Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4186/16.4T8GMR.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
DIREITO DE RETENÇÃO
ADMISSÃO DA RECONVENÇÃO
CASO JULGADO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA DE CO-RÉUS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/14/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE A APELAÇÃO INTERPOSTA PELA AUTORA
PROCEDENTE A APELAÇÃO INTERPOSTA PELA RÉ
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

I- O direito de retenção, além da sua função coerciva (retenção da coisa, que funciona como aguilhão cravado na vontade do devedor para que cumpra a obrigação a que se encontra adstrito perante o credor retentor), tem uma função de garantia, incorporando um verdadeiro direito real de garantia.

II- Em termos genéricos, o direito de retenção consiste na faculdade conferida ao credor, que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de, não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também, de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores.

III- Para que o direito de retenção se verifique é necessária a existência de uma conexão causal entre a coisa e o crédito a ser recebido, conexão essa que tanto pode resultar de despesas feitas pela coisa ou danos por ela causados, ou de uma relação legal ou contratual.

IV- Para além dos efeitos decorrentes da extinção do poder jurisdicional temos ainda que não sendo a decisão impugnada, transitando pois em julgado, tal realiza um efeito negativo, que se traduz na insusceptibilidade de qualquer tribunal se voltar a pronunciar sobre a decisão proferida, e um efeito positivo, que resulta da vinculação do tribunal que proferiu a decisão e, eventualmente, de outros tribunais ao que nela foi definido ou estabelecido.

V- Assim, por decorrência do caso julgado, em razão do qual os despachos, bem como as sentenças, que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, tendo transitado em julgado o despacho que admitiu a reconvenção, todos os requisitos processuais de admissibilidade da reconvenção foram considerados verificados e válidos, nunca poderia ser colocada em causa a possibilidade de todos os reconvintes serem condenados no pedido formulado em sede de reconvenção pela autora por razões processuais.

VI- A conversão da execução, consagrada no artigo 867º, nº 1 do Código de Processo Civil é uma norma excepcional; como tal, não admite aplicação analógica, nomeadamente, aos caos em que a coisa objecto da “execução especifica” tenha sido apreendida e entregue ao exequente, ainda que “vandalizada, inutilizada e desvalorizada”

VII- É admissível o chamamento da ré, através do incidente de intervenção principal provocada, feito pelo reconvinte para assegurar a sua legitimidade na reconvenção, por se tratar de duas acções distintas e autónomas.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

X, Terraplanagens, Unipessoal, Lda., sociedade comercial por quotas, com sede na Rua …, freguesia de ..., concelho de Caldas de Vizela, contribuinte nº … propôs a presente acção no Juízo Local Cível de Guimarães que por despacho já transitado, a seu tempo remeteu os autos para este Tribunal contra:

1. Companhia de Seguros A., S.A, com sede na Rua … Lisboa.
2. Y – Terraplanagens, unipessoal, Lda, sociedade comercial por quotas, com sede na Rua …, freguesia de …, concelho de Vizela.
3. Materiais de Construção DM, Lda, sociedade comercial por quotas, com sede na Rua …, concelho de Vizela, portador do NIPC nº ….
4. António, residente na rua …, freguesia …, concelho de Vizela.

Formulando pedido de condenação das RR a:

a) A 1ª R, companhia de seguros A., S.A., seja condenada a pagar à A, a quantia de 28.264,92€ (vinte e oito mil duzentos e sessenta e quatro euros e noventa e dois cêntimos) como parte da indemnização devida pelo acidente em causa nos autos, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento).

b) Que a 2ª R seja condenada a reconhecer o direito da A. a parte de indemnização referida no pedido a), sem prejuízo de poder reaver a aludida quantia das mãos dos respectivos responsáveis.
Subsidiariamente (nos termos do artigo 39º do Código de Processo Civil), em alternativa à 1ºR, pede-se:

c) Que a 3ª e 4º RR sejam condenados solidariamente a pagar à A. a quantia de 28.264,92€ (vinte e oito mil duzentos e sessenta e quatro euros e noventa e dois cêntimos), como parte da indemnização devida pelo acidente em causa, acrescida de juros de mora, á taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
d) Que a 2.ª R seja condenada nos termos pedidos, a título principal, na antecedente alínea a), relativamente à parte da indemnização referida no pedido da alínea C)
Alega e em síntese que adquiriu em hasta pública no processo de execução 1403/04.7TBLSD-A do extinto 1º juízo do Tribunal de Lousada a máquina giratória pertencente à aqui 2ª R. – máquina empilhadora tendo pago o preço respectivo.
O instrumento de venda foi lavrado em 26.09.2006.
Que, posteriormente foi intentada acção de reivindicação pela segunda Ré tendo a autora sido condenada a restituir a máquina por decisão transitada em 24.04.2014 data em que a A. tomou conhecimento definitivo de que a máquina não lhe pertencia com a notificação da decisão transitada.
Que a A. ainda não restituiu a máquina porque não foi reembolsada do preço pago e reclama o direito de retenção da mesma até aquele ser satisfeito.

A 2ª R. propôs contra a aqui A. processo de execução para entrega de coisa certa tendo por objecto essa máquina giratória tendo a Autor deduzido oposição a reclamar o custo de aquisição e manutenção da máquina no montante global de 28.264,92€

Que no dia 17-04-2015, cerca das 17:00h, na rua da Carreira em São Martinho do Conde, concelho de Guimarães, ocorreu um acidente de viação onde foram intervenientes a máquina em causa nos autos, e o pesado de mercadorias com matrícula LB de marca Mercedes e modelo Actros

A Máquina giratória encontrava-se estacionada na vaia de estacionamento da referida rua da Carreira, do seu lado direito, atento o sentido de S. Martinho do Conde para Gandarela, rua essa que confronta com o estaleiro da obra do loteamento aí existente.

O camião com matrícula LB efectuou manobra de marcha atrás, e quando se encontrava já com as rodas da frente na vaia de estacionamento referido e as rodas de trás dentro do local da obra, acabou por tombar sobre a máquina giratória de rastos.

A máquina ficou parcialmente debaixo do camião carregado com areia, o que causou o seu esmagamento parcial.

O camião era conduzido e manobrado pelo 4º R., empregado da 3ª R., que no âmbito do respectivo contrato de trabalho deu-lhe ordens para este conduzir o dito veículo LB, até ao local do acidente, carregado de areia, e para a aí descarregar, pelo que o 4º R acatava as ordens e instruções da 3ª R. e trabalhava no interesse desta.

A máquina empilhadora em resultado do acidente supra descrito ficou destruída na (o): - cabine,- chassi,- giro, -e bomba hidráulica.
Para ser possível a sua reparação é necessário colocar as peças que ascendem ao valor de 35.996,75 cuja mão-de-obra ascende no total a 3.200,00€

Tudo no valor de 39.196,76€, a que acresce IVA à taxa legal de 23%, no total de 48.212,00€ (cfr. Doc nº 23).
A máquina em causa, no momento do acidente de viação, valia comercialmente cerca de 30.000,00€.

No mais imputa a culpa do sinistro ao camião segurado na 1ª ré por contrato de seguro celebrado com a 1ª R., titulado pela apólice nº 200794527, e propriedade da 3ª ré que o utilizava, no seu próprio interesse demandando os co réus face a descaracterização do sinistro como de acidente de viação levada a cabo pela primeira ré.
Os RR contestaram tendo

A 1ª ré sustentado que se trata de acidente ocorrido fora da via publica, enquanto operação de carga/descarga, acha- se expressamente excluído dos riscos cobertos pelo contrato de seguro invocado face ao disposto no art. 14º/4 DL 291/2007, de 21 de Agosto e nos termos da apólice respectiva – v. cláusula 5º (“Exclusões da garantia obrigatória”), nº4/al.c), das ‘C. Gerais Uniformes do Seguro Obrigatório Automóvel’.

Que de facto, depois de ter sido parado dentro da obra o veículo de transporte de areia, carregado da dita, e iniciada a operação de levantamento da báscula para a sua descarga no local, o veículo virou-se, ou voltou-se sobre si mesmo por um dos lados, com a báscula toda no ar e já devidamente levantada.

Verificou-se nesse acto de descarga da carga de areia, levada ao local na caixa de carga do veículo de transporte da dita, talvez uma descompensação lateral por aprisionamento de areia demasiado húmida num dos lados ou para um dos lados dessa caixa de carga.
O que resultou num desequilíbrio da posição do veículo sobre as 4 rodas motivado por força da manobra de descarga da areia para a obra de construção civil em realização in locu.

No mais impugna a matéria constante da petição.

Por sua vez a ré Materiais de Construção DM, Lda, vem excepcionar a ilegitimidade activa da autora uma vez que a autora não é confessadamente a proprietária da máquina sinistrada.

Sustenta ainda a sua ilegitimidade mercê da existência de contrato de seguro relativo ao camião dos autos celebrado com a 1ª ré e sustentando que o sinistro se inclui no patamar dos acidentes de viação.

Impugna, os demais factos articulados, sustentando a improcedência da demanda.

A Y - TERRAPLANAGENS impugna o direito da autora à indemnização reclamada sustentando que esta bem sabia não ser a proprietária da máquina não lhe assistindo, pois, qualquer razão já que o direito de retenção que reclama não confere qualquer direito a usar a mesma.

Deduz reconvenção contra:

X, Terraplanagens, Unipessoal, Ldª. (autora)
Companhia de Seguros A., S.A. (1ª ré);
Materiais de Construção DM, Ldª. (3ª ré);
António (4º réu),

Requer que sejam

Todos os reconvindos condenados a pagar o custo da reparação da máquina, cujo montante deverá ser apurado na presente acção, em sede da perícia que irá ser requerida pela reconvinte;
Ser a autora/reconvinda condenada a pagar à reconvinte a quantia de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), acrescida de juros contados desde a sua notificação até efectivo e integral pagamento, ainda suscita a intervenção de terceiros os aqui RR ao lado da autora para serem demandados como reconvindos.
A autora respondeu a sustentar a improcedência da reconvenção.
Também a Ré Materiais de Construção DM, Lda respondeu a sustentar a insustentabilidade da reconvenção.
Tendo sido requerida a intervenção principal dos co- RR Companhia de Seguros A., S.A. (1ª ré); Materiais de Construção DM, Ldª. (3ª ré); António (4º réu) a fim destes serem demandados como partes reconvindas nos autos, foi a mesma indeferida com os seguintes fundamentos:

“Questão prévia:

Quanto ao incidente de intervenção principal dos co- RR Companhia de Seguros A., S.A. (1ª ré); Materiais de Construção DM, Ldª. (3ª ré); António (4º réu) a fim destes serem demandados como partes reconvindas nos autos, afigura-se-nos, que:
É manifesta a falta de fundamento deste incidente em relação aos co réus.
Na verdade, os incidentes de intervenção de terceiros destinam-se a chamar ao processo quem não é parte nos mesmos. A posição de terceiro em relação à causa define-se por oposição a parte.
É terceiro quem não é parte.
Sendo os requeridos intervenientes réus na causa são partes processuais, logo, não podem obviamente ser demandados enquanto terceiros.

Já quanto ao pedido reconvencional, temos por acertado que o artigo 266º do cpc é expresso quando dispõe que: nº 1 “o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.” Note-se que a referida norma não viabiliza a dedução de pedido reconvencional contra os co réus. Seja como for e uma vez que a reconvenção foi admitida liminarmente pelo despacho proferido no Juízo Local Cível de Guimarães, o qual já transitado, ora, apenas cumpre apreciar o mérito daquele o que se fará após a prolação de despacho saneador”.
Posteriormente foi proferida decisão no despacho saneador nos seguintes termos:

“Com fundamento no exposto absolvo os RR da instância quanto aos pedidos formulados pela Autora e julgo totalmente improcedente o pedido reconvencional formulado pela Y de que absolvo a A. e demais co-réus”.

Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso a Autora e a Ré, Y., sendo que, das respectivas alegações desses recursos extraíram, em suma, as seguintes conclusões:

A- Conclusões do recurso interposto pela Autora:

- A A. propôs a presente acção contra a proprietária da máquina giratória em causa, Y, ao abrigo do direito de retenção que lhe confere o disposto no art. 840°, n, °2, última parte, do Cód. de Proc. Civil;

- Tal direito de retenção de que é titular a A. permite a esta deduzir a indemnização pelos danos sofridos pela máquina retida, que ficou danificada e praticamente inutilizada, no acidente em causa nos autos.
É o que resulta das disposições dos arts. 761°, 730° c), 692°n. °1 e 606° n. °1, do citado código, entre si conjugados;

- Na ocasião do acidente referido a máquina encontrava-se estacionada na via pública, e não a operar nas obras de loteamento aí existente;

"J.G- De qualquer modo, sendo certo que o direito de retenção de uma coisa confere ao respectivo credor apenas o direito de a reter e o dever de a não usar sem o consentimento do seu dono (cfr. Arts. 758° e 671 ° do Cód. Civil) entre a violação desse dever legal e a produção dos danos e prática inutilização sofridos pela máquina retida no dito acidente não existe um nexo de causalidade adequada exigida pelo art. 483°, n. °1, do mesmo código, para fundamentar a responsabilidade civil extracontratual;

5ª- Diferente será a pretensa responsabilidade não delitual de A. perante a proprietária da máquina pela utilização da mesma de que tinha apenas o direito de retenção. Mas não é esta a responsabilidade pelos danos e prática inutilização que a máquina nesse acidente sofreu por facto ilícito de terceiro que se está a apreciar aqui;

6°- Por estas razões tem de se concluir que não existe a inaptidão da petição inicial invocada na sentença recorrida com base no citado art. 786°, n. °2, b) do Cód. de Proc. Civil;

7- Sendo assim, e também porque, como se disse em supra 9 da motivação de recurso a ilegitimidade activa da A. para propor a presente acção, não tem fundamento a absolvição dos RR. da instância quanto aos pedidos formulados pela A. decidida na sentença recorrida;

8°- Na douta sentença recorrida violou-se o disposto no art. 840°, n. °2, última parte, art. 483°, n. º1, arts. 761 º, 730° c), 692° n. 1 e 606° n. 1 entre si conjugados, do Cód. Civil.

B- Conclusões do recurso interposto pela Ré, Y.:

I- Doutrinalmente, o entendimento seguido relativamente à conversão da execução, foi sempre no sentido de que a mesma só existiria nos casos em que a perda do bem era total, isto é, naqueles casos em que nunca o exequente conseguiria fazer ingressar no seu património o bem objecto da execução.

II- Tendo o bem sido entregue à recorrente, num estado de total inoperacionalidade, com danos que impedem a sua utilização, ainda que parcial, a questão que se coloca é se a reparação dos prejuízos pode, ou não, ser dirimida em sede de execução, no âmbito do artº.867º do Cód. Proc. Civil, nomeadamente quando existem outros responsáveis para além da executada, tendo a resposta de ser negativa.

III- Isto porque, a conversão da execução, consagrada no artigo 867º, n.º 1, do Código de Processo Civil é uma norma excepcional; como tal, não admite aplicação analógica, nomeadamente, aos caos em que a coisa objecto da “execução especifica” tenha sido apreendida e entregue ao exequente, ainda que “vandalizada, inutilizada e desvalorizada”.

IV- Assim sendo, ao considerar que o meio próprio para a recorrente obter a reparação dos danos sofridos pela máquina de que é proprietária, e objecto de execução, é o próprio processo executivo, violou o Meritíssimo Tribunal a quo o disposto no artº. 867º do Cód. Proc. Civil.

V- No que ao caso sub judice concretamente diz respeito, a questão da admissibilidade da reconvenção já tinha sido anteriormente decidida por douta decisão transitada em julgado, conforme, aliás, é expressamente referido pelo Meritíssimo Tribunal a quo na douta decisão recorrida, sob a epígrafe “Questão Prévia”.

VI- A única pronúncia que era admissível por parte do Meritíssimo Tribunal a quo em matéria de reconvenção, era apenas no sentido de a mesma ser ou não passível de ser julgada procedente por questões de mérito, e não por questões processuais, uma vez que essas tinha ficado ultrapassadas com o trânsito em julgado do douto despacho que admitiu a reconvenção.

VII- In casu, alicerçando-se no mesmo argumento em que, no seu douto entender, justificava a inadmissibilidade da reconvenção, o Meritíssimo Tribunal a quo limitou-se a reiterar que os co-réus da recorrente não podiam ser condenados na reconvenção, por razões de ordem processual.

VIII- Tendo transitado em julgado o douto despacho que admitiu a reconvenção, todos os requisitos processuais de admissibilidade da reconvenção foram considerados verificados e válidos, pelo que nunca poderia ser colocada em causa nos presentes autos a possibilidade de todos os reconvintes serem condenados no pedido formulado em sede de reconvenção pela autora por razões processuais.

IX- Para além disso, a posição sufragada pelo Meritíssimo Tribunal a quo também impediria sempre a recorrente de ser ressarcida dos seus prejuízos, na medida em que ao absolver do pedido todos os réus, nunca mais aquela poderia demandar estes em qualquer outra acção declarativa para ser ressarcido dos seus danos, o que contraria em si mesmo a tese do erro na forma do processo.

X- Assim, face ao supra exposto, verifica-se que a douta decisão aqui em crise enferma do vício de nulidade, por existir contradição entre os seus fundamentos e a decisão e por se pronunciar sobre questões que não podia conhecer – cfr. artº. 615º, nº1, alíneas c) e d).

XI- In casu o Meritíssimo Tribunal a quo considerou que réus numa acção são partes processuais e que, por isso, nunca poderão ser demandados enquanto terceiros.

XII- Estando preenchidos os requisitos processuais da reconvenção, por decisão transitada em julgado, nada impede que um réu faça intervir na “sua acção” contra o autor, ao lado deste, os restantes co-réus, ou só alguns deles, pois, se é lícito chamar terceiros à reconvenção não se percebe a razão porque aqueles que já estão no processo enquanto réus não o possam ser precisamente por terem essa qualidade.

XIV- Isto porque a reconvenção configura uma nova acção cuja ligação com a acção principal apenas tem de obedecer aos requisitos processuais, não sendo entendível que a mesma factualidade tenha que ser discutidas em acções distintas quando todas as partes relacionadas com aquela se encontram já presentes no processo em que é feito o pedido reconvencional.

XV- Ao não entender assim violou o Meritíssimo Tribunal a quo o disposto no artº.6º, nº2, com referência aos artºs.318º, nº2, 620º, nº1, e 625º, todos do Cód. Proc. Civil.

XV- Quando o está em causa a utilização de um meio processual indevido, nunca o tribunal pode conhecer de mérito, uma vez que se está no âmbito de uma excepção dilatória inominada.

XVII- A enumeração das excepções dilatórias feitas no artº.577º do Cód. Proc. Civil não é taxativa, existindo outras que não estão ali referidas, nomeadamente o erro na forma do processo.

XVIII- Na situação aqui em apreço, o Meritíssimo Tribunal a quo ao considerar que o meio processual utilizado pela recorrente para ser ressarcida dos prejuízos sofridos com os danos causados na máquina não era o pedido reconvencional formulado nos presentes autos, nunca poderia ter absolvido os reconvindos do pedido, mas sim da instância.

IX- Ao não entender assim, violou aquele Meritíssimo Tribunal o disposto nos artºs.278º, nº1, alínea e) e 577º, conjugados com os nºs.2 e 3 do artº.576º, todos do Cód. Proc. Civil, pois absolveu os reconvindos do pedido com base em questões processuais e não com base no conhecimento de mérito.
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O Apelados não apresentaram contra alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidenda são, no caso, as seguintes:

- Analisar da existência da excepção dilatória da ineptidão da petição inicial.

- Analisar da existência do vício de nulidade por contradição entre os seus fundamentos e a decisão e por se pronunciar sobre questões que não podia conhecer, previstos no artigo 615, nº 1, als. c) e d), do C.P.C..

- Analisar se a reparação dos prejuízos pode, ou não, ser dirimida em sede de execução, no âmbito do artº. 867º, do Cód. Proc. Civil, nomeadamente, quando existem outros responsáveis para além da executada, e consequentemente, se podia ter sido deduzido o presente pedido reconvencional.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

Além dos factos que constam do relatório que antecede, e com relevância para a decisão do recurso, consta da fundamentação de direito da decisão recorrida o que a seguir se transcreve:

(…)
Da ineptidão da petição inicial:

A autora sustenta o seu direito à indemnização pelos danos sofridos na máquina quando esta se encontrava a operar ao seu serviço.
Sucede que a máquina estava na posse da autora não porque fosse sua propriedade ou sequer porque autora tivesse em relação a ela qualquer direito contratual mas antes porque e não obstante ter sido ordenada a sua entrega por decisão judicial transitada à proprietária a autora entendeu que lhe assistia o direito de retenção em relação ao preço pago.

Vejamos então.
O direito de retenção apresenta duas modalidades, uma prevista no art.754.º do CC – princípio geral – outra prevista nos casos especiais do art.755.º n.º 1 do CC.
No primeiro caso, o ius retentiones consiste na faculdade de não restituir uma coisa, enquanto o credor dessa restituição não cumprir por seu turno, a obrigação que tem para com o retentor.
Neste caso o crédito do retentor tem como fundamento as despesas ou danos causados pela coisa retida.
Por sua vez, nos casos especiais de direito de retenção, previstos nas várias alíneas do art.755.º n.º 1 do CC, o fundamento reside no facto de os créditos garantidos resultarem da mesma relação jurídica de onde resulta a obrigação de entrega da coisa detida.
“O direito real de garantia é o que dá ao credor de algum crédito a prerrogativa de fazer valer seu direito pessoal sobre um bem específico do património do devedor. Portanto, o direito real de garantia visa garantir uma obrigação, ficando a coisa ligada a essa obrigação, especificamente, traduzindo, dessa forma, uma maior tranquilidade pela satisfação da dívida ao credor.
Trata-se da faculdade conferida pela lei ao credor de continuar a detenção de uma coisa pertencente a outrem, para além do momento em que deveria satisfazer a respectiva entrega, se o crédito não existisse, e até a extinção desse crédito.
O artigo 754 do Código Civil Português, diz que “o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados. Seria, na realidade, injusto compelir o credor, pelo menos em certos casos, a entregar a coisa reclamada, sem a concomitante satisfação de seu crédito correspectivo, privando-o assim da garantia natural decorrente da situação preexistente, e sujeitando-o a incómodos, despesas, incertezas e delongas de uma acção judicial, que poderia talvez vir a ser praticamente frustrada nos seus efeitos pela insolvência do devedor.

O Ac do STJ proferido no Processo 05A2158 in dgsi decidiu que “O direito de retenção traduz-se no direito conferido ao credor, que se encontra na posse de coisa que deva ser entregue a outra pessoa, de não a entregar enquanto esta não satisfizer o seu crédito, verificada alguma das relações de conexidade entre o crédito do detentor e a coisa que deva ser restituída a que a lei confere tal tutela. (…) Trata-se de um direito real de garantia - que não de gozo -, em virtude da qual o credor fica com um poder sobre a coisa de que tem a posse, o direito de a reter, direito que, por resultar apenas de uma certa conexão eleita pela lei, e não, por exemplo, da própria natureza da obrigação, representa uma garantia directa e especialmente concedida pela lei”.

Acresce que o direito de retenção é um direito real de garantia, de natureza causal, não abstracta.

Quem invoque direito de retenção nos termos do disposto no art.º 755, n.º 1, al. f), do CC, necessita de alegar (e provar) o respectivo crédito, em concreto relativamente ao titular do direito de propriedade da coisa.

Não resulta do teor da petição inicial nem a autora alega que tenha um crédito sobre a proprietária da máquina, já que o alegado prejuízo referente ao pagamento do preço na execução, não pode ser transferido para a esfera da proprietária reivindicante.

Daí que não se anteveja sequer como possa em relação a esta sustentar a existência de um direito de retenção.

Mas e ainda que o pudesse fazer, não se vê como é que o direito de retenção que é um mero direito de garantia e como tal apenas confere ao seu titular o direito de se fazer pagar pela coisa, avalize o pedido de indemnização pelos danos sofridos na máquina quando esta se encontrava a operar por conta da autora a quem como se disse não assistia qualquer legitimidade para usar a mesma uma vez que como se escreveu no Ac do STJ supra citado o direito de retenção não confere o gozo da coisa. Trata-se de um mero direito real de garantia.

Daí que a petição inicial seja completamente inepta, por verificação da previsão do artº 183 nº 1 b) do cpc norma que dispõe que petição é inepta “quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir” já que no caso dos autos falta esse nexo causal porquanto o direito de retenção alegado não faculta o gozo da coisa nem se confunde com o direito de propriedade da mesma e consequentemente o direito à indemnização por prejuízos sofridos por esta.

A ineptidão é uma nulidade insanável que conduz à absolvição dos réus da instância, nos termos dos artigos 196.º, 1ª parte, 274º, nº 1, alínea b), 576.º, nº 2, 577.º, alínea b), e578.º do mesmo diploma.

Da manifesta improcedência do pedido reconvencional.

A Ré Y fundamenta o seu pedido reconvencional nos prejuízos sofridos com o sinistro ocorrido com a máquina sua propriedade e bem assim na sua não entrega imputando à autora e demais co réus a responsabilidade pelos factos relatados.

Sucede que como a própria Y invoca na sua contestação -artigo 126º instaurou processo executivo para entrega da máquina dos autos vindo, do que, se, percebe do teor deste artigo a ser restituída da máquina em 30.06.2016.
Temos para nós que qualquer direito em relação à máquina ser deduzido contra a autora terá de correr termos no processo executivo, designadamente, aquele que decorre do facto de a máquina recuperada não corresponder à máquina objecto do título executivo.

Essa mesma é a previsão do artigo 867º do Código de Processo Civil que expressamente diz:

“1-Quando não seja encontrada a coisa que o exequente devia receber, este pode, no mesmo processo, fazer liquidar o seu valor e o prejuízo resultante da falta da entrega, observando-se o disposto nos artigos 358.º, 360.º e 716.º, com as necessárias adaptações.
2 - Feita a liquidação, procede-se à penhora dos bens necessários para o pagamento da quantia apurada, seguindo-se os demais termos do processo de execução para pagamento de quantia certa”.

Naturalmente que o procedimento é válido tanto para a não entrega como para a entrega imperfeita, pois em ambos os casos a execução não atingiu o seu fim.

Deste modo, se conclui pela manifesta inviabilidade do pedido aqui formulado nestes autos, seja porque o réu não pode obter a condenação processual dos seus co réus, seja porque o direito a exercitar contra a autora não o é por esta via.

Daí que concluo pela absolvição dos reconvindos quanto a este.

Segue decisão:

Com fundamento no exposto absolvo os RR da instância quanto aos pedidos formulados pela Autora e julgo totalmente improcedente o pedido reconvencional formulado pela Y de que absolvo a A. e demais co-réus
Custas por A e RR conforme vencidos.

(…)
Fundamentação de direito.

A- Apelação interposta pela Autora.

Ora, como resulta de tudo o exposto, considera a decisão recorrida que sendo direito de retenção um direito real de garantia, de natureza causal, não abstracta, quem o invoque nos termos do disposto no art.º 755, n.º 1, al. f), do CC, necessita de alegar (e provar) o respectivo crédito, em concreto relativamente ao titular do direito de propriedade da coisa.

E assim sendo, aí se entende que, não resultando do teor da petição inicial, nem alegando a autora, que tenha um crédito sobre a proprietária da máquina, já que o alegado prejuízo referente ao pagamento do preço na execução, não pode ser transferido para a esfera da proprietária reivindicante, igualmente não se poderá em relação a esta sustentar a existência de um direito de retenção.

Mas e ainda que o pudesse fazer, não se vê como é que o direito de retenção que é um mero direito de garantia e como tal apenas confere ao seu titular o direito de se fazer pagar pela coisa, avalize o pedido de indemnização pelos danos sofridos na máquina quando esta se encontrava a operar por conta da autora a quem como se disse não assistia qualquer legitimidade para usar a mesma uma vez que o direito de retenção não confere o gozo da coisa.
Trata-se de um mero direito real de garantia.

E com estes fundamentos considera que a petição inicial será completamente inepta, por verificação da previsão do artº 183 nº 1 b) do C.P.C., que prescreve que petição será inepta “quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir”, já que no caso dos autos falta esse nexo causal, porquanto o direito de retenção alegado não faculta o gozo da coisa nem se confunde com o direito de propriedade da mesma e, consequentemente, o direito à indemnização por prejuízos sofridos por esta.

Por sua vez alega o Recorrente, em síntese, que propôs a presente acção contra a proprietária da máquina giratória em causa, a Ré Y, ao abrigo do direito de retenção que lhe confere o disposto no art. 840°, n, ° 2, última parte, do Cód. de Proc. Civil, sendo que, tal direito, de que é titular a A., permite a esta deduzir a indemnização pelos danos sofridos pela máquina retida, que ficou danificada e praticamente inutilizada, no acidente em causa nos autos, que na ocasião do referido acidente se encontrava estacionada na via pública, e não a operar nas obras de loteamento ai existente.

De qualquer modo, sendo certo que o direito de retenção de uma coisa confere ao respectivo credor apenas o direito de a reter e o dever de a não usar sem o consentimento do seu dono (cfr. Arts. 758° e 671 ° do Cód. Civil), entre a violação desse dever legal e a produção dos danos e prática inutilização sofridos pela máquina retida no dito acidente, não existe um nexo de causalidade adequada exigida pelo art. 483°, n. °1, do mesmo código, para fundamentar a responsabilidade civil extracontratual.

Diferente será a pretensa responsabilidade não delitual da A. perante a proprietária da máquina pela utilização da mesma de que tinha apenas o direito de retenção, sendo que, no entanto, não é esta a responsabilidade pelos danos e prática inutilização que a máquina nesse acidente sofreu por facto ilícito de terceiro que se está a apreciar aqui.

Por estas razões tem de se concluir que não existe a ineptidão da petição inicial invocada na sentença recorrida com base no citado art. 786°, n. °2, b) do Cód. de Proc. Civil.

Definidos os termos da controvérsia vejamos então se, efectivamente, se verifica ou não a mencionada excepção da ineptidão da petição inicial.

E como é evidente, a análise desta questão pressupõe, desde logo, que se apure a natureza, conceito, requisitos legais e o regime do direito de retenção.

Os direitos reais (jura in re), que versam sobre coisas (res), constituem poderes directos e imediatos (que satisfazem o interesse do titular sem necessidade de mediação de outra pessoa), que se impõem à generalidade dos membros da colectividade jurídica (direitos absolutos), obrigando-os a abster-se de tudo o que perturbe esse senhorio (domínio) do sujeito (1).

Direitos reais por excelência são os direitos reais de gozo (direito de propriedade, de usufruto, de uso e habitação, de superfície, de servidão, de habitação periódica), que conferem ao seu titular uma margem, maior ou menor, de gozo e/ou fruição da coisa.

Também se enquadram na categoria os direitos reais de aquisição (promessas reais de alienação ou oneração, direitos reais de preferência e direitos potestativos de aquisição), que permitem ao seu titular o poder de adquirir em consequência um outro direito, seja ele um direito real de gozo, um direito real de garantia ou mesmo um direito obrigacional.

Ao lado destes, e constituindo também uma categoria de direitos reais, os direitos reais de garantia (consignação de rendimentos, penhor, hipoteca, privilégios creditórios e direito de retenção), que constituem garantias reais das obrigações (2).

Os direitos reais de garantia conferem o poder de, pelo valor de uma coisa ou pelo valor dos seus rendimentos, um credor obter, com preferência sobre todos os outros credores, o pagamento da dívida de que é titular activo (3).

O direito de retenção está consagrado na lei como um direito real de garantia, equiparando-se o seu titular ao credor pignoratício ou hipotecário, consoante recaia (incida) sobre um bem móvel ou imóvel, respectivamente (arts. 758º e 759º do C.C.), sendo que, além da sua função coerciva (retenção da coisa, que funciona como aguilhão cravado na vontade do devedor para que cumpra a obrigação a que se encontra adstrito perante o credor retentor), tem uma função de garantia, incorporando um verdadeiro direito real de garantia (4).

O direito de retenção é um direito real de garantia que, quando incide sobre móvel, faculta ao seu titular, nos termos do art. 758º, nº 1 do C.C., a possibilidade de o executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor (prevalecendo mesmo sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente – art. 759º, nº 2 do C.C.).

Em termos genéricos, o direito de retenção consiste na faculdade conferida ao credor, que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de, não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também, de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores (5).

Com tal direito de retenção adquire o credor o direito de usar, relativamente à coisa retida, das acções destinadas à defesa da posse, ainda que seja contra o próprio dono – arts. 758º, 759º, nº 3 e 670º, a) do C.C..

Trata-se de uma manifestação do direito de sequela comum aos direitos reais – tendo eficácia erga omnes, existe obrigação universal de abstenção de perturbação do seu exercício.

Não há direito real sem sequela nem esta existe em quaisquer outros direitos – o direito real, como poder que incide sobre as coisas de forma imediata, subsiste sobre a coisa, segue-a através de todas as contingências e subsiste sobre a coisa independentemente das mudanças que possam ocorrer na titularidade dos demais direitos que sobre ela também concorram (6).

Importa reter que a função coerciva do direito de retenção só vale relativamente ao devedor – e não já relativamente a outrem (veja-se o disposto no art. 754º do C.C.).

Certo que se o devedor transmitir o direito de propriedade sobre a coisa a terceiro, este (terceiro adquirente) passará a ficar obrigado nos mesmos termos em que o estava o alienante, relevando, porém, aqui nesta circunstância, a natureza real do direito de retenção.

Assim, e na generalidade das situações, o direito de retenção manifesta-se na sua função de garantia real – exigência erga omnes (de todos) do dever de abstenção de actos que perturbem o seu exercício (ou que ponham esse exercício em perigo).

O uso da tutela possessória pelo titular do direito de retenção está funcionalmente limitado pelos interesses que este direito visa salvaguardar e pela sua natureza de direito real de garantia.

Não se trata de tutela possessória com âmbito de aplicação equivalente ao do possuidor em nome próprio – a tutela possessória que a lei estende e faculta ao titular do direito de retenção destina-se a permitir a este manter (ou recuperar) a traditio rei que é dele requisito, mas apenas e só na exacta medida em que seja necessária à conservação do direito.

Ora, dispondo o artigo 754, do Código Civil, que “o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”, vejamos então quais são os requisitos em que deve assentar o seu reconhecimento, em ordem a indagar e a esclarecer se na presente situação se verificam.

E, pese embora se reconheça a relevância da existência ou não e da natureza da posse incidente sobre o bem, sobre o qual venha a incidir o eventual direito de retenção, desde já diremos que, para o seu reconhecimento, a posse não assume a relevância crucial e abstracta, reconhecendo-se mesmo a existência de situações de mera detenção em que se consagra o direito de retenção.

O direito de retenção concretiza assim o princípio da equidade, de dar a cada um o que é seu, pois não faria sentido compelir o credor, pelo menos em certas situações, a entregar a coisa reivindicada, sem a correspectiva satisfação de seu crédito correspectivo, privando-o assim da garantia natural decorrente da situação preexistente, e sujeitando-o a incómodos, despesas, incertezas e delongas de uma acção judicial, que poderia talvez vir a ser praticamente frustrada nos seus efeitos pela insolvência do devedor.

Como escreve Vaz Serra, (…) quem pede a coisa, sem ter realizado a condição de que depende o nascimento, ou pelo menos o exercício do seu direito, ofende o réu, porque é fazer-lhe injúria o pedir em juízo sem razão; igualmente, quem pede a coisa sem reembolsar as despesas feitas pelo detentor para a conservação, ofende-o, porque a coisa está naquela condição apenas devido à despesa feita. (7)

O direito de retenção será, assim, uma espécie de legítima defesa do património do credor, em ordem a garantir a satisfação da dívida, conquanto esteja em posse de bem do devedor, desde que observados determinados requisitos que acompanham a posse do bem retido.

E são os artigos 754 a 756, do C. Civil, que prevêem os requisitos do direito de retenção, aí se determinando como pressupostos do direito de retenção, primeiramente, a existência de uma conexão causal entre a coisa e o crédito a ser recebido, conexão essa que tanto pode resultar de despesas feitas pela coisa ou danos por ela causados, como por exemplo, o arranjo de um veículo, onde a oficina mecânica, não recebendo o valor da reparação pelo serviço prestado, poderá reter o aludido veículo, ou de uma relação legal ou contratual, como se depreende do teor do artigo 755, do citado diploma, que são os chamados casos especiais, onde não há, necessariamente, uma relação directa do crédito e da coisa, como o caso do albergueiro que pode reter as coisas levadas à pousada pelas pessoas albergadas.

O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender que “o direito de retenção traduz-se no direito conferido ao credor, que se encontra na posse de coisa que deva ser entregue a outra pessoa, de não a entregar enquanto esta não satisfizer o seu crédito, verificada alguma das relações de conexidade entre o crédito do detentor e a coisa que deva ser restituída a que a lei confere tal tutela. (…) Trata-se de um direito real de garantia - que não de gozo -, em virtude da qual o credor fica com um poder sobre a coisa de que tem a posse, o direito de a reter, direito que, por resultar apenas de uma certa conexão eleita pela lei, e não, por exemplo, da própria natureza da obrigação, representa uma garantia directa e especialmente concedida pela lei”. (8)

Temos então, que, para o exercício do direito de retenção, é necessário uma conexão lógica entre a coisa e o crédito, motivo este pelo qual a coisa passa a se vincular e ser tida como garantidora do crédito, oponível, inclusive, erga omnes, embora, a lei, em alguns momentos, crie situações diversas, onde se poderá exercer esse direito, mesmo que não haja a conexão requisitada entre coisa e crédito.

O direito de retenção não poderá, assim, ser exercido por aquele que tenha detido a coisa de maneira ilícita ou a constituição do crédito tenha resultado de despesas efectuadas de má-fé.

Como refere Menezes Leitão, “temos assim um pressuposto geral do direito de retenção que é a não actuação de má fé por parte do retentor, podendo essa má fé resultar, quer da aquisição ilícita da coisa, com o conhecimento do retentor, quer da própria constituição do crédito fazendo despesas em coisa que se sabia não lhe pertencer. A má fé é aqui entendida em sentido subjectivo, como a consciência da ilicitude da aquisição da coisa ou da lesão do credor em face da realização da despesa”. (9)

Será este um pressuposto lógico decorrente do próprio direito, pois não faria sentido beneficiar aquele que age de forma ilícita ou de má fé, sob pena de se ofender os mais elementares princípios gerias do Direito.

Como é óbvio, aquele que realiza benfeitorias em coisa que sabe-se não ser sua, e o faz sem autorização, não tem, depois, direito à reter essa coisa enquanto não for pago pelos acréscimos ou melhoramentos realizados.

De tudo resulta que, o direito de retenção se traduz no direito conferido ao credor, que se encontra na posse de coisa que deva ser entregue a outra pessoa, de não a entregar enquanto esta não satisfizer o seu crédito, verificada alguma das relações de conexidade entre o crédito do detentor e a coisa que deva ser restituída a que a lei confere tal tutela - arts. 754º e 755º C. Civil -, que constitui um direito real de garantia - que não de gozo -, em virtude da qual o credor fica com um poder sobre a coisa de que tem a posse, o direito de a reter.

E para que se verifique o seu reconhecimento e existência de tal direito, por resultar apenas de uma certa conexão eleita pela lei, é imprescindível que o credor tenha um crédito relacionado, nos termos legalmente previstos, com a coisa retida, pois só assim se lhe pode reconhecer o direito de garantia, válido erga omnes e atendível no concurso de credores.

Só nessas circunstâncias é que ao retentor, que não pode opor-se à execução, singular ou universal, movida por outros credores, é assegurada a posição preferencial que legitima a recusa em abrir mão da coisa até ao pagamento do seu crédito.

E à luz destas considerações parece-nos também incontroversa a ineptidão da petição inicial.

Na verdade, estabelece o artigo 186º, n.º 2, als a) a c), do CPC, que a petição inicial se diz inepta “quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”, “quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir” ou “quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis”.

A respeito da causa de pedir decidiu o Acórdão do STJ de 30 de Abril de 2003 (que afirma no nosso direito adjectivo, e quanto à causa de pedir, a teoria da substanciação) pode-se definir causa de pedir como sendo o acto ou facto jurídico de que deriva o direito que se invoca ou no qual assenta o direito invocado pelo autor. E, "quando se diz que a causa de pedir é o acto ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer, tem-se em vista não o facto jurídico abstracto, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico concreto cujos contornos se enquadram na definição legal. A causa de pedir é, pois, o facto produtor de efeitos jurídicos apontado pelo autor e não a qualificação jurídica que este lhe emprestou ou a valoração que o mesmo entendeu dar-lhe". (10)

Ora, desde logo, "com a figura da ineptidão da petição inicial visa-se, em primeiro lugar, evitar que o tribunal seja colocado na impossibilidade de julgar correctamente a causa, decidindo sobre o mérito, em face da inexistência de um pedido e de uma causa de pedir, ou de um pedido e uma causa de pedir que se não encontrem deduzidos em termos inteligíveis, visto só dentro dessas balizas se mover o exercício da actividade jurisdicional declaratória do direito". (11)

O autor terá, pois, que na petição formular um pedido inteligível, quanto ao objecto mediato e imediato, indicando o facto genético do direito ou da pretensão que pretende fazer valer, não lhe sendo, todavia, exigido que faça, desde logo, uma exposição completa do elemento factual.

Ora, como decorre de tudo o exposto e se salienta na decisão recorrida quem invoque direito de retenção nos termos do disposto no art.º 755, n.º 1, al. f), do CC, necessita de alegar (e provar) o respectivo crédito, em concreto relativamente ao titular do direito de propriedade da coisa.

E, como igualmente aí se refere, não resulta do teor da petição inicial nem a Autora alega que tenha um crédito sobre a proprietária da máquina, já que o alegado prejuízo referente ao pagamento do preço na execução, não pode ser transferido para a esfera da proprietária reivindicante e daí que, consequentemente, se não possa sustentar, em relação a esta, a existência de um direito de retenção.

Mas e ainda que o pudesse fazer, temos que dizer que, efectivamente, não se vislumbra como é que o direito de retenção que é um mero direito de garantia e como tal apenas confere ao seu titular o direito de se fazer pagar pela coisa, avalize o pedido de indemnização pelos danos sofridos na máquina quando esta era indevidamente retida pela Autora, a quem como não assistia qualquer o direito de retenção que legitimasse a sua detenção dessa máquina.

É certo que podem existir casos de maior complexidade em que credor e proprietário da coisa sejam pessoas diferentes.

E nestes casos se, por um lado, temos que não seria válido o devedor da coisa retê-la contra seu próprio dono, quando este desconhecia, realmente, que a coisa havia sido entregue a outra pessoa para realização de benfeitorias, por outro, igualmente se não pode ignorar que este devedor agiu de boa-fé, sendo este um dos requisitos previstos no Código Civil português (art. 756, b), e, portanto, não pode ser ele penalizado pelas benfeitorias de boa-fé realizadas na coisa, sendo que não sabia quem era seu real dono, uma vez que aquele que não era, efectivamente, o proprietário da coisa, lhe apareceu como se o proprietário fosse.

Certo que, nestes casos, aceitar que deveria haver a entrega sem resistência pelo devedor da coisa importa anuir com o enriquecimento ilícito do credor da coisa, que teve sua coisa melhorada e ainda nada teve de despesas com isso.

Assim, o que parece mais ajustado, será que efectivamente o direito de retenção seja exercitado nestes caos.

Todavia, havendo acção judicial que determine a entrega da coisa, esta deverá ser entregue, sendo que, no entanto, o devedor da coisa conservará em seu direito todos os benefícios concedidos pelo direito de retenção, podendo exercitá-los, mesmo não estando mais na posse da coisa, uma vez que não a entregou pacificamente.

Todavia, e como decorre de tudo o acabado de expender, não é uma situação deste género a que se verifica nos presente autos já que inexistindo o direito de retenção sobre a coisa na esfera jurídica da Autora (pois como direito real de garantia só poderia ser reconhecido se credor tivesse- que não tem - um crédito relacionado, nos termos legalmente previstos, com a coisa retida, válido erga omnes), e que mesmo a existir não faculta o gozo da coisa nem se confunde com o direito de propriedade, consequentemente, inexiste também o direito à indemnização por prejuízos sofridos por esta, resultando, assim, como evidente a falta esse nexo causal entre a causa de pedir e o pedido, e logo, a ineptidão da petição inicial, nos termos dos artigos 196.º, 1ª parte, 274º, nº 1, alínea b), 576.º, nº 2, 577.º, alínea b), e 578.º do C.P.C..

Improcede, assim, a presente apelação, com a consequente confirmação da decisão recorrida.

B- Apelação interposta pela Ré.

Veio a Ré alegar que a decisão recorrida enferma do vício de nulidade por contradição entre os seus fundamentos e a decisão e por se pronunciar sobre questões que não podia conhecer, previstos no artigo 615, nº 1, als. c) e d), do C.P.C..

Dispõe o artigo 615.º n.º 1 al. c), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Ora, de acordo com esta disposição legal esta causa de nulidade, apenas ocorre naquelas situações em que se verifica uma oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos em que se alicerça, ou seja, em todos aqueles casos em que ocorre uma contradição real entre os fundamentos e a decisão, por existência de um vício real no raciocínio do julgador, em que a fundamentação e a decisão não se articulam entre si numa relação de coerência, apontando antes em sentidos ou direcções opostas ou, pelo, menos, diferentes, em que, simultaneamente, os fundamentos não são passíveis de alicerçar a decisão, e esta última também não decorre como uma ilação sustentada e coerente da concreta fundamentação (12).

A sentença será, assim, nula porque entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se na fundamentação da sentença o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.

Resulta assim como evidente que ao consagrar este regime visou a lei abranger todas aquelas situações em que a construção ou elaboração da sentença se encontra viciada por virtude de os fundamentos nela mencionados conduzirem, inelutavelmente, a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, daquela que foi tomada, encontrando-se fora do âmbito deste vício a errada subsunção dos factos à norma jurídica, bem como, a errada interpretação dela, que configuram o erro de julgamento (13).

Na verdade, não deve confundir-se tal nulidade com o erro na de subsunção dos factos à norma jurídica: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade. (14)

Assim, a oposição entre fundamentos de facto e a decisão não constitui o vício ali previsto, mas sim erro de julgamento, sendo que, a existir, o vício que daí resultaria não seria a nulidade da sentença recorrida, mas antes o previsto na alínea c), do nº 2, do artigo 662º do C.P.C., de harmonia com o qual a Relação deve oficiosamente, “anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.”

A contradição entre factos ou entre fundamentos de facto e a decisão, são, assim, vícios cuja apreciação não está dependente da iniciativa das partes.

O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste tanto na contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, como também entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou até mesmo entre a fundamentação e a decisão, ou seja, uma situação em que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão.

Por sua vez, a nulidade por conhecimento indevido ou excesso de pronúncia, verifica-se, em tese, em todos aqueles casos em que sejam conhecidas e apreciadas questões que na sentença não podiam ser tratadas ou julgadas, por não terem sido colocadas em causa por qualquer das partes e não serem de conhecimento oficioso.

Este tipo de nulidade, tal como a omissão de pronúncia, está também directamente relacionada com o comando legal fixado no nº 2, do artº 608º, do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Esta norma suscita o problema de se saber qual o sentido exacto da expressão «questões» nele empregue, sendo elucidativos os ensinamentos de Alberto dos Reis, o qual refere que “(…) assim como a acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (…) também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado”. (15)

E, assim sendo, óbvio resulta que o conceito (questões) terá de ser considerado num sentido amplo, ou seja, englobando tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que sobre elas as partes hajam suscitado.

Daí que a doutrina e a jurisprudência distinguem, por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” e, concluem que só a falta de apreciação das primeiras – das "questões” – integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das «razões» ou «argumentos» invocados para concluir sobre as questões. (16)

De tudo decorre, assim, que não basta à regularidade da decisão a fundamentação que contém, revelando-se ainda necessário que trate e aprecie o divergência jurídica carreada para autos pelas partes, podendo assim considerar-se que esta causa de nulidade da decisão complementa a da nulidade por falta de fundamentação, pois que, o contraditório proporcionado às partes com relação aos aspectos jurídicos da causa não pode deixar de encontrar a devida expressão e resposta na decisão. (17)

Destarte e sintetizando, estando defeso ao Juiz ocupar-se de questões não suscitadas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso, a nulidade da decisão por pronúncia indevida (conhecimento indevido), constituindo hipótese inversa à da omissão de pronúncia, apenas ocorre nos casos em que na decisão se conhece questão de que não se podia tomar conhecimento.

Revertendo agora à análise da situação vertente temos que, a fundamentar a alegada nulidade alega a Recorrente que a decisão recorrida não podia ter levantado a questão da admissibilidade da reconvenção, uma vez que esta questão já tinha sido anteriormente decidida por decisão transitada em julgado.

E mais alega que o entendimento seguido relativamente à conversão da execução, foi sempre no sentido de que a mesma só existiria nos casos em que a perda do bem era total, isto é, naqueles casos em que nunca o exequente conseguiria fazer ingressar no seu património o bem objecto da execução.

Sucede que, tendo o bem sido entregue à recorrente, num estado de total inoperacionalidade, com danos que impedem a sua utilização, ainda que parcial, a questão que se coloca é se a reparação dos prejuízos pode, ou não, ser dirimida em sede de execução, no âmbito do artº. 867º do Cód. Proc. Civil, nomeadamente quando existem outros responsáveis para além da executada, tendo a resposta de ser negativa.

Isto porque, a conversão da execução, consagrada no artigo 867º, n.º 1, do Código de Processo Civil é uma norma excepcional que, enquanto tal, não admite aplicação analógica, nomeadamente, aos casos em que a coisa objecto da “execução especifica” tenha sido apreendida e entregue ao exequente, ainda que “vandalizada, inutilizada e desvalorizada”.

E assim sendo, ao considerar que o meio próprio para a recorrente obter a reparação dos danos sofridos pela máquina de que é proprietária, e objecto de execução, é o próprio processo executivo, violou Tribunal a quo o disposto no artº. 867º do Cód. Proc. Civil, pois que, a questão da admissibilidade da reconvenção já tinha sido anteriormente decidida por decisão transitada em julgado, conforme, aliás, é expressamente referido pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, sob a epígrafe “Questão Prévia”.

Destarte, em seu entender, a única pronúncia que era admissível por parte do Tribunal a quo em matéria de reconvenção, era apenas no sentido de a mesma ser ou não passível de ser julgada procedente por questões de mérito, e não por questões processuais, uma vez que essas tinha ficado ultrapassadas com o trânsito em julgado do douto despacho que admitiu a reconvenção.

Na verdade, tendo transitado em julgado o despacho que admitiu a reconvenção, todos os requisitos processuais de admissibilidade da reconvenção foram considerados verificados e válidos, pelo que nunca poderia ser colocada em causa nos presentes autos a possibilidade de todos os reconvintes serem condenados no pedido formulado em sede de reconvenção pela autora por razões processuais.

Ora, isto considerado, temos que a propósito do pedido reconvencional refere-se na decisão recorrida, como questão prévia, o seguinte:

“Quanto ao pedido reconvencional, temos por acertado que o artigo 266º do cpc é expresso quando dispõe que: nº 1 “ o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.”
Note-se que a referida norma não viabiliza a dedução de pedido reconvencional contra os co réus. Seja como for e uma vez que a reconvenção foi admitida liminarmente pelo despacho proferido no Juízo Local Cível de Guimarães, o qual já transitado, ora, apenas cumpre apreciar o mérito daquele o que se fará após a prolação de despacho saneador”.

Ora, a propósito da decisão de admissibilidade da reconvenção refere-se no acórdão da elação de Lisboa, de 22/04/2010, o seguinte:

(…)
Na acção declarativa com processo comum sob a forma ordinária, que M... move a R..., e que foi inicialmente distribuída ao ... Juízo Cível-... Secção da Comarca de Lisboa, deduziu o Réu, na sua contestação, reconvenção.
Vindo a ser proferido, com data de 2007-09-24, o despacho reproduzido a fls. 69, que expressamente admitiu “a reconvenção deduzida, nos termos do disposto nos artigos 274º, n.º 2, al. a), n.º 3 e art. 501º, n.º 1 do C.P.C.”.


Mais declarando – na consideração de na sequência da dedução da reconvenção o valor da causa ter passado a ser de € 20.000,00 – a incompetência dos juízos cíveis, em razão do valor, para tramitar os autos e ordenando que, após trânsito, fosse rectificada a distribuição, remetendo-se os autos às Varas Cíveis da comarca de Lisboa.

Na ... Vara Cível – ... Secção, a que os autos foram distribuídos, foi proferido, com data de 2007-11-21, o despacho reproduzido a folhas 57 a 59, que, decidiu ser inadmissível a deduzida reconvenção.
(…)
A decisão sobre a admissibilidade daquela – que segundo parte da doutrina deverá ter lugar no despacho saneador – implica sempre a confirmação dos requisitos de tal admissibilidade. (18)

(…)
Decorre do disposto no art.º 666º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, que após o proferimento de uma decisão judicial, verifica-se a extinção do poder jurisdicional do juiz, o que significa que o tribunal não pode, motu próprio, voltar a pronunciar-se sobre a matéria apreciada.

Nas palavras de Teixeira de Sousa, (19) “desta extinção decorrem dois efeitos: - um efeito negativo, que é a insusceptibilidade de o próprio tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar; - um efeito positivo, que é a vinculação desse tribunal à decisão por ele proferida”.

O juiz poderá ainda rectificar erros materiais, suprir alguma nulidade processual, esclarecer a decisão ou reformá-la quanto a custas ou multa.
Mas, como referem Antunes Varela. J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, (20) “o que não pode é alterar já a decisão, nem os seus fundamentos. Não pode já modificar o seu sentido ou alcance”.


Para além dos efeitos decorrentes da extinção do poder jurisdicional temos ainda que não sendo a decisão impugnada, transitando, pois, em julgado, tal “realiza…um efeito negativo, que se traduz na insusceptibilidade de qualquer tribunal (…) se voltar a pronunciar sobre a decisão proferida, - um efeito positivo, que resulta da vinculação do tribunal que proferiu a decisão e, eventualmente, de outros tribunais ao que nela foi definido ou estabelecido.”.

São os efeitos processuais do caso julgado.
Do caso julgado formal se ocupando o art.º 672º, do Código de Processo Civil, nos termos do qual “Os despachos, bem como as sentenças, que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, salvo se por sua natureza não admitirem o recurso de agravo”.

Anotando a propósito José Lebre de Freitas. A. Montalvão Machado. Rui Pinto, (21) que “O despacho que recai unicamente sobre a relação processual não é (…) apenas o que se pronuncia sobre os elementos subjectivos e objectivos da instância... e a regularidade da sua constituição…mas também todo aquele que, em qualquer momento do processo, decide uma questão que não é de mérito”.

Em tal espécie decisória se incluindo assim, como também anotam aqueles autores, “Quer a sentença de absolvição da instância…quer a sentença que decida um incidente com a estrutura de uma causa, quer os despachos interlocutórios…”.
O art.º 675º, n.º 1, do Código de Processo Civil dispõe expressamente para a hipótese de, não sendo tais efeitos processuais respeitados, ocorrerem casos julgados contraditórios, que “Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, vale aquela que primeiramente transitar em julgado”.

Sendo tal princípio da prioridade do trânsito em julgado igualmente aplicável, por força do disposto no n.º 2 do mesmo art.º, às “decisões que, num mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual”.

Mas a mesma solução vale desde logo – e por maioria de razão – para as hipóteses de decisão não transitada em julgado, posto que impugnada, contrária a decisão anterior, transitada em julgado.

Assim referindo José Lebre de Freitas. A. Montalvão Machado. Rui Pinto, (22) que as tais decisões recaindo unicamente sobre a relação processual, contempladas no art.º 672º, do Código de Processo Civil, “limitam a sua força obrigatória ao processo, sendo nele inadmissível – e, por isso ineficaz (art. 675-2) – decisão posterior sobre a mesma questão que delas tenha sido objecto”.

Concluindo Teixeira de Sousa (23) do mesmo princípio da prioridade do trânsito em julgado, e reportando-se à hipótese de um segundo despacho do mesmo sentido de despacho anterior transitado em julgado, que “Por isso, se tiver sido interposto recurso da segunda decisão, o mesmo tem necessariamente de improceder, dada a vinculação do tribunal e das partes ao caso julgado da primeira decisão”.

Relativamente ao despacho de 2007-09-24, a fls. 69, assim transitado em julgado, não foi arguida, oportunamente, qualquer nulidade processual, ou nos quadros dos art.ºs 668º e 666º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Também não havendo sido acusada a inexistência jurídica daquele, nem sendo a mesma equacionável.
Não cabendo agora questionar se a verificação dos requisitos da admissibilidade da reconvenção deveria ter tido lugar em despacho saneador, ou se tal confirmação em despacho prévio àquele integra uma qualquer irregularidade processual.

Isto visto, temos para nós que para lá da questão da nulidade processual integrada pela prática de acto que a lei não permite – a saber, a prolação de decisão sobre matéria quanto à qual, por via de anterior decisão, se havia já esgotado o poder jurisdicional do juiz, e aliás em sentido adverso ao dessa anterior decisão, cfr. art.º 201º, n.º 1, do Código de Processo Civil – sobrelevam, quanto a tal segunda decisão – que foi impugnada – os quadros da ineficácia.

E assim na circunstância de a decisão com a prolação da qual se esgotou o poder jurisdicional do juiz haver transitado em julgado, certo sendo também que traduzindo igualmente tal ineficácia um valor negativo da decisão impugnada, aliás mais “forte” – posto que cognoscível independentemente de arguição – não está esta Relação limitada quanto à análise da matéria de direito, cfr. art.ºs 664º e 713º, n.º 2, do Código de Processo Civil. (24)

Isto assente, temos de reconhecer como plenamente válida a posição da Recorrente quando afirma que não podia o tribunal recorrido, por razões estritamente processuais, considerar inadmissível o pedido reconvencional, uma vez que essas questões tinham ficado ultrapassadas com o trânsito em julgado do despacho que admitiu a reconvenção.

Ora, como se refere na decisão recorrida, aí se concluiu “pela manifesta inviabilidade do pedido aqui formulado – reconvencional - nestes autos, seja porque o réu não pode obter a condenação processual dos seus co réus, seja porque o direito a exercitar contra a autora não o é por esta via”, tendo-se julgado o mesmo improcedente e dele absolvido a A. e demais co-réus.

Sucede que, proferida a sentença, diz o art. 613. nº 1, do CPC, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa; esgotamento do poder jurisdicional do juiz que, quanto à matéria da causa, significa, lavrada e incorporada nos autos a sentença, que o juiz não pode alterar a decisão da causa, nem modificar os fundamentos da mesma, ou seja, não é útil e/ou eficaz pedir ao juiz que, proferida a sentença, a dê sem efeito por causa duma nulidade antes cometida.

E assim sendo, se se nos afigura que a decisão recorrida enferme do vício de nulidade, por existir contradição entre os seus fundamentos e a decisão, parece-nos, no entanto inquestionável que se pronunciou sobre questões que não podia conhecer, por já terem sido objecto de decisão com trânsito em julgado, sendo, por consequência nula, tal decisão, por violação do disposto no artigo 615, nº 1, al. d, onde se prescreve que é nula a decisão quando “o juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Aqui chegados, cumprirá então chamar à colação o disposto no artigo 665º, nº 1), do C.P.C., em que se estipula que “ainda que se declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação”.

Assim, e pese embora se nos afigure que o tratamento uniforme por parte do legislador de todas as nulidades de sentença pode conduzir, em alguns casos, a situações em que de uma forma manifesta se viola um grau de jurisdição, passemos então a analisar o restante objecto da presente apelação, ou seja, os fundamentos que levaram à improcedência da reconvenção e que se subsumem `questão de saber se a reparação dos prejuízos pode, ou não, ser dirimida em sede de execução, no âmbito do artº. 867º, do Cód. Proc. Civil, nomeadamente, quando existem outros responsáveis para além da executada, e consequentemente, se podia ter sido deduzido o presente pedido reconvencional, e, na hipótese afirmativa, se este pedido poderia ter sido deduzido contra quem o foi.

E na presente situação a decisão recorrida, relativamente ao pedido reconvencional, alicerça-se em dois tipos de fundamentos distintos:

- Por um lado, considera que o procedimento previsto no artigo 867, do C.P.C. é que é o procedimento válido tanto para a não entrega como para a entrega imperfeita, pois em ambos os casos a execução não atingiu o seu fim, e logo, não pode ser deduzido pedido reconvencional.
- E, por outro, considera que o pedido formulado não o podia ter sido formulado pelo Réu contra os seus co réus.

Ora, no artigo 867º, do Código de Processo Civil, estipula-se expressamente o seguinte:

“1-Quando não seja encontrada a coisa que o exequente devia receber, este pode, no mesmo processo, fazer liquidar o seu valor e o prejuízo resultante da falta da entrega, observando-se o disposto nos artigos 358.º, 360.º e 716.º, com as necessárias adaptações.
2 - Feita a liquidação, procede-se à penhora dos bens necessários para o pagamento da quantia apurada, seguindo-se os demais termos do processo de execução para pagamento de quantia certa”.

Como se refere na decisão recorrida, a Ré Y fundamenta o seu pedido reconvencional nos prejuízos sofridos com o sinistro ocorrido com a máquina sua propriedade e bem assim na sua não entrega imputando à Autora e demais co réus a responsabilidade pelos factos relatados.

Assim, a questão de saber se qualquer direito em relação à máquina a deduzir contra a Autora terá de correr termos no processo executivo, passa pela prévia determinação do âmbito de aplicação desta norma e, designadamente, pela questão de saber se tal norma será aplicável quando esse eventual direito decorra do facto de a máquina recuperada não corresponder à máquina objecto do título executivo, como se considera na decisão recorrida.

E, salvo o muito e devido respeito, parece-nos evidente que isso assim não ocorrerá em situações como a presente em que a máquina recuperada não corresponde à máquina objecto do título.

Na verdade, a propósito desta questão refere-se no acórdão da Relação de Évora, de 23/03/2017, o seguinte:

(…)
-“Diversamente da acção executiva para pagamento de quantia certa, a acção executiva para entrega de coisa certa não se traduz na efectivação de direitos sobre o património do devedor. Por ela, o credor faz valer, não a garantia patrimonial do seu crédito, mas sim a faculdade de execução específica, mediante a apreensão da coisa que o devedor está obrigado a prestar-lhe” (25);
-“Para realizar o direito exequendo, o tribunal procede à apreensão da coisa e à sua imediata entrega ao exequente, após efectivação das buscas e outras diligências que forem necessárias” (26);

-“Só se a coisa não puder ser entregue, se procederá à execução por equivalente, transformando-se a execução para entrega de coisa certa em execução para pagamento de uma indemnização pecuniária” (27);

- “Quer dizer, diante da impossibilidade de encontrar a coisa devida o órgão executivo não desarma, não capitula; desiste de conseguir para o exequente precisamente a prestação a que ele tinha direito, mas trata de lhe obter uma outra prestação, senão equivalente no aspecto económico, ao menos equivalente no aspecto jurídico. O exequente não recebe a coisa que lhe era devida, mas recebe a indemnização de perdas e danos pela falta de entrega da coisa, Frustrou-se o fim específico da ação executiva; inicia-se nova execução com outro fim: o de indemnizar o credor do prejuízo que sofreu” (28);

- A impossibilidade de “execução específica” pode verificar-se, “por algum dos seguintes motivos: a) a coisa ter deixado de existir, b) a coisa não ser encontrada, apesar de continuar a existir; c) sobre a coisa incidir direito de terceiro que, por oponível ao exequente, obsta ao investimento material ou jurídico na posse” (29);

- O campo de aplicação do artigo 10º. do Código Civil estende-se “a todos os ramos do direito. Se o caso for omisso, haverá que recorrer, em primeiro lugar, à norma reguladora dos casos análogos, sendo a analogia determinada, não pela simetria formal das situações, mas pela identidade substancial dos fundamentos da estatuição” (30);

- As normas excepcionais não comportam aplicação analógica (31);

- “Uma norma diz-se excepcional em relação a outra, quando o seu regime é, sob os mesmos pressupostos, distinto ou oposto ao que esta última estabelece”; “as normas em causa - a geral e a excepcional - estabelecem regimes distintos, de tal modo que o regime da hipótese excepcional se resolve na aplicação da norma excepcional, com exclusão do regime fixado para as demais hipóteses do mesmo género pela norma geral” (32).

C - Aplicação do direito aos factos

A coisa - veículo automóvel Jeep Opel Frontera - objecto de “execução específica” foi encontrada e entregue aos recorrentes/exequentes A... e B….
Como tal, não se frustrando o fim da presente acção executiva para entrega de coisa certa, vedado está aos referenciados receber uma “indemnização de perdas e danos pela falta de entrega da coisa”.

Por outro lado, mesmo admitindo que o veículo automóvel a entregar foi “vandalizado, inutilizado e desvalorizado”, após o trânsito em julgado da sentença condenatória - título executivo -, esta circunstância não permite aos ditos recorrentes/exequentes iniciar uma nova execução, com o fim de os indemnizar pelos prejuízos sofridos, decorrentes, não já da falta de entrega, mas, sim, resultantes de danos causados, entretanto, na coisa a entregar.

Na verdade, a conversão da execução, consagrada no artigo 867º., nº 1 do Código de Processo Civil - desistir “de conseguir para o exequente precisamente a prestação a que ele tinha direito”, para “obter uma outra prestação, senão equivalente no aspecto económico, ao menos equivalente no aspecto jurídico” - contraria a regra geral de que não há execução sem prévio título, uma vez que é este que determina, nomeadamente, o seu fim.

Equivale isto a dizer, que o referido normativo é uma norma excepcional, que, por isso, não comporta uma aplicação analógica.

Em síntese: a conversão da execução, consagrada no artigo 867º, nº 1 do Código de Processo Civil é uma norma excepcional; como tal, não admite aplicação analógica, nomeadamente, aos caos em que a coisa objecto da “execução especifica” tenha sido apreendida e entregue ao exequente, ainda que “vandalizada, inutilizada e desvalorizada”. (33)
(…)

Ora, na presente situação e como igualmente se salienta na decisão recorrida, a máquina estava na posse da autora não porque fosse sua propriedade ou sequer porque autora tivesse em relação a ela qualquer direito contratual, mas antes porque e não obstante ter sido ordenada a sua entrega por decisão judicial transitada à proprietária a autora entendeu que lhe assistia o direito de retenção em relação ao preço pago.

Ou seja, a máquina foi danificada, após o trânsito em julgado da sentença condenatória - título executivo -, que determinou a sua entrega, circunstância que não permitiria à Recorrente/exequente iniciar uma nova execução, com o fim de os indemnizar pelos prejuízos sofridos, decorrentes, não já da falta de entrega, mas, sim, resultantes de danos causados, entretanto, na coisa a entregar.

E assim, contrariamente ao que se considera na decisão recorrida, o procedimento previsto no artigo 867, do C.P.C., pese embora seja válido tanto para a não entrega como para a entrega imperfeita, pois em ambos os casos a execução não atingiu o seu fim, não tem aplicação na presente situação, nada obstando, assim, ao pedido reconvencional deduzido para ressarcimento dos danos sofridos, após o transito em julgado da decisão que serviu de fundamento à execução instaurada para entrega da máquina.

Por último, sem uma sustentável fundamentação, a decisão recorrida julga também improcedente o pedido reconvencional por considerar que “o réu não pode obter a condenação processual dos seus co réus”, ou seja, neste seu entendimento não é admissível a dedução de reconvenção contra os compartes – co réus - do autor do pedido reconvencional.

Aliás, foi também em decorrência deste entendimento que na decisão recorrida, como questão prévia, se decidiu indeferir o incidente de intervenção principal dos co- RR Companhia de Seguros A., S.A. (1ª ré); Materiais de Construção DM, Ldª. (3ª ré); António (4º réu) a fim destes serem demandados como partes reconvindas nos autos, por “manifesta a falta de fundamento deste incidente em relação aos co réus”, em razão de ter entendido que os incidentes de intervenção de terceiros se destinam a chamar ao processo quem não é parte nos mesmos, pelo que, sendo os requeridos intervenientes réus na causa são partes processuais, logo, não podem obviamente ser demandados enquanto terceiros.

Ora, salvo o muito e devido respeito, pese embora se trate de problemática não isenta de dificuldades, também se nos não afigura que isto assim seja, ou seja, que se não devesse ter admitido o deduzido incidente de intervenção de terceiros - em razão de os requeridos intervenientes na causa serem partes processuais -, a fim de que os co-réus pudessem também ser demandados como partes reconvindas, sendo que, será em razão da não admissibilidade deste incidente que pode ficar afectada o prosseguimento e eventual procedência integral do pedido reconvencional deduzido.

Na verdade, a propósito da admissibilidade de intervenção de terceiros na situação em que o terceiro se associa, ou é chamado a associar-se, a uma das partes primitivas, com o estatuto de parte principal refere-se no acórdão da Relação de Coimbra, de 27/09/2011, o seguinte:

(…)
A matéria dos incidentes de intervenção de terceiros foi profundamente reestruturada pela reforma do processo civil operada em 1995/96, tendo sido suprimidos, como incidentes autónomos, a nomeação à acção, o chamamento à autoria e o chamamento à demanda, com a consequente simplificação da configuração normativa dos incidentes de intervenção de terceiros.

À luz do actual quadro normativo a intervenção de terceiros ficou assim esquematizada: de um lado, a intervenção principal abrange todos os casos em que o terceiro se constitui parte principal em litisconsórcio com o autor ou o réu primitivo, coligado com o autor ou com o réu; de outro, a intervenção acessória compreende todos os casos em que o terceiro se constitui parte acessória, com a finalidade de coadjuvar uma das partes principais, sem possibilidade de tomar posição contrária à que esta tome ou de praticar acto que ela tenha perdido o direito de praticar; finalmente, verifica-se a oposição quando o terceiro faz valer no processo uma pretensão própria, no confronto de ambas as partes primitivas, de forma que ocupará, se ambas as partes primitivas permanecerem na causa, uma terceira posição, independente de qualquer delas.

Qualquer dos incidentes pode surgir por iniciativa do terceiro (intervenção ou oposição espontânea) ou por iniciativa duma das partes primitivas (intervenção ou oposição provocada) – cf. art.ºs 320º e seguintes. (34)

No caso vertente, importa considerar o primeiro tipo fundamental de intervenção de terceiros/intervenção principal, ou seja, a situação em que o terceiro se associa, ou é chamado a associar-se, a uma das partes primitivas, com o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente, substancialmente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio ou coligação iniciais – existe, pois, igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte a que se associa. (35)

Assim, estipula o art.º 320º: estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao objecto da causa, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 27º e 28º e aquele que, nos termos do artigo 30º, pudesse coligar-se com o autor, sem prejuízo do disposto no artigo 31º.

Para além desta intervenção espontânea, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária (art.º 325º, n.º 1), sendo esta intervenção provocada ainda admissível nos casos previstos no artigo 31º-B, podendo o autor chamar a intervir como réu o terceiro contra quem (supervenientemente) pretenda dirigir o pedido (n.º 2), seja em termos de litisconsórcio (pedido idêntico ao dirigido contra o réu primitivo/unidade de relação jurídica material), seja em termos de coligação (pedido diverso do inicial/pluralidade de relações jurídicas materiais). (36)
O interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu (art.º 321º).

A figura da intervenção principal permite a participação de terceiros que sejam titulares de uma situação subjectiva própria, paralela à invocada pelo autor ou pelo réu e quer essa situação seja activa quer seja passiva - visa-se a participação de um interveniente que gozará de todos os direitos da parte principal a partir do momento da sua intervenção, podendo-se inclusive evitar a propositura de mais uma acção sobre a mesma relação jurídica. (37)

A partir do momento da intervenção, a intervenção produz este efeito: coloca ao lado do autor outro autor, ao lado do réu outro réu, como se a acção houvesse sido proposta por dois autores ou contra dois réus. (38)

Admitida a intervenção e efectuada a citação do chamado, este poderá ou não intervir no processo.
Se intervier, poderá, em qualquer altura, declarar que faz seus os articulados do autor ou do réu, sendo que, dentro de prazo igual ao fixado para a contestação, é-lhe facultado o oferecimento de articulado próprio (petição ou contestação: art.º 323º, n.º 1), seguindo-se a notificação da parte contrária para responder e os mais articulados que a forma de processo ainda consinta, gozando de todos os direitos de parte principal a partir do momento da sua intervenção (art.ºs 322º, n.º 2, in fine, 324º, n.º 3 e 327º, n.ºs 3 e 4).

Tem-se discutido se a faculdade de petição de intervenção principal de terceiro é reservada às partes primitivas da causa ou se também se estende aos intervenientes por via de chamamento anterior.

Segunda uma perspectiva que se apresenta como maioritária, a referida faculdade não se estende aos intervenientes principais por via de chamamento anterior, atento o seguinte enquadramento normativo:

- a regra é no sentido de que, citado o réu, a instância fica imutável quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir (art.º 268º);
- a intervenção principal de terceiros na causa revela-se excepcional em relação à aludida regra (art.º 268º, in fine, e art.ºs seguintes);
- a lei prevê a possibilidade de os intervenientes principais chamarem a intervir outros terceiros a título principal, no art.º 332º, n.º 3 (39), que é insusceptível de aplicação analógica, além do mais, por se não verificar a similitude justificativa. (40)
Em sentido divergente, considera-se que, assumindo o interveniente principal a posição de parte principal na causa, com a possibilidade de exercício no processo dos direitos e faculdades correspondentes (que a lei atribui às partes primitivas) a partir da intervenção (art.ºs 322º, n.º 2, 2ª parte, e 327º, n.º 3), nada obstará a essa intervenção em mais de um grau se, nomeadamente, tiver por finalidade assegurar a própria legitimidade ad causum das partes. (41)

Decorre das descritas posições que a problemática em causa não é isenta de dificuldades, não se podendo afirmar que a perspectiva minoritária não encontre suficiente acolhimento nos mencionados preceitos da lei processual civil e, menos ainda, num entendimento que tenha como referência a “prevalência do fundo sobre a forma” e, designadamente, os princípios da igualdade das partes (42) e da economia processual.

Por outro lado, cremos que a especificidade do caso vertente remete-nos para um outro normativo da lei civil adjectiva, nos termos do qual: “se o pedido reconvencional envolver outros sujeitos que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se ao reconvinte ou ao reconvindo, pode o réu suscitar a respectiva intervenção principal provocada, nos termos do disposto no artigo 326º” (art.º 274º, n.º 4) (43).

Este regime em matéria reconvencional, introduzido pela reforma de 1995/96, vinha já sendo defendido pela melhor doutrina (e alguma jurisprudência), escrevendo a este respeito o professor Antunes Varela: “(…) nada parece obstar, com efeito, a que a reconvenção, que deve ser dirigida sempre contra o autor, envolva também outras pessoas que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se aos litigantes ou intervir ao lado deles”. (44)

Perante o descrito enquadramento fáctico e normativo, e, reafirma-se, embora se trate de problemática não isenta de dificuldades (45), pensamos que será de acolher a pretensão do apelante, sob pena de se considerar que, no momento da intervenção, não lhe foram assegurados os direitos que lhe assistem na qualidade de verdadeiro réu/demandado na acção (e, por sinal, pela maior “fatia” do pedido subsistente, após a redução operada na réplica.

Ademais, atendendo à configuração que acabou por ser dada à presente lide, sobretudo, na sequência da contestação da primitiva demandada e que não foi enjeitada nos articulados subsequentes - vindo antes a encontrar suficiente conformação e acolhimento no ulterior posicionamento das partes primitivas e também, obviamente, por parte do chamado/apelante -, afigura-se que, tendo-se concluído [e, ao que parece, bem] pela admissibilidade do pedido reconvencional deduzido contra a A., não poderá deixar de relevar tudo quanto foi aduzido em seu fundamento pelo interveniente/co-réu/reconvinte, inclusive, o invocado contrato de agência com as características/conteúdo e as vicissitudes por este indicadas na contestação reproduzida a fls. 133 e seguintes e que, em boa verdade, foi depois integrado na factualidade (assente e controvertida) considerada relevante para a discussão e a decisão da causa (art.º 511º, n.ºs 1 e 2).
Por conseguinte, surgindo a sociedade R (…), no âmbito do vínculo contratual desenhado pelo interveniente/apelante, na qualidade de principal e em estreita comunhão de interesses com a A. [o recorrente justificou o chamamento da sociedade R (…) à demanda com base na circunstância de esta sociedade ter mantido consigo uma relação comercial de agência, na qualidade de principal, conjuntamente com a A., pelo que, no que concerne ao pedido reconvencional, a R (…) teria um interesse igual ao da A.], a apreciação da relação jurídica material subjacente, pelo menos, ao pedido reconvencional, só será cabalmente dilucidada se aquela for chamada a juízo, circunstância que, por si só, justificará a requerida intervenção principal como associada da A., quer em concretização/actuação dos direitos que são atribuídos ao recorrente enquanto parte principal(réu/demandado) nos autos, quer por força do pedido reconvencional que veio a deduzir e que, envolvendo a A. e a sociedade R (…) também justificaria a eventual aplicação do regime prescrito no n.º 4 do art.º 274º, sendo que, nesta perspectiva, além de verificada a realidade substantiva presente no dito normativo (dada a idêntica estrutura relacional e o idêntico conflito de interesses), não ficariam postergados os requisitos adjectivos também nele previstos e os demais pressupostos/requisitos dos art.ºs 320º, alínea a) e 326º, n.º 1, nem daí adviria entrave ou dificuldade relevante ao normal prosseguimento da lide (antes pelo contrário).

Nesta conformidade e encontrando-se a nova entidade/terceiro “associada” à posição e aos interesses da A. e, ambas, em contraposição ao interesse prosseguido pelo interveniente - autor do chamamento em apreço -, na configuração que este lhe deu ao deduzir o pedido reconvencional, será igualmente de concluir que a apontada solução será a que, sem violar as normas e os princípios do ordenamento jurídico vigente, melhor respeitará o conflito de interesses a dirimir, a coerência normativa, a justiça relativa [princípio da igualdade: casos semelhantes ou conflitos de interesses semelhantes devem ter um tratamento semelhante] e as razões de certeza do direito (uniformidade de julgados).

Conclui-se, assim, como o recorrente, que o interveniente principal, a partir do momento em que assume a posição de parte principal na causa, e, enquanto tal, os direitos, faculdades e prerrogativas que a lei atribui às partes primitivas (art.º 322º, n.º 2, 2ª parte), ficando colocado do lado passivo, associado ao réu, poderá deduzir pretensão reconvencional contra o autor (uma das partes primitivas) e chamar um terceiro à demanda, relativamente ao qual essa pretensão seja igualmente oponível, na qualidade de co-reconvindo e em litisconsórcio com o autor. (46)
(…)

E defendendo a admissibilidade do incidente de intervenção nestas situações, refere-se no acórdão da Relação de Coimbra, de 2/12/2012, o seguinte:
(…)

Como ensinava o Prof. Antunes Varela (47), não constituindo o pedido reconvencional um simples corolário da defesa deduzida pelo réu, a reconvenção não pode ser admitida indiscriminadamente.

Com a reconvenção deixa de haver uma só acção e passa a haver duas acções cruzadas no mesmo processo. E esse cruzamento de acções só pode ser admitido em certos termos, sob pena de se poder facilmente subverter toda a disciplina do processo.

Há pressupostos de admissibilidade da reconvenção de carácter processual e de carácter substancial.
Fazendo incidir a atenção sobre os primeiros, por serem os que interessam para a questão em apreciação, são requisitos de natureza adjectiva a competência do tribunal em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia (artº 98º) e a compatibilidade processual exigida pelo nº 3 do artº 274º.

Tomando como ponto de partida a redacção do artº 274º anterior à reforma do Cód. Proc. Civil operada pelos Decretos-Lei nºs 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/09, escrevia o Prof. Antunes Varela: “Um terceiro requisito parece estar ainda implicitamente contido – embora não categoricamente formulado – no artº 274º, nº 1, quando nele se afirma que «o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor». Trata-se da identidade subjectiva das partes, embora em posições invertidas” (48).

Mas, aludindo a diferentes entendimentos, acabava concluindo que “(…) nada parece obstar, com efeito, a que a reconvenção, que deve ser dirigida sempre contra o autor, envolva também outras pessoas que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se aos litigantes ou intervir ao lado deles” (49).

Acolhendo esse ensinamento, a reforma do Cód. Proc. Civil levada a cabo pelos Decretos-Lei nºs 329-A/95 e 180/96, além de alterar o nº 3 do artº 274º aditou-lhe os nºs 4, 5 e 6, com a seguinte redacção:

4 – Se o pedido reconvencional envolver outros sujeitos que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se ao reconvinte ou ao reconvindo, pode o réu suscitar a respectiva intervenção principal provocada, nos termos do disposto no artigo 326.º.
5 – No caso previsto no número anterior e não se tratando de litisconsórcio necessário, se o tribunal entender que, não obstante a verificação dos requisitos da reconvenção, há inconveniente grave na instrução, discussão e julgamento conjuntos, determinará, em despacho fundamentado, a absolvição da instância quanto ao pedido reconvencional de quem não seja parte primitiva na causa, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 31.º.
6 – A improcedência da acção e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo autor.
No caso dos autos, os RR. pediram, em reconvenção, que se declarem parcialmente nulos os títulos constitutivo e modificativo da propriedade horizontal, relativamente à área de 25 m2 da garagem da fracção E dos AA. por violação do projecto elaborado e licenciado pela Câmara Municipal nº …, assim como relativamente aos valores atribuídos em termos de permilagem às seis fracções que compõem o prédio constituído em propriedade horizontal sito na Avenida …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … e que não estão de acordo com o projecto licenciado.
Tal pedido enquadra-se na previsão do nº 2 do artº 28º, isto é, pela própria natureza da relação jurídica, para que a decisão a obter possa produzir o seu efeito útil normal é necessária a intervenção de todos os condóminos.
Assim, dada a qualidade de condómina da R. E…, não há dúvidas de que o pedido reconvencional a envolve, sendo a sua presença na acção reconvencional indispensável para que a legitimidade das respectivas partes se mostre assegurada.
A acção principal e a acção reconvencional não se confundem, constituindo acções distintas e autónomas, embora enxertadas uma na outra, como do nº 6 do artº 274º – onde se dispõe que a improcedência da acção e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido – facilmente se alcança.
Ora, a R. E… era já parte na acção principal, mas não na acção reconvencional, perante a qual não pode deixar de ser considerada terceiro.
O meio processual adequado a promover a presença desse terceiro na instância reconvencional é, como o próprio artº 274º, nº 4 sinaliza, o incidente de intervenção principal provocada, cujo regime consta dos artºs 325º e seguintes.

De acordo com o nº 1 do artº 325º, o interessado com direito a intervir na causa, como sucede com a R. E… relativamente à acção reconvencional [cfr. artº 320º, al. a)], pode ser chamado por qualquer das partes, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
Isto é, contra o que os agravantes parecem entender, a referida E… não tinha necessariamente de intervir na acção reconvencional como sua associada, antes podendo intervir na dita acção, assegurando de igual forma a legitimidade das partes, como associada dos RR./reconvintes.
No caso dos autos verifica-se mesmo uma situação curiosa: os reconvintes requereram a intervenção principal da R. E… como associada dos reconvindos, mas ela, no articulado que ofereceu, declarou que aceita e adere à posição assumida pelos seus co-RR. ao deduzirem a reconvenção. Isto é, preferiu associar-se aos reconvintes.

Não se coloca, portanto, a questão – de duvidosa solução – levantada pelos agravantes, da dedução de pedido reconvencional contra co-réu na acção, já que o pedido reconvencional foi deduzido apenas contra os AA., destinando-se o incidente de intervenção principal provocada da R. E… na acção reconvencional apenas a promover a presença desta na dita acção, com vista a assegurar a legitimidade processual das partes na reconvenção.
(…)

E ainda a propósito da intervenção de réus, que são partes principais, na qualidade de terceiros, como partes passivas do pedido reconvencional salienta no acórdão da Relação do Porto, de 4/10/2011, o seguinte:
“É admissível o chamamento da ré, através do incidente de intervenção principal provocada, feito pelo reconvinte para assegurar a sua legitimidade na reconvenção, por se tratar de duas acções distintas e autónomas.”

Para sustentar tal entendimento, refere-se ainda neste Acórdão o seguinte:

“(…) a sua intervenção foi requerida para a reconvenção e não para a acção.
Estas não se confundem, visto que se trata de duas acções distintas e autónomas, embora enxertadas uma na outra, tanto assim que a improcedência da acção e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, tal como preceitua o n.º 6 do citado art.º 274.º.

Assim sendo, afigura-se-nos que aquela, apesar de figurar como ré na acção, não deixa de ser um terceiro relativamente à reconvenção.

E revestindo esta qualidade quanto à reconvenção, pode intervir nela nos termos requeridos, atentos os motivos alegados como fundamento da intervenção, de forma a evitar a ilegitimidade por preterição de listisconsórcio necessário.

Só com a intervenção principal da co-ré na reconvenção, como associada do reconvinte, é possível assegurar a legitimidade activa deste para, depois, poder ver apreciados os pedidos reconvencionais que, legitimamente, deduziu.

Não obsta a essa intervenção a inércia da ré na acção, nem o facto de ter sido chamada para ela através da citação, já que estamos perante uma nova acção para a qual pode ser chamada mediante notificação, está em causa a admissibilidade do chamamento, sendo irrelevante a atitude que vier a tomar, e impõe-se o suprimento, mesmo oficioso, da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação (cfr. art.ºs 228.º, n.º 2, 265.º, n.º 2 e 326.º, n.º 2, todos do CPC).”.

A tudo acresce que, perfilhar a posição sufragada pelo Tribunal a quo, no sentido da inadmissibilidade do incidente de intervenção dos co-réus, também impediria sempre a recorrente de ser ressarcida dos seus prejuízos, na medida em que ao absolver do pedido todos os réus, nunca mais aquela poderia demandar estes em qualquer outra acção declarativa para ser ressarcido dos seus danos, o que contraria em si mesmo a tese do erro na forma do processo.

Assim, face ao supra exposto, mais não resta do que concluir que a intervenção dos co-réus deveria ter sido admitida. Já que nada obsta à admissibilidade da dedução de reconvenção contra os compartes – co réus - do autor do pedido reconvencional.

E assim sendo, ma procedência desta apelação, decide-se revogar, neste aspecto, a decisão recorrida, determinando-se seja substituída por outra que, admitindo o referido incidente de intervenção do co-réus, determine o prosseguimento dos termos normais do processo para conhecimento do pedido reconvencional deduzido.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em:

A- Julgar improcedente a apelação interposta pelo Autora, X, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

B- Julgar procedente a apelação interposta pela Ré, Y – Terraplanagens, Lda, e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando-se a sua substituição por outra que, admitindo o referido incidente de intervenção dos co-réus, determine o prosseguimento dos termos normais do processo para conhecimento do pedido reconvencional deduzido.

Custas da apelação interposta pela Autora a suportar por esta última.

Custas do Recurso interposto pela Ré a suportar pela Recorrida.
Guimarães, 14/ 06/ 2018.

Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Helena Gomes de Melo.

1. Cfr. Orlando de Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil, Sumários do Curso Jurídico de 1980/81, Centelha, Coimbra, p. 107.
2. Cfr. Autor e obra citados, pp. 107 e 108.
3. Cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª edição actualizada, p. 143.
4. Cfr. A. Varela, Das Obrigações em geral, Vol. II, 4ª edição, pp. 560 e 561; Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, 4ª edição, p. 346.
5. Cfr. A. Varela, obra citada, p. 562.
6. Ac. S.T.J. de 5 de Julho de 2005, no sítio www.dgsi.pt.
7. Cfr. Vaz Serra, Direito de Retenção, em B. M. J., nº 65, 1957
8. Cfr. Acórdão do S.T.J., 4/10/2005, processo nº 05A2158, in www.dgsi.pt.
9. Cfr. Menezes Leitão, Direitos Reais, 2009, pg. 500.
10. Acórdão do STJ de 30 de Abril de 2003, relatado por Araújo de Barros e disponível em www.dgsi.pt e ainda os Acórdãos do STJ de 27/11/90, in BMJ n.º 401, pág. 579 (relator Simões Ventura) e o Acórdão do STJ de 19/10/95, no Proc. 87451 da 2ª secção (relator Costa Soares).
11. Cfr. Artur Anselmo de Castro, in "Lições de Processo Civil", coligidas e publicadas por Abílio Neto, vol. II, Reimpressão, Coimbra, 1970, pág. 752.
12. Cfr. A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 689/690.
13. Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 56.
14. Cfr. Lebre de Freitas CPC anotado, 2008, vol II, pag. 704.
15. Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., pg. 54.
16. Cfr. Neste sentido, Acórdão STJ de 02.07.1974, de 06.01.1977 e de 05.06.1985, entre outros.
17. Cfr. Anselmo de Castro, obra e local citados na nota anterior.
18. Cfr. Miguel Mesquita, in “Reconvenção e Excepção no Processo Civil”, Almedina, 2009, pág. 179.
19. In “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, 1997, pág. 572.
20. In op. cit.,pág. 699.
21. In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 681.
22. In op. et. loc. cit.
23. In op. cit. supra em nota 4, pág. 573.
24. Neste sentido, vd. Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª ed., Almedina, 2002, pág. 205.
25. José Lebre de Freitas, in A Ação Executiva, 5ª edição, pág. 368 (cfr., ainda, Fernando Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 10ª edição, 2007, pág. 422)
26. José Lebre de Freitas, in A Ação Executiva, 5ª edição, pág. 368, e artigo 861º., nº 1 do Código de Processo Civil.
27. Fernando Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 10ª edição, 2007, pág. 422, e artigo 687º., nº 1 do Código de Processo Civil).
28. Prof. Alberto dos Reis, in Processo de Execução, vol. II, 1985, pág. 546.
29. Fernando Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 10ª edição, 2007, pág. 434 (cfr.,ainda, José Lebre de Freitas, in A Ação Executiva, 5ª edição, págs. 379 e 380).
30. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, págs. 44 e 45.
31. Artigo 11º. do Código Civil.
32. José Dias Marques, in Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1972, pág. 182.
33. Cfr. acórdão da Relação de Évora, de 23/03/2017, proferido no processo nº 614/12.6TBPSR-A.E1, in www.dgsi.pt.
34. Vide, nomeadamente, J. Lebre de Freitas, e outros, CPC Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, págs. 560 e seguinte e Carlos Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Vol. I, 2ª edição, 2004, págs. 301 e seguintes.
35. Vide Carlos Lopes do Rego, ob. e vol. cits., pág. 301 e preâmbulo do DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.
36. Sobre a problemática da distinção entre litisconsórcio voluntário e coligação, vide, entre outros, J. Lebre de Freitas, ob. e vol. cits., pág. 63 e seguinte e A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I., Almedina, 1981, págs. 180 e seguintes.
37. Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 05.12.2002-processo 02A2479, publicado no “site” da dgsi.
38. Vide Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. I, 3ª edição-Reimpressão, Coimbra, 1982, págs. 520 e seguinte.
39. Dispõe este normativo que “os chamados podem suscitar sucessivamente o chamamento de terceiros, seus devedores em via de regresso, nos termos previstos nas disposições antecedentes”.
40. Vide, neste sentido, Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 5ª edição, Almedina, 2008, pág. 111 e os acórdãos da RP de 15.01.2008-processo 0725501 [citado por aquele Autor e que segue de perto a respectiva posição doutrinal; diga-se, no entanto, que respeita a situação claramente diversa da aqui em análise – nesse caso, o autor considerou que o interveniente, parte na relação material controvertida, não podia chamar a intervir um terceiro do lado passivo, como parte principal, em sua substituição] e da RC de 22.01.2008-processo 576-A/2002.C1 [reproduzido parcialmente na decisão sob censura e que também trata de caso diverso do aqui em análise: em face de uma pretensão dirigida contra o réu, colocava-se a questão de saber se era permitido a um terceiro associar-se ao autor, para formular contra o demandado um pedido fundado no direito que pretendia fazer valer, paralelo ao do autor, concluindo-se que “nada autoriza que a actuação do terceiro, extravasando essa associação, vá ao ponto de introduzir nova alteração subjectiva na lide suscitando novo incidente de intervenção principal provocado, com vista a confrontar o chamado com o pedido que contra ele deduz”; neste mesmo aresto acaba por se ressalvar a (eventual) possibilidade de os intervenientes principais chamarem a intervir outros terceiros a título principal “no caso de esse chamamento ser ´imposto´ pela conduta processual do autor, na hipótese de este, nos termos do art.º 31-B, do CPC, demandar um outro réu”], publicados no “site” da dgsi.
41. Cf. o acórdão da RL de 22.02.2001-recurso n.º 11334/2000, 6ª Secção, apud Salvador da Costa, ob. cit., pág. 111, nota 179.
42. Mormente com o sentido de as partes deverem/poderem desfrutar de idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida – cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 380.
43. Preceitua o n.º seguinte do mesmo artigo: “no caso previsto no número anterior e não se tratando de litisconsórcio necessário, se o tribunal entender que, não obstante a verificação dos requisitos da reconvenção, há inconveniente grave na instrução, discussão e julgamento conjuntos, determinará, em despacho fundamentado, a absolvição da instância quanto ao pedido reconvencional de quem não seja parte primitiva na causa, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 31º”.
44. Vide Antunes Varela, e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 313; João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, Lisboa, AAFD, 1987, pág. 365; J. Lebre de Freitas, ob. e vol. cits., pág. 490 e Carlos Lopes do Rego, ob. e vol. cits., pág. 276.
45. Veja-se, de resto, que a jurisprudência citada não afasta a possibilidade de se encontrarem respostas teoricamente diversas, no plano doutrinal, ponderados, designadamente, os interesses em presença e a razão de ser do chamamento por parte do interveniente – cf., supra, “nota 15”, relativamente ao acórdão desta Relação de 22.01.2008.
46. Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 27/09/2011, proferido no processo nº 1687/09.4TBTNV-A.C1, in www.dgsi.pt.
47. Manual de Processo Civil, 2ª edição, págs. 324/326.
48. Obra e local citados.
49. Obra citada, pág. 327.