Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
72/18.1T8VNF-A.G1
Relator: RAQUEL REGO
Descritores: RECURSO
EXTEMPORÂNEO
PRAZO
COVID
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO NÃO ADMITIDO
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Com a publicação, a 6 de Abril, da Lei n.º 4-A/2020, desde 09 de Março de 2020, exceptuados processos urgentes, vigorava a suspensão dos prazos judiciais,
II - O fim dessa suspensão veio a ter lugar com a publicação da Lei 16/2020, com entrada em vigor a 03 de Junho desse ano.
III - Apesar de nele se conter um regime transitório, pode afirmar-se que, com excepções, acabou com a suspensão generalizada dos prazos processuais.
IV - Nessas excepções não se inclui a respeitante a prazos de interposição de recursos.
Decisão Texto Integral:
Tendo a embargada “X – Instituição Financeira de Crédito, SA” sido notificada do despacho saneador/sentença, proferido a 22.12.2020, que julgou os embargos procedentes e determinou a extinção da instância, dele veio interpor o presente recurso de apelação.
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Em sede de contra-alegações, além do mais, o apelado/embargante arguiu a extemporaneidade do recurso com os seguintes fundamentos:

- Nos presentes autos, em 22.12.2020 foi proferida sentença, tendo os mandatários das partes sido notificados da mesma, por notificação eletrónica, datada de 23.12.2020.
- Em 01 de fevereiro de 2021, foi publicada a Lei n.º 4-B/2021, que estabeleceu um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID -19, alterando a Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de março.
- Dispunha a referida Lei, que o disposto nos artigos 6.º -B a 6.º -D, produzia efeitos a 22 de janeiro de 2021.
- Previa o n.º 1 do art. 6-B da Lei n.º 4-B/2021 de 1 de fevereiro, o seguinte: “São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.”
- No entanto, dispunha o art. 6º - B, n.º 5, alínea d) o seguinte: “O disposto no n.º 1 não obsta: A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão.”(negrito e sublinhado nosso).
- Ora, atendendo a que nos presentes autos, decorria desde 04 de janeiro de 2021, o prazo para interposição de recurso, e de acordo com o disposto no n.º 5, alínea d) do art. 6-B, estando em causa a interposição de recurso da sentença proferida, tal prazo não suspendia com a entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021 de 1 de fevereiro, pelo que a decisão proferida pelo tribunal “a quo” transitou em julgado em 02.02.2021.
- O recurso da decisão proferida nos presentes autos foi interposto pelo Recorrente no dia 14.04.2021, pelo que foi apresentado de forma inoportuna e intempestiva, devendo considerar-se extemporâneo, e ordenar-se o respectivo desentranhamento.
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Porque o tribunal a quo não observou o estatuído no artigo 642º, nº1, a), do Código de Processo Civil, foi proferido despacho pela ora relatora, ordenando a audição da recorrente, em 10 dias, sobre a matéria, nos termos do artigo 3º do citado diploma.
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Pronunciou-se a mesma, nos seguintes termos:

1. A alegada extemporaneidade do presente recurso, teve como argumento o disposto no art. 6º - B, n.º 5, alínea d) da Lei n.º 4-B/2021 de 01 de Fevereiro.
2. Tal disposição legal, para que pudesse ser aplicada e verificada, pressupunha que todos os intervenientes processuais se pronunciassem no sentido de não ser necessária a realização de mais diligências processuais.
3. Nesse caso, os prazos processuais não se suspenderiam, na esteira e no seguimento do disposto na alínea c) do mesmo n.º 5 desse preceito legal.
4. Quer isto dizer que os prazos processuais, entre eles o de recurso, só não se suspenderiam nos termos do n.º 1 do art.º 6º-B da Lei 4/B/2021 se todos os sujeitos processuais se pronunciassem no sentido de não ser necessária a realização de outras diligências ou atos no processo.
5. Ora, nos presentes autos nada disto aconteceu.
6. Os sujeitos processuais não tomaram qualquer posição sobre a necessidade ou não da realização de outras diligências processuais.
7. As partes não se pronunciaram sobre o que quer que fosse, pelo que todos os prazos processuais se suspenderam, entre eles o prazo do recurso.
8. Assim, o recurso foi interposto dentro do prazo legal para o efeito, pelo que deverão V.Ex.ªs pronunciar-se sobre o mérito do mesmo.
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De acordo com o disposto no artigo 652º, nº1, do Código Processo Civil, ao relator incumbe verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso (alínea b)), tendo-se como incontroverso que aí se enquadra a decisão sobre a tempestividade do mesmo.
Passa-se, por consequência, a emitir pronúncia sobre a arguida extemporaneidade.
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O primeiro diploma legal atinente à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19, é o DL 10-A/2020, datado de 13 de Março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas àquela.
Aí se faz uso da figura do “Justo impedimento”, para a justificação de faltas e adiamento de diligências processuais e procedimentais - artigo 14º- e se estabelece – artigo seguinte – que no caso de encerramento de instalações onde devam ser praticados actos processuais ou procedimentais no âmbito de processos e procedimentos ou de suspensão de atendimento presencial nessas instalações, por decisão de autoridade pública com fundamento no risco de contágio do COVID-19, considera-se suspenso o prazo a partir do dia do encerramento ou da suspensão do atendimento, suspensão a cessar com a declaração da autoridade pública de reabertura das instalações.
Seguindo-lhe a Lei 1-A/2020, de 19 de Março, rezava o seu artigo 7º “Prazos e diligências” que «aos actos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excepcional».
Este diploma sofreu alterações pouco tempo depois, com a publicação, a 6 de Abril, da Lei n.º 4-A/2020 que, abandonando o regime das férias judiciais, confere, ao artigo 7º da primeira, nova redacção estabelecendo, agora, a suspensão de todos os prazos para a prática de actos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, com efeitos reportados a 9 de Março de 2020.
Portanto, desde 09 de Março de 2020, com excepção de processos urgentes que aqui não ocorre, vigorava a suspensão dos prazos judiciais, suspensão cujo términus teria de ter assento em decreto-lei, como se estabelecia («O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional» – artº 7º, nº2, da Lei 1-A/2020).
O fim da suspensão dos prazos judiciais veio a ter lugar com a publicação da Lei 16/2020 que revogou o artigo 7º da Lei 1-A/2020, com entrada em vigor a 03 de Junho desse ano (artigo 10º do diploma).
Apesar de nele se conter um regime transitório, pode afirmar-se que acabou com a suspensão generalizada dos prazos processuais, não constando, no que agora releva, das excepções decorrentes desta lei (na redação que confere ao artigo 6º-A, nº6, da Lei 1-A/2020), a respeitante a prazos de interposição de recursos.
Era, portanto, este o regime que se encontrava em vigor aquando da prolação da sentença em crise, posto que datada de 22.12.2020, notificada aos Ilustres Mandatários no dia seguinte.
Incluindo-se em período de férias judiciais e não sendo processo legalmente classificado como urgente, o prazo para a sua impugnação iniciar-se-ía no primeiro dia após aquelas, isto é, a 04 de Janeiro de 2021.
Todavia, a 01 de Fevereiro de 2021 foi publicada a Lei 4-B/2021, que, aditando normas à lei 1-A/2020, no seu artigo 6º-B, sob a epígrafe “Prazos e diligências” estatui:
1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 – (…)
3 – (…)
4 – (…)
5 - O disposto no n.º 1 não obsta:
a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;
b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;
c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.
Este último diploma, no seu artº 4º, faz retroagir os efeitos do artigo 6º-B a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados.
Deste arrazoado, sobretudo da sua parte final, colhe-se que os 30 dias a que alude o artigo 638º do Código de Processo Civil começaram a correr quando era pacífico que os prazos processuais não estavam suspensos e teve o seu términus na vigência do artigo 6º-B da Lei 1-A/2020, com o conteúdo trazido pela Lei 4-B/2021.
E aqui coloca-se a questão central que consiste em saber se o prazo que estava em curso beneficia, ou não, de alguma suspensão, o mesmo é dizer se estava suspenso por força da última lei citada.
No nosso modesto entender, decorre claramente que não, ou seja, que em caso algum o prazo de recurso se suspende após a publicação da Lei 16/2020, independentemente de ela ter sido proferida antes ou depois de 22 de Janeiro de 2021.
A recorrente argumenta que a aplicabilidade do estatuído no art. 6º - B, n.º 5, alínea d) da Lei n.º 4-B/2021 pressupunha que todos os intervenientes processuais se pronunciassem no sentido de não ser necessária a realização de mais diligências processuais, o que, no caso, não aconteceu porque os sujeitos processuais não tomaram qualquer posição sobre a necessidade ou não da realização de outras diligências processuais.
Com o devido e merecido respeito, não se vê sustento para tal conclusão: o artigo 5º contém várias alíneas, independentes entre si e a necessidade de aceitação e declaração expressa respeita à prática de actos e realização de diligências e insere-se na alínea c). Todavia, existe alínea específica – a alínea d) - para a prolação de decisões finais nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal entenda não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não é feita qualquer referência à exigência que se retira da alínea c).
Na situação da alínea d), o tribunal pode prolatar a decisão e o prazo de recurso não se suspende, como expressamente se consigna.
Como de modo muito assertivo se escreveu no acórdão da Relação de Évora, datado de 13 de Maio de 2021, proferido no Processo 2161/19.6T8PTM.E1 que, exaustivamente, reporta as intervenções parlamentares que estiveram na géneses da Lei 4-B/2021, «do regime inicial da suspensão dos prazos no âmbito da pandemia, que vigorou no primeiro semestre de 2020, com o regime que foi instituído pela Lei n.º 4-B/2021, resulta que no âmbito deste último regime, sem pôr em causa a regras da segurança das pessoas, pretendeu-se, na mediada do possível, que a máquina do judiciário, continuasse a tramitar e julgar os processos, constituindo, assim, uma das diferenças concretas entre os dois regimes o facto de proferida sentença em processos não urgentes pelos tribunais de 1.ª instância, os prazos para a prática dos atos subsequentes não se suspenderem, devendo os recursos ser interpostos nos prazos legalmente fixados (de 15 ou 30 dias consoante os casos).
Resulta que existiu preocupação do legislador em não parar totalmente a tramitação dos processos e procedimentos não urgentes, aceitando que possa avançar quando não implique contactos presenciais com sujeitos ou participantes processuais, o que é o caso da interposição de recursos que é efetuada por via eletrónica».
Esta é a posição que subscrevemos na íntegra, não sendo despiciendo lembrar que era já significativo o número de Senhores Advogados que, ao tempo, invocando até razões de sustentabilidade profissional, reclamavam o retomar máximo de actividades processuais com o risco mínimo de saúde. É o caso da interposição de recurso, cuja concretização não envolve acto presencial.
Estamos, por tudo, convictos de que o prazo de interposição do recurso não mereceu suspensão decorrente da Lei 4-B/2021 e, nessas circunstâncias, a interposição efectuada pela exequente a 14.04.2021, se apresenta como extemporânea, o que obsta ao conhecimento do recurso.
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Nestes termos, assim se decidindo, não se tomará conhecimento da apelação.

Custas pela apelante.
Notifique.