Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
8250/15.9T8VNF.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: PRESUNÇÃO REGISTRAL
USUCAPIÃO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
FRACÇÃO AUTÓNOMA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I. A inscrição no registo predial faz presumir a titularidade do direito de propriedade, mas a essa presunção não abrange a área ou a definição da delimitação física do prédio. A presunção registral cinge-se à existência do direito registado e à sua titularidade, bem como à existência de eventuais ónus registados e ainda de um núcleo mínimo essencial caracterizador da coisa.

II. Não beneficiando a parte da presunção de propriedade relativamente a uma determinada área, para que possa ser declarada proprietária de uma fracção autónoma com uma concreta área terá de fazer prova da sua aquisição por usucapião.

III. O comprador duma fracção de um prédio em propriedade horizontal, pode juntar à sua posse da fracção, a posse anterior do edifício pelo construtor/vendedor, bem como a eventual posse do anterior proprietário/possuidor que ao construtor vendeu o terreno.

IV. Pode ser adquirido por usucapião um lugar de estacionamento.

V. O título constitutivo poderá ser alterado nos termos do artº 1422º-A, nº 1 e 2 e 4 do CC, por acto unilateral constante de escritura pública, não sendo necessária a intervenção de todos os condóminos.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

Maria, M. C., Jorge e M. T. interpuseram a presente acção com processo comum contra José e T. R..

Alegaram, para o efeito, a aquisição, por contrato de compra e venda, pela primeira autora e por seu então marido, já falecido, H. T. (de quem as AA. Maria e M. T. são filhas), de duas fracções autónomas, destinadas uma a comércio e outra a garagem.

Os RR., por sua vez, são proprietários de outras duas fracções autónomas adjacentes àquelas e ocupam parte da fracção destinada a comércio e a totalidade da fracção destinada a garagem.
Mais referem que tal ocupação ocorre através do prolongamento das paredes delimitativas das fracções dos RR..

Invocaram que são proprietários das referidas fracções, em toda a área das mesmas inscrita em sede de registo predial e descrita no título constitutivo da propriedade horizontal, quer por via derivada – por força do referido contrato - , quer por usucapião. Referem ainda que se encontra registada a seu favor a aquisição das referidas fracções.

Pedem, assim, os AA. que sejam declarados proprietários dessas fracções e a condenação dos RR. a reconhecê-lo e a absterem-se de aí praticarem qualquer acto perturbador desse direito.
Mais pedem que os RR. sejam condenados a pagar-lhes a quantia necessária à demolição das paredes existentes e à reconstrução das mesmas em observância das áreas referentes às suas fracções.
Pretendem ainda a condenação dos RR. a pagar-lhes indemnização por força da privação do uso das aludidas fracções.

Contestaram os RR., alegando, a título de excepção, que são proprietários das áreas reivindicadas pelos AA., sendo que adquiriram as suas fracções no exacto estado em que as mesmas actualmente se encontram.
Mais referem que vêm praticando actos de posse sobre as referidas áreas, sendo delas proprietários, em toda a área delimitada pelas respectivas paredes, por via de usucapião.

Invocaram ainda a excepção de abuso de direito, dando conta que as paredes das aludidas fracções foram construídas no local onde se encontram a pedido dos AA..
Alegaram ainda a excepção de prescrição referente ao pedido indemnizatório formulado.

Pugnaram, assim, pela improcedência total da acção.

Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, tendo sido indicado o objecto do processo e organizados os temas da prova.
Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor:
Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

- declaro e condeno os RR. a reconhecer que os AA. são proprietários, em comum, das fracções “J” e “Q”, descritas na Conservatória de Registo Predial sob os nºs … – J e … - Q, com as áreas, respectivamente, de 138 m2 e 41 m2;
- condeno os RR. a absterem-se da prática de qualquer acto perturbador do direito de propriedade dos AA. sobre as referidas fracções “J” e “Q”, na totalidade das mencionadas áreas de 138 m2 e 41 m2, respectivamente; e
- condeno os RR. a destruir e a reconstruir as paredes das fracções “K” e “R”, descritas na Conservatória de Registo Predial sob os nºs … – K e … – R, de forma a restituírem aos AA. a totalidade dos 41 m2 da fracção “Q” e dos 48 m2 da fracção “J”, sendo que tal reconstrução situar-se-á no local a apurar em sede de incidente ulterior de liquidação.

Mais absolvo os RR. do demais peticionado pelos AA..
Ambas as partes interpuseram recurso.
Os RR. concluíram as suas alegações do seguinte modo:

QUANTO PRESUNÇÃO DO REGISTO DOS AUTORES

1.ª A presunção registal de titularidade constante do art. 7.º do C. Registo Predial – preceito em que se diz que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” – não abarca os elementos da descrição registal, mas apenas o que resulta do facto jurídico inscrito tal como foi registado, uma vez que o que se regista (o objecto do registo), como decorre do art. 2.º do C. Registo Predial, são os factos jurídicos (a compra e venda, a permuta, a sucessão) e não as situações jurídicas a que se pretende dar publicidade (o direito de propriedade ou outros), motivo por que a presunção (de titularidade constante do art. 7.º) diga respeito e se reporte apenas e só à inscrição predial, que é o único acto registal em causa (a descrição não é um registo, mas o suporte para o mesmo) – conclusão extraída do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26 de Novembro de 2013, acima citado
2.ª Mesmo no caso da propriedade horizontal, é inquestionável que a presunção em causa não abrange os limites ou confrontações dos imóveis, as suas áreas, ou seja, a generalidade dos elementos correspondentes à delimitação física e identificação económica e fiscal dos imóveis, mas apenas os elementos que integram o âmbito mínimo ou núcleo essencial imprescindível para identificação dos imóveis a que se reportam, como o concreto andar em que se situa (1º, 2º, 3º…), se é direito, esquerdo, anterior ou posterior, se possui ou não logradouro exclusivo, se é destinada à habitação, a comércio, a arrumos ou garagem, ficando de fora da presunção os limites, áreas precisas, valores, identificação fiscal, confrontações e âmbito – conclusão extraída do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de Dezembro de 2016, acima citado.
3.ª Assim, não tendo os autores demonstrado qualquer posse, por falta, desde logo, do pressuposto do corpus (o que, de resto, o tribunal recorrido detectou), e não beneficiando de qualquer presunção registral no que respeita à área e confrontações das fracções que reivindica, a fracção autónoma “Q”, e os alegados 48 m2 que possam integrar a fracção autónoma “J”, não podia a acção proceder em nenhum dos pedidos, não importando sequer analisar as questões de excepção colocadas pelos réus, porque o foram título subsidiário.

QUANTO AO CARÁCTER TITULADO DA POSSE DOS RÉUS

4.ª Se acaso se entendesse ser de analisar a matéria de excepção invocada pelos réus, tendo estes adquirido duas fracções autónomas, as fracções “K” e “R”, por escritura pública, então a posse dos réus sobre essas fracções é titulada, e é-o sobre a totalidade da área que ocupam e que lhes foi entregue, delimitada pelas paredes erguidas da forma como o prédio foi construído, sem sofrer nenhuma alteração até hoje.
5.ª É que, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 1259.º, do Código Civil, “Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico
6.ª Estando demonstrado (cf pontos 8, 9, 10 e 22) que os réus vêm possuindo essa área desde 8 de Janeiro de 2003, completando-se, à data da citação, 22 de Outubro de 2015, mais de doze anos de posse boa para aquisição, então deve reconhecer-se que os réus adquiriram essas áreas por usucapião.
7.ª E isto ainda que se entendesse que os autores beneficiam de qualquer presunção registral, desde a data do registo da aquisição, em 23 de Junho de 2003, pois que esta presunção sempre cairia em face da presunção da posse dos réus, desde 8 de Janeiro de 2003 e por força do constituto possessório, tudo nos termos do disposto nos artigos 1264.º e n.º 1, do artigo 1268.º, ambos do Código Civil.

QUANTO À USUCAPIÃO NA PROPRIEDADE HORIZONTAL

8.ª Se acaso se entendesse ser de analisar a matéria de excepção, ainda que se considerasse que, no domínio da propriedade horizontal, a usucapião, como fonte aquisitiva de direitos, só pode actuar nos estritos limites em que a propriedade horizontal se enquadra (art. 1263º, al. a) do CC), sobre fracções autónomas perfeitamente individualizadas no título constitutivo e não sobre partes delas (arts. 1414.º, 1415.º, 1418.º e 1420.º do CC.), tendo em conta que, no que respeita à área da fracção “Q”, ela vem sendo possuída pelos réus na sua totalidade (o que resulta, sem margem para dúvidas dos factos provados 20 , 21, 22), então deve, nessa parte, da fracção “Q”, reconhecer-se a aquisição a favor dos réus, por usucapião, por se tratar de fracção autónoma individualizada no tútulo constitutivo e por se ter demonstrado uma posse pelos réus, titulada, que durou mais de dez anos (de Janeiro de 2003 a Outubro de 2015), e, por antepossuidor, o construtor do prédio que o submeteu à propriedade horizontal, que durou mais de dezanove anos (de Fevereiro de 1996 a Outubro de 2015), nos termos do disposto na alínea a), do artigo 1294.º, 1251.º, n.º 1, do artigo 1259.º, n.os 1 e 2, do artigo 1260.º, n.º 1, do artigo 1261.º e artigo 1262.º, todos do Código Civil.
9.ª E isso vale também para a área de 48m2 que, como aponta o tribunal recorrido, possa, em face do título constitutivo pertencer à fracção “J”, uma vez que, no caso dos autos, essa área, por força da forma como as paredes foram erguidas desde a construção do prédio constituído em propriedade horizontal, como integrando a fracção autónoma “K”, o que é dizer que a divisão entre as fracções “J” e “K”, foi construída e vendida assim, ainda que em divergência, na área, com o título que constituiu a propriedade horizontal, título para o qual ninguém olhou na hora de vender ou de comprar.
10.ª Por ser semelhante, deve considerar-se, como considerou o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão acima citado, de 2 de Julho de 2009, com adaptações que se o construtor de um imóvel (que veio, posteriormente, a ser constituído em propriedade horizontal), ergueu paredes divisórias das fracções em alvenaria ainda que o que resulta dessa operação não venha a constar da escritura pública da propriedade horizontal, então é de concluir que ocorre uma destinação objectiva dessa área às fracções em causa e essa destinação objectiva, assim feita, transfere ab initio a dominialidade desse espaço para o adquirente da fracção.

QUANTO À OBRIGAÇÃO REAL

11.ª Caso se entenda que as paredes que dividem as fracções contíguas “J” e “K”, bem como a parede que deve dividir toda a área que está integrando a fracção “R” por forma a fazer a fracção “S”, devem ser erguidas em conformidade com o título constitutivo da propriedade horizontal, e que isso constitui obrigação real, a impender sobre o proprietário ao tempo da realização da obra, então e por se tratar, no que respeita a erguer as paredes novas, de fazer paredes divisórias, deve essa obra ser feita “a meias” entre autores e réus, porque a parede deve ficar, em metade, em cima da fracção dos autores e, noutra metade, em cima da fracção dos réus.
12.ª Pelos mesmos motivos e no que respeita à demolição da parede que hoje divide as fracções “J” e “K”, por ela estar, de acordo com a sentença recorrida, dentro da área da fracção “J”, dos autores, devem ser estes a fazer esse trabalho, se se considerar que essa é uma obrigação real.

POR FIM,

13.ª A decisão recorrida violou ou não fez a melhor interpretação e aplicação do disposto nos artigos 2.º e 7.º, do Código do Registo Predial, artigo 1422.º-A, n.º 1, do artigo 1259.º, artigo 1264.º e n.º 1 do artigo 1268.º, alínea a), do artigo 1294.º, artigo 1251.º, n.º 1, do artigo 1259.º, n.os 1 e 2, do artigo 1260.º, n.º 1, do artigo 1261.º e artigo 1262.º, todos do Código Civil.

Nestes termos e nos melhores doutamente supridos por V.as Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso, em consequência do que deve ser revogada a decisão recorrida, que deve ser substituída por deliberação que:

1. Julgue improcedente a acção; e subsidiariamente, para o caso de assim se não entender, o que não se concebe nem concede,
2. Julgue procedente a excepção invocada pelos recorrentes, reconhecendo e declarando que a mesma tal direito impede o direito dos autores:
2.1. no que respeita à totalidade da área da fracção autónoma “Q”, por usucapião, ou destinação objectiva ab initio à fracção autónoma “R”;
2.2. no que respeita à área de 48m2 que possa, em face do título constitutivo da propriedade horizontal integrar a fracção autónoma “J”, por usucapião, ou destinação objectiva ab initio à fracção autónoma “K”; subsidiariamente, para o caso de assim se não entender, o que não se concebe nem concede,
3. Condene autores e réus a erguer a divisão das fracções autónomas “J” e “K”, por um lado, e “Q” e “R”, por outro lado, em partes iguais.

Os AA. contra-alegaram, tendo apresentado as seguintes conclusões:

1) Os AA. beneficiam do registo da aquisição das referidas fracções, dele constando as áreas aludidas no respectivo título constitutivo da propriedade horizontal.
2) Os AA. podem prevalecer-se da presunção prevista no art. 7º do CRPredial.
3) “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.
4) Temos que presumir que as fracções “J” e “Q”, tal como constam do registo na Conservatória - ou seja, como fracções autónomas próprias, em regime de propriedade horizontal, correspondentes a garagem e loja - pertencem aos AA. em exclusividade e em toda a área que aí – e na escritura de constituição da propriedade horizontal - é indicada (ou seja, 138 m2 e 41 m2, respectivamente).
5) Num prédio constituído em propriedade horizontal a posição jurídica dos respectivos titulares não é a mesma que a dos proprietários de prédios a ela não sujeitos, pois existem partes próprias e partes comuns; e, mesmo nas partes próprias, existem limitações sérias ao poder de alterar o seu conteúdo e objecto.
6) Na propriedade horizontal há um interesse relevante plural que se sobrepõe aos interesses individuais, sendo aquele um interesse colectivo, manifestado num título constitutivo dessa forma específica de direito real.
7) No direito real de propriedade horizontal,não está na disponibilidade de um ou de vários deles, conseguir(em), só por si, a alteração do título de constituição desse tipo de propriedade, a menos que o título assim o tenha previsto desde o início, anteriormente à primeira alienação. (arts. 1419º e 1422º-A, n.º3).
8) É indispensável, portanto, que o título de constituição o permita ou a assembleia de condóminos se pronuncie e aprove as alterações sem qualquer oposição.”
9) Exige a lei que quer a constituição da propriedade horizontal quer as suas eventuais e posteriores alterações, sejam objecto de sindicalização e licenciamento pela autoridade camarária, por forma a garantir a sua conformidade às leis e regulamentos em vigor.”
10) Para haver alteração ao título constitutivo da propriedade horizontal terá de haver ainda nova escritura a alterar o título anterior (sendo a escritura uma formalidade ad substantiam, requisito indispensável para a validade do negócio, como decorre do disposto nos arts. 220.º, 371.º e 1419.º do CC.), seguindo-se-lhe depois o efectivo registo (art. 2.º-1-b) do CRP),
11) A exigência legal de que a escritura de alteração do título constitutivo de propriedade horizontal não pode ser feita sem a junção de documento camarário comprovativo de que a alteração ao título constitutivo está de acordo com os correspondentes requisitos legais (art. 60.º-1 do C. Notariado)”.
12) O título exibido pelos RR. como fonte do seu direito à aquisição da totalidade da área concernente à fracção “Q” e dos 48 m2 atribuídos à fracção “J” não é o adequado sob o ponto de vista formal nem substancial:
13) As fracções autónomas, enquanto figurarem como tais no título constitutivo da propriedade horizontal, são indivisíveis, só podendo dar lugar a novas fracções autónomas mediante alteração do título constitutivo de propriedade horizontal, operada através de deliberação da assembleia de condóminos, aprovada sem qualquer oposição. (art. 1422.º-A, n.º 3)
14) E, quanto ao ponto de vista formal, a aquisição e a integração da fracção “Q” e dos 48 m2 da fracção “J”, implicando a extinção e divisão de fracções autónomas e a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, teria de ser feita por escritura pública (art. 947.º-1 do CC. e art. 80.º-2-b) do Código do Notariado);
15) A aquisição de tais espaços pelos RR. seria nula por falta de observância da forma legal prescrita, bem como pelo facto de contrariarem o regime imperativo da indivisibilidade das fracções autónomas sem que o título de propriedade horizontal o tivesse previsto ou a assembleia de condóminos a tivesse autorizado (arts. 219.º e 280.º do CC.)
16) Os RR. com a sua Contestação não deduziram qualquer reconvenção, designadamente não peticionaram que os autores fossem condenados a reconhecer que as áreas da loja e da garagem que os AA. reclamaram dos réus pertence a estes, por prescrição aquisitiva.
17) O âmbito do direito a reconhecer não pode extravasar o respectivo suporte sobre o qual a posse é exercida.
18) No domínio da propriedade horizontal, a usucapião, como fonte aquisitiva de direitos, só pode actuar nos estritos limites em que a propriedade horizontal se enquadra (art. 1263º, al. a) do CC) e nunca extravasá-la”
19) A usucapião só opera a aquisição do direito real por forma correspondente ao direito sobre o qual se exerce a posse.
20) Ora, o direito que os RR exerceram foi o da posse sobre partes físicas de duas fracções autónomas alheias, de que os AA. são titulares, em prédio submetido ao regime de propriedade horizontal.
21) O direito de propriedade exclusiva, na propriedade horizontal, só se pode exercer sobre fracções autónomas perfeitamente individualizadas no título constitutivo e não sobre partes delas (arts. 1414.º, 1415.º, 1418.º e 1420.º do CC.).
22) Estando a garagem “Q” e os 48 m2 da fracção “J” inseridos no espaço que é pertença das fracções tituladas pelos AA., não pode a usucapião operar enquanto a situação de indivisibilidade se mantiver, o que só poderia vir a acontecer se entretanto se tivesse tornado possível a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.
23) A constituição (ou a alteração) de propriedade horizontal por decisão do Tribunal, como flui do art. 1417.º do CC., só é admissível em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário, a requerimento de consorte, e, mesmo assim, desde que sejam unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública. (requisitos previstos no art. 1415.º do CC.)
24) A presente acção, seria formalmente inadequada para a alteração do título constitutivo, porque não obedece sequer às formas de processo previstas no art. 1717º, nº 1, parte final, do CC.
25) A admissibilidade de constituição e/ou alteração do título constitutivo da propriedade horizontal através das formas de processo acima indicadas têm na sua base a circunstância de neles poder ser exercido o contraditório de todos os interessados directos, situação que não se verifica aqui.
26) Não foi junto documento emanado da Câmara Municipal comprovativo que a alteração está de acordo com as leis e regulamentos em vigor na autarquia.
27) Consequentemente, por tudo quanto foi dito, não pode operar aqui a usucapião tendente à aquisição, pelos RR da propriedade sobre as partes do prédio correspondentes à mencionada fracção “Q” e aos referidos 48 m2 da fracção “J”.
28) Como vimos, tal objectivo é legalmente impossível sem a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.
29) O Tribunal só pode declarar adquiridas por usucapião fracções autónomas completas (a menos que se trate de aquisição em compropriedade), sob pena de fraude à lei.
30) Dúvidas inexistem que os AA. são proprietários das fracções “J” e “Q”, com as áreas, respectivamente, de 138 m2 e 41 m2.
31) Esteve muito bem o Tribunal de 1ª Instância, em condenar assim os RR. a reconhecê-lo e, consequentemente, a respeitarem tal direito.
32) Acresce que, não ficou provada a matéria invocada pelos RR. relativa à circunstância de as paredes das aludidas fracções terem sido construídas no local onde se encontram a pedido dos AA..
33) A alegada demora na interposição da acção não faz incorrer os AA. em conduta integradora do “venire contra factum proprium”, sendo que, inclusivamente, ficou provado que, logo após a aquisição, pelos RR., das fracções em causa, a A. Maria lhes terá transmitido que se haviam apoderado da totalidade da área referente à fracção “Q” e de parte da área referente à fracção “J”.
34) Inexiste qualquer motivo que levasse os RR. a confiar na permanência da situação tal como hoje se encontra.
35) A invocada excepção de abuso de direito, fundada nesses factos, nunca procederia.
36) Esteve também muito bem o Tribunal de 1ª Instância, em condenar os RR. a desocupar e a restituir-lhes a totalidade da fracção “Q” e os mencionados 48m2 da fracção “J”.
37) Esteve também muito bem o Tribunal de 1ª Instância, em condenar os RR. A pagar aos AA. as despesas necessárias à demolição das paredes divisórias actualmente existentes e à reconstrução das mesmas em observância das áreas constantes do registo e do título constitutivo da propriedade horizontal, a liquidar em incidente ulterior.
38) Resultou provado que as paredes da fracção “K” encontram-se construídas de forma a que no seu interior se encontram incluídos 48 m2 da área atribuída à fracção “J”. Assim, a área ocupada pela fracção “J” é de 97 m2 e a ocupada pela fracção “K” é de 192 m2.
39) Resultou provado que as paredes da fracção “R” encontram-se construídas de forma a que no seu interior se encontra abrangida a totalidade dos 41 m2 atribuídos à fracção “Q”.
40) A área ocupada pela fracção “R” é de 82 m2 e a ocupada pela fracção “Q” é de 0 m2.
41) Impõe-se fazer coincidir a situação material das fracções em causa com o estatuto real que lhes molda o objecto.
42) Cumpre colocar as paredes das fracções nos locais devidos, de forma a que as áreas das fracções respeitantes às lojas e às garagens, pertencentes a AA. e RR., coincidam com as aludidas no título constitutivo da propriedade horizontal.
43) Tal operação emerge, tão-somente, da obrigação de fazer coincidir a situação material da coisa com o estatuto do direito real que lhe molda o objecto.
44) Esta obrigação consubstancia uma obrigação real (também denominada “ab rem” ou “p. rem”).
45) O direito real de propriedade não é apenas fonte de direitos ou poderes, como se diz no art. 1305º do CC, mas também de deveres.
46) Por força de lei, em especial do direito público, o proprietário está obrigado a actuar, a agir, a um “facere”.
47) Em caso de transmissão do direito real de cujo estatuto a obrigação emerge, esta passa a vincular o sub-adquirente, o que significa que, juntamente com o “jus in re”, se operou igualmente a transmissão da dívida.
48) Recai sobre os RR., enquanto titulares actuais do direito real de propriedade das fracções “K” e “R”, a obrigação de praticarem os actos necessários a repor a situação em conformidade com o conteúdo do seu direito, de harmonia com o fixado na lei.
49) Não obstante não terem sido eles a levar a cabo a construção das paredes, serão eles os sujeitos passivos dessa obrigação, pois são os titulares actuais do direito real, “in casu”, do domínio, e por ele e à custa dele deve ser satisfeita.
50) Como vimos, o credor da obrigação “p. rem” (no caso, os AA.) pode exigir o cumprimento ao subadquirente (ou seja, aos RR.), porque a obrigação acompanha a coisa, vinculando quem se encontre, a cada momento, na titularidade do respectivo estatuto.
51) Face ao exposto, incumbe aos RR. cumprir a obrigação de destruir e reconstruir as paredes das suas fracções de forma a que se respeitem as áreas vertidas em sede de título constitutivo da propriedade horizontal, 52) Esteve também muito bem o Tribunal de 1ª Instância, em condenar os RR. a realizar as obras de construção das paredes divisórias das suas fracções de forma a que se respeite a área constante do titulo constitutivo da propriedade horizontal (sem prejuízo de os AA., em caso de incumprimento da obrigação pelos RR., poderem vir a pedir, em sede executiva, a prestação desse facto por outrem, nos termos dos arts. 868º, nº 1, e 870º do CPC).
53) Esta condenação dos RR. a levarem a cabo tais obras ainda se insere no pedido formulado pelos AA. de desocupação e de restituição das referidas áreas das fracções “J” e “Q”.
54) Não estamos, assim, perante uma condenação em objecto diverso do peticionado (a qual sempre seria vedada pelo disposto no art. 615º, nº 1, al. e), do CPC).
55) Os RR. com a sua Contestação limitaram-se a excecionar.
56) Os RR. com a sua Contestação não deduziram qualquer reconvenção, designadamente não peticionaram que os autores fossem condenados a reconhecer que as áreas da loja e da garagem que os AA. reclamaram dos réus pertence a estes, por prescrição aquisitiva,
57) O pretenso direito de que os RR. se arrogam sobre as áreas da loja e da garagem que os AA. reclamaram dos RR, teria obrigatoriamente que ser exercido através da Reconvenção , a qual segundo o disposto no artigo 583º do CPC teria que ser expressamente identificada e deduzida separadamente na Contestação, expondo-se os fundamentos e concluindo-se pelo pedido nos termos das alíneas c) e d) do n.º1 do artigo 552º do CPC.
58) O que os RR. aquando da junção aos autos da sua Contestação não fizeram e quando notificados para o efeito (Douto despacho datado de 11/01/2016 com a referencia citius 144367559) renunciaram a tal pretensão (requerimento dos RR de 20/01/2016 com a referencia citius 3028489)
59) Motivo pelo qual, deverão os pedidos “tardiamente” insertos no Douto Recurso de Apelação dos RR. que improceder, por manifesta falta de qualquer fundamento legal .
60) Improcedem assim, todas as Alegações e Conclusões n.ºs 1, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13, formuladas pelos Réus/Recorrentes com o seu Recurso de Apelação o qual deverá improceder na sua totalidade.

Termos em que:
a. Devem improceder todas as alegações e todas as conclusões n.ºs 1, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13 formuladas pelos réus/recorrentes com o seu douto recurso de apelação;
b. Deverá o douto recurso de apelação apresentado pelos réus/recorrentes ser julgado totalmente improcedente por não provado;
c. Deve a douta sentença recorrida - com exceção da questão do pedido de indemnização a título de privação de uso das frações “J” e “Q” e que será objeto de recurso subordinado a interpor pelos ora autores - ser mantida na sua totalidade.

Os AA. interpuseram recurso subordinado, tendo concluído as suas alegações com as seguintes conclusões:

1) Os Autores/Recorrentes, não concordam com a absolvição e a não condenação dos Réus, em pagarem solidariamente aos Autores uma indemnização a titulo de indemnização pela privação de uso das suas frações “J” e “Q”, desde o dia 20-6-2003 (dia da aquisição das frações “J” e “Q” por parte dos Autores) e até à data em que a Réus destruírem e reconstruir as paredes das frações “K” e “R”, descritas na Conservatória de Registo Predial sob os nºs … – K e … – R, de forma a restituírem aos AA. a totalidade dos 41 m2 da fração “Q” e dos 48 m2 da fração “J”:
2) A questão da ressarcibilidade da «privação do uso» não pode ser apreciada e decidida, em abstrato, aferida pela mera impossibilidade objetiva de utilização da coisa, porquanto a mera privação do uso do bem, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, é insuscetível de fundar a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil.
3) Montante esse cuja total e integral concretização e quantificação se deverá relegar para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P.Civil).
4) Os Réus deverão ser condenados a pagar ao Autores uma quantia a título de privação de uso das suas frações, desde o dia 20-6-2003 (dia da aquisição das fracções “J” e “Q” por parte dos Autores) e até à data em que a Réus destruírem e reconstruir as paredes das frações “K” e “R”, descritas na Conservatória de Registo Predial sob os nºs … – K e … – R, de forma a restituírem aos AA. a totalidade dos 41 m2 da fração “Q” e dos 48 m2 da fração “J”, montante esse cuja total e integral concretização e quantificação se deverá relegar para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P.Civil).
5) Tal conclusão, deriva da matéria de facto dada como provada, mais concretamente nos pontos n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 23, 26, 27 e 33 da matéria de facto dada como provada na Douta Sentença.
6) Encontra-se registada a favor dos AA. Maria, M. C., casada com Jorge, e M. T., “em comum e sem determinação de parte ou direito”, desde 12-6-2015, “por dissolução da comunhão conjugal e sucessão”, a aquisição da fracção “J”, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o nº … – J, sita no rés-do-chão, lado direito, entrada poente, destinada a comércio, com a área de 138 m2, do “Bloco B” do edifício sito no lugar de …, VN de Famalicão, afecta ao regime da propriedade horizontal.
7) Encontra-se registada a favor dos AA. Maria, M. C., casada com Jorge, e M. T., “em comum e sem determinação de parte ou direito”, desde 12-6-2015, a aquisição da fracção “Q”, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o nº … – Q, sita na cave, destinada a garagem, com o nº 17, com a área de 41 m2, do “Bloco B” do edifício sito no lugar …, VN de Famalicão, afecta ao regime da propriedade horizontal.
8) Por escritura pública constante fls. 16 e segs., celebrado em 20-6-2003, a A. Maria, no estado de casada com H. T., declarou comprar e a sociedade “Construtora X, Lda.” declarou vender-lhe as referidas frações “J” e “Q”.
9) Em 23-6-2003, foi registada a aquisição das referidas frações a favor de Maria, casada com H. T..
10) H. T. faleceu em 24-9-2013, tendo-lhe sucedido como únicos e universais herdeiros a cônjuge Maria e as filhas M. C., casada com Jorge, e M. T..
11) Consta do documento complementar anexo à escritura pública de constituição da propriedade horizontal do referido prédio, designadamente, o seguinte:

a) FRACÇÃO “J” - Rés-do-chão, lado direito, entrada poente, destinada a comércio, com uma divisão e um WC, de área 138m2, à qual atribuem o valor de cinco milhões e quatrocentos mil escudos a que corresponde o valor relativo de noventa milavos;
b) FRACÇÃO “K” - Rés-do-chão, lado esquerdo, entrada poente, destinada a comércio, com uma divisão e um WC, de área 138m2, à qual atribuem o valor de cinco milhões e quatrocentos mil escudos a que corresponde o valor relativo de noventa milavos;
c) FRACÇÃO “Q” - Divisão na cave, destinada a garagem, com uma divisão ampla, de área 41m2, designada pelo número dezassete, à qual atribuem o valor de trezentos e sessenta mil escudos a que corresponde o valor relativo de seis milavos;
d) FRACÇÃO “R” - Divisão na cave, destinada a garagem, com uma divisão ampla, de área 37,50m2, identificada pelo número dezasseis, à qual atribuem o valor de trezentos e sessenta mil escudos a que corresponde o valor relativo de seis milavos.
12) Em 21-3-1996 foi registada a constituição da propriedade horizontal do referido edifício.
13) Desde a data da aquisição das frações “J” e “Q”, a A. Maria e seu falecido marido H. T. e, subsequentemente, após a morte deste, também os AA. Maria e M. T., vêm pagando as contribuições do condomínio e os impostos referentes às aludidas fracções.
14) As paredes da fração “K” encontram-se construídas de forma a que no seu interior se encontram incluídos 48 m2 da área atribuída à fração “J”.
15) Sendo que a área efetivamente ocupada pela fração “J” é de 97 m2 e a efetivamente ocupada pela fração “K” é de 192 m2.
16) As paredes da fração “R” encontram-se construídas de forma a que no seu interior se encontra abrangida a totalidade dos 41 m2 atribuídos à fração “Q”.
17) Sendo que a área efetivamente ocupada pela fração “R” é de 82 m2 e a ocupada pela fração “Q” é de 0 m2.
18) Em data não concretamente apurada, mas situada cerca de 1 ano depois de o R. José ter adquirido as frações “K” e “R”, a A. Maria transmitiu-lhe que o mesmo se havia apoderado da totalidade da área referente à fração “Q” e de parte da área referente à fração “J”.
19) O valor locativo mensal da fração “J” ascende a 2 € por metro quadrado.
20) O valor locativo mensal da fração “Q” ascende a 1 € por metro quadrado.
21) Desde a data da aquisição da fração “K”, os RR. vêm utilizando a mesma, com a na totalidade da área e com a configuração que a mesma apresenta, arrendando-o e auferindo a respetiva remuneração.
22) O valor locativo mensal, por metro quadrado, da fração autónoma designada pela letra “J” propriedade dos autores é de €82,00,valor esse calculado da seguinte forma: €2,00 (€2,00 x 41 m2 (138 m2 – 97 m2 = 41 m2) = €82,00 valor locativo mensal.
23) O valor locativo mensal, por metro quadrado, da fração autónoma designada pela letra “Q” propriedade dos autores é de €42,00 valor esse calculado da seguinte forma: €1,00 (€1,00 x 41 m2) = €42,00 valor locativo mensal.
24) Os Réus deverão ser solidariamente condenados a pagar aos Autores uma quantia a título de privação de uso das suas frações, desde o dia 20-6-2003 (dia da aquisição das frações “J” e “Q” por parte dos Autores) e até à data em que a Réus destruírem e reconstruir as paredes das frações “K” e “R”, descritas na Conservatória de Registo Predial sob os nºs … – K e … – R, de forma a restituírem aos AA. a totalidade dos 41 m2 da fração “Q” e dos 48 m2 da fração “J”.
25) Montante esse, o qual à presente data ascende ao valor de 20.832,00€ (vinte mil oitocentos e trinta e dois euros) calculado da seguinte forma:
a) Fração J: de 20/06/2003 a 20/06/2017 = 168 meses X 82,00€ valor locativo mensal = 13.776,00€;
b) Fração Q : de 20/06/2003 a 20/06/2017 = 168 meses X 42,00€ valor locativo mensal = 7.056,00€=
c) TOTAL= 20.832,00€ (13.776,00€ + 7.056,00€)
26) Indemnização essa, que os Autores/Recorrentes desde já reclamam dos Réus à razão da quantia mensal de 82,00€ relativamente à fração J e da quantia mensal de 42,00€ relativamente à fração Q até à data em que a Réus destruírem e reconstruir as paredes das frações “K” e “R”, descritas na Conservatória de Registo Predial sob os nºs … – K e … – R, de forma a restituírem aos AA. a totalidade dos 41 m2 da fração “Q” e dos 48 m2 da fração “J”.
27) A Douta Sentença Recorrida violou as seguintes disposições legais:

a) os artigos 483.º, n.º1, 564.º, n.º 2, 566.º, n.º 3, 1305.º do código civil e
b) os artigos 564.º, al. a), 581.º, n.ºs 3 e 4, 2.ª parte, 606.º, nº 1, 609.º, n.ºs 1 e 2, 615.º, n.ºs 1, d), e e), 666.º, n.º 1. do código de processo civil.

Os RR. contra-alegaram, tendo formulado as seguintes conclusões:

1.ª Tendo a improcedência do pedido de indemnização por privação do uso de um bem ficado a dever-se à circunstância de o tribunal recorrido ter considerado que os autores não demonstraram qualquer facto culposo dos réus assim como demonstraram qualquer nexo causal entre qualquer facto dos réus e os danos alegados e, mas apenas subsidiariamente, na circunstância de não se ter provado a verificação de qualquer dano, não pode apreciar-se a apelação em que não se coloque em causa a verificação daqueles pressupostos da culpa e do nexo causal e apenas se coloque em causa a verificação do dano.

SEM PRESCINDIR

2.ª No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, não pode prescindir-se da detecção de um facto voluntário do alegado responsável, nem da ilicitude, nem culpa, nem do nexo causal entre os alegados facto e dano, nem da verificação do dano, pois que “cada um desses pressupostos desempenha um papel especial na complexa disciplina das situações geradoras do dever de reparação do dano” – Professor Antunes Varela, in Das obrigações em geral, 9.ª edição, 1996, Almedina, Coimbra, página 543.
3.ª Constando da matéria de facto provada que o facto voluntário que causou danos não foi praticado pelos réus, mas por terceiro, pois que foi um terceiro que ergueu as paredes divisórias das fracções de um edifício no momento da construção do próprio edifício, tendo-o assim vendido, não podem aqueles ser condenados no pagamento de qualquer indemnização;
4.ª Não constando da matéria qualquer nexo causal entre qualquer comportamento dos réus (que só compraram, ao incontestado dono, duas fracções autónomas tal como estavam separadas das outras fracções por paredes erguidas pelo construtor) e os danos invocados pelos autores (a privação do uso de uma determinada área), não podem aqueles ser condenados no pagamento de qualquer indemnização;
5.ª Não constando da matéria qualquer facto de que resulte que os réus actuaram com culpa, o que é dizer que actuaram de uma forma quando deviam actuar de outra (e os réus, mais uma vez só compraram, ao incontestado dono, duas fracções autónomas tal como estavam separadas das outras fracções por paredes erguidas pelo construtor), não podem aqueles ser condenados no pagamento de qualquer indemnização pela privação de uma qualquer área por terceiros;

SEM PRESCINDIR,

6.ª Ainda que se entenda que se verificam todos os pressupostos da obrigação de os réus indemnizarem os autores pela privação do uso de uma determinada área (porque, entre o mais, se considera que houve culpa dos réus, porque se entenda que deviam ter verificado se as fracções que o empreiteiro lhes mostrou e que decidiram comprar, estavam em conformidade com o título constitutivo da propriedade horizontal, porque assim actuaria o homem médio, necessariamente sabendo que as áreas das fracções autónomas constam do respectivo título constitutivo), sempre a indemnização deve ser afastada por concorrer culpa muitíssimo maior do lesado (uma vez que, pelo mesmo padrão, também o lesado não devia ter comprado, para mais em momento posterior, sem confirmar a coerência entre o título constitutivo da propriedade horizontal e as fracções autónomas efectivamente construídas, sem sequer ver o que estava à vista do homem médio), tudo nos termos do disposto no artigo 570.º, do Código Civil.
7.ª Ou, na pior das hipóteses, deve a indemnização ser reduzida para menos de metade, pois que a culpa do alegado lesado se apresenta bem maior do que a que possa ver-se no alegado lesante.

SEM PRESCINDIR,

8.ª A indemnização que, na inesperada procedência do recurso subordinado, possa reconhecer-se aos autores só pode ser atribuída depois de um prazo razoável para a execução das obras necessárias à demolição de paredes e construção de novas paredes em conformidade com o título constitutivo (pelo respectivo responsável, questão que está colocada no recurso principal), uma vez que só então se pode dizer que os réus, se condenados a destruir as paredes que lá estão e a construir novas, estão a praticar a omissão voluntária, essa sim causadora de novos danos.

SEM PRESCINDIR,

9.ª Caso se entenda que os réus devem indemnizar os autores por ocuparem ilicitamente o que lhes pertença, sempre tendo em conta que possuíram de boa fé, a indemnização só pode ter lugar relativamente a danos verificados depois da citação, pois que só a citação os coloca de má-fé, praticando, a partir de então, com a ocupação do mesmo, um facto ilícito e culposo, como, de resto, ficou decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no único acórdão citado pelos recorrentes, embora com matéria de facto assas diferente da nossa ao nível dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

SEM PRESCINDIR,

10.ª Caso se entenda que os réus devem indemnizar os autores por ocuparem ilicitamente o que lhes pertença, desde a data da escritura da aquisição a favor dos autores, por ser desde então que estão privados do uso da área alegadamente em falta, o que não se concebe nem concede, e tendo em conta que as autoras pedem dos réus uma indemnização por danos alegadamente sofridos, que calculam multiplicando uma renda mensal pelo número de meses desde 1 de Maio de 2004 a 1 de Outubro de 2015, por referência à data da apresentação da petição inicial, como fazem constar do artigo 39.º da petição inicial, tratando-se, pois, de uma indemnização por danos que, alegadamente, se vão verificando mensalmente, sempre estão prescritos todos os danos verificados mais de três anos antes da citação (estão prescritos todos os danos verificados até 22 de Outubro de 2012, já que a citação ocorreu a 22 de Outubro de 2015, como também se alegou), por ser esse o prazo de prescrição (cf artigo 498.º, do Código Civil) e porque a prescrição foi invocada na contestação (artigo 303.º, do Código Civil).

Nestes termos e nos melhores doutamente supridos por V.as Ex.as, não deve o recurso subordinado ser apreciado como concluímos em primeiro lugar; e, se se entender apreciá-lo, deve ser-lhe negado provimento como concluímos entre segundo e quinto lugar; e, caso se entenda que algum provimento merece, sempre a indemnização deve ser excluída ou consideravelmente diminuída por força da concorrência de culpa como concluímos em sexto e sétimo lugar; e, para o mesmo caso de se entender que algum provimento merece, sempre a mesma indemnização deve ser restringida no tempo como concluímos em oitavo a décimo lugar.

II – Objeto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:

Do recurso principal

. se os autores não beneficiam da presunção registral de titularidade do direito de propriedade relativamente à área de cada fração;
. se os RR. adquiriram a propriedade da fracção Q e de parte da J por usucapião.

Do recurso subsidiário

. decidir se há lugar a indemnização dos RR. às AA. por privação do uso.

III – Fundamentação

Na 1ª instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

2.1 – Factos Provados:

1 – Encontra-se registada a favor dos AA. Maria, M. C., casada com Jorge, e M. T., “em comum e sem determinação de parte ou direito”, desde 12-6-2015, “por dissolução da comunhão conjugal e sucessão”, a aquisição da fracção “J”, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o nº … – J, sita no rés-do-chão, lado direito, entrada poente, destinada a comércio, com a área de 138 m2, do “Bloco B” do edifício sito no lugar …, VN de Famalicão, afecta ao regime da propriedade horizontal.
2 – Encontra-se registada a favor dos AA. Maria, M. C., casada com Jorge, e M. T., “em comum e sem determinação de parte ou direito”, desde 12-6- 2015, a aquisição da fracção “Q”, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o nº … – Q, sita na cave, destinada a garagem, com o nº 17, com a área de 41 m2, do “Bloco B” do edifício sito no lugar …, VN de Famalicão, afecta ao regime da propriedade horizontal.
3 – Por escritura pública constante fls. 16 e segs., celebrado em 20-6-2003, a A. Maria, no estado de casada com H. T., declarou comprar e a sociedade “Construtora X, Lda.” declarou vender-lhe as referidas fracções “J” e “Q”.
4 – Em 23-6-2003, foi registada a aquisição das referidas fracções a favor de Maria, casada com H. T..
5 – H. T. faleceu em 24-9-2013, tendo-lhe sucedido como únicos e universais herdeiros a cônjuge Maria e as filhas M. C., casada com Jorge, e M. T..
6 - Os RR. José e T. R. são casados entre si.
7 - No regime da comunhão de adquiridos.
8 – Encontra-se registada a favor dos RR. José e T. R., desde 9-1-2003, a aquisição da fracção “K”, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o nº … – K, sita no rés-do-chão, lado esquerdo, entrada poente, destinada a comércio, com a área de 138 m2, do “Bloco B” do edifício sito no lugar de …, VN de Famalicão, afecta ao regime da propriedade horizontal.
9 – Encontra-se registada a favor dos RR. José e T. R., desde 9-1-2003, a aquisição da fracção “R”, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o nº … – R, sita na cave, destinada a garagem, com o nº 16, com a área de 37,50 m2, do “Bloco B” do edifício sito no lugar …, VN de Famalicão, afecto ao regime da propriedade horizontal.
10 – Por escritura pública constante fls. 34 e segs., celebrado em 8-1-2003, o referido R. José, casado com a R. T. R., declarou comprar e a sociedade “Construtora X, Lda.” declarou vender-lhe as referidas fracções “K” e “R”.
11 – O prédio onde se situam as referidas fracções, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº …, foi adquirido, em 9-3-1995, por “Construtora X, Lda.” a Maria e a H. T..
12 – A “Construtora X, Lda.” sujeitou o referido prédio ao regime da propriedade horizontal por escritura celebrada em 7-2-1996, constante de fls. 36 e segs..
13 – Consta do documento complementar anexo à escritura pública de constituição da propriedade horizontal do referido prédio, designadamente, o seguinte:

“a) FRACÇÃO “J” - Rés-do-chão, lado direito, entrada poente, destinada a comércio, com uma divisão e um WC, de área 138m2, à qual atribuem o valor de cinco milhões e quatrocentos mil escudos a que corresponde o valor relativo de noventa milavos;
b) FRACÇÃO “K” - Rés-do-chão, lado esquerdo, entrada poente, destinada a comércio, com uma divisão e um WC, de área 138m2, à qual atribuem o valor de cinco milhões e quatrocentos mil escudos a que corresponde o valor relativo de noventa milavos;
c) FRACÇÃO “Q” - Divisão na cave, destinada a garagem, com uma divisão ampla, de área 41m2, designada pelo número dezassete, à qual atribuem o valor de trezentos e sessenta mil escudos a que corresponde o valor relativo de seis milavos;
d) FRACÇÃO “R” - Divisão na cave, destinada a garagem, com uma divisão ampla, de área 37,50m2, identificada pelo número dezasseis, à qual atribuem o valor de trezentos e sessenta mil escudos a que corresponde o valor relativo de seis milavos.
14 – Em 21-3-1996 foi registada a constituição da propriedade horizontal do referido edifício.
15 – Desde a data da aquisição das fracções “J” e “Q”, a A. Maria e seu falecido marido H. T. e, subsequentemente, após a morte deste, também os AA. Maria e M. T., vêm pagando as contribuições do condomínio e os impostos referentes às aludidas fracções.
16 - Desde a data da aquisição da fracção “J”, destinada a comércio, a A. Maria e seu falecido marido H. T. e, subsequentemente, após a morte deste, também os AA. Maria e M. T., vêm ocupando e utilizando a mesma, dentro dos limites fixados pelas paredes que a dividem das restantes fracções e partes comuns do edifício.
17 – Fazem-no à vista de toda a gente, de forma continuada, na convicção de não serem lesados direitos de outrem e na convicção de serem proprietários das referidas fracções “J” e “Q”.
18 – As paredes da fracção “K” encontram-se construídas de forma a que no seu interior se encontram incluídos 48 m2 da área atribuída à fracção “J”.
19 – Sendo que a área efectivamente ocupada pela fracção “J” é de 97 m2 e a efectivamente ocupada pela fracção “K” é de 192 m2.
20 - As paredes da fracção “R” encontram-se construídas de forma a que no seu interior se encontra abrangida a totalidade dos 41 m2 atribuídos à fracção “Q”.
21 – Sendo que a área efectivamente ocupada pela fracção “R” é de 82 m2 e a ocupada pela fracção “Q” é de 0 m2.
22 – As paredes que dividem as fracções “K” e “J”, bem como as paredes que dividem a fracção “R” das restantes fracções e áreas comuns, foram construídas pela “Construções X, Lda.”, na data em que o prédio foi construído, não tendo sofrido alteração até à presente data.
23 – Em data não concretamente apurada, mas situada cerca de 1 ano depois de o R. José ter adquirido as fracções “K” e “R”, a A. Maria transmitiu-lhe que o mesmo se havia apoderado da totalidade da área referente à fracção “Q” e de parte da área referente à fracção “J”.
24 – Nessa altura, o R. José procedeu à mediação da área das fracções “K” e “R”, tendo então constatado que as mesmas apresentavam uma área superior à constante das certidões de registo predial e da escritura de constituição da propriedade horizontal.
25 – O R. José recusou entregar ou desocupar qualquer área das referidas fracções “K” e “R”.
26 – O valor locativo mensal da fracção “J” ascende a 2 € por metro quadrado.
27 – O valor locativo mensal da fracção “Q” ascende a 1 € por metro quadrado.
28 – Antes de os RR. adquirirem as fracções “K” e “R”, as mesmas foram-lhes mostradas pelo legal representante de “Construtora X, Lda.”
29 – Nessa ocasião, as fracções “K” e “R” apresentavam a configuração que ainda hoje apresentam, mantendo-se as respectivas paredes no mesmo local.
30 – Tais fracções apresentavam as áreas que têm hoje.
31 – Os RR. não alteraram as paredes divisórias das fracções “K” e “R”.
32 – Os RR. adquiriram as referidas fracções acreditando que as mesmas se constituíam pelo que então lhes foi apresentado, desconhecendo que podiam estar a lesar interesses alheios.
33 – Desde a data da aquisição da fracção “K”, os RR. vêm utilizando a mesma, com a na totalidade da área e com a configuração que a mesma apresenta, arrendando-o e auferindo a respectiva remuneração.
34 – E fechando-a quando não está a ser utilizada.
35 – Desde a data da aquisição da fracção “R”, os RR. vêm utilizando a mesma, com a na totalidade da área e com a configuração que a mesma apresenta, aí estacionando os seus veículos automóveis.
36 – Os RR. vêm utilizando as referidas fracções, nos moldes acima descritos, desde a data da aquisição das mesmas, de forma contínua, à vista de todos e ignorando lesar direitos de outrem, na convicção de que as mesmas lhes pertencem e de exercerem sobre elas o direito de propriedade.

2.2 – Factos Não provados:

1 - Desde a data da aquisição da fracção “Q”, destinada a garagem, a A. Maria e seu falecido marido H. T. e, subsequentemente, após a morte deste, também os AA. Maria e M. T., vêm ocupando e utilizando a mesma.
2 – As paredes das fracções “K” e “R” foram construídas pelos RR..
3 – Os antepossuidores dos RR. usaram as referidas fracções “K” e “R” para arrendamento e estacionamento de veículos.
4 – Quando o edifício se encontrava em construção, a A. Maria e seu marido H. T. pediram ao legal representante de “Construções X, Lda.” que a parede que divide as lojas que hoje constituem as fracções “J” e “K” fosse colocada como está hoje.
5 – Bem como que as garagens que hoje constituem as fracções “R” e “Q” fossem juntas numa só, com uma única porta de acesso, constituindo a fracção que hoje é a fracção “R”.
6 – Assim foi porque, por troca pelo terreno cedido para a construção do edifício, a A. Maria e H. T. acordaram com “Construções X, Lda.” que receberiam duas lojas e duas garagens.

Se os autores não beneficiam da presunção registral de titularidade do direito de propriedade sobre as referidas áreas

Os AA. alicerçaram a sua pretensão na circunstância de beneficiarem de registo a seu favor das fracções J e Q e também na aquisição originária das fracções com a área que reivindicam, por usucapião.
Os AA. não lograram provar os factos em que assentavam a sua pretensão, no que concerne à usucapião, pois que nunca fruiram nem da fracção Q na sua totalidade, nem da fracção J com a área que reclamam, como se entendeu na sentença recorrida.
Na sentença recorrida entendeu-se dar razão aos AA., considerando-se que a presunção registral abrangia a totalidade da área constante do registo, correspondente à mencionada na escritura de constituição de propriedade horizontal.
Será assim relativamente à presunção resultante do registo?

No âmbito das acções de reivindicação, a prova do direito de propriedade terá de ser feita através de factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio por parte do reivindicante ou de qualquer dos antepossuidores; quando a aquisição for derivada, terão de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, excepto nos casos em que se verifique a presunção legal da propriedade, como a resultante da posse ou do registo (conforme se defende no recente Ac. do STJ de 05.05.2016, proferido no proc. 5562/09, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados, sem indicação da fonte e onde são mencionados no mesmo sentido, os acórdão do STJ de 16.06.83, BMJ 328, p. 546 e de 10.03.98, processo n.º 97A710). Ora, como se referiu o A. fez inscrever a propriedade das fracções J e Q a seu favor no Registo Predial.

Como também se salienta no referido Ac. do STJ de 05.05.2016, ”o registo predial, cujo objecto são factos jurídicos, tem por escopo principal dar a conhecer aos interessados a situação jurídica do bem, garantindo a segurança e genuinidade das relações jurídicas que sobre ele incidam, assegurando que, em regra, a pessoa que se encontra inscrita adquiriu validamente esse direito e com esse direito permanecerá para os seus futuros adquirentes”.

E conforme resulta do art. 7 do C.R.Predial, o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e, pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define. Trata-se de presunção de natureza "tantum juris", ou seja ilidível, susceptível de prova do contrário (artº 350º do CC), como resulta, nomeadamente, do ensinamento dos Professores Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª Ed., 429, e A. Varela R.L.J., 122, a págs. 217 e 218.
Uma vez efetuado o registo, este ganha autonomia em relação ao título a partir do qual foi efetuado.
Se bem que, de acordo com o estatuído no art.º 7.º, do Código do Registo Predial, a inscrição no registo predial faça presumir a titularidade do direito de propriedade, o certo é que essa presunção não abrange a área ou a definição da delimitação física do prédio. Afigura-se-nos ser entendimento pacífico que a presunção resultante da inscrição do direito não abrange a área, limites, estremas ou confrontações dos prédios descritos no registo pois que o registo predial, que não é constitutivo, não tem como finalidade garantir os elementos de identificação do prédio (entre outros, os Acs. do STJ de 27/11/93, 5/7/2001, 4/5/2004, 8/10/2009 e 13/02/2014).
A presunção registral não abarca a composição e as confrontações da descrição predial, cingindo-se à existência do direito registado e à sua titularidade, bem como à existência de eventuais ónus registados e ainda de um núcleo mínimo essencial caracterizador da coisa. E bem se compreende o alcance limitado de tal presunção, na medida em que aqueles elementos da descrição, não são percecionados pelo Conservador do Registo Predial que procede ao registo, antes derivam de declarações dos interessados, ainda que documentadas, mas sem a garantia de fiabilidade dos documentos que titulam a realização dos negócios com eficácia real, por falta da intervenção de uma entidade certificadora e dotada de fé pública na recolha e perceção dos dados de facto que vão instruir as declarações dos interessados.
Por isso, o que consta da descrição do registo predial quanto à área das frações autónomas de que os autores se afirmam donos, não está abrangido pela presunção legal vertida no artigo 7º do Código do Registo Predial (cfr. se defende no A. do TRP de 30/05/2016, proferido no proc. 1817/11, onde também está em discussão a propriedade de um lugar de estacionamento).
A par destes elementos, existem outros que constam das descrições prediais e que integram o âmbito mínimo ou núcleo essencial imprescindível para identificação dos imóveis a que se reportam, sob pena de não ficar a saber-se que concretos imóveis são objecto daquelas descrições e sobre os quais incidem inscrições registrais de direitos – por exemplo, em relação a uma fracção autónoma de um imóvel constituído em propriedade horizontal, o concreto andar em que se situa (1º, 2º, 3º…), se é direito, esquerdo, anterior ou posterior, se possui ou não logradouro exclusivo, se é destinada à habitação, a comércio, a arrumos ou garagem (Ac do TRC de 15.12.2016, proferido no proc.nº 6358/15 ) e onde é citado o Ac. do STJ de 12/2/2008, proferido no âmbito do processo 08A055, onde se escreveu: “Esse núcleo essencial da descrição não pode deixar de estar protegido pela presunção do artigo 7.º sob pena de se presumir a propriedade de coisa nenhuma.
Daí que se no registo um prédio vem descrito como tendo uma área descoberta, ou logradouro, ou como tendo, apenas, um terraço descoberto, tais elementos, – que não limites, áreas precisas, valores, identificação fiscal, confrontações e âmbito – fazem parte do referido núcleo essencial descritivo, que, no fundo são marcas diferenciadoras, ou de identificação, do prédio, que estão a coberto da presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial.” – no mesmo sentido de que a presunção registral deve estender-se aos elementos constantes das descrições prediais e que integram aquele âmbito mínimo ou núcleo essencial de identificação dos imóveis descritos, podem consultar-se os acórdãos do STJ de 19/2/2013, proferido no processo 367/2002.P1.S, de 20/1/2009, proferido no processo 3681/08, de 31/3/2004, proferido no processo 81/04, o acórdão da Relação do Porto de 24/9/2012, proferido no processo 174/09.5TBMDB.P1 e o acórdão da Relação de Coimbra de 18/2/2014, proferido no processo 527/11.9TBFND.C1.

Assim, não beneficiam os AA. da presunção de titularidade de que a fracção J tem a área de 138 m2, nem que a fracção Q tem a área de 41 m2, mas beneficiam da presunção de que são titulares do direito de propriedade relativamente a estas duas fracções. Os autores devem ser considerados, presuntivamente, titulares do direito de propriedade incidindo sobre o espaço destinado a estacionamento que constitui a fracção Q e titulares da fracção J.

Não provando o registo a área da fracção, para que que possa ser reconhecido que determinada fracção tem a área x ou y, terá o titular inscrito de fazer prova da aquisição, por usucapião, da totalidade da área reivindicada, o que os AA. não lograram fazer, como já referimos, pois que nunca utilizaram aquela área, tendo o prédio tido sempre, desde a sua construção, a configuração que apresenta, em desconformidade com o título constitutivo da propriedade horizontal.

Assim, relativamente à pretensão de serem reconhecidos como proprietários da fracção J com a área de 138 m2 a sua pretensão tem de improceder, ficando prejudicada a questão suscitada pelos RR. da aquisição desta área por usucapião.

Quanto à fracção Q, porque os AA. gozam da presunção da titularidade da fracção Q, há que discutir o que de seguida se vai apreciar.

Se os RR. adquiriram a propriedade da fracção Q com a área que apresenta desde a sua construção, por a terem adquirido por usucapião, ilidindo a presunção de que os A. gozam?

Deduzida uma acção de reivindicação, o demandado apenas pode repelir a sua procedência (reconhecimento do direito de propriedade do autor sobre a coisa reivindicada e a sua consequente entrega) com base numa das tomadas de posição:

- impugnando a titularidade de todo ou de parte do direito de que o reivindicante se arroga, alegando que a coisa pertence a outrem (inclusive, a si, contestante), no todo ou em parte (invocando a excepção peremptória de direito material, usucapião), ou não pertence a ninguém (res nullius);

- poderá contestar o seu dever de entrega, sem negar o direito de propriedade do autor, com base em qualquer relação (obrigacional ou real) que lhe confira a posse ou a detenção da coisa.
Este entendimento resulta, além do mais, explicitamente do disposto no art.º 5.º n.º 2, al. a), do mesmo C.Registo Predial, onde se preceitua que a usucapião produz efeitos contra terceiros independentemente de registo e também decorre do art.º 1288.º do C.Civil, segundo o qual os efeitos da usucapião se retrotraem à data do início da posse.
O registo predial como está concebido na nossa lei, é meramente declarativo e destina-se essencialmente a publicitar a situação jurídica dos prédios, nele descritos, o que é feito através de inscrições autónomas e averbamentos a estas, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário, cfr. art.º 1.º do C.Registo Predial,

Vejamos, se os RR. ilidiram a presunção, por terem logrado provar a aquisição por usucapião da totalidade da fracção Q.

A usucapião é uma das formas de aquisição originária dos direitos (reais de gozo, e nomeadamente do direito propriedade), cuja verificação depende de dois elementos: a posse (“corpus/animus)” e o decurso de certo período de tempo, variável consoante a natureza móvel ou imóvel da coisa, e as características da posse, nomeadamente nos termos dos art.ºs 1251.º e segs, 1256.º e segs, 1287.º e 1294.º e segs, todos do C.Civil, sendo que, nos termos do art.º 1297.º do mesmo Código, se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde cessação da violência ou desde que a posse se torne pública.
A posse adquire-se nos termos das diversas alíneas do artº 1263º do CC:

.a) pela prática reiterada com publicidade dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito;
b). pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor;
c) por constituto possessório;
d) por inversão do título da posse.

A aquisição da posse pode ser originária ou derivada. No primeiro caso, a posse do adquirente surge ex novo na esfera da disponibilidade do sujeito, independentemente de uma posse anterior (nem quanto à existência, nem quanto ao âmbito ou conteúdo, nem quanto à extensão nem à área de incidência); dependendo apenas do facto aquisitivo . Na aquisição derivada a posse é transferida do anterior para o actual titular, fundando-se a deste na anterior posse, quanto à existência, ao âmbito ou conteúdo.
O acto de aquisição da posse, originária ou derivada, tem que conter os elementos que a integram, o corpus e o animus.


Os RR. têm vindo a usufruir da fracção Q desde a data em que adquiriram as fracções R e K, ou seja, desde 8.01.2003, de forma contínua, à vista de todos e ignorando lesar direitos de outrem, na convicção de que a mesma lhe pertence e de exercer sobre ela o direito de propriedade. A fracção Q já se encontrava unida à fracção R. desde a data da construção do prédio.

Estando em causa a aquisição por usucapião de uma fracção na sua totalidade, nem sequer se coloca a questão debatida na jurisprudência e na doutrina da possibilidade/impossibilidade de aquisição por usucapião de partes de uma fracção. Na sentença recorrida suscitou-se esta questão relativamente a ambas as fracções, no entanto, relativamente à fracção Q não está em causa a aquisição de uma parte de uma fracção, mas sim da sua totalidade.

No sentido de que não é possível, o Ac. do STJ de 13.12.2007, processo 07ª3023, citado na sentença recorrida, onde se considerou que “na propriedade horizontal, - como bem referido no Acórdão recorrido - o direito de propriedade exclusiva só se pode exercer sobre fracções autónomas, perfeitamente individualizadas no título constitutivo e não sobre partes delas (arts. 1414.º, 1415.º, 1418.º e 1420.º do CC.), pelo que estando a garagem e arrecadação inserida fisicamente no espaço que é pertença dos RR. (fracção “A”), não pode ela operar enquanto a situação de indivisibilidade se mantiver, o que só poderia vir a acontecer se entretanto se tivesse tornado possível a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.

No entanto, a constituição de propriedade horizontal por parte de decisão do Tribunal, como flui do art. 1417.º do CC., só é admissível em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário, a requerimento de consorte, e, mesmo assim, desde que sejam unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública. (requisitos previstos no art. 1415.º do CC.)”. Neste acórdão estava em causa o exercício do poder de facto sobre 21 m2 numa cave que constituía a fracção autónoma A. inscrita em nome do Autor com uma área superior a 21 m2, pelo que estava em questão a aquisição de parte de uma fracção.

No sentido em que a aquisição de parte de uma fração é possível, o Ac. do TRC de 09.05.2006, proferido no proc. 966/06, onde se entendeu ter sido adquirida por usucapião a propriedade de uns arrumos que estavam descritos no título constitutivo da propriedade horizontal como integrando uma determinada fracção. Também no sentido de ser possível a aquisição, por usucapião, tanto de parte de uma fracção autónoma como de uma coisa comum, M.Henrique Mesquita, A propriedade horizontal no Código Civil Português, Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXIII, p. 118.

Vejamos se relativamente à fracção Q – destinada a garagem - decorreu o prazo necessário à aquisição por usucapião.

Entendem os RR. que a sua posse é titulada, porquanto a compra e venda foi celebrada por escritura pública. Diz-se posse titulada aquela que é fundada em qualquer meio legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico. É exemplo de posse titulada a que é fundada num contrato de compra e venda.

De acordo com as alíneas a) e b) do artº 1294º do CC a usucapião tem lugar, havendo título de aquisição e registo deste, quando a posse, sendo de boa fé, tiver durado 10 anos e se, de má fé, tiver durado 15 anos, sempre contados da data do registo. Como o registo foi efectuado em Janeiro de 2003, à data da interposição da acção, 2015, e estão de boa fé, já tinha decorrido o necessário prazo de 10 anos para a usucapião.

Não há dúvidas que entre os RR. E a sociedade X foi celebrado um contrato de compra e venda relativamente às fracções K e R, sendo que estas fracções tinham a área que ainda hoje detém. Foram estas fracções com a área ocupada pelos RR. que a Sociedade construtora vendeu aos RR. e estes compraram.

No entanto, os RR. não dispõem de título relativamente à fracção Q, mas apenas relativamente às frações R e K, pelo que a sua posse não é titulada, e neste caso o prazo para adquirir por usucapião, estando de boa fé, é de 15 anos.
Para poderem adquirir por usucapião, só beneficiando da posse também exercida pelo construtor, uma vez que a posse por si exercida não o foi pelo tempo necessário à usucapião, tendo apenas decorrido 12 anos até à data da citação para a presente ação.

Os apelantes RR. pretendem somar à sua posse a posse exercida anteriormente pela sociedade construtora, referindo-se erradamente, ao que entendemos, ao constituto possessório que é um meio de aquisição da posse (artº 1263º do CC), mas que no caso não tem aplicação. No constituto possessório a posse transmite-se ainda que o transmitente continue a deter a coisa, o que não é o caso.

A figura que está em causa é a prevista no artº 1256º, nº 1 do CC, em vez da prevista no artº 1264º do CC, invocada pelos apelantes. Nos termos do artº 1256º nº 1 do CC aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor. Para poder beneficiar deste instituto terá de alegar e provar actos de posse pelos antecessores.

O normativo apenas exige uma ligação sequencial legítima entre posses, podendo relevar tal ligação para efeitos de usucapião (artºs 1287º C.Civ.) ou, v.g., para efeitos de melhor posse (artºs 1267º nº1 al.d) e 1278º nºs 2 e 3 C.Civ.).As duas posses não têm que ser absolutamente homogéneas (cfr. Durval Ferreira, Posse e Usucapião, § 135, que exemplifica: “assim, o comprador duma fracção de um condomínio pode juntar à sua posse da fracção, a posse anterior do edifício pelo construtor/vendedor, bem como a eventual posse do anterior proprietário/possuidor que ao construtor vendeu o terreno”).

Conforme se defendeu no Ac.S.T.J., de 3/6/92, Bol.418/773, não existem razões que distingam o caso do fraccionamento da propriedade singular ou comum original em fracções autónomas de propriedade horizontal, do seu fraccionamento em unidades autónomas completamente independentes, como acontece na divisão da propriedade rústica, quando possível.

No caso da divisão legal e fisicamente possível em unidades independentes, a posse inicial sobre a coisa transfere-se para as partes em que for decomposta e cada um dos sucessores (acedentes) adquire a posse que o antecessor tinha sobre a respectiva parcela, como parte do todo (cfr. se defende no Ac. do TRG de 26/05/2004, proferido no processo 932/04).
Apurou-se que o prédio onde se situam as referidas fracções, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº …, foi adquirido, em 9-3-1995, pela “Construtora X, Lda.” a Maria e a H. T. e que a “Construtora X, Lda.” sujeitou o referido prédio ao regime da propriedade horizontal por escritura celebrada em 7-2-1996, constante de fls. 36 e segs., onde a fracção R. se encontra descrita com a área de 37,5 m2 e a fracção Q com a área de 41 m2..

Mais se apurou que antes de os RR. adquirirem as fracções “K” e “R”, as mesmas foram-lhes mostradas pelo legal representante de “Construtora X, Lda.” e que já nessa ocasião, as fracções “K” e “R” apresentavam a configuração e área que ainda hoje apresentam, mantendo-se as respectivas paredes no mesmo local, as quais foram erigidas pela “Construções X, Lda.”, na data em que o prédio foi construído, não tendo sofrido alteração até à presente data.

Ora a Construtora X adquiriu o prédio, construiu o prédio com a configuração que o mesmo tem, mostrou as fracções aos RR e vendeu-as, podendo estes factos serem considerados como o exercício de actos de posse sobre o prédio tal como se encontra construído, com animus de proprietário, pois que dispôs do mesmo (artº 1252º, nº 2 do CC).
E tendo em conta que a compra e venda efectuada pela sociedade construtora retroage a 1995, decorreram mais de 15 anos até à data da propositura da presente acção e da citação dos RR.
Note-se que a posse dos RR. é de boa fé, sendo que para efeitos de qualificação como posse de boa fé, o que releva é o conhecimento do possuidor à data da aquisição da posse (artº 1260º, nº 1 do CC).

Os apelados, por sua vez, sustentam que a pretensão dos apelantes só poderia ter acolhimento se a escritura de constituição de propriedade horizontal fosse alterada, não podendo a mesma ser alterada pelo tribunal em sede desta acção e que a pretensão dos apelantes só poderia ser atendida se tivessem deduzido reconvenção. Será assim?

Não se nos afigura que assim seja. Os RR. teriam de ter deduzido reconvenção se pretendessem que o Tribunal declarasse que são donos da fracção K com a área de 191 m2 e da fracção R com a área de 78,5 m2, mas não foi essa a sua pretensão. Os RR. optaram por se defender por exceção, opondo a usucapião, mas sem formular pedido de reconhecimento de propriedade.

Como se defende no Ac. do STJ de 24/10/2006, proc. 06A3284, os RR. podem limitar-se a defender-se por excepção, para tentar convencer da usucapião, sem que sejam obrigados a deduzir reconvenção. Consignou-se no mesmo :

«2) Demonstrada a propriedade e a detenção por outrem a entrega só pode ser obstada com base em qualquer relação obrigacional ou real que legitime a recusa de restituição.
3) Tal relação pode ser invocada por via de exceção - com aceitação dos fundamentos essenciais, ou abstraindo da sua verdade, alegados pelo demandante, mas invocando factos novos que impedem, modificam ou extinguem o direito invocado.
4) Mas também pode ser feito por impugnação motivada, alegando factos opostos, para, por exemplo, tentar convencer de aquisição por usucapião,
sem formulação do pedido cruzado (sublinhado nosso), mas apenas para ilidir a presunção do artigo 7º do Código do Registo Predial.»

Consequentemente, a presunção de que os AA. gozavam foi ilidida, por se ter considerado verificar-se a usucapião relativamente à fracção Q.

O título constitutivo poderá ser alterado nos termos do artº 1422º-A, nº 1 e 2 e 4 do CC, por acto unilateral constante de escritura pública, não sendo necessária a intervenção de todos os condóminos. Se a propriedade horizontal pode ser constituída por usucapião (artº 1417º, nº 1 do CC), também poderá ser alterada através da invocação da usucapião (defendendo esta possibilidade, vide DURVAL FERREIRA, em “Posse e usucapião”, pág. 446-447, da ed. de 2002, da Almedina, apud Ac. do TRC de 9.05.2006).

No sentido de que pode ser adquirido por usucapião um lugar de estacionamento que integrava no título constitutivo outra fracção, o Ac. do TRC já citado de 9.05.2006, proferido no proc. 966/06.

E no sentido de que se pode adquirir por usucapião um lugar de estacionamento diferente do que consta do título de propriedade horizontal, o Ac. do TRP de 30.05.2016, proc. nº 1817/11, que confirmou a sentença recorrida que julgou improcedente o pedido dos AA. de reconhecimento da propriedade de um lugar de estacionamento situado a poente sul e julgou procedente o pedido reconvencional dos RR. no sentido do reconhecimento pelos AA. de que o seu lugar do estacionamento é o situado no lado nascente sul por ter sido o que estes quiseram comprar e sempre utilizaram há mais de 28 anos, embora não fosse o que constava no título constitutivo da propriedade horizontal como afecto à fracção habitacional por eles adquirida.

Assim, deve o recurso proceder, porquanto relativamente à fracção J, o A. não goza da presunção da titularidade da área de 138 m2 e não logrou provar ter adquirido a área que reivindica, por usucapião. Deve ainda proceder, relativamente à fracção Q, porque os RR. lograram provar a aquisição por usucapião desta fracção, ilidindo a presunção resultante do registo predial.

Face ao decidido ficam prejudicadas as demais questões suscitadas, nomeadamente a suscitada no recurso subordinado interposto pelos AA. que dependia da improcedência do recurso interposto pelos RR.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente o recurso principal deduzido pelos RR. e, consequentemente, revogam a decisão recorrida e absolvem os RR. dos pedidos contra si formulados e julgam prejudicado o recurso subordinado interposto pelos AA..
Custas pelos apelados.
Guimarães, 30 de maio de 2018

Helena Melo
Pedro Damião e Cunha
Maria João Matos