Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
234/19.4T8BRG-A.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO POR JUSTA CAUSA
REQUISITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1. A carta de resolução do contrato de trabalho que o trabalhador dirige ao empregador, alegando fazê-lo «(…) por motivo de diminuição da minha retribuição e modificação das minhas condições de trabalho, de forma a que dessa modificação resulta uma diminuição da minha retribuição e demais regalias, diminuição da retribuição sem o meu acordo expresso, violação culposa das garantias legais ou convencionais que tinha contratualizadas e lesão culposa dos meus interesses patrimoniais e alteração substancial e duradoura das condições de trabalho por vossa imposição» não satisfaz os requisitos de natureza procedimental previstos no art. 395.º, n.º 1 do Código do Trabalho, posto que contém apenas afirmações de natureza conclusiva, reproduzindo fórmulas legais, e não a descrição sucinta de factos devidamente concretizados, designadamente no tempo.

2. A declaração da situação de desemprego preenchida e assinada pelo empregador, mencionando que a cessação do contrato de trabalho ocorreu por iniciativa do trabalhador / resolução com justa causa, não faz prova plena de que o mesmo reconheça a licitude desta, nos termos do art. 376.º do Código Civil, posto que se trata de documento cujo destinatário não é o trabalhador, mas sim a Segurança Social, e o empregador se limita a transmitir a tal entidade a ocorrência duma declaração da parte contrária e não do próprio.

3. O conhecimento imediato do mérito da causa, nos termos do art. 595.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, só é legítimo quando, com segurança, para dar resposta a um pedido, o processo contém todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito, e não apenas tendo em vista a partilhada pelo juiz da causa, o que não ocorre se o autor descreve situações várias, ocorridas ao longo de cerca de ano e meio, que alegadamente se traduziram em diminuição da retribuição, desvalorização profissional e sobrecarga de trabalho, com a finalidade de criar um ambiente de trabalho intimidativo e de pressão e, em última análise, levar os trabalhadores, incluindo o autor, a se desvincularem, pelo que, ainda que decorrentes duma reestruturação organizativa e de gestão, não seriam julgadas neutras à luz de possível caracterização conceitual do assédio moral.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, com processo comum, que A. C. move a X – Óptica, Serviços e Investimentos, S.A., foi proferido despacho saneador-sentença em que, além do mais, se julgou ilícita a resolução do contrato de trabalho pela Autora e se absolveu a Ré dos pedidos de condenação no pagamento àquela das quantias de 82.799,52 € e de 50.000,00 €, respectivamente, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho e de indemnização pelos danos morais.

A Autora, inconformada, interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«a) O presente recurso tem como objeto o despacho saneador, que decidiu sobre excluir partes do presente processo e que constitui quanto a elas decisão final, isto é conheceu do mérito da causa quando julgou ilícita a resolução do contrato de trabalho operada pela A. na qualidade de trabalhadora e não reconheceu que a A. tenha sido sujeita a assédio moral, motivos pelos quais absolveu a Ré dos pedidos condenatórios de pagamento das quantias de 82.799,52 € e de 50.000,00 €, respetivamente a título de indemnização do contrato de trabalho e de indemnização pelos danos morais;
b) A Recorrente intentou a presente Ação com Processo Comum contra X – Óptica, Serviços e Investimentos, S.A., pedindo fosse reconhecido: o assédio moral a que a A. foi sujeita; a diminuição de retribuição e a modificação reiterada das condições de trabalho, de forma a que dessa modificação resultou uma diminuição da sua retribuição e demais regalias sem o acordo expresso da A.; a violação culposa das garantias legais e convencionais que tinha a A., tinha contratualizado, com a consequente lesão culposa dos seus interesses patrimoniais e não patrimoniais, e consequentemente ser reconhecida o direito da A. à Resolução do Contrato de Trabalho por Justa Causa, bem como o seu direito às indemnizações de natureza patrimonial e não patrimonial reclamadas e aos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho e pediu a a Ré fosse condenada a pagar à Autora as quantias de 82.799,52 € e de 50.000,00 €, respetivamente a título de indemnização do contrato de trabalho e de indemnização pelos danos morais quantia esta dos juros, que, à taxa legal, desde a data da citação, se vencerem até integral pagamento;
c) Foi com base na matéria de facto provada, acima exposta, e pela convicção que o tribunal “a quo” ficou da matéria de facto controvertia nos articulados, decidiu o tribunal do mérito da causa, antes que fosse produzida qualquer prova em audiência de julgamento, alegando que o estado dos autos permitia “conhecer de imediato do mérito da causa, no que respeita ao pedido da licitude da resolução do contrato de trabalho e consequente condenação da ré no pagamento das indemnizações de natureza patrimonial e não patrimonial reclamadas (alínea d) e que liquida nos valores de 50.000,00 e 82.799,52,00”;
d) Decidindo julgar ilícita a resolução do contrato de trabalho, e absolver a Ré dos pedidos condenatórios no pagamento das quantias de 82.799,52 € e de 50.000,00 €, respetivamente, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho e de indemnização pelos danos morais;
e) Decisão, esta surpreendente tendo em conta que, não foi produzida qualquer prova testemunhal, prova esta essencial para vir a ser dado como provados determinados fatos alegados pela Recorrente e essenciais à boa descoberta da verdade material;
f) Não pode a Recorrente concordar com tal decisão, impugnado pois, nomeadamente, as conclusões sobre a matéria de facto, quanto à verificação pelo tribunal “a quo” de que a ocorreu por parte da Recorrente preterição dos requisitos de natureza procedimento previstos no n.º 1 do artigo 395º, o que determinou a ilicitude da resolução operada pelo trabalhador, ainda que por razões meramente formais, e a decisão de julgar que os artigos 16º a 54º da petição inicial da Recorrente “ não contém factos dos quais se possa concluir que a Autora tivesse sido vítima a situações realmente vexatórias e humilhantes por parte da Ré, ou que tivesse sido vítima de atentados à sua dignidade como pessoa e como trabalhadora.”;
g) Não se concordando, com a matéria de direito aplicada e a sua fundamentação, pois no entender da Recorrente, a decisão “in causa”, viola o n.º 1 do artigo 395º, artigo 26, e n.º 1 do artigo 29º do Código de Trabalho, bem como os Princípios fundamentais de Direito da União Europeia e da Convenção europeia dos Direitos Humanos
h) Uma vez que a matéria de facto constante da p.i, nos artigos 16º a 54º, foi incorretamente avaliada, existindo quanto a este ponto, nulidade da decisão, pois não tendo sido dados provados ou não provados os factos, não podia o julgador, ter tomado uma decisão sobre a referida matéria devidamente fundamentada, existindo pois falta de fundamentação da decisão;
i) Pois existiu uma preterição de fase de audiência de discussão e julgamento, que deveria levar o julgador a apreciar a matéria de facto controvertida e depois da realização da mesma, a criar uma convicção fundamentada nos factos dados como provados e não provados;
j) O tribunal “a quo” fundou, retirou a sua convicção essencialmente pela convicção pessoal, que extraiu dos articulados, extrapolando e concluindo de forma totalmente errada;
k) O tribunal “a quo”, ignorou, desprezou por completo a fase processual de produção de prova, sendo certo que, que o ónus da prova incumbia à Recorrente, a verdade é que foi a mesma impedida de a realizar;
l) Violados os princípios fundamentais de direito, consagrados na Constituição da Republica, o Princípio da Garantia dos Direitos e Liberdades Fundamentais do Cidadão e o respeito pelos Princípios do Estado de Direito Democrático e o Princípio do Acesso ao Direito e da Tutela Jurisdicional Efetiva;
m) E os preceitos constitucionais previstos na alínea b) do artigo 9º e o artigo 20º, ambos da Constituição da Republica Portuguesa;
n) Esqueceu-se o tribunal “a quo” do dever que tinha de conciliar a prova documental junta aos Autos com a prova testemunhal que se viria a produzir, tendo optado, como da verdade se tratasse, por valorizar apenas as convicções pessoais que tirou dos factos constantes dos articulados, ignorando completamente o seu dever de os levar a julgamento, para se chegar à descoberta da verdade material da causa;
o) Da análise do n.º 2, 3 e 4 do artigo 607º do CPC, que o despacho saneador/sentença, é completamente omisso em vários formalismos legais;
p) Omissão, essa que se verifica porque o mesmo foi proferido, antes que se realizasse a audiência de discussão e julgamento, e consequentemente a produção da prova que levaria o tribunal “a quo” a criar uma convicção fundamentada dos factos provados e não provados;
q) O Despacho saneador “sub judice” enferma de nulidade, por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, e que expressamente se invoca;
r) O Tribunal “a quo” não apreciou corretamente o conteúdo da carta de despedimento da Recorrente, designadamente quanto à sua desconformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 395º do Código do Trabalho e consequente ilicitude da resolução de contrato de trabalho operada pela Recorrente;
s) A “ratio legis” do disposto no n.º 1 do artigo 395º do Código do Trabalho assenta em três pontos-chave: delimitar temporalmente o exercício do direito de resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador, permitir ao empregador aferir se os factos evocados pelo trabalhador são ou não suficientes para configurar justa causa e delimitar os factos relativamente aos quais a questão poderá ser suscitada judicialmente;
t) O conteúdo da carta de despedimento não viola nenhuma das finalidades do preceito legal em análise;
u) A entidade empregadora demonstrou, nos autos, que percebeu quais os factos, em concreto, invocados pela trabalhadora como razão de justa causa do despedimento;
v) Como a própria Ré, reproduziu na sua contestação, a A., na comunicação que enviou para a Ré, fundamentou a resolução do seu contrato de trabalho em vários factos que aliás já tinha sido denunciados anteriormente por escrito à Ré: diminuição da retribuição, modificação das condições de trabalho; diminuição da retribuição sem o seu acordo expresso e alteração substancial e duradoura das condições de trabalho por imposição da Ré;
w) Apesar da sua alegação ter sido efetuada de forma sucinta, a verdade é que a Ré, já tinha conhecimento dos factos concretos que levaram a A. a rescindir o seu contrato, porque os mesmos lhes foram transmitidos por diversas vezes;
x) A Lei Laboral não exige uma indicação exaustiva e detalhadamente circunstanciada no tempo e no espaço dos factos que obstam à manutenção da relação laboral, mas tão só uma a “…indicação sucinta…”, tanto mais que “in casu” se tratava de uma situação continuada;
y) Não se requer do trabalhador uma elaboração de uma qualquer nota de culpa à entidade patronal, pelo que os factos da carta de despedimento e da petição inicial têm uma relação de complementaridade, sendo estes o esmiuçamento daqueles;
z) Na petição inicial dos presentes autos, a recorrente limitou-se a indicar, de forma mais explícita, os factos por si alegados na sua carta de despedimento, concretizando-os, pelo que existe uma total correspondência entre o invocado na carta de despedimento e o alegado na petição inicial;
aa) A carta de despedimento da autora, aqui recorrente, preenche todos os requisitos exigidos pelo vertido no n.º 1 do artigo 395º do Código do Trabalho, e os princípios fundamentais do Direito da União Europeia e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos nomeadamente os Princípios da Clareza das Leis, da Segurança Jurídica e Confiança Legitima;
bb)Pelo que o douto Saneador/Sentença recorrido violou as referidas disposições legal;
cc) Razão pela qual, não pode a resolução de contrato de trabalho operada pela autora, ora recorrente, ser considerada ilícita por violação da norma supra descrita;
dd) Deveria o Tribunal “a quo” conhecer o disposto naquela comunicação, bem como o vertido na petição inicial, permitindo a prova daqueles factos em Audiência de Discussão e Julgamento, concluindo que a carta de despedimento da autora contém os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 395º do Código do Trabalho, existindo uma total correspondência entre o ali invocado e o alegado na petição inicial;
ee) Impõem-se pois uma decisão diversa da proferida pelo tribunal “a quo”, devendo tal decisão ser, no sentido de reconhecer que a carta de despedimento da autora ore recorrente, preenche todos os requisitos exigidos pelo vertido no n.º 1 do artigo 395º do Código do Trabalho, e os princípios fundamentais do Direito da União Europeia e da convenção europeia dos direitos Humanos nomeadamente os princípios da clareza das leis, da segurança jurídica e confiança legítima;
ff) O douto Saneador/Sentença recorrido violou as referidas disposições legais ao ter considerado ilícita a resolução do contrato de trabalho operada pela Recorrente na qualidade de trabalhadora;
gg) Sempre se dirá que a Ré ora Recorrida, expressamente aceitou e reconheceu a resolução do contrato de trabalho com justa causa, operada pela Recorrente;
hh) Quando preencheu, assinou e carimbou a Declaração Modelo RP 5044 da Segurança Social - Declaração de Situação de Desemprego, a 13/12/2018, onde a Recorrente reconhece que a Cessação do Contrato de Trabalho por iniciativa do trabalhador – Resolução com Justa Causa;
ii) Tal declaração da Recorrida, reconhece como fundamento da cessação do contrato de trabalho a resolução por iniciativa do trabalhador com justa causa;
jj) A declaração de situação de desemprego devidamente preenchida, assinada e carimbada pela Ré, serve de prova do reconhecimento por parte da Recorrida da justa causa da resolução da Recorrente;
kk) Tal declaração emitida pela Recorrida, é um documento particular, cujo valor a jurisprudência entende que goza de força probatória plena, no que respeita aos factos neles contidos que sejam contrários aos interesses do autor do documento;
ll) Razão pela qual, deve a mesma ser considerada como prova plena por este tribunal.
mm) E ser deve desde já, reconhecido na decisão a tomar que a Recorrente na qualidade de trabalhadora, resolveu o contrato de trabalho com justa causa;
nn) E consequentemente deve ser-lhe atribuída a compensação prevista no n.º 1 do art.º 396º do Cd Trabalho, e reclamada pela Autora ora Recorrente em devido tempo:
oo)
pp) No entender a Recorrente, os factos descritos que se dão aqui por reproduzidos, da constante pressão, intimidação, do clima hostil e de desconfiança e desvalorização profissional, levaram a uma deterioração do meio ambiente de trabalho, o que fez com que a Recorrente, se sentisse que estava constantemente e repetidamente a ser assediada moralmente;
qq) O que lhe provocou, stress, cansaço e debilidade psicológica que se demonstrou em ansiedade, nervosismo e tristeza e diminuição da autoestima;
rr) Assédio este, levado a cabo pelas atitudes, ordens e pelo clima de intimidação referido, perpetuado pela administração e pelos diretores que directamente trabalhavam com a Recorrente, com o único objetivo de levar a Recorrente a se desvincular do seu posto de trabalho, o que acabou por acontecer;
ss) De acordo com o entendimento perfilhado pela generalidade da doutrina, pode dizer-se, numa formulação sintética, que o assédio moral implica comportamentos (em regra oriundos do empregador ou de superiores hierárquicos do visado) real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração e determinadas consequências;
tt) Incontornavelmente, a lei estipula que no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”;
uu) No entanto, quanto aos precisos contornos desta exigência, duas observações se impõem. Em primeiro lugar, uma vez que a esfera de proteção da norma se circunscreve, como vimos, a comportamentos que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos, não pode deixar de notar-se que e dificilmente configurável a existência de (verdadeiras) situações de assedio moral que, no plano da vontade do agente, não imponham concluir que ele, pelo menos, representou as consequências imediatas da sua conduta, conformando-se com elas, por outro lado, para referir que a circunstância de o legislador ter prescindido de um elemento volitivo dirigido as consequências imediatas de determinado comportamento não obsta a afirmação de que o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável;
vv) Na verdade, paradigmaticamente, decorre da factualidade alegada, maxime dos pontos no 13 a 20, 22 a 25, 27, 30, 31, 34 35, 37, 39, 41 e 44, do articulado 2º do presente recurso, que estamos perante uma sequencia de comportamentos encadeados da administração e superiores hierárquicos da A., no seio da empresa e por causa da relação de trabalho;
ww) Tais factos provocaram a A. múltiplos danos, físicos e psicológicos;
xx) Quanto a modalidade de assedio moral, é patente, desde logo, que “in casu” nos encontramos no âmbito do conceito de assédio estratégico, uma vez que a matéria de facto sugere uma ação concertada entre os responsáveis cimeiros da R. e os superiores hierárquicos da A. que contra esta dirigiu uma técnica perversa de gestão, dirigida a objetivos estratégicos definidos, como meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa e, por outro lado, como instrumento de alteração das condições de trabalho e relações de poder no local de trabalho (por exemplo, com o fito de a A. aceitar condições laborais menos favoráveis, como o facto de trabalhar com menos funcionários no estabelecimento e ver as suas funções aumentadas,) ou para implementar determinados padrões de cultura empresarial e/ou de disciplina, de modo a forçar a A. a se afastar da empresa voluntariamente.
yy) Os comportamentos em causa apresentam as características tipicamente definidas no art.º 29.o, n.º 1, CT – e de prática de assedio moral “mobbing”, confere à Autora ora Recorrente, direito a indemnizada por danos patrimoniais e não patrimoniais (nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, em conjugação com o art.º. 28.º),
zz) Pelo que se conclui que a empregadora ora Recorrida, através do assédio estratégico acima descrito “mobbing”, através de uma encapotada reorganização da política de gestão, teve como único fundamento e intenção, levar a trabalhadora ora Recorrente a afastar-se voluntariamente da empresa, como aliás acabou por acontecer quando resolveu o seu contrato de trabalho com justa causa.
aaa) Em conclusão: atenta a factualidade alegada, o comportamento da Administração e dos superiores hierárquicos da Recorrente que a Recorrida consentiu, de um modo livre e consciente, consubstancia a violação culposa do direito de personalidade da autora, previsto nos citados artigos 15.º do CT e 70.º do CC, e dos deveres do empregador, emergentes da relação laboral estabelecida, mormente, os previstos no artigo 127.º, als. a) e c) do CT, o que constitui, pela sua gravidade e consequências, o direito da Recorrente ser indemnizada pelos danos não patrimoniais sofridos.
bbb) Pelo exposto, e pela factualidade alegada pela Autora, torna-se evidente que se encontram verificados todos os prossupostos dos art.º 24 e 29º do CT.
ccc) Motivo pelo qual, deve o douto Despacho Saneador ser considerado nulo, por violação dos 70.º do CC e os artigos 15.º 23º, 24º, 25º e 129º, nº 1, c), do CT .,
ddd) E ser o mesmo substituído por acórdão que determine que da factualidade alegada pela A. ora Recorrente, encontram-se todos pressupostos necessários para que a Ré seja sujeita a audiência de discussão e julgamento pelo assédio moral (mobbing) praticado sobre a Autora.»
A Ré apresentou resposta ao recurso da Autora, que foi julgada extemporânea e desentranhada dos autos.
O recurso foi admitido como apelação, para subir em separado, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Vistos os autos pelas Exmas. Desembargadoras Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:

- nulidade da sentença por falta de fundamentação;
- regularidade formal da carta da Autora para resolução do contrato de trabalho com justa causa;
- insuficiência de elementos para conhecimento no despacho saneador dos pedidos de indemnização pela resolução do contrato de trabalho e de indemnização por danos morais pela prática de assédio moral.

3. Fundamentação de facto

Os factos considerados provados são os seguintes:

a) A Ré tem por objecto a comercialização de todo o material óptico e optométrico, a nível interno e internacional, mediante a realização de importações e exportações por grosso e a retalho, prestações de serviços com elas relacionadas, operações de investimento em geral, sob todas as formas, gestão de centros ou instalações de especialidades e ainda a criação ou participação em quaisquer sociedades, conexas ou similares com os seus fins, com o capital social de € 1.440.000,00.
b) A Ré no exercício do seu objecto social tem estabelecimentos comerciais espalhados por todo o país, estabelecimentos próprios e outros em regime de concessão.
c) A Autora tem formação superior de optometria e foi admitida ao serviço da Ré, em 1 de Agosto de 1995, mediante contrato a prazo, para sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções de técnica de óptica, no seu estabelecimento de Gaia.
d) No dia 31 de Agosto de 1997, o referido contrato converteu-se em contrato de trabalho por tempo indeterminado, tendo a Autora passado a exercer, desde essa data, as suas funções no Centro Comercial …, na cidade de Braga.
e) O contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré cessou no dia 10/12/2018.
f) Com efeito, por carta registada com aviso de recepção, datada de 10/12/2018, a Autora comunicou à Ré a resolução do seu contrato de trabalho, com o seguinte teor:

«Exmos Senhores,
Venho comunicar a imediata resolução com justa causa, do meu contrato de trabalho celebrado no dia 1 de agosto de 1995, nos termos do nºs 2 alíneas b) e e) e nº 3 alínea b) do artº 394º do Código do Trabalho, e nos termos da alínea d) do artigo 13º da Convenção Coletiva de Trabalho entre a Associação Nacional de Óptica e o FETESE Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços, publicada no BTE nº 8 Vol. 82 de 28 de fevereiro de 2015, convenção esta aplicável ao meu contrato de trabalho através da Portaria de Extensão 416/2015 de 4 de Dezembro, por motivo de diminuição da minha retribuição e modificação das minhas condições de trabalho, de forma a que dessa modificação resulta uma diminuição da minha retribuição e demais regalias, diminuição da retribuição sem o meu acordo expresso, violação culposa das garantias legais ou convencionais que tinha contratualizadas e lesão culposa dos meus interesses patrimoniais e alteração substancial e duradoura das condições de trabalho por vossa imposição.
(…)».

4. Apreciação do recurso

4.1. Como se disse, suscita-se em primeiro lugar a questão da nulidade da sentença por falta de fundamentação, prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil.
Sucede que, por força do estatuído no n.º 1 do art. 77.º do Código de Processo do Trabalho, na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 107/2019, de 09/09, a arguição de nulidades da sentença deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, sob pena de delas se não conhecer.
Este normativo pressupõe que o anúncio da arguição e a corresponde motivação das nulidades devem constar do requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao órgão judicial recorrido, permitindo-lhe aperceber-se, de forma imediata e fácil, da censura produzida, de modo a que possa proceder ao eventual suprimento das nulidades invocadas, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal.
Sobre a questão, a título meramente exemplificativo dos numerosos arestos das secções sociais dos tribunais superiores, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Setembro de 2018 (1), onde se explicita que “[n]ão havendo no processo prova da existência de tal requerimento e da alegação expressa e separada das nulidades, há que concluir que a decisão da Relação de não conhecer da nulidade invocada não merece qualquer censura. Tal invocação permitiria ao juiz a quo pronunciar-se sobre as nulidades invocadas no requerimento que lhe deveria ter sido dirigido (…) de modo a permitir-lhe proceder eventualmente ao seu suprimento. E é jurisprudência firme que o incumprimento do n.º 1 do artigo 77.º acarreta a consequência do não conhecimento da invocação da nulidade, não sendo suficiente, como não é, a sua invocação nas alegações e conclusões do recurso.
E tratando-se, como se trata, da mera consequência do incumprimento de um ónus imposto por lei, não se vê como se possa falar de uma decisão surpresa e da violação do contraditório ou, tão-pouco, da violação do princípio da cooperação processual. Não existe, no nosso sistema processual laboral e civil (sendo o Código do Processo Civil aplicável subsidiariamente no processo laboral) qualquer dever geral do Juiz de aconselhar os Advogados ou de corrigir todas as peças processuais, mormente recursos.
Há, pois, que confirmar a decisão da Relação ao recusar-se a conhecer da nulidade invocada, por incumprimento do disposto no artigo 77.º n.º 1 do CPT.”
Retornando ao caso sub judice, verifica-se que a Recorrente, no respectivo requerimento de interposição de recurso, omite qualquer referência à arguição da nulidade da sentença como um dos objectos do recurso, que apenas invoca e motiva nas alegações dirigidas ao tribunal superior.
Ora, como se disse, o n.º 1 do art. 77.º do Código de Processo do Trabalho tem em vista que a invocação e motivação das nulidades constem do requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao órgão judicial recorrido, de modo que este as constate, para efeitos do n.º 3 do mesmo preceito legal – o que não ocorreu no caso em apreço.
Em face do exposto, entende-se que este Tribunal da Relação não pode legalmente tomar conhecimento da nulidade da sentença arguida pela Apelante, o que se decide.
De qualquer modo, sempre se dirá que não ocorre o vício apontado, uma vez que os fundamentos de facto e de direito invocados na decisão recorrida são os consentâneos com o entendimento perfilhado de irrelevância dos factos alegados pela Autora como fundamento dos pedidos de indemnização formulados pela mesma.
Questão diversa é a de saber se tal entendimento configura erro de julgamento, como oportunamente se apreciará.

4.2. Cumpre, então, apreciar a questão da regularidade formal da carta da Autora para resolução do contrato de trabalho com justa causa.
No art. 394.º do Código do Trabalho (diploma a que se reportam todas as normas doravante citadas sem outra indicação) configuram-se duas situações de desvinculação, por iniciativa do trabalhador, ocorrendo justa causa, respeitando ambas a situações anormais e particularmente graves em que deixa de ser exigível que aquele permaneça ligado à empresa por mais tempo: a primeira reporta-se a fundamentos subjectivos, por terem na sua base um comportamento culposo do empregador, dando lugar a indemnização (arts. 394.º, n.º 2 e 396.º); a segunda reporta-se a fundamentos objectivos, por não terem na sua base um comportamento culposo do empregador (art. 394.º, n.º 3).
Em qualquer das situações, está subjacente ao conceito de justa causa (que o art. 394.º não define, mas que a doutrina e a jurisprudência têm desenvolvido) a impossibilidade definitiva da subsistência do contrato de trabalho, tal como é empregue no âmbito do despedimento promovido pelo empregador.
Acresce que, nos termos do n.º 4 do art. 394.º, a justa causa será apreciada pelo tribunal em conformidade com o disposto no n.º 3 do art. 351.º, com as necessárias adaptações, ou seja, deverá o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
O mencionado n.º 2 do art. 394.º indica, de forma exemplificativa, os comportamentos do empregador que podem constituir justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador, com direito a indemnização.
Por outro lado, em conformidade com as regras gerais relativas ao ónus da prova, compete ao trabalhador provar a existência do comportamento do empregador subsumível a qualquer uma das alíneas referidas no n.º 2 do art. 394.º, ou outro que, não estando ali expressamente previsto, viole os seus direitos e garantias, por força do art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, e à entidade patronal demonstrar que esse comportamento não procede de culpa sua, nos termos do art. 799.º do mesmo diploma legal.
Finalmente, o art. 395.º estabelece que a declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos (n.º 1), prazo este que, no caso a que se refere o n.º 5 do art. 394.º, se conta a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador (n.º 2).
Sem prejuízo, tenha-se em conta que, conforme se refere no sumário do Acórdão deste Tribunal de 20 de Outubro de 2016 (2), “[r]esulta do artigo 398º, 3 do CT que são menores as exigências que a lei impõe ao trabalhador, no que concerne à invocação de justa causa para pôr termo ao contrato, bastando-se com uma referência factual, que permita ao empregador saber a razão da resolução, e lhe permita uma cabal defesa. (…) As exigências relativamente à impossibilidade de manutenção do vínculo laboral são menores para os casos de invocação de justa causa por parte do trabalhador, pelo facto de que o trabalhador não dispõe de formas de reação alternativas, podendo apenas rescindir o contrato, e por outro dada a envolvência pessoal, com rebate na sua dignidade, que a disponibilidade da sua força de trabalho implica.”
Retornando ao caso em apreço, constata-se que a Autora resolveu o contrato de trabalho, alegando fazê-lo «(…) por motivo de diminuição da minha retribuição e modificação das minhas condições de trabalho, de forma a que dessa modificação resulta uma diminuição da minha retribuição e demais regalias, diminuição da retribuição sem o meu acordo expresso, violação culposa das garantias legais ou convencionais que tinha contratualizadas e lesão culposa dos meus interesses patrimoniais e alteração substancial e duradoura das condições de trabalho por vossa imposição.»
Verifica-se, assim, que a Autora se limitou a enunciar alguns fundamentos legais para a resolução do contrato de trabalho com justa causa, sem, todavia, indicar os factos concretos praticados pela Ré susceptíveis de os integrarem, de modo a permitir a sua sindicabilidade pelo destinatário e pelo tribunal, mormente no que respeita à observância do prazo de exercício do direito.
Refira-se que, tal como é sustentado por Joana de Vasconcelos (3), “[a] observância pelo trabalhador dos requisitos de natureza procedimental previstos no n.º 1 do presente preceito — forma escrita, indicação sucinta dos factos que em seu entender são de molde a constituir justa causa (e não mera reprodução ou remissão genérica para qualquer alínea do n.º 2 do artigo 394.º) e prazo — constitui condição de licitude da resolução, pois dela depende a atendibilidade dos factos invocados para justificar a imediata cessação do contrato. Significa isto que, perante a respetiva preterição, tudo se passa como se o trabalhador tivesse feito cessar o contrato invocando uma justa causa não verificada.”
Ora, no caso em apreço, repete-se, a carta de resolução do contrato de trabalho não especifica qualquer facto concreto susceptível de preencher as expressões que constam da comunicação - «modificação das condições de trabalho», «diminuição da retribuição e demais regalias», «violação culposa das garantias legais ou convencionais», «lesão culposa dos interesses patrimoniais» e «alteração substancial e duradoura das condições de trabalho» -, e que, no dizer do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2010 (4), que apreciou questão semelhante, “(…) representam afirmações de natureza conclusiva, reproduzindo fórmulas legais, e não afirmações referidas a realidades concretas susceptíveis de serem averiguadas sem o recurso a operações intelectuais de enquadramento normativo.”

Acresce que, tal como é dito no mencionado Acórdão, “a indicação dos factos concretos e da temporalidade dos mesmos, na carta de resolução, se mostra indispensável para, além do mais, se aferir se o direito foi exercido dentro do prazo de 30 dias, estabelecido no artigo 442.º, n.º 1, condição formal de que, também, depende a licitude da resolução.”

Em sentido concordante, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2016 (5), que, revogando o Acórdão deste Tribunal de 18 de Fevereiro de 2016, invocado pela Apelante no seu recurso, diz no seu sumário:

“1. A carta de resolução do contrato enviada pelo trabalhador à empregadora em que se faz consignar como justa causa da resolução, apenas, a «falta de pagamento do trabalho suplementar prestado e da retribuição legal» e o «incumprimento das obrigações legais relativas ao tempo de trabalho e descanso do trabalhador», não especifica qualquer facto concreto, mas antes afirmações de natureza conclusiva, reproduzindo fórmulas legais.
2. A indicação dos factos concretos e da temporalidade dos mesmos, na carta de resolução do contrato de trabalho, mostra-se indispensável para, além do mais, se aferir se o direito foi exercido no prazo legal, condição formal de que, também, depende a licitude da resolução.”

Os restantes arestos citados pela Apelante não desmentem e antes confirmam que um correcto entendimento da questão determina que, no caso em análise, se considere que ocorre preterição dos requisitos de natureza procedimental previstos no n.º 1 do art. 395.º, visto que se reportam a situações em que, ao invés, o trabalhador teve o cuidado de indicar de forma sucinta o fundamento da resolução, com recurso a expressões de base factual, como se alcança do acima citado Acórdão deste Tribunal de 20 de Outubro de 2016, em cujo sumário se explicita que “[i]ndicando-se as concretas expressões tidas como injuriosas e que servem de fundamento à resolução, proferidas no local de trabalho, invocando-se o seu caráter continuado, com utilização do tempo presente, a indicação dos factos está suficientemente explicitada do ponto de vista espácio-temporal.”
Ora, nada de similar se verifica no caso sub judice, em que a Autora se limitou a invocar normas do Código do Trabalho e duma convenção colectiva e os dizeres constantes das mesmas, nada concretizando em termos de factualidade.
Acresce que, como é manifesto, a norma em apreço, entendida nos termos expostos, não incorre em violação de normas e princípios constitucionais e de direito internacional, posto que traduz exigências adequadas e conformes ao princípio da proporcionalidade: insustentável seria que alguém pudesse impor a outrem a resolução dum contrato, com direito a indemnização, mediante uma comunicação em que apenas lhe referisse certas normas legais e convencionais e o respectivo teor.
Finalmente, também não apresenta relevância, designadamente como reconhecimento pela Ré da resolução do contrato de trabalho com justa causa pela Autora, o teor da Declaração Modelo RP 5044 da Segurança Social - Declaração de Situação de Desemprego, que a Ré preencheu e assinou em 13/12/2018, mencionando que a cessação do contrato de trabalho ocorreu por iniciativa do trabalhador / resolução com justa causa, na medida em que se trata simplesmente de transmitir a terceiro a causa formal da cessação do contrato, decorrente de declaração da parte contrária.
Na verdade, a declaração de situação de desemprego, independentemente de ser ou não directamente entregue ao trabalhador, integra uma declaração perante a Segurança Social, aliás, em modelo oficial da mesma, para efeitos atinentes à situação jurídica das partes em relação a ela, nomeadamente no que toca a atribuição de prestações pecuniárias ao trabalhador.
A jurisprudência vem-se pronunciando sem divergências no sentido de que a declaração da situação de desemprego não faz prova plena do despedimento, nos termos do art. 376.º do Código Civil, quando o empregador aí refere que o contrato de trabalho cessou por tal causa, posto que se trata de documento cujo destinatário não é o trabalhador, mas sim a Segurança Social (6), pelo que, por maioria de razão, assim se deve entender no caso de ser mencionado que a cessação do contrato de trabalho ocorreu por iniciativa do trabalhador / resolução com justa causa, visto que o empregador se limita a fazer referência a uma declaração da parte contrária e não do próprio.
Acresce que, como a Autora afirma nos artigos 77.º e seguintes da petição inicial, a declaração de situação de desemprego em apreço acompanhou carta que a Ré lhe dirigiu a comunicar-lhe, precisamente, que não aceitava os fundamentos invocados por aquela para a resolução do contrato de trabalho, pelo que, também por essa razão, nunca poderia ser atribuído àquela declaração o valor que a Apelante pretende.
Em face do exposto, impõe-se concluir que, por preterição dos requisitos de natureza procedimental previstos no n.º 1 do artigo 395.º, a resolução do contrato de trabalho pela Autora é ilícita, ainda que por razões meramente formais, incorrendo aquela, nos termos conjugados dos arts. 399.º e 401.º, em responsabilidade civil perante a empregadora.
4.3. A Recorrente pugna no seu recurso pela insuficiência de elementos para conhecimento no despacho saneador dos pedidos de indemnização pela resolução do contrato de trabalho e de indemnização por danos morais pela prática de assédio moral.
No que respeita ao pedido de indemnização pela resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, a questão mostra-se prejudicada pelo entendimento de que tal resolução é, desde logo, ilícita pela preterição de requisitos procedimentais, inexistindo quaisquer factos que possam ser atendidos na presente acção como fundamentos da mesma.
Assim, nessa parte, o pedido podia ser imediatamente conhecido no despacho saneador, como foi, sem necessidade de julgamento.
No que concerne ao pedido de indemnização por danos morais pela prática de assédio moral, a Recorrente sustenta que, ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido, a factualidade por si alegada nos artigos 16º a 54º da petição inicial é suficiente para sustentá-lo, devendo os autos prosseguir para conhecimento do mesmo após produção de prova em audiência de julgamento.
Vejamos.

A petição inicial, na parte aludida, tem o seguinte teor:

«ASSÉDIO MORAL
16 – Com a entrada em funções da presente Administração, a Ré passou por a ser totalmente reestruturada, a nível administrativo, de funcionários, modo de funcionamento dos estabelecimentos, e consequentemente as funções dos seus funcionários.
17 – Reestruturação essa que foi mais evidente partir do segundo trimestre do ano de 2017, quando ocorreu a saída da empresa de todos os seus diretores de primeira linha, nomeadamente o supervisor dos estabelecimentos que era o superior hierárquico da A., alguns dos gerentes de loja que estavam na empresa há mais anos, bem como de muitos funcionários dos estabelecimentos.
18 – No estabelecimento onde a A. exercia funções a referida reestruturação também produziu efeitos, pois foram despedidos dois funcionários - uma óptico-optometrista e uma vendedora.
19 – Tendo a administração da R, dado a entender ao funcionários e gerentes com mais anos de antiguidade, onde se incluía a A. através de atos e insinuações, que era sua intenção, que também eles deixassem trabalhar para a Ré.
20 – Pois, eram dados muitas vezes exemplos de outros estabelecimentos que o Grupo ... (58) que detinham, noutras áreas do comércio por retalho (roupa, calçado, carteiras etc.), onde a política de emprego seguida, é a de emprego de jovens sem qualificações literárias, com contratos de trabalho precários e baixos salários,
21 – No seguimento desse seu objetivo, de proceder a mais despedimentos e/ou de forçar os funcionários desvincular-se do posto de trabalho, que foi alterado o modo de funcionamento dos estabelecimentos, que se concretizou em trabalhar com menos funcionários, com menos marcas de óculos, alterar as funções dos gerentes de loja, a quem foram dados mais funções que até então eram desenvolvidas por os funcionários da sede (elaboração de relatórios, dos mais variados quadros e demais documentação) e foram retiradas outras funções, como de escolher o material óptico e óculos, foi implementada novo modo de efetuar encomendas de material (vendido), mais burocrático, passou a ser necessário pedir autorização à sede para se efetuar a encomendas do material, processo muito demorado e fazia com que a entrega do produto demorasse mais tempo a chegar ao cliente, o que os deixava menos satisfeitos com o serviço prestado.
22 – Criando-se assim um ambiente de trabalho hostil, de constante desconfiança e intimidação,
23 – Foi pedido aos gerentes de loja, inclusive á A., que devolvessem metade do fundo maneio, que detinham para fazer face a despesas dos estabelecimentos – Doc. n.º 7 -
24 – Foi dada à A. uma nova função para desenvolver, através da implementação de uma nova ferramenta de trabalho “go-up” que se concretizava em a A. analisar cada um dos funcionários da loja, através de reuniões semanais com cada um deles durante pelo menos meia hora,
25 – Com o decorrer do tempo e reiteradamente, a A. sem que para o efeito tivesse sido consultada, viu as suas condições de trabalho ser drasticamente alteradas,
26 – O estabelecimento onde trabalhava, tinha 8 funcionários, passou só a ter 6, o que fez com que a A. deixa-se de conseguir elaborar os horários e turnos dos funcionários, dentro da legalidade – facto que de imediato deu conhecimento ao supervisor de lojas, - Doc. n.º 8 –
27 – Como foi despedida uma óptica-optometrista, a A. viu o seu trabalho aumentar drasticamente, pois passou a ser a única a efetuar consultas de optometria, as quais tinha mesmo de realizar, pois era através das mesmas que se realizavam as vendas de maior valor do estabelecimento – Doc. n.º 9 . ,
28 – Consequentemente, passou a ter menos tempo para dedicar sua outra função de gerente de loja, onde lhe foram aumentadas as funções como atrás se referiu.
29 – A A., como boa profissional que sempre foi, para conseguir desempenhar todas as suas funções que lhe foram impostas pela Ré, passou a ter que trabalhar mais horas e a ter que se deslocar muitas vezes ao estabelecimento durante as suas folgas,
30 – O que fez com que a A., com o passar do tempo, começasse a sentir-se com muito stress, ansiedade e psicologicamente muito debilitada,
31 – Para além das referidas alterações, como deixou de escolher os produtos, que eram sempre direcionados para a clientela que o estabelecimento tinha fidelizada, e deixou de ter a representação de algumas marcas que a Ré julgou não ser necessárias, passou a sentir o descontentamento dos clientes, que se refletiu no volumes de vendas.
32 – O que a deixou ainda mais ansiosa e frustrada, pois estava constantemente a ser assediada pela Ré para aumentar vendas, e a ser-lhe impostos objetivos, difíceis de concretizar, pela falta de produto desejado pela clientela do estabelecimento,
33 – O que fez com a A. tivesse de se esforçar ainda mais, para atingir os objetivos impostos, porque o facto de não conseguir, tinha reflexos diretos nos seus rendimentos e na sua vida pessoal, pois deixava de receber os prémios,
34 – Passou a A., sentir um assedio moral constante por parte da A., que se concretizava em pressão para aumentar vendas, mesmo sem ter o produto desejado pelos seus clientes para vender, e ao mesmo tempo para que cumprisse com todas as suas novas funções, mesmo quando não tinha tempo para o fazer. - doc. N.º 7 -
35 – Para além de todas as funções que lhe estavam destinadas, foi também pedido à A., que efetuasse apresentações para os colegas gerentes de loja.
36 – Como a A., não disponha de tempo para a realização da mesma, pois apesar de ser uma coisa simples, uma apresentação em PowerPoint, demora sempre bastante tempo a preparar. – Doc. N.º 10 -
37 – Atrasou a realização da mesma, dando prioridade aos assuntos do estabelecimento que tanto a preocupavam,
38 – Até ao momento, em foi de tal maneira pressionada para a sua realização, sem alterar o funcionamento das consultas de optometria da loja, que teve de trocar a sua folga para ir para o estabelecimento preparar a apresentação – Doc. n.º11 -
39 – Para além de todos estes factos, passaram todos os funcionários a ser pressionados a participar no programa - EB Solidários – do Grupo ..., empresa proprietária da X, ora Ré : “EB Solidária é um projecto de solidariedade transversal a todas as empresas do Grupo .... Propõe-se intervir na comunidade através da doação de tempo, mão-de-obra e recursos afectos à concretização dos objectivos de cada projecto específico. A … disponibiliza a cada colaborador 16 horas anuais para acções de âmbito solidário”,- http://www.....pt/eb-solidaria/ -
40 – Apesar da A. ter muito gosto em participar nesses atos solidários, a verdade é que os mesmos faziam, com que o seu trabalho ficasse cada vez mais acumulado, e consequentemente tivesse que ser desenvolvido noutros dias para além do seu horário de trabalho.
41 – Em novembro de 2018, foi a A., e outros do referidos gerentes de loja com mais antiguidade na empresa, convocados para uma reunião pessoal com Administradora a A. P. e a assessora jurídica da sociedade,
42 – Reunião que tinha como tema a abordar – PCO – Por complemento de Ordenado, e que se realizou no dia 12 de Novembro, num hotel da cidade de Gaia,
43 – Onde foi dado a conhecer à A., da intenção da Ré proceder a uma alteração ao modo de processamento do PCO – Por complemento de Ordenado,
44 – Alteração essa, que consistia em fazer constar o referido PCO do recibo de vencimento da A.
45 – Mas ao contrário do que seria de esperar, foi a A. também informada que a alteração a efetuar teria implicações na sua retribuição liquida acordada - € 1.770,00, pois seria a mesma diminuída em valores que não concretizaram, mas que andariam à volta dos € 100,00 (cem euros) mensais.
46 - Tendo a A., se oposto firmemente a essa alteração do valor da sua retribuição, não dando o seu acordo para a mesma,- doc. n.º 12 -
47 - Pois como se compreende, para uma mulher divorciada, único sustento do agregado familiar, composto pela A. e dois filhos adolescentes, uma diminuição de retribuição na ordem dos € 100,00, teria muitas implicações financeiras no seu dia-a-dia, podendo mesmo fazer com que a A. não conseguisse cumprir com todas as suas obrigações.
48 – Mas apesar da sua oposição e falta de acordo, foi a A. informada por e-mail da Administradora A. P. de 10/12/2018, da decisão da alteração do PCO, que se dá aqui por reproduzida:
“Como lhe referimos, valor anual do PCO que recebe atualmente, será dividido por 14 prestações a pagar durante o ano. Assim, a partir de Janeiro de 2019, no processamento do seu vencimento passará a constar a rubrica designada por “complemento de ordenado”” – Doc. n.º 13. -
49 – Todas estas situações descritas e muitas outras decorrentes da constante pressão, do clima hostil e de desconfiança e desvalorização profissional, levaram a uma deterioração do meio ambiente de trabalho, o que fez com que a A., se sentisse que estava constantemente e repetidamente a ser assediada moralmente,
50 – O que lhe provocou, stress, cansaço e debilidade psicológica que se demonstrou em ansiedade, nervosismo e tristeza e diminuição da autoestima.
51 – Assédio levado a cabo, pelas atitudes, ordens e pelo clima de intimidação referido, perpetuado pela administração e os diretores que directamente trabalhavam com a A., com o único objetivo de levar a A. a se desvincular do seu posto de trabalho, o que acabou por acontecer.
52 – Pelo exposto deve ser pela presente ação reconhecido o assédio moral a que a A. foi sujeita,
53 – E ser-lhe arbitrada uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, de natureza moral (danos biológicos e danos existenciais) numa quantia nunca inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros).
54 – O que muito respeitosamente se reclama.»

O art. 29.º dispõe que é proibida a prática de assédio e que se entende como tal o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. E acrescenta que a prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito.
Assim, na situação de assédio, o comportamento indesejado não tem de basear-se necessariamente em factor de discriminação (um dos enunciados no art. 24.º, n.º 1 ou outro análogo), podendo ter um fundamento que tenha uma virtualidade semelhante, como seja o caso de existir antipatia ou um litígio entre o trabalhador e o empregador, ou de aquele ter uma atitude reivindicativa, ou de o segundo pretender impor a aceitação de alterações na relação laboral ou a sua cessação.
Por outro lado, também não é imprescindível que tal comportamento indesejado tenha o objectivo imediato de perturbar ou constranger o trabalhador, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador, bastando que tenha esse efeito como consequência da prossecução dum fim ilegítimo ou censurável.
Não obstante, para ser considerada assédio, a situação há-se ter objectivamente a potencialidade descrita, pela gravidade que, em razão da duração e intensidade, apresenta, não bastando que a tenha na perspectiva unilateral do trabalhador.
De qualquer modo, em face do exposto, o assédio tanto pode visar um trabalhador em concreto, como um conjunto de trabalhadores, ou até mesmo a sua totalidade, relativamente aos quais se verifique o fundamento ou a finalidade subjacentes ao comportamento indesejado.

Em sintonia com o que, sinteticamente, se deixou explicitado (7), a decisão recorrida cita jurisprudência e doutrina variada, designadamente Júlio Gomes (8), na parte em que afirma que “o assédio converte-se em meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa, transformando-se num mecanismo mais expedito e económico da empresa para se desembaraçar de trabalhadores que, por qualquer razão, não deseja conservar. As práticas e os procedimentos para o fazer são praticamente inumeráveis; a título de exemplo, refira-se apenas a mudança de funções do trabalhador, por exemplo, para funções muito superiores à sua experiência e competência para levá-lo à prática de erros graves, a atribuição de tarefas excessivas, mas também, e frequentemente, o seu inverso, como seja a atribuição de tarefas inúteis ou o esvaziamento completo de funções.”
Não obstante, singelamente, o tribunal recorrido conclui que «(…) é notório que os artigos 16º a 54º não contém factos dos quais se possa concluir que a Autora tivesse sido exposta a situações realmente vexatórias e humilhantes por parte da Ré, ou que tivesse sido vítima de atentados à sua dignidade como pessoa e como trabalhadora.
Na verdade, concordamos com a Ré quando refere que aquela factualidade traduz “medidas de gestão do negócio que implicaram modificações na estrutura organizativa e alterações de processos de trabalho.”»

Ora, é certo que, nos termos do art. 595.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, o despacho saneador destina-se, além do mais, a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória.
Tal pode acontecer, designadamente, se dos factos alegados pelo autor não se pode retirar o efeito jurídico pretendido (inconcludência do pedido), pois, em tal situação, é inútil produzir prova sobre os factos alegados, visto que eles nunca serão suficientes para a procedência do pedido, podendo o réu ser imediatamente absolvido do mesmo (9).
Contudo, conforme advertem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (10), “[o] despacho saneador tem uma dupla finalidade: a verificação da regularidade da instância, mediante o apuramento da ocorrência dos pressupostos processuais ou de uma exceção dilatória, e a apreciação de nulidades; o conhecimento imediato do mérito da causa. A primeira constitui função normal do despacho saneador e razão de ser da sua própria designação; a segunda é uma função eventual destinada a evitar o retardamento da decisão de mérito quando ela é, com segurança, já possível na fase de condensação.
(…)
O juiz conhece do mérito da causa no despacho saneador, total ou parcialmente, quando para tal, isto é, para dar resposta ao pedido ou à parte do pedido correspondente, não haja necessidade de mais provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo.
(…)
Este conhecimento só deve ter lugar quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não apenas tendo em vista a partilhada pelo juiz da causa (…)”

No caso em apreço, parece-nos que, sem produção de prova, o tribunal recorrido não podia concluir que inexistem factos dos quais se possa concluir que a Autora tivesse sido exposta a situações vexatórias e humilhantes por parte da Ré, ou que tivesse sido vítima de atentados à sua dignidade como pessoa e como trabalhadora, bem como, que a factualidade traduz apenas medidas de gestão do negócio que implicaram modificações na estrutura organizativa e alterações de processos de trabalho.
Com efeito, nos artigos 16.º a 54.º da petição inicial, não obstante as muitas considerações e conclusões de direito, a Autora descreve situações várias, ocorridas ao longo de cerca de ano e meio, que alegadamente se traduziram em diminuição da retribuição, desvalorização profissional e sobrecarga de trabalho, com a finalidade de criar um ambiente de trabalho intimidativo e de pressão e, em última análise, levar os trabalhadores, incluindo a Apelante, a se desvincularem, pelo que, ainda que decorrentes duma reestruturação organizativa e de gestão, não seriam julgadas neutras à luz de possível caracterização conceitual do assédio moral.
A Autora claramente afirma factos contrários às conclusões retiradas, sem prévia sujeição daqueles a prova, pelo tribunal recorrido, mais parecendo que este pressupõe ou antecipa a inverosimilhança dos mesmos ou da capacidade de aquela os lograr provar.
Todavia, obviamente, não é esse o escopo do art. 595.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, pois – sublinha-se – o conhecimento imediato do mérito da causa só é legítimo quando, com segurança, para dar resposta a um pedido, o processo contém todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não apenas tendo em vista a partilhada pelo juiz da causa.
Ora, tendo em conta o que acima se disse a propósito do conceito e caracterização do assédio moral, designadamente quanto às suas potencialidades no que toca a fundamentos, intenção ou efeito, diversidade de comportamentos ou meios susceptíveis de serem assumidos, etc., sem que a propósito se mostrem estabilizadas a doutrina e a jurisprudência, até pela relativa novidade da figura, entende-se que o tribunal recorrido devia ter permitido que, quanto à factualidade em apreço, as partes produzissem as provas que requereram e que sejam legalmente admissíveis.
Atento o ora exposto, os factos que o tribunal recorrido deu como provados e bastantes para apreciação e decisão do pedido de indemnização por danos morais pela prática de assédio moral, são, pelo contrário, claramente insuficientes.
Por conseguinte, e ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil, afigurando-se-nos indispensável a ampliação da matéria de facto, impõe-se a anulação do despacho saneador na parte em apreço, devendo os autos prosseguir de modo a que seja produzida prova sobre os factos controvertidos essenciais à decisão do referido pedido, constantes dos articulados das partes, designadamente dos artigos 16.º a 54.º da petição inicial, expurgados das considerações e conclusões de direito que daí constam.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, e, em consequência, anular o despacho saneador na parte em que conheceu do pedido de indemnização por danos morais pela prática de assédio moral, para os efeitos supra referidos, no mais se confirmando a decisão recorrida.
Custas pelas partes na proporção do decaimento.
Guimarães, 5 de Dezembro de 2019

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso

Sumário (elaborado pela Relatora):

1. A carta de resolução do contrato de trabalho que o trabalhador dirige ao empregador, alegando fazê-lo «(…) por motivo de diminuição da minha retribuição e modificação das minhas condições de trabalho, de forma a que dessa modificação resulta uma diminuição da minha retribuição e demais regalias, diminuição da retribuição sem o meu acordo expresso, violação culposa das garantias legais ou convencionais que tinha contratualizadas e lesão culposa dos meus interesses patrimoniais e alteração substancial e duradoura das condições de trabalho por vossa imposição» não satisfaz os requisitos de natureza procedimental previstos no art. 395.º, n.º 1 do Código do Trabalho, posto que contém apenas afirmações de natureza conclusiva, reproduzindo fórmulas legais, e não a descrição sucinta de factos devidamente concretizados, designadamente no tempo.
2. A declaração da situação de desemprego preenchida e assinada pelo empregador, mencionando que a cessação do contrato de trabalho ocorreu por iniciativa do trabalhador / resolução com justa causa, não faz prova plena de que o mesmo reconheça a licitude desta, nos termos do art. 376.º do Código Civil, posto que se trata de documento cujo destinatário não é o trabalhador, mas sim a Segurança Social, e o empregador se limita a transmitir a tal entidade a ocorrência duma declaração da parte contrária e não do próprio.
3. O conhecimento imediato do mérito da causa, nos termos do art. 595.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, só é legítimo quando, com segurança, para dar resposta a um pedido, o processo contém todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito, e não apenas tendo em vista a partilhada pelo juiz da causa, o que não ocorre se o autor descreve situações várias, ocorridas ao longo de cerca de ano e meio, que alegadamente se traduziram em diminuição da retribuição, desvalorização profissional e sobrecarga de trabalho, com a finalidade de criar um ambiente de trabalho intimidativo e de pressão e, em última análise, levar os trabalhadores, incluindo o autor, a se desvincularem, pelo que, ainda que decorrentes duma reestruturação organizativa e de gestão, não seriam julgadas neutras à luz de possível caracterização conceitual do assédio moral.

Alda Martins


1. , Proferido no processo n.º 141/17.5T8PTM.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
2. Proferido no processo n.º 466/14.1TTVNF.G1, disponível em www.dgsi.pt.
3. Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez e outros, Almedina, 2013, p. 834.
4. Proferido no Processo n.º 934/07.1TTCBR.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
5. Proferido no processo n.º 1085/15.0T8VNF.G1.S1, in www.dgsi.pt.
6. Neste sentido, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2015, proferido no processo n.º 193/13.7TTCVL.C1.S1, e o Acórdão da Relação do Porto de 10 de Outubro de 2016, proferido no processo n.º 1053/15.2T8VLG.P1, in www.dgsi.pt.
7. Para uma síntese mais desenvolvida dos diversos tópicos, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de 2014, proferido no processo n.º 712/12.6TTPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.
8. Direito do Trabalho, volume I, p. 431.
9. Cfr. José Lebre de Freitas, A Acão Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, 2013, p. 183.
10. Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, Almedina, 3.ª edição, pp. 656 e 659.