Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
184/16.6T8VPC-D.G1
Relator: HEITOR GONÇALVES
Descritores: INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
NOMEAÇÃO SOB PROPOSTA DO INSOLVENTE
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (do relator):

1. O direito à remuneração do administrador da insolvência estabelecido no artigo 60º, nº1, do CIRE, e no art. 22º da referida Lei 22/2013, envolve uma componente fixa (art. 23º, nº1, da Lei 22/2013, e art. 1º da Portaria 51/2005), e uma componente variável “em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente”;

2. Se o administrador de insolvência nomeado pelo Juiz fica sujeito aos mesmos deveres legais e tem de executar as mesmas tarefas nos processos que lhe são confiados, nenhuma razão objectiva e razoável justifica que a remuneração seja limitada à componente fixa apenas em função da circunstância de na nomeação ter sido levado em conta o nome proposto pelo devedor;

3. Essa é a regra geral, pois o administrador de insolvência também pode ser nomeado pelos credores na assembleia, substituído o administrador em funções, nas condições previstas no artº 53º, nº1, do CIRE – sendo apropriado dizer-se que nesses casos a iniciativa da nomeação não é do Juiz mas sim dos credores, e a remuneração é a fixada pelos credores, em vez de obedecer aos critérios definidos no artigo 23º, nº1 e 2, da Lei 22/2013, e na Portaria 51/2005.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – No âmbito da prestação das contas finais no processo de insolvência de Maria, o Administrador de Insolvência apresentou o cálculo dos seus honorários variáveis do montante global de 7.368,64€, mas o Sr. Juiz, secundando o parecer do MºPº, decidiu que não havia lugar ao pagamento da remuneração variável por não se mostrerem preenchidos os pressupostos dos artigos 23º, nºs 1 e 2, da Lei nº 22/2013, de 26.02.

II- O Administrador de Insolvência, A. S., interpôs recurso dessa decisão.
No essencial e em síntese, conclui o recorrente que a nomeação do administrador de insolvência é da competência do Juiz (artigo 52º, nº1, do CIR) podendo essa nomeação recair ou não na pessoa indicada na petição, e da conjugação dos arts 60º do CIRE e 22º e 23º da lei 22/2013, de 26.06, decorre o seu direito à remuneração, constituida por uma compnente fixa cujo montante é determinado por referência ao nº1 da Portaria nº. 51/2005, de 201.01, e por uma componente varíável determinável por referência às tabelas anexas à mesma portaria.

Nas contra-alegações, o Ministério pugna pela improcedência do recurso. Argumenta que ao defender-se a tese de que a remuneração variável deverá ser sempre atribuída ao A.I. esvazia-se de conteúdo o artigo 23º, nº2, da lei 32/2013, de 26.02 e que “caso fosse intenção do legislador, para efeitos de atribuição de remuneração variável do administrador de insolvência, igualar a situação em que o administrador de insolvência é beneficiado com a indicação pelo requerente com os casos de seleção oficiosa e aleatória, inexistiria uma tal ressalva de redacção, a qual já se mantém, pelo menos, desde 2004”.

Cumpre decidir.

A única questão a decidir consiste em saber se o direito à remuneração do administrador de insolvência abrange apenas a componente fixa ou também a componente variável prevista no nº2 do artigo 23º da Lei nº. 22/2013, de 26.02, e artigo 2º da Portaria nº. 51/2005.

No entendimento da decisão recorrida, em face do normativo do nº2 do artigo 23º da lei nº. 22/2013 só tem direito à componente variável o administrador da insolvência nomeado por iniciativa do Juiz, o que não é o caso, por mor de o administrador de insolvência ter sido nomeado pelo Juiz mediante proposta do devedor.

Não nos parece correcta essa interpretação restritiva da lei.

Dispõe o nº1 do artigo 52º do CIRE que «a nomeação do administrador da insolvência é da competência do Juiz» devendo essa escolha recair entre os administradores inscritos na lista oficial, sendo possível por processo informático que assegure a aleatoriedade da escolha e a igualdade da distribuição de processos (cfr. artigos 13º, nº2, e 3º, nº3, da Lei .22/2013 que aprovou o Estatuto do Administrador de Insolvência), no entanto o juiz pode ter em conta na nomeação o nome proposto pelo próprio devedor (cfr. nº2 do artigo 52º do CIRE);

Essa é a regra geral, pois o administrador de insolvência também pode ser nomeado pelos credores na assembleia, substituido o administrador em funções, nas condições previstas no artº 53º, nº1, do CIRE - “Sob condição de que previamente à votação se junte aos autos a aceitação do proposto, os credores, reunidos em assembleia de credores, podem, após a designação do administrador de insolvência, eleger para exercer o cargo outra pessoa, inscrita ou não na lista oficial, e prover sobre a remuneração respectiva, por deliberação que obtenha a aprovação da maioria dos votantres e dos votos emitidos, não sendo consideradas as abstenções”- sendo apropriado dizer-se que nesses casos a iniciativa da nomeação não é do Juiz mas sim dos credores, e a remuneração é a fixada pelos credores, em vez de obedecer aos critérios definidos no artigo 23º, nº1 e 2, da Lei 22/2013, e na Portaria 51/2005.

Em jeito de conclusão: só é de considerar que a nomeação do administrador da insolvência não é da iniciativa do Juiz quando está vinculado a nomear a pessoa eleita na assembleia de credores, pois só lhe é permitido recusar a nomeação na verificação da qualquer uma das circunstâncias previstas no nº3 do artº 53º: não ter o proposto idoneidade ou aptidão para o exercício do cargo; ser manifestamente excessiva a remuneração aprovada pelos credores; ou, tratando-se de pessoa não inscrita na lista oficial, a sua eleição não se encontre devidamente justificada pela especial dimensão da empresa compreendida na massa insolvente, pela especificidade do ramo de actividade ou pela complexidade do processo.

Não sendo essa a situação configurada nos autos, nem a prevista no nº4 do artigo 52º (1), o direito à remuneração do administrador da insolvência estabelecido no art. 60º, nº1, do CIRE, e no art. 22º da referida Lei 22/2013, envolve uma componente fixa (art. 23º, nº1, da Lei 22/2013, e art. 1º da Portaria 51/2005), e uma componente variável “em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente”, conforme prevê o nº2 do artigo 23º da referida lei.

Se o administrador de insolvência fica sujeito aos mesmos deveres legais e tem de executar as mesmas tarefas nos processos que lhe são confiados, nenhuma razão objectiva e razoável justifica que a sua remuneração seja limitada à componente fixa apenas em função da circunstância de o Juiz ter levado em conta na nomeação o nome proposto pelo devedor. Outra interpretação da lei, como aquela que fez o tribunal recorrido, estaria ferida de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, porquanto traduziria um tratamento desigual de situações substancialmente iguais, sem válida justificação.

Decisão:

Pelas considerações expendidas, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, revogando-se a decisão recorrida, consideram que o direito à remuneração do administrador de insolvência abrange também a componente variável prevista no nº 2 do artigo 23º da Lei 22/2013 e no artº 2º da Portaria 51/2005.
Sem custas.
TRG, 30 de Maio de 2018

Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade
Carvalho Guerra


1. Dispõe esse nº4 do artigo 52º do CIRE que «caso o processo de insolvência assuma grande complexidade, ou sendo exigíveis especiais conhecimentos ao administrador da insolvência, o juiz pode, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, nomear mais do que um administrador da insolvência, cabendo, em caso de requerimento, ao requerente a responsabilidade de propor, fundamentadamente, o administrador da insolvência a nomear, bem como remunerar o administrador da insolvência que haja proposto, caso o mesmo seja nomeado e a massa insolvente não seja suficiente para prover à sua remuneração».