Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1257/19.9T8BCL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
TEMPO DE TRABALHO
DIAS DE DESCANSO E DE FÉRIAS
DESPESAS DE TRANSPORTE
MOTORISTA TIR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – O tempo que o autor tem de dispor para se deslocar de e para o seu trabalho, designadamente para gozar descansos e férias, não pode ser considerado de tempo de trabalho, pois não está em presença física no local de trabalho a exercer ou não as funções para as quais foi contratado, nem está à disposição do empregador para exercer a sua actividade ou as suas funções, pelo que por exclusão de partes deve ser considerado de tempo de descanso.
II - De acordo com a cláusula 47ª n.º 6 do CCTV aplicável, reportada contudo às deslocações no continente nacional, “Os trabalhadores deslocados em serviço determinado pela entidade patronal têm direito ao pagamento das despesas de transporte.”.
Disposição equivalente resulta do n.º4 do art.º 194.º do CT ao prescrever que “o empregador deve custear as despesas decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação … em caso de transferência temporária…”
III - Por força da decisão determinada pelo empregador de deslocalização do trabalhador, aquele fica obrigado a suportar todas as despesas de deslocação realizadas pelo trabalhador e que antes não existiam, entre a sua residência e ou seu novo local de trabalho.
IV - O motorista internacional destacado no estrangeiro, como qualquer outro trabalhador destacado no estrangeiro, tem de gozar os descansos e os dias feriados no estrangeiro, só devendo ser considerado trabalho suplementar, aquele que efectivamente é prestado nesses dias, tal como resulta do teor da cláusula 41.ª n.ºs 1 e 2 do CCT aplicável.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
APELANTE: X, S.A.
APELADO: P. G.

Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Barcelos – Juiz 1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

P. G., residente na Trav. …, Esposende, instaurou acção declarativa comum emergente de contrato individual de trabalho, contra X, S.A. com sede na E.N. 10, n.º …, … Póvoa de Santa Iria, na qual peticiona que se declare a licitude da resolução do contrato pelo Autor e se condene a Ré a liquidar-lhe a título de créditos salariais a quantia global de €26.909,31, acrescida dos juros moratórios a contar de 10/07/2018 e até integral pagamento.
Tal como se alega, em suma, na sentença recorrida, o autor foi admitido ao serviço da ré em 04/01/2016, como motorista de pesados com carta de ADR para o transporte de matérias perigosas, desempenhando funções de motorista dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias de matérias perigosas, sob as ordens, direcção e fiscalização da ré; - o horário do autor era de 40 horas semanais, sendo 8 horas por dia útil de 2ª a 6ª, sendo os sábados e domingos os dias de descanso complementar e obrigatório, respectivamente. A relação laboral com a ré, terminou em 10/07/2018, por rescisão do autor. Reclama o pagamento de férias não gozadas, alegando que apenas gozou 5 dias de férias no primeiro ano ao serviço da ré; o pagamento as despesas por si custeadas em transporte público entre o aeroporto de Bruxelas e a base de Leuze, entre o aeroporto do Porto, até à sua residência, em Esposende; o pagamento de 11 dias de descanso, sábados e domingos, em que realizou viagens; o pagamento de dias (611) de descanso trabalhados – sábados, domingos e feriados, passados no estrangeiro, ao serviço da ré; o pagamento de diferenças salariais com base na Lei Macron e o pagamento de 2 noites não disponibilizadas em hotel em cada semana, num total de 174 noites.
Realizada a audiência de partes e frustrada a tentativa de conciliação, a Ré veio contestar aceitando a relação laboral estabelecida entre as partes, bem como o recebimento das quantias alegadas pelo autor. Nega que o autor não tenha gozado férias, não lhe sendo por isso devida a quantia reclamada a esse título. Mais alega que o tempo de deslocação do autor entre Bruxelas e o domicílio e entre este e Bruxelas, sendo que este implica um dispêndio de 2H50M devido à diferença horária, não pode ser considerado tempo de trabalho. A ré sempre pagou ao autor o trabalho prestado em dias de descanso sob a rubrica “hora trabalho suplementar, sáb, Dom, Fe”. Não é devido ao autor qualquer valor a título de pagamento do alojamento em hotel, sendo que a segurança da mercadoria transportada e dos próprios veículos estaria colocada em causa se durante a semana os motoristas pernoitassem em hotéis.
Procedeu-se ao saneamento dos autos, foi dispensada a selecção da matéria de facto controvertida e não se procedeu à enunciação do objecto do litígio e dos temas da prova.

Os autos prosseguiram a sua normal tramitação e por fim foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção, e consequentemente, condeno a ré a pagar ao autor:
a) a quantia de €2.450,10 (dois mil quatrocentos e cinquenta euros e dez cêntimos), a título de férias não gozadas, nos anos de 2016, 2017 e 2018.
b) a quantia de €3.265,40 (três mil duzentos e sessenta e cinco euros e quarenta cêntimos), a título de despesas de viagens e “diária” relativa aos dias de viagem.
c) a quantia de €10.905,02 (dez mil novecentos e cinco euros e dois cêntimos), a título de dias de descanso, nos anos de 2016, 2017 e 2018.
d) a quantia de €2.219,25 (dois mil duzentos e dezanove euros e vinte e cinco cêntimos), referente à integração das médias dos dias de descanso apurados nos autos, nos meses de férias e no subsídio de férias dos anos de 2017 e 2018;
e) juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, a contar da data do respectivo vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento (artigo 559º, 804º, 805º e 806º do Código Civil);
f) no mais, absolvo a ré do pedido.
Custas na proporção do decaimento.
Notifique e registe.”

Inconformada com o decidido apelou a Ré X, S.A. para este Tribunal da Relação de Guimarães, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:
“1ª -Não aceita a Ré que o tribunal “a quo” tenha dado como provado que:
- O autor apenas gozou cinco dias de férias no ano de 2016.
- Nos anos de 2017 e 2018 o autor não gozou férias.
- Que A Ré não marcou nem afixou o mapa com o período de férias do autor.
2ª- Uma vez que das declarações de parte prestadas pelo legal representante da ré na sessão da audiência de julgamento do dia 3-10-2019, do depoimento das testemunhas M. B., sessão do dia 25-11-2019, gravadas das 10:12:13 ás 10:34.30, da testemunha J. P., sessão do dia 30/01/2020 gravadas das 15:43:16 às 16:02:00 e do teor da Cláusula 4ª documento que autor e ré subscreveram em 07/03/2016, constante de fls 92 e verso dos autos, denominado de “Acordo de Prorrogação do Contrato de Trabalho a Termo Certo celebrado em 4 de Janeiro de 2016”, impunha-se decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto acima impugnados.
3ª Devendo ter sido dado como provado que o Autor gozou 20 dias de férias no ano de 2016, 20 dias de férias no ano de 2017 e 10 dias de férias no ano de 2018, repartidas nos seguintes períodos:
-Gozou 10 dias, de 30 de maio a 13 de junho e 10 dias de 1a 12 de Agosto – ano 2016
- Gozou10 dias, de 11 a 22 de setembro e 10 dias de 13 a 24 de novembro –ano 2017 e
- Gozou10 dias, de 27 de junho a 10 de julho –ano 2018.
(…)
9ª- Ora a questão que levantou dúvidas ao tribunal “a quo”, quanto à credibilidade do depoimento das testemunhas apresentadas pela ré quanto a esta matéria, segundo se depreende da fundamentação, decorre do facto de ao Autor, não lhe ser possível aferir nos períodos das duas semanas que está em Portugal, após as seis semanas de trabalho no estrangeiro, se está em gozo de férias ou em gozo de descansos compensatórios
10ª – Porém, consta do aditamento ao contrato de trabalho, a fls 92 e verso dos autos, que o gozo de férias pode ser interpolado, respeitando o gozo mínimo de 10 dias úteis consecutivos estabelecido no nº8 do Art.º 241do Código do Trabalho. Caso um dos períodos do gozo de férias coincida com um período de descanso em Portugal, esses dias são considerados para efeito de cálculo das férias, em substituição daquelas.
(…)
14- O Tribunal “a quo”, parte do pressuposto de que as duas semanas que o Autor estava em Portugal, correspondiam na integra a descansos compensatórios dos sábados e domingos e feriados ocorridos nas seis semanas que se encontrava fora de território nacional.
(…)
22º Não valorizou correctamente a prova produzida quanto ao gozo de férias, designadamente no que se reporta ao aditamento ao contrato de trabalho assinado pelo autor e às declarações das testemunhas M. B. e J. P. quanto á questão do gozo de férias pelo autor.
23ª Entende a Ré que não tem de pagar as despesas com deslocações em viatura própria efetuadas pelo autor entre o aeroporto Sá Carneiro e a sua residência e vice-versa, no valor total de 1336,30.
E isto porque;
24º- Apesar de se aceitar que o autor realizou as 12 viagens entre a sua residência e o aeroporto Sá Carneiro e entre este a sua residência, contudo não se aceita que o autor tenha feito a prova de que gastava” cerca de 38,49€ “, por cada uma destas viagens
25º- Ao que acresce, não ter a Ré de suportar os custos destas viagens, quando feitas em veículo particular, como o fez o aqui autor.
26º-Nada nos factos provados resulta no sentido de que a ré tivesse acordado com o autor no sentido de a mesma custear as despesas de deslocação entre a residência do autor e o aeroporto e entre este e a sua residência em veículo particular,
27ª- Desconhecendo-se igualmente qualquer dispositivo legal ou convencional que impusesse à ré o custeamento de tais despesas em veículo particular, nem isso refere a Clª 47, nº5 do CCTV aplicável.
28º- Por sua vez, a lei do trabalho não estabelece qualquer critério quanto à utilização de carro próprio neste tipo de deslocações.
29ª- Ora o autor quanto a estas despesas invoca que fez estas viagens em viatura própria reclamando o pagamento dos km feitos,
30º- Contudo o Autor podia ter efectuada estas deslocações em transporte público, não tendo alegado algum impedimento para o efeito, designadamente, que não existia transporte público desde o aeroporto Sá Carneiro até Esposende e por essa razão ter de fazer as viagens em viatura própria.
31ª- Tão pouco se mostra provado que a Ré tenha ordenado ou consentido a deslocação do Autor nestas viagens de aproximação em veículo próprio.
32ª- Por outro lado, não fundamentou o tribunal recorrido como encontrou o valor atribuído por cada km percorrido pelo autor em viatura própria
33ª- O Tribunal recorrido condenou a ré a pagar ao autor a quantia de 1.535,00, a título de “diárias” relativas aos dias das viagens “Portugal/Bélgica” para gozar em Portugal os descansos.
34ª- Para o efeito o Tribunal “a quo” parte do princípio de que são tempos de trabalho, porque ao serviço da Ré, os tempos de viagem de e para o local de trabalho na Bélgica para efeitos de serem gozados em Portugal os descansos s por trabalho no estrageiro aos sábados, domingos e feriados, razão pela qual sustenta que a ré estava legalmente obrigada ao pagamento das “diárias” em consideração.
35ª- (…)
36ª- Assim, de acordo com o CT/09, o tempo de trabalho corresponde ao período em que o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade empregadora e no exercício da sua actividade ou das suas funções, bem como determinadas interrupções ou intervalos como tal taxativamente enunciados no artigo 197º, nº1 e 2 do CT2009.
37ª- O tempo de descanso obtém-se por exclusão, no sentido de que deve ser considerado como tal todo o tempo que não possa qualificar-se como de trabalho – art. 199º do CT/09.
38º-Ora, não é do primeiro tipo o tempo compreendido entre o início das viagens em Leuze ou no aeroporto belga de embarque e o termo dessas viagens em Portugal, para o autor gozar descansos ou férias, quer se considere como local de termo da viagem o aeroporto português de desembarque ou o domicílio do autor em Portugal
39ª- Como não é desse tipo o tempo compreendido entre o início das viagens em Portugal e o termo dessas viagens na Bélgica, para o autor retomar o seu trabalho na Bélgica.
40ª - Passamos a transcrever o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra -6ª Secção, no processo Nº 1313/18.0T8FIG.C117, que analisou exactamente esta questão, em que foi parte na relação laboral então em apreço a aqui Ré X S.A., ou seja, se o tempo compreendido entre o início das viagens em Leuze ou no aeroporto belga de embarque e o termo dessas viagens em Portugal, para o autor gozar descansos ou férias, quer se considere como local de termo da viagem o aeroporto português de desembarque e ou o domicílio do autor em Portugal, pode ser considerado tempo ao serviço da Ré:
(…)
41º-Pelo que, seguindo-se os fundamentos deste acórdão do TRC acima transcrito deverá a Ré ser absolvida do pagamento ao autor da importância de €1535,00.
42ª- Considerou o tribunal a quo que o autor tem direito, a título de dias de descanso e feriados passados no estrangeiro, atenta a factualidade provada em CC) e em DD), que a lhe pague quantia de 10.905,02.
43ª-Ora não resulta da matéria provada que o autor tivesse trabalhado em alguns dos 79 dias de sábado, domingo e feriados passados no estrangeiro no ano de 2016, que o autor tivesse Trabalhado em alguns dos 64 dias de sábado, domingo e feirado passados no estrangeiro no ano de 2017 e por último, que o autor tivesse trabalhado em alguns dos 42 dias de sábado, domingo e feirado passados no estrangeiro no ano de 2018
44ª-Resultando apenas provado que o Autor passou no estrangeiro aqueles dias de sábado, domingo e feirado.
45ª- Competindo ao autor o ónus da prova de que efetivamente trabalhou nesses dias de descanso, não o tendo logrado fazer, não tem o autor direito ao pagamento de descansos compensatórios.
46ª- Com efeito, conforme cláusula 41ª do CCTV, apenas o trabalho “efetivamente” prestado nos dias de descanso (sábados, domingos e feriados) deve ser pago ao abrigo deste normativo.
47ª-Neste sentido acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa- 4ª secção, no processo 716/19.8T8VFX.L1 que analisou exactamente esta questão, numa relação laboral em que foi parte a aqui Ré X S. A., e que passamos a transcrever:
(…)
48ª-Considerou o tribunal a quo que os dias de descanso que o motorista passa no estrangeiro por razões da organização da entidade empregadora, dias em que por força dessas circunstâncias, o trabalhador não pode regressar a casa, têm de ser encarados como prestação efectiva de trabalho, dado que o motorista está disponível para o fazer, mantendo as obrigações de verificação e vigilância e manutenção da viatura que lhe está atribuída
49ª- Mas, face à matéria de facto que ficou assente, nas alíneas PP), QQ), RR) XX) e YY) tem-se por incontroverso que inexiste fundamento legal para a condenação do Réu a pagar ao autor os dias de descanso passado no estrangeiro

E bem ainda,
50ª Que existe uma contradição entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação que levou à condenação da Ré a pagar ao autor todos os sábados domingos e feriados passados no estrangeiro pela circunstância deste se encontrar no estrangeiro.
51ª- Com efeito, a sentença sob recurso estriba-se para a condenação da ré ao pagamento dos sábados domingos e feriados no facto de independentemente o Autor estar ou não a conduzir o camião TIR, este ao manter as obrigações de verificação e vigilância e manutenção da viatura que lhe está atribuída, encontra-se na disponibilidade da Ré, logo estes dias têm de lhe ser pagos, pois têm de ser encarados como prestação de trabalho efectivo.
52ª- Só que no caso da relação contratual subjacente a estes autos, encontra-se provado que o A. e a Ré acordaram uma forma específica de prestação de trabalho – 6 semanas de prestação de trabalho efectivo no estrangeiro e duas de semanas de descanso em Portugal, - não efectuando o Autor viagem entre Portugal e o estrangeiro, em prestação de trabalho a favor da Ré, mas sim viagens entre países da Europa, tendo como “Base” de partida e chegada a cidade de Leuze na Bélgica.
53ª-Assim, não resulta que o autor nos fins de semana no estrangeiro tenha ficado “retido” em dias de feriado ou fins-de-semana, no estrangeiro por razões de organização da Ré ou por imperativos da legislação rodoviária, tendo antes ficado provado que: Os camiões TIR da nesses sábados e domingos ficam aparcados na base de Leuze, base alugada pela na Bélgica, dias em que o autor não conduz a viatura, como também não ficava obrigado à sua guarda e vigilância.
54ª- Ou seja o A. passou os dias de sábado domingo e feriados em gozo do respectivo feriado ou descanso semanal e, como tal não se encontrando, por isso na disponibilidade da para prestação de trabalho.
55ª-O autor como já se referiu não fez prova de ter efectuado prestação de trabalho nos referidos e concretos dias de feriado e descanso, incluídos nas seis semanas de trabalho prestado no estrangeiro, nem que o fez por determinação e sem oposição da Ré, ou ainda que tenha ficado “retido” em qualquer outro lugar que não as instalações da Ré na Bélgica onde o mesmo aparcava o seu camião para gozo desses dias de descanso.
56ª-Assim o A. ao não ter demonstrado a prestação de trabalho para a Ré nos referidos dias de feriado e de descanso semanal, compreendidos no período das seis semanas de prestação de trabalho no estrangeiro, ou a manutenção da sua disponibilidade para efectuar essa prestação, por causas imputáveis à organização da R. ou imperativos rodoviários, deverá absolvida a do pagamento da importância de 10.905,02, por falta de fundamento legal.
Termos em que deve conceder-se provimento ao presente recurso, com as legais consequências.”
Não foi apresentada pelo apelado resposta ao recurso.
*
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer, no sentido da improcedência total da apelação.
Não houve qualquer resposta ao parecer.
Mostram-se colhidos os vistos dos senhores juízes adjuntos e cumpre decidir.
*
II – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nele não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

1 - Da impugnação da matéria de facto;
2 – Do pagamento das despesas de deslocação entre a residência do autor em Portugal e local de trabalho em Leuze;
3 – Pagamento das diárias nos dias das viagens “Portugal/Bélgica”;
4- Da retribuição dos sábados, domingos e feriados passados no estrangeiro.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Consideram-se provados os seguintes factos:

A) A ré dedica-se ao Transportes Público Rodoviário de Mercadorias.
B) O autor foi admitido ao serviço da ré em 04/01/2016, como motorista de veículos pesados com carta de ADR para o transporte de matérias perigosas, desempenhando as funções de motorista dos Transportes Internacionais Rodoviários de Mercadorias, sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré.
C) Por carta registada com A/R, enviada à ré, datada de 21/05/2018, o autor rescindiu o contrato de trabalho aludido em B), com efeitos a partir de 10/07/2018.
D) A ré não pagava ao autor as refeições à factura, conforme disposto na Clª 47-A, al. a) do CCTV.
E) Nem antes da saída para as viagens lhe fazia os adiantamentos para esse efeito previstos, na referida cláusula.
F) Em vez disso, a ré pagava ao autor uma “diária” de €50,00 até Setembro de 2016 e a partir daí de €55,00, que levava aos recibos no “Código 34” a título de “Ajudas de Custo-Estrangeiro – Motoristas”.
G) O horário do autor era de 40 horas semanais, sendo 8 horas por dia útil, de 2ª a 6ª feira, sendo os sábados e os domingos os dias de descanso complementar e obrigatório respectivamente.
H) O autor recebeu da ré as seguintes retribuições:
Ano de 2016:
Retribuição base €530,00;
Clª 74 nº 7 €298,13;
Prémio Tir € 105,75;
Prémio ADR € 107,36
Ano de 2017:
Retribuição base €557,00;
Clª 74 nº 7 €313,31;
Prémio Tir €105,75;
Prémio ADR €107,36
Ano de 2018:
Retribuição base €580,00;
Clª 74 nº 7 €326,26;
Prémio Tir €105,75;
Prémio ADR €107,36.
I) No nº 2 da Clª Segunda do Contrato de Trabalho, ficou expresso que o autor, sempre que se encontrasse deslocado no estrangeiro, para além da retribuição base, teria direito a:

“- Prestação da Cláusula 74, nº 7 do CCT que regula a actividade.
- Ajuda de Custo/Prémio TIR: Euros 105,75
- Prémio ADR – Euros 107,36
- Ao pagamento do trabalho prestado em dias de feriado e dias de descanso semanal.
- Pagamento de uma Ajuda de Custo/diária até ao limite de €50,00”, no ano de 2016 e de €55,00, a partir de Janeiro de 2017.
J) A Ré colocou o autor a efectuar viagens apenas no estrangeiro, entre a cidade Belga de Leuze que funcionava como base e vários outros países europeus não incluindo Portugal.
K) A Cláusula 41 do CCTV no seu nº 6 estipula que
“Por cada dia de descanso semanal ou feriado em serviço no estrangeiro, o trabalhador, além do adicional referido nos nºs 1 e 2 desta cláusula, tem direito a um dia de descanso complementar, gozado seguido e imediatamente à sua chegada.”
L) A Cláusula 20 nº 3 deste CCTV estabelece, que:
“Devido às condições especificas de trabalho dos trabalhadores dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias, tem que haver um descanso mínimo de 24 horas, imediatamente antes do início de qualquer viagem, acrescido dos dias de descanso semanal e feriado que coincidiram com a última viagem.”
M) Na Cláusula Quarta nº 4, do contrato de trabalho celebrado entre autor e ré, foi estipulado que: “Após cada período de 6 semanas de trabalho, o trabalhador goza de duas semanas de descanso em Portugal”.
N) O autor sempre trabalhou 6 semanas no estrangeiro, vindo 2 semanas a Portugal, para gozar os descansos compensatórios, saindo do aeroporto de Bruxelas quase sempre num sábado e regressando, após 2 semanas, à Bélgica, quase sempre num domingo, ao mesmo aeroporto de Bruxelas.
O) O autor apenas gozou cinco dias de férias no ano de 2016.
P) Nos anos de 2017 e 2018 o autor não gozou férias.
Q) A Ré não marcou nem afixou o Mapa com o período de férias do autor.
R) A Ré, das viagens referidas em N), apenas pagou ao autor o bilhete de avião de Bruxelas para Portugal e de Portugal para Bruxelas.
S) E só a partir de Dezembro de 2017, a ré passou a dar ao autor transporte da base em Leuze para o aeroporto de Bruxelas e vice-versa.
T) A ré não pagava ao autor as viagens entre o aeroporto Sá Carneiro, no Porto e Esposende, onde o autor vivia e vice-versa e, até Dezembro de 2017, desde a base de Leuze e o aeroporto de Bruxelas e vice versa.
U) Por cada viagem entre o aeroporto Sá Carneiro e Esposende e vice-versa, o autor gastava cerca de €38,40 e fez 12 viagens, no ano de 2016, 12 viagens no ano de 2017 e 5 viagens em 2018.
V) O autor gastava, até Dezembro de 2017, na viagem em transportes públicos entre o aeroporto de Bruxelas e a base de Leuze e vice-versa, cerca de €17,90 e fez 12 viagens, no ano de 2016 e 10 viagens em 2017.
W) No ano de 2016 a Ré pagou a hora dos dias de descanso a €9,173
X) No ano de 2017 a Ré pagou a hora dos dias de descanso a €9,64
Y) No ano de 2018 a Ré pagou a hora dos dias de descanso a €10,04.
Z) O autor passou em Portugal e nas viagens entre a Bélgica e Portugal, os seguintes dias:
No Ano de 2016
Jan. - dia 4
Fev. - 13,14,15,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,29
Mar. -1,2,3,4,5,6
Abr. - 9,10,11,12,13,14,15,16,17,18,19,20,21,22,23,24
Mai. - 29,30,31
Jun. - 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12
Jul. - 30,31
Ag. - 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14
Set. - 30
Out. - 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15,16
Dez. - 10,11,12,13,14,15,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,29,30,31
Total de 2016: 111 dias
No Ano de 2017
Jan. - 1,2,3,4
Fev. - 11,12,13,14,15,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26
Abr. - 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15,16
Mai. - 27,28,29,30,31
Jun. - 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28,29,30,31
Jul. - 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15,16,17,18, 19, 20, 21, 22, 23, 24
Set. - 9,10,11,12,13,14,15,16,17,18,19,20,21,22,23,24
Nov. – 11,12,13,14,15,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,
Dez. – 23,24,25,26,27,28,29,30,31
Total de 2017: 136 dias
No Ano de 2018
Jan. - 1,2,3,4,5,6,7
Fev. - 18,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28
Mar. - 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14
Mai. - 2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15,16
Jun. - 27,28,29,30
Jul. - 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10
Total de 2018: 61 dias
o total dos dias passados em Portugal e nas viagens entre a Bélgica e Portugal foi de:
2016 - 111
2017 - 136
2018 - 61
Total: 308 dias
AA) Os restantes dias deste período de 04/01/2016 a 10/07/2018 foram passados no estrangeiro ao serviço da Ré, dias esses que foram os seguintes (ou seja, os restantes deste período)
Ano de 2016
Jan. - 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29,30,31
Fev. - 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12
Mar. - 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31
Abr. - 1,2,3,4,5,6,7,8,25,26,27,28,29,30
Mai. – 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28
Jun. - 13,14,15,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,29,30
Jul. - 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29
Ag. – 15,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,29,30,31
Set.-1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29
Out. – 17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,29,30,31
Nov. – 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30
Dez. – 1,2,3,4,5,6,7,8,9
Total: 252 dias
Ano de 2017
Jan. – 5 a 31 (27)
Fev. - 1 a 10 e 27 e 28 (12)
Mar - 1 a 31 (31)
Abr. – 17 a 30 (14)
Mai. - 1 a 26 (26)
Jun. - -
Jul. - 25 a 31 (7)
Ag. - 1 a 31 (31)
Set. - 1 a 8 e 25 a 30 (14)
Out. - 31 dias (31)
Nov. - 1 a 10 e 27 a 30 (14)
Dez. – 1 a 22 (22)
Total: 229 dias
Ano de 2018
Jan. - 8 a 31 (24)
Fev. - 1 a 17 (17)
Mar. - 15 a 31 (30)
Mai. – 1,17 a 31 (16)
Jun. – 1 a 26 (26)
Jul. - - -
Total: 130 dias
BB) O total dos dias passados pelo A. no estrangeiro, ao serviço e às ordens da Ré foi, assim, de:
2016 - 252
2017 – 229
2018 – 130
Total: 611 dias
CC) O autor passou no estrangeiro, os seguintes dias de descanso (sábados, domingos e feriados):
Ano de 2016
Jan. – 9,10,16,17,23,24,30,31
Fev. – 6,7,9
Mar. – 12,13,19,20,25,26,27
Abr. – 2,3,9,10,16,17,23,24,25,30
Mai. – 1,7,8,14,15,21,22,28
Jun. - 18,19,25,26
Jul. -2,3,9,10,16,17,23,24
Ag. – 15,20,21,27,28
Set. – 3,4,10,11,17,18,24,25
Out. – 22,23,29,30
Nov. – 1,5,6,12,13,19,20,26,27
Dez. – 1,3,4,8
Total de 2016: 79 dias
Ano de 2017
Jan. – 7,8,14,15,21,22,28,29
Fev. – 4,5
Mar. – 4,5,11,12,18,19,25,26
Abr. – 22,23,25,29,30
Mai. – 6,7,13,14,20,21
Jun. - -
Jul. – 29,30
Ag. – 5,6,12,13,1519,20,26,27
Set. – 2,3,30
Out. - 1,5,7,8,14,15,21,22,28,29
Nov. – 1,4,5
Dez. – 1,2,3,8,9,1016,17
Total: 64 dias
Ano de 2018
Jan. – 13,14,20,21,27,28
Fev. – 3,4,10,11,13,17
Mar. – 17,18,24,25,30,31
Abr. - 1,7,8,14,15,21,22,25,28,29
Mai. - 1,19,20,26,27.31
Jun. – 2,3,9,10,16,17,23,24
Total: 42 dias
DD) A Ré pagou ao autor pelos dias de descanso trabalhados (sábados, domingos e feriados) as quantias a seguir indicadas, levadas aos recibos juntos no “Código 49”:
Ano de 2016
Jan. – €159,00
Fev. – €100,90
Mar. – €155,94
Abr. – €91,73
Mai. – €198,14
Jun. - €55,04
Jul. – €220,15
Ag. – €137,60
Set. – €228,41
Out. - €61,73
Nov. - €214,63
Dez. – €53,04
Total de 2016: €1.706,31
No Ano de 2017
Jan. – €134,97
Fev. – €48,20
Mar. – €134,97
Abr. – €81,94
Mai. – €125,33
Jun. - -
Jul. – €28,92
Ag. - €134,97
Set. - €81,94
Out. - €134,97
Nov. - €81,94
Dez. - €105,06
Total de 2017: €1.093,21
No Ano de 2018
Jan. – €76,30
Fev. – €50,20
Mar. – €60,24
Abr. – €100,40
Mai. - €10,04
Jun. - €104,42
Jul. - -
Total de 2018: €401,60
EE) O total pago pela Ré em relação aos dias de descanso trabalhados pelo A. conforme ao alegado no artigo anterior é de:
2016 - 1.706,31
2017 - 1.093,21
2018 - 401,60
Total: €3.201,12
FF) A Ré preencheu e entregou ao autor, para seu conhecimento e para este exibir às autoridades francesas, com base na Lei Macron, os documentos juntos (Doc. nº 73 a 76 – atestados de destacamento), cujo teor se dá por integralmente reproduzido, dos quais consta, além do mais: a identidade de um representante da ré em França para tratar destes assuntos, em cumprimento do exigido pelo diploma francês; o valor da “diária” para alimentação de €50,00; e o valor de €9,82 como sendo o salário bruto por hora pago ao autor durante o destacamento em França, em cumprimento do disposto no artº 1.331-2,3º do referido diploma.
GG) A ré pagou ao autor os referidos €50,00 por dia para alimentação durante todo o ano de 2016.
HH) O valor da hora do salário bruto pago pela Ré ao A. durante todo o tempo que este passou em França, foi:
No Ano de 2016 : (530,00 + 298,13 + 105,75 +107,37) : 30 dias: 8 horas = €4,51
No Ano de 2017: (557,00 + 313,31 + 105,75 +107,36) : 30 dias : 8 horas = €4,51
No Ano de 2018: (580,00 + 326,26 + 105,75 +107,36) : 30 x 8 = €4,66
II) Desde o dia 01/07/2016 (data em que entrou em vigor a Lei Macron), até final do ano de 2016, o A. passou no estrangeiro ao serviço da Ré os seguintes dias:
Jul. – 2,3,9,10,16,17,23,24
Ag. – 15,20,21,27,28
Set. – 3,4,10,11,17,18,24,25
Out. – 22,23,29,30
Nov. – 1,5,6,12,13,19,20,26,27
Dez. – 1,3,4,8
Total: 38 dias
II) No ano de 2017 o A. passou no estrangeiro ao serviço e por determinação da Ré 64 dias.
JJ) No ano de 2018, o A. passou no estrangeiro ao serviço e por determinação da Ré 42 dias.
KK) O autor não gozou os períodos de descanso semanais em hotel, dormindo na cabine do camião.
LL) O preço de uma dormida em hotel nos vários países da Europa nunca é inferior a €30,00.
MM) Na Cláusula 4ª do contrato de trabalho celebrado entre as partes ficou acordado o seguinte:
“Após cada período de 6 semanas de trabalho o TRABALHADOR goza de 2 semanas de descanso em Portugal” (nº 4)
“De quinze em quinze dias o repouso de 45 horas estabelecido pelo Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, publicado em 15 de Março de 2006 alterado pelo Regulamento (CE) n 1073/2009 de 4 de Dezembro, quando coincida com a estada do veículo pesado em França e na Bélgica, a respectiva dormida tem de ser efectuada obrigatoriamente em hotel/hospedaria á escolha do TRABALHADOR. Este fica obrigado a entregar ao 1º Outorgante cópia do recibo de pagamento da dormida em hotel.”
NN) Em 07/03/2016, autor e ré subscreveram o escrito constante de fls 92 e verso dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, denominado de “Acordo de Prorrogação do Contrato de Trabalho a Termo Certo celebrado em 4 de Janeiro de 2016”, do qual consta o seguinte:
“CLÁUSULA TERCEIRA
Os outorgantes, POR ACORDO, alteram o nº 4 da CLÁUSULA QUARTA incluída no contrato inicial celebrado entre as partes, passando esta a ter a seguinte redação: “4. Após cada período de 6 semanas de trabalho o TRABALHADOR goza de 2 semanas consecutivas de descanso em Portugal”.
CLÁUSULA QUARTA
Os outorgantes, por acordo aceitam integrar no contrato de trabalho inicial celebrado entre as partes e no presente acordo de prorrogação, a seguinte
Cláusula:
- O gozo de férias pode ser interpolado, respeitando o gozo mínimo de 10 dias úteis consecutivos estabelecido no nº 8 do Artº 241 do Código do Trabalho. Caso um dos períodos do gozo de férias coincida com um período de descanso em Portugal, esses dias são considerados para efeito de cálculo das férias, em substituição daquelas.”
OO) Durante a sua relação laboral, o autor nunca apresentou, nem reclamou da ré as despesas de transporte que vem agora reclamar, nunca lhe tendo entregue um qualquer recibo de aquisição de bilhetes de comboio, ou algum gasto com alimentação e nem nunca o reclamou da ré.
PP) Nos fins de semana (sábados e Domingos) passados pelo autor na Bélgica, este podia ausentar-se do camião que lhe estava atribuído, podia ausentar-se da base, pelo tempo que desejasse e para fazer o que entendesse, dispondo o autor livremente do seu tempo.
QQ) Os camiões TIR da ré nesses sábados e domingos ficam aparcados na base de Leuze, base alugada pela ré na Bélgica, dias em que o autor não conduz a viatura, como também não ficava obrigado à sua guarda e vigilância.
RR) Caso o camião ficasse aparcado em parques de áreas de serviço, num fim de semana estas encontram-se equipadas com restaurante, café, lojas comerciais, casas de banho e zonas de lazer e são áreas vigiadas, pelo que o camião permanece sob o sistema de vigilância da área de serviço.
SS) A ré sempre liquidou ao autor os montantes referentes ao trabalho prestado nos dias de descanso, sob a rubrica “HORA trabalho suplementar, Sáb, Dom, Fe” nos montantes que constam dos documentos juntos pelo autor, que se reportam aos seus recibos de remuneração, que se dão por reproduzidos nos seus precisos termos.
TT) De acordo com os recibos, todos os dias passados pelo autor no estrangeiro, quer correspondessem a dias de trabalho ou dias de descanso a ré pagava ao autor a importância referente à rubrica “Ajudas de Custo Estrangeiro-motoristas”, de €50,00, que mais tarde passou a €55,00/dia.
UU) Autor e ré nunca acordaram entre eles aplicar o valor horário mínimo previsto na legislação francesa, quando realizasse transporte cuja carga ou descarga fosse realizada em território francês.
VV) O autor pernoitava na cabina do camião à semelhança de todos os motoristas do transporte internacional de mercadorias, cabinas que estão preparadas para cumprirem as obrigações de descanso.
WW) Os parques de estacionamento europeus, parques TIR, têm infraestruturas que permitem ao motorista proceder à sua higiene pessoal.
XX) Nos fins de semana de descanso do autor no estrangeiro estes por norma ocorreram na base logística de Leuze – Bélgica, a qual se encontra habilitada com balneários, refeitório totalmente equipado, que os motoristas da ré poderão usar.
YY) Nesses períodos e circunstâncias, o camião TIR está sem carga e nas instalações da base parceira da ré em Leuze, devidamente vigiadas.
ZZ) O autor nunca entregou à ré um único recibo referente a dormida em hotel e nunca pernoitou em hotel.

Factos não provados com relevância para a decisão:

1) As viagens que o autor fez ao serviço da ré, foram efectuadas especialmente em França.
2) Pelo menos a terça parte do trabalho do autor decorria principalmente em França, onde o autor ia carregar e descarregar mercadorias.
3) O autor só não pernoitava sempre nos hotéis, porque a ré não lhe dava os adiantamentos para esse efeito, conforme a Clª 47-A do CCTV.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

1 - Da alteração da matéria de facto

O Recorrente/Apelante impugna a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, pretendendo que passem a constar dos factos não provados, as alíneas O), P) e Q) dos pontos de factos provados, alegando que os meios probatórios constantes dos autos, designadamente da conjugação das declarações de parte prestadas pelo legal representante da Ré, na sessão da audiência de julgamento do dia 3-10-2019 conjugadas com os depoimentos das testemunhas M. B., sessão do dia 25-11-2019, gravadas das 10:12:13 às 10:34.30 e J. P., sessão do dia 30-01-2020, gravadas das 15:43:16 às 16:02:00, bem como do teor da Cláusula 4ª documento que autor e ré subscreveram em 07/03/2016, constante de fls 92 e verso dos autos, denominado de “Acordo de Prorrogação do Contrato de Trabalho a Termo Certo celebrado em 4 de Janeiro de 2016”, impunha-se decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto acima impugnados. Com efeito, defende a recorrente com base na mencionada prova, que logrou provar que o autor gozou alguns períodos de férias que alegou não ter gozado, designadamente: em 2016, 20 dias, em 2017, 20 dias, em 2018, gozou 10 dias
O Ministério Público no douto parecer junto aos autos defende que a impugnação da matéria de facto não deve ser apreciada por falta de cumprimento de ónus por parte da recorrente.

Vejamos:

A Recorrente/Apelante pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação, das declarações de parte prestadas pelo legal representante da ré, do depoimento de duas testemunhas e da prova documental (doc. de fls. 92) junta aos autos.
Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por seu turno, o art.º 640.º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

E o seu n.º 2 prescreve o seguinte:
«No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
«a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) (…).»

A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos:
a) indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões;
b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados;
c) indicação, ou transcrição, exata das passagens da gravação erradamente valoradas.
d) indicação ainda que de forma sintética nas conclusões de recurso, pelo menos, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados e a decisão que, na seu entender, deva ser proferida sobre os mesmos.

Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, 4ª edição, págs. 158 e 159 “[a] rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º n.º 4, e 641.º n.º 2, al. b));
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (arts. 640.º n.º 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
(…)
As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”
Retornando ao caso dos autos temos por certo que a recorrente indicou de forma suficiente os pontos concretos de facto submetidos a julgamento que considera terem sido julgados de forma errada, bem como a decisão que sobre os mesmos deveria ter recaído. Contudo no que respeita aos concretos meios de prova constantes do processo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diferente, deveriam ter sido concretizados relativamente a cada um dos factos impugnados com a indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens exactas de cada um dos depoimentos em que funda o seu recurso – cfr. acórdão do STJ de 20-12-2017, proferido no processo n.º 299/13.2TTVRL.C1.S2 (Revista) - 4ª Secção e acórdão do STJ de 05-09-2018, proferido no proc. n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2(Revista) - 4ª Secção, consultáveis in www.dgsi.pt.
No que respeita à prova testemunhal e declarações de parte do seu legal representante que justificaria a alteração da matéria de facto, a recorrente não só não indica com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, como também não transcreve os excertos que considera relevantes. E por outro lado, não concretiza de forma individualizada, relativamente a cada um daqueles pontos de facto provados que impugna a indicação dos respectivos meios de prova, pois limita-se a indicar de forma genérica e em bloco os testemunhos e o documento que impunham decisão diferente para aquele conjunto de factos.
Daqui resulta que a recorrente não especificou, quais os concretos meios probatórios, constantes da gravação ou documentais que impunham diferente decisão, sobre cada um dos específicos factos que considerava incorrectamente julgados, nem indicou com exactidão para cada um dos concretos factos que impugna as passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte, em que funda o seu recurso, nem procedeu à transcrição dos excertos que considera relevantes, em clara violação ao previsto no art.º 640.ns.º 1 al. b) e n.º 2 al. a) do CPC. Acresce dizer que a alusão que faz a um único documento particular “Acordo de Prorrogação do Contrato de Trabalho a Termo Certo celebrado em 4 de Janeiro de 2016”, cujo teor é aceite pelas partes, o mesmo não tem o condão de impor qualquer alteração à matéria de facto provada, pois o seu teor revela-se de manifestamente insuficiente para desacompanhado de qualquer outro elemento de prova, por em causa a factualidade apurada pelo tribunal a quo.
Com aplicabilidade ao caso em apreço, veja-se o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Secção Social) de 20 de Fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 1338/15.8T8PNF.P1.S1 (1), quando, a propósito do cumprimento, ou incumprimento, dos ónus previstos no art.º 640.º, n.º 1, al. b) do CPC, se sumariou o seguinte: “I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.”
Em suma a Recorrente não cumpriu o ónus de especificação imposto no art.º 640.º ns.º 1 al. b) e 2 al. a) do CPC, impondo-se assim a imediata rejeição do recurso no que toca à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Mantendo-se inalterada a matéria de facto apurada, apenas diremos que se mantém a condenação da Ré no pagamento das importâncias relativas a férias, pois atenta a factualidade apurada a este propósito outra não poderia ser a decisão.

2. Do pagamento das despesas de deslocação entre a residência do autor em Portugal e o aeroporto e entre o aeroporto de Bruxelas e a sua base de trabalho em Leuze na Belgica e vice versa

Antes de mais impõe-se consignar que à relação de trabalho estabelecida entre o autor e a ré aplica-se o CCTV outorgado entre a FESTRU, actual FECTRANS, e a ANTRAM, publicado no BTE 1ª série, nº 9, de 8/3/80, com as sucessivas actualizações (cfr. BTE´s nºs 16/82, 18/86, 12/81, 16/82, 18/83, 18/86, 18/87, 28/88, 20/89, 19/90, 18/91, 25/92, 25/93, 24/94, 20/96 e 30/97, ex-vi das Portarias de Extensão publicadas nos BTE nº 30, de 15/08/1980, e 33 de 08/09/1982).
Insurge-se a recorrente quanto à condenação no pagamento das despesas realizadas pelo autor nas viagens realizadas entre o aeroporto Sá Carneiro e a sua residência em Esposende e vice-versa, porque foram efectuadas em veículo particular, sem que tivesse sido e firmado qualquer acordo quanto aos custos com tais despesas e porque tal também não resulta de qualquer dispositivo legal.
Resulta da factualidade provada (a qual neste propósito não foi objecto de impugnação pelo que se tem como definitivamente aceite), que por cada viagem entre o aeroporto Sá Carneiro e Esposende e vice-versa, o autor gastava cerca de €38,40 e fez 12 viagens, no ano de 2016, 12 viagens no ano de 2017 e 5 viagens em 2018 – alínea U) dos pontos de facto provados-.

A 1ª instância entendeu que o pagamento destas despesas era devido com os seguintes fundamentos:
“Dada a factualidade provada em U) e V) e o estabelecido na Clª 47ª, nº 5 do CCTV, tem o autor direito a haver da ré o pagamento das despesas de deslocação em veículo próprio, deslocações essas que não podem deixar de se considerar ao serviço da ré, o mesmo sucedendo com as despesas de transportes realizadas até Dezembro de 2017, dado que o autor durante esse período de tempo, estritamente necessário para as suas deslocações de e para o seu local de trabalho, embora não estando a trabalhar, está ainda (na vinda) ou está já (no regresso) na disponibilidade da ré empregadora.”
Estão em causa as despesas de deslocação suportadas pelo Autor, em veículo particular, entre Esposende e o aeroporto Sá Carneiro e vice-versa, nas viagens realizadas pelo autor para gozo de descansos semanais e férias em Portugal.
Ora, a este respeito resulta do contrato de trabalho que o local de trabalho do autor foi fixado em Portugal, mais concretamente nos escritórios do empregador, sitos em Póvoa de Santa Iria ou concelhos limítrofes – cláusula 3ª do contrato de trabalho. Ou seja, apesar de o Autor ter sido contratado para o exercício da actividade do transporte internacional de mercadorias, foi contrato para exercer tal transporte a partir e com regresso a um local de trabalho sito em Portugal.
Por outro lado, da factualidade apurada não resulta que tivesse existido qualquer acordo quanto ao custear das despesas de deslocação entre a residência do autor e o local de trabalho sito em Portugal e não existindo dispositivo legal ou convencional que impusesse à ré que custeasse tais despesas, é de concluir que o autor não tem direito a que a ré suportasse as despesas com deslocações em território nacional, entre o local de início ou de fim de uma jornada de trabalho, na base de trabalho em Portugal e a residência do autor, que se revelassem necessárias para que o autor pudesse exercer a sua actividade a partir do local de trabalho fixado.
Contudo, a Ré determinou o destacamento do autor, ao colocá-lo a efectuar viagens apenas no estrangeiro, entre a cidade Belga de Leuze que funcionava como base e vários outros países europeus não incluindo Portugal (alínea J) dos factos provados), apenas pagando ao autor o bilhete de avião de Bruxelas para Portugal e de Portugal para Bruxelas, quando o autor vinha a Portugal, 2 semanas para gozar descansos compensatórios (alíneas R) e N) dos factos provados), suportando o autor as restantes despesas de deslocação entre a sua residência e Leuze, na Bélgica (alíneas S), T), U) e V) dos factos provados).
De acordo com a cláusula 47ª n.º 6 do CCTV aplicável, reportada contudo às, deslocações no continente nacional, “Os trabalhadores deslocados em serviço determinado pela entidade patronal têm direito ao pagamento das despesas de transporte.”.
Disposição equivalente resulta do n.º4 do art.º 194 do CT ao prescrever que “o empregador deve custear as despesas decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação … em caso de transferência temporária…”
Daqui resulta inequívoco que por força da decisão determinada pelo empregador referente à alteração do local de trabalho do trabalhador, aquele fica obrigado a suportar todas as despesas de deslocação realizadas pelo trabalhador e que antes não existiam, entre a sua residência e ou seu novo local de trabalho.
Em suma, a regra é que o empregador deve custear o acréscimo de despesas com deslocações determinadas pela decisão de alteração do local de trabalho do trabalhador.
Como se fez consignar a propósito de caso semelhante, no Acórdão da Relação de Coimbra de 6/12/2019, proc. n.º 1313/18.0T8FIG.C1 “…se por força da decisão de deslocalização o trabalhador passa a ter de deslocar-se entre a sua residência e um aeroporto nacional, para daí se fazer transportar em avião para um outro aeroporto nacional, a partir do qual se faz transportar por outro meio para o seu novo local de trabalho também em território nacional, dúvidas não subsistem de que a entidade empregadora está obrigada a suportar todas essas despesas de deslocação entre a residência e ou seu novo local de trabalho.
A razão de ser subjacente a tal estatuição convencional radica num princípio de que a entidade empregadora deve suportar as despesas de deslocação em território nacional dos seus trabalhadores que sejam determinadas pela decisão daquela deslocalizar o posto de trabalho destes e da qual resulte para estes a necessidade de suportarem despesas que não suportavam antes da deslocalização; se é a entidade patronal que deslocaliza o trabalhador e com isso ocasiona despesas de transporte que antes não tinham de ser suportadas, nada mais justo e equitativo de que essas despesas corram por conta de quem as ocasionou.”
Se é isto que sucede em relação à deslocalização do posto de trabalho dentro do território nacional, então por identidade de razão, tal deve suceder, com as deslocalizações que implicam a transferência do posto de trabalho para um local no estrangeiro, sendo tal suficiente para se poder concluir no sentido de que a ré devia de ter custeado todas as despesas com as deslocações do autor entre a sua residência o seu novo local de trabalho na Bélgica, e não apenas as despesas referentes ao transporte aéreo entre o território nacional e Bruxelas.
Assim, em face da decisão de alteração do local de trabalho o autor passou a ter de suportar despesas de deslocação que antes não suportava entre aeroportos e os seus locais de residência e de base de trabalho no estrangeiro, devendo, por isso a entidade empregadora suportar esses novos custos, que resultam única e exclusivamente da decisão de alteração do local de trabalho da responsabilidade da Ré.
Não tendo a Ré acordado com o Autor no sentido de suportar estas despesas de deslocação, mas incumbindo à mesma suportá-las em conformidade com a posição acima assumida e não resultando de qualquer norma legal ou convencional a imposição ao autor de que tais deslocações fossem efectuadas em transporte público, não vislumbramos qualquer motivo para não assacar à ré a responsabilidade pelo pagamento de tais despesas de deslocação em veículo particular, em conformidade com a factualidade dada como provada.
Se a Ré pretendia impedir o autor de se deslocar em veículo próprio para não ter de custear tais despesas deveria ter-se certificado da existência de transporte público compatível com os horários dos voos e com o percurso da residência do autor até ao aeroporto e convencionado com mesmo neste sentido. Nada tendo ficado estipulado quanto a esta questão, mais não resta do que determinar que a Ré proceda à liquidação das despesas realizadas pelo autor e que não existiriam caso não ocorresse a alteração do seu local de trabalho para o estrangeiro.
É de manter neste segmento a sentença recorrida, improcedem as conclusões 23ª a 32ª da alegação de recurso

3 – Pagamento das diárias nos dias das viagens “Portugal/Bélgica”

Insurge-se a recorrente quanto à condenação no pagamento da quantia de €1.535,00, a título de diárias correspondentes aos dias de viagem “Portugal/Bélgica” e vice-versa para gozo em Portugal dos descansos, defendendo que nada ficou acordado com o autor a este respeito defendendo que por não se tratar de tempo de trabalho não estava obrigada a liquidar a diária a que se obrigou a pagar ao autor por força do contrato celebrado.
Na decisão recorrida considerou-se que o período de tempo despendido pelo autor nas suas deslocações de e para o local de trabalho, deve ser considerado tempo de trabalho e consequentemente ser liquidado ao Autor a diária de €50,00 no ano de 2016 e €55,00 nos anos de 2017 e 2018, relativas aos dias de viagem.
Antes de mais cumpre dizer que não resulta da factualidade provada qualquer acordo estabelecido entre as parte no sentido da ré se ter obrigado a pagar ao autor o valor das diárias relativas aos dias de viagem para o autor gozar em Portugal o descanso compensatórios.
Vejamos agora se pode ser considerado de tempo de trabalho os tempos de viagem de e para o local de trabalho na Bélgica para efeitos de serem gozados em Portugal os descansos compensatórios por trabalho prestado no estrangeiro aos sábados, domingos e feriados.

Prescreve o artigo 197.º n.º 1 do CT. o seguinte:
Considera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a actividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no número seguinte.”

E prescreve o art.º 199.º do CT, referente ao período de descanso, o seguinte:
”Entende-se por período de descanso o que não seja tempo de trabalho”
Ora, o tempo que o autor tem de dispor para se deslocar de e para o seu trabalho, designadamente para gozar descansos e férias, não pode ser considerado de tempo de trabalho, pois não está em presença física no local de trabalho a exercer ou não as funções para as quais foi contratado, nem está à disposição do empregador para exercer a sua actividade ou as suas funções, pelo que por exclusão de parte deve ser considerado de tempo de descanso.
Este tempo compreendido entre o início das viagens de Leuze e o termo em Esposende e vice-versa não é sequer passível de ser considerado “tempo de disponibilidade” a ser contabilizada como tempo de trabalho, já que o trabalhador está fora do local de trabalho e não está nem disponível, nem acessível, para trabalhar para o seu empregador, sendo certo que, ainda que de forma limitada, podia gerir os seus interesses à margem da relação laboral.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 6ª Secção, no processo nº 1313/18.0T8FIG.C117, que analisou situação semelhante, também à luz do direito comunitário, este tempo de viagem não pode ser considerado como tempo de trabalho, como passamos a transcrever:
“Considerando o mesmo problema à luz da Directiva 2002/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 2002, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário, não vemos como a solução correspondente possa deixar de ser a mesma.

Com efeito, nos termos do art. 3º dessa Directiva, “… entende-se por:
a) "Tempo de trabalho"SD:
1. No caso dos trabalhadores móveis, o período compreendido entre o começo e o fim do trabalho, durante o qual o trabalhador se encontre no seu posto de trabalho, à disposição do empregador e no exercício das suas funções ou actividades, ou seja:
- o tempo consagrado a todas as actividades de transporte rodoviário. Essas actividades incluem, nomeadamente:
i) condução;
ii) carga e descarga;
iii) assistência aos passageiros que entrem ou saiam do veículo;
iv) limpeza e manutenção técnica;
v) todas as restantes tarefas destinadas a assegurar a segurança do veículo, carga e passageiros ou a satisfazer as obrigações legais ou regulamentares directamente ligadas à operação específica de transporte em curso, incluindo o controlo das operações de carga e descarga, formalidades administrativas com a polícia, alfândegas, serviços de imigração, etc.
- os períodos durante os quais não pode dispor livremente do seu tempo, sendo-lhe exigida a presença no posto de trabalho, pronto para retomar o trabalho normal, desempenhando certas tarefas associadas ao serviço, nomeadamente períodos de espera pela carga ou descarga cuja duração previsível não seja antecipadamente conhecida, isto é, antes da partida ou imediatamente antes do início efectivo do período em questão, ou de acordo com as condições gerais negociadas entre os parceiros sociais e/ou previstas pela legislação dos Estados-Membros.
(…)
São excluídos do tempo de trabalho os períodos de pausa referidos no artigo 5.o, os períodos de repouso referidos no artigo 6.o e ainda, sem prejuízo da legislação dos Estados-Membros ou de acordos entre os parceiros sociais que prevejam a compensação ou limitação desses períodos, o tempo de disponibilidade referido na alínea b) do presente artigo,”.
Como assim, à luz desta Directiva comunitária o “tempo de viagem” em consideração não pode ser considerado como tempo de trabalho.”
Em suma, não pode entender-se como tempo de trabalho o “tempo de viagem”, ou seja aquele que o trabalhador tem de despender para se deslocar de e para o local de trabalho ainda que este se situe no estrangeiro, razão pela qual não tem de ser remunerado como tal.
Procedem nesta parte as conclusões 33ª a 41ª da apelação, e consequentemente revoga-se a sentença recorrida na parte e que condenou a ré a pagar ao autor a quantia de €1.535,00

4- Da retribuição dos sábados, domingos e feriados passados no estrangeiro.
Por fim, insurge-se a Ré quanto ao facto de ter sido condenada a pagar ao autor a quantia de €10.905,02 a título de dias de descanso e feriados passados no estrangeiro, defendendo que da factualidade provada não resulta que o autor tivesse trabalhado em alguns desses dias passados no estrangeiro, já que apenas se apurou que passou os ditos dias de sábados domingos e feriados no estrangeiro.

A questão que agora incumbe apreciar respeita ao estipulado na Clª 41ª do CCTV aplicável, a qual prescreve o seguinte:

41ª
(Retribuição do trabalho em dias de descanso e feriados)
“1- O trabalho prestado em dias feriados ou dias de descanso semanal e ou complementar é remunerado como a créscimo de 200% (…)
2- Qualquer período de trabalho prestado nos dias feriados de descanso semanal e ou complementar será pago pelo mínimo de cinco horas, de acordo com os nºs 1 e 2
(…)
6- Por cada dia de descanso semanal ou feriado em serviço no estrangeiro o trabalhador, além do adicional referido nos nºs 1 e 2 desta cláusula, tem direito a um dia de descanso complementar, gozado seguida e imediatamente à sua chegada”.

Importa apurar se a transcrita cláusula se aplica ao trabalhador destacado no estrangeiro quando nos dias de descanso e feriados esteja efectivamente a trabalhar ou se também será de aplicar no caso em que o trabalhador embora esteja no estrangeiro, goza efectivamente esses dias de descanso, ou seja não trabalhou nesses dias.
Reconhecendo que esta questão suscita dúvidas temos vindo a defender que os motoristas quando estão deslocados no estrangeiro (sendo o seu local de trabalho em Portugal) são de considerar sempre em serviço, estejam ou não no exercício da condução – cfr. Ac. Relação de Guimarães de 19/06/2019, processo n.º 3056/17.3T8BCL.G1, consultável in ww.dgsi.pt.
Contudo, no caso em apreço o autor não se encontrava deslocado no estrangeiro, mas sim por força do acordo estabelecido com o empregador foi destacado para trabalhar no estrangeiro (passando o seu local de trabalho a ser na Bélgica – Leuze), tendo sempre trabalhado 6 semanas no estrangeiro, vindo 2 semanas a Portugal, para gozar os descansos compensatórios. Ou seja, o autor acabou por prestar trabalho, sob a autoridade, direcção e fiscalização de uma empresa portuguesa, estabelecida em Portugal, que presta a sua actividade no território de outro Estado – cfr. arts.º 8.º e 6.º do CT.

Da factualidade provada a este propósito apurou-se o seguinte:
- Nos fins de semana (sábados e Domingos) passados pelo autor na Bélgica, este podia ausentar-se do camião que lhe estava atribuído, podia ausentar-se da base, pelo tempo que desejasse e para fazer o que entendesse, dispondo o autor livremente do seu tempo (alínea PP) dos pontos de facto provados).
- Os camiões TIR da nesses sábados e domingos ficam aparcados na base de Leuze, base alugada pela na Bélgica, dias em que o autor não conduz a viatura, como também não ficava obrigado à sua guarda e vigilância (alínea QQ) dos pontos de facto provados).
- Caso o camião ficasse aparcado em parques de áreas de serviço, num fim de semana estas encontram-se equipadas com restaurante, café, lojas comerciais, casas de banho e zonas de lazer e são áreas vigiadas, pelo que o camião permanece sob o sistema de vigilância da área de serviço (alínea RR) dos pontos de facto provados).
- A sempre liquidou ao autor os montantes referentes ao trabalho prestado nos dias de descanso, sob a rubrica “HORA trabalho suplementar, Sáb, Dom, Fe” nos montantes que constam dos documentos juntos pelo autor, que se reportam aos seus recibos de remuneração, que se dão por reproduzidos nos seus precisos termos (alínea SS) dos pontos de facto provados).
Importa reter que no caso em apreço o autor passou inúmeros dias de descanso e feriados no estrangeiro sendo certo que naqueles em que efectivamente prestou a sua actividade, a Ré compensou-o, liquidando-lhe a respectiva remuneração.
Quanto aos restantes dias de descanso e ou feriados devem ser proporcionados de modo a que o trabalhador possa destinar esse tempo como bem entender, ainda que com as limitações decorrentes do facto de estar trabalhar no estrangeiro, não deixando contudo de poder usufruir efectivamente do seu tempo de descanso, não se encontrando por isso na disponibilidade da Ré para a prestação de trabalho.
O motorista internacional destacado no estrangeiro, como qualquer outro trabalhador destacado no estrangeiro, tem de gozar os descansos e os dias feriados no estrangeiro, só devendo ser considerado trabalho suplementar, aquele que efectivamente é prestado nesses dias, tal como resulta do teor da cláusula 41.ª n.ºs 1 e 2 do CCT aplicável.
Efectivamente foi o que sucedeu, o autor nos fins-de-semana e feriados nos quais não prestou trabalho efectivo pode dispor livremente do seu tempo, não estando obrigado a observar o dever de vigilância e de guarda da viatura que conduzia, não tendo efectivamente prestado qualquer trabalho, nem esteve disponível para o prestar.
Situação diferente e não equiparável é a do trabalhador deslocado no estrangeiro que por razões de organização da entidade empregadora tem de passar os dias de descanso no estrangeiro, sem que possa regressar a casa, devendo em tal situação ser encarada como prestação efectiva de trabalho, dado que o motorista está disponível para o fazer, mantendo as obrigações de verificação e vigilância e manutenção da viatura que lhe está atribuída. O que não se verificou no caso em apreço.
Em suma o motorista deslocado no estrangeiro, por força das circunstâncias e pela natureza da sua actividade está em permanente disponibilidade ao serviço do empregador, enquanto o motorista destacado no estrangeiro, por força do acordado com o empregador, tem necessariamente de usufruir dos descansos no estrangeiro, dispondo dos tempos de descanso como bem entende.
De tudo isto resulta que apenas nos dias de descanso e feriados em que o autor prestou efectivamente a sua actividade por conta do empregador terá direito ao pagamento da respectiva prestação. E isto significa que o direito ao pagamento da compensação pelo trabalho prestado nesses dias exige a alegação e subsequente prova de que foi prestado efectivamente trabalho em dia de descanso ou feriado, incumbindo o ónus da prova ao autor.
Ora, não tendo a autor logrado provar que tivesse trabalhado, para além daqueles dias de descanso em que foi compensado pela ré, em alguns dos 79 dias de sábado, domingo e feriados passados no estrangeiro no ano de 2016; que tivesse trabalhado em alguns dos 64 dias de sábado, domingo e feirado passados no estrangeiro no ano de 2017 e que tivesse trabalhado em alguns 42 dias de sábado, domingo e feirado passados no estrangeiro no ano de 2018, não tem direito ao pagamento que reclama, impondo-se assim a revogação, nesta parte da sentença recorrida.
Procedem as conclusões 42ª a 56.ª da apelação, revogando-se nesta parte a decisão recorrida

V – DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do CPC., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder parcial provimento ao recurso de apelação e consequente absolve-se a Ré X, S.A. do pagamento ao autor da quantia de €1.535,00, a título de “diária” relativa aos dias de viagem e da quantia de €10.905,02, a título de dias de descanso passados no estrangeiro, nos anos de 2016, 2017 e 2018.
Quanto ao mais é de manter a sentença recorrida.
Custas a cargo do Recorrente e da Recorrido na proporção do decaimento.
17 de Dezembro de 2020

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga

1 - Disponível em www.dgsi.pt.