Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2371/19.6T8VRL.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO FICTA
CITAÇÃO URGENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – As nulidades processuais resultam de prática de acto que a lei não permita ou de omissão de acto ou formalidade que a lei prescreva (195º CPC). Diferentemente, as nulidades da sentença ou do despacho centram-se em vícios próprios da decisão judicial previstos no artigo 615º CPC.
II - A citação ficta (323, 2, CC) opera sempre que concorram dois requisitos fundamentais: (i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção (ii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor.
III- Se à propositura da acção sobrevir período de férias judiciais, tal facto, por estranho à conduta do autor, não lhe pode ser imputado, antes resultando das regras próprias da organização de serviços e de orgânica judiciária. Ademais, a citação é um acto que se pratica durante as férias judiciais (137º CPC).
IV- A citação prévia ou urgente (561º CPC) é um mecanismo distinto da citação ficta (323º, 2, CC). Que o titular do direito dispõe para acautelar a prescrição, especialmente pertinente caso entre a propositura da acção e a data de prescrição medeiem menos de 5 dias, situação em que não opera a referida citação ficta.
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

C. M. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra X – Centro de Inspecção Mecânica em Automóveis, S.A.
Pede a condenação da ré na indemnização de 21.907,44€ decorrente de resolução do contrato com justa causa comunicada à ré.
A R. deduziu a excepção de prescrição dos créditos laborais. Alega que a cessação do contrato de trabalho ocorreu em 27/12/2018, tendo a acção sido instaurada em 27/12/2019 e a demandada citada em 12/02/2020, pelo que já havia decorrido o prazo de um ano previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho. Ademais, a prescrição é-lhe imputável a título de negligência porque o autor não requereu sequer a citação prévia da ré.
Em resposta, o autor alega que a relação laboral apenas cessou no dia seguinte ao da recepção pela R. da comunicação de resolução do contrato com justa causa, em 02/01/2019. A citação não ocorreu no prazo de 5 dias por facto não imputável ao demandante. Desta forma deverá entender-se que a prescrição se interrompeu cinco dias após a entrada em juízo da petição inicial, isto é, em 01/01/2020.
Seguiu-se a prolação de despacho onde se julgou procedente a excepção de prescrição e absolveu-se a ré do pedido.
O autor recorre deste despacho.

CONCLUSÕES DO RECORRENTE
A. O Recorrente não se conforma com o saneador-sentença ….que julgou procedente a exceção perentória de prescrição que fez extinguir os pedidos nela apresentados, absolveu a Ré e extinguiu a presente instância de cobrança de créditos laborais.
B. …
C. Enquadrando a situação sub judice estamos perante uma relação laboral entre a Ré – empregadora - e o Autor – trabalhador -, Recorrida e Recorrente, iniciada em 7 de Maio de 2002 e que termina com a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, por justa causa, nos termos do artigo 394º, nº 1 e nº 2, alínea a), b), d), e) e f) do Código de Trabalho.
D. Essa carta foi enviada com aviso de receção e recebida pela Ré no dia 2 de Janeiro de 2019.
E. Através da prova documental ficou assente quer para as partes, quer para o tribunal a quo que, estando perante declarações receptícias, nos termos do artigo 221.º do Código Civil, a resolução do contrato se deu nesse dia 2 de Janeiro de 2019. …..
F. Ora, de acordo com o artigo 337.º, n.º 1 do Código de Trabalho, o prazo para intentar acção para cobrança de créditos laborais é de um ano a partir do dia seguinte à resolução do contrato de trabalho.
G. A petição inicial do Autor deu entrada no dia 27 de Dezembro de 2019, 6 dias antes do final daquele prazo: 2 de Janeiro de 2020.
H. Todavia, a petição foi recusada, em 6 de Janeiro de 2020, por não ter sido paga a taxa de justiça ou junto o deferimento de pedido judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça - documento referencia Citius 34869509, ou seja, em momento posterior à verificação da interrupção, sendo manifestamente inócua a sua consideração.
I. Ainda assim, quando confrontado com a recusa da PI, o Autor, aqui Recorrente, responde no dia 15 de Janeiro de 2020 apelando à exceção do cumprimento daquele requisito: o carácter urgente da presente ação que estaria prestes a prescrever, de acordo com o n.º 9 do artigo 552.º do Código de Processo Civil. – cf. referencia Citius 2185769. O que foi recusado pela secretaria em despacho de dia 17 de Janeiro referencia Citius 34078265.
J. Desta forma, foi a Ré citada somente no dia 12 de Fevereiro, após entrada do deferimento do apoio judiciário do Autor no dia 4 de Fevereiro, referencia Citius 2205354.
K. Todavia, como nos diz a lei processual civil e a Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais não seria motivo de recusa da petição inicial a falta do pagamento da taxa de justiça ou junção do pedido (e não do deferimento) do apoio judiciário naquela modalidade. Mais, basta a junção desse pedido para que a petição seja aceite. Pelo que fica dispensado o pagamento da taxa de justiça até a decisão final por parte da segurança social, e, se não deferido, poderá continuar suspenso se existir impugnação, ou, caso esta não se verifique, tem o beneficiário dez dias para a pagar. É o que resulta da conjugação dos artigos 145.º, n.º 3 do Código de Processo Civil e ainda dos artigos 24.º, n.º 1, 2 e 3 e 29.º, n.º 2 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais).
L. E isto foi cumprido pelo Autor, veja-se documento n.º 5 junto com a petição inicial, ref. Citius 2171851. …..
M. Por tudo o exposto, deveria ter sido aceite de imediato a petição inicial, considerando-se a data da sua propositura o dia 27 de Dezembro de 2019.
N. Relativamente à procedência da exceção de prescrição, relacionada com o facto da petição inicial ter entrado em período de férias judiciais, o Tribunal recorrido parece olvidar a diferença entre os prazos processuais e respetivo regime e outra totalmente diferente os substantivos – caducidade e prescrição.
O. De facto, relativamente aos prazos de prescrição e caducidade previstos na nossa lei civil não se aplicam as regras de contagens de prazos processuais. Por conseguinte o artigo 144.º, nº 1 do Código de Processo Civil diz-nos: “1 - Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição.” e o n.º 3 do artigo 137.º: “3 - Os atos das partes podem ser praticados por via eletrónica ou através de telecópia em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento dos tribunais.” (sublinhado e negrito nossos.)…….
P. Novamente deverá ter-se como data de entrada da petição inicial a da sua expedição, o dia 27 de Dezembro de 2019, 6 dias antes do final do prazo, independentemente de estarem a correr as férias judiciais.
Q. E para que o artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil opere, interrompendo-se o prazo prescricional com a citação da Ré no 5.º dia seguinte à propositura da ação, tem esta de entrar 5 dias antes da prescrição – o que sucedeu. Poderia ter sido expedida até dia 29 de Dezembro de 2019.
R. Seguidamente não pode o atraso da citação se ficar a dever ao Autor. E, contrariamente ao que o tribunal a quo entende, com o devido respeito, o motivo da citação da Ré só ter ocorrido no dia 12 de Fevereiro não é imputável ao aqui Recorrente. A petição inicial foi recusada (indevidamente) no dia 6 de Janeiro de 2020, já tinha operado a interrupção da prescrição pela citação da Ré.
S. Por outro lado, existem atos que não se suspendem em férias judiciais, nomeadamente as citações e notificações, como nos diz o artigo 137.º do Código de Processo Civil, n.º 1 e 2: “1 - Sem prejuízo de atos realizados de forma automática, não se praticam atos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais.
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior as citações e notificações, os registos de penhora e os atos que se destinem a evitar dano irreparável.”.
T. Desta forma, cumpridos os requisitos do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil deu-se a interrupção do prazo prescricional no dia 1 de Janeiro 2020. Isto porque já se provou que as citações podem ser feitas mesmo durante as férias judiciais, que a petição inicial deveria ter sido logo aceite e não recusada – o que atrasou todo o processo – e nem sequer era obrigado o Autor a pedir a citação urgente da Ré para que não lhe fosse imputada a responsabilidade pela falta de citação da mesma.
U. Se a citação não foi feita mais cedo, só se podem imputar responsabilidades aos serviços dos Tribunais e não ao Autor que está completamente alheio a tal situação. …..
V. A ação entrou a tempo, no dia 27 de Dezembro de 2019, 7 dias antes da prescrição que se completaria no dia 2 de Janeiro de 2020! Pelo que se deve considerar a interrupção do prazo de prescrição pela citação do Réu após os 5 dias da propositura da ação. Pois que se nada foi feito foi porque a secretaria só reagiu 10 dia depois. Por conseguinte, não tendo o Autor, aqui Recorrente, culpa no atraso da citação da Ré, esta considera-se feita no dia 1 de Janeiro de 2020, interrompendo-se a prescrição, por estarem cumpridos os requisitos do artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil.
W. Finalmente, este saneador-sentença enferma de uma nulidade pois que, mesmo podendo o juiz usar a gestão processual e decidir de imediato, quando entenda já ter os factos necessários para tal, terá de convocar uma audiência prévia para que as partes exerçam o contraditório. E tal não aconteceu, pois foi requerido o contraditório por escrito à Ré, perante a resposta do Autor à prescrição, e proferida logo decisão no dia seguinte. Facto que gerou surpresa ao aqui Recorrente.
Ora, esta decisão contraria os corolários do direito ao contraditório, o princípio da oralidade e o não existirem decisões surpresa: todos pilares da nossa lei processual civil e do Estado de Direito.
X….. …
Y. Em suma, a sentença recorrida confirma e extrai da documentação junta que a PI deu entrada a 27 de Dezembro de 2019. Desde esse momento e durante os 5 dias seguintes, até 1 de Janeiro de 2020, o Tribunal permaneceu em silêncio, razão pela qual, de acordo com a jurisprudência citada e com a própria indicação do Tribunal a quo de que a prescrição apenas ocorreria a 3 de Janeiro, não se poderá ter a mesma por verificada.
Z. Termos em que, sendo o presente recurso procedente, deverá a decisão aqui recorrida ser revogada, requerendo-se, nos demais termos de direito, que doutamente suprirão, ordenar que prossigam os presentes autos, por não estarem prescritos, e sendo condenada a Ré, aqui Recorrida, a pagar o valor peticionado ao Autor, recorrente, emergente de créditos laborais.

CONTRA-ALEGAÇÕES DA RÉ

Defende a improcedência da apelação. Alega, designadamente, que: “

“…Por carta endereçada à Ré em 27 de dezembro de 2018, veio o Autor resolver o contrato de trabalho sub judice.
Olvida o Autor que a sua petição inicial só se mostra apresentada em juízo no dia 04 de janeiro de 2020…tendo em conta que as férias judiciais…
… a Ré só veio a ser citada no dia 12 de fevereiro de 2020.
…o Autor não cuidou, sequer, de requerer a citação prévia da Ré 5 dias antes do decurso do prazo prescricional…
… o prazo de prescrição desde 27 de dezembro de 2018, este terminava em plenas férias judicias, isto é: em 27 de dezembro de 2019.
…a Ré apenas foi citada em 12 de fevereiro de 2020, já depois, portanto, de esgotado o prazo para o exercício do direito de reclamar eventuais créditos salariais ….
…Negligência que faz presumir ter o Autor querido renunciar ao seu direito, ou pelo menos o torna indigno de protecção jurídica — dormientibus non succurrit jus.
… bem andou a sentença recorrida ao conhecer e declarar verificada a prescrição dos pedidos formulados pelos autores.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – propugna-se pela manutenção da decisão recorrida.
O autor recorrente respondeu ao parecer mantendo que a prescrição já havia sido interrompida em 2-01-2020.
O recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso (1)): nulidade do despacho; prescrição dos créditos reclamadas pelo autor.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A) Factualidade

Além do que consta no relatório relevam os seguintes factos:

a) Por carta datada de 27/12/2018 – cfr. fls. 25 - o A. remeteu à R. comunicação mediante a qual declarou resolver o seu contrato de trabalho, com efeitos imediatos;
b) Em 02/01/2019 a R. recebeu esta mesma comunicação – cfr. A/r de fls. 33 vº;
c) Em 27/12/2019 o A. interpôs a presente acção, juntando comprovativo de pedido de apoio judiciário na modalidade de isenção do pagamento de taxa de justiça, que havia apresentado junto dos serviços sociais competentes eme 27/12/2019;
d) Com data certificada pelo sistema citius de 6-01-20, a petição inicial foi recusada pela secretaria, com a indicação de que o demandante não tinha apresentado o deferimento de apoio judiciário, mas tão só o pedido do dito benefício.
e) Em 15-01-20, o autor alude ao caráter urgente da acção, à “proximidade da caducidade” e ao disposto no artigo 552º, 9, CPC;
f) A recusa foi confirmada por despacho de 17/01/2020 – cfr. fls. 56; g) Em 4-02-20, o autor veio juntar comprovativo de deferimento de apoio judiciário.
h) A decisão de concessão do mencionado benefício de apoio judiciário está datada de 22/01/2020;
i) A R. foi citada em 12/02/2020 – cfr. A/r de fls. 70.

B) Nulidade do despacho que declara procedente a excepção de prescrição:

Na letra W das conclusões, o autor alega o seguinte:

“W. Finalmente, este saneador-sentença enferma de uma nulidade pois que, mesmo podendo o juiz usar a gestão processual e decidir de imediato, quando entenda já ter os factos necessários para tal, terá de convocar uma audiência prévia para que as partes exerçam o contraditório. E tal não aconteceu, pois foi requerido o contraditório por escrito à Ré, perante a resposta do Autor à prescrição, e proferida logo decisão no dia seguinte. Facto que gerou surpresa ao aqui Recorrente.
Ora, esta decisão contraria os corolários do direito ao contraditório, o princípio da oralidade e o não existirem decisões surpresa: todos pilares da nossa lei processual civil e do Estado de Direito.”
As causas de nulidade das sentenças e, com as necessárias adaptações, dos despachos estão taxativamente previstas na lei- 615º, 613º, 3, CPC.
São elas a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, a contradição entre os fundamentos e a decisão, a ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, a omissão ou o excesso de pronúncia sobre questões a decidir e a condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Portanto, a falta de contraditório não faz parte dos referidos fundamentos de nulidade das decisões judiciais.
É recorrente a confusão entre as referidas nulidades da decisão e as nulidades processuais.
As nulidades processuais ocorrem quando o juiz omite um acto ou formalidade que a lei prescreve ou pratica um acto que a lei veda - 195º CPC. A forma de reagir contra este vício é a arguição de nulidade e não o recurso. É também diferente o seu regime de arguição (feito na própria instância), o prazo (geral de 10 dias) e as consequências (diversas, desde a anulação do acto e dos subsequentes até à sua irrelevância se o vício em nada influir), regime regulado em termos gerais nos artigos 195º a 202º CPC.
Aceita-se, contudo, que em algumas situações a parte possa arguir a nulidade no requerimento de interposição do recurso, por uma questão de economia, sendo a recurso útil em caso de improcedência da nulidade. Abarcam-se os casos em que a parte apenas se apercebe da nulidade processual quando esta é revelada com a notificação da própria decisão, da qual depois se recorre. Como por exemplo quando um documento ou perícia são notificados em conjunto com a decisão final, ou quando esta constitua uma decisão surpresa sem ser precedida do contraditório que a lei processual imponha – José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2, 4ª ed., p, p. 739.
No caso, a ter sido preterida a lei processual (ausência de marcação de audiência prévia e falta de contraditório), estaríamos perante uma nulidade processual e não da decisão judicial, mas aceitamos a sua arguição em sede de recurso nos termos expostos.
Conhecendo da nulidade processual, é temerária a afirmação do autor de que foi surpreendido e de que não foi cumprido o contraditório.

Em 30-09-2020, teve lugar audiência prévia, constando da acta, entre o mais e na parte que ora interessa, o seguinte:
“Pelo ilustre mandatário do autor foi dito que para efeitos de apreciação excepção da prescrição invocada pela ré o autor requer prazo para se pronunciar quanto à mesma e para juntar comprovativo da data de remessa e de recepção da comunicação que o demandante enviou de resolução do seu contrato de trabalho.”
No acto foi proferido despacho: “Concede-se ao autor o prazo de 10 dias, para se pronunciar quanto as excepções e junção dos documentos. Após, conclua.”
Em 9-10-2020, o autor apresentou requerimento de resposta às excepções, onde nos artigos 4 a 22, expõe as suas razões, defendendo a improcedência da excepção de prescrição, cumprindo-se assim o disposto no artigo 60º, 5, CPT.
Em 27-10-2020, após notificação desta resposta à ré (e desta se pronunciar sobre a mesma), foi proferido despacho a julgar procedente a excepção de prescrição.
Do exposto, decorre a total falta de razão do autor ao invocar a ausência de contraditório e a decisão surpresa. O contraditório é exercido uma vez. Foi dada oportunidade ao autor para responder à excepção de prescrição e este pronunciou-se. Quando muito haveria excesso de resposta da ré, mas essa é outra questão, não arguida.
Ademais, a audiência prévia não é uma diligência obrigatória, só tem lugar “quando a complexidade da causa o justifique”, juízo a cargo do julgador - 62º, 1, CPT. Acresce que, já tendo tido lugar a audiência prévia, não há qualquer justificação para a marcação de uma segunda. Aliás o autor deveria estar preparado para responder às excepções no próprio acto e, não obstante não o ter feito, requereu prazo adicional e foi-lhe concedido – 60º, 5, CPT.
Uma vez que já havia sido cumprido o contraditório e a lei não impunha a realização de qualquer outro acto, poderia a excepção peremptória de prescrição ser decidida de imediato, havendo elementos para tanto - 61º, 2, CPT, 595º, 1, b), CPC.
Improcede a arguição de nulidade.

C) Prescrição dos créditos do autor

O autor peticiona indemnização decorrente de resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa culposa, em conformidade com os artigos 394º, 2 e 396º, 1, CT.
A ré exceciona a prescrição, alegando que o contrato de trabalho cessou em 27-12-18, que o autor apresentou a petição inicial em 27-12-19 em plenas férias judiciais. Somente foi citada para a acção em 12-02-20. O autor não cuidou sequer de pedir a citação prévia, pelo que a prescrição se deveu à sua própria negligência.
O autor argumenta que o contrato cessou em 2-01-19 e que intentou a acção 6 dias antes do termo do prazo de prescrição. Se a citação não se efectuou, tal não lhe é imputável. Dada a natureza urgente da citação face à proximidade da prescrição, bastava-lhe juntar documento comprovativo de pedido de apoio judiciário não sendo necessário a prova do seu deferimento.
A prescrição é uma forma de extinção de direitos subjectivos resultante da falta do seu exercício no prazo fixado na lei. Melhor dizendo, o direito deixa de ser exercitável, o que equivale a dizer que é juridicamente inexigível, passando de obrigação civil a natural. É um instituto que se funda em razões diversas, entre elas a ideia de punição da incúria do titular do direito, de protecção do devedor contra dificuldades de prova acrescidas pelo decurso do tempo, de promoção oportuna de direitos, de segurança e de certeza jurídica, etc…– João Leal Amado, Contrato de Trabalho, Coimbra editora p. 325-6.
Aceita-se comummente que o seu fundamento específico radicará na negligência do titular que não o exercita no prazo que a lei lhe concede, o que legitima a presunção de renúncia ao direito ou, pelo menos, o torna indigno de protecção jurídica - Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 2ª reimpressão, p. 445-6.
No caso, o crédito do autor, emergindo de contrato de trabalho, da sua violação e cessação, prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho – 337º, 1, CT.
No caso, o contrato de trabalho cessou por resolução do trabalhador que, nos termos legais, deve ser comunicada por escrito ao empregador – 395º, 1, CT.
Trata-se e uma comunicação receptícia, ou seja, com destinatário e cuja declaração negocial se torna eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida – 224º, 1, CC.
Declarando o autor que os efeitos da resolução eram imediatos e tendo a declaração chegado ao conhecimento da ré em 2-01-2019, é nesta data que a declaração negocial se torna eficaz e o contrato cessa por resolução do trabalhador.
Assim sendo, teria o autor de exercer o seu direito subjectivo até 3-01-2020 (inclusive), o qual se torna inexigível, por prescrição, a partir de 4-01-2020, caso entretanto não ocorra citação ou alguma outra causa interruptiva da prescrição.

Na decisão recorrida considerou-se que:
“…como a acção foi intentada no decurso das férias judiciais apenas podemos considerar a data de 04/01/2020 como a sua data de interposição…”

Concluindo-se que:
”…iniciando-se a contagem do prazo prescricional em 02/01/2019, este terminou em 03/01/2020, logo o período de 5 dias previsto no nº 2 do art. 323º do Cód. Civil, nem sequer se iniciou, dado que à data da interposição – 04/01/2020 – o prazo prescricional já havia decorrido”.

Contudo, a instância inicia-se pela propositura da acção com a apresentação da petição inicial (2 por via electrónica, valendo como data da prática do acto o da respectiva expedição - 144º e 259, CPC.
Assim, é totalmente destituído de apoio legal a afirmação de que a acção se considera intentada em 4-01-2020, quando a petição inicial foi expedida via electrónica em 27-12-2019 (e aliás recebida nesse dia, conforme Citius), sendo indiferente para o efeito que estejam a correr as férias judiciais.
A discussão que tem ocorrido na jurisprudência é outra e que em nada se relaciona com a data em que a acção se considera proposta, claramente definida na lei.
A questão relaciona-se antes com a possibilidade de transferir o termo do prazo para o exercício do direito para o 1º dia útil, quando aquele termine em férias judiciais (como acontece nos autos, terminando em 3-01-2020).
A jurisprudência tem-se divide-se sobre a questão e, portanto, se é ou não de aplicar o disposto no artigo 279º, e), por remissão do artigo 296º CC.

É esta a norma: 279ºCC (Cômputo do termo)

À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:…

e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo”
Uns dizem que a referida alínea tem como pressuposto que o acto sujeito a prazo tenha de ser praticado em juízo. Não será o caso porque a prescrição opera por simples decurso do tempo, independentemente da prática de acto judicial. O direito prescreve, digamos, “extrajudicialmente”. Coisa diferente será a interrupção da prescrição promovida pelo titular do direito a qual, essa sim, é praticada em juízo através de citação ou notificação judicial avulsa- 323º CC. Pese embora o prazo de prescrição seja um prazo substantivo ao qual poderão ser aplicáveis outras das previsões do artigo 279º, esse não será o caso da alínea e), CC, que estará neutralizada por não se verificar a sua previsão – vd. acórdãos do STJ de 24-01-07, p. 06S3757; acórdãos da RL de 22-10-2003 e de 16-12-2015, www.dgsi.pt
Outros entendem que a norma é aplicável porque se trata de um direito substantivo que se concretiza através da propositura de uma acção – vd. acórdãos do STJ de 10-11-1998 e de 13-05-2004, www.dgsi.pt
Não precisamos sequer de tomar partido nesta questão, pese embora, se acolhida a tese de que o prazo se transfere para o 1º dia útil de abertura dos tribunais, o autor veria estendido o prazo para exercer o seu direito até 6-01-2020.
Contudo, sendo a petição inicial apresentada em 27-12-19, estando respeitada a antecedência legal mínima de cinco dias relativamente ao último dia do prazo (3-01-20) ainda que coincidente com período de férias judiciais, tem-se a prescrição por interrompida sem necessidade de extensão de prazo que não é questão jurisprudencialmente pacífica- 323º, 2, CC.

É esta a disposição em causa:
“Artigo 323.º - (Interrupção promovida pelo titular)
1.A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2.Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”
Os referidos cinco dias são o tempo que o legislador considera suficientes para que se faça a citação. Caso não se efectue nesse espaço temporal, ficciona-se a mesma e interrompe-se a prescrição.
É consensual na doutrina e jurisprudência que, sendo a citação oficiosa a cargo da secretaria e tendo a propositura da acção implícito o requerimento de citação, a simples apresentação da petição inicial integra o conceito de “ter sido requerida”, sem necessidade de qualquer outra especial menção - Antunes varela e outros, Manual de Processo Civil, 2º ed., Coimbra editora, p. 276; António Santos Abrantes Geraldes, CPC anotado, Vol. I, Almedina, p. 626; José Lebre de Freitas, A acção declarativa comum, 4ª ed., p. 90; ac. STJ de 17-03-2010, RC de 25-05-2018, www.dgsi.pt.
Note-se que a interrupção da prescrição decorridos que estejam 5 dias após a entrada da petição inicial sem que se faça a citação, não depende de pedido de citação prévia ou urgente por banda da ré. Este é outro mecanismo de que o titular do direito dispõe para acautelar a prescrição. Que só é necessário caso entre a propositura da acção e a data de prescrição medeiem menos de 5 dias, situação em que não opera a referida citação ficta. Trata-se de dar ao credor outra possibilidade de interromper a prescrição (a par da notificação judicial avulsa) requerendo que a citação se faça com urgência e com precedência sobre outros actos da secretaria.

É o que dispõe o artigo 561º CPC - Citação urgente
“ 1 - O juiz pode, a requerimento do autor, e caso o considere justificado, determinar que a citação seja urgente.
2 - A citação declarada urgente tem prioridade sobre as restantes, nomeadamente no que respeita à realização de diligências realizadas pela secretaria nos termos do artigo seguinte.”

O autor não recorreu ao pedido de citação urgente. Ao contrário do que parece entender a ré, não precisava de o fazer. O autor intentou a acção 6 dias antes do final do prazo, pelo que a prescrição se tem por interrompida em 2-01-2010, portanto ainda em tempo.
A jurisprudência tem assinalada que a citação ficta (323º, 2, CC) opera sempre que concorram dois requisitos fundamentais (3): (i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção (ii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor.
Em particular quanto a este segundo requisito entende-se que o juízo de culpa tem de ser formulado mediante a imputação ao requerente de actos ou omissões que não devia ter cometido e que se apresentem como condição necessária e adequada à produção do resultado traduzido na falta de citação no prazo de cinco dias depois de requerida. Assim, a inobservância de lei pelo autor terá de ser a causa do retardamento da citação para além dos cinco dias - RG de 15-02-2018, wwww.dgsi.pt.
Tem sido considerado pela jurisprudência, mormente do STJ, que se à propositura da acção sobrevir período de férias judiciais, tal facto, por estranho à conduta do autor, não lhe pode ser imputado, antes resultando das regras próprias da organização de serviços e orgânica judiciária. Tanto mais que as citações podem ser efectuada em período de férias- 137º, 2, CPC.

Assim, consta do sumário do ac. STJ 14-01-2009, processo nº 08S2060 (4):

….II - O juízo de culpa tem de ser formulado mediante a imputação ao requerente de actos ou omissões — que não devia ter cometido —, que se apresentem como condição necessária e adequada à produção do resultado traduzido na citação ou notificação mais de cinco dias depois de requerida.
III - Consumando-se a prescrição em 2 de Janeiro de 2006 e tendo a acção sido proposta em 21 de Dezembro de 2005, o prazo prescricional dos créditos do trabalhador/autor resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação interrompeu-se, nos termos do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, decorridos cinco dias sobre esta data (ou seja, em 26 de Dezembro de 2005), uma vez que a demora na citação, ainda que decorrente da interposição das férias judiciais, não é imputável ao Autor.”

O que também se relaciona com a ideia de que:
“… se a prescrição é um instituto que dá prioridade a razões de segurança sobre razões de Justiça, já as causas interruptivas da prescrição conferem prevalência a motivações de Justiça que tornam ilegítima a invocação da segurança, e que a existência de férias judiciais é algo que passa à margem da conduta de qualquer parte processual, sendo questões de organização de serviços….”- ac. STJ 13-05-2004, www.dgsi.pt.

Donde, tendo o autor intentado a acção em 27-12-2019, sem que a citação se mostre efectuada até ao 5º dia (1-1-20, inclusive), a prescrição é interrompida em 2-01-2020, portanto antes do termo do prazo de que o autor dispunha para exercer o seu direito (a prescrição ocorreria em 4-01-2020).
É inútil atentar no posteriormente ocorrido, designadamente após 6-01-2020, quando a secretaria recusa a petição inicial por só ter sido junto comprovativo ao invés de deferimento de apoio judiciário. É que, nos termos supra referidos, não se comprovou que a falta de citação até ao 5º dia (1-01-20) fosse imputável ao autor, sendo indiferente o que se passou futuramente (daí em diante) e que lhe possa ser assacado- ac. RL de 12-02-2020, p. 1274/18.6T8VFX.L1-4 www.dgsi.pt.
Quanto àquele período, apenas se sabe que o acto de citação não teve lugar, que eram férias judiciais e que a secretaria só tramitou os autos em 6-1-20. Matéria inidónea a comprovar que o retardamento da citação é imputável ao autor.
É de julgar procedente o recurso.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em dar provimento ao recurso revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o prosseguimento dos autos.
Custas a cargo do autor, sem prejuízo de isenção subjectiva de que beneficia.
Notifique.
8-04-2021

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins


1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa.
2. Sem prejuízo de só produzir efeitos em relação ao réu a partir do momento da citação, salvo as excepções previstas na lei, designadamente em termos de interrupção de prescrição – 259º, 2, CPC.
3. Pressupondo obviamente que a citação não se efectua antes dos 5 dias, porque, efectuando-se, a prescrição interrompe-se pelo acto de citação- nº 1, do artigo 323º CC.
4. Outros ac. STJ no mesmo sentido de 24-01-2007, 3-04-1991 e 10-11-1998; RC de 25-05-2018, www.dgsi.pt.