Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1980/21.8T8VRL-B.G1
Relator: FRANCISCO SOUSA PEREIRA
Descritores: LITISCONSÓRCIO
PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Não obstante a situação litisconsorcial pressupor uma única relação material controvertida, se todos os réus litisconsortes não impulsionarem os autos na mesma peça processual, recai sobre o litisconsorte que figurar como parte primeira (ou única) na respectiva contestação, o pagamento da totalidade da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação respectiva.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

Apelante: AA

I – RELATÓRIO

BB e CC, ambos com os demais sinais nos autos, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra DD, também nos autos melhor identificado, pedindo seja este condenado, e em suma, a:
- Pagar a cada um dos autores uma indemnização com fundamento na resolução do respectivo contrato de trabalho, com justa causa;
- Pagar a cada um dos autores os créditos emergentes da execução e da cessação do respectivo contrato de trabalho, nomeadamente a título de férias vencidas e não gozadas e respectivo subsídio, a título de subsídio de Natal e relativo a formação não prestada.

Malogrou-se a conciliação.

Na sequência do falecimento do réu, em .../.../2021, e no âmbito do incidente de habilitação de herdeiros deduzido por apenso ao processo principal, foi proferida sentença a declarar habilitados EE, FF e GG (todas filhas do falecido, e nos autos melhor identificadas) «para intervirem na causa em substituição do “de cuius”».

Regularmente notificadas para o efeito, as habilitadas/rés contestaram as pretensões contra si formuladas, as rés HH e GG numa mesma peça (entrada em 08.7.2022, às 15:48 h) e a ré AA através de contestação autónoma (entrada em 08.7.2022, às 17:28 h).

Aquando da entrada da contestação apresentada pelas rés HH e GG só a primeira pagou a taxa de justiça, invocando o disposto no art. 530.º, n.º 4, do CPC, e argumentando para o efeito que é a filha mais e cabeça de casal.

A ré AA não pagou a taxa de justiça devida pela apresentação da contestação.
Alegou, para justificar essa omissão, e em síntese, que, ao abrigo do art.  530.º, n.º 4, do CPC, quem deve pagar a taxa é unicamente a ré GG, uma vez que figurava como parte primeira no requerimento de habilitação de herdeiros.

O Mm.º Juiz a quo proferiu então o seguinte despacho:
“Ref. n.º ...32:
O artigo 530.º, n.º 4, do C.P.C., prescreve que “havendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes”, mas essa disposição legal carece de ser interpretada conjugadamente com a regra de que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente (cfr. artigos 529.º, n.º 2, do C.P.C. e 6.º, n.º 1, do R.C.P.), pelo que se impõe concluir, na esteira de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa1, que “(…) se, apesar do litisconsórcio passivo, os réus apresentarem contestações separadas a cada um desses articulados corresponderá o pagamento de taxa de justiça”.
Deste modo, não obstante estarmos perante um litisconsórcio necessário, tendo a ré AA apresentado contestação autónoma das co-rés, cabe-lhe proceder ao pagamento da taxa de justiça aquando da prática do acto processual e demonstrar que a pagou (cfr. artigos 552.º, n.º 7 e 570.º, n.º 1, do C.P.C.).
Não tendo tal demonstração ocorrido, determino que a Secção dê cumprimento ao disposto no artigo 570.º, n.º 3, do C.P.C., quanto à ré faltosa.
Notifique.”

Inconformada com esta decisão, dela veio a ré AA interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“1.
A interpretação pela qual se decidiu que em situações de litisconsórcio há pagamento de taxa de justiça por cada litisconsorciado que apresente peça processual própria e autónoma é, salvo melhor opinião, uma interpretação desconforme com a letra da lei, o pensamento legislativo e a unidade do sistema.
2.
Não é na norma geral prevista no nº 2, do artº 529º, do CPC, que se encontra solução interpretativa para esta questão.
3.
A norma sobre o litisconsórcio, prevista no nº 4, do artº 530º, do CPC, é uma norma especial que derroga a norma geral do nº 2, do artº 529º, do CPC.
4.
O “interveniente” nos presentes autos era o primitivo réu e, agora, o seu património autónomo representado pelas suas herdeiras e ora rés.
5.
As rés estão em situação de litisconsórcio necessário passivo porque são herdeiras do primitivo réu (falecido).
6.
A norma geral, do nº 2, do artº 520º, do CPC, que prevê o montante a pagar pelo impulso processual de cada interveniente aceita que, em determinadas situações, esse montante seja diferente do previsto na tabela geral.
7.
É o que ocorre com as situações de coligação, onde cada coligado paga metade da taxa de justiça normal.
8.
E também que ocorre no nº 4, do artº 530º, do CPC, para as situações de litisconsórcio, em que somente um dos litisconsortes paga a taxa de justiça na sua totalidade.
9.
E esta norma especial, para as situações de litisconsórcio, merece uma interpretação clara e inequívoca, que não conflitua com as outras normas processuais ou regulamentares.
10.
E essa interpretação deve ter em conta a letra da lei, o pensamento legislativo e a unidade do sistema jurídico.
11.
Por comparação com a solução de pagamento de metade de taxa de justiça por cada um dos coligados, em que há várias relações materiais controvertidas, então, faz todo o sentido que nas situações de litisconsórcio só um pague a taxa de justiça, porque só há uma relação material controvertida.
12.
Afinal, no litisconsórcio só vai ocorrer a apreciação de uma relação material controvertida e uma decisão e, por sua vez, na coligação há várias relações materiais controvertidas e várias decisões.
13.
Se a taxa de justiça é uma taxa fiscal, então, é a contrapartida de um serviço prestado pelo Estado, pelo que, no litisconsórcio esse serviço é um único e na coligação há vários serviços (várias apreciações de causas de pedir diferentes e várias decisões).
14.
Assim, por força da interpretação conforme com a unidade do sistema jurídico, tem de se concluir que nas situações de litisconsórcio não faz sentido que cada litisconsorciado pague a taxa de justiça pela totalidade, por comparação com a situação nas situações de coligação.
15.
Acresce que, também o pensamento legislativo vai claramente no sentido de que as situações de litisconsórcio só são pagas por um litisconsorte.
16.
Para o Tribunal “a quo” o que relevou para decidir pelo pagamento da taxa de justiça, pela aqui recorrente, é esta ter apresentado uma contestação separada das outras rés, tendo assim feito um impulso processual autónomo que tem de ser tributado.
17.
Ora, o pensamento legislativo que emana da norma em apreciação, o nº 4, do artº 530º, do CPC (e não o nº 2, do artº 529º, do CPC, norma derrogada), não faz fluir nenhum entendimento relativo ao facto de serem apresentadas contestações autónomas nas situações de litisconsórcio.
18. A taxa de justiça, sendo um imposto, está sujeita aos princípios tributários da proporcionalidade e da legalidade, ou seja, o pensamento legislativo da interpretação da taxa de justiça não se esgota nas normas processuais civis, mas, outrossim, deve fluir dos princípio e das normas fiscais.
19.
As taxas têm sempre um caráter bilateral ou sinalagmático, porque implicam uma equivalência ou contrapartida económica entre o serviço prestado pelo Estado.
20.
É pelo valor da ação que se apura a taxa de justiça e se afere o valor do serviço prestado pelo Estado, na sua função judiciária (tradicionalmente as outras funções são a legislativa e a executiva).
21.
Se no litisconsórcio só há um único valor da ação judicial e só há uma relação material controvertida, então, o Estado só pode cobrar uma única taxa de justiça, sob pena de estar a duplicar o pagamento de uma taxa sem duplicar o serviço prestado.
22.
Nas situações de litisconsórcio o serviço a prestar pelo Estado está balizado por um único valor da ação, pelo que o pensamento legislativo constante no nº 4, do artº 530º, do CPC, tem de se conformar com os princípios tributários da proporcionalidade e da legalidade.
23.
Por último, a letra da norma do nº 4, do artº 530º, do CPC, é linear e com um único sentido, sem admitir interpretações decorrentes do facto de serem apresentadas um única ou várias contestações.
24.
Na verdade, a norma prevê expressamente que havendo litisconsórcio a taxa de justiça é paga na sua “totalidade” por um dos litisconsorte.
25.
Mas, igualmente importante e concludente, prevê ainda na sua segunda parte ou parte final que esse litisconsorte tem direito de regresso sobre os outros litisconsortes.
26.
Ora, se cada um dos litisconsortes pagar a taxa de justiça, como consta da decisão recorrida, deixa de haver direito de regresso e a segunda parte da norma fica desprovida de sentido.
27.
O direito de regresso previsto na segunda parte da norma do nº 4, do artº 530º, do CPC, estáexpressamente e somente previsto para as situações em que há contestações separadas e em que só um
 dos litisconsortes pagou a taxa de justiça.
28.
Se apresentaram a contestação conjunta, não faz sentido falar em direito de regresso, porque assumiram conjuntamente a defesa dos autos e, concomitantemente, o pagamento da taxa de justiça.
29.
No sentido aqui defendido vejam-se o Ac. do TRG, de 02-07-2013, Proc. nº 41777/12.4YIPRT A.G1, o Ac. do TRE, de 14-03-2019, Proc. nº 378/18.0T8FAR-A.E1, e ainda o Ac. do TRL, de 03-11-2011, Proc. nº 825/09.1TBLNH-A.L1-6, com excurso histórico importante (relativo à legislação anterior mas com enorme validade e atualidade), todos em www.dgsi.pt.
30.
Em consequência, uma interpretação da letra da lei, do pensamento legislativo e da unidade do sistema, permite defender que a única interpretação possível, do nº 4, do artº 530º, do CPC, é de que, nas situações de litisconsórcio, havendo contestações autónomas de cada um ou de vários dos litisconsorciados, a taxa de justiça é paga na sua totalidade por um deles, beneficiando os outros desse pagamento, mas estando sujeitos ao direito de regresso.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Tal parecer mereceu resposta da apelante, reafirmando e reforçando a posição já vertida no recurso.

Na 1.ª instância, foi proferido despacho a fixar o valor da acção em € 243.121,02

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enuncia-se então a única questão que cumpre apreciar:

a)
Saber se o pagamento da totalidade da taxa de justiça pelo litisconsorte que figurar como parte primeira na contestação, nos termos do n.º 4 do art. 530.º do CPC, se aplica ao litisconsorte que apresente – posteriormente à contestação já apresentada por outros litisconsortes - contestação autónoma?

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão da causa são os que resultam do relatório supra.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Vejamos em primeiro lugar as normas legais que mais directamente contendem com a dilucidação da questão.

Assim,

O artigo 529.º do CPC dispõe:
“Custas processuais
1 - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
2 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
3 - São encargos do processo todas as despesas resultantes da condução do mesmo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa.
4 - As custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.”

Por sua vez, o artigo 530.º do mesmo Código estabelece:
“Taxa de justiça
1 - A taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais.
2 - No caso de reconvenção ou intervenção principal, só é devida taxa de justiça suplementar quando o reconvinte deduza um pedido distinto do autor.
3 - Não se considera distinto o pedido, designadamente, quando a parte pretenda conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter ou quando a parte pretenda obter a mera compensação de créditos.
4 - Havendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes.
5 - Nos casos de coligação, cada autor, reconvinte, exequente ou requerente é responsável pelo pagamento da respetiva taxa de justiça, sendo o valor desta o fixado nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
6 - Nas ações propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
7 - Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.”

Ainda,
Prevê o artigo 570.º do CPC:
“Documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça
1 - É aplicável à contestação, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 7 e 8 do artigo 552.º, podendo o réu, se estiver a aguardar decisão sobre a concessão do benefício de apoio judiciário, comprovar apenas a apresentação do respetivo requerimento.
(…).”

Os n.ºs 7 e 8 do art. 552.º do CPC, para que remete aquele número 1, prescrevem:
Artigo 552.º
Requisitos da petição inicial
(…)
7 - O autor deve, com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º
8 - Quando, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 144.º, a petição inicial seja apresentada por mandatário judiciário por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do mesmo artigo, o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.
(…).”

Por outro lado, do artigo 6.º do RCP consta:
“Regras gerais
1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.

E o artigo 13.º do mesmo Regulamento estatui:
Responsáveis passivos
1 - A taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, aplicando-se as respectivas normas, subsidiariamente, aos processos criminais e contra-ordenacionais, administrativos e fiscais.
(…)
7 - A taxa de justiça é fixada nos termos da tabela i-B para:
a) As partes coligadas;
b) O interveniente que faça seus os articulados da parte a que se associe;
c) Os assistentes em processo civil, administrativo e tributário.”

Mais constando do seu artigo 14.º:
“Oportunidade do pagamento
1 - O pagamento da primeira ou única prestação da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo:
a) Nas entregas eletrónicas, ser comprovado por verificação eletrónica, nos termos da portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º do Código de Processo Civil;
b) Nas entregas em suporte de papel, o interessado proceder à entrega do documento comprovativo do pagamento.
(…)”
(em todos os casos, realce nosso)

Ora, concatenando as citadas normas, entendemos que a interpretação que das mesmas fazem quer o Mm.º Juiz a quo quer o Ministério Público no douto parecer apresentado é a correcta.

Com efeito, decorre directamente, e claramente, da lei, que a taxa de justiça corresponde ao impulso processual de cada interveniente – cf. art.s 529.º n.º 2 CPC e 6.º n.º 1 do RCP, à luz do art. 9.º, particularmente n.º 2, do CC.
Essa é, sem qualquer dúvida, a regra básica adoptada pelo legistador.

Trata-se, como se diz no dito parecer e ponto em que se afigura estar a recorrente de acordo, de um valor que, normalmente, o Estado exige aos utentes do aparelho judiciário como contrapartida do serviço judicial prestado.

Como decorre do citado art. 530.º n.º 1 do CPC, a taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente ou recorrido, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.

O n.º 4 desse artigo prevê, contudo, que em caso de litisconsórcio o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes, donde nesta situação apenas será paga uma única taxa de justiça.

Porém, acompanhamos aqui o entendimento expresso pela Exm.ª PGA no seu parecer quando afirma que como decorre da norma, tal pressupõe uma única peça processual apresentada pelos litisconsortes. É o que parece resultar de “o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial”.

Efectivamente a própria redacção da lei inculca a ideia de que o regime aí previsto, de apenas um litisconsorte proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, se aplica ao caso de os litisconsortes apresentarem (no caso de figurarem na acção na qualidade de réus, e sendo que a aplicabilidade do regime à contestação não está aqui em causa) uma mesma contestação, posto que, naturalmente, se fala na petição inicial no singular, mas de todo o modo não alargando a lei na sua letra a aplicabilidade do regime a qualquer situação em que haja uma pluralidade de contestações, projectando-se o regime de uma, em que só há o pagamento de uma taxa de justiça nos sobreditos termos, na restante ou restantes.

Ademais, entendemos que se trata da interpretação da lei que melhor se afeiçoa ao espírito da mesma.

A este propósito, chamemos também à colação, por, referenciando em seu abono diversa doutrina e jurisprudência, consagrar entendimento com o qual também nós concordamos, o Ac. RE de 24/09/2020, Proc. 1251/16.1T8STB-A.G1[1]:
“Ora, atendendo a que as custas processuais são para compensar o sistema de justiça do trabalho que despende e dos custos que suporta para proporcionar tal serviço público de justiça aos cidadãos e às empresas, nada mais natural que a cada uma das contestações apresentadas – também pelo acréscimo de trabalho que traz ao sistema – venha a corresponder uma taxa de justiça (não sendo igual que os litisconsortes apresentem uma única contestação ou uma dúzia delas).
Pois que, nos termos previstos no artigo 529.º n.º 2, ab initio, do C.P.C., “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente” – o mesmo resultando do estabelecido no artigo 6.º, n.º 1, ab initio, do R.C.P. ao prever que “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado”.
Decorrentemente, esta questão do impulso processual não deixa de estar presente na arquitectura do sistema legal das custas e, por isso, não pode deixar de ser levado em devida conta na interpretação do mesmo, rectius, é chamado a pagar quem provoca a intervenção do sistema de justiça, esteja, para esse efeito, em coligação ou em litisconsórcio.
Nem, de resto, vemos como o Reclamante/Apelante ultrapassa a questão da necessidade/obrigatoriedade do depósito da taxa de justiça de cada vez que é apresentado um articulado – no caso, uma contestação –, para assegurar a sua própria validade, nos termos e para os efeitos dos vários n.os do artigo 570.º do C.P.C., com a gravosa consequência designadamente prevista no seu n.º 6: “Se, no termo do prazo concedido no número anterior, o réu persistir na omissão (do pagamento da taxa de justiça), o tribunal determina o desentranhamento da contestação”. Pois se é então necessário, de acordo com o regime legal vigente, depositar a taxa de justiça – e vir a comprová-lo – para que o acto seja válido, como é que, no caso de serem apresentadas várias contestações, ainda que numa situação de litisconsórcio, se poderá depositar apenas uma taxa de justiça? Tem que ser uma por contestação, naturalmente; não há como fugir disso.
E esta solução não deixa de ser defendida, directa ou indirectamente, pela própria doutrina e jurisprudência.
Verbi gratia, Salvador da Costa in Regulamento das Custas Processuais Almedina, 2.ª Edição, 2009, página 51 (o Apelante cita-o a um outro propósito na sua conclusão 14ª), escreve que “neste normativo [refere-se ao n.º 3 do artigo 446.º-A do anterior CPC, que passou para o nº 3 do artigo 528.º do actual, sobre o vencimento só parcial de algum dos litisconsortes] está ínsito o princípio da proporcionalidade, ou seja, a ideia de que, tendo sido desigual a participação de cada litisconsorte vencido no processo, por exemplo se algum dos réus não contestar a acção, tal particularidade deve reflectir-se na distribuição da responsabilidade quanto ao pagamento das custas pelos litisconsortes”; e em anotação ao artigo 6.º do RCP, a págs. 187: “Este artigo, sob a epígrafe regras gerais, reporta-se às regras gerais de fixação da taxa de justiça e constitui um ponto essencial do novo regime, na medida em que institui, nesta matéria, a figura do impulso inicial”; e a páginas 188: “… o que a lei pretende significar é que o interessado deve pagar a taxa de justiça devida no momento em que desencadeia a respectiva actividade processual”; e em anotação ao artigo 13.º do RCP, a páginas 240: “Não parece resultar da lei que em caso de pluralidade activa ou passiva de sujeitos processuais, cada um só seja responsável pela correspondente taxa de justiça desde que apresente articulado distinto …”.
Na jurisprudência, para só citar arestos desta Relação, veja-se o Acórdão de 14 de Março de 2019, tirado no processo n.º 378/18.0T8FAR-A.E1, na base de dados do ITIJ, onde se escreveu no ponto 1 do seu respectivo sumário: “1 - Estando em causa uma situação litisconsorcial que pressupõe uma única relação material controvertida e quando todos os litisconsortes impulsionam os autos na mesma peça processual não faz sentido a imposição do pagamento de uma taxa de justiça por cada um dos sujeitos processuais que compõem a parte ativa/passiva da relação processual” (sublinhado nosso); e mais adiante, já no texto do aresto em apreciação: “Em sentido idêntico veja-se ainda José António Carreira, Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 2.ª edição, Almedina, a páginas 130, o qual acrescenta que o pagamento da totalidade da taxa de justiça por quem figure em primeiro lugar acontece apenas quando o impulso processual é único, isto é quando todos os litisconsortes impulsionam os autos na mesma peça processual”.
E escreveu-se no Acórdão de 09 de Março de 2017, tirado no processo n.º 6311/13.8TBSTB-B.E1, nessa base de dados, citando jurisprudência do S.T.J.: “Atendendo ao princípio da proporcionalidade a que toda a actividade pública está sujeita, a taxa de justiça deverá ter tendencial equivalência ao serviço público prestado, concretamente, ao serviço de justiça a cargo dos tribunais, no exercício da função jurisdicional, devendo a mesma corresponder à contrapartida pecuniária de tal exercício.”

Por outro lado, como doutamente se assinala no parecer do Ministério Público a jurisprudência indicada pela recorrente, diz respeito, maioritariamente, a casos em que os litisconsortes apresentam uma única peça processual.
É o caso do Ac. RE de 14-03-2019, Proc. 378/18.0T8FAR-A.E1, como claramente resulta da parte do respectivo sumário acima citada.
Veja-se também quanto ao invocado Ac. RG de 02-07-2013 o parágrafo onde se consignou: “E muito menos se justifica ordenar o desentranhamento da peça processual que a ambos aproveita, quando apenas um deles está em falta.”
No citado Ac. RL de 03.11.2011 (e como logo se intui do ponto 2. do sumário) efectivamente acolhe-se o entendimento defendido pelo recorrente, mas em parte sufragando ensinamentos de Salvador da Costa no âmbito do CCJ que, atenta a diferente filosofia do RCP, nomeadamente quanto à taxa ser devida em razão do impulso processual e da inerente complexidade deixou, a nosso ver, de fazer sentido, e entendimento aí perfilhado que nos parece não dar o devido relevo aqueles enunciados princípios do impulso processual e da complexidade da causa.

E nem a unidade do sistema jurídico, a que a apelante faz também apelo, leva a diferente interpretação.

Diz-se nas conclusões 12 e 13 que no litisconsórcio só vai ocorrer a apreciação de uma relação material controvertida e uma decisão e, por sua vez, na coligação há várias relações materiais controvertidas e várias decisões. e se a taxa de justiça é uma taxa fiscal, então, é a contrapartida de um serviço prestado pelo Estado, pelo que, no litisconsórcio esse serviço é um único e na coligação há vários serviços (várias apreciações de causas de pedir diferentes e várias decisões).

Ora, as coisas não são assim, pelo menos com esta afirmada linearidade.
          
Como decorre do artigo 36.º do CPC, “1 - É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência. 2 - É igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas. 3 - É admitida a coligação quando os pedidos deduzidos contra os vários réus se baseiam na invocação da obrigação cartular, quanto a uns, e da respetiva relação subjacente, quanto a outros.” (realce nosso)
Isto é, como se disse supra, e pelo menos em regra, a apresentação de várias contestações traz um acréscimo de trabalho ao sistema e, por outro lado, não está demonstrado no contraponto feito entre as situações de litisconsórcio e de coligação que a estas correspondam (sempre e necessariamente, e nem sequer em regra), mais “serviços”.

Os princípios da legalidade e da proporcionalidade estão acautelados quer pela expressa previsão e disciplina legal do pagamento de taxa de justiça, quer pelos comandos legais que, como acima referido, associam o valor e a complexidade da causa ao valor a pagar a título de taxa de justiça – cf. designadamente n.º 2 do art. 520.º do CPC.
Também não se pode concordar com o expresso pela recorrente nas conclusões 26, 27 e 28: o facto de terem apresentado contestação conjunta pode indiciar mas não assegura que os litisconsortes assim contestantes assumam todos a responsabilidade pelo pagamento da taxa; ora, se a lei – no n.º 4 do art. 530.º - prescreve que “o litisconsorte que figurar como parte primeira (…) deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça” natural é que preveja/“salvaguarde” que quem assim é onerado possa exercer direito de regresso sobre os outros litisconsortes.

Nem se vê que com a interpretação que fazemos estejamos a violar o princípio da igualdade das parres: dizer que permitir que nas situações de litisconsórcio ativo seja o litisconsorte que figura como parte primeira a pagar a totalidade da taxa de justiça e nas situações de litisconsórcio passivo paguem todos a taxa de justiça é uma situação que viola os princípios da igualdade e da justiça material é por tudo no mesmo saco e não distinguir as situações.
Nas situações de litisconsórcio ativo o litisconsorte que figura como parte primeira (na PI) paga a totalidade da taxa de justiça, mas também só é apresentada uma petição inicial.
Nas situações de litisconsórcio passivo se todos os litisconsortes, que contestem, o fizerem numa só peça/contestação, também só é paga uma taxa de justiça.
Donde, nas situações que se podem materialmente equiparar, o tratamento em matéria de pagamento de taxa de justiça é similar.

Aliás se, por hipótese, tivessem sido habilitados quatro herdeiros da pessoa inicialmente demandada, e se na contestação apresentada pela recorrente figurasse um outro litisconsorte/contestante, em consonância com o nosso expendido entendimento, era o litisconsorte que aí constasse como parte primeira que devia proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça.

No citado Ac. RE de 24.9.2020, chama-se a atenção para a necessidade/obrigatoriedade do depósito da taxa de justiça de cada vez que é apresentado um articulado – no caso, uma contestação –, para assegurar a sua própria validade, nos termos e para os efeitos dos vários n.ºs do artigo 570.º do CPC.
A dificuldade da resposta, a aderir-se à tese do recorrente, sempre poderia, pensamos nós, e in casu, ultrapassar-se fazendo equivaler à comprovação do pagamento a que aludem, de forma conjugada, os n.ºs 7 e 8 do art. 552.º e o n.º 1 do art. 570.º. ambos do CPC, a comprovação do pagamento efectuado pela litisconsorte que figura em 1.º lugar na contestação apresentada anteriormente à que apresentou a apelante (ré HH).
Todavia, caso a contestação da apelante tivesse dado entrada antes da referida outra, como resolver a questão?
É certo, ademais, que, quiçá antevendo esta dificuldade, a ré AA/ora recorrente, alegou - muito em síntese -, para justificar a omissão do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação que, ao abrigo do art.  530.º, n.º 4, do CPC, quem deve pagar a taxa é unicamente a ré GG, uma vez que figurava como parte primeira no requerimento de habilitação de herdeiros.
Porém, é claríssimo que este invocado fundamento de facto é irrelevante à face da lei – quem deve pagar, repete-se, é “o litisconsorte que figurar como parte primeira” na peça processual -, como, de resto, quem efectivamente pagou a taxa de justiça foi a ré HH que figura em primeiro lugar na contestação que apresentou conjuntamente com a ré GG.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente.
Notifique.
Guimarães, 19 de Janeiro de 2023

Francisco Sousa Pereira (relator)
Antero Veiga
Vera Maria Sottomayor


[1] Canelas Brás, in www.dgsi.pt.