Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2855/14.2T8BRG.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
FALSAS DECLARAÇÕES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2016
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: 1- A existência de justa causa está dependente da verificação cumulativa de três pressupostos: (1) o comportamento culposo do trabalhador, (2) a impossibilidade de subsistência da relação e (3) o nexo de causalidade entre o comportamento e a impossibilidade assinalada.
2- A emissão de uma declaração falsa, violando, embora, o dever de boa fé, não é de molde a impossibilitar a subsistência do contrato de trabalho.
Decisão Texto Integral: Procº 2855/14.2T8BRG
Comarca de Braga
Instância Central – Secção do Trabalho

Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães:

B., residente na Rua…., A nos autos à margem referenciados, não se conformando com a sentença proferida, vem dela interpor recurso de apelação.
Pede a respetiva revogação, substituindo-a por outra que julgue totalmente procedente a ação, declarando a ilicitude do despedimento, julgando ainda procedente a reconvenção com todas as consequências
Alega e, seguidamente, conclui (1):
1. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou a ação integralmente improcedente, e em consequência declarar a ilicitude do despedimento por justa causa e bem assim julgou a reconvenção improcedente e absolveu a Ré do pedido.
2. Com o devido respeito que é muito, entende o recorrente que a douta decisão do Tribunal a quo padece de NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO - artigos 615, n.° 1 b
3. A decisão em crise, salvo melhor opinião em contrário, carece de explicação sobre os factos, concretamente sobre a prova na qual a decisão foi sustentada, designadamente no que concerne aos factos integradores do conceito de justa causa,
4. A ausência de fundamentação é por si geradora de nulidade da sentença que também se argui ex vi do disposto na alínea b), do n.° 1, do artigo 668.° do CPC.
5. Preceitua o artigo 615, n.° 1 b) do CPC que “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão’
6. Dispõe o artigo 205°, n.° 1 da CRP que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”
7. O artigo 158° do C.P.C. determina que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentados. 2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
8. O vício resultante dessa não discriminação é a nulidade — artigos 615, n.° 1 b) e 613°, n.°2, do C.P.C.
9. A fundamentação da douta sentença, esta alicerça-se na culpa do autor na produção dos acidentes, eventos estes que já haviam sido apreciados num anterior processo disciplinar que o trabalhador tinha sido alvo um mês antes, no âmbito do qual foi aplicado ao autor uma sanção de repreensão registada, na sua falta de zelo enquanto condutor e trabalhador
10. Sendo que apenas de forma muito vaga, faz referência a declaração elaborada pelo autor em Agosto de 2014, no qual este apenas pugna pela sua falta de culpa na produção do acidente que ocorreu no dia 2 de Dezembro de 2013.
11.Verifica-se uma total ausência de fundamentação no que concerne à especificação quer de facto quer de direito, quanto ao comportamento do autor que comprometeu de forma absoluta e irremediavelmente a relação laboral,
12. Acresce ainda que, no entender do recorrente, incorreu o Tribunal “a quo”, em ERRO DE JULGAMENTO porquanto, incorretamente julgados os factos constantes dos pontos19,21,22 dos factos dados como provados, precisamente ao tê-los dados como provados, e os pontos 1 dos factos dados como não provados, atento ao facto da prova produzida, quer testemunhal quer mesmo documental, impor sobre esses concretos pontos da matéria de facto impugnados uma decisão diversa da recorrida.
13. Deu o Tribunal a quo como provado, no ponto 19 dos factos dados como provados que “A existência deste sinal de stop ou de outro sinal que invertesse as regras de prioridade na rua de onde provinha o veículo terceiro não correspondia à verdade”.
14. Contudo a prova produzida resultou que efetivamente existia de um sinal que invertia as regras da prioridade na rua de onde provinha o terceiro e como tal a este tinha de ser imputada a culpa na produção do sinistro e não ao autor — cfr: declarações do autor B. que se encontram gravadas —CD 11:04:16 a 11:13:28 Sessão do dia 16-09-2015.
15.Já a testemunha João cujo depoimento se encontra gravado CD- 11:50:21 a 12:00:13 do dia 16-09-2015 referiu que: …
16. Também a este respeito a testemunha Paulo cujas declarações se encontram gravadas — cfr cd 12:00:14 a 12:10:12 sessão do dia 16-09-2015 (...)
17. Do cotejo dos extratos da prova que acabamos de transcrever, ao Tribunal a quo impunha-se dar COMO NÃO PROVADO O facto elencado em 19 dos factos dados como provados.
18. Mal andou o tribunal a quo ao dar como provado o ponto 21 da matéria de facto dada como provada, porque na verdade atendendo a globalidade da prova produzida, assim como dos documentos juntos aos autos, DEVERIA O TRIBUNAL TER DECIDO DAR COMO NÃO PROVADO TAL FACTO. - cfr DEPOIMENTO do Autor B. de 11:04:16 a 11:13:28 Sessão do dia 16-09-2015 (...)
19.A testemunha arrolada pelo autor João cujo depoimento se encontra gravado CD- 11:50:21 a 12:00:13 do dia 16-09-2015 prestou declarações e também referiu que no local onde o sinistro ocorreu existia, na rua de onde provinha o terceiro interveniente no acidente de viação que ocorreu em 02 de Dezembro de 2013 um sinal que invertia as regras da prioridade (...)
20.Também a testemunha Paulo cujas declarações se encontram gravadas — quando instando sobre a culpa na produção do sinistro e a existência de sinalética no local referiu que: cfr CD 12:00:14 a 12:10:12 Sessão do dia 16-09-2015 (...)
21. Resulta assim que o autor apenas prestou perante a entidade empregadora uma declaração inexata e não falsa, na medida em que todas as testemunhas cujo depoimento supra se transcreveu referiram que no local onde ocorreu o sinistro de 02 de Dezembro de 2013 existia na rua de onde provinha o terceiro interveniente no acidente sinal vertical que inverte as regras da prioridade.
22.Ao assinar aquela declaração, o trabalhador, não pretendeu enganar a sua entidade empregadora mas sim, pugnar e reafirmar a sua ausência de culpa na produção do sinistro, e defender inclusivamente os interesses da sua entidade patronal, perante a decisão da Companhia de Seguros de atribuir culpa ao autor naquele acidente do dia 2 de Dezembro de 2013., tal como resulta explicado das suas declarações — cfr DEPOIMENTO do Autor B. de 11:04:16 a 11:13:28 Sessão do dia 16-09-2015
23. Também se encontra incorretamente julgado o ponto 22 da matéria de facto dada como provada, ao referir que “a ré apenas teve conhecimento da falsidade destas declarações quando a companhia de seguros lhe comunicou a decisão relativa ao acidente”.
24. Tal incorreção resulta desde logo do facto de o autor em 02 de Dezembro de 2013, ter entregue à Ré uma participação interna do acidente na qual o autor já referia a existência de um sinal de STOP, logo a Ré dela teve conhecimento naquela data, o que resulta quer do acervo da prova documental junta aos autos quer declarações da testemunha da Ré Vânia Barbosa, Guio depoimento se encontra gravado — Sessão do dia 16-09-2015 CD - 11:21:47 a 11:44:42, (...)
25. Assim sendo, o tribunal deveria ter dado como NÃO PROVADOS os factos que deu como provados, mormente os factos descritos em 19, 21, 22, dos factos provados, dando-os como não provados, e, em consonância declarar a ilicitude do despedimento do autor.
26.0 Tribunal a quo deu como não provado que “ O autor sentiu-se desconsiderado no seu brio profissional e pessoalmente assediado em consequência do processo, disciplinar que foi instaurado pela ré”.
27. Contudo do cotejo da prova resultou provado que na sequência do processo disciplinar o autor se sentiu profissionalmente desconsiderado e psicologicamente abatido — cfr declarações do autor, da testemunha João, da testemunha Maria e ainda da testemunha, Paulo.
28. A propósito dos reflexos que o processo disciplinar e a sanção de despedimento tiveram para o autor, este referiu que: cfr DEPOIMENTO do Autor B. de 11:04:16 a 11:13:28 do dia 16-09-2015 (...)
29.A testemunha João cujo depoimento se encontra gravado — CD 11:50:21 a 12:00:13 do dia 16-09-2015, instado sobre esta matéria respondeu que : (...)
30. Como se estes dois depoimentos já não bastasse ainda temos as declarações da testemunha Maria de 12:10:13 a 12:12:26 do dia 16-09-2015, a qual referiu que: (…)
31. De todos estes depoimentos produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento suportados ainda nas regras da lógica e da experiencia, levam a que facilmente se comprove que o autor sofreu com o processo disciplinar danos não patrimoniais, que merecem a tutela do direito. Das regras da experiencia e do senso comum resulta claramente que quem é alvo de um processo disciplinar se sente humilhado, desconsiderado profissionalmente, desonrado, triste etc.
32. O Tribunal recorrido ao ter dado como provados os factos vertidos nos pontos 19,21, 22 dos factos dados como provados e ao ter dado como não provado o único facto do factos dados como não provados INCORREU NUM ERRO DE JULGAMENTO sobre os aludidos concretos pontos de facto, os quais poderão ser alterados por este Tribunal Superior (cfr. artigo 640, n.° 1 ais. a) e b) e 662°, n.°s 1 e 2 do C.P.Civil), pois as aludidas provas testemunhal e documental necessariamente imponham uma decisão diversa.
33. Ao contrário do que foi decidido, o poder disciplinar da Ré quanto aos factos que se discutem no âmbito do processo disciplinar, havia precludido por via da CADUCIDADE.
34. Tendo o Autor entregue no dia 02/1212013 a participação interna com a descrição do acidente ocorrido no próprio dia, tal significa que a Ré só podia ter instruído o processo disciplinar com base nestes factos até 15/0112014, por aplicação do CCT ou, caso este não fosse aplicável, até 02I02I2014, nos termos do CT, sob pena de o exercício do poder disciplinar ser anulável por se encontrar caducado. Cfr. FIs. 13 do Processo Disciplinar junto pela Ré.
35. Ainda que assim não fosse mesmo que a Ré apenas tivesse conhecimento da falsidade das declarações prestadas pelo A, quando a sua companhia de seguros lhe comunicou a decisão relativa ao acidente, ainda assim o poder da Ré mover contra o autor o presente processo disciplinar teria de igual forma precludido por via da caducidade.
36. Com efeito, veja-se que a própria Ré junta aos autos a comunicação com base na qual decidiu instaurar contra o autor o novo processo disciplinar, comunicação esta que data de 6 de MAIO DE 2015!!!!!! Cfr documentos juntos com o requerimento com a ref19633051.
37. Ainda que assim não fosse basta atentar no depoimento da testemunha da Ré Enga. Vânia, cujo depoimento se encontra gravado — Sessão do dia 16-09-2015 CD - 11:21 :47 a 11:44:42, para se facilmente se concluir pela caducidade do processo disciplinar (…)
38. Pelo que dúvidas não restam ao autor que aquando da notificação da nota de culpa em 19.09.2014, esta CADUCADO o direito da Ré a sancionar disciplinarmente a conduta do autor.
39.Acresce ainda que, de toda a factualidade vertida nos presentes autos, é patente a INEXSITENCIA DE FUNDAMENTO PARA A JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
40. É manifesto que o autor não violou qualquer dever a que estava vinculado, nomeadamente os deveres de diligência e de obediência e não causou nenhum prejuízo sério à Ré sua entidade empregadora, e muito menos o fez de forma grave que compromete-se de forma absoluta definitiva e irremediável a relação laboral.
41.0 Tribunal “a quo” concluiu pela existência de comportamento adotado pelo trabalhador passível de ser censurado, traduzido na entrega da declaração em agosto de 2014, e que acarreta a falta de confiança pela sua desonestidade.
42.A declaração que prestou junto da sua entidade empregadora, pese embora possa ter contido, declarações inexatas (as quais foram posteriormente corrigidas pelo trabalhador), e que foram confirmadas em certa medida pela prova testemunhal arrolada no sentido de esclarecer que no local onde ocorreu o acidente, existia um sinal de trânsito que conferia prioridade ao autor, pese embora não ser um sinal de STOP, não pode constituir fundamento de justa causa para despedimento.
43. Na verdade a referida declaração mais não é do que uma manifestação do direito de defesa, manifestação do exercício do direito de liberdade de expressão que não pode ser considerada para integração do conceito de justa causa de despedimento.
44. A proibição de despedimento sem justa causa e a liberdade de expressão são direitos constitucionalmente garantidos, pelo que uma decisão sobre estes aspetos detém, naturalmente, impacto nas situações da vida que as normas que regulam o despedimento e a liberdade de expressão visam regular.
45. É evidente que o Recorrente A não pretendeu prestar falsas declarações com a carta que dirigiu à administração em Agosto de 2014, porquanto a ser esse o seu objetivo não teria logo de seguida pedido desculpas, retratando as de as declarações inexatas que constavam daquele documento.
46.A tudo isto acresce que o trabalhador não detinha qualquer histórico de infrações disciplinares, á exceção de uma reprensão registada que havia sido aplicada no dia 19 de Setembro de 2014 (na qual também foi discutido o acidente de dois de dezembro de 2013), OU SEJA NO MESMO DIA EM QUE LHE FOI NOTIFICADA A NOTA DE CULPA DEDUZIDA NO AMBITO DO PROCESSO DISCIPLINAR que se discutiu nos presentes autos.
47. Assim, da conduta do ora Recorrente A não resultou qualquer comportamento culposo que pela sua gravidade e consequência tornasse praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho entre as partes pelo que não se poderia concluir pela existência de justa causa.
48. Mais resulta não se ter verificado nenhuma situação que pudesse substanciar ou uma situação de deslealdade do trabalhador, ou suscetível de afetar a relação de confiança que deve existir entre trabalhador e empregador, nem tao pouco que pudesse comprometer de forma definitiva e irremediavelmente a relação de trabalho.
49.O sentido das declarações utilizadas pelo trabalhador perante a entidade empregadora, e que servem de fundamento ao despedimento, não podem ser valorizadas abstratamente, mas sim em face do circunstancialismo concreto em que foram prestadas, também é inquestionável que as mesmas devem ser avaliadas de acordo com um padrão objetivo, e não de harmonia com uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada, revelada pelo empregador.
50. Da factualidade apurada a conduta do Autor não é, pois, ilícita e dolosa, já que pelo contexto factual e documental em que surge, revela não um comportamento pensado, querido e executado com plena liberdade e consciência, mas sim um comportamento, pese embora irrefletido e por essa razão posteriormente retratado em face da inexatidão de parte da declarações, de pura defesa do seu bom nome e imagem profissional e de defesa dos interesses do empregador, pois que na verdade a culpa que lhe havia sido atribuída era totalmente inexistência.
51. Resta, pois, concluir pela NÃO VERIFICAÇÃO DE JUSTA CAUSA, sendo ilícito o despedimento promovido pela Ré.
52.O autor recorrente considera ter havido VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE na aplicação da sanção disciplinar de despedimento, porquanto dos factos provados não resulta um prejuízo ou uma qualquer circunstância que pudesse concorrer para a gravidade da sanção aplicada, pelo que o comportamento do Autor e as circunstâncias inerentes à situação não permitiam estabelecer um nexo de proporcionalidade com a sanção que lhe foi aplicada pela R., que por isso devia ter sido considerada injusta e ilícita, por violação do art. 330° do CT.
53. Ora, da análise do elenco documental e factual, parece-nos, que A, tinha motivo atendível para manifestar a não concordância com a atribuição de culpa na produção do sinistro, e a Ré não tinha motivo atendível para aplicar ao autor a sanção mais grave do código de trabalho
54. Acresce ainda que, o processo disciplinar padece está ferido de nulidade por VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DO “NE BIS IN IDEM”.
55. Com efeito, consta do documento n.°2 junto à motivação de despedimento apresentada pela Ré, o autor foi alvo de um processo disciplinar, datado de 23 de Julho de 2015, no qual o autor recorrente foi acusado de ter tido 12 acidentes e incidentes, tendo sido fundamentado numa listagem de processos por agente único, da qual faz parte o acidente ocorrido com a viatura n.°169, em 02 de Dezembro de 2013, pelas 07h55 minutos, na estrada nacional n.°1 01 e que a Ré classificou como sendo “Nresponsabilidade” Cfr FIs 1 do documento n°1 da nota de culpa.
56. Atendendo a que o presente processo disciplinar tem por fundamento uma declaração apresentada pelo autor correlacionada com o acidente de dois de Dezembro de 2013, em que o Autor defende a sua não culpa na produção daquele sinistro, estes autos padecem de nulidade, pois o autor foi sancionado por factos «idênticos» e interligados aos que fundaram a pena de repreensão registada que sofreu no PD de 23/0712014.
57. Refira-se que, no confronto entre as duas decisões punitivas, logo se vê, que a identidade dos factos é total, e como supra se disse a mencionada declaração foi endereçada à Ré ainda na pendencia do primeiro processo disciplinar.
58. Não se encontra justificado porque é que a conduta que foi imputada ao A, é considerada de tal forma grave que comprometa irremediavelmente e de forma definitiva a relação laboral nem tampouco especificado se o trabalhador agiu com dolo o que além de falta de fundamentação configura ainda uma violação do princípio da culpa
59.A decisão proferida no âmbito do processo disciplinar considerou que o arguido praticou infrações ao dever de realizar o trabalho com zelo e diligencia e de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução e disciplina no trabalho, violando os deveres de verdade e zelo, uma vez que assumiu como verdadeiros factos que se vieram a demonstrar ser falsos.
60.Contudo nada mais se diz na referida decisão, sendo certo que não foi tida em consideração a retratação do autor nem a prova de que efetivamente ali existia um sinal que invertia as regras de prioridade o que afastava a culpa do autor na produção daquele sinistro de modo que autor ficou sem saber qual a razão da qualificação da infração como graves.
61.Sendo o despedimento ilícito e a aplicação da SANÇÃO DE DESPEDIMENTO ABUSIVA, há pois que extrair as consequências da declaração de ilicitude do despedimento do Autor que, conforme se alcança de fls., optou pela reintegração,
62. O autor pediu a condenação da Ré na reintegração no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e ainda a pagar-lhe as retribuições que deixar de auferir, desde o despedimento até ao trânsito em julgado (com as legais deduções), sendo os já vencidos no montante de 5756,70€ e bem assim, uma indemnização no montante de 2500,00€ por danos não patrimoniais causados pelo despedimento ilícito.
63. Nesta sede, com relevo para a decisão a proferir, resultou provado que a remuneração do Autor era constituída pelo valor mensal de € 734,63, acrescida de subsídio de agente único no valor de € 183,66, de subsídio de refeição no valor de € 4,27 por cada dia de trabalho e da quantia de € 20,00 a título de abono por falhas;
64. No presente caso, resultou provado que «todo o processo desencadeado pela ré levou a que o autor se sentisse deprimido e angustiado com o seu futuro e o desenlace do mesmo» e que «continua a afetar as suas relações com familiares e amigos, que o veem angustiado e com grande frustração»
65. Resultando, assim, demonstrado que a conduta da ré, para além de ilegal, é censurável em relevante grau, que o trabalhador sofreu danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, e a inquestionada relação de causalidade entre a referida conduta e os aludidos danos.
66.Assim tem a ré de ser condenada NO PAGAMENTO dos créditos peticionados assim como em indemnização pelos danos não patrimoniais.

C.- E.M, com sede na Rua…, Ré na ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, em referência, apresentou as suas contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no qual se manifesta, por um lado, pela rejeição do recurso em matéria de facto e, por outro, pela improcedência da apelação.

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Exaramos, agora, um breve resumo dos autos para cabal compreensão:
O autor B., intentou a presente ação declarativa com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra a ré C. pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento por justa causa a que a ré procedeu.
A ré apresentou articulado motivador do despedimento e juntou o procedimento disciplinar e os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas.
O autor deduziu reconvenção pedindo a condenação da ré a proceder à sua reintegração no posto de trabalho e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final, as quais calcula até ao momento em que formulou o pedido no valor de € 5.756,70 (cinco mil setecentos e cinquenta e seis euros e setenta cêntimos), e uma indemnização pelos danos não patrimoniais que lhe foram causados, no valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, finda a qual se proferiu sentença que decidiu:
1. Julgar a presente ação integralmente improcedente e, em consequência, declarar a licitude do despedimento por justa causa a que a ré procedeu;
2. Julgar a reconvenção integralmente improcedente e, em consequência, absolver a ré dos pedidos contra si formulados.

***

As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – A sentença é nula?
2ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
3ª – O poder disciplinar precludiu por via da caducidade?
4ª – Inexiste justa causa?
5ª – A sanção é desproporcional?
6ª – O processo disciplinar está ferido de nulidade por violação do princípio ne bis in idem?
7ª A R. deve ser condenada na reintegração, no pagamento dos créditos peticionados e indemnização por danos não patrimoniais?

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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Razões de lógica processual levam-nos a iniciar a discussão subjacente ao presente recurso pela questão que enunciámos em 2º lugar – o erro de julgamento da matéria de facto.
Pretende o Apelante que estão incorretamente julgados os factos constantes dos pontos 19, 21 e 22 dos factos dados como provados, precisamente ao tê-los dados como provados, e o ponto 1 dos factos dados como não provados, atento ao facto da prova produzida, quer testemunhal quer mesmo documental, impor sobre esses concretos pontos da matéria de facto impugnados uma decisão diversa da recorrida.
O Ministério Público pronuncia-se pela rejeição do recurso nesta sede em razão de não terem sido cumpridos, por parte do Recrte., todos os ónus consignados no Artº 640º do CPC, muito concretamente por não ter sido estabelecida a correspondência entre os pontos que assinala e a sua localização nos articulados.
Compulsados os autos constatamos que os mesmos se tramitaram sem dependência de elaboração de qualquer questionário ou, sequer, enunciação dos temas da prova. Assim, os concretos pontos de facto submetidos a julgamento só puderam ter sido os constantes dos articulados respetivos.
É certo que o Recrte. não faz qualquer correspondência entre os pontos de facto enunciados – enunciação feita a partir da numeração constante do ordenamento da matéria fática na sentença – e a matéria articulada.
Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa e, bem assim, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (Artº 640º/1 do CPC).
Como se escreveu no Ac. do STJ de 3/12/2015, proferido no âmbito do Procº 1348/12.7TTBRG que incidiu sobre uma decisão da nossa autoria, “cabe a quem recorre da matéria de facto, identificar o facto, que em concreto foi dado como provado (ou não provado) e que não deveria ter sido dado como tal, identificar a prova que apontava em sentido oposto, ou, pelo menos, em sentido diferente, e apresentar o facto tal como deveria ter sido dado como provado”, pois “existe atualmente um inequívoco e exigente ónus de alegação por parte de quem recorre”.
Os concretos pontos de facto submetidos a julgamento foram os constantes dos articulados apresentados pelas partes, pelo que é com referência aos concretos artigos que a impugnação se deve realizar.
É sobre a resposta dada a tal matéria que se pode aquilatar do bem ou mal fundado da decisão de provado ou não provado. É relativamente aos pontos de facto articulados ou quesitados que deve ser proferida uma decisão e, logo, é essa decisão que pode ser impugnada. Deste modo, a decisão que deve ser proferida sobre as questões impugnadas, é a decisão de provado ou não provado relativamente à matéria articulada ou quesitada.
Assim, a impugnação da matéria de facto não tendo, como no caso concreto, sido elaborados quesitos, faz-se por referência aos artigos das peças respetivas, porquanto aí se encontra a base que serviu de mote ao julgamento. E não por referência à enumeração constante da sentença.
E, assim, em sede de impugnação, o recorrente terá que indicar os artigos que tem por incorretamente julgados, pois é aí que estão os concretos factos que, tendo sido alegados, foram submetidos a julgamento. E é a decisão que tais pontos de facto mereceram que pode ser impugnada.
Ora, no caso em apreciação, o Recrte. limita-se a invocar a numeração que, na sentença, foi dada ao acervo factual, não estabelecendo qualquer correspondência entre a mesma e os artigos eventualmente mal julgados. Nem nas conclusões, nem na precedente alegação.
Pergunta-se então, o julgamento efetuado deveria ir ao encontro de que matéria concretamente articulada/quesitada? Relativamente a esta matéria, a prova impunha que respostas?
Em presença das conclusões de recurso – e, bem assim, da alegação que as precede – não descortinamos resposta a esta questão.
Falhou, pois, a indicação dos concretos pontos de facto incorretamente julgados com menção das concretas respostas aos mesmos em presença da pretendida reapreciação.
Assim, a decisão não pode ser senão a da rejeição do recurso nesta sede.

Mas, não obstante este entendimento, não deixaremos de dizer que a pretensão do Recrte. nesta sede, considerada a matéria enunciada e as provas indicadas, não pode proceder.
Em causa estão os pontos 19, 21 e 22 e a matéria não provada sob o ponto 1, ou seja:
19. A existência deste sinal de stop ou de outro sinal que invertesse as regras de prioridade na rua de onde provinha o veículo terceiro não correspondia à verdade;
21. O autor fez uma declaração falsa à ré quando afirmou, por duas vezes, que a rua de onde provinha o veículo terceiro tinha um sinal de stop;
22. A ré apenas teve conhecimento da falsidade destas declarações quando a sua companhia de seguros lhe comunicou a decisão relativa ao acidente;
1. O autor sentiu-se desconsiderado no seu brio profissional e pessoalmente assediado em consequência do processo disciplinar que foi instaurado pela ré.
Ora, compulsados os diversos depoimentos invocados, deles não emerge o contrário de quanto se decidiu.
O que está em causa é dar como não provado que existisse a sinalética, que o A. fez uma declaração falsa, que a R. soube da falsidade quando lhe foi comunicado pela seguradora a decisão relativa ao acidente e como provada a desconsideração pelo procedimento disciplinar. Relativamente a esta matéria, o depoimento do A. não traz nenhum apport. Aliás, deste depoimento resulta assumida a declaração à empresa e na participação do acidente da existência de um stop, bem como o reconhecimento de que o stop não existe. Fala o A. vagamente de um sinal de prioridade, o que se traduziria no mesmo efeito que a existência de um stop. Também o colega João Carvalho nada declara que possa suportar a decisão pretendida. Fala de uma estrada principal onde sempre passou e nunca deu prioridade àquela estrada secundária. Se havia lá stop naquela altura não sabe. Declarou que o A. se sente mal, em baixo por causa do procedimento. Paulo declarou, por sua vez, que não fazia sentido ele ser o culpado do acidente. Presume que havia ali um stop. Que se recorde todos os veículos ali param naquela entrada, pois o autocarro tapa-lhes a passagem. Por outro lado, e relativamente ao depoimento de Vânia, dir-se-á que é diferente a empresa saber que o A. fez uma determinada declaração e saber que tal declaração é falsa. E o seu depoimento não é conclusivo quanto à data em que a empresa tem conhecimento da falsidade, muito embora refira que tem ideia que em Maio de 2014 a seguradora concluiu as averiguações. É, porém, clara, quanto à inexistência da invocada sinalética. Quanto à testemunha Maria, é claro que vinha com um depoimento encomendado, tanto que nem deixava que lhe fizessem as perguntas. Referiu que o A. não anda muito bem, porque está despedido e não ganha. Por fim, Paulo sabe que tudo isto o afetou muito e que ele nunca mais foi o mesmo.
Como se vê, a impugnação é manifestamente infundada.

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Factos provados:
Resultaram provados os seguintes factos:
1. O autor foi admitido ao serviço da ré por contrato de trabalho a termo certo, com início no dia 31 de Dezembro de 2012;
2. Este contrato foi celebrado pelo período de doze meses;
3. Neste contrato de trabalho consta como motivo para a sua celebração a termo a necessidade de colmatar, de forma temporária e de duração imprevisível, as necessidades de serviço advindas de várias situações de ausência por doença, aliadas ao facto de o processo de reestruturação da rede ainda não se encontrar concluído;
4. O autor foi admitido ao serviço da ré para prestar a atividade correspondente ao serviço de motorista - agente único;
5. No dia 1 de Janeiro de 2013, o contrato de trabalho do autor renovou-se por um novo período de doze meses;
6. No período de cerca de dois anos, o autor teve diversos incidentes e acidentes no exercício da sua atividade de motorista;
7. Em consequência destes incidentes e acidentes, o autor foi sujeito a um processo disciplinar em que lhe foi aplicada a sanção disciplinar de repreensão registada;
8. Após este processo disciplinar, a ré instaurou outro processo disciplinar contra o autor;
9. Neste processo disciplinar, a ré deduziu contra o autor a nota de culpa que consta de fls. 60 e 61 dos presentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
10. Esta nota de culpa foi deduzida no dia 19 de Setembro de 2014;
11. O autor foi notificado desta nota de culpa no dia 26 de Setembro de 2014;
12. Neste processo disciplinar foi aplicada ao autor a sanção de disciplinar de despedimento por justa causa;
13. O autor foi notificado da decisão final proferida neste processo disciplinar no dia 5 de Dezembro de 2014;
14. No dia 2 de Dezembro de 2013, pelas 7.55 horas, quando estava a realizar o percurso correspondente à Linha nº58, o autor esteve envolvido num acidente;
15. Este acidente foi apreciado no anterior processo disciplinar a que o autor foi sujeito;
16. O autor informou a ré que o veículo terceiro provinha de uma rua que tinha um sinal de stop, tendo preenchido uma participação interna relativa a este acidente com esta informação;
17. O autor entregou esta participação interna à ré no dia 2 de Dezembro de 2013;
18. No dia 21 de Agosto de 2014, o autor apresentou à ré uma declaração e uma fotografia em que mantinha esta informação e mencionava a existência do referido sinal stop;
19. A existência deste sinal de stop ou de outro sinal que invertesse as regras de prioridade na rua de onde provinha o veículo terceiro não correspondia à verdade;
20. As companhias de seguros da ré e do veículo terceiro procederam à averiguação do acidente e concluíram que a rua de onde provinha este veículo não tinha qualquer sinal de stop ou outro sinal que invertesse as regras de prioridade, pelo que o acidente tinha sido da culpa exclusiva do autor;
21. O autor fez uma declaração falsa à ré quando afirmou, por duas vezes, que a rua de onde provinha o veículo terceiro tinha um sinal de stop;
22. A ré apenas teve conhecimento da falsidade destas declarações quando a sua companhia de seguros lhe comunicou a decisão relativa ao acidente;
23. Na altura em que lhe foi aplicada a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, o autor auferia a retribuição mensal de € 734,63, acrescida de subsídio de agente único no valor de € 183,66, de subsídio de refeição no valor de € 4,27 por cada dia de trabalho e da quantia de € 20,00 a título de abono por falhas;
24. A ré é associada da ANTROP - Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Passageiros;
25. O autor é filiado no STRUP - Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, o qual integra a FESTRU - Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos.

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FUNDAMENTAÇÃO DAS QUESTÕES JURÍDICAS:

É chegado o momento de abordarmos a questão enunciada em 1º lugar – a nulidade da sentença por falta de fundamentação.
Conforme alega o Ministério Público junto desta Relação, decorre do que dispõe o Artº 77º/1 do CPT que a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
Compulsados os autos, verificamos que não foi este o procedimento utilizado pelo Recrte., que apenas no corpo das alegações invocou a aludida nulidade.
Tanto basta para que não se conheça da questão.
Na verdade, e conforme é jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “a referida arguição, no texto da alegação do recurso, é inatendível por intempestividade, já que não respeita o regime previsto no n.º 1 do artigo 77.º citado, no que toca...ao modo de arguição de nulidade” (Ac. de 9/12/2010, proferido no âmbito do Procº 254/06.9TBGDL.E1.S1, publicado em www.dgsi.pt).
Termos em que não se conhece da questão.

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A 3ª questão – caducidade - dependia da procedência da questão apreciada em primeiro lugar. Visto que esta claudicou, ficam prejudicados quaisquer considerandos.

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Passamos, assim, a deter-nos sobre a questão elencada em 4º lugar – a inexistência de justa causa.
A causa do despedimento assentou na emissão de uma declaração falsa relativamente à existência de um sinal de stop.
O despedimento é ilícito se o motivo justificativo do mesmo for declarado improcedente (Artº 381º/b) do CT).
Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (Artº 351º/1 do CT).
A existência de justa causa está dependente da verificação cumulativa de três pressupostos: (1) o comportamento culposo do trabalhador, (2) a impossibilidade de subsistência da relação e (3) o nexo de causalidade entre o comportamento e a impossibilidade assinalada.
A culpa do trabalhador para efeitos de justa causa depende da comissão pelo mesmo de alguma infração disciplinar, pressupondo uma ação ou omissão imputável ao trabalhador a título de culpa e violadora de algum dever a que, como trabalhador, o mesmo está sujeito.
Porém, o comportamento culposo não é suficiente para efeito de justa causa. A lei exige que o mesmo e as respetivas consequências se revistam de uma tal gravidade que comprometa a subsistência da relação.
Para efeito de determinação desta gravidade há que atender a critérios de razoabilidade especificados na lei ou seja, conforme decorre do que dispunha no Artº 12º/5, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
É, assim, imperioso, que se possa concluir pela irremediabilidade na rutura da relação de trabalho, o mesmo será dizer pela inexigibilidade de manutenção do contrato, ou seja, existe justa causa “quando o estado de premência do despedimento seja de julgar mais importante que os interesses opostos na permanência do contrato” (Ac. STJ de 14/03/00, CJASTJ, T. I, 2000, 280).
“Existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele importa, sejam de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador” (idem).
Ou, numa outra formulação, “verifica-se impossibilidade prática da subsistência da relação laboral quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, suscetível de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele” (Ac. STJ de 21/03/2014, www.dgsi.pt).
No caso concreto, ponderou-se na sentença que “A conduta do autor traduziu-se numa infração disciplinar. Esta conduta violou o dever geral de boa-fé na execução do contrato de trabalho, consagrado no art. 126º nº1 do Cód. Do Trabalho. Este dever está subjacente aos deveres dos trabalhadores enumerados no art. 128º nº1 do Cód. Do Trabalho. Tal como acontece com o caso paralelo do art. 762º nº2 do Cód. Civil, também no art. 126º nº1 do Cód. do Trabalho está em causa um 'arquétipo de conduta social: a lealdade nas relações, o proceder honesto, esmerado e diligente'. Como decidiu o Ac. da Relação de Coimbra de 5 de Dezembro de 2012, 'a confiança entre o empregador e o trabalhador desempenha um papel essencial nas relações de trabalho, tendo em consideração a forte componente fiduciária daquelas; com efeito, a relação jus laboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança na pessoa contratada'.
A isto acresce que esta conduta foi culposa e tem gravidade suficiente para integrar o conceito de justa causa, sendo certo que, como referimos, não pode aceitar-se que um motorista profissional preste uma informação falsa
relativamente a um acidente em que esteve envolvido para atribuir a responsabilidade pelo sucedido ao condutor do veículo terceiro.
Finalmente, é forçoso concluir que a conduta do autor torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, não podendo deixar de salientar-se que já tinha sido aplicada ao autor uma sanção disciplinar de repreensão registada.”
Efetivamente, invocando a existência de um sinal stop que, a final, não existia, o trabalhador deixou de atuar com a lisura devida, proferiu uma declaração falsa com o que violou um dever contratual.
A questão está em saber se a violação deste dever é de molde a por termo ao contrato de trabalho ou, como dissemos acima, se esta violação é de tal forma grave que compromete a manutenção da relação laboral.
Sendo uma evidência que a confiança enforma o contrato de trabalho, também o é que estamos muito longe daquelas situações em que tal confiança cai por terra, como por exemplo, situações de apropriação ilegítima de bens, falsificação de dados com prejuízo para o empregador, etc.
Não podemos deixar de constatar que a R. imputa ao Trabalhador a violação dos deveres consignados no Artº 128º/1-c) e e) do CT (Artº 20º do articulado motivador). Ou seja, violação dos deveres de zelo e diligência e obediência.
Da violação deste não existe qualquer prova. Subsiste o de zelo, acrescido da existência de um registo disciplinar anterior, mas ainda assim, uma repreensão registada aplicada também por causa do acidente que deu azo à emissão da declaração falsa.
No caso concreto, sendo, embora, a situação grave, não se nos afigura que a manutenção deste contrato de trabalho possa ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador.
Não há prova de algum prejuízo para a Empregadora ou que a sua imagem possa ter ficado afetada de algum modo e nem isso foi imputado ao arguido.
Não deixa de ser estranho que, tendo o acidente que ocasionou a declaração ocorrido em 2/12/2013, e tendo tal acidente dado azo a um procedimento disciplinar no qual foi aplicada uma sanção, apenas em 19/09/2014 se venha acusar o trabalhador de fazer uma declaração falsa a propósito de tal sinistro.
Ora, pressuposto do conceito de justa causa, tal como ela é definida pelo Artº 351º/1 do CT é que o comportamento seja de tal modo grave e tenha reflexos tais que impossibilite a subsistência da relação de trabalho.
Aliás, muito recentemente o STJ se pronunciou relativamente a um acórdão também relatado por nós neste sentido, decidindo que “resultando embora provado que a conduta global da autora é censurável e assume relevância disciplinar, por violação, nomeadamente dos deveres de obediência, zelo e diligência, se a mesma apenas se consubstancia em factos que traduzem um conjunto de incúrias (não se tendo provado, para além do mais, que a conduta da autora tivesse provocado qualquer prejuízo à ré, nem que a mesma tivesse qualquer propósito ilícito), não é razoável nem proporcional sancioná-la com a mais grave das sanções disciplinares…” (Ac. 7/04/2016, relatado por Mário Belo Morgado).
Em presença do acervo factual acima descrito, não vislumbramos tal gravidade e consequências. Não só porque a conduta não é, objetivamente tão grave quanto o pressuposto pela norma, como porque não assumiu consequências drásticas, como ainda porque o tempo que mediou entre a declaração e a acusação indica claramente a possibilidade de manutenção do vínculo.
Procede, deste modo, a questão em apreciação.

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A resposta dada à questão anterior deixa antever a resposta à 5ª questão enunciada – a da desproporcionalidade da sanção. A conclusão a retirar é no sentido positivo.
Na verdade, um dos princípios que enformam o poder disciplinar laboral é o da proporcionalidade. Nessa medida, qualquer sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator (Artº 330º/1 do CT).
O despedimento sem indemnização é a mais grave das sanções disciplinares (Artº 328º/1 do CT), constituindo justa causa o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Donde, como acima dissemos, o comportamento culposo, ou seja, violador de algum dos deveres laborais, não é suficiente para efeito de justa causa, exigindo a lei que o mesmo e as respetivas consequências se revistam de uma tal gravidade que comprometa a subsistência da relação.
Em presença dos factos cuja prova se obteve esta gravidade não está cabalmente demonstrada.

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Em 6º lugar indaga-se ainda se o processo disciplinar está ferido de nulidade por violação do princípio ne bis in idem.
A matéria fática não é reveladora de uma tal conclusão, pelo que esta questão improcede.

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Por último, as consequências da inexistência de justa causa - a R. deve ser condenada na reintegração, no pagamento dos créditos peticionados e indemnização por danos não patrimoniais?
O A. peticionou a declaração de ilicitude do despedimento e, em consequência, a sua reintegração no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, bem como a condenação da Ré no pagamento das retribuições que deixar de auferir, desde o despedimento até ao trânsito em julgado (com as legais deduções), sendo os já vencidos no montante de 5756,70€ e, bem assim, no pagamento de indemnização no montante de 2500,00€ por danos não patrimoniais causados pelo despedimento ilícito.
Peticionava ainda que se declarasse que em 31/12/2012, entre o Autor e a Ré foi celebrado um contrato de trabalho sem termo.
Esta questão não foi conhecida na sentença por ter sido considerada prejudicada pela solução dada à questão do despedimento.
Foram ouvidas as partes sobre a possibilidade de a mesma vir a ser conhecida neste ato.
Por sua vez, a R. opôs-se à reintegração, sem que, contudo, alegasse algum facto capaz de sustentar a oposição. Ora, conforme emerge de quanto se dispõe no Artº 392º/1 do CT, o pedido há-de ter por fundamento factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa.
Na falta de alegação de algum facto capaz de sustentar o pedido, este improcede.
Deter-nos-emos, agora, sobre a questão da qualificação do contrato, questão que é essencial para determinar as consequências da ilicitude, conforme decorre do confronto entre quanto se prescreve nos Artº 389º a 392º e 393 do CT.
Alegou o então Recvte. que o contrato de trabalho junto pela Ré como documento 1 do respetivo articulado deve considerar-se celebrado sem termo, por serem claramente insuficientes as referências ao motivo justificativo do termo, de acordo com o disposto nos artigos 140º, 141º, nº 3 e 147º, nº 1 do CT. De facto, os motivos indicados na cláusula 3ª do contrato de trabalho do Autor são vagos e inconclusivos, não permitindo aferir da respetiva validade, não preenchem o conceito de "necessidade temporária da empresa", constante do artigo 140º do CT: não é indicada a substituição direta, nem indireta de um trabalhador; a atividade da empresa não é sazonal; não foi lançado novo serviço com carreiras experimentais que tivessem sido encerradas em dezembro de 2014.
Com efeito, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação indicada e o termo estipulado, sendo que a obrigatoriedade de indicar a razão justificativa do termo visa prevenir eventuais divergências entre as partes, permitir o exercício da atividade fiscalizadora por parte das entidades responsáveis nessa área, permitir que o trabalhador fique esclarecido sobre as razões que determinam a precariedade do seu emprego, dando-lhe a possibilidade de aferir da validade das mesmas e de as discutir em juízo.
A R. não deduziu oposição a este pedido, nem se manifestou sobre a respetiva causa de pedir.
Provou-se que o contrato foi celebrado pelo período de doze meses e nele consta como motivo para a sua celebração a termo a necessidade de colmatar, de forma temporária e de duração imprevisível, as necessidades de serviço advindas de várias situações de ausência por doença, aliadas ao facto de o processo de reestruturação da rede ainda não se encontrar concluído.
Cabia à Empregadora, por um lado, convencer da não vacuidade do motivo justificativo do termo e, por outro, da verdade subjacente á contratação.
Nenhuma destas atividades foi levada a cabo, pelo que sufragamos a tese defendida pelo Trabalhador de que estamos em presença de contrato sem termo, dado o disposto no Artº 147º/1-a), b) e c).
Podemos, então, avançar para a determinação das consequências da ilicitude.
Segundo o disposto no Artº 389º/1 e 390º do CT, sendo o despedimento declarado ilícito o empregador é condenado em indemnização por todos os danos causados, na reintegração, sem prejuízo da categoria e antiguidade e em compensação traduzida nos denominados salários intercalares.
Vem peticionada a reintegração no posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, pedido este que procede.
Pede-se também a condenação da Ré no pagamento das retribuições que deixar de auferir, desde o despedimento até ao trânsito em julgado (com as legais deduções), o que também procede.
Por último, reclama-se indemnização no montante de 2500,00€ por danos não patrimoniais causados pelo despedimento ilícito.
Na falta de prova de qualquer dano, a indemnização não é devida.

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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência e na revogação da sentença:
a) Declarar a ilicitude do despedimento e
b) Condenar a Empregadora a reintegrar o Trabalhador no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade e categoria e no pagamento das retribuições deixadas de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da ação, a liquidar em execução futura (com as deduções legais).
c) Absolver a Recvdª do pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
Custas pro ambas as partes, na proporção de 1/10 para o Apelante e 9/10 para a Apelada.
Notifique.
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Elabora-se o seguinte sumário (2):
1- A existência de justa causa está dependente da verificação cumulativa de três pressupostos: (1) o comportamento culposo do trabalhador, (2) a impossibilidade de subsistência da relação e (3) o nexo de causalidade entre o comportamento e a impossibilidade assinalada.
2- A emissão de uma declaração falsa, violando, embora, o dever de boa fé, não é de molde a impossibilitar a subsistência do contrato de trabalho.

____________________________________________
MANUELA BENTO FIALHO


_____________________________________________
ALDA MARIA DE OLIVEIRA MARTINS (vencida)


_____________________________________________
SÉRGIO ALMEIDA


(1) Expurgámos as conclusões do teor dos depoimentos invocados, atividade que deveria ter sido levada a cabo pelo Apelante, dado o convite que lhe foi formulado
(2) Da autoria da Relatora


DECLARAÇÃO DE VOTO
Tendo em conta os antecedentes disciplinares, a intensidade do dolo, a natureza da infracção em referência às funções do trabalhador de responsabilidade no transporte de passageiros e repercussão na imagem da empregadora junto de terceiros, manteria a sentença.