Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
94/18.2GCVCT-C.G1
Relator: MÁRIO SILVA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
ARGUIDO CONDENADO
SENTENÇA NÃO TRANSITADA
CUSTAS JÁ VENCIDAS
DEFERIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1- O benefício do apoio judiciário, em processo penal, pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão proferida em primeira instância.
2 - Sendo concedido, o benefício abrange as custas e encargos devidos desde o início do processo.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1. No processo comum (tribunal singular) com o nº 94/18.2GCVCT-C, a correr termos no Juízo Local Criminal de Viana do Castelo – Juiz 2 do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, o Mmo. Juiz proferiu o seguinte despacho, datado de 05/01/2021 (transcrição):
“Ref. 3004066 e 2939430:
O condenado S. J. veio juntar o comprovativo do pedido e concessão do beneficio de apoio judiciário.
Conforme consta do sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 06-10-2016, disponível em www.dgsi.pt, cujo entendimento se perfilha, “O benefício de apoio judiciário só ganha sentido enquanto instrumento para almejar um fim. E esse fim é a tutela do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva plasmado no art. 20º da CRP. Se a situação jurídica já está definida, com o trânsito em julgado da sentença, já não se está em situação de necessidade de “tutela do direito” ou de “acesso à justiça”. Daqui resulta que o apoio judiciário, a ser concedido, abrange apenas os actos praticados após a data do pedido e não os actos anteriormente praticados.”.
Existe um paralelismo com a situação dos autos, uma vez que o arguido solicitou o benefício do apoio judiciário já após a prolação da sentença, sem que dela tenha interposto recurso. Conforme bem dá nota o Ministério Público, citando mesmo o Insigne Juiz Conselheiro Salvador da Costa, a possibilidade de apresentar o pedido de apoio judiciário depois de proferida sentença mas antes do seu trânsito, visa assegurar ao arguido, em processo penal, o exercício do direito ao recurso (cfr. artigo 401.º, n.º 1, alínea b), do C.P.P.), que se inclui nas garantias de defesa reconhecidas constitucionalmente (cfr. artigo 32.º, n.º 1, da C.R.P.).
Assim sendo, consigna-se que o apoio judiciário concedido ao condenado abrange apenas os actos a praticar no futuro e que possam demandar a condenação no pagamento de outras importâncias a título de custas, não abrangendo a isenção do pagamento das custas e encargos já vencidos.
Notifique, incluindo a entidade que concedeu o benefício do apoio judiciário.
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2 – Não se conformando com a decisão, o arguido S. J. interpôs recurso, oferecendo as seguintes conclusões – deduzidas por alíneas e não por artigos, como constitui imposição legal - (transcrição):

A- Por sentença proferida e depositada em 30 de Outubro de 2020 foi o recorrente condenado pela prática de um crime de burla qualificada, tendo ocorrido o respetivo trânsito em julagdo em 30 de Novembro de 2020.
B- No dia 03 de Novembro de 2020 (4 dias após a leitura e depósito da sentença) o recorrente requereu junto dos Serviços de Segurança Social a concessão de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxas de justiça e demais encargos com o processo bem como pagamento da compensação a defensor oficioso, o que veio a ser deferido e comunicado aos autos em 28 de Dezembro de 2020.
C- No seguimento da promoção do Ministèrio Público e na mesma linha de orientação, foi proferido o despacho recorrido – cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – que conclui que “o apoio judiciário concedido abrange apenas os atos a praticar no futuro, não abrangendo a isenção do pagamento das custas e encargos já vencidos.”
D - Salvo o devido respeito e consideração pelo Ilustre Magistrado do Tribunal a quo, a decisão recorrida viola frontalmente os arts. 20º da CRP; 1º, nº1 e art. 44º da Lei 34/2004, de 29.07 (alterada e republicada pela Lei 47/2007, de 28.08).
E - No âmbito do processo penal (que tem especificidades próprias, que o distinguem designadamente do processo civil), o pedido de apoio judiciário deve cumprir o estatuído no nº1 do art. 44º da Lei 34/2004, que fixa um regime especial determinando o termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância como momento limite até ao qual pode ser formulado o pedido .
F- Decorre desta norma que tendo o pedido sido formulado entre a prolação da sentença e o trânsito em julgado da mesma, não só será oportuno como o seu deferimento produzirá efeitos em todo o processo, independentemente de o arguido ter recorrido da sentença condenatória.
G- Não resultando da lei qualquer dever que recaia sobre o requerente de apoio judiciário de manifestar no próprio requerimento a intenção de interpor recurso.
H- A admitir-se como correcta a interpretação restritiva que no despacho recorrido é feita da regulamentação do apoio judiciário, tal significará que a Lei n° 34/2004, de 29/7 é manifestamente inconstitucional por violação do princípio do acesso ao direito consagrado no art° 20°, n°1 da Constituição da República Portuguesa.
I- A interpretação e posição pugnadas pelo aqui recorrente são reforçadas pelo art. 514º, nº1 do CPP que prevê “salvo quando haja apoio judiciário, o arguido condenado é responsável pelo pagamento, a final, dos encargos a que a sua atividade houver dado lugar”, não limitando o seu efeito a partir do momento em que o apoio judiciário é requerido.
J- Sobre esta matéria, os Tribunais Superiores têm vindo a pronunciar-se de modo consentâneo com a posição aqui pugnada, evidenciando a título exemplificativo:
Tribunal da Relação de Guimarães
Proc.385/15.4GCVIS-C.C1, de 05.12.2018 (Desembaragdor Luís Ramos)
I - Em processo penal, o pedido de apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância. II – Se deferido, o apoio judiciário requerido antes do trânsito em julgado da sentença condenatória da qual não foi interposto recurso abrange as custas de todo o processo e não apenas as devidas após o requerimento.

Proc. 205/07.3GAPTL-A.G1, de 16.03.2009 (Desembargadora Nazaré Saraiva)
I -Actualmente, em processo penal, o pedido de apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.
II – Se deferido, o apoio judiciário abrange as custas de todo o porcesso e não apenas as devidas após o requerimento.

Proc 1783/05-1, de 31.10.2005, (Desembargador Fernando Monterroso)
I – Na vigência da Lei 30-E/90 de 20-12, tal como já acontecia no regime do anterior Dec.-Lei 387-B/87, de 29-12, em que o apoio judiciário podia ser requerido “em qualquer estado da causa”’ – art. 17 n° 2, a jurisprudência veio a fixar-se no entendimento de que o apoio judiciário só operava para o futuro, isto é, a partir do momento em que tinha sido requerido.
III - Mas a Lei 34/04 de 29-7 estabeleceu um regime diferente: o apoio judiciário “deve ser requerido antes primeira intervenção processual” ( artº 18,nº 2), salvo se ocorrer facto superveniente, e mesmo neste caso, “o apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da respectiva situação” (artº 18 nº 3).
IV – No entanto, alguma excepção tinha de ser prevista para o processo penal, sob pena de existirem situações em que, simplesmente, seria negada a possibilidade de apoio judiciário a quem dele estivesse carente, pois que, sendo, actualmente, o apoio judiciário sempre decidido pelos serviços da segurança social (art. 20), casos haveria em que, arguido, na prática, estaria impedido de se dirigir àqueles serviços antes da primeira intervenção no processo, como, por exemplo, quando fosse detido em flagrante delito e apresentado nessa situação para primeiro interrogatório ou para julgamento em processo sumário, como é o caso dos autos.
V – Essa a razão da norma do art. 44 n° 1 da nova Lei, que dispõe que se aplicam ao “processo penal, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com excepção do disposto nos nºs 2 e 3 do artº 18º, devendo o apoio judiciário ser requerido, até ao trânsito em julgado da decisão final.
Tribunal da Relação de Coimbra
Proc. 108/11.7GTAVR-A.C1, de 23.05.2012 (Desembargador Paulo Guerra)
1- Constatando-se que o pedido de apoio judiciário foi deferido por quem tinha competência para o fazer, não poderá, nem deverá o Tribunal pronunciar-se sobre o seu deferimento e sobre as consequências desse deferimento, limitando o seu alcance, por carecer de legitimidade
e competência para o fazer

TERMOS EM QUE,

Nos melhores de Direito e com o mui Douto suprimento de Vªs Exªs, deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que mantenha o apoio judiciário requerido e concedido ao arguido/recorrente nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento de compensação a defensor oficioso, abrangendo os seus efeitos as custas de todo o processo.

assim se fazendo a habitual e desejada JUSTIÇA!”
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3 – Admitido o recurso e tendo sido dado cumprimento ao disposto no art. 411º, nº 6, do CPP, o Ministério Público respondeu ao mesmo, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção do despacho recorrido.
4 – Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece ser provido.
5 – No âmbito do disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, o recorrente apresentou resposta, afirmando acompanhar a posição expressa pelo Exmo. PGA.
6 – Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, al. b), do Código de Processo Penal.
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II - Fundamentação

1 - O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação (artº 412º, nº 1, do Código de Processo Penal e jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ nº 7/95, de 19/10, publicado no DR de 28/12/1995, série I-A), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as cominadas com a nulidade de sentença, com vícios da decisão e com nulidades não sanadas (artigos 379º e 410º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal) – cfr. Acórdãos do STJ de 25/06/98, in BMJ nº 478, pág. 242; de 03/02/99, in BMJ nº 484, pág. 271; Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. III, págs. 320 e ss; Simas Santos/Leal Henriques, “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3ª edição, pág. 48.
2 - A única questão que se impõe decidir é se - requerido o benefício do apoio judiciário após proferida condenação em primeira instância, mas antes do trânsito em julgado da mesma – a concessão do benefício só abrange os “atos a praticar no futuro que possam demandar a condenação no pagamento de custas”, não tendo qualquer efeito sobre o pagamento das custas e encargos já vencidos.
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III - Apreciação do recurso

Não se vislumbra qualquer questão de conhecimento oficioso, que se imponha decidir.
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Para apreciação do recurso, importa começar por analisar o regime legal instituído, previsto na Lei nº 34/2004, de 29/07, que regula o regime de acesso ao direito e aos tribunais (densificando o princípio estabelecido no art. 20º da CRP).

No capítulo I (“Concepção e objectivos”) desta Lei, preceitua o artigo 1º:

1 - O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por Insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.
Na secção III (“Apoio judiciário”) do capítulo III, estabelece a referida Lei, no artigo 18º (”Pedido de apoio judiciário”), que:
2 - O apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira Intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de Insuficiência económica.
3 - Se se verificar insuficiência económica superveniente, suspende-se o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário, aplicando-se o disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 24º.”

Já no capítulo IV (“Disposições especiais sobre processo penal”), consagra-se no artigo 44º (“Disposições aplicáveis”) que:

1 – Em tudo o que não esteja especialmente regulado no presente capítulo relativamente à concessão de protecção jurídica ao arguido em processo penal aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com excepção do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 18.º, devendo o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.”
Da transcrição feita não fica qualquer dúvida de que o instituto do apoio judiciário tem por finalidade “assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, (…) por Insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.(o sublinhado é nosso).

Também é claro até que momento processual pode ser formulado tal pedido de apoio:

- em geral, antes da primeira intervenção processual;
- caso a insuficiência económica seja superveniente, antes da primeira Intervenção processual posterior ao conhecimento da situação;
- no caso de arguido em processo penal, até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.

A questão a apreciar no presente recurso é de diferente natureza: visa saber qual o alcance do apoio judiciário que seja requerido na pendência da acção/processo.
Mais precisamente, saber se apenas tem efeito para o futuro (para as custas e encargos gerados a partir do momento em que foi requerido) ou se possui um efeito retroactivo e mais abrangente (dispensando o arguido do pagamento de todos os encargos, mesmo que gerados anteriormente).
O problema é comum ao arguido em processo penal e aos demais casos em que a insuficiência económica ocorra supervenientemente.
Esta questão não é nova, tendo sido suscitada inúmeras vezes e obtido diferentes soluções.
No âmbito dos regimes legais precedentes (DL nº 387-B/87, de 29/12 e Lei nº 30-E/90, de 20/12), em que o apoio podia ser requerido “em qualquer estado da causa”, a jurisprudência pronunciou-se de modo uniforme no sentido de que o “apoio judiciário só operava para o futuro, ou seja, a partir do momento em que tinha sido requerido”.
Para este entendimento uniforme, cremos ter sido decisiva a opinião do Conselheiro Salvador da Costa, com fundamento na finalidade visada com o instituto do apoio judiciário. Dito por palavras nossas, se até então o litigante exerceu ou defendeu os seus direitos, sem dificuldade ou impedimento (por razões económicas), não existe qualquer motivo para que, surgindo tal incapacidade posteriormente, o regime de apoio tenha efeitos desde o início do processo.
Com a publicação da Lei nº 34/2004, de 29/07 (e, mais acentuadamente, a partir da redacção introduzida pela Lei nº 47/2007, de 28/08), o entendimento uniforme “esfumou-se”.
Recorde-se que esta Lei – mantendo as finalidades perseguidas - veio subtrair a decisão sobre a concessão de apoio judiciário aos tribunais, transferindo tal competência para a Segurança Social. Em simultâneo e por via dessa alteração de competência, estabeleceu normas reguladoras da conexão entre esse procedimento administrativo e os processos a que o “apoio” se destinava.
A questão que, desde logo, se suscitou na prática judicial foi a dos arguidos detidos para primeiro interrogatório ou para submissão a julgamento em processo sumário, dado que, nestas situações, nunca teriam oportunidade de formular o pedido de apoio judiciário antes da primeira intervenção, só podendo fazê-lo após o decurso de tais atos.
Este problema foi resolvido com a norma inserida no citado art. 44º, nº 1, parte final, permitindo a dedução do pedido até ao termo do prazo de recurso da decisão de primeira instância (e, no que toca à nomeação de defensor, com o preceituado no art. 39º da mesma Lei, que prevê a apreciação e concessão “provisória” de apoio ao arguido, por parte da secretaria judicial onde decorre o processo).
Assim e com base no problema aflorado, a jurisprudência foi alterando a posição anterior, no sentido de que o pedido de apoio judiciário formulado tem efeito retroactivo desde o início do processo. A título de exemplo, vejam-se os Acórdãos deste TRG de 31/10/2005 (proc. 1783/05-1), de 16/03/2009 (proc. 205/07.3GAPTL-A.G1) e de 10/03/2011 (proc. 39/09.0PABRG-A.G1), do TRP de 06/07/2011 (proc. 106/10.8GTVRL.P1) e de 11/04/2019 (proc. 3967/18.9T9PRT-A.P1) e do TRC de 24/04/2018 (proc. 211/15.4GBSCD-A.C1).
Em sentido oposto - de que só produz efeito para os atos subsequentes - vejam-se os Acórdãos do TRP de 21/09/2011 (proc. 404/10.0PAESP.P1) e de 07/12/2011 (proc. 1079/08.2TAVNF.P1) e do TRL de 13/12/2017 (proc. 406/09.0JAFAR -G.L1-5).
Também com alguma relevância para a questão em apreço é o Acórdão nº 215/2012 do Tribunal Constitucional (in DR nº 102/2012, Série II de 25/05/2012) que, ainda que apreciando sobre uma questão não coincidente com a presente, - em causa estava um pedido de apoio judiciário formulado num processo em que a decisão já havia transitado em julgado (o mesmo se verifica com o acórdão deste TRG de 06/10/2016, proferido num processo de natureza cível e citado no despacho recorrido) - o abordou o princípio do acesso ao direito e aos tribunais (art. 20º da CRP), tecendo considerações pertinentes.
Designadamente, aí se consigna: “”A Constituição não prevê a gratuitidade dos serviços de justiça, mas não permite que tais serviços sejam tão onerosos que dificultem, de forma considerável, o acesso aos tribunais, não podendo deixar de haver formas de apoio para quem não possa suportar os respectivos custos.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou por diversas vezes sobre este princípio, designadamente, a propósito de situações em que estavam em causa normas ou interpretações normativas das quais resultava uma impossibilidade ou uma acentuada dificuldade de acesso à justiça resultante da obrigação de pagamento de determinadas quantias.
Sobre essa questão o Tribunal tem firmado jurisprudência que tem por base o entendimento, sintetizado no Acórdão n° 30/88, que cita o Parecer n° 8/87 da Comissão Constitucional, segundo a qual a Constituição “se deveria ter por violada sempre que, por insuficiência de tais meios, o cidadão pudesse ver frustrado o seu direito à justiça, (…)”.
Já no que respeita à questão da oportunidade do pedido de apoio judiciário, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar, em jurisprudência uniforme, que o apoio judiciário tem sobretudo em vista evitar que qualquer pessoa, por insuficiência de meios económicos, veja impedido, condicionado ou dificultado o recurso aos tribunais para defesa dos seus direitos ou interesses legítimos, não podendo, contudo, ser visto como meio destinado a obter, após o julgamento da causa e a condenação em custas, a dispensa do pagamento dos encargos judiciais a que a participação no processo deu causa. Por esta razão se tem considerado que não fere os princípios constitucionais a solução segundo a qual não é admissível a dedução de pedido de apoio judiciário após o trânsito em julgado da decisão final do processo, quando se tem apenas como objectivo o não pagamento das custas em que a parte veio a ser condenada por efeito dessa decisão (cf., neste sentido, entre outros, os acórdãos n.os 508/97, 308/99, 112/2001,297/01 e 590/2001).”” (sublinhado nosso).
No âmbito dos parâmetros analisados, cremos poder ter-se por assente que, em síntese, a finalidade do instituto é garantir que não seja impedido ou dificultado, por razões económicas, o exercício ou a defesa de direitos, mas também que não é um meio de obter, após o julgamento da causa, dispensa do pagamento dos encargos gerados com a participação já exercida no processo.

Apreciando o caso concreto nos presentes autos, importa referir que:

- não estamos perante um dos casos já supra referidos de processo sumário, antes se trata de um processo comum;
- no caso vertente, o arguido foi sujeito a julgamento, tendo-se defendido sem usufruir do benefício do apoio judiciário;
- proferida a sentença condenatória em primeira instância e antes do decurso do prazo de interposição de recurso, deu conhecimento nos autos (e comprovou) ter deduzido pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social, facto que está na base do despacho recorrido;
- a decisão condenatória veio a transitar em julgado, por não ter havido qualquer recurso.

Tal atuação do arguido – tendo em vista o objectivo perseguido com o regime do apoio judiciário – parece justificar a posição assumida no despacho recorrido: o arguido já exerceu a defesa que entendeu por bem assumir, sem qualquer limitação. Seguindo esta linha de raciocínio, tal pedido apenas seria justificado para a interposição de recurso, dispensando-o do pagamento da taxa de justiça respectiva. Mas como não veio a ser interposto recurso, não restam dúvidas de que o único desiderato perseguido foi a dispensa dos encargos já gerados (e não qualquer encargo subsequente).
O fim visado com o regime do apoio judiciário foi atingido sem usufruto do benefício proporcionado pelo mesmo!
Porém, não pode olvidar-se a estatuição legal e que, naquilo que ela não distingue, também não é lícito ao intérprete distinguir.
E a verdade é que o já citado art. 44º, nº 1, da Lei nº 34/2004, de 29/07, preceitua que “Em tudo o que não esteja especialmente regulado no presente capítulo relativamente à concessão de protecção jurídica ao arguido em processo penal aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com excepção do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 18.º, devendo o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.” (o sublinhado é nosso).
Concretizando melhor, poderia defender-se que este limite temporal para requerer o benefício do apoio judiciário só foi pensado (e só teria aplicação) nos já supra citados casos em que o arguido está objectivamente impedido de formular o pedido antes da primeira intervenção processual (detenção para submissão a primeiro interrogatório ou a julgamento sumário). Sendo que, nestas situações, não resta qualquer dúvida de que tem alcance total, ou seja, desde o início do processo.
A verdade é que a lei não distingue essas situações das demais em que o arguido requer a protecção jurídica.
E se a lei não distingue, o intérprete também o não deve fazer, tendo de concluir-se pela abrangência total (e não só futura) dos encargos.
Por todo o exposto, o recurso interposto não pode deixar de proceder.
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IV – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido S. J., decidindo que o apoio judiciário concedido abrange as custas em que foi condenado.
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Sem custas.
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(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários – artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Penal).
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Guimarães, 12 de Abril de 2021

(Mário Silva - Relator)
(Maria Teresa Coimbra - Adjunta)