Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3395/16.0T8BRG.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: DIVÓRCIO
RUTURA DEFINITIVA E IRREVERSÍVEL
PRESUNÇÕES INILIDÍVEIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)

1- Os fundamentos de divórcio previstos nas als. a) a c) do art. 1781º do CC, constituem presunções inilidíveis e, portanto, iuris et de iure de rutura definitiva e irreversível do casamento, em que basta ao requerente do divórcio alegar e fazer prova dos factos base da presunção previstos em cada uma dessas alíneas, para que a lei presuma inilidivelmente existir rutura definitiva e irreversível do casamento, fundamentadora do decretamento do divórcio.
2- A rutura definitiva do casamento prevista na al. d) do art. 1781º do CC, pode ser demonstrada através da prova de quaisquer factos, incluindo os que integram as previsões das als. a) a c) do mesmo preceito, sem a duração temporal nelas previstas (contanto que, quanto a estes, quando conectados com outros factos), que pela sua gravidade e reiteração sejam objetivamente demonstrativos da rutura definitiva e irreversível da comunhão da vida entre os cônjuges, que é própria da relação matrimonial.
3- Ocorre a situação de rutura definitiva e irreversível do casamento prevista na al. d) do art. 1781º do CC, quando se apurou que o requerente do divórcio instaurou uma outra ação contra a sua cônjuge, em que pedia que o casamento de ambos fosse declarado inválido, e que, salvaguardando-se contra a eventualidade dessa ação vir a improceder (como improcedeu), instaurou a presente ação de divórcio, e quando, à data da propositura da ação de divórcio, o casal estava separado de facto há, pelo menos, sete meses e o autor não tinha o propósito de reatar a comunhão de vida com a ré, com quem nunca mais contatou até ao seu falecimento, ocorrido cerca de oito meses após a propositura da ação de divórcio.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

Relatório

A. F., entretanto, falecido, instaurou a presente ação especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, contra D. R., residente na Praceta …, Braga, pedindo que se declare dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado entre ambos.
Para tanto alega, em síntese, ter celebrado casamento com a Ré em 31/12/2012, sem convenção antenupcial;
Em 18/12/2015, instaurou ação pedindo que o casamento fosse anulado, encontrando-se essa ação a correr termos na 1ª Secção do Tribunal de Família e Menores de Braga, Juiz 2, sob o n.º 6095/15.5T8BRG;
Logo no primeiro dia do casamento, a Ré negou-se a beijar o Autor e, nessa mesma noite, negou-se a dormir com ele;
No segundo dia de casamento, a Ré saiu de casa, onde não regressou durante dois dias;
Por ação e por omissão, a Ré negou qualquer afeto e intimidade ao Autor, com quem nunca manteve relações sexuais;
Sai de casa e raras vezes volta para nela pernoitar e, das raras vezes em que pernoitou em casa, recusa-se a dormir no mesmo quarto em que dorme o Autor;
A Ré nunca confecionou refeições ao Autor e não lhe presta qualquer auxílio, apesar deste ser já idoso e estar cada vez mais debilitado;
Trata o Autor com indiferença, chamando-o de “velho” e “pés a rasto”, em frente de qualquer pessoa;
A Ré conseguiu convencer o Autor para que passasse a figurar como titular nas contas bancárias deste e para que fosse ela a administrar a reforma daquele e apoderou-se de diversas quantias que se encontravam depositadas nessas contas (que concretiza), sem o conhecimento e o consentimento do Autor, e sem que este conheça o uso que aquela deu a esse dinheiro;
Acresce que poucos dias após o casamento, a Ré passou a manter relacionamento sexual com outra pessoa, com quem coabita no apartamento daquela e com quem mantinha relacionamento sexual, inclusivamente, quando o Autor se encontrava nesse apartamento, sendo este obrigado, durante a noite, a ouvir os gemidos e ruídos da Ré em atos sexuais com o amante;
Conclui que, face a este circunstancialismo, não existe comunhão de vida entre Autor e Ré e que nunca houve qualquer vontade ou propósito de vida em comum entre o casal.
Notificou-se o Autor para explicitar a aparente contradição decorrente de ter instaurado a presente ação de divórcio, quando alega ter instaurada uma outra, tendente a obter a declaração de invalidade desse casamento, ação essa que alega encontrar-se ainda pendente.
O Autor respondeu sustentando que não existe contradição alguma nesse seu procedimento e que entre a presente ação e aquela outra não existe qualquer nexo de prejudicialidade, dado que intentou a presente ação de divórcio com vista a salvaguardar-se contra a eventualidade daquela outra vir a improceder.
No entanto, sustenta que, na sua perspetiva, é pertinente que a presente ação de divórcio aguarde a prolação de decisão, transitada em julgado, a proferir no âmbito daquela outra ação.
Por despacho de 23/11/2016, oficiou-se ao Processo n.º 6095/15.5T8BRG, no sentido de informar se nele já tinha sido proferida sentença, transitada em julgado.
Por requerimento entrado em juízo em 16/06/2017, J. M., filho do Autor, informou que este faleceu em -/01/2017 e requereu que a presente ação de divórcio prosseguisse os seus termos legais, para efeitos patrimoniais, com os herdeiros do falecido Autor.
Em 11/10/2017, foi junta aos presentes autos certidão do acórdão proferido por esta Relação em 14/06/2017, com nota do respetivo trânsito em julgado, que confirmou a sentença proferida pela 1ª Instância, no âmbito do Proc. n.º 6095/15.5T8BRG, que julgou essa ação totalmente improcedente e absolveu a aí (e aqui) Ré do pedido.
Em 01/02/2018, o identificado J. M. instaurou incidente de habilitação dos sucessores do falecido Autor, requerendo que fossem julgados habilitados os herdeiros deste, a fim de prosseguirem na presente ação, ocupando a posição jurídico-processual que antes era ocupada pelo falecido.
Por sentença proferida em 01/07/2018, entretanto transitada em julgado, foram habilitados como sucessores do falecido Autor, J. M. e M. A., filhos do falecido, a fim de prosseguirem a presente ação, ocupando a posição jurídica-processual que antes era ocupada pelo falecido.
Por despacho de 23/09/2020, ordenou-se a notificação da Ré (já citada no incidente de habilitação de herdeiros), para contestar, querendo, a presente ação.
A Ré não contestou.
Em 04/12/2020, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o valor da presente causa em 30.000,01 euros, o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram alvo de reclamação, conheceu-se do requerimento probatório apresentado pelo Autor e designou-se data para a realização de audiência final.

Realizada a audiência final, em 25/06/2021, proferiu-se sentença, julgando a presente ação totalmente improcedente e absolvendo a Ré do pedido, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

“Atento o exposto, julgo improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência, absolvo a R. do pedido.
Custas pelos sucessores habilitados do A. (cfr. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC)”.

Inconformados com o assim decidido, os herdeiros habilitados do falecido Autor interpuseram o presente recurso de apelação, em que formulam as seguintes conclusões:

I. Da fundamentação da decisão do Venerando Tribunal “a quo” consta o seguinte: Segundo a al. d) do artº. 1781º do CC constitui fundamento de divórcio sem consentimento do outro cônjuge “quaisquer outros factos que, independente da culpa dos conjugues, mostrem a rutura definitiva do casamento”.
II. Segundo Amadeu Colaço, in “Novo Regime do Divórcio”, Almedina, p. 71 – 72 a citada al. d) tem os seguintes elementos: h) Tem que ser revelada por um ou mais factos; i) Estes factos terão que ser outros, que não os constantes das demais alíneas do referido artigo; j) Tais factos terão que ser reveladores da rutura do casamento; k) Esta rutura terá de mostrar-se definitiva (e não mera rutura esporádica ou temporária);l) Esta situação terá de consistir numa situação objetiva, passível de ser constatada, não resultando de um simples e mero ato de vontade de um dos cônjuges; m) Não depende de eventual culpa de qualquer dos cônjuges; n) Não depende da verificação de qualquer prazo.
III. Da matéria dada como provada, mormente do ponto 1) dos factos provados, estava assente que o finado A. F. havia intentado contra a Recorrida, em 18 de dezembro de 2015, uma ação declarativa de condenação/anulação de casamento cujos autos, correram os seus termos sob o processo n.º 6095/15.5T8BRG, do Juízo de Família e Menores, Juízo 2, a qual veio a ser julgada improcedente por sentença proferida em 23/11/2016, já transitada em julgado (art.º 1.º da p.i.), sendo por si só essa iniciativa um claro sinal demonstrativo que não existia vontade do finado em permanecer casado, que não existia qualquer vontade ou propósito de vida em comum entre o casal.
IV. O finado A. F. tinha manifestado um firme propósito, quer com ação que correu os seus termos sob o processo n.º 6095/15.5T8BRG, deste Juízo de Família e Menores, Juízo 2, quer com a entrada da presente ação de divórcio, que não pretendia restabelecer a convivência conjugal, resultado de uma situação de falência/fracasso definitivo do casamento devido a disparidade da idade, ao tratamento dado ao autor e ao comportamento da recorrida.
V. Entende o recorrente que só a demonstração de desprezo da recorrida em não ter sequer contestado o pedido de divórcio do finado A. F. era motivo mais do que suficiente, em face da nova lei, para a rutura definitiva do casamento a que alude a al. d) do artigo 1781º do Código Civil, que veio deixar claro que pode ser demonstrada através da prova de quaisquer factos, incluindo os passíveis de preencher as als. a) a c) do mesmo preceito legal, sem o período temporal nelas exigido, desde que sejam graves, reiterados e demonstrativos de que, objetiva e definitivamente, deixou de haver comunhão de vida entre os cônjuges.
VI. Na verdade, o simples facto de se saber conforme resulta das duas demandas que a recorrida nem sequer encetou diligencias para voltar para o finado, é prova mais do que evidente e demonstrativa da sua gravidade e falta e propósito claro de que não existia vida em comum entre o casal, que deveria ter sido apreciado pelo Tribunal.
VII. Assim, tendo sido feita prova de um dos quatro fundamentos acima mencionados, estavam reunidos os pressupostos para o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.
VIII. Está em causa a nulidade prevista na alínea c) do nº 1 artº 615º Código de Processo Civil, que dispõe que "é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão", o que expressamente se invoca.
IX. O Novo Regime da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro de 2008, veio introduzir alterações fundamentais ao regime do divórcio.
X. O atual regime eliminou da ordem jurídica o divórcio – sanção, deixando cair a culpa conjugal como causa basilar da dissolução do casamento, tendo sido alterados, aditados e revogados diversos artigos do Código Civil, passando então a haver as seguintes formas de divórcio: o divórcio por mútuo consentimento e o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges de acordo com o artigo 1773º do Código Civil.
XI. De acordo com o disposto no artigo 1781º do CC, são fundamentos do divórcio sem o consentimento do outro cônjuge:
a) A separação de facto por um ano consecutivo;
b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade comprometa a possibilidade de vida em comum;
c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano;
d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a rutura definitiva do casamento;
XII. No que concerne da complexidade, especificamente, a alínea d) que, recordamos, reza assim: quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a rutura definitiva do casamento!
XIII. A “rutura definitiva do casamento” é, segundo o Projeto de Lei que veio a determinar a alteração legislativa de 2008, uma “cláusula geral que atribui relevo a outros factos que mostram claramente a rutura manifesta do casamento, independentemente da culpa dos cônjuges e do decurso de qualquer prazo (…) Com efeito, e decorrendo do princípio da liberdade, ninguém deve permanecer casado contra a sua vontade ou se considerar que houve quebra do laço afetivo. O cônjuge tratado de forma desigual, injusta ou que atenta contra a sua dignidade deve poder terminar a relação conjugal mesmo sem a vontade do outro.” (cfr. exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 509/X).
XIV. Em suma, desde a entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro (1 de dezembro de 2008), o cônjuge que pretenda divorciar-se do outro, sem obter o consentimento deste, deixou de ter de alegar e demonstrar a violação por parte deste de algum ou de vários deveres conjugais.
XV. A nova Lei do Divórcio vem responder ao novo paradigma do casamento: se duas pessoas se casam porque ambas se amam, o facto de uma deixar de amar legitima-a a divorciar-se, sendo socialmente inaceitável que alguém fique contra vontade preso ao peso do casamento, contra sua vontade!
XVI. Assim, com a redação introduzida pela Lei 61/2008, a esta causa objetiva de divórcio podemos subsumir “quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a rutura definitiva do casamento”. Como decorre da própria exposição de motivos, o legislador fez deste fundamento uma cláusula geral onde podem caber todos os outros factos que indiquem a falência do casamento.
XVII. Humildemente entende o recorrente que foi feita prova de um dos quatro fundamentos acima mencionados, estando reunidos os pressupostos para o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges este deveria prosseguir.
XVIII. A sentença recorrida violou assim por erro de interpretação e não aplicação aos factos dados como provados, as normas constantes dos artigos 1781º, al. d) do Código Civil.
XIX. Deve decretar-se o divórcio, de harmonia com o disposto no artigo 1781º, alínea d) do CC, uma vez que estão reunidos os requisitos para tal efeito.
XX. Ao não dar procedência à ação nos termos expostos, violou o Tribunal “a quo” o disposto no artigo 1781º, al. d) do CC e o disposto nos artigos e 615º nº1, alínea c) do CPC.
XXI. Acresce ainda que, humildemente, está convicto o recorrente que ocorreu um erro de julgamento passível de ser superado nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.”
XXII. ORA, o tribunal recorrido deu como não provado os seguintes factos, constantes da motivação deste recurso e que aqui se dão por reproduzidos por uma questão de economia processual, a saber: ponto h)) e ee) dos factos não provados - devidamente transcritos na motivação do presente recurso, entendo o aqui recorrente que deveriam ter sido dado como provados.
XXIII. Com efeito, o Tribunal deu como não provado que, - Facto H) dado como não provado: “No quotidiano, a Ré sai de casa pela manhã e raramente voltava para lá pernoitar (art.º 11.º da p.i.);”
XXIV. Os concretos meios probatórios constante do processo e registo de gravação nele realizada, nos termos da alínea b) do mesmo artigo, em clara salvaguarda do nº 2, a), com indicação com exatidão das passagens da gravação que, na opinião da recorrente, leva à alteração deste facto, passando a ser dado como não provado são: DEPOIMENTO da testemunha do Autor M. S. de 15:10:17 a 15:18:53 E 15:23:45 a 15:30:23 do dia 18-05-2021 cujas transcrições e depoimentos se encontram devidamente transcritos na motivação do presente recurso e anexo e que aqui por uma questão de economia processual se dão por integralmente reproduzidos.
XXV. Deu ainda o Tribunal como não provado que, Facto EE) dado como não provado: “Não existe qualquer vontade ou propósito de vida em comum entre o casal (art.º 39.º da p.i.).
XXVI. Os concretos meios probatórios constante do processo e registo de gravação nele realizada, nos termos da alínea b) do mesmo artigo, em clara salvaguarda do nº 2, a), com indicação com exatidão das passagens da gravação que, na opinião da recorrente, leva à alteração deste facto, passando a ser dado como não provado são DEPOIMENTO da testemunha do Autor M. S. de 15:13:11 a 15:23:53 E 15:24:45 a 15:28:23 do dia 18-05-2021 cujas transcrições e depoimentos se encontram devidamente transcritos na motivação do presente recurso e anexo e que aqui por uma questão de economia processual se dão por integralmente reproduzidos.
XXVII. Em face dos concretos meios probatórios aqui identificados, aqueles pontos deveriam ter sido dados como provado, isto porque, desde logo, do depoimento da testemunha atrás mencionada resultou que o finado A. F. voltou para casa do filho, onde veio a falecer acamado, e a testemunha nunca viu por lá a recorrida.
XXVIII. O finado A. F. tinha manifestado um firme propósito quer com ação que correu os seus termos sob o processo n.º 6095/15.5T8BRG, deste Juízo de Família e Menores, Juízo 2, quer com a entrada da presente ação de divórcio, que, a não pretendia restabelecer a convivência conjugal, resultado de uma situação de falência/fracasso definitivo do casamento devido a disparidade da idade, ao tratamento dado ao autor e ao comportamento da recorrida, que, conjugado com o depoimento daquela testemunha, é demonstrativo que a alínea EE) deveria ter sido dado como provado.
XXIX. Como é sabido, mesmo que as partes não reclamem em sede de 1.ª instancia contra decisão proferida acerca da matéria de facto, não se sana o vicio da decisão, pois a Relação, em recurso, pode oficiosamente ou a requerimento da parte recorrente reapreciar, anular e alterar a decisão proferida.
XXX. O recurso que venha a ser interposto da sentença abrange, obviamente, a decisão sobre a matéria de facto (cfr. artigo 662.º do C.P.Civil), quer haja ou não reclamação, não ficando precludido esse mesmo legitimo direito, pelo que, a recorrente pretende a alteração da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º1 e nº 2 als. a) b), c) e d) do C.P.Civil.
XXXI. Ora, tendo havido gravação da prova, o que é o caso, o Tribunal da Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (cfr. artigo 662.°, do C.P.Civil)

NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E A SENTENÇA RECORRIDA QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO DE DIVÓRCIO DO FINADO A. F., SER ALTERADA E JULGAR-SE PROCEDENTE A MESMA.

A Ré (apelada) contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação e concluindo as suas contra-alegações nos termos que se seguem:

I. Não assiste qualquer razão ao Recorrente quando coloca em crise a douta sentença;
II. A decisão recorrida consubstancia uma solução que cumpre rigorosamente os preceitos legais e os princípios jurídicos aplicáveis ao Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge;
III. A motivação apresentada pelo Tribunal “a quo” para justificar a decisão acerca dos factos provados e não provados é, por si só, auto justificativa da justeza da decisão tomada;
IV. Verifica-se que a valoração da prova foi feita de forma livre e consciente, e não arbitrária, pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura;
V. A Ré/Recorrida não violou os deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência, violação ocorrendo assim a rutura definitiva do seu casamento;
VI. As testemunhas arroladas pela recorrente não produziram prova suficiente para criar convicção ao Tribunal da violação dos deveres conjugais pela Recorrente, pois demonstraram não conhecerem ao pormenor o desenrolar da vida quotidiana do casal (Recorrente e Recorrida);
VII. A Recorrida viveu e conviveu com Recorrente A. F. até meses antes da sua morte;
VIII. E das raras vezes em que a recorrida não pôde estar junto do seu marido, apenas não logrou contactá-lo pela proibição, limitações e imposições estabelecidas unilateralmente pelos filhos deste, cuja as relações pessoais com a Recorrida foram pautadas por episódios de violência física mútua entre ambos, culminando assim com a proibição de qualquer forma de contacto entre recorrente falecido e Recorrida pelos filhos daquele;
IX. Neste contexto o Recorrente falecido por se encontrar com avançada idade e debilitado em virtude das doenças que padecia (cancro e diabetes), entre outras, era completamente dependente de terceiros, pelo que, não tinha autonomia para fazer valer a sua vontade, e neste sentido “fugir “da casa do seu filho e regressar a casa da sua esposa, aqui Recorrida;
X. Desde a data em que o Recorrente A. F., deixou de coabitar e conviver com a recorrida, passando então a não ter nenhum contacto com esta, decorreram apenas poucos meses até a data do seu óbito;
XI. Após a cirurgia que o Recorrente foi submetido em virtude de padecer de cancro no estômago, nunca mais teve capacidade física para se insurgir contra as proibições do seu filho e nora no que toca a voltar para a casa da Recorrida.
XII. Se por um lado o Recorrente não tinha capacidade física e autonomia para fazer valer a sua vontade de regressar para junto da Recorrida, por outro, a Recorrida não conseguiu estabelecer contacto com o recorrente pois era privada pelo filho e nora daquele.
XIII. O que implicou um período de ausência contínua entre Recorrente e Recorrida, que foi agravado pelas desavenças e agressões físicas que ocorreram entre a Recorrida e a nora do Recorrente falecido, que despoletaram sentimentos de angústia e medo na Recorrida, que por fundado receio deixou de se aproximar da residência onde se encontrava o seu marido;
XIV. Quanto ao depoimento da testemunha M. S., que afirma que a ré nunca dormiu na casa do A., primeiro vai em contradição com o alegado pelo A. nos artigos 11.ºe 12.º da PI, pois a A. aqui Recorrente alegou que a Ré nas raras vezes que dormia em casa, o fazia em quartos separados;
XV. A testemunha disse que a Recorrida nunca dormiu na casa do Recorrente, e o próprio recorrente afirma que das poucas vezes que lá dormiu, o fez em camas separadas;
XVI. Esta testemunha não demonstra qualquer conhecimento sobre o tratamento que a Recorrida dispensava ao recorrente, e ainda, sobre a rotina diária da recorrida, pelo que, o seu depoimento não é capaz de alterar os factos dados como não provados;
XVII. A referida testemunha, trazia de casa um discurso ensaiado, pois quando perguntada pelo mandatário do Recorrente, porque se referia a recorrida como empregada, no minuto 00:06:06, da transcrição do seu depoimento, a testemunha responde que “Arranjou uma empregada porque eu via-a lá…” “Mas ela não vivia, ela de noite não ficava”;
XVIII. Afirma ainda que o facto da recorrida apanhar a camionete (autocarro) com destino a Braga se passava antes do casamento, ou seja, depois do casamento a testemunha nunca mais presenciou este comportamento. Melhor transcrito nos minutos 00:13.55 e 00:13.57.
XIX. Ora, como a própria testemunha afirma em juízo que após o casamento nunca mais viu a Recorrida apanhar o autocarro e não regressar a casa, não restam dúvidas que o facto foi apreciado corretamente pelo Tribunal “a quo”;
XX. Assim não se atribui razão a recorrida quanto a apreciação da prova testemunhal no que toca a alínea Facto H) dado como não provado, devendo assim ser mantido a decisão;
XXI. Quanto a discordância da recorrente com a apreciação do tribunal “a quo”, quanto ao - Facto EE) dado como não provado: “Não existe qualquer vontade ou propósito de vida em comum entre o casal (art.º 39.º da p.i.);
XXII. Em primeiro plano cumpre expressar que não se compreende como a Recorrente visa provar que não existe qualquer vontade de propósito e vida em comum entre o casal, através de prova testemunhal, sendo certo, que apenas a confissão das partes seria capaz para se fazer prova;
XXIII. Ademais a recorrente junta trecho do depoimento da testemunha M. S., que em nada corroboram este entendimento;
XXIV. Entende a recorrida que o depoimento da testemunha, inclusive vem reafirmar a posição do tribunal “a quo”, como facto não provado. Em especial no minuto 00:11:16 a 00:17:43 em diante;
XXV. Como se pode verificar, do depoimento acima transcrito nas contra-alegações a testemunha não demonstra qualquer conhecimento sobre a vida conjugal das partes, refere de forma expressa que nunca foi lhe dito nada pelo A. falecido acerca do casamento com a recorrida;
XXVI. Pergunta-se como pode a testemunha fazer prova que não existia propósito de vida em comum?;
XXVII. Assim nenhuma censura se pode assacar da decisão proferida pelo tribunal “a quo”, sobre este facto ser considerado não provado;
XXVIII. A douta sentença recorrida faz referência às várias contradições e incoerências presentes nos depoimentos das testemunhas do recorrente. Essa falta de clarividência, quanto ao tipo de relacionamento mantido entre Recorrida e Recorrente tanto antes do casamento como depois do mesmo, fica explícita após leitura dos ditos depoimentos aqui transcritos;
XXIX. Daí resulta que a débil razão e ciência das testemunhas da Recorrente sobre a vida conjugal do casal, jamais poderiam relevar suficiente para se ter como provado a violação dos deveres conjugais e a sua consequente dissolução e todos os efeitos negativos para a esfera jurídica da recorrida;
XXX. Quanto a matéria da impugnação do direito;
XXXI. Entende a Recorrente que o facto da Recorrida não ter contestado demonstra que não existia qualquer propósito de vida em comum;
XXXII. No entanto esquece-se a Recorrente que a matéria em discussão versa sobre direitos indisponíveis, e a falta de contestação não implica a confissão, nem tão pouco a revelia do réu, conforme dispõem os artigos 354º alínea b) do Código Civil e art. 568 al b) do CPC;
XXXIII. A Ré exerceu sim o seu direito, não como pretende a Recorrente, mas exerceu o seu direito conforme plasmado nos artigos 354.º b) do C.C e 568.º al b) do C.P.C, ao qual acresce artigo 535.º n.º 1 do CPC, na media em que o Réu que não conteste a ação, não dando origem a mesma, não se torna responsável pelo pagamento das custas processuais;
XXXIV. Não menos importante é referir que no processo 6095/15.5T8BRG cujo os articulados constam dos presentes autos como prova documental, pode-se verificar o depoimento da Recorrida onde nega todos os factos alegados pelos AA na petição;
XXXV. Ora, sendo este documento parte nos presentes autos e contendo o mesmo declarações da recorrida em que nega todos os factos alegados na PI, considerando que estes factos são iguais aos alegados no presente processo, sempre se dirá que a recorrida pese embora não tenho contestado, exerceu a sua defesa com fundamento na prova testemunhal;
XXXVI. Por outro lado, entende a recorrente que o facto do A. intentar uma ação declarativa de condenação/anulação de casamento cujos autos, correram os seus termos sob o processo n.º 6095/15.5T8BRG, do Juízo de Família e Menores de Braga, Juízo 2, a qual veio a ser julgada improcedente por sentença proferida em 23/11/2016, já transitada em julgado (art.º 1.º da p.i.), era sinal demonstrativo que não existia vontade do finado em permanecer casado;
XXXVII. Temos a primeira ação no âmbito do processo 6095/15.5T8BRG, da 1.ª Secção de Família e Menores, Juízo 2, em Braga, embora figure o Recorrente falecido como parte, esta ação foi conduzida e iniciada por vontade dos filhos e não do recorrente;
XXXVIII. Inclusive resulta do depoimento do A. falecido naquele processo, confusão mental, ao qual se pode presumir que não fazia a mínima ideia do que estava a ser discutido nos autos. Queremos com isto dizer que a intervenção do autor na referida ação, limitou-se ao ato de outorga da procuração ao ilustre mandatário;
XXXIX. Ora esta falta de conhecimento pelo Recorrente falecido, sendo ele parte e principal interessado se deveu a elevada idade, doenças que padecia (diabetes e cancro), atenta as condições psicológicas do Recorrente na altura, fatores que concorreram para o estado de confusão mental que este demonstrou ao Tribunal;
XL. Que nos permite presumir que o Recorrente falecido, não tinha conhecimento sobre o que estava a ser discutido, pelo que, não se pode retirar dos seus atos a vontade própria para intentar a presente ação de divórcio, assim como para anular o casamento no processo 6095/15.5T8BRG;
XLI. Demonstra-se assim as contradições da Recorrente, pois não se percebe como o Recorrente por um lado apresenta confusão mental, elevada idade, doenças que padecia, desequilibro emocional, com juízo de valor desconcertante e sem nexo, tudo no momento em que contrai o casamento, no entanto, decorridos alguns anos, ou seja, tendencionalmente e pelo conhecimento empírico, as mazelas que padecia supostamente deveriam estar ainda mais graves, com evolução natural ao fim dos anos, porém, quando decide intentar a ação de divórcio o Recorrente não apresenta confusão emocional, mostrando plenamente consciente da sua vontade, que é dissolver o casamento;
XLII. Nem ao menos consegue o Recorrente provar que era a vontade do Recorrente falecido intentar ação de divórcio contra a Recorrida;
XLIII. Em boa verdade o A. falecido nunca quis separar-se da Recorrida, apenas o fez por imposição dos filhos, e por não existir outra possibilidade atento ao estado de saúde debilitado que se mostrava;
XLIV. E como não obstante da referência as provas carreadas para o processo, mostra-se pertinente os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Recorrente, em que se demonstra o estado mental do Recorrente falecido, assim, sempre se dirá que o sendo este incapaz para praticar determinados atos, também o era para intentar por sua vontade as respetivas ações judiciais;
XLV. Evidente também no depoimento da testemunha M. S., nos minutos 09:00 a 13:26 torna-se claro a debilidade do Recorrente, que era dependente de terceiros para gerir as tarefas do quotidiano. Não se concebe como pode o mesmo compreender o teor de um divórcio;
XLVI. Recordamos que a data em que é intentada a primeira ação o A. falecido, residia com o filho por não poder gerir sozinho a sua vida;
XLVII. Tendo em conta toda história de desavenças e agressões entre a nora do A. e a recorrida, e ainda, a elevada idade, e débil estado de saúde o A., nem sequer tinha força e discernimento para contrariar as ordens e instruções dos filhos e por isso deu consentimento para a prossecução da ação;
XLVIII. Presume-se que efetivamente tenha sido o A. a consentir a propositura da ação;
XLIX. Porém tal consentimento, não significa que o A. reunia condições psicológicas para compreender o alcance do documento que assinara;
L. Pois pela sua vontade jamais pretendia separar-se da recorrida;
LI. A única testemunha capaz de sanar a dúvida sobre a vontade ou falta dela para intentar a ação de divórcio era o Recorrente falecido, que por infortúnio jamais poderá o fazer;
LII. Ainda assim, mesmo que este Tribunal da Relação não colha a tese defendida pela recorrente, sempre se dirá que o simples facto do A. intentar a ação de divórcio não é suficiente para demonstrar a rutura definitiva do casamento;
LIII. O pedido de divórcio não é suficiente para integrar a alínea d) do artigo 1781.º do C.C, e consequentemente, não estão preenchidos os requisitos do divórcio sem consentimento do outro cônjuge;
LIV. A sentença é, assim, totalmente correta no que à interpretação que faz acerca da aplicação da factualidade dada como provada e o direito subsumível ao caso concreto;
LV. Deste modo, andou bem o Tribunal a quo quando absolveu a Recorrida do pedido, motivo pelo qual a douta sentença não é merecedora de qualquer tipo de censura;
LVI. A decisão agora recorrida tem, pois, que se manter in totum;

Nestes termos e nos mais de direito, deverá ser mantida a douta decisão proferida nos presentes autos, indeferindo-se o recurso interposto pelo Recorrente.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação do tribunal ad quem resumem-se ao seguinte:

a- se a sentença recorrida é nula por os respetivos fundamentos estarem em oposição com a decisão de mérito nela proferida;
b- se nessa sentença, a 1ª Instância incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao julgar como não provada a facticidade das alíneas h) e ee) dos factos não provados, e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela prova dessa facticidade;
c- se a decisão de mérito constante da sentença, que julgou improcedente a presente ação e absolveu a apelada do pedido de divórcio formulado pelo falecido Autor, padece de erro de direito, impondo-se a sua revogação e substituição por outra em que se decrete o divórcio.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:

1) O Autor intentou contra a Ré, em 18 de dezembro de 2015, uma ação declarativa de condenação/anulação de casamento, cujos autos correram os seus termos sob o processo n.º 6095/15.5T8BRG, deste Juízo de Família e Menores, Juízo 2, a qual veio a ser julgada improcedente por sentença proferida em 23/11/2016, já transitada em julgado (art.º 1.º da p.i.);
2) O A. e a R. contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, no dia 31 de dezembro de 2013, na Conservatória do Registo Civil de … (art.º 2.º da p.i.);
3) A morada de residência do Autor situava-se em ..., Vila Verde (art.º 3.º da p.i.);
4) O Autor havia ficado viúvo em - de fevereiro de 2009, por óbito da sua cônjuge, na altura, I. S., com quem fora casado desde -/07/1957 (art.º 14.º da p.i.);
5) A Ré chegou a levar o Autor para o apartamento que detinha em Braga (art.º 28.º da p.i.);
6) O A. faleceu em -/01/2017.
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E julgou como não provados os factos que se seguem:
a) O A. e R., após casarem, fixaram o seu lar conjugal na morada de residência do Autor, sita em ..., Vila Verde (art.º 3.º da p.i.);
b) No primeiro dia do casamento, já em casa do A., a R. negou-se beijar o A. (art.º 5.º da p.i.);
c) Nessa mesma noite, 31 de dezembro de 2013, a R. negou-se a pernoitar no mesmo leito conjugal, tendo dormido num quarto separado (art.º 6.º da p.i.);
d) Aliás, logo no segundo dia de casamento, a Ré saiu de manhã e não voltou a casa do Autor durante dois dias (art.º 7.º da p.i.);
e) A Ré, após a celebração do casamento, em virtude das suas ações ou recusas, negou ao Autor qualquer demonstração de afeto e intimidade (art.º 8.º da p.i.);
f) Logo que saíram da Conservatória do Registo Civil, a Ré começou a mostrar-se fria e distante com o Autor, nunca demostrando amor, carinho ou qualquer afeto (art.º 9.º da p.i.);
g) Nunca se consumou qualquer ato sexual entre o Autor e a Ré (art.º 10.º da p.i.);
h) No quotidiano, a Ré sai de casa pela manhã e raramente voltava para lá pernoitar (art.º 11.º da p.i.);
i) Das raras vezes que pernoitava em casa do Autor, dormia em quarto separado (art.º 12.º da p.i.);
j) A Ré nunca confecionou refeições ou prestou auxílio ao Autor, já idoso e cada vez mais debilitado (art.º 13.º da p.i.);
k) Após a viuvez e antes do casamento com a Ré, e fruto do choque emocional que sofrera, o Autor começou a padecer de distúrbios comportamentais e emocionais, manifestados, por exemplo, em crises de choro constantes e súbitas (art.º 15.º da p.i.);
l) A Ré, na verdade, logo após a constância do matrimónio, passou a tratar o Autor com indiferença (art.º 16.º da p.i.);
m) Dirigindo-se ao Autor, não raras as vezes, com agressividade (art.º 18.º da p.i.);
n) A Ré conseguiu endrominar o Autor pedindo-lhe para figurar como titular das contas bancárias deste último (art.º 19.º da p.i.);
o) Bem como para administrar a reforma do Autor em montante superior a 1.200,00 € mensais (art.º 20.º da p.i.);
p) O Autor descobriu que a Ré se havia apoderado de quantias monetárias das suas contas bancárias, quantias que representam as economias de vida do Autor, a saber: a) levantamento da quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) da conta bancária do Autor junto da instituição bancária Banco ...; b) transferência da quantia de 20.000,00 (vinte mil euros) da conta bancária do Autor no banco Banco ...; c) levantamento da totalidade do valor que o Autor detinha na conta bancária do Banco ...; d) emissão de diversos cheques, dando-os a pagamento; empossamento de 15.000,00 € (quinze mil euros) que o Autor mantinha guardados na sua residência para as necessidades mais prementes; f) levantamento da totalidade do dinheiro que o Autor detinha na conta bancária da Caixa …; g) levantamento do dinheiro da reforma do Autor, em montante superior a 1.200.00€ mensais, usando-o em exclusivo para si (art.º 21.º da p.i.);
q) O Autor não fez estes movimentos bancários, não os autorizou, nem tinha deles conhecimento (art.º 22.º da p.i.);
r) A Ré apoderou-se, assim, de todo o dinheiro do Autor no montante de cerca de 65.000,00€ (sessenta e cinco mil euros) (art.º 23.º da p.i.);
s) O Autor não sabe como é que a Ré usou todo o dinheiro de que se apropriou indevidamente (art.º 24.º da p.i.);
t) A Ré não fazia qualquer compra para a residência do Autor, enfim, para a economia doméstica (art.º 25.º da p.i.);
u) Nem pagava as contas da eletricidade, gás ou qualquer outra (art.º 26.º da p.i.);
v) O Autor sente-se enganado e usado pela Ré (art.º 27.º da p.i.);
w) A R. mantinha o A. sozinho no apartamento, num quarto com as portas trancadas (art.º 29.º da p.i.);
x) A Ré chamava o Autor de “velho”, “pés a rasto” em frente de qualquer pessoa (art.º 31.º da p.i.);
y) A Ré chegou a colocar o Autor num lar de dia (art.º 32.º da p.i.);
z) Onde o Autor passa os seus dias (art.º 33.º da p.i.);
aa) Regressando ao apartamento da Ré à noite (art.º 34.º da p.i.);
bb) A Ré, poucos dias após a data de celebração do casamento, passou a manter um relacionamento extraconjugal com outra pessoa (art.º 35.º da p.i.);
cc) Note-se que a Ré coabitava, no seu apartamento em Braga, com essa outra pessoa, que na verdade era seu amante (art.º 36.º da p.i.);
dd) Durante o tempo em que o Autor permaneceu no apartamento da Ré em Braga, contra a sua vontade, este ouvia, durante a noite, gemidos e ruídos da Ré em atos sexuais com o amante (art.º 37.º da p.i.);
ee) Não existe qualquer vontade ou propósito de vida em comum entre o casal (art.º 39.º da p.i.).
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

B.1- Nulidade da sentença por os fundamentos nela avocados para suportarem a decisão de mérito nela proferida estarem em oposição com essa decisão.

Imputam os apelantes o vício da nulidade à sentença recorrida, alegando que os fundamentos nela aduzidos para suportarem a decisão de mérito nela proferida estão em contradição com essa decisão, advogando que: “Da matéria dada como provada, mormente do ponto 1) dos factos provados, estava assente que o finado A. F. havia intentado contra a Recorrida, em 18 de dezembro de 2015, uma ação declarativa de condenação/anulação de casamento cujos autos, correram os seus termos sob o processo n.º 6095/15.5T8BRG, do Juízo de Família e Menores, Juízo 2, a qual veio a ser julgada improcedente por sentença proferida em 23/11/2016, já transitada em julgado (art.º 1.º da p.i.), sendo por si só essa iniciativa um claro sinal demonstrativo que não existia vontade do finado em permanecer casado, que não existia qualquer vontade ou propósito de vida em comum entre o casal. O finado A. F. tinha manifestado um firme propósito, quer com ação que correu os seus termos sob o processo n.º 6095/15.5T8BRG, deste Juízo de Família e Menores, Juízo 2, quer com a entrada da presente ação de divórcio, que não pretendia restabelecer a convivência conjugal, resultado de uma situação de falência/fracasso definitivo do casamento devido a disparidade da idade, ao tratamento dado ao autor e ao comportamento da recorrida. Entende o recorrente que só a demonstração de desprezo da recorrida em não ter sequer contestado o pedido de divórcio do finado A. F. era motivo mais do que suficiente, em face da nova lei, para a rutura definitiva do casamento a que alude a al. d) do artigo 1781º do Código Civil, que veio deixar claro que pode ser demonstrada através da prova de quaisquer factos, incluindo os passíveis de preencher as als. a) a c) do mesmo preceito legal, sem o período temporal nelas exigido, desde que sejam graves, reiterados e demonstrativos de que, objetiva e definitivamente, deixou de haver comunhão de vida entre os cônjuges. Na verdade, o simples facto de se saber, conforme resulta das duas demandas, que a recorrida nem sequer encetou diligências para voltar para o finado, é prova mais do que evidente e demonstrativa da sua gravidade e falta e propósito claro de que não existia vida em comum entre o casal, que deveria ter sido apreciado pelo Tribunal. Assim, tendo sido feita prova de um dos quatro fundamentos acima mencionados, estavam reunidos os pressupostos para o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges”.
Acontece que analisados as concretas razões acabadas de transcrever, com fundamento nas quais os apelantes imputam o vício da nulidade à sentença recorrida, por alegadamente os fundamentos nela aduzidos para suportarem a decisão de mérito nela proferida, que julgou improcedente a presente ação de divórcio e absolveu a apelada desse pedido, estarem em oposição com essa decisão, dir-se-á que estes incorrem na recorrente e clássica confusão de conceitos entre o que sejam, por um lado, causas determinativas de nulidade da sentença e, por outro, erros de julgamento.
Com efeito, como temos recorrentemente escrito nos acórdãos que temos relatado e é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade: a) por se ter errado no julgamento dos factos e/ou do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e/ou estruturação, ou as que balizam o conteúdo e/ou os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC (1).
As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente identificadas no n.º 1 do art. 615º do CPC, e tal se extrai das diversas alíneas desse preceito, reportam-se a vícios formais da sentença (do despacho – n.º 3 do art. 613º -, ou do acórdão – n.º 1 do art. 666º) em si mesma considerada, decorrentes de na sua elaboração e/ou estruturação não terem sido respeitadas as normas processuais que regulam essa elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão nela proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao último conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição, em termos de fundamentos – causa de pedir (o que se reconduz, respetivamente, à nulidade por omissão e excesso de pronúncia) - e/ou de pretensão – pedido (condenação qualitativa e/ou quantitativamente diversa do pedido deduzido pelo autor na petição inicial, ou pelo réu na reconvenção)), tratando-se, portanto, de defeitos de atividade ou de construção da própria decisão judicial em si mesma considerada, ou seja, reafirma-se, está-se na presença de vícios formais que afetam essa decisão de per se e/ou os limites à sombra dos quais é proferida.
Neste sentido escreve Abílio Neto que os vícios determinativos de nulidade da decisão judicial “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (2).
Diferentes desses vícios são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com vícios em que incorre o tribunal em sede de julgamento da matéria de facto e/ou em sede de julgamento da matéria de direito, decorrentes de, respetivamente, ter incorrido numa distorção da realidade factual que julgou como provada e/ou não provada na sentença (despacho ou acórdão), por a prova produzida impor julgamento de facto diverso do que realizou (error facti) e/ou por ter incorrido em erro na identificação das normas aplicáveis ao caso, na interpretação dessas mesmas normas jurídicas, e/ou na aplicação destas à facticidade que se quedou como provada e não provada no caso concreto (error juris).
Nos erros de julgamento assiste-se, assim, ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação, interpretação e/ou aplicação das normas aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença em si mesma considerada (vícios formais) ou os limites à sombra dos quais é proferida, não a inquinam de invalidade, mas sim de error in judicando (3).
Precise-se que entre as causas de nulidade da decisão judicial taxativamente elencadas no n.º 1 do art. 615º, conta-se a circunstância de os fundamentos (de facto e/ou de direito) nela aduzidos para suportarem a decisão de mérito nela proferida estarem em oposição com essa decisão - cfr. al. c).
A nulidade da decisão por oposição entre os fundamentos e a decisão relaciona-se, por um lado, com o ónus imposto ao juiz pelos arts. 205º, n.º 1 da CRP, 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC de ter de fundamentar as suas decisões e, por outro, de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que o seu decisório final terá de ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal - premissa maior - com os factos - premissa menor.
Dito por outras palavras, “os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário”, de modo que “constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada” (4).
Essa oposição não se confunde com “o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir” (5).
A nulidade em referência traduz-se, assim, num vício real no raciocínio do julgador explanado na sentença (despacho ou acórdão) ao nível da subsunção jurídica dos factos nela operada, consistente na circunstância de a fundamentação fáctico-jurídica argumentativa nela explanada pelo juiz apontar para um determinado sentido (em determinado sentido da decisão a proferir) e a decisão que acaba por ser proferida seguir um outro caminho, oposto ou, pelo menos, diferente.
Trata-se, portanto, de uma nulidade que tem como pressuposto uma construção viciosa e interna da sentença, isto é, esta padece de um vício lógico interno (6), em que o juiz subsume os factos provados e não provados ao direito que, na sua perspetiva, seria aplicável, segue determinada linha de raciocínio fáctico-jurídico argumentativo com vista a extrair a conclusão, ou seja, a parte dispositiva da sentença, mas em vez de tirar essa conclusão, extrai uma outra (por exemplo, toda a lógica de raciocínio fáctico-jurídico argumentativo seguido pelo juiz na sentença, em sede de subsunção jurídica dos factos apurados e não apurados, aponta para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas este, quando vai extrair a conclusão a partir da linha de raciocínio que vinha seguindo, de modo contraditório com esse seu raciocínio, decreta a absolvição do réu do pedido).
Essa concreta nulidade distingue-se, portanto, do erro de julgamento, em virtude de neste não existir qualquer vício de raciocínio do julgador, mas apenas um erróneo julgamento da matéria de facto, por a prova produzida não consentir o julgamento de facto que realizou, mas antes impor um outro diverso (error facti), ou por o juiz ter incorrido numa incorreta identificação das normas jurídicas aplicáveis ao caso, numa incorreta interpretação dessas mesmas normas e/ou numa errónea aplicação destas aos factos que se quedaram como provados e não provados no caso concreto (error iuris).
Por conseguinte, saber se a decisão de facto ou de direito está certa ou errada, é erro de julgamento, e não causa de nulidade da sentença (7).
O vício da nulidade da sentença por oposição entre a decisão e os fundamentos fáctico-jurídicos nela invocados para fundamentar essa decisão, também não se confunde com “o erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real” (8).
Revertendo ao caso em análise, perante as distinções que se acabam de fazer entre, por um lado, causas de invalidade da sentença (acórdão ou despacho) e, por outro, erros de julgamento; dentro das causas de invalidade da sentença, o que se entender por nulidade, por os fundamentos fácticos e/ou jurídicos nela aduzidos para suportarem a decisão de mérito nela proferida estarem em oposição com essa decisão, e dentro dos erros de julgamento, o que se entender por erros de julgamento da matéria de facto e erros de julgamento da matéria de direito, é inegável que todos os argumentos invocados pelos apelantes para alicerçarem a alegada invalidade da sentença se reconduzem a erros de julgamento.
Na verdade, a ser certa a alegação dos apelantes segundo a qual, perante a facticidade julgada provada no ponto 1º dos factos provados na sentença, o tribunal a quo não podia concluir pela não prova da inexistência de qualquer vontade ou propósito de vida em comum entre o casal formado pelo falecido A. F. e pela apelada (Ré), isto é, pela não prova da facticidade constante da alínea ee) dos factos não provados na sentença, esse vício reconduz-se na imputação pelos apelantes de erro de julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade julgada não provada na referida alínea ee) dos factos não provados, ou seja, na sua perspetiva, ao julgar como não provada essa concreta facticidade, o tribunal errou, na medida em que, por si só, a facticidade que julgou como provada no ponto 1º dos factos provados impunha que também tivesse de julgar como provada a da alínea ee) dos factos não provados.
Por outro lado, a ser certa a alegação dos apelantes de que o simples facto do tribunal a quo deparar-se com a prova da facticidade mencionado no ponto 1º dos factos provados na sentença, em que se apurou que o falecido A. F., ainda em vida, instaurou contra a apelada ação em que pediu que o casamento que celebrou com a última fosse declarado inválido e, bem assim, com o facto deste, também ainda em vida, ter instaurada a presente ação de divórcio contra a mesma apelada, “é prova mais do que evidente e demonstrativa da sua gravidade e falta de propósito claro de que não existia vida em comum entre o casal”, forçando a que se conclua estarem preenchidos os requisitos legais para o decretamento do divórcio a que alude a al. d), do art. 1781º do CC, essa concreta alegação dos apelantes reconduz-se na imputação pelos mesmos de erro de direito à decisão de mérito proferida nessa sentença (error iuris).
De resto, lida a sentença, atenta a facticidade nela julgada provada e não provada pela 1ª Instância, a interpretação e aplicação que esta nela fez do art. 1780º, al. d) do CC, e a consideração que nela se expande de que o falecido Autor, A. F., não alega como fundamento (causa de pedir) do pedido de divórcio a separação de facto do casal por um ano consecutivo e que, por conseguinte, não é processualmente viável decretar o divórcio por este peticionado com esse fundamento, por tal implicar uma alteração inadmissível da causa de pedir, o discurso fáctico-jurídico argumentativo que nela se encontra vertido pelo tribunal a quo para suportar a decisão de mérito de improcedência do pedido de divórcio, mostra-se perfeitamente lógico e racional, não se detetando, portanto, na sentença recorrida qualquer vício ou incongruência interna entre, por um lado, os fundamentos fáctico e jurídicos (certos ou errados – o que já configura erro de julgamento) que nela são aduzidos pela 1ª Instância para suportarem a decisão de mérito, que julgou improcedente a presente ação de divórcio e, por outro, essa decisão de mérito, mas antes pelo contrário: a decisão de mérito de improcedência do pedido de divórcio é a conclusão lógica e racional que se extrai do discurso fáctico-jurídico argumentativo que se encontra explanado pelo julgador na sentença recorrida, em sede de subsunção jurídica da facticidade apurada.
Resulta do exposto, improceder a pretensa nulidade da sentença recorrida, por oposição entre os fundamentos e a decisão.

B.2- Erro de julgamento da matéria de facto – alínea h) dos factos não provados.

Os apelantes impugnam o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade julgada não provada nas alíneas h) e ee), advogando que, perante o depoimento da testemunha M. S. e, no que respeita à facticidade julgada não provada na alínea ee), também perante a facticidade julgada provada no ponto 1º da sentença, em que se apurou que o falecido A. F. instaurou em 18/12/2015, ação declarativa pedindo a declaração da invalidade do casamento que celebrou com a Ré (apelada) e, bem assim, que intentou a presente ação de divórcio, o que, de per se, na sua perspetiva, é bem demonstrativo que não existia qualquer vontade ou propósito de vida em comum entre o casal formado por aquele e pela Ré, impunha-se que a 1ª Instância tivesse concluído pela prova da facticidade julgada não provada nas identificadas alíneas h) e ee).
Antes de mais, diremos que os apelantes cumpriram com todos os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto que se encontram identificados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, porquanto, indicam, nas conclusões de recurso, os concretos pontos da matéria de facto que impugnam (as alíneas h) e ee) dos factos julgados não provados na sentença) e indicam, na antecedente motivação do recurso e, inclusivamente, indevida, porque desnecessariamente, nas conclusões de recurso (9), a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve recair quanto a essa facticidade que impugnam (a de provada), quais os concretos fundamentos probatórios que, na sua perspetiva, impõem esse julgamento de facto diverso que propugnam (o depoimento da testemunha M. S. e, acrescidamente, quanto à facticidade da alínea ee), a facticidade julgada provada no ponto 1º dos factos provados na sentença e, bem assim a circunstância do falecido Autor ter instaurado a presente ação de divórcio) e fazem uma análise minimamente crítica da prova produzida por forma a demonstrar o porquê de, na sua perspetiva, essa prova que indicam não permitir o julgamento de não provado realizado pela 1ª Instância, mas antes impor o julgamento de provado quanto a essa concreta facticidade que propugnam, e indicam o início e o termo dos excertos do depoimento da testemunha M. S. em que fundam a sua impugnação, o que nem sequer vem colocado em crise pela apelada, pelo que nos abstemos de tecer maiores considerações, por desnecessárias, quanto ao cumprimento pelos apelantes dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto.
E tendo os apelantes cumprido com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto que impugnam, estamos em condições de entrar na apreciação da sindicância que os mesmos operam em relação aos concretos pontos da matéria de facto julgada não provada pela 1ª Instância, que impugnam.

Nas identificadas alíneas h) e ee) a 1ª Instância considerou como não provada a seguinte facticidade:
h) No quotidiano, a Ré sai de casa pela manhã e raramente voltava para lá pernoitar (art.º 11.º da p.i.);
ee) Não existe qualquer vontade ou propósito de vida em comum entre o casal (art.º 39.º da p.i.).

E fundamentou esse julgamento de facto negativo nos seguintes termos:
“Quanto aos restantes factos [que são controvertidos], o tribunal formou a sua convicção para os julgar provados ou não provados nos depoimentos das testemunhas M. P., amigo do habilitado J. M., M. B., vizinho do falecido A., M. S., vizinha do falecido A. e amiga da sua primeira mulher do mesmo, A., e Q. C., nora do falecido A., conjugados com os documentos juntos aos autos, designadamente com o teor dos articulados apresentados pelo falecido A. nos presentes autos e nos autos referidos em 1).
Vejamos em que termos.
No que concerne ao tratamento que a R. dispensava ao A., as testemunhas não denotaram ter qualquer conhecimento.
As testemunhas M. P. e M. S. afirmaram que sabiam que ia uma senhora a casa do falecido A. tratar da casa (arrumar e fazer limpezas) – a primeira pelo “diz que disse” e pelo filho J. M. e a segunda porque viu lá a senhora – e que depois souberam que o A. tinha casado com a empregada.
A testemunha M. B. referiu que tinha ouvido falar que o falecido A. tinha casado e que o chegou a ver com uma senhora, mais nova do que ele, mas que não sabia quem era.
A testemunha Q. C. relatou que soube que o sogro tinha casado no dia em que o casamento ocorreu – segundo ela, no Natal de 2013 (o que não corresponde à verdade, já que o casamento foi em 31/12/2013 – quando a sua filha foi a casa do avô convidá-lo para jantar).
As referidas testemunhas, quando questionadas, afirmaram não saber como era o relacionamento do casal, sendo notório do relato de todas que não conviveram com o casal, antes e depois do casamento, e que pouco ou nada (sobretudo as 3 primeiras testemunhas) conviveram com o falecido A.
Assim, porque não se produziu qualquer prova sobre os mesmos, o tribunal julgou não provados os factos vertidos nas als. b) a g), l), m), w) e x).
Quanto ao relacionamento entre o A. e a R. durante o casamento e o local onde residiam e/ou pernoitavam, as testemunhas M. P., M. B. e M. S. revelaram pouco saber.
A testemunha M. P. afirmou que não frequentava a casa do A., pelo que não sabia se a R. residia com ele. Relatou um episódio, que terá presenciado – não indicando, porém, em que data tal sucedeu –, em casa do filho do A. quando lhe foi levar os documentos da associação de que ambos fazem parte: viu o A. chegar a casa do filho de táxi, abandalhado, a chorar, e a dizer que vinha de Braga, que tinha fugido, que ela (mulher) não lhe dava comida e que metia homens em casa.
Depois disso, segundo a testemunha, o A. não terá saído mais da casa do filho (o que lhe terá sido dito por este) e que o chegou a ver em casa do filho, mas que não falou com ele.
De acordo com esta testemunha, depois de ir para casa do filho, o A. teve ainda um acidente de carro.
Quando lhe foi perguntado, referiu que o A. viveu com a R. cerca de um ano e tal a dois anos e que o acidente de carro ocorreu cerca de 1 ano depois de o A. ter começado a viver com a R.
O depoimento da testemunha M. B. foi divergente do da testemunha anterior. Referiu que o A. teve um acidente de carro, que deixou de o ver nessa altura e durante um ano não o viu, tendo ouvido dizer que foi viver para Braga. Relatou que viu o A. mais tarde, em casa do filho, a chegar de táxi, com as calças mal apertadas e a entrar em casa do filho. Depois disso, viu o A. várias vezes sentado à porta da cozinha da casa do filho durante pelo menos uma semana e que nunca mais o viu. Mais tarde ouviu falar que estava acamado e que tinha falecido.
A testemunha M. S., por seu turno, relatou que pouco depois do casamento, a mulher do A. arrastou-o para Braga, que ele esteve pouco tempo com ela em Braga e que depois foi para casa do filho. Inicialmente referiu que o A. faleceu em casa do filho e depois acabou por dizer que foi no hospital, acrescentando, porém, que nunca viu a mulher dele, a R., por casa do filho.
A testemunha Q. C. relatou factos que ou não foram alegados pelo A. ou foram alegados de forma completamente diferente.
Comecemos, desde logo, pela data do casamento: esta testemunha referiu ter sido no dia de Natal de 2013, mas o casamento aconteceu na véspera do ano novo de 2014.
Depois, afirmou que, no dia do casamento, o A. jantou e pernoitou em sua casa e que a R. foi para Braga, onde terá pernoitado, mas no art.º 6.º da petição inicial o A. apenas alegou que a R. dormiu noutro quarto, sem qualquer referência à pernoita da R. em Braga.
Por outro lado, esta testemunha afirmou que a R. nunca pernoitou com o A. pois ela chegava de camioneta de manhã a casa do A. e ia de camioneta para Braga ao final da tarde, o que o A. nunca alegou.
Com efeito, como resulta nomeadamente dos art.ºs 11.º e ss., o A. alegou que a R. raramente pernoitava em sua casa e não que a R. nunca pernoitava em sua casa.
A testemunha Q. C. afirmou ainda que o A., após a Páscoa, teve um acidente de viação, esteve 15 dias internado no hospital, um mês em casa da R. em Braga e que depois foi para sua casa, de táxi, em 13/06/2014, e que nunca mais voltou a residir na mesma casa com a R. e encontrar-se sequer com a R.
Nada disso é alegado pelo A. na petição inicial, o que não se compreende, uma vez que a separação de facto por mais de um ano constituiu um fundamento autónomo para o decretamento do divórcio.
Com efeito, a presente ação de divórcio foi instaurada em 20/07/2016, mais de dois anos depois de, segundo aquela testemunha, o A. ter passado a residir de forma permanente em sua casa. O A. fundou a ação de divórcio na violação pela R. dos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência e na rutura definitiva do casamento que celebrou com A. F. decorrente dessa violação.
O A. não alegou a separação de facto, a ausência de comunhão de vida com a R., por mais do ano (desde 13/06/2014 ou desde outra data), como fundamento de divórcio, o que certamente não deixaria de fazer se tal separação tivesse ocorrido.
Aliás, na petição inicial, o A. não alega o episódio do táxi relatado pelas testemunhas e na ação referida em 1) dos factos provados, tal episódio é referido como tendo ocorrido em 14/06/2014, mas como uma mera ida do A. a casa do seu filho e não como uma alteração permanente de residência para casa do filho.
Quanto aos restantes factos atinentes à relação do A. com a R. e a existência de uma relação extraconjugal, apenas temos o depoimento da testemunha Q. C., que referiu ter ouvido isso do A. seu sogro, mas que não presenciou.
(…).
O depoimento da testemunha Q. C. não foi considerado credível, não só pelas contradições e perplexidades nele já apontadas, como também pelo seu interesse no desfecho da presente ação – dele depende a atribuição da qualidade de herdeira do A., pai do marido da testemunha, à R. .
As restantes testemunhas mostraram ter muito pouco conhecimento da vida do A., como já acima se deixou descrito, sendo que o alegado conhecimento do episódio do táxi – que não souberam sequer localizar no tempo –, não foi (nem nunca seria, porque nunca tal foi alegado pelo A.) suficiente para convencer o tribunal de que o mesmo, a partir de 13/06/2014 ou partir de outra data anterior à propositura da presente ação, não mais se encontrou ou conviveu na mesma casa que a R. ou de que não mais pernoitaram na mesma casa ou cama.
Da conjugação do depoimento das referidas testemunhas e do teor dos articulados apresentados nos presentes autos e no processo referido em 1), apenas resultou evidente, por não haver qualquer contradição entre eles -– para o tribunal que o A. tinha uma casa e residia em ..., Vila Verde e que a Ré o chegou a levar para o apartamento que detinha em Braga.
Assim sendo, quanto aos factos controvertidos, o tribunal julgou apenas provados os factos vertidos em 3) e 5) e não provados os restantes factos alegados nas als. a), h) a j), k), n) a v) e y) a ee)”.
Enuncie-se que procedemos à análise integral da prova documental que se encontra junta aos autos e à audição de toda a prova testemunhal produzida em sede de audiência final e que, analisada a fundamentação explanada pela Meritíssima Senhora Juiz da 1ª Instância que se acaba de transcrever, não detetamos que aquela tenha incorrido em qualquer infidelidade a propósito do teor dos depoimentos das testemunhas que depuseram em sede de audiência final, e que a nossa convicção quanto à facticidade constante da alínea h) corresponde à da 1ª Instância.
Na verdade, a facticidade dessa alínea h), em que se questiona se “no quotidiano, a Ré sai de casa pela manhã e raramente voltava para lá pernoitar” refere-se necessariamente ao período temporal em que o falecido A. F. viveu com a Ré, na sequência do casamento de ambos, ocorrido em 31/12/2013 (cfr. ponto 2º dos factos apurados), inicialmente, em ... e, posteriormente, no apartamento da Ré, sito em Braga, até ao regresso do falecido A. F. a …, alegadamente na sequência de uma fuga desse apartamento, onde residia com a Ré, a qual, segundo a versão dos factos apresentada pela testemunha Q. C., nora do falecido, terá ocorrido em 13 de junho de 2014, o que não mereceu o convencimento da 1ª Instância, e a nosso ver, bem, atenta a circunstância dessa facticidade não vir alegada pelo falecido A. F., na petição inicial, com que instaurou, ainda em vida, a presente ação de divórcio.
Com efeito, a ter ocorrido essa alegada fuga do falecido A. F. do apartamento da Ré para ..., onde se situava a casa onde aquele residira com a sua falecida mulher (I. S.) em vida desta e, na sequência do casamento com a Ré, com a última, antes de terem ido residir para Braga, para aquele que era o apartamento da Ré, onde esta residia antes de casar com o falecido A. F., em 13 de junho de 2014, operando-se, nesta data a separação do casal, como bem ponderou a 1ª Instância, tendo o falecido A. F. instaurado a presente ação de divórcio em 20/07/2016, aquele não deixaria de alegar esse facto na petição inicial e de, com fundamento no mesmo, peticionar o divórcio, alegando separação de facto por um ano consecutivo (art. 1781º, al. a) e 1782º do CC), uma vez que entre 13/06/2014 e 20/07/2016 (data da instauração da presente ação) decorreu mais de um ano de alegada separação de facto do casal constituído pelo falecido A. F. e a Ré, o que conferia a qualquer um dos cônjuges o direito potestativo de requerer o divórcio com esse fundamento, não se antolhando como razoável aceitar-se que o falecido A. F., que constituiu mandatário para intentar a presente ação, desconhecesse esse facto e, por conseguinte, tivesse deixado de alegar essa separação de facto do casal pretensamente desde 13/06/2014, caso a versão dos factos apresentada pela testemunha Q. C. fosse efetivamente verdadeira.
Aliás, cumpre referir que apesar da facticidade julgada provada, na ação que correu termos sob o n.º 6095/15.5T8BRG, do Tribunal de Família e Menores de Braga, Juiz 2, em que o falecido A. F. demandou a aqui Ré (apelada), pedindo que fosse declarada a invalidade do casamento celebrado entre ambos, não operar caso julgado no âmbito da presente ação, porquanto, nunca por nunca os fundamentos de facto em que assentou a sentença de mérito proferida no âmbito dessa ação estão cobertos pelo trânsito em julgado que cobre essa sentença de mérito, que julgou improcedente essa ação, quando desgarrados da respetiva parte dispositiva (10), contrariamente ao pretendido pelos apelantes nas suas alegações de recurso, no âmbito dessa sentença não se julgou como provado que o casal formado pelo falecido A. F. e a Ré se encontra separado de facto desde meados de 2014, mas apenas, no ponto 15º dos factos nela julgados como provados, que: “Entretanto, por forma não apurada, o Autor decidiu voltar a ..., deixando o apartamento em que vivia com a Ré em Braga”.
No entanto, uma coisa é certa, por isso resultar não só da prova testemunhal produzida em audiência final, como resultar demonstrado das regras da experiência comum: o falecido A. F. e a Ré encontram-se separados de facto desde, pelo menos, 18/12/2015, posto que, nessa data, o primeiro deu entrada da ação declarativa n.º 6095/15.5T8BRG, que intentou contra a Ré em que pede que o casamento celebrado entre ambos seja declarado inválido, uma vez que não se antolha como razoável aceitar-se que quem intenta uma ação dessa natureza, formulando semelhante pedido, continue a viver ou pretenda continuar a viver em comunhão de vida com a pessoa com quem contraiu o matrimónio que pretende ver declarado inválido, sem nunca desistir dessa ação e quando, acrescidamente, à cautela, salvaguardando-se contra a eventualidade dessa ação vir a improceder, intentou, em 20/07/2016, a presente ação de divórcio, pretendendo que esse casamento seja declarado dissolvido, por divórcio, como foi a conduta claramente assumida pelo falecido A. F., que ainda em vida, em 18/12/2015, instaurou aquela primeira ação, em que pede que o casamento seja declarado inválido e, salvaguardando-se contra a possibilidade dessa ação vir a improceder (conforme, aliás, improcedeu), intentou a presente ação de divórcio em 20/07/2016.
Destarte, perante o que se vem dizendo, não subsistem dúvidas que, pelo menos, desde 18/12/2015, o casal formado pelo falecido A. F. e a Ré, e até à morte do primeiro, ocorrida em 30/01/2017 (cfr. ponto 6º dos factos provados), manteve-se separado de facto, não existindo entre eles comunhão de vida e, portanto, a facticidade a que se reporta a alínea h) dos factos julgado não provados pela 1ª Instância apenas se reporta à conduta da Ré no período de 31/13/2013 (data da celebração do casamento) e 18/12/2015 (data em que, pelo menos, ocorreu a separação de facto do casal).
Ora, como dito, tendo-se procedido à audição integral do depoimento prestado pela testemunha M. S., amiga e vizinha da 1ª mulher do falecido A. F., não se descortina que esta tivesse corroborado a facticidade da alínea ee) que a 1ª Instância julgou não provada.
Na verdade, M. S. começou o seu depoimento, afirmando que conhecia bem o falecido A. F., dado serem vizinhos e pessoas que contam sensivelmente a mesma idade; o falecido esteve emigrado e, posteriormente, regressou a Portugal, onde contraiu matrimónio com a sua primeira mulher, a I. S., de quem a depoente se disse amiga; depois de contrair matrimónio com a I. S., o falecido A. F. emigrou para França, deixando a mulher em Portugal, país a onde regressou definitivamente, mais tarde. Referiu não conhecer a Ré, resultando, posteriormente do seu depoimento, que esta, com essa sua afirmação, quis significar que nunca teve qualquer conversa com a mesma, pessoa que, contudo, conhece de vista. Relatou que depois de ter ficado viúvo da primeira mulher (a I. S.), A. F. foi viver para casa do filho, mas porque não se sentisse bem, regressou à “casa dele”, isto é, à casa em que vivia com a sua falecida mulher, a I. S.” e arranjou uma empregada – a Ré. Refere que a empregada (a Ré) não pernoitava na casa do A. F. – “não ficava lá de noite” -, mas que ao fim do dia, ia de autocarro para casa dela. Mais referiu que essa empregada era muito mais nova que o A. F. e que, mais tarde, disseram-lhe que este tinha casado com a empregada e esta “arrastou-o para Braga”, onde A. F. “esteve pouco tempo, porque fugiu para casa do filho”, também sita em .... “Depois ela via o falecido na casa do filho, sentado à porta da cozinha”.
Em suma, diversamente do pretendido pelos apelantes, a testemunha M. S. confirmou que a Ré não pernoitava na casa do falecido A. F., mas conforme resulta do seu depoimento, essa situação que relata refere-se ao período em que aquele ainda não tinha contraído matrimónio com a Ré, posto que, quanto ao período subsequente ao casamento do casal, M. S. nada confirmou ou informou sobre se a Ré pernoitava ou não na casa de A. F., agora marido daquela.
Aliás, a testemunha M. S. nem sequer se apercebeu do casamento do falecido A. F. com a Ré, na medida em que é perentória em afirmar que apenas teve conhecimento desse casamento, não porque se tivesse apercebido da ocorrência deste, mas através de conversas que manteve com terceira ou terceiras pessoas, que lho disseram, pelo que, neste contexto, naturalmente que M. S. não pode confirmar ou infirmar sobre se a Ré, depois do casamento que celebrou com o falecido A. F., manteve (ou não) o comportamento que tinha quando era mera empregada daquele, em que, ao final do dia, finda a jornada de trabalho, regressava a Braga, de autocarro, para o apartamento onde residia.
De resto, após ter relatado que teve conhecimento que A. F. tinha casado com a empregada porque lho disseram, a testemunha M. S., prosseguindo o seu depoimento, logo referiu que “a empregada o arrastou para Braga”, e concluiu o seu depoimento afirmando que nada sabe sobre se a Ré “tratou mal o falecido, porque nada viu e não andava na casa dele” e que A. F. nunca lhe falou nada a propósito da Ré.
Destarte, em suma, do depoimento da testemunha M. S. nada de útil se extrai para efeitos de prova ou não prova da facticidade vertida na alínea ee) dos factos não provados na sentença, o mesmo se diga em relação aos depoimentos das restantes testemunhas que depuseram em audiência final, que com exceção da testemunha Q. C., nora do falecido A. F., mas cujo depoimento padece das insuficiências probatórias apontadas pela 1ª Instância, nada de útil disseram quanto a esta concreta facticidade.
Acresce dizer que, contrariamente ao pretendido pelos apelantes, a circunstância da Ré não ter contestado a presente ação, não permite que o tribunal extraia qualquer ilação, para efeitos probatórios, dessa sua inércia, posto que estando em discussão nos autos matéria insuscetível de ser confessada, por respeitar a direitos indisponíveis e, portanto, subtraída ao ónus da impugnação especificada (arts. 354º, al. b) do CC, 568º, al. c) e 574º, n.º 2 do CPC), naturalmente que a circunstância da Ré não ter contestado a presente ação não pode significar o que quer que seja da sua parte, para efeitos probatórios, em relação à facticidade que vem alegada pelo falecido A. F. na petição inicial.
Destarte, como bem decidiu a 1ª Instância, a prova produzida não permite que se conclua pela prova da facticidade que julgou como não provada na alínea h) dos factos não provados na sentença, pelo que, ao assim decidir, o tribunal a quo não incorreu nos erros de julgamento que a apelante lhe imputa.
De resto, lembra-se aos apelantes que embora impenda sobre o tribunal ad quem, quanto ao julgamento da matéria de facto que vem impugnado pelos recorrentes que se encontra submetido ao princípio da livre apreciação da prova, realizar um novo julgamento, em que, nesse novo julgamento, goza de autonomia decisória, não estando condicionado pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que esta fez dessa mesma prova, podendo na formação dessa sua convicção autónoma, recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância (11), nos termos do n.º 1 do art. 662º do CPC, para que à Relação seja consentida a alteração do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, não basta que a prova produzida permita ou consinta o julgamento da matéria de facto propugnado pelos apelantes, mas antes que o imponha.
Na verdade, mantendo-se em vigor no atual CPC os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, nos casos em que os factos impugnados se encontram submetidos ao princípio da livre apreciação da prova, tendo presentes aqueles princípios e, bem assim que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, não se pode aniquilar, em absoluto, a livre apreciação da prova que assiste ao juiz da 1ª Instância, sequer desconsiderar, em absoluto, os princípios da imediação, da oralidade e da concentração da prova, que tornam percetíveis a esse julgador, que intermediou a produção da prova, determinadas realidades relevantes para a formação da convicção, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem através da mera audição da gravação áudio dos depoimentos pessoais prestados em audiência final.
Daí que o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, isto é, quando depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova produzida que entenda pertinente, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (12).
Acresce que conforme se salienta no acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/04, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, a impugnação da decisão em matéria de facto “(...) terá de assentar na violação dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria a inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão (...)”.
Ora, conforme cremos termos amplamente demonstrado supra, a prova produzida não impõe que se conclua pela prova da facticidade vertida na alínea h) dos factos não provados na sentença, mas antes impõe que se conclua pela não prova dessa concreta facticidade.
Termos em que se conclui pela improcedência deste fundamento de recurso e, em consequência, mantém-se inalterada a facticidade da alínea h) dos factos não provados na sentença.

B.2.1 – Alínea ee) dos factos não provados.

Passando à facticidade da alínea ee), a 1ª Instância julgou como não provado que “não existe qualquer vontade ou propósito de vida em comum entre o casal”, o que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não se subscreve integralmente.
Na verdade, tal como já se deixou enunciado, a circunstância do falecido A. F. ter instaurado em 18/12/2015, a ação declarativa n.º 6095/15.5T8BRG, em que pede que o casamento que celebrou com a Ré seja declarado inválido; o facto deste ter persistido, em vida, nessa ação, dela não desistindo, a qual terminou com o trânsito em julgado do acórdão proferido por esta Relação, que confirmou a sentença de mérito proferida pela 1ª Instância, que julgou improcedente essa ação, e absolveu a aí (e aqui) Ré desse pedido; o facto do mesmo A. F. ter instaurado em 20/07/2016, a presente ação de divórcio, salvaguardando-se contra a eventualidade daquela primeira ação vir a improceder, de que também não desistiu até à sua morte, ocorrida em 30/01/2017, quando submetidos todos esses factos às regras da experiência comum, outra ilação não é possível extrair que não seja a de que, pelo menos, desde 18/12/2015 até à data da sua morte, o casal formado pelo falecido A. F. e a Ré esteve separado de facto, não mais se encontrando, bem como que desde, pelo menos, 18/12/2015 até ao seu falecimento, A. F. não tinha qualquer vontade ou propósito de reatar vida em comum com a Ré.
Note-se que o que se acaba de concluir não é minimamente beliscado pela alegação da apelada (Ré), segundo a qual o falecido A. F. foi forçado pelos filhos a instaurar a ação n.º 6095/15.5T8BRG em que pede que o casamento que celebrou com aquela fosse declarado inválido e, bem assim, a presente ação de divórcio, deixando, nessa sua alegação, intuído que o falecido A. F. não tinha consciência do significado da propositura dessas duas ações, ou que, tendo consciência do seu significado, que a propositura e pendência de tais ações não correspondia à sua vontade real, agindo aquele manipulado ou sob a coação moral dos filhos.
Na verdade, quer no âmbito da ação n.º 6095/15.5T8BRG, quer no âmbito da presente ação de divórcio, a apelada nunca veio colocar em crise o mandato conferido, em vida, pelo falecido A. F. ao seu mandatário para que fossem instauradas, em representação daquele, as duas mencionadas ações, e com base no qual estas foram efetivamente intentadas, ainda em vida de A. F., que delas nunca desistiu.
Acresce que a apelada, no âmbito dessas ações nunca veio alegar que ao conferir o mandato ao seu mandatário, no uso do qual este último instaurou essas duas ações, em representação de A. F., ainda em vida deste, o identificado A. F. tivesse agido em erro vício ou em desconformidade com a sua vontade real, agindo sob pressão ou coação moral exercida pelos filhos.
Acontece que à luz das regras da experiência comum é inegável que, caso a apelada tivesse a convicção ou, inclusivamente, a mera suspeita que o falecido A. F., fruto da sua idade avançada, insuficiências mentais, eventual pressão que sobre ele estava a ser exercida por terceiros, nomeadamente, pelos filhos, ou por outras razões quaisquer não tinha plena consciência do significado da propositura de ambas essas ações, ou que a propositura dessas ações não correspondia à sua vontade real, aquela teria suscitado essas questões no âmbito da ação n.º 6095/15.5T8BRG e da presente ação de divórcio, o que não fez, vindo apenas a fazê-lo, pela primeira vez, no âmbito das suas contra-alegações de recurso, mas, conforme resulta do que se acaba de dizer, sem qualquer sustentação fáctica possível.
Já no que concerne à Ré, é certo que as testemunhas que depuseram em audiência final, incluindo, a testemunha M. S., afirmaram que, após A. F. ter, alegadamente, fugido do apartamento da Ré, sito em Braga, e ido viver para a casa do filho, esta sita em ..., nunca viram a Ré nessa freguesia, o que não significa que a Ré não se tivesse efetivamente deslocado a ..., para tentar contactar A. F. e para procurar reatar a vida em comum com o último, embora não o tivesse efetivamente logrado contactar.
Acresce dizer que, ainda que a Ré não se tivesse efetivamente deslocado a ..., a fim de tentar contactar A. F. e procurar reatar a relação conjugal com ele, várias poderão ser as razões que podem estar na base dessa pretensa conduta da Ré, nomeadamente, o receio de ser mal recebida por A. F. e/ou pelos familiares deste, nomeadamente, pela nora de A. F., a testemunha Q. C., com quem, no dia de Páscoa de 2014, a Ré já tivera desacatos, que levaram a uma participação criminal (art. 55º da petição inicial, com que foi instaurada a ação n.º 6095/15.5T8BRG, junta em anexo à petição inicial, com que foi instaurada a presente ação de divórcio, e depoimento da testemunha Q. C.), sem que na base desse pretenso comportamento da Ré esteja necessariamente a ausência da vontade ou do propósito da Ré de reatar a vida em comum com A. F..
Em suma, se da prova produzida impera concluir que desde, pelo menos, 18/12/2015 até ao seu falecimento, A. F. não tinha qualquer vontade ou propósito de reatar vida em comum com a Ré, nunca mais se tendo encontrado com a última, nada nos autos, em face da prova neles produzida, permite concluir em igual sentido quanto à Ré.

Termos em que, na parcial procedência deste fundamento de recurso:
a- altera-se a facticidade julgada não provada na alínea ee) dos factos não provados na sentença recorrida, a qual passa a constar dos seguintes factos, que se julgam como não provados:
ee- Não existe qualquer vontade ou propósito da Ré de reatar a vida em comum com A. F.”;
b- adita-se ao elenco dos factos provados na sentença recorrida, a seguinte facticidade, que se julga provada:
“7- Desde pelo menos 18/12/2015 e até ao seu falecimento, A. F. não tinha qualquer vontade ou propósito de reatar vida em comum com a Ré, com quem nunca mais contactou desde pelo menos 18/12/2015 até ao seu falecimento”.

B.3- Do direito.
A 1ª Instância julgou a presente ação de divórcio, instaurada por A. F., contra a Ré, com quem contraiu matrimónio em 31/12/2013, e que, na sequência do falecimento daquele em 30/01/2017, está a correr termos, para efeitos exclusivamente patrimoniais, sob o impulso dos filhos do falecido, improcedente, com o que não se conformam os apelantes, imputando erro de direito à decisão de mérito assim proferida, sustentando que o simples facto de se ter apurado, no ponto 1º dos factos provados na sentença, que em 18/12/2015, o falecido A. F. instaurou uma ação contra a Ré, em que pede que o casamento que celebrou com a última (apelada) seja declarado inválido, e de ter instaurado a presente ação de divórcio, “por si só, constitui um claro sinal demonstrativo que não existia vontade do finado em permanecer casado e que não exista qualquer vontade ou propósito de vida em comum entre o casal” e, bem assim é demonstrativo da “falência/fracasso definitivo do casamento devido à disparidade da idade, ao tratamento dado ao autor e ao comportamento da recorrida”.
Mais sustentam que, ao não ter sequer contestado o presente pedido de divórcio, a Ré demonstra desprezo e que esse facto, conjugados com os anteriormente referidos, é “motivo mais do que suficiente, em face da nova lei”, para se conclua pela “rutura definitiva do casamento a que alude a al. d), do art. 1781º do CC”.
Concluem os apelantes que “o simples facto de se saber, conforme resulta das duas demandas, que a recorrida nem sequer encetou diligências para voltar para o finado, é prova mais do que evidente e demonstrativa da sua gravidade e falta de propósito claro de que não existia vida em comum entre o casal”, estando, na sua perspetiva, reunidos os pressupostos legais para o decretamento do divórcio.
Vejamos se assiste razão aos apelantes nas críticas que assacam à decisão de mérito proferida na sentença recorrida, que julgou a presente ação de divórcio improcedente.
É sabido que, na sequência da revisão operada pela Lei n.º 61/2008, de 31/10, ao Código Civil, foram introduzidas alterações profundas ao regime do “divórcio litigioso”, o qual, na sequência da reforma de 1977 assentava em duas vertentes de divórcio perfeitamente distintas: a) o denominado divórcio-sanção, fundado na culpa de um ou de ambos os cônjuges, previsto na cláusula geral do n.º 1 do art. 1779º do CC, na redação anterior à reforma, em que apenas tinha legitimidade ativa para requerer o divórcio o cônjuge inocente, e em que o divórcio se fundava na violação culposa por parte do cônjuge demandado dos deveres conjugais, que pela sua gravidade ou reiteração comprometessem a possibilidade de vida em comum, em que o cônjuge declarado único culpado, ou principal culpado tinha de acarretar com várias consequências jurídicas, em que o divórcio surgia como um castigo ou sanção para o cônjuge que culposamente violou os deveres conjugais, dando aso à extinção do casamento, por divórcio; e b) o divórcio fundado em causas objetivas e, portanto, não dependentes da culpa dos cônjuges, previsto no art. 1781º do CC, em que o divórcio assumia ora a feição de divórcio-constatação, divórcio-fracasso ou divórcio-falência, quando se fundava em separação de facto ou na ausência, em que o tribunal se limitava a constatar e a decretar a situação de rutura do casamento, objetivamente considerada, ora assumia a feição de divórcio-remédio, quando o fundamento deste era a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, em que o divórcio surgia como remédio ou terapêutica jurídica adequada para aquelas situações anómalas em que a sociedade conjugal já não podia funcionar, ainda que sem culpa de nenhum dos cônjuges (13).
Acontece que inspirado nas legislações mais progressivas do espaço europeu e a constatação que o casamento deixou paulatinamente de desempenhar o seu papel tradicional, em que sobrelevavam os interesses da família em detrimento dos interesses pessoais e individuais dos cônjuges à felicidade, realização afetiva e de bem-estar, na sequência da revisão operada pela Lei n.º 61/2008 ao Código Civil, o legislador, que manteve as duas modalidades de divórcio tradicionais, isto é, o divórcio por mútuo consentimento e o divórcio litigioso, quanto a este último, alterou a sua nomenclatura para “divórcio sem consentimento de um dos cônjuges” e eliminou como fundamento deste as causas subjetivas, dependentes da culpa, exclusiva ou predominantemente de um dos cônjuges, passando o divórcio a assentar exclusivamente em causas objetivas e, portanto, não dependentes de culpa dos cônjuges, com que eliminou da ordem jurídica nacional o denominado divórcio-sanção (14).
A violação culposa dos deveres conjugais deixou, assim, na sequência daquela revisão, de constituir fundamento de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, o qual passou a assentar apenas em causas objetivas e, consequentemente, no modelo do divórcio constatação, fracasso ou falência ou no modelo do divórcio-remédio.
Neste sentido lê-se no atual art. 1781º do CC que “São fundamento de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges: a) A separação de facto por um ano consecutivo; b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade da vida em comum; c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano; d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a rutura definitiva do casamento”.
Na alínea d) do art. 1781º do CC consagra-se uma cláusula geral – a rutura definitiva do casamento - de onde decorre que, na nossa perspetiva, nela se consagra o modelo do divórcio constatação, em que o tribunal se limita a verificar objetivamente se existe (ou não) a rutura definitiva do casamento, independentemente dessa rutura ser imputável ou não aos cônjuges, sendo essa rutura definitiva e irreversível do casamento o fundamento para o decretamento do divórcio.
Mediante a consagração desta cláusula geral ampliou-se, assim, as causas de divórcio a quaisquer factos que, independentemente do decurso de qualquer prazo, quando objetivamente considerados, sejam demonstrativos da rutura definitiva do casamento, o que significa que é “a rutura definitiva do casamento” que, nos termos dal al. e), constitui o fundamento para o decretamento do divórcio.
Note-se que contrariamente ao que acontece em relação aos fundamentos de divórcio previstos nas als. a) a c) do art. 1781º, em que se exige que o fundamento de divórcio enunciado em cada um dessas alíneas persista, de forma ininterrupta no tempo, durante um período mínimo de mais de um ano, para que o legislador presuma iuris et de iure e, portanto, inilidivelmente que se está perante uma situação de rutura definitiva do casamento, a qual confere a qualquer dos cônjuges o direito potestativo a requerer o divórcio com um dos fundamentos previstos numa dessas alíneas, quanto ao fundamento de divórcio da al. d), não se exige que os factos que servem de fundamento ao pedido de divórcio perdurem durante um período mínimo de tempo, mas apenas que se trate de factos que, independentemente de culpa dos cônjuges, mostrem a “rutura definitiva do casamento”, ou seja, que se trate de quaisquer factos que pela sua gravidade e reiteração sejam demonstrativos que, objetivamente e com caráter definitivo, deixou de haver comunhão de vida entre os cônjuges.
Essa rutura definitiva do casamento, resulta “normalmente de um acumular de factos, nos quais, pelas mais variadas razões, os cônjuges, progressivamente vão-se afastando um do outro” até que entre eles deixa de existir comunhão de vida, própria do casamento.
Esses factos podem verificar-se logo após a celebração do casamento, ou pouco tempo depois deste, essencial é que, quando objetivamente considerados, sejam reveladores da existência da rutura definitiva do casamento (15).
Tais factos podem consistir no incumprimento dos deveres conjugais por parte dos cônjuges, posto que embora a violação culposa dos deveres conjugais tenha deixado de constituir fundamento de divórcio, para passar a constituir apenas fundamento de ação de responsabilidade civil, destinada ao ressarcimento do cônjuge lesado, daqui não deriva que os deveres não continuem a merecer a tutela do direito e que a violação culposa dos mesmos seja indiferente para se aferir da irreversibilidade objetiva da rutura do casamento, posto que quem de forma grave e reiterada viola os deveres conjugais a que se vinculou contratualmente perante o seu cônjuge, apenas pode esperar que essa situação poderá levar (e, por norma, levará) à rutura definitiva e objetiva da comunhão de vida entre o mesmo e esse seu cônjuge, que é própria da relação matrimonial.
Deste modo, conforme pondera Rita Lobo Xavier, o “casamento continua a ser um contrato que gera deveres recíprocos entre os cônjuges (art. 1672º), que representa a concretização da plena comunhão a que se obrigam, nos seus vários e inesgotáveis aspetos”, pelo que “a alegação e prova de que os deveres conjugais não estão a ser cumpridos pode ser um indício de rutura da comunhão de vida, porque estes deveres são a concretização da obrigação de comunhão de vida assumida. Tais factos serão apreciados independentemente de culpa dos cônjuges, o que significa (…) que o incumprimento dos deveres conjugais será apreciado de forma objetiva, isto é, mesmo que sejam comportamentos do cônjuge Réu desculpáveis e, inclusivamente, que o próprio autor pode alegar e provar incumprimentos que lhe são imputados” (16).
Acresce dizer que enquanto a generalidade da doutrina e parte da jurisprudência entende que os factos que servem de fundamento ao divórcio com fundamento na al. d) têm de ser outros que não os constantes nas anteriores alíneas a) a c) do art. 1781º do CC (17), outros entendem que a rutura do casamento a que alude a al. d) pode ser demonstrada através da prova de quaisquer factos, incluindo os passíveis de preencherem as previsões das alíneas a) a c) do mesmo preceito, sem o período temporal neles previstos, desde que sejam graves, reiterados e demonstrativos de que, objetivamente, deixou de haver comunhão de vida entre os cônjuges (18).
Apesar de não subscrevermos, sem mais, esta última posição jurisprudencial, não podemos deixar de concordar que nas als. a) a c) do art. 1781º do CC, o legislador prevê situações que, uma vez alegadas e provadas pelo cônjuge requerente do divórcio, levam ao funcionamento da presunção legal inilidível, e portanto, iuris et de iure, de que se verifica uma situação objetiva de rutura definitiva do casamento, que confere a qualquer um dos cônjuges o direito potestativo a requerer a extinção do casamento, por divórcio, com fundamento num dos fundamentos previstos nas als. a) a c), que mais não são que os factos base da presunção inilidível da rutura irreversível do vínculo matrimonial, enquanto a al. d) contém um cláusula geral em que o legislador permite ao cônjuge requerente do divórcio a alegação de quaisquer factos que, pela sua gravidade e reiteração, sejam objetivamente demonstrativos da rutura definitiva, isto é, irreversível do vínculo matrimonial.
Ora, se é certo que a separação de facto, as alterações das faculdades mentais do outro cônjuge ou a ausência, sem que se mostre decorrido o prazo mínimo fixado nas als. a) a c) do art. 1781º do CC para conferir aos cônjuges o direito potestativo a requerer o divórcio, não podem servir, em termos objetivos, de fundamento apto a que se conclua pela existência de uma situação definitiva, por irreversível, de rutura do casamento, essas situações, quando conectadas com outros factos, que não uma qualquer situação subjetiva do requerente do divórcio, nomeadamente, um mero capricho ou vontade momentânea em se divorciar do outro, podem levar a que se conclua que essa rutura irreversível do casamento se verifica efetivamente, não obstante ainda não se mostrar decorrido, à data da propositura da ação, o prazo mínimo fixado nas alíneas a) a c) para que fique conferido ao requerente do divórcio o direito potestativo a requerer o divórcio.
Assim é que, em nosso entendimento, uma prolongada separação do casal, ainda que inferior ao período mínimo fixado na al. a), pode preencher a previsão da al. d), quando, nomeadamente se apure outros factos que sejam demonstrativos, em termos objetivos, da irreversibilidade da rutura da vida em comum do casal.
Na verdade, a irreversibilidade da rutura do casamento há-de ter em conta predominantemente as circunstâncias concretas dos cônjuges, sem se descurar naturalmente as demais exigências decorrentes, por exemplo da dignidade humana e da igualdade entre os cônjuges.
No apuramento da irreversibilidade da rutura do casamento, no contexto da causa de pedir enunciada na al. d) do art. 1781º do CC, não se pode deixar de ter em conta o comportamento dos cônjuges, antes e no decurso da ação de divórcio, não como factos constitutivos da causa de pedir em que o cônjuge requerente do divórcio ancorou o seu direito a ver dissolvido o casamento, por divórcio, mas como elemento de prova da cessação da duradoura e irreversível comunhão conjugal (19).
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso dos autos, o falecido A. F. instaurou a presente ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges contra a Ré, com fundamento na al. d) do art. 1780º do CC, alegando factos que, na sua perspetiva, eram objetivamente demonstrativos da rutura definitiva do casamento celebrado entre ambos, em 31/12/2012, por consubstanciarem a violação culposa e reiterada por parte da Ré dos deveres de respeito, cooperação, assistência e coabitação.
Apesar dos apelantes, sucessores de A. F., falecido em -/01/2017, não terem logrado fazer prova da generalidade da facticidade que vem alegada, na petição inicial, apurou-se que o falecido A. F. instaurou contra a aqui Ré (apelada), em 18 de dezembro de 2015, uma ação que correu termos sob o n.º 6095/15.5T8BRD, do Juízo de Família e Menores de Braga, Juiz 2, em que pedia que o casamento que celebrou com a Ré fosse declarado inválido, a qual veio a ser julgada improcedente por sentença proferida em 23/11/2016, já transitada em julgado (ponto 1º dos factos apurados).
Mais se apurou que desde pelo menos, 18/12/2015 e até ao seu falecimento, A. F. não tinha qualquer vontade ou propósito de reatar vida em comum com a Ré, com quem nunca mais contactou desde pelo menos 18/12/2015 até à sua morte (ponto 7º dos factos apurados).
A presente ação de divórcio foi instaurada em 20/07/2016, quando se encontravam decorridos pelo menos sete meses sobre o início da separação do casal constituído pelo falecido A. F. e pela Ré e em que, consequentemente, não se mostrava decorrido o prazo legal mínimo fixado na al. a) do art. 1781º do CC para que ficasse conferido a A. F. o direito potestativo de se divorciar da Ré, beneficiando da presunção inilidível de rutura do casamento de ambos fixada nesse preceito legal.
No entanto, a causa de pedir em que o falecido A. F. fundou o seu pedido de divórcio da Ré (apelada) não é a separação de facto, mas antes a rutura definitiva do seu casamento, isto é, na al. d) do art. 1781º do CC.
Conforme já enunciado, a rutura definitiva do casamento pode ter por base a violação dos deveres conjugais, ainda que tal violação seja imputável ao próprio cônjuge, requerente do divórcio.
Destarte, independentemente do falecido A. F. dispor ou não de razões objetivas (que, contudo, não logrou demonstrar nos presentes autos) para que desde, pelo menos, 18/12/2015 e até à data do seu falecimento, em 30/01/2017, não ter qualquer vontade ou propósito de reatar a vida em comum com a Ré, com quem nunca mais contactou desde, pelo menos, 18/12/2015 até ao seu falecimento, o certo é que, à data da propositura da presente ação de divórcio, assistia-se a uma violação reiterada dos deveres conjugais de coabitação e de assistência entre o falecido A. F. e a Ré, a qual já perdurava há pelo menos sete meses.
Acresce que em 18/12/2015 o falecido A. F. instaurou a ação n.º 6095/15.5T8BRG, pedindo que o casamento que celebrou com a Ré fosse declarado inválido.
A instauração dessa ação não pode deixar de significar uma violação grave do dever de respeito de A. F. para com a Ré, na medida em que respeitar o outro cônjuge é, além do mais, não lesar a sua integridade física ou moral, sendo ofensivos da integridade moral quaisquer palavras ou atos que ofendam a honra do outro – a honra em geral e aquela honra especial ligada ao casamento – ou ainda a sua reputação e a consideração social de que goza (20) e não deixa de ser profundamente desrespeitoso da honra devida pelo falecido A. F. para com a sua cônjuge (Ré) instaurar uma ação pedindo que o casamento de ambos seja invalidado, deixando perante o público em geral o seu firme propósito de não pretender manter esse casamento, mas antes, pelo contrário, a sua aversão à Ré era de tal ordem que o mesmo pretendia que o casamento que celebrou com a mesma fosse invalidado, sendo, portanto, eliminado, ab initio, da ordem jurídica.
Essa atitude do falecido A. F. para com a Ré, para além de ser objetivamente e em elevado grau desrespeitosa para com a última, quando considerada na sua verdadeira e plena dimensão, apenas pode significar uma rutura definitiva e irreversível da relação matrimonial entre os cônjuges.
Acresce que o falecido A. F. não só instaurou a referida ação pedindo que o casamento que celebrou com a Ré fosse declarado inválido e, portanto, retirado, ab initio, da ordem jurídico, como persistiu reiteradamente nessa sua atitude, ao não desistir dessa ação, que veio a ser julgada improcedente, por decisão de mérito, transitada em julgado.
Acresce que, salvaguardando-se contra a eventualidade dessa ação vir a ser julgada improcedente, como veio efetivamente a acontecer, o falecido A. F. instaurou a presente ação de divórcio em 20/07/2016, de que igualmente não desistiu até ao seu falecimento, nunca mais contactando com a Ré desde pelo menos 18/12/2015.
Os identificados comportamentos (fundados ou infundados) do falecido A. F. perante a Ré, além de consubstanciarem uma violação grave e reiterada dos deveres conjugais de coabitação, assistência e respeito, que à data da propositura da presente ação, perduravam, como dito, há pelo menos sete meses, quando objetivamente considerados, não podem ter outra significância que não seja que, à data em que instaurou, em 20/07/2016, a presente ação de divórcio, já não existia entre ele e a Ré, em termos definitivos e objetivos, qualquer réstia de comunhão de vida, que é própria da instituição matrimonial, inexistindo entre eles, de modo irreversível, casamento.
De resto, como se disse e apurou, à data em que instaurou a presente ação, há pelo menos sete meses que o falecido A. F. não tinha qualquer vontade de reatar vida em comum com a Ré, de quem se encontrava separado de facto há pelo menos sete meses, posto que desde, pelo menos, 18/12/2015 nunca mais com ela contactou e o mesmo persistiu nesse seu propósito e na ausência de contactos com a Ré até falecer, o que não deixa de corroborar essa rutura definitiva do casamento de ambos que se verificava já à data da propositura da presente ação de divórcio.
Resulta do que se vem dizendo, que não se perfilha da decisão de mérito proferida pela 1ª Instância, quando considera não estarem preenchidos os requisitos legais para o decretamento do divórcio entre o falecido A. F. e a Ré, previstos na al. d) do art. 1779º do CC, antes pelo contrário, conforme se acaba de demonstrar, esses requisitos encontram-se plenamente preenchidos, impondo-se julgar procedente a presente apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida, substituindo-se a decisão de mérito nela proferida por outra, em que se declara, para efeitos exclusivamente patrimoniais, dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado entre o falecido A. F. e a apelada, D. R..
Resulta do exposto, impor-se concluir pela procedência da presente apelação.
*
Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, julgam a presente apelação procedente e, em consequência:
a- introduzem as alterações supra identificadas ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância;
b- revogam a sentença recorrida e substituem a decisão de mérito nela proferida por outra em que, na procedência da presente ação, declaram, para efeitos exclusivamente patrimoniais, dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado em 31 de dezembro de 2013, entre o falecido A. F. e a apelada, D. R..
*
Custas em ambas as instâncias pela apelada – Ré (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Cumpra-se o disposto no art. 78º do CRC.
Notifique.
*
Guimarães, 16 de dezembro de 2021

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:
José Alberto Moreira Dias (relator)
Rosália Cunha (1ª Adjunta)
Lígia Venade (2ª Adjunta)


1. Ac. STA. de 09/07/2014, Proc.00858/14, in base de dados da DGSI.
2. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
3. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
4. Ac. da RG, de 14.05.2015, Processo nº 414/13.6TBVVD.G., in base de dados da DGSI. No mesmo sentido Ac. RC, de 11.01.1994, BMJ nº 433, pág. 633, onde se lê: que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição”. Ainda, Ac. do STJ, de 13.02.1997, BMJ nº 464, pág. 524, e Ac. do STJ, de 22.06.1999, CJ, 1999, tomo II, pág. 160.
5. José Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 670; Ac. STJ. de 20/01/2004, Proc. 03S1697, in base de dados da DGSI.
6. Ferreira de Almeida “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, pág. 370.
7. Ac. do STJ, de 08.03.2001, Processo nº 00A3277, in base de dados da DGSI.
8. Ferreira de Almeida, ob. cit., págs. 370 e 371.
9. Neste sentido, Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 158 e 159, onde pondera que: “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, n.º 4 e 641º, n.º 2, al. b)); Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v. g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente ao segmento da impugnação”. Logo, de acordo com este autor e da jurisprudência largamente maioritária, das conclusões de recurso apenas deve constar a indicação dos concretos pontos da matéria de facto que são impugnados pelo recorrente, havendo uma corrente minoritária ao nível do STJ, que sustenta que, para além dos concretos pontos da matéria de facto impugnados pelo recorrente, este também se encontra obrigado a indicar, nas conclusões de recurso, o resultado que, na sua perspetiva, deve recair sobre esses pontos da matéria de facto que impugna. Assim, nas conclusões de recurso devem apenas constar os concretos pontos da matéria de facto impugnados pelo recorrente (e também, segundo uma posição minoritário do STJ., a resposta que segundo o recorrente deve recair sobre essa matéria). Quanto aos concretos meios de prova em que, na perspetiva do recorrente, impõem o julgamento da matéria de facto que propugna, e a indicação das passagens da gravação em que funda o recurso, é unânime o entendimento de que estes aspetos não devem constar das conclusões, mas sim da motivação do recurso, na medida em que se trata de aspetos que não se destinam a delimitar o objeto do recurso, mas apenas a fundamentar o pretenso erro de julgamento que o recorrente imputa ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância que impugna, mas sem que do excesso em que eventual incorra o recorrente ao indicar estes aspetos, também nas conclusões, se possa extrair qualquer consequência jurídica para efeitos de imediata rejeição do recurso.
10. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, págs. 578 e 580, em que pondera: “Em regra, o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da decisão. Ou melhor: estes fundamentos não adquirem valor de caso julgado quando autonomizados da respetiva decisão. Esta solução justifica o disposto no art. 96º, n.º 3, sobre a apreciação incidental: (…). Portanto, pode afirmar-se que os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado. Esses fundamentos não valem por si mesmos, isto é, não são vinculativos quando desligados da respetiva decisão, pelo que eles valem apenas enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta”. No mesmo sentido, Antunes Varela. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manuel de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 714, que aderindo à tese tradicional do caso julgado, sustentam que “(…), a eficácia do caso julgado, como se depreende do disposto nos arts. 498º e 96º, apenas cobre a decisão contida na parte final da sentença, ou seja, a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor ou do réu, concretizada no pedido ou na reconvenção e limitada através da respetiva causa de pedir. A força do caso julgado não se estende, por conseguinte, aos fundamentos da sentença, que no corpo desta se situam entre o relatório e a decisão final”. Acs. STJ. de 05/05/2005, Proc. 05B691; de 17/05/2018, Proc. 3811/13.3TBPRD.P1.S1; de 20/11/2019, Proc. 62/07.0TBCSC.L3-S1; e de 03/03/2021, Proc. 11661/18.4T8PRT.P1-A.S1, in base de dados da DGSI.
11. Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI.
12. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609.
13. Amadeu Colaço, “Novo Regime do Divórcio”, Almedina, págs. 61 e 62.
14. Em sede de motivos que presidiram a esta profunda revisão ao regime jurídico do divórcio, lê-se na exposição de motivos constante do projeto Lei n.º 509/X (Alteração ao Regime Jurídico do Divórcio) que esteve na origem da Lei n.º 61/2008, de 31/10, que: “É o facto de a dimensão afetiva da vida se ter tornado tão decisiva para o bem-estar dos indivíduos que confere à conjugalidade particular relevo. Sendo esta decisiva para a felicidade individual, tolera-se mal o casamento que se tornou fonte persistente de mal-estar. Assim, é a importância do casamento e não a sua desvalorização que se destaca quando se aceita o divórcio. Daqui decorre também que importa evitar que o processo de divórcio, já de si emocionalmente doloroso, pelo que representa de quebra das expectativas iniciais, se transforme num litígio persistente e destrutivo como mediação de culpas sempre difícil senão impossível de efetivar. É neste intuito que se propõe o afastamento do fundamento da culpa para o divórcio sem o consentimento do outro abandonando, de resto, a própria designação de divórcio litigioso”. Ac. STJ. de 09/02/2012, Proc. 819/09.7TMPRT.P1.S1, in base de dados da DGSI, em que a propósito da revisão operada pela Lei n.º 61/2008, se escreve que: “Este último diploma encontra-se em linha coerente com a crescente propensão para a “privatização” do casamento, subtraído, gradualmente, à intervenção tutelar do Estado, como contrato, tendencialmente, denunciável, cada vez mais próximo da disciplina dos contratos em geral, de cujo tronco comum, outrora, já fez parte e, por outro lado, com as tentativas atuais da sua descontratualização, pela sua assimilação a outras fórmulas de comunhão de vida, mas, também, de descontextualização, pela alteração do binómio natural das pessoas, originariamente, hábeis a contraí-lo, associadas à desformalização do divórcio e à sua frequência redobrada, já bem longe da natureza publicista e sacramental antecedentes, enquanto realidades a tomar em consideração na abordagem da questão do divórcio. (…). Do princípio da liberdade decorre que ninguém deve permanecer casado contra a sua vontade, incluindo quando considerar que houve quebra do laço afetivo, devendo o cônjuge que for tratado, de forma desigual, injusta ou de forma a atentar contra a sua dignidade, poder terminar a relação conjugal, mesmo sem a vontade do outro, sendo certo que a invocação da rutura definitiva da vida em comum deve constituir fundamento suficiente para a declaração do divórcio, não como sinal de facilitismo, mas antes de valorização de uma conjugalidade, feliz e conseguida, potencialmente, repetível. Por outro lado, os movimentos de sentimentalização, individualização e secularização, no âmbito da vida conjugal, de que a dimensão afetiva, tão decisiva para o bem-estar dos indivíduos, é o seu núcleo fundador e central, conferem à conjugalidade particular relevo, mal se tolerando, pois, que o casamento se possa tornar fonte persistente de mal-estar, e que, no caso de reiterados desentendimentos no matrimónio, as pessoas sejam obrigados a manter a instituição, a qualquer preço. Para o que importa evitar que o processo de divórcio se transforme num litígio persistente e destrutivo, emocionalmente, doloroso, exigindo-se o afastamento do fundamento da culpa, sempre de difícil avaliação, para que seja decretado o divórcio sem o consentimento do outro membro, sem prejuízo da tutela das situações de injustiça ou de desigualdade.
15. Amadeu Colaço, ob. cit., págs. 68 e 69.
16. Rita Lobo Xavier, “Direito ao Divórcio, Direitos Recíprocos dos Cônjuges e Repercussão dos Danos Causados: Liberdade Individual e Responsabilidade no Novo Regime do Divórcio”, in “Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Hoester”, Almedina, 2012, págs. 501 e ss.
17. Neste sentido, Amadeu Colaço, ob. cit., pág. 67; Acs. RP. de 15/03/2011, Proc. 5496/09.2TBVFR.P1 e RE. de 13/05/2021, Proc. 4016/19.5T8FAR.E1, in base de dados da DGSI.
18. Acs. RG. de 08/01/2015, Proc. 3835/11.5TJVNF.C1; de 14/93/2013, Proc. 91/10.6TMBRG.G1; RE. de 06/06/2013, Proc. 424/11.8TMFAR.E1, em que se pondera que “para se aferir se existe ou não uma rutura do casamento, o que é relevante é que os factos provados sejam graves e reiterados e demonstrativos que objetivamente e com caráter definitivo deixou de haver comunhão de via entre os cônjuges”. Com efeito, “quando essa separação tem a duração de um ano consecutivo, o legislador presume iuris et de iure que a rutura definitiva do casamento se consumou, não sendo necessária a prova de outros factos, mas da não prova do decurso desse prazo não se pode tirar a ilação oposta, ou seja, que não há rutura definitiva”. No mesmo sentido Acs. RP. de 111/04/2019, Proc. 450/17.3T8OBR.P1; de 22/04/2013, Proc. 2610/10.9TMPRT.P1; de 14/02/2013, Proc. 999/11.1TMPRT.P111/04/2019, Proc. 450/17.3T8OBR.P1, todos in base de dados da DGSI, lendo-se neste último que “a rutura definitiva do casamento a que alude a alínea d) do art. 1781º do CC pode ser demonstrada através da prova de quaisquer factos, incluindo os passíveis de integrar as previsões das alíneas a) a c) do mesmo preceito, sem a duração temporal nelas prevista, desde que sejam graves, reiterados e demonstrem que objetiva e definitivamente, deixou de haver comunhão de vida entre os cônjuges”.
19. Ac. STJ. de 03/10/2013, Proc. 2610/10.9TMPRT.P1.S1, in base de dados da DGSI.
20. Abel Delgado, “O Divórcio”, 2ª ed., Petrony, 1994, págs. 58 a 61.