Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
68/14.2TAAVV.G1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: QUEIXA CRIME
REGIME DE COMPARTICIPAÇÃO
ARGUIDOS IDENTIFICADOS EM INQUÉRITO
ARTºS 180º
182º
183º
Nº 2 E 30º
Nº 2
DO CÓDIGO PENAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Em situação de comparticipação, desconhecendo o queixoso, aquando da apresentação da queixa contra determinadas pessoas pela prática de crime, existirem outro(s) comparticipantes, cuja existência e identificação se veio a apurar no inquérito, a queixa apresentada contra aqueloutros é extensiva a este(s), atento o disposto no artº 114º do CP, não carecendo de apresentação de outra queixa expressamente contra o(s) mesmo,para que se considerem verificados os pressupostos do procedimento criminal contra todos os comparticipantes, com a subsequente dedução de acusação.

II) No caso dos autos, considerando que os efeitos da queixa apresentada pelo ofendido/assistente contra o arguido e respetivo cônjuge é extensivo a um terceiro arguido, tendo o assistente deduzido a acusação particular contra os mesmos, pela prática em coautoria do crime de difamação com publicidade p. e p. pelas disposições conjugadas dos atºs 180º, 182º, 183º, nº 2 e 30º, nº 2, todos do CP, impõe-se concluir assistir razão ao assistente/recorrente e ao Mº Pº, quando defendem não existir fundamento para a rejeição da acusação deduzida contra o terceiro arguido.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 - RELATÓRIO

Nestes autos de processo comum, por despacho proferido em 19/04/2016 ao abrigo do artigo 311.º do Código de Processo Penal (cfr. fls. 327 a 330), relativamente à acusação deduzida pelo assistente R. N. e que foi acompanhada pelo Ministério Público:
- Foi declarado extinto o procedimento criminal contra o arguido H. P., com fundamento em que o assistente não apresentou queixa contra o mesmo;
- Foi rejeitada a acusação contra os arguidos M. L. e F. P., com fundamento em que na queixa apresentada não foram alegados quaisquer factos eventualmente subsumíveis ao(s) crime(s) particular(es) imputados na acusação particular deduzida contra os mesmos arguidos, sendo, em consequência declarado extinto o procedimento criminal.
Ainda, tendo em conta o disposto n artigo 71.º do CPP, não se admitiu o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente/demandante contra os arguidos/demandados H. P., M. L. e F. P..
Inconformado com o assim decidido, o assistente interpôs recurso do despacho, apresentando a motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões:
A) O Tribunal a quo inverteu por completo o preceituado nos artigos 115.º e 117.º do Código Penal, deles tendo feito uma interpretação errónea, no mais eclipsando totalmente o disposto no artigo 114.º daquele Código, fazendo tábua rasa da regra da extensão dos efeitos da queixa no caso de comparticipação criminal;
B) Tendo a acusação particular definido o objecto do processo (pois não houve fase instrutória), dúvidas não restam que todos os arguidos a quem a acusação se dirigiu se encontram numa relação de comparticipação;
C) Mais a mais, os indícios suficientes dessa comparticipação encontram-se totalmente espelhados na excelsa investigação levada a cabo pelos Órgãos de Policia Criminal, mui douta e diligentemente supervisionada e orientada pela Exma. Sr.ª Procuradora-Adjunta do DIAP de Arcos de Valdevez;
D) Contrariamente ao propugnado no ponto 1) do despacho recorrido, a omissão de acusação dirigida ao arguido H. P. despoletaria, isso sim, a imediata extinção do procedimento criminal, por força do disposto no artigo 115.º, n.º 3, aplicável ex vi do artigo 117.º do CP, uma vez que a abstenção de acusar um dos comparticipantes aproveita os demais, encerrando assim aquele despacho uma contradição nos próprios termos;
E) O apuramento de um novo sujeito comparticipante é o corolário natural do desenvolvimento da investigação criminal, sendo o mesmo identificado como arguido após prévia constituição como tal, e cuja posição processual é dada a conhecer ao assistente no despacho que encerra o inquérito, aí podendo este inteirar-se dos indícios que sobre aquele recaem (uma vez que o MP informa quais são esses indícios), para efeito de dedução da competente acusação particular;
F) Sob o prisma de qualquer perspectivação quanto ao tempo em que o aqui recorrente tomou conhecimento dos factos, e independentemente da figura do crime continuado que só pode aceitar-se no enquadramento dos mesmos, tendo o aqui recorrente indicado na narração da factualidade incriminatória o início dos eventos a partir do dia 11 de Outubro de 2013, temos que, atento o dia em que a queixa foi apresentada na Secretaria do Tribunal, não pode nunca a mesma deixar de ser considerada tempestiva;
G) Quanto à rejeição de acusação operada no ponto 2) do despacho recorrido, os respectivos fundamentos desvelam um exacerbado formalismo no concernente ao quantum hermenêutico mínimo que deverá constar da queixa e da acusação particular, entendimento este que viola o princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva plasmado no artigo 20.º da CRP, representando de igual modo uma restrição interpretativa intolerável da teleologia imanente ao n.º 1 do artigo 246.º do Código de Processo Penal, toda ela imbuída de um desejável pragmatismo, para não dificultar o exercício do direito de queixa por parte dos cidadãos;
H) Como é por demais consabido, não se exige uma homogeneidade absoluta quanto à factualidade expressa na queixa e na acusação particular;
I) Da leitura integral do texto da queixa resulta um sentido interpretativo unívoco direccionado ao desejo de despoletamento de procedimento criminal contra o sujeito nela visada, reiterado no requerimento de constituição de assistente, acto processual que, de per se, vem confirmar a manifestação de vontade do aqui recorrente em reagir criminalmente contra o participado, o que deflui claramente do próprio cabeçalho do corpo de texto da redita queixa, que indicia claramente essa pretensão;
J) O concreto circunstancialismo espácio-temporal do iter criminis e respectivo modo de execução do agente (consubstanciado na difusão via internet, através da famigerada rede social Facebook) vêm suficientemente explanados nos termos lavrados na minutada queixa, matéria incriminatória que é posteriormente revisitada na acusação particular, ainda que com particular desenvolvimento, fruto do expectável labor levado a cabo no exercício do mandato forense, mas sempre sem qualquer alteração quanto aos elementos essenciais de tempo, modo e lugar da factualidade incriminatória inserta na queixa;
K) A única alteração relevante de um acto para o outro é a introdução de dois arguidos, consequência normal do resultado da investigação, aos quais a acusação pode outrossim ser direccionada com o beneplácito concedido pelo supradito artigo 114.º do CP;
L) Os factos pelos quais são acusados os arguidos H. P. e F. P. são os constantes da queixa dirigida inicialmente ao arguido M. L., pois os textos em análise sobre os quais se debruça a acusação particular são precisamente aqueles que se encontram espelhados nos prints juntos à queixa e referidos na enunciação dos elementos documentais de prova do libelo acusatório (e parcialmente reproduzidos neste), não existindo qualquer inovação na factualidade a partir da qual se desencadeou o procedimento criminal.
Termina o assistente/recorrente pugnando para que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, seja revogado o despacho recorrido, sendo proferido acórdão que determine a prossecução dos ulteriores termos do processo com vista ao agendamento da audiência de julgamento.
O recurso foi regularmente admitido, por despacho de fls. 373.
O Ministério Público, junto da 1ª Instância, não apresentou resposta ao recurso.
Os arguidos também não responderam ao recurso.
Neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, a fls. 386 a 391 dos autos, nos termos que aqui se dão por reproduzidos, pronunciando-se no sentido de que o recurso deverá ser julgado procedente.
Foi dado cumprimento ao disposto no nº. 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não tendo havido resposta.
Feito o exame preliminar, decidiu-se alterar o regime de subida e efeito fixados pelo Sr. Juiz a quo ao recurso, nos termos que se deixaram referidos no despacho que proferimos a fls. 182 e 183 dos autos principais.
Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre agora apreciar e decidir:

2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
É consabido que as conclusões formuladas pelo recorrente extraídas da motivação do recurso balizam ou delimitam o objeto deste último (cfr. artº. 412º do C.P.P.), sem prejuízo da apreciação das questões de natureza oficiosa.
Assim, no caso em análise, considerando os fundamentos do recurso, são duas as questões suscitadas:
- A de saber se deve determinar a rejeição da acusação particular a circunstância de na queixa apresentada, o queixoso não identificar, desde logo, todos os suspeitos/arguidos, contra quem vem a deduzir a acusação;
- A de saber se deve haver lugar à rejeição da acusação particular por os factos nesta descritos, imputados aos arguidos M. L. e F. P., não constarem da queixa apresentada;
Para que possamos apreciar as questões suscitadas, importa ter presente o teor do despacho recorrido, que passamos a transcrever:
2.2. Decisão recorrida
«O processo está corretamente autuado como Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular.
*
O Tribunal é material, funcional e territorialmente competente.
O Ministério Público e o(a) assistente têm legitimidade para exercer a ação penal.
*
Da rejeição da acusação particular
1) – Não recebo a acusação particular deduzida pelo assistente R. N. a fls. 236 e segs., acompanhada pelo Ministério Público (cfr. fls. 294), contra o arguido H. P..
Analisado o teor da acusação particular deduzida a fls. 276 e segs., constata-se que é imputado ao arguido a prática de factos que não constam da queixa oportunamente apresentada (cfr. fls. 2-3), aliás, o ora assistente nunca apresentou queixa contra o mencionado arguido.
Resulta do preceituado no artigo 188.º, n.º 1, do Código Penal, que o procedimento pelos crimes de difamação e injúria depende de acusação particular, a qual, por seu turno, pressupõe o tempestivo exercício do direito de queixa com alegação dos factos que vão delimitar o procedimento criminal quanto a esses crimes de natureza particular (cfr. artigos 113.º, n.º 1 do Código Penal e 50.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
Conforme vem sendo entendido, a queixa, apresentando-se, no domínio dos crimes semi-públicos e particulares, como condição objectiva de procedibilidade, é simultaneamente uma declaração de ciência e de vontade, que tanto pode ser feita em documento autónomo, como verbalmente, com redução a escrito, por entidade competente, não necessitando de revestir formalidades especiais (cfr. Ac. do STJ de 06/05/1999, sumariado in “A tramitação do processo penal”, Augusto Tolda Pinto, 2.ª ed., pág. 122).
O exercício do direito de queixa não é temporalmente ilimitado, como resulta do disposto no artigo 115.º, n.º 1 do Código Penal, aplicável às situações em que o procedimento criminal depende de acusação particular por força do disposto no artigo 117.º do Código Penal: assim, nos termos prescritos por este normativo, o direito de queixa extingue-se no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (ou a partir da morte do ofendido ou da data em que ele se tiver tornado incapaz).
Na ausência de queixa sobre determinados factos, falha uma condição objectiva de procedibilidade, o que, por seu turno, impede o conhecimento de mérito da imputação desses mesmos factos. Este vício pode ser oficiosamente conhecido, conforme previsão do artigo 311.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, porquanto o mesmo obsta à apreciação do mérito da causa.
In casu, o assistente não apresentou queixa contra o arguido H. P., razão pela qual declaro extinto o procedimento criminal contra esse arguido.
Custas pelo assistente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (duas unidades de conta), nos termos dos artigos 515.º, n.º 1, al. f) do Código de Processo Penal e 27.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais.
Não condeno o Ministério Público em custas, atenta a isenção subjetiva de que beneficia - cfr. artigo 4.º, n.º 1, al. a) do Regulamento das Custas Processuais e artigo 522.º do Código de Processo Penal.
*
Não admito o pedido de indemnização civil deduzido por R. N. a fls. 239 verso e segs. contra H. P., porquanto não sendo legalmente admissível a dedução de acusação particular contra esse arguido pelos fundamentos supra expostos – que constituiria o alicerce do facto ilícito, culposo e danoso –, claudicam, assim, os pressupostos de que depende a constituição da responsabilidade civil do demandado, pelo que tal obsta à dedução o pedido de indemnização civil em processo penal.
Custas a cargo do demandante, atento o disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea n), a contrario, do Regulamento de Custas Processuais, artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 523.º do Código de Processo Penal.
*
2) – Não recebo a acusação particular deduzida pelo assistente R. N. a fls. 236 e segs., acompanhada pelo Ministério Público (cfr. fls. 294), contra os arguidos M. L. e F. P..
Analisado o teor da acusação deduzida a fls. 276 e segs., constata-se que é imputado aos arguidos a prática de factos que não constam da queixa oportunamente apresentada (cfr. fls. 2-3). Aliás, perscrutada a queixa apresentada constata-se que, para além de juízos conclusivos, não foram alegados quaisquer factos eventualmente subsumíveis ao(s) crime(s) particulares expressos na acusação particular.
Resulta do preceituado no artigo 188.º, n.º 1, do Código Penal, que o procedimento pelos crimes de difamação e injúria depende de acusação particular, a qual, por seu turno, pressupõe o tempestivo exercício do direito de queixa com alegação dos factos que vão delimitar o procedimento criminal quanto a esses crimes de natureza particular (cfr. artigos 113.º, n.º 1 do Código Penal e 50.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
Conforme vem sendo entendido, a queixa, apresentando-se, no domínio dos crimes semi-públicos e particulares, como condição objectiva de procedibilidade, é simultaneamente uma declaração de ciência e de vontade, que tanto pode ser feita em documento autónomo, como verbalmente, com redução a escrito, por entidade competente, não necessitando de revestir formalidades especiais (cfr. Ac. do STJ de 06/05/1999, sumariado in “A tramitação do processo penal”, Augusto Tolda Pinto, 2.ª ed., pág. 122).
O exercício do direito de queixa não é temporalmente ilimitado, como resulta do disposto no artigo 115.º, n.º 1 do Código Penal, aplicável às situações em que o procedimento criminal depende de acusação particular por força do disposto no artigo 117.º do Código Penal: assim, nos termos prescritos por este normativo, o direito de queixa extingue-se no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (ou a partir da morte do ofendido ou da data em que ele se tiver tornado incapaz).
Na ausência de queixa sobre determinados factos subsumíveis a crimes de natureza particular, falha uma condição objectiva de procedibilidade, o que, por seu turno, impede o conhecimento de mérito da imputação desses mesmos factos. Este vício pode ser oficiosamente conhecido, conforme previsão do artigo 311.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, porquanto o mesmo obsta à apreciação do mérito da causa.
In casu, na queixa apresentada constata-se que não foram alegados quaisquer factos eventualmente subsumíveis ao(s) crime(s) particulares expressos na acusação particular deduzida contra os arguidos M. L. e F. P., razão pela qual declaro extinto o procedimento criminal contra esses arguidos.
Custas pelo assistente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (duas unidades de conta), nos termos dos artigos 515.º, n.º 1, al. f) do Código de Processo Penal e 27.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais.
Não condeno o Ministério Público em custas, atenta a isenção subjetiva de que beneficia - cfr. artigo 4.º, n.º 1, al. a) do Regulamento das Custas Processuais e artigo 522.º do Código de Processo Penal.
*
Não admito o pedido de indemnização civil deduzido por R. N. a fls. 239 verso e segs. contra M. L. e F. P., porquanto não sendo legalmente admissível a dedução de acusação particular contra esses arguidos pelos fundamentos supra expostos – que constituiria o alicerce do facto ilícito, culposo e danoso –, claudicam, assim, os pressupostos de que depende a constituição da responsabilidade civil dos demandados, pelo que tal obsta à dedução o pedido de indemnização civil em processo penal.
Custas a cargo do demandante, atento o disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea n), a contrario, do Regulamento de Custas Processuais, artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 523.º do Código de Processo Penal.
*
Notifique.»

2.3. Apreciação do recurso
Tal como já referimos, a primeira questão suscitada e a decidir no presente recurso é a de saber se deve determinar a rejeição da acusação particular a circunstância de na queixa apresentada, o queixoso não identificar, desde logo, todos os suspeitos/arguidos, contra quem vem a deduzir a acusação.
O ofendido, que veio a constituir-se assistente e ora recorrente, R. N., apresentou denúncia contra M. L. e cônjuge, pela prática de factos relacionados com a publicação, envio e partilha em páginas no facebook de conteúdos, na vertente que aqui releva, ofensivos da honra e consideração do recorrente (cfr. fls. 2 e 3 dos autos), juntando documentos, que fazem fls. 4 a 47 dos autos.
Na sequência de tal denúncia o Ministério Público mandou abrir inquérito, conforme disposto no artigo 246º, nº. 4, do C.P.P. (cfr. fls. 48).
O assistente, ora recorrente, prestou declarações a fls. 69 e 70, afirmando desejar procedimento criminal contra os denunciados.
Em resultado das diligências probatórias realizadas durante o inquérito, veio a apurar-se que as contas do facebook utilizadas para a publicação dos conteúdos denunciados pelo assistente/recorrente eram geridas por H. P. (cfr. fls. 162 a 171 e 174 a 181), o que foi pelo próprio confirmado, nas declarações que prestou, admitindo, designadamente, ser o autor do texto a que se refere a página cuja cópia se mostra junta a fls. 6 (cfr. fls. 182 a 185), o que levou à sua constituição como arguido (cfr. fls. 185), sendo interrogado nessa qualidade (cfr. auto de fls. 186 a 188).
Encerrado o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho a fls. 217 a 222, decidindo pelo arquivamento dos autos, ao abrigo do disposto no artigo 277º, nº. 2, do C.P.P., relativamente ao crime de ameaça p. e p. artigo 153º do Código Penal e determinando a notificação do assistente, nos termos do disposto no artigo 285º, nº. 1, do C.P.P., para, querendo, no prazo de 10 dias, deduzir acusação particular pelo crime de difamação p. e p. pelos artigos 188º e 183º, ambos do Código Penal, fazendo a seguinte indicação para efeitos do disposto no nº. 2 do artigo 285º do C.P.: “O Ministério Público entende que foram recolhidos indícios suficientes da verificação do referido crime por parte dos três arguidos (estando constituídos nessa qualidade, M. L., F. P. e H. P.).
Notificado nos termos assinalados, o assistente veio deduzir acusação particular contra os três arguidos, sendo o arguido H. P., pela prática, em coautoria, de um crime continuado de difamação através de comunicação social, p. e p. pelos artigos 180º, 182º, 183º, nº. 2 e 30º, nº. 2, todos do Código Penal, formulando, ainda, pedido de indemnização civil contra os arguidos/demandados (cfr. fls. 255 a 268).
O Ministério Público acompanhou a acusação particular, nos seus precisos termos (cfr. fls. 294 e 295).
Remetidos os autos para julgamento, o Sr. Juiz a quo veio, ao abrigo do disposto no artigo 311º, nº. 1, do C.P.P., a proferir o despacho ora recorrido, rejeitando a acusação particular, contra o arguido H. P., por não ter sido apresentada queixa contra o mesmo.
Que dizer?
O crime de difamação com publicidade p. e p. pelos artigos 180º, 182º, 183º, nº. 2, todos do Código Penal reveste natureza particular, dependendo o procedimento criminal de acusação particular (cfr. artigo 188º, nº. 1, do Código Penal) e, inerentemente da existência de queixa prévia.
A queixa é caracteriza-se por uma manifestação de vontade por parte do respetivo direito de que se «verifique procedimento penal por um crime cometido contra ele ou contra pessoa com ele relacionada (art. 111.º e CPP, artº. 49º)» - Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pág. 1063.
Escreve o Prof. Germano Marques da Silva, in ob. cit, vol. III, pág.s 51 e 52: «A queixa não é senão a transmissão ao MP da notícia de um crime semipúblico ou particular e da manifestação de vontade que o MP abra um processo para o processamento do agente do crime.»
«(…) na queixa (…) exige-se (…) uma manifestação de vontade de que seja instaurado um processo para averiguação da notícia» do crime «e procedimento contra o agente responsável.»
Nos termos do disposto no artigo 113º do Código Penal, que tem por epígrafe “Extensão dos efeitos da queixa”, em caso de comparticipação no crime, a apresentação da queixa contra um dos comparticipantes torna o procedimento criminal extensivo aos restantes.
Consigna a enunciada disposição legal o principio da indivisibilidade do direito de queixa.
Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. I, Editorial Verbo, 2ª edição, pág. 236, esta norma (tal como a referente à desistência da queixa – artigo 114º, nº. 3, do C.P.) pretende «obstar a que o titular do direito de queixa escolha apenas um dos comparticipantes, perdoando aos demais, caso em que a perseguição teria então mais natureza pessoal do que em razão do crime praticado
Temos, assim, que a queixa inicial apresentada contra um dos comparticipantes torna o procedimento extensivo aos demais.
Já o mesmo não sucede em relação à dedução da acusação pelo assistente, sendo que, tratando-se de crime cometido em comparticipação, se o assistente apenas acusar um dos comparticipantes «existirá uma renúncia do direito de acusação particular relativo a um dos comparticipantes, renúncia que aproveitará aos restantes (art. 114º, nº. 3, do C.P.).», determinando a extinção do procedimento criminal quanto a todos (neste sentido, vide, entre outros, Ac. da RE de 03/10/2006, proferido no proc. 2715/05-1, acessível no endereço www.dgsi.pt.).
A aquisição da notícia do crime, por parte do Ministério Público, no caso por via da apresentação de queixa, dá lugar à abertura de inquérito, ressalvadas as situações previstas na lei (cfr. artigo 262º, nº. 2, do C.P.P.).
De harmonia com o estatuído no artigo 262º, nº. 1, do C.P.P., «o inquérito compreende um conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime – investigar a existência de um conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança de acordo com o artigo 1º, alínea a), do C.P.P. – determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, em ordem à decisão sobre a acusação (artigos 277º e 283º do C.P.P.).» - Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 2016, Almedina, pág. 80.
Encerrado o inquérito, se estiver em causa crime cujo procedimento dependa de acusação particular, cabe ao assistente decidir sobre a acusação. Para o efeito o ministério público notifica-o para que deduza, em 10 dias, querendo, acusação particular, indicando se foram recolhidos indícios da verificação do crime de quem foram os seus agentes (artigo 285º, nºs. 1 e 2, do C.P.P.).
Conforme se decidiu no Ac. da RC de RC de 04/11/2015, 245/14.6TACBR.C1, acessível no endereço www.dgsi.pt, da queixa apenas tem de resultar a vontade no sentido da instauração de procedimento criminal, sem necessidade, quer da qualificação jurídica dos factos, quer da sua completa concretização, tão pouco se exigindo a identificação, total ou parcial, do(s) suspeito(s) da prática do(s) crime(s).
Com referência à não exigência de identificação na queixa do(s) autor(es) do crime, tal como bem se faz notar o Exmº. PGA no parecer emitido e que colhe apoio na jurisprudência que cita, o queixoso poderá não saber, no momento em que apresenta a queixa, quem é o autor do crime, assim como pode desconhecer que os factos foram praticados em comparticipação, vindo a apurar-se a sua existência e identificação no decurso do inquérito, aberto pelo Ministério Público.
Em que, tal como se escreve no Acórdão da RL de 18/02/2015, proferido no proc. 10181/12.5TDLSB-3, acessível no endereço www.dgsi.pt:
1. Embora no caso dos crimes particulares seja ao assistente que cabe a promoção do processo através da queixa e acusação particular, é ao Ministério Público, como entidade responsável pelo inquérito, que compete investigar e analisar os indícios probatórios recolhidos, relativamente à factualidade delimitada pela queixa.
2. Nos termos do nº 2 do artigo 285º, do CPP, o Ministério Público, finda a investigação, tem de avaliar os indícios recolhidos e decidir sobre eles, comunicando previamente ao assistente se há ou não indícios e contra quem.
3. A indiciação feita pelo Ministério Público não tem efeito vinculativo para o assistente, mas tratando-se de crime cometido em comparticipação e vindo a acusação particular a ser deduzida apenas contra alguns dos arguidos, tem como consequência a extinção do procedimento criminal contra todos eles, por força do disposto nos artigos 115º, nº 3 e 117º do Código Penal, a não ser que o assistente fundamente a omissão na inexistência de indícios contra o não acusado.»
No caso vertente, o ofendido, ora assistente, apresentou queixa contra o arguido M. L. e cônjuge, sendo a identificação desta última apurada no inquérito, tratando-se da arguida F. P., vindo, em resultado das diligências de investigação e prova recolhida a apurar-se existir a comparticipação do arguido H. P. na prática dos factos.
A questão que se coloca é a de saber se uma vez apurada, no inquérito, a existência de um comparticipante e identificado o mesmo, é necessário que o titular do direito de queixa manifeste nos autos desejar procedimento criminal contra o mesmo, devendo ser notificado, pelo Ministério Público, para, querendo, exercer esse direito, sob pena da extinção do procedimento criminal contra todos e, nessa sequência, dependendo da posição assumida por aquele, serem extraindo-se as consequências legalmente previstas (neste sentido, vide, entre outros, Ac. da RC de 08/09/2010, proferido no proc. 142/08.4GDSCD.C1, acessível no endereço www.dgsi.pt) ou se por força da extensão dos efeitos do direito de queixa nos termos previstos no artigo 114º do Código Penal, uma vez apresentada queixa contra um ou alguns dos comparticipantes – no pressuposto de que o queixoso desconhecia a existência de outro(s) – fica o queixoso dispensado de apresentar queixa manifestado o desejo de procedimento criminal contra o(s) comparticipante(s), cuja existência e identificação venha a ser apurada no inquérito instaurado pelo Ministério Público.
Perfilhamos este último entendimento, entendendo-se que em situação de comparticipação, desconhecendo o queixoso, aquando da apresentação da queixa contra determinadas pessoas pela pratica de crime, existirem outro(s) comparticipantes, cuja existência e identificação se veio apurar no inquérito, a queixa apresentada contra aqueloutros é extensiva a este(s) último(s), atento o disposto no artigo 114º do Código Penal, não carecendo de apresentação de outra queixa expressamente contra o(s) mesmo(s), para que se considerem verificados os pressupostos do procedimento criminal contra todos os comparticipantes, com a subsequente dedução de acusação.
Nesta conformidade, considerando que os efeitos da queixa apresentada pelo ofendido/assistente/recorrente contra os arguidos M. L. e F. P. é extensivo ao arguido H. P., tendo o assistente deduzido a acusação particular contra os mesmos, pela prática em coautoria do crime de difamação com publicidade p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 180º, 182º, 183º, nº. 2 e 30º, nº. 2, todos do Código Penal, impõe-se concluir assistir razão ao assistente/recorrente e ao Ministério Público, quando defendem não existir fundamento para que seja rejeitada a acusação particular deduzida pelo assistente/recorrente contra o arguido H. P..
Assim, nesta parte, há que conceder provimento ao recurso.
Passando agora a apreciar a segunda questão suscitada no recurso que é a de saber se deve haver lugar à rejeição da acusação particular por os factos nesta descritos, imputados aos arguidos M. L. e F. P., não constarem da queixa apresentada
Entendeu o Sr. Juiz a quo que na queixa apresentada não foram alegados quaisquer factos eventualmente subsumíveis ao(s) crime(s) particular(es) imputados na acusação particular deduzida contra os arguidos M. L. e F. P., pelo que declarou extinto o procedimento criminal contra os mesmos arguidos.
Vejamos:
O ora assistente/recorrente apresentou a denúncia de fls. 2 e 3 dos autos, porquanto e em síntese, na parte que aqui releva:
- Em 11/10/2013, o denunciado M. L. publicou na sua página do facebook informação falsa e difamatória, contra a sua pessoa, a qual foi partilhada na página da esposa e outras;
- Com informação semelhante, remeteu mensagens de correio eletrónico e contatou pessoalmente várias pessoas do mundo do espetáculo.
- Entre a referida data e o dia 25/03/2014, de forma continuada, divulgou a mesma informação ou semelhante, incentivando os seus contatos a difundirem a informação.
- Com estes contatos tem fomentado ódio contra o denunciante, bem como a não contratação dos seus serviços.
- Entre as pessoas contatadas pelo denunciado constam algumas ligadas ao meio musical, as quais pretende que desenvolvam uma campanha que confira maior propagação às suas afirmações.
- Tal conduta está a inviabilizar a recuperação económica do denunciante, o qual se encontra insolvente.
O ora assistente /recorrente instruiu a denúncia apresentada com vários documentos, que fazem fls. 4 a 47 dos autos, entre os quais prints das páginas do facebook contendo os textos que qualifica de “conteúdo falso, grave, difamatório, calunioso e injurioso” contra a sua pessoa, vindo a transcrever excertos desses textos na acusação particular deduzida.
Conforme bem refere o Exmº. PGA, no parecer que emitiu, não há qualquer dúvida de o ora assistente/recorrente ao apresentar a queixa (que apelidou de denuncia vindo posteriormente a manifestar, de forma expressa, pretender procedimento criminal contra os denunciados), pretendeu inequivocamente que os denunciados fossem criminalmente perseguidos pelos factos que sobre si escreveram e divulgaram no facebook e que constam expressamente daqueles documentos.
Relativamente à forma e conteúdo da queixa, nem no Código Penal (artigos 113º a 116º), nem no Código de Processo Penal (artigos 49º a 51º), se exige que a queixa observe determinados requisitos formais, nem que seja estruturada em termos semelhantes aos de uma acusação, nomeadamente, com a narração dos factos pelo modo previsto no artigo 283º, nº. 3, do C.P.P.
Neste domínio, constitui entendimento ao que se crê uniforme na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, o que vem enunciado no Acórdão da RC de 23/09/2015, proferido no proc. 448/12.8GEGDM.P1, acessível no endereço www.dgsi, no sentido de que «(…) não é necessário que a queixa descreva, com todo o pormenor, a forma como decorreram os factos e refira que o denunciado agiu com intenção de os praticar (elementos objetivos e subjetivos do crime): basta que o denunciante participe o evento naturalístico e revele indubitavelmente a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra os agentes.»
Como bem se decidiu no Acórdão da RC de 15/04/2015, proferido no proc. 995/12.1TAVIS.C1:
«I – Os factos, objecto da queixa, delimitam, no domínio de crimes particulares e semi-públicos, a amplitude da investigação em sede de inquérito e, a final, os termos da própria acusação.
II – Não se exige, contudo, que a descrição da factualidade vertida nas duas peças processuais referidas seja absolutamente coincidente.»
Por conseguinte, nos crimes semipúblicos e particulares, o objeto da queixa apresentada pelo ofendido, com referência ao episódio da vida ou do facto naturalístico a que faz referência, suscetível, em abstrato, de integrar a prática de determinado(s) crime(s), delimitando a amplitude da investigação desenvolvida pelo Mº.Pº. no inquérito a cuja abertura deu origem e o objeto da acusação deduzida, esta não pode abranger outro(s) crime(s) – semipúblico(s) ou particular(es) - que não tenha(m) relação de identidade factual com o crime(s) denunciados(s), por que a queixa apresentada não é extensiva a esse(s) crime(s). – cfr., entre outros, Ac.s da RC de 19/12/2006, proc. 1830/04.0PBAVR.C1 e de 27/09/2017, proc. 780/16.1T9LMG-A.C1, ambos acessíveis no endereço www.dgsi.pt.
Assim, se o ofendido apresenta queixa por factos suscetíveis de integrar a prática do crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º, nº. 1, do C.P., a acusação que, subsequentemente, venha a ser deduzida não pode abranger factos que se reconduzam à prática de um crime de dano p. e p. pelo artigo 212º, nº. 1, do C.P., porquanto não existe a apresentação de queixa, quanto a estes factos.
Aplicando estas considerações ao caso concreto, confrontando o teor da queixa (que o ofendido, ora assistente/recorrente apelidou de denuncia) apresentada, a fls. 2 e 3 e o teor da acusação particular deduzida pelo assistente, afigura-nos claro e isento de dúvidas de que existe identidade entre a situação de facto por que o ofendido/assistente, ora recorrente apresentou queixa e os factos por que veio a deduzir acusação particular contra os arguidos.
Concluímos, assim, existir queixa abrangendo os factos por que o assistente/recorrente deduziu acusação particular, não existindo, por isso, fundamento, para que esta seja rejeitada ou seja declarado extinto o procedimento criminal, pelo que não pode manter-se o despacho recorrido.
Termos em que, dando provimento ao recurso, se revoga o despacho recorrido, determinando-se que seja substituído por outro que receba a acusação particular deduzida pelo assistente contra os arguidos M. L., F. P. e H. P., que o Ministério Público acompanhou e que se pronuncie sobre a admissibilidade do pedido de indemnização civil formulado, falecendo o fundamento que levou à sua rejeição, seguindo-se os ulteriores trâmites processuais.

3– DISPOSITIVO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Penal deste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso interposto pelo assistente R. N. e, em consequência:

Revogar o despacho recorrido e determinar que seja substituído por outro que receba a acusação particular deduzida pelo assistente contra os arguidos M. L., F. P. e H. P., que o Ministério Público acompanhou e se pronuncie quanto à admissão do pedido de indemnização civil, dando seguimento aos ulteriores trâmites processuais.

Sem tributação em custas.

Notifique.
Guimarães, 23 de outubro de 2017