poderá consumar se essa apreensão não for decretada. Essas razões de facto devem ser fundadas, atuais e concretizadas com base em elementos objetivos (atinentes à consistência económica do objeto da garantia) e subjetivos (comportamento processual e/ou extraprocessual do devedor).
Há ainda que salientar que a lei não exige que a perda de garantia patrimonial seja efetiva ou certa, bastando apenas que exista um receio fundado dessa perda. Trata-se, na verdade, de “um juízo dirigido para o futuro”, regendo-se, naturalmente, por critérios de probabilidade, já que “o futuro é sempre uma mera possibilidade de ser”. Significa isto que o credor arrestante não tem de demonstrar a existência de um receio certo, mas antes de um receio provável, não bastando, no entanto, a “prova da existência de um receio qualquer, porque tem de ser «justo». Fundamentalmente, aquilo que se exige para o preenchimento do periculum in mora é a verificação de uma situação de facto que seja suscetível de causar num credor “medianamente cauteloso e prudente” o receio de não lograr receber o crédito que detém sobre o devedor/requerido. Dito de outra forma, haverá receio fundado de perda da garantia patrimonial do crédito quando “qualquer pessoa, de são critério, em face do modo de agir do devedor, e colocado no seu lugar, também temeria vir a perder o seu crédito”».
Assim, «[o] receio de perda da garantia patrimonial do crédito deve ser valorado em função de diversos fatores, tais como “o montante do crédito, a maior ou menor capacidade de solvabilidade do devedor, a forma da sua actividade, a sua situação económica e financeira, a natureza do seu património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o próprio montante do crédito»[4].
Revertendo ao caso em apreciação, verifica-se que vem efetivamente alegado pelo requerente, entre o mais, que os requeridos venderam a casa objeto dos autos principais ao autor, aqui requerente, por estarem a passar por dificuldades financeiras, ou seja, que os requeridos foram obrigados a vender a casa de morada de família onde residiam por precisarem de dinheiro com vista a pagar aos seus credores, mais alegando que, desde a data da venda ao autor, os requeridos residem numa segunda casa, mais modesta, alegadamente construída pelos próprios, sendo este o único bem que se encontra registado em seu nome, do que retira que os requeridos possuem uma situação financeira atual delicada; acrescenta ter tomado conhecimento de que os requeridos já iniciaram diligências no sentido da venda deste último imóvel de que são proprietários, o que claramente demostra que pretendem dissipar o seu património, podendo pôr em causa a garantia patrimonial do crédito do requerente.
Ora, analisando o que, com relevância para esta questão, vem alegado pelo requerente, entendemos que o circunstancialismo alegado é suscetível de permitir enquadrar em termos indiciários uma  relevante alteração do contexto económico-financeiro dos requeridos, porque associada a uma redução ou diminuição do respetivo património e à iminente ou provável alienação do único património que lhes é conhecido, sendo que tais fatores, aliados ao conhecimento de uma recente decisão judicial condenatória proferida em ação proposta pelo aqui requerente, nos termos também alegados em sede de requerimento inicial, têm vindo a ser considerados pela jurisprudência como condições suficientes para a demonstração do receio de perda da garantia patrimonial do crédito[5], entre muitas outras.
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-10-2015[6]: «[p]ara o justo receio da perda da garantia patrimonial é suficiente a alegação e prova de um núcleo factual que demonstre ou indicie um perigoso decréscimo da solvabilidade do devedor, a dissipação ou extravio de bens, a desproporção entre o seu activo e passivo, a natureza ocultável do património, ou a ocorrência de qualquer outra situação que aponte no sentido de que o devedor não pode solver a dívida».
Sobre esta questão, decidiu o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-03-2022[7] que «[o] justo receio de perda da garantia patrimonial verifica-se sempre que o devedor tenha o propósito de adotar ou adote uma conduta, indiciada por factos concretos, relativamente ao seu património suscetível de fazer temer pela sua solvabilidade para satisfazer o direito do credor».
A este propósito, observa-se que a decisão recorrida consignou que «não é alegado qualquer facto objetivo do qual se retire que os requeridos não tenham intenção de pagar ao requerente (apenas se alegou que antes e no decurso da ação, os requeridos não quiseram assumir qualquer responsabilidade pelas reparações exigidas, que é coisa diferente de não terem intenção de cumprir um pagamento judicialmente determinado) e que, por causa desta intenção de não pagar, estes sonegarão, dissiparão ou ocultarão os seus bens de modo a impossibilitar ou dificultar a realização coativa do crédito do requerente».
Verificamos, porém, que nos autos vem ainda concretamente alegado pelo requerente que os requeridos recusam responsabilizar-se pelo pagamento do valor da reparação em que foram condenados, alegando não terem dinheiro (cf. o alegado no artigo 9.º do requerimento inicial), o que permite, a nosso ver, configurar um comportamento objetivamente idóneo a suscitar no credor um justo receio de insatisfação patrimonial do seu crédito, atendendo ao motivo invocado e aos restantes factos alegados no sentido de uma redução ou diminuição do respetivo património, tanto mais que para preenchimento do requisito em apreciação não é necessário que a eventual disposição ou alienação de património do devedor seja dolosa ou fraudulenta.
Julgamos, ainda, que o requerente alegou de forma percetível que as alegadas dificuldades financeiras dos requeridos são atuais, sustentando, designadamente, que os requeridos não têm as condições económicas que outrora tiveram, vivendo atualmente com dificuldades financeiras.
Neste domínio, a decisão recorrida salienta ainda que «o requerente alega que os requeridos têm atualmente uma situação económica difícil, mas não alega nada de concreto e atual quanto a tal. Não alega a existência atual de outros credores ou dívidas dos requeridos, limitando-se a alegar, de forma absolutamente genérica, vaga e imprecisa que os requeridos já iniciaram diligências no sentido da venda do referido imóvel de que são proprietários, sem concretizar quais os atos por este praticados, no tempo atual, que indiciem dissipação do único bem imóvel de que são titulares», mais concluindo que «cabia ao requerente alegar factos concretos - “ocorrências concretas, e não juízos de valor, induções ou conclusões a extrair dessas ocorrências” (…) - que levem o tribunal a concluir pela verificação do justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito (segundo pressuposto necessário ao decretamento do arresto, e não o tendo feito, nos termos expostos, com os fundamentos expendidos, indefiro liminarmente o presente procedimento cautelar de arresto».
Porém, em sede liminar, sempre que determinada matéria relevante para o objeto do procedimento tenha sido alegada com recurso a invocações essencialmente conclusivas ou valorativas, pressupondo a análise de um conjunto de circunstâncias de facto que permitam consubstanciar de forma objetiva tais juízos genéricos, apenas se justifica o indeferimento liminar do requerimento inicial quando se mostre de todo inviável a supressão ou correção de tais deficiências.
Com efeito, a possibilidade de indeferimento liminar da petição inicial encontra-se prevista expressamente no artigo 590.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual, «[n]os casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º».
Tal como decorre do enunciado preceito legal, os casos de indeferimento liminar devem corresponder a «situações em que a petição apresenta vícios substanciais ou formais de tal modo graves que permitam antever, logo nesta fase, a improcedência inequívoca da pretensão apresentada pelo autor, ou a verificação de exceções dilatórias insupríveis, incluindo a ineptidão da petição»[8].
Neste contexto, «[o] indeferimento liminar de providência cautelar está reservado a situações em que ocorram exceções dilatórias insupríveis, de que o juiz possa conhecer oficiosamente, ou quando a tese do requerente não tenha qualquer possibilidade de ser acolhida perante a lei em vigor e a interpretação que dela faz a doutrina e a jurisprudência, sendo, por isso, o pedido manifestamente improcedente»[9].
À semelhança do que sucede com as petições iniciais das ações declarativas que seguem a forma do processo comum, também o requerente do procedimento deve expor as razões de facto e de direito que fundam a sua pretensão, sendo o objeto do procedimento integrado pela causa de pedir de que o pedido constitui o imprescindível corolário lógico[10].
Tal como dispõe o artigo 5.º, n.º 1, do CPC, cabe às partes, além do mais, «alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (…)», correspondendo esta ao facto ou factos jurídicos concretamente invocados para sustentar o direito que o autor se propõe fazer declarar, o efeito jurídico pretendido ou o pedido formulado - cf. o artigo 581.º, n.ºs 3 e 4 CPC.
Assim, a causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido[11], pelo que a idoneidade do objeto da ação implica a indicação e inteligibilidade da causa de pedir e do pedido, bem como a existência de um nexo lógico formal não excludente entre aqueles dois termos da pretensão, por forma a permitir um pronunciamento de mérito positivo ou negativo[12].
Por conseguinte, em sede de procedimento cautelar, a causa de pedir é integrada pelo facto jurídico de que emana a providência requerida, a qual «deve ficar refletida num conjunto mais ou menos alargado de factos com relevância jurídica atinente ao direito cuja existência se alega, nos quais se sustentará a providência requerida.
A par de tais factos, devem ser alegados outros factos constitutivos, nomeadamente, os que se refiram às acções ou omissões causadoras do receio de lesão ou de continuação da situação lesiva e respectivas características»[13].
Neste domínio, importa ter presentes os poderes/deveres do juiz em relação à gestão do processo, consagrados nos artigos 6.º e 590.º do CPC, no sentido de dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
Tal como decorre do regime previsto no artigo 590.º do CPC, nos casos em que, por determinação legal, a petição inicial seja apresentada a despacho liminar, incumbe ainda ao juiz, designadamente, convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido (n.º 4).
Tal como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[14]: «[o] convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é percetível (inteligível); apenas sucede que não foram alegados todos os elementos fácticos que o integram, ou foram-no em termos pouco precisos. Daí o convite ao aperfeiçoamento, destinado a completar ou a corrigir um quadro fáctico já traçado nos autos».
Assim, nas situações «em que se verifique imprecisão, vacuidade, ambiguidade ou incoerência de algum articulado, o juiz profere o despacho de convite ao aperfeiçoamento», o mesmo se dirá «das peças cujo teor é conclusivo, quer porque se omitiram os concretos factos que sustentam as conclusões, quer porque a parte se limitou a reproduzir a fórmula legal invocada»[15].
Transpondo para o procedimento cautelar de arresto os critérios enunciados a propósito das insuficiências ou imprecisões que podem servir de fundamento à prolação de um despacho de aperfeiçoamento, previsto no n.º 4 do artigo 590.º do CPC, salienta o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-03-2018[16]:
«(…) [s]e a requerente alega, nuclearmente, que a requerida «por várias vezes assumiu a intenção de dissipação, ocultação ou extravio», termos jurídicos já do entendimento do homem comum, que «a requerida não possuiu quaisquer bens» e que «a requerida foge a todos e quaisquer contactos com a requerente» o requerimento não pode ser indeferido liminarmente, porque não é manifesta a improcedência do pedido já que com a prova de tais factos e de outros adjuvante mente alegados e provados, ele é susceptível de singrar.
(…) - Não obstante, em casos de dúvida quanto à bondade/suficiência dos factos invocados para a sustentação da pretensão, deve o juiz responsabilizar o requerente convidando-o a aperfeiçoar/completar/concretizar o alegado».
A este propósito, refere-se no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13-01-2010[17]:
«(…) [é] insuficiente para configurar o justo receio exigido para o decretamento do arresto a mera alegação de que o requerido afirmara estar a tentar vender terrenos de sua propriedade, sem que se indiquem factos objectivos e concretos de que se extraia ser real essa intenção (v.g., existência de negociações e respectivos termos).
(…) - A concretização da venda de bens, só por si, pode não ser bastante para o efeito, já que ocorrerá uma óbvia substituição patrimonial (dos bens imóveis por dinheiro) - embora uma tal substituição venha a enfraquecer a garantia patrimonial, pela evidente maior facilidade de ocultação ou dissipação de valores monetários.
(…) - A insuficiência da alegação de factos integradores do requisito do justo receio não permite fundamentar um indeferimento liminar do requerimento inicial, sendo antes caso de formulação de despacho de aperfeiçoamento».
Neste domínio, decidiu-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-01-2005[18]:
«(…) [p]ara o preenchimento da cláusula geral do justificado receio de perda de garantia patrimonial relevam a forma da actividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o montante do crédito, a própria relação negocial estabelecida entre as partes.
(…) - Uma deficiente alegação dos factos tendentes a comprovarem o justo receio de perda de garantia patrimonial não justifica o indeferimento liminar da providência, antes reclama o convite ao aperfeiçoamento da petição».
Revertendo ao caso concreto, não podem suscitar-se quaisquer reservas quanto à alegação pelo requerente de um circunstancialismo fáctico mínimo que individualiza e torna percetível a causa de pedir inerente ao presente procedimento, justificando-se, contudo, o convite ao aperfeiçoamento, procurando completar e densificar, designadamente, que atos têm vindo os requeridos a praticar dos quais resulte que já iniciaram diligências no sentido da venda do imóvel de que atualmente são proprietários, e que demonstrem de forma fundamentada que pretendem dissipar o respetivo património, e bem assim os factos que permitam precisar e complementar a alegação de que os requeridos não têm as condições económicas que outrora tiveram, vivendo atualmente com dificuldades financeiras ou com situação financeira delicada, tendo já vendido e dissipado património devido às dívidas que sobre si impendiam.
Por conseguinte, não sendo a petição inicial manifestamente improcedente nem ocorrendo, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, não havia razão suficiente para o indeferimento liminar do requerimento inicial.
Daí que proceda a apelação, impondo-se revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por despacho a convidar o requerente a aperfeiçoar a petição inicial, em conformidade com o exposto.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam a decisão recorrida, que deverá ser substituída por despacho a convidar o requerente a aperfeiçoar a petição inicial, em conformidade com o exposto.
Custas da apelação pelos apelantes, a atender a final, na ação respetiva (artigo 539.º do CPC).
Guimarães, 4 de maio de 2023
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Luísa Duarte Ramos (Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Eva Almeida (Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)



[1] Cf., Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, LEX, 1997, 2.ª Edição, p. 232.
[2] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 465.
[3] Cf. Marco Filipe Carvalho Fernandes, Providências Cautelares, 2017 - 3.ª edição, Coimbra, Almedina, pgs. 225-229.
[4] Cf. Marco Filipe Carvalho Fernandes - obra citada - p. 229.
[5] Cf. a propósito, os Acs. do STJ de 09-02-1999 (relator: Francisco Lourenço), p. 98A1145; de 08-07-1993 (relator: Figueiredo de Sousa), p. 083909; disponíveis em www.dgsi.pt. 
[6] Relator Carlos Moreira, p. 17/14.0TBCBR-B.C1; disponível em www.dgsi.pt
[7] Relator Miguel Baldaia de Morais, p. 1/22.8T8PVZ.P1; disponível em www.dgsi.pt.
[8] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -, p. 674.
[9] Cf. o Ac. TRG de 23-05-2019 (relator: José Alberto Moreira Dias), p. n.º 2259/19.0T8BRG.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Cf. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III vol., Procedimento Cautelar Comum, Coimbra, Almedina, 1998, p. 140.
[11] Cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pg. 245.
[12] Cf. o Ac. TRL de 1-06-2010 (relator: Manuel Tomé Soares), p. 405/07.6TVLSB.L1-7, acessível em www.dgsi.pt.
[13] Cf. Abrantes Geraldes - Obra citada - p. 141.
[14] Obra citada, p. 679.
[15] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada - p. 679.
[16] Relator Carlos Moreira, p. n.º 1833/17.4T8FIG.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[17] Relator Mário Serrano, p. n.º 1009/09.4TBSLV.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[18] Relator Jorge Arcanjo, p. n.º 3722/04, disponível em www.dgsi.pt.