Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1243/16.0T8VRL.G1
Relator: RAMOS LOPES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
FIANÇA
DESONERAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DOS FIADORES POR IMPOSSIBILIDADE DE SUB-ROGAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- No regime do art. 653º do CC enquadram-se os casos de garantias associadas ao crédito, como são as hipotecas (os penhores, os privilégios e as fianças) e, por isso, que a inacção ou atraso do credor no registo da hipoteca se insere directamente no benefitium cedendarum actionum (que é dizer, na previsão legal), uma vez que, por virtude dessa inacção, o fiador fique desprovido da garantia hipotecária ou com tal garantia inutilizada.
II- Para a aplicabilidade do preceito, não basta que o credor não proceda ao registo da hipoteca (e deixe até caducar o registo provisório dela efectuado), sendo necessário que essa falta de registo determine prejuízo para o fiador – que daí resulte ficar o fiador desprovido da garantia que a hipoteca constituía (desse direito associado ao crédito).
III- Não resultando do atraso na promoção do registo da hipoteca (que só com o registo se veio a tornar eficaz) qualquer prejuízo, não há lugar à aplicação do preceito – os fiadores não ficaram desonerados da obrigação porque a omissão do credor (a ele imputável), no caso, não teve como consequência qualquer perda de direitos de que os fiadores ficassem privados.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1)

RELATÓRIO

Apelantes: A. J. e M. M. (autores)
Apelada: Caixa ..., S.A. (ré)

Juízo central cível de Vila Real (lugar de provimento de Juiz 2) - T. J. Comarca de Vila Real
*
Intentaram os autores apelantes a presente acção declarativa na forma de processo comum demandando a ré, pedindo:

- se declare que, nos termos do artigo 653º do CC, se encontram (eles, autores) desonerados ou liberados, das fianças que assumiram (através dos documentos que, sob os números 1 e 2, juntaram com a petição inicial),
- se condene a ré a devolver-lhes a importância de 11.430,00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até efectivo recebimento,
- se condene a ré a comunicar ao Banco de Portugal que não têm (eles, autores), nem nunca tiveram, quaisquer responsabilidades creditícias em mora perante si (ré),
- se condene a ré a pagar-lhes o montante já liquidado de 1.036.365,00€, acrescido de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até efectivo recebimento,
- se condene a ré a pagar-lhes os restantes prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, para eles decorrentes da situação descrita, a liquidar em execução da sentença.

Alegam como fundamento da sua pretensão ter outorgado, em Julho de 2005, na qualidade aí assumida de fiadores dos mutuários, duas escrituras de mútuo com hipoteca e fiança nas quais a ré se vinculou como mutuante, ficando o cumprimento das obrigações decorrentes de tais mútuos garantido por hipotecas a onerar prédio dos mutuários. Porque os mutuários incumpriram as suas obrigações contratuais – continuam alegando –, acordaram os autores com a ré em proceder ao pagamento das prestações vencidas e vincendas até à venda do imóvel hipotecado, tendo pago o montante de 11.430,00€ (sendo 630,00€ concernentes a obrigação de que não eram fiadores) quando se aperceberam que, pese embora tenha procedido ao registo provisório das hipotecas, não procedera a ré à conversão de tais registos em definitivos, caducando aqueles, o que possibilitou o registo, a favor de terceiro, de penhora sobre o imóvel, garantia que adquiriu assim prioridade sobre as hipotecas, o que consequenciou terem ficado os autores desonerados/liberados das suas obrigações enquanto fiadores, o que comunicaram à ré. A ré – mais alegam os autores –, porém, comunicou ao Banco de Portugal que os autores tinham obrigações creditícias em dívida, o que os impediu de obter crédito, de que têm precisado, tendo para se financiarem vendido três prédios de eram proprietários por menos 1.036.365,00€ do que o seu valor de mercado, o que lhes acarretou, também, sofrimentos de diversa índole.
Contestou a ré, por excepção (dilatória - incompetência territorial do tribunal - e peremptória - a prescrição dos direitos exercidos pelos autores) e por impugnação, argumentando não terem os autores sofrido qualquer prejuízo com o atraso na realização do registo definitivo das hipotecas.

Realizada a audiência prévia (e julgada improcedente a excepção dilatória da incompetência territorial do tribunal), identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova viria a realizar-se o julgamento (determinou-se a sua realização pese à não presença de testemunha que os autores haviam aditado, por despacho que viria a ser confirmado no recurso que dele interpuseram os autores), após o que foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré dos pedidos.

Inconformados, apelam os autores, terminando as suas alegações pela formulação das conclusões que se transcrevem:

1ª- No dia 18 de dezembro de 2019, foi, no âmbito dos autos em causa, prolatada douta sentença, que, tendo julgado, como julgou, a presente ação improcedente, absolvendo a ré de todos os pedidos, contra ela formulados pelos autores, com custas pelos mesmos, é, total e completamente, desfavorável a estes.
2ª- O que decorreu, designadamente de em tal sentença se ter considerado, como se considerou, como não provados, os factos elencados nos números 1 a 11, todos sob a epígrafe ‘Factos não provados:’.
3ª- O que não pode merecer, nem merece, a concordância do recorrentes, que entendem que tais factos deveriam ter sido todos dados como provados, o que, só por si, é suscetível de alterar o sentido da sentença sob recurso, o mesmo sucedendo aliás com a impugnação, que adiante no texto se vai fazer também, da matéria de direito.
4ª- Estando pois no presente recurso os recorrentes a impugnar matéria de facto (artigo 640.°, do CPC) e matéria de direito (artigo 639.°, do CPC).
5ª- E, quanto ao que a tal matéria de facto tange, especifica-se, em cumprimento do artigo 640.°, do CPC, o seguinte:
A) Os concretos pontos de facto que os recorrentes consideram que foram incorretamente julgados na sentença sob recurso (artigo 640.0-1-a), do CPC), são os factos que, nos números 2, 3, 5, 6, 7, 8 e 9, todos da fundamentação fáctica de tal sentença, foram dados como não provados, sendo tais factos, esclareça-se, aqueles que de seguida vão indicados, tendo eles, naturalmente na opinião dos recorrentes, relevância para a sorte desta ação, na qual, repita-se, e ao contrário daquilo que sucedeu, eles deviam ter sido dados como provados:
2- Os A.A. foram informados pela R. de que, caso continuasse o atraso de C. R. e F. M. no cumprimento das suas obrigações emergentes do acordo mencionado em 1 e 2 dos factos provados, bem como se não fosse regularizada uma dívida de € 630,00 euros, que C. R. e F. M. tinham para com a R., proveniente de um cartão de crédito, tudo isso teria que ser comunicado ao Banco de Portugal, comunicação essa que envolveria também os A.A.
3- Em 18 de Abril de 2008, os A.A. procederam ao pagamento à R. dos € 630,00 supra referidos.
5- O interessado na compra do imóvel, que os A.A. encontraram, dispunha-se a pagar um preço que seria mais do que suficiente para saldar, não só a importância que então se encontrava em dívida à R., mas também aquilo que, os A.A. já tinham pago à R., e que, com a venda em causa, iriam recuperar totalmente, ainda sobrando algum dinheiro, que reverteria a favor dos "mutuários".
6- No dia 13 de Maio de 2009, os A.A. propuseram à R., em alternativa à devolução de todos os montantes que eles A.A. lhe haviam já pago, e à libertação deles da "fiança" em causa, que a R. libertasse o imóvel da penhora que o onerava, pagando ao respetivo credor, o Banco ... - Investimento Imobiliário S.A., o montante do respetivo crédito de € 18.147,48, o que possibilitaria concretizar a venda do imóvel em questão, e, com o dinheiro de tal venda recebido, pagar à A., a totalidade dos empréstimos em questão.
7- A R. declinou pagar ao Banco ..., S.A., a referida quantia de €18.147,48;
8- O que impossibilitou que a venda do imóvel se concretizasse;
9- E, consequentemente, impossibilitou também que a dívida dos "mutuários" para com a A. fosse totalmente paga.
B) Os concretos meios probatórios, constantes do processo, ou de registo ou gravação nele processo realizada, que impunham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida (artigos 640.0 -l-b), do CPC), isto é, que impunham que os sete factos, constantes da alínea A) anterior, que, relembre-se, são relevantes para a decisão, devessem ter sido todos considerados como provados, são todos os meios probatórios produzidos nos autos, designadamente a prova documental, a prova testemunhal e a prova por declarações de parte, meios probatórios esses que, quando a sentença sob recurso foi, em 18 de dezembro de 2019 proferida, se encontravam já todos no processo.
C) A decisão que, no entender dos recorrentes, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas (artigos 640 . O-I-c), do CPC), isto é, sobre os sete factos, constantes da alínea A) anterior, era, e é, serem, ao contrário do que sucedeu, todos esses onze factos considerados como provados.
6ª- Por fim, e para finalizar esta temática da impugnação da matéria de facto, mencione-se, como se menciona, que, havendo, como há, meios probatórios, invocados como fundamento do erro na apreciação das provas, que foram gravados, meios esses que consistem no depoimento de uma das testemunhas que depôs, mais precisamente na testemunha A. R., e nas declarações de parte do autor marido A. J., indicam-se, com exatidão, e em cumprimento do comandado no artigo 640.º-2-a), do CPC, as passagens da gravação em que se funda, quanto à alteração da matéria de facto pretendida, o presente recurso.
Passagens essas que, no que toca aos factos em causa, que na sentença apelada foram considerados não provados, e que, na opinião dos recorrentes, deveriam ter sido dados como provados, constam do depoimento da testemunha A. R. e das declarações de parte do autor marido A. J., depoimento e declarações essas que foram gravadas, através do sistema integrado de gravação digital, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, sendo essas passagens as seguinte:
Dia 04 de dezembro de 2019
- Testemunha A. R. (00:00:01 a 00:32:00)
O depoimento total desta testemunha, que decorreu, nesse dia 04 de dezembro de 2019, vai, desde as 11 horas, 11 minutos e 15 segundos até às 11 horas, 43 minutos e quinze segundos (00:00:01 a 00:32:00), contendo tal depoimento, desde os 00:03:58 a 00:06:00 e 00:13:09 a 00:14:00, a parte dele com relevância para a prova dos factos que aqui estão em causa;
- Autor A. J. (00:00:01 a 00:54:58).
As declarações de parte deste autor, que decorreram, nesse dia 04 de dezembro de 2019, vão desde as 16 horas, 19 minutos e 52 segundos até às 17 horas, 14 minutos e cinquenta segundos (00:00:01 a 00:54:58), contendo tais declarações de parte, desde os 00:03:55 a 00:05:00 e 00: 17:05 a 00: 18:30, as partes delas com relevância para a prova dos factos que aqui estão em causa.
7ª- Resultando cristalinamente dos documentos que se encontram nos autos, bem como das atrás referidas passagens, quer do depoimento testemunhal, quer das declarações de parte, que, ao contrário do que consta da sentença, que, aqui e agora, se está a por em crise, os sete factos, elencados na alínea A) anterior, deveriam ter sido todos considerados provados.
8ª- E, provados que sejam os sete factos atrás referidos, isso não poderá deixar de conduzir à completa procedência da ação em causa, ou, pelo menos, reforçar tal procedência, e, consequentemente, que este recurso seja também procedente, com a subsequente anulação da sentença que tem vindo a ser considerada (artigo 639.0-1-ín fine, do CPC).
9ª- Procedência essa que decorre também, e assim entramos na impugnação da matéria de direito, da sentença sob recurso padecer, como, muito embora com a devida vénia, padece, e mesmo que a matéria fáctica não fosse alterada, de erros de julgamento, consistentes em erros de direito, erros de julgamento esses justificativos, e igualmente por si só, da anulação da mesma sentença (artigo 639º-1 – in fine, do CPC).
10ª- A sentença apelada radicou em procedência da presente ação, em autores/recorrentes não se poderem socorrer do artigo 653.º, do CC, para, com fundamento na impossibilidade de eles se sub-rogarem nos direitos da ré credora, sobre os devedores mutuários, ficarem desonerados/liberados da fiança que prestaram a favor de tal ré.
11ª- E isto porque, na visão de tal sentença, essa impossibilidade foi meramente temporária ou efémera, na medida em que as hipotecas, cujos registos provisórios haviam caducado, por não terem sido atempadamente convertidos em registos definitivos, terem sido depois efetivamente registadas.
12ª- O que, na opinião dos recorrentes, não ocorre, tanto mais que, os registos definitivos das duas hipotecas em causa, tendo sido, como foram, lavrados, em fevereiro de 2009, ocorreram quase quatro anos depois, dos registos provisórios.
13ª- Pelo que, e tendo em conta que o registo da hipoteca é constitutivo desta, decorreram vários anos, sem que as hipotecas, com as quais os recorrentes contavam, para, digamos assim protegerem a fiança que prestaram à Caixa ... S.A., não existissem.
14ª- Pelo que, durante todo esse longo período, que correspondeu a vários anos, mais precisamente quase cinco, os autores, aqui recorrentes, e por facto negativo do credor, a aqui ré Caixa ... S.A., facto negativo esse que consistiu, em aquela instituição bancária não ter, durante tal período, registado, como não registou, as duas hipotecas em causa, não se pudessem sub-rogar, nesse direito da ré, com o qual, quando prestaram a fiança que prestaram, contavam. 15ª- O que tanto basta para que, nos termos do artigo 653.º do CC, eles autores tenham ficado desonerados da obrigação, isto é, da fiança, que contraíram perante a Caixa ... S.A., pois que a desoneração, a que tal artigo 653.º do CC, se reporta, opera automaticamente, como decorre, nomeadamente do termo ‘ficam’, de tal norma constante, e independentemente de ser solicitada ao beneficiário da hipoteca em causa, e da impossibilidade sub-rogatória ser permanente ou temporária, total ou parcial, sendo certo que, no caso em análise, ela foi temporária durante vários anos.
16ª- Acrescendo ainda que, em 12 de março de 2008, ou seja, cerca de um ano antes de 26 de fevereiro de 2009, que foi a data em que as duas hipotecas que têm vindo a ser referidas foram definitivamente registadas no registo predial, sobre o imóvel em questão foi registada uma penhora a favor do Banco ....
17ª- Não correspondendo à realidade que a existência do registo de tal penhora, o qual, e usando a terminologia da sentença recorrida, potencialmente e à luz da lei, conferia prioridade no pagamento do crédito de credor respetivo, não tenha causado prejuízo aos recorrentes, pois que impediu que estes, vendendo o imóvel em causa, a um comprador que arranjaram, pagassem, com o produto de tal venda, o montante que os mutuários deviam à Caixa ... S.A..
18ª- E, se é certo que essa venda poderia ter sido concretizada, desde que fossem pagos os 18.147,48 euros em questão, naturalmente acrescidos dos respetivos juros e demais despesas da execução, ao Banco ... e ao Agente Executivo, não menos certo é também que a Caixa ... S.A., a quem tal pagamento naturalmente incumbia, pois que ele apenas se tornava necessário, devido a uma negligência daquela instituição de crédito, consistente em não ter atempadamente registado as hipotecas de que beneficiava, o não quis fazer, nem o fez, e que os recorrentes, nomeadamente devido à míngua de fundos para isso, o não puderam fazer também, o que levou a que a venda em questão se perdesse.
19ª- Tendo pois, a sentença que, aqui e agora, se está a por em crise, ao indeferir, como indeferiu, o pedido dos autores, no sentido de que eles fossem desonerados/liberados da fiança que prestaram à ré, com fundamento em impossibilidade de sub-rogação, deles autores/fiadores, nos direitos da ré/credora, sobre os devedores/mutuários, violado, como violou, designadamente o artigo 653.º do CC.
20ª- Tendo também a sentença apelada indeferido o pedido dos autores/fiadores, no sentido de que a ré fosse condenada a restituir-lhes a quantia 11.430,00 euros, dos quais, 10.800,00 euros, decorriam dos contratos de mútuo, nos quais os autores se haviam constituído fiadores, e, 630,00 euros, de pagamentos pelos autores à ré, atinentes a dívidas dos mutuários de tais contratos, mas alheios ao mesmos contratos, pelo que não cobertos pelas fianças em causa nestes autos.
21ª- Tendo-se tal indeferimento baseado, no que toca aos 10.800,00 euros, não só em não estarem eles autores desonerados/liberados das fianças que haviam prestado à ré, e no âmbito das quais estavam obrigados a tal pagamento, mas também, em, ainda que assim não fosse, tendo pois esses pagamentos sido indevidos, não haver lugar à repetição deles, e, relativamente aos 630,00 euros, de não ter resultado provado que essa importância tenha sido entregue pelos autores à ré, o que não pode merecer, nem merece, a concordância dos recorrentes.
22ª- E isto porque, no que toca aos 10.800,00 euros, os autores, quando os pagaram à ré, estavam, naturalmente na visão deles, já desonerados ou liberados da obrigação de o fazerem, pelo que, ao contrário do que defende Januário da Costa Gomes, a que o Meritíssimo Senhor Doutor Juiz de 1 a instância se arrimou, mas de quem discordamos, há lugar à repetição do indevido, e, quanto aos 630,00 euros, uma vez que, em sede de alteração da matéria de facto, venha, como atrás se peticionou já, a ser considerado provado que essa importância foi entregue pelos autores à ré, devendo pois esta devolvê-la àqueles.
23ª- Os autores peticionaram ainda que a ré fosse condenada a comunicar ao Banco de Portugal, que eles autores não têm, nem tiveram nunca, quaisquer responsabilidades creditícias em mora perante a ré.
24ª- Pretensão esta que foi igualmente indeferida pela douta sentença recorrida, uma vez que tal comunicação pressupunha que os autores se encontravam desonerados/liberados das fianças qua haviam prestado à ré, o que tal sentença entendeu que não se verificava.
25ª- Assim, uma vez que, em sede de recurso, venha a ser entendido que a desoneração/liberação em causa ocorria, terá esta pretensão dos autores de ser considerada procedente, o que se peticiona a V. Exas..
26ª- Por último, peticionaram ainda os autores, que a ré fosse condenada a pagar-lhes a quantia líquida de 1.036.365,00 euros e respetivos juros de mora, e ainda uma quantia ilíquida, referente ao valor de outros danos patrimoniais e não patrimoniais, que lhes foram a eles autores causados pela ré, com a comunicação que fez ao Banco de Portugal, fundamentado essa pretensão no instituto jurídico da responsabilidade civil, emergente da prática de factos ilícitos.
27ª- Pretensão essa que foi igualmente indeferida, através da sentença sob recurso, indeferimento que esse que se estribou em o facto ilícito em questão ser a comunicação por parte da ré ao Banco de Portugal, segundo a qual os autores estavam em mora, no cumprimento das responsabilidades creditícias deles.
28ª- Facto ilícito este que, na visão do Senhor Doutor Juiz sob recurso, não se verificavam, na medida em que, não estando como, em tal visão não estavam, os autores/ recorrentes desonerados das obrigações fidejussórias, que haviam assumido para com a ré, estavam eles na verdade em mora para com ela, sendo pois a comunicação em causa lícita e até mesmo legalmente obrigatória.
29ª- Ora, uma vez que, em sede de recurso, se chegue à conclusão que ocorria efetivamente a desoneração/deliberação dos autores, relativamente à fiança que prestaram à ré, a comunicação em causa passará a ser um facto ilícito, gerador da responsabilidade civil da mesma ré, nos precisos termos peticionados pelos autores.
30ª- Tendo pois a sentença sob recurso violado, como violou, diversas disposições legais, designadamente, o artigo 653.º do CC.
31ª- Devendo por isso, ou seja, por erro quanto ao julgamento da matéria de facto, e por um erro de direito, que se traduziu, designadamente, na violação da norma legal atrás referida (artigo 653.º do CC), e muito embora sem que isso possa constituir, nem constitua, qualquer demérito, por pequeno, ou mínimo até que seja, para com o Distinto Senhor Doutor Juiz que o prolatou, até porque e como é por demais sabido, alli quando dormitat Homerus, ser, a sentença em causa, posto que mui douta, anulada (artigo 639.º-1- in fine, do CPC).
32ª- Prolatando-se, para isso, não menos douto acórdão, que considere que a sentença recorrida incorreu em erros no julgamento, quer da matéria de facto, quer da matéria de direito, violando, designadamente, o atrás referido artigo 653.º do CC, e que, consequentemente, num sistema cassatório, anule tal sentença (artigo 639.º-1- in fine, do CPC), e, num sistema de substituição, considere, total e completamente, procedente a presente ação, rectius todos os pedidos nela formulados pelos autores contra a ré, o que se requer a V. Exa.

Contra-alegou a ré pugnando pela improcedência do recurso e integral manutenção da decisão recorrida, suscitando, no caso da procedência da apelação, a ampliação do objecto do recurso, nos termos do art. 636º, nº 2 do CPC (impugnando também, em tais termos, a decisão sobre a decisão da matéria de facto), concluindo:

A. Ainda que todos ou apenas alguns dos factos em causa pudessem ser considerados como provados, em nada alterariam a decisão final.
B. A decisão em recurso assenta na não verificação dos pressupostos jurídicos da desoneração dos fiadores, com base em factos invocados pelos AA., todos considerados provados, pelo que nenhuma alteração da decisão da matéria de facto poderá alterar a aplicação que na sentença se fez do direito aos factos.
C. Os factos 2 e 3 contendem apenas com o pedido formulado pelos AA. na al. b) do petitório e a serem considerados provados só levariam a considerar-se provado que os AA. pagaram à Ré, por conta da dívida de que eram fiadores, a quantia total de 11.430,00€ em vez dos 10.800,00€ provados.
D. Os restantes factos – 5 a 9 – respeitam igualmente às consequências da desoneração da fiança, quando foi decidido que os AA. não estavam desonerados das obrigações decorrentes da mesma.
E. como tem sido repetidamente decidido pelos tribunais de recurso, só a alteração da matéria de facto que se mostre relevante para alterar a decisão final, de mérito, pode ser objeto de modificação.
F. Trata-se da aplicação da regra geral de proibição de prática de ato inútil, contida no atual art. 130.º do CPC, resultante da modificação da decisão sobre a matéria de facto pretendida.
G. Em qualquer caso, os Recorrentes nada invocam que possa contrariar a fundamentação da sentença quanto aos factos não provados objeto deste recurso.
H. Os Recorrentes pretendem dar como provada a referida factualidade com base no depoimento de testemunha, quando e como consta da sentença, o mesmo apenas contribuiu para a dar como não provada.
I. Invocam ainda, para a pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto, as declarações de parte do Autor, que, como tem sido jurisprudência e doutrina largamente dominantes, e mesmo reconhecendo a admissão da sua livre valoração pelo julgador, tal prova tem de ser corroborada por outras provas, sobretudo quando em causa estão factos favoráveis à procedência da ação.
J. Refira-se, por último, que a alterar-se a decisão de facto quanto aos Factos n.ºs 3 e 5 a 9, no sentido pretendido pelos AA., apenas poderia levar a uma consequência: liberação parcial, como adiante será melhor clarificado, pelo valor por que se mostrava registada a penhora, ou seja, 18.147,48€.
K. Toda a sentença assenta, pois, num pressuposto básico: “Assim, em nosso entendimento, a pretensão dos A.A., de que se declare que se encontram desonerados ou liberados das fianças que prestaram, tem de improceder, por não se verificarem os pressupostos de que a mesma depende.”
L. Como bem foi decidido, a não conversão imediata do registo provisório de hipoteca definitivo nunca impediu a sub-rogação dos Autores nos direitos do credor hipotecário, caso aqueles pagassem a dívida da hipotecada e por estes afiançada, o que nunca aconteceu.
M. A falta de conversão do registo de hipoteca, porém, foi meramente transitória e nunca seria impeditiva da sub-rogação, pois a hipoteca não se perdeu, antes tendo ficado temporariamente como que suspensa na sua eficácia.
N. A impossibilidade de sub-rogação poderia ocorrer se o registo estivesse impedido nos termos supra descritos ou se a hipoteca não houvesse sido constituída e não mais o pudesse ser, por, por exemplo, o mutuário ter alienado o imóvel, o que efectivamente não ocorreu; Ora, a hipoteca foi constituída e registada, apenas não se tendo convertido o registo provisório em definitivo. Antes desse registo, não foi registado, por outro lado, qualquer direito incompatível com o direito real de hipoteca.
O. E, como bem salienta a sentença, sempre os AA. poderiam ter procedido ao registo, para o qual tinham legitimidade; As hipotecas e os seus registos beneficiavam quer o credor, quer os fiadores, como estes claramente assumem, pelo que a estes cabia igualmente o ónus de proceder à conversão, ou de pedir ao credor que procedesse a tal conversão, o que nunca fizeram.
P. Como é doutrina pacífica, no caso de concorrência de facto do lesado, é aplicável o art. 570.º do CCivil, dando-se a liberação do fiador na medida determinada pelo critério legal adotado em matéria de responsabilidade.
Q. O registo prévio de uma penhora não impediu o exercício dos direitos hipotecários nem nunca poderia impedir, podendo, quanto muito limitar tal exercício, que sequer veio a ocorrer.
R. Por sentença proferida a 18 de junho de 2006, em tais autos, foi o crédito reclamado pela Caixa ..., no mencionado valor total, verificado, reconhecido e graduado em primeiro lugar, para pagamento através do produto da venda da fração autónoma dada em hipoteca à Recorrida.
S. A existência de uma penhora subsequente não impediria a sub-rogação dos Autores; mas, se alguma consequência tivesse, seria apenas a desoneração parcial, pelo valor da penhora pré-registada.
T. Não assiste qualquer razão aos AA. quanto à pretensão de devolução das quantias pagas por conta dos mútuos que afiançaram, desde logo porque a exoneração não é automática.
U. As pretensões dos AA. relativas à comunicação ao BdP, constantes das Conclusões 23.º a 29.º mostram-se destituídas de qualquer fundamento, pois que, tendo sido incumpridas as obrigações decorrentes dos contratos de mútuo, tal incumprimento tem obrigatoriamente de ser comunicado ao Banco de Portugal.
V. A informação constante da Central de Responsabilidades de Crédito não impede que quem dela conste possa obter crédito junto das diversas instituições financeiras no mercado.
W. Acresce que, os Recorrentes não podem imputar à Recorrida a sua incapacidade económica e a sua dependência do crédito bancário para desenvolver qualquer atividade
X. O invocado pagamento de prestações dos mútuos pelos Recorrentes, responsáveis solidariamente com os devedores principais, traduz-se no cumprimento de uma obrigação contratualmente estabelecida, e, sendo anteriores ao infundado pedido de liberação dos fiadores, nunca seriam abrangidos por ele.
Y. Os restantes prejuízos invocados pelos Recorrentes, além de inexistentes, não podem ser imputados a qualquer ato ou omissão da Recorrida, faltando qualquer nexo de causalidade.
Z. A desproporção entre o valor das indemnizações já quantificadas pelos Recorrentes e o valor do mútuo em causa, bem como do valor do incumprimento comunicado ao Banco de Portugal é enorme, razão pela qual a pretendida indemnização, nunca poderia ascender a valor peticionado.
AA. No caso de ao recurso dos AA. ser julgado procedente, o que apenas por cautela de patrocínio se admite, a Recorrida impugna a decisão sobre a matéria de facto, quanto aos seguintes factos provados: 25, 28, 29, 30, 31, 32, 34 e 35, com os fundamentos constantes das alegações, para que se remete.
BB. Como resulta do depoimento da testemunha A. R., o Facto n.º 25 deve ter o seguinte conteúdo: “Que se desinteressou pela sua compra, quando soube que sobre ele pendia o registo de uma hipoteca e uma penhora e o valor pretendido por si pagar não ser suficiente para desonerar o imóvel”.
CC. De acordo com as presunções judiciais e o depoimento da testemunha J. T. e falta de prova documental em sentido diverso, os factos 28 a 31 devem ser dados como não provados ou, em alternativa provado apenas que:
28 - Financiamento este que foi apreciado por aquela instituição de crédito.
29 - Porém, poucos dias depois, o A. recebeu uma chamada telefónica, do Banco A, S.A., a informar que, a operação de crédito atrás mencionada, em virtude, designadamente, de os A.A. constarem, no Banco de Portugal, como tendo créditos que se encontravam já vencidos, e que não tinham ainda sido pagos/regularizados, não podiam, enquanto essa situação se mantivesse, concretizar o empréstimo dos € 1.500.000,00.
30 - Tendo os A.A. constatado, então, que assim era, e que isso sucedia, designadamente, em virtude de tal informação ter sido transmitida pela R. ao Banco de Portugal, reportando-se tal informação aos acordos referidos supra em 1 e 2.
31 - Por essa razão, entre outras, goraram-se outras tentativas que os A.A. realizaram, para obtenção de crédito junto de outras instituições financeiras
DD. Quanto aos factos 32 e 35 apenas podiam ser dados como provados nos seguintes termos, em face do que consta do Facto 33, do depoimento da testemunha A. R.:
32 – Em 2009, designadamente pela necessidade de pagarem uma dívida contraída pelos AA, em 2007, junto de um particular, que detinha hipoteca sobre uma quinta, não tiveram os A.A., carecidos de liquidez que lhes permitisse alocá-la à atividade da sociedade X - FLORESTAL, TURISMO, AVIAÇÃO, Lda., encontrado outra solução que não fosse a de celebrarem a escritura pública referida em 33, vendendo tal quinta e pagando ao credor hipotecário” e
35 – A venda referida em 33, foi efetuada por um valor inferior ao referido em 34, devido à urgência que os A.A. tinham em fazer a venda, por causa da falta de liquidez financeira que tinham e da necessidade de pagarem ao particular que detinha hipoteca sobre a Quinta”.
EE. Quanto ao facto 34, tendo em conta os esclarecimentos do Perito e os depoimentos das testemunhas J. P. e J. L., apenas pode ser dado como provado com a seguinte redacção:
O valor real global dos três prédios sitos na freguesia de ..., Concelho de ..., identificados em 33, em 02-11-2009, oscilaria entre €1.677.200,00 e cerca de €2.333.960,00, consoante o método de avaliação usado seja o de valor de mercado ou do rendimento”.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Da delimitação do objecto do recurso

Do objecto do recurso

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, identificam-se as seguintes questões decidendas:.

- a impugnação da matéria de facto suscitada pelos apelantes,
- a liberação dos apelantes fiadores, à luz do artigo 653º do CC (e, consequentemente, o direito dos apelados a reaver da apelada os montantes entregues e bem assim a exigirem a comunicação ao Banco de Portugal da inexistência de responsabilidades creditícias em mora),
- a obrigação de indemnizar a cargo da apelada com base na comunicação efectuada ao Banco de Portugal da existência de responsabilidades creditícias em mora,
- procedendo a impugnação dos apelantes, apreciar da impugnação da matéria de facto deduzida pela apelada, que para tanto ampliou o objecto do recurso (art. 636º, nº 2 do CPC).
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto

Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:

1- Por escritura de ‘mútuo com hipoteca e fiança, outorgada no dia 14/07/2005, no Cartório Notarial ..., os primeiros outorgantes C. R. e esposa F. M. e a segunda outorgante Caixa ..., S.A., representada por V. V., declararam que, pela escritura em causa, a Caixa ... concedia àqueles um empréstimo na quantia de 85.000,00€, importância de que aqueles se confessaram solidariamente devedores;
Mais declararam que, para garantia do capital emprestado, dos respectivos juros até à taxa anual de 8,246%, acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa até 4% ao ano, a título de cláusula penal e das despesas emergentes do contrato, aqueles constituíam a favor da Caixa ..., hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra ‘L’, descrita na Conservatória do Registo Predial ... pela ficha ..., da freguesia de ...;
Por sua vez, os terceiros outorgantes A. J. e esposa M. M., declaram que se responsabilizavam como fiadores e principais pagadores, por tudo quanto viesse a ser devido à Caixa ... em consequência do empréstimo em causa;
E a segunda outorgante Caixa ... declarou ainda, aceitar o mútuo com hipoteca e a fiança prestada.
2- Por escritura de ‘mútuo com hipoteca e fiança’, outorgada no dia 14/07/2005, no Cartório Notarial ..., os primeiros outorgantes C. R. e esposa F. M. e a segunda outorgante Caixa ..., S.A., representada por V. V., declararam que, pela escritura em causa, a Caixa ... concedia àqueles um empréstimo na quantia de 75.000,00€, importância de que aqueles se confessaram solidariamente devedores;
Mais declararam que, para garantia do capital emprestado, dos respectivos juros até à taxa anual de 8,246%, acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa até 4% ao ano, a título de cláusula penal e das despesas emergentes do contrato, aqueles constituíam a favor da Caixa ..., hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra ‘L’, descrita na Conservatória do Registo Predial ... pela ficha ..., da freguesia de ...;
Por sua vez, os terceiros outorgantes A. J. e esposa M. M., declaram que se responsabilizavam como fiadores e principais pagadores, por tudo quanto viesse a ser devido à Caixa ... em consequência do empréstimo em causa;
E a segunda outorgante Caixa ... declarou ainda, aceitar o mútuo com hipoteca e a fiança prestada.
3- Pela Ap. 12 de 1998/06/18, foi registada a aquisição, por compra, a favor de C. R., casado com F. M., da fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial ..., pela freguesia de ..., sob o n º ....
4- Pela Ap. 13 de 1998/06/18, foi registada uma hipoteca voluntária, garantindo o montante máximo de 26.354.916,00 escudos, a favor do Banco ..., S.A., a onerar a fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial ..., pela freguesia de ..., sob o n º ....
5- Pela Ap. 8 de 2005/04/12, foi registada uma hipoteca voluntária, provisória por natureza - art. 92º, n º 1, i), garantindo o montante máximo de 119.627,30€, a favor da Caixa ..., S.A., a onerar a fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial ..., pela freguesia de ..., sob o n º ....
6- Pela Ap. 8 de 2005/04/12, foi registada uma hipoteca voluntária, provisória por natureza - art. 92º, n º 1, i), garantindo o montante máximo de 105.553,50€, a favor da Caixa ..., S.A., a onerar a fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial ..., pela freguesia de ..., sob o n º ....
7- Pela Ap. 21 de 2008/03/12, foi registada uma penhora, garantindo a quantia exequenda de 18.147,48€, a favor do Banco ... Crédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A., a onerar a fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial ..., pela freguesia de ..., sob o n º ....
8- Pela Ap. 9 de 2008/05/02, foi registada a aquisição, por compra, provisória por natureza, a favor de A. J., sobre a fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial ..., pela freguesia de ..., sob o n º ....
9- Pelo Averb. - Ap. 4443 de 2009/02/26, foi averbado o cancelamento da hipoteca voluntária referente à Ap. 13 de 1998/06/18, a onerar a fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial ..., pela freguesia de ..., sob o n º ....
10- Pela Ap. 4444 de 2009/02/26, foi registada uma hipoteca voluntária, garantindo o montante máximo de 119.627,30€, a favor da Caixa ..., S.A., a onerar a fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial ..., pela freguesia de ..., sob o n º ....
11- Pela Ap. 4445 de 2009/02/26, foi registada uma hipoteca voluntária, garantindo o montante máximo de 105.553,50€, a favor da Caixa ..., S.A., a onerar a fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial ..., pela freguesia de ..., sob o n º ....
12- Pela Anotação – OF de 2009/02/26, foi anotada a caducidade da hipoteca voluntária referente à Ap. 8 de 2005/04/12, a onerar a fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial ..., pela freguesia de ..., sob o n º ....
13- Pela Anotação – OF de 2009/02/26, foi anotada a caducidade da hipoteca voluntária referente à Ap. 8 de 2005/04/12, a onerar a fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial ..., pela freguesia de ..., sob o n º ....
14- Pela Anotação – OF de 2009/02/26, foi anotada a caducidade da aquisição referente à Ap. 9 de 2008/05/02, a onerar a fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial ..., pela freguesia de ..., sob o n º ....
15- Pela Ap. 2359 de 2011/09/12, foi registada uma penhora, garantindo a quantia exequenda de 18.640,34€, a favor da Fazenda Nacional, a onerar a fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial ..., pela freguesia de ..., sob o n º ....
16- Pela Ap. 1795 de 2013/11/08, foi registada a aquisição, por compra em execução, a favor da Caixa ..., S.A., da fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial ..., pela freguesia de ..., sob o n º ....
17- Em inícios de 2008 os autores foram informados pela ré de que C. R. e F. M. tinham várias prestações dos empréstimos referidos em 1 e 2 em atraso.
18- Em 5 de Maio de 2008 os autores pediram à ré a repartição do valor que então se encontrava em dívida, referente aos empréstimos mencionados em 1 e 2, por prestações mensais, a pagar juntamente com as prestações que se fossem vencendo, situação esta que se manteria até à venda do imóvel identificado em 1 e 2.
19- Esse pedido de pagamento em prestações mensais foi aceite pela ré, que fixou o valor de cada prestação mensal em 1.800,00€, englobando as prestações que se fossem vencendo e a recuperação das prestações atrasadas.
20- Em cumprimento de tal acordo, os autores pagaram à ré 5 prestações, no valor de 1.800,00€ cada uma, nas seguintes datas:
14 de Maio de 2008 (1ª prestação);
16 de Junho de 2008 (2ª prestação);
14 de Julho de 2008 (3ª prestação);
14 de Agosto de 2008 (4ª prestação);
12 de Setembro de 2008 (5ª prestação).
21- Em Novembro de 2008 os autores informaram a ré de que haviam cessado de proceder ao pagamento das atrás referidas prestações mensais de 1.800,00€ cada uma, invocando para tanto o divórcio litigioso do casal ‘mutuário’ e a recusa do Sr. C. R. em fazer a escritura do imóvel para que a venda pudesse ser efectuada, mais solicitando à ré que desencadeasse o respectivo processo de execução de dívida.
22- No dia 5 de Fevereiro de 2009 os autores entregaram em mão à ré uma carta solicitando que o pagamento prestacional atrás referido fosse retomado, o que foi aceite pela autora.
23- Tendo os autores procedido, na sequência de tal retoma, em 6 de Fevereiro de 2009, ao pagamento de mais uma prestação de 1.800,00€.
24- Fruto de diligências que desenvolveram, os autores encontraram um interessado na compra do imóvel supra identificado em 1 e 2;
25- Que se desinteressou pela sua compra, quando soube que sobre ele pendia o registo de uma penhora.
26- Então, com a data de 14/04/2009, os autores endereçaram uma carta à ré, em que diziam ter constatado então que: a ré, apesar de ter outorgado as escrituras no dia 15/07/2005, de terem sido efectuados os registos provisórios em 12/04/2005, apenas efectuou os registos das hipotecas em 26/02/2009; a actuação da ré revelava uma negligência grosseira, deixando caducar os registos provisórios, não os convertendo em tempo útil; apenas se constituíram fiadores porque existiam hipotecas a favor da ré, para garantia dos empréstimos; quando a ré comunicou que havia pagamentos em atraso resultantes dos empréstimos, os fiadores efectuaram pagamentos sempre no pressuposto de que estavam assegurados pelas hipotecas, mas estranhamente não estavam, bem sabendo a ré que o registo da hipoteca é constitutivo; no longo espaço temporal que mediou entre a celebração das escrituras de hipotecas – 14/07/2005 – e o registo – 26/02/2009 – foi penhorada em 12/03/2008, a fracção que fora dada em hipoteca; a penhora em questão, anterior ao registo das hipotecas, impediu que fosse transaccionada a fracção e pagos os empréstimos, a fim de evitar o recurso à via judicial; solicitavam que fossem repetidos aos fiadores os pagamentos efectuados por eles, bem como deixassem de figurar como fiadores nos mútuos.
27- Os autores, para poderem aportar capital à sociedade X – Florestal, Turismo, Aviação, Lda., sociedade da qual o autor era, e continua a ser, o sócio principal – detendo no capital social de 49.879,79€ de tal sociedade, uma quota de capital de 44.891,81€ –, mas também o único gerente, solicitou um financiamento bancário, no montante de 1.500.000,00€, ao Banco A, S.A..
28- Financiamento este que foi aprovado por aquela instituição de crédito.
29- Porém, poucos dias depois, o autor recebeu uma chamada telefónica do Banco A S.A., a informar que a operação de crédito atrás mencionada, em virtude de os autores constarem no Banco de Portugal como tendo créditos que se encontravam já vencidos, e que não tinham ainda sido pagos/regularizados, não podiam, enquanto essa situação se mantivesse, concretizar o empréstimo dos 1.500.000,00€.
30- Tendo os A.A. constatado, então, que assim era, e que isso sucedia em virtude de tal informação ter sido transmitida pela R. ao Banco de Portugal, reportando-se tal informação aos acordos referidos supra em 1 e 2.
31- Também por essa razão goraram-se outras tentativas que os autores realizaram para obtenção de crédito junto de outras instituições financeiras.
32- Não tendo os autores, carecidos de liquidez que lhes permitisse alocá-la à actividade da sociedade X – Florestal, Turismo, Aviação, Lda., encontrado outra solução que não fosse a de celebrarem a escritura pública referida em 33.
33- Por escritura de compra e venda, renúncia de hipoteca e hipoteca, realizada em 02/11/2009, no Cartório Notarial de …, sito à Rua …, n º …, salas B, C e D, o aqui autor, por si e na qualidade de procurador da autora, e ainda na qualidade de gerente da X-Florestal, Turismo, Aviação, Lda., declarou nomeadamente que pela escritura em causa, em nome da referida sociedade, pelo preço de 36.335,00€, vendia à Quinta ... - Sociedade Agro Turística, Lda., o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n º …, daquela freguesia; e que, por si e em representação da sua esposa, pelo preço global de 1.563.665,00€, vendia à mesma sociedade Quinta ... - Sociedade Agro Turística, Lda., os seguintes três prédios: o prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n º …; o prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n º …; e o prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n º …;
J. S. e G. C., na qualidade de sócios e gerentes da sociedade Quinta de … - Sociedade Agro Turística, Lda., declararam aceitarem para a sua representada as referidas transmissões;
Por sua vez, E. R., em nome e representação da Y Imobiliária, S.A., declarou que, em 14/08/2007, o aqui autor e esposa haviam celebrado com a sociedade sua representada um contrato promessa de compra e venda no qual, para garantia das obrigações ali assumidas, o aqui autor e esposa hipotecaram a favor da sociedade promitente compradora os imóveis identificados no penúltimo parágrafo supra, hipoteca registada pela inscrição Ap. 7 de 2007/08/16, e que, pela escritura em questão, declarava ter a sociedade por si representada, revogado o referido contrato promessa, por documento particular, declarando autorizar o cancelamento de tal hipoteca.
34- O valor real global dos três prédios sitos na freguesia de ..., Concelho de ..., identificados em 33, em 02/11/2009, era de cerca de 2.333.960,00€.
35- A venda referida em 33, foi efectuada por um valor inferior ao referido em 34, devido à urgência que os autores tinham em fazer a venda, por causa da falta de liquidez financeira que tinham.
36- Os autores continuaram, e continuam, a constar da lista do Banco de Portugal como tendo responsabilidades em atraso para com a ré.
37- O que continuou, e continua, a impossibilitar que os autores, e a dificultar que a sociedade X – Florestal, Turismo, Aviação, Lda., obtenham crédito bancário.
38- Impedindo também que os autores efectuem pagamento através de cheques, bem como de cartões de crédito, pois que uns e outros lhes não são fornecidos pelas instituições bancárias.
39- Por força da situação descrita os autores têm dificuldade em dormir, sofrem de ansiedade, angústia e depressão.
40- Em 12/02/2009 a ré foi citada para reclamar créditos no âmbito da execução n º 1774/06.0TBVRL instaurada pelo Banco ... Crédito - Instituição Financeira de Crédito, S.A.
41- A ré reclamou naqueles autos o crédito emergente dos acordos referidos supra em 1 e 2, liquidando-o, em 17/02/2009, no valor de 172.996,49€.
42- Por sentença proferida a 18/06/2009 (2) naqueles autos, o crédito reclamado pela ré foi verificado, reconhecido e graduado em primeiro lugar, para pagamento através do produto da venda da fracção identificada supra em 1 e 2.
43- No âmbito daquela execução, a ré apresentou proposta de aquisição da fracção, tendo a sua proposta, no valor de 116.000,00€, sido aceite e posteriormente formalizada a venda mediante escritura de 08/11/2013.

Foram julgados não provados os seguintes factos:
1- O facto de a ré não ter procedido à conversão dos registos provisórios das hipotecas de 12/04/2005 em definitivos possibilitou a penhora do imóvel por parte do Banco ... Crédito – Instituição de Crédito, S.A., em 12/03/2008.
2- Os autores foram informados pela ré de que caso continuasse o atraso de C. R. e F. M. no cumprimento das suas obrigações emergentes do acordo mencionado em 1 e 2 dos factos provados, bem como se não fosse regularizada uma dívida de 630,00 euros que C. R. e F. M. tinham para com a ré, proveniente de um cartão de crédito, tudo isso teria que ser comunicado ao Banco de Portugal, comunicação essa que envolveria também os autores.
3- Em 18 de Abril de 2008 os autores procederam ao pagamento à ré dos 630,00€ supra referidos.
4- Os autores acordaram com a ré em venderem o imóvel supra identificado.
5- O interessado na compra do imóvel que os autores encontraram dispunha-se a pagar um preço que seria mais do que suficiente para saldar não só a importância que então se encontrava em dívida à ré mas também aquilo que os autores já tinham pago à ré, e que, com a venda em causa, iriam recuperar totalmente, ainda sobrando algum dinheiro, que reverteria a favor dos ‘mutuários’.
6- No dia 13 de Maio de 2009 os autores propuseram à ré, em alternativa à devolução de todos os montantes que eles autores lhe haviam já pago e à libertação deles da ‘fiança’ em causa, que a ré libertasse o imóvel da penhora que o onerava, pagando ao respectivo credor, o Banco ... S.A., o montante do respectivo crédito de 18.147,48€, o que possibilitaria concretizar a venda do imóvel em questão, e, com o dinheiro de tal venda recebido, pagar à ré a totalidade dos empréstimos em questão.
7 - A ré declinou pagar ao Banco ..., S.A., a referida quantia de 18.147,48€.
8- O que impossibilitou que a venda do imóvel se concretizasse.
9- E, consequentemente, impossibilitou também que a dívida dos ‘mutuários’ para com a ré fosse totalmente paga.
10- O valor real global dos três prédios sitos na freguesia de ..., Concelho de ..., identificados em 33 dos factos provados, em 2009, era de 2.600.000,00€.
11- Os autores têm vergonha em andar pela rua, por saberem que é do conhecimento público que têm débitos por regularizar junto da ré e que não têm acesso a cheques nem a cartões de crédito.
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Fundamentação de direito

A. Da impugnação da matéria de facto deduzida pelos apelantes.

Impugnam os apelantes a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto sustentando que a valorização da prova produzida nos autos impõe se julguem provados os factos que a decisão considerou não demonstrados sob os números 2, 3, 5, 6, 7, 8 e 9.
Acolhe-se a deduzida impugnação no art. 662º do CPC – pretende-se a reapreciação de elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do juiz (art. 607º, nº 5, 1ª parte, do CPC – v. g., declarações de parte, depoimentos testemunhais e documentos sem força probatória plena quanto à matéria em questão) –, tendo cumprido os apelantes os ónus de impugnação prescritos no art. 640º, nº 1 do CPC – especificam os pontos de facto que consideram incorrectamente julgados nas conclusões, indicam o sentido que preconizam para o seu correcto julgamento e identificam os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, enunciando os motivos da sua discordância.
Ademais, em cumprimento do nº 2 do art. 640º do CPC, fundando a discordância em meios probatórios (declarações de parte do autor e depoimentos testemunhais) gravados, indicam com exactidão as passagens das gravações que fundamentam a sua posição.
Impõe-se, assim, a este tribunal apreciar da impugnação da decisão da matéria de facto, com tais fundamentos, ainda que importe esclarecer que não se mostra necessário apreciar da impugnação da matéria de facto em toda a amplitude pretendida pelos apelantes, pois que deve esta Relação abster-se de apreciar e conhecer da impugnação quanto aos factos elencados nos números 2º e 3º dos factos não provados.
A Relação deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente operar no leque de factos provados ou não provados (3).
O recurso da sentença destina-se a possibilitar à parte vencida obter decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido no que concerne ao mérito da causa, estando a impugnação da matéria de facto teleologicamente ordenada a permitir que a parte recorrente possa obter, na sua procedência, a alteração da decisão de mérito proferida na sentença recorrida. Propósito funcional da impugnação da decisão da matéria de facto que circunscreve a sua justificação às situações em que os factos impugnados possam ter interferência na solução do caso, ou seja, aos casos em que a solução do pleito esteja dependente da modificação que o recorrente pretende ver introduzida nos factos a considerar na decisão a proferir.
Se a matéria impugnada pelo recorrente não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia à sorte da acção, de acordo com o direito aplicável (considerando as várias soluções plausíveis da questão de direito (4)), não deverá a Relação sequer conhecer da pretendida alteração, sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril.
Tal é, precisamente, o que ocorre no caso dos autos relativamente à matéria objectos dos números 2 e 3 da factualidade não provada.
Tal factualidade concerne, exclusivamente, à pretensão de devolução de montantes entregues pelos autores à ré (devolução da importância de 11.430,00€, acrescida de juros), pretensão assente (essa a causa de pedir invocada e que delimita os poderes cognitivos do tribunal) na desoneração/liberação das fianças que assumiram – tendo outorgado, na qualidade aí assumida de fiadores dos mutuários, duas escrituras de mútuo com hipoteca e fiança nas quais a ré se vinculou como mutuante, sustentam que perante o incumprimento dos mutuários entregaram à ré a quantia global de 11.430,00€, dos quais 630,00€ concernentes a responsabilidades que os mutuários tinham para com a ré relativas a um cartão de crédito (por isso não garantidas pela fiança pelos autores apelantes prestada).
Porque sustentam o seu invocado direito à repetição do indevido na liberação ou desoneração da fiança prestada (à luz do art. 653º do CC), apurar se os autores pagaram também à ré, juntamente com os montantes relativos ao mútuo que afiançaram, outros valores a tal contrato alheios, é matéria despicienda à boa decisão da causa – tais montantes, a terem sido entregues, não o foram em cumprimento da fiança prestada, não estando incluídos no direito à repetição do indevido que os autores apelantes exercem na presente acção em razão da invocada desoneração da obrigação.
Dito de outra forma – o reflexo da procedência da pretensão de liberação/desoneração da obrigação que assumiram ao prestar fiança apenas se repercute nos valores entregues em cumprimento dessa obrigação, não noutros valores que também tenham entregue. Terem ou não os autores apelantes entregue (pago) também à ré a quantia de 630,00€ para solver responsabilidades dos terceiros que não haviam garantido pelas fianças prestadas, é matéria irrelevante e indiferente à decisão da causa, considerando qualquer solução plausível da solução de direito, face ao objecto da lide (ponderando a causa de pedir invocada) – tal eventual pagamento (não concernente à obrigação garantida pela fiança) é alheio e indiferente à sorte da acção e, por isso, também da apelação, pois que caso proceda a pretensão dos autores relativamente à desoneração da fiança sempre a restituição do indevido estará circunscrita (essa a sua medida) aos montantes entregues a coberto da garantia pessoal prestada (da fiança).
A manifesta improcedência da pretensão – da restituição do valor de 630,00€ –, ponderando a causa de pedir invocada pelos autores apelantes, evidencia a irrelevância da matéria factual em questão.
Constitui, pois, a constante nos números 2 e 3 dos factos não provados, matéria irrelevante, tendo esta Relação de abster-se de conhecer da impugnação que a tem por objecto.
Outrossim se considera dever apreciar da impugnação deduzida quanto à demais matéria (factos não provados sob os números 5º a 9º) – ainda que se trate de matéria que não releva à questão da desoneração/liberação da fiança (à extinção da fiança por impossibilidade de sub-rogação), sempre relevará (à luz de solução jurídica não liminarmente descartável) enquanto matéria susceptível de demonstrar que a obrigação afiançada não foi cumprida por facto também imputável a actuação de ré (isto é, que a situação de incumprimento dos autores, comunicada ao Banco de Portugal, é também imputável à ré).
Quando convocada a reapreciar a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto alicerçada em elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do juiz (art. 607º, nº 5, 1ª parte, do CPC), tem a Relação, ‘assumindo-se como verdadeiro tribunal de instância’, de expressar a partir deles a sua convicção com total autonomia, devendo reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado (confirmando a decisão, decidindo em sentido oposto, ou, num plano intermédio, alterando a decisão no sentido restritivo ou explicativo) (5) – reapreciação que não pode confundir-se com um ‘novo julgamento’ (6).
A reapreciação da matéria de facto pela Relação, no âmbito da previsão dos artigos 662º, nº 1 e 640º, nº 1 do CPC, importa a reponderação dos elementos probatórios produzidos nos autos, averiguando se permitem afirmar, de forma racionalmente fundada, a veracidade da realidade alegada quando o facto tenha sido julgado não provado (ou o inverso, quando o facto tenha sido julgado provado pela primeira instância).
Nesta actividade, os poderes do Tribunal da Relação não podem ser restritivamente circunscritos à simples apreciação do juízo valorativo efectuado pelo julgador a quo, ou seja, ao apuramento da razoabilidade da convicção formada pelo juiz da primeira instância face aos elementos probatórios disponíveis no processo, devendo antes a Relação, fazendo jus aos poderes que lhe são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, efectuar uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de formar uma convicção autónoma), alterando a decisão caso adquira, face a essa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder, uma diversa convicção (7).
Apreciação que se não confunde ou resume a certificar o declarado pelas partes ou testemunhas ou o teor de determinado elemento probatório – através da análise crítica dos elemetos probatórios (em ordem à justificação racional da decisão – elemento verdadeiramente estruturante e legitimador desta, que lhe confere a natureza de decisão, afastando-a do que seria uma simples imposição judicial) aprecia-se tanto da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios (da consistência, coerência e verosimilhança de cada um dos referidos elementos, tomado individualmente) como a sua valia extrínseca (da conjugação e compatibilidade entre todos eles).
Trata-se de um processo de análise de todos os elementos probatórios cujo produto final há-de ser o resultado da sua valorização e compatibilização lógica e racional – na sua apreciação e valorização, tanto individual como conjugada (na sua relacionação reversiva), na sua sujeição a mútuos testes de compatibilidade, à luz das regras da normalidade, da verosimilhança, do bom senso e experiência da vida (das leis da ciência, quando for o caso).
As provas (art. 342º do CC) têm por função a demonstração da realidade dos factos. Através delas não se busca criar no espírito do julgador a certeza absoluta da realidade dos ‘factos’ – ‘se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça’ (8) –, mas antes produzir o que para a justiça é imprescindível e suficiente – um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso e às regras da experiência da vida.
A prova como demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto ‘não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)’ (9).
Estes considerandos conduzirão o tribunal na reapreciação da matéria impugnada.
Em questão apurar se deve considerar-se provado que os autores encontraram interessado na compra do imóvel hipotecado, disposto a pagar preço suficiente para saldar a importância então em dívida à ré como ainda a saldar as prestações pagas pelos autores à ré e o valor das obras por estes custeadas e se tal negócio se frustrou por o interessado ter desistido em razão da existência da penhora registada sobre a fracção promovida por outro credor dos mutuários e se a ré se recusou, para que tal venda fosse realizada, a satisfazer esse crédito garantido pela penhora.
A prova a propósito produzida em julgamento (a cuja audição integral se procedeu) trouxe as contribuições que se destacam – excluídas as manifestamente irrelevantes (os esclarecimentos prestados em audiência pelo perito P. F. e depoimentos das testemunhas A. M. e J. L. incidiram, exclusivamente, sobre a matéria atinente ao valor real dos imóveis alienados pelos autores – matéria dos factos provados com os números 34 e 35 –; as testemunhas J. P., engenheiro florestal, amigo dos autores e funcionário de empresa destes e J. T., gerente bancário do Banco A, não se referiram, nos seus depoimentos, à matéria impugnada):
- A. R., amigo dos autores (chefe da PSP em Vila Real – a sua razão de ciência assenta na relação de amizade e no que lhe foi revelado pelo autor), afirmou ter tomado conhecimento de que os autores se assumiram como fiadores da irmã e cunhado do autor em contrato de mútuo hipotecário que estes mutuários viriam a deixar de cumprir; referiu que os autores passaram a pagar as prestações e compuseram o imóvel que tinha ficado vazio para o venderem e com o produto da venda solverem a dívida à ré; que apareceu comprador, mas o negócio viria a ficar sem efeito – o cunhado do autor tinha deixado de cumprir obrigações que entretanto também contraíra junto do Banco ..., que procedeu à penhora do imóvel, e quando o autor tratou das certidões necessárias à celebração da escritura, o comprador desinteressou-se porque havia responsabilidades a tratar com dois bancos; não sabendo precisar o preço acordado com o comprador (que pretendia adquirir o apartamento para um filho), afirmou ter-lhe sido referido que o valor seria suficiente para saldar a dívida (ainda que fossem dados por perdidos os valores já pagos à ré e os montantes despendidos nas obras); que houve outros interessados (pelo menos mais dois) na compra do apartamento, mas os mesmos desinteressavam-se quando se apercebiam que estava hipotecado à ré (‘quando se falava na hipoteca à Caixa, torciam o nariz’, ainda que verdadeiramente pretendessem era adquirir por preço inferior);
- P. L., gerente bancário do Banco A, referiu ter lidado com o autor, seu conhecido, tomando por ele conhecimento da questão que o mesmo tinha com a ré (empréstimo por ele solicitado ao Banco A não veio a concretizar-se por o incumprimento dos autores junto da ré ter sido comunicado ao Banco de Portugal – averiguou e confirmou ter sido feita a comunicação de incumprimento ao Banco de Portugal); aconselhou-o a entrar em entendimento com a ré, ao que o autor lhe retorquiu que o tentara fazer – que pagaria à ré e ficaria com o bem, mas a ré não tinha registado a hipoteca e tinha sido registada penhora sobre o imóvel com base noutra dívida;
- M. T., funcionária da ré na agência onde foi realizada a operação (o mútuo em que os autores intervieram como fiadores – não tendo tratado do processo, regressou à agência 2016 como gerente, tendo consultado o processo existente na agência), referiu que o incumprimento se verificou meses após a outorga do contrato; não tem conhecimento (nem nada consta no processo existente na agência da Caixa ...) sobre proposta de regularização (mormente dos fiadores) consistente na alienação do imóvel dado de hipoteca a terceiros; o imóvel veio a ser adquirido pela Caixa ... em processo executivo;
- A. A., gerente da Caixa ... em Vila Real ao tempo da realização da operação e também da verificação do incumprimento, entretanto reformado; referiu que constatado o incumprimento os fiadores falaram consigo, nunca tendo sido feita qualquer proposta de o apartamento ser alienado e a ré ser paga (nunca foi informado ou consultado sobre a hipótese – apresentação de comprador para a casa, com o produto da venda a destinar-se a solver o crédito); não deixando de referir o tempo já decorrido, afirmou não ter memória duma tal proposta, sabendo que a situação foi enviada para o contencioso (o que só fazia quando esgotava todas as possibilidades de solucionar a questão);
- o autor, em declarações de parte, afirmou levada a cabo obras de milhares de euros no apartamento hipotecado à ré em vista de proceder à sua venda e liquidar as responsabilidades à ré e, tendo conseguido comprador para o mesmo, este desistiu do negócio em razão dos ónus que sobre ele impendiam.

Na análise crítica destes elementos probatórios (à luz das regras da normalidade e da experiência da vida, da lógica e da racionalidade) importa ponderar os seguintes aspectos:

- os funcionários da ré (a M. T. e o A. A.) negaram a existência de qualquer acordo com os devedores (mutuários e fiadores, estes agora autores) em vista da regularização do crédito em incumprimento através da venda do imóvel (com entrega do produto da venda para liquidação da dívida). Há-de reconhecer-se que um tal acordo, a existir, seria apto a satisfazer o interesse da ré, credora, pois que veria o seu crédito saldado, não existindo razões lógicas para que um tal acordo (proposta de resolução do incumprimento) fosse pelas testemunhas da ré negado;
- nem o autor nem as testemunhas que referiram a existência de interessado na compra do apartamento aludiram ao valor acordado para o afirmado negócio – tendo referido que o negócio atingira fase adiantada (mencionaram mesmo a recolha de certidões registrais para a realização da escritura), certamente que o preço teria de estar definido e acordado. Acresce que o autor não se referiu à suficiência do valor acordado para a venda para solver a dívida à ré (e liquidar as obras cujo custo suportara e bem assim as prestações que já pagara), tendo por sua vez a testemunha A. R. referido que o valor em questão seria tão só suficiente para liquidar o crédito da ré então em dívida (mas não o valor da obras realizadas e os valores entretanto pagos pelos autores à ré);
- nas suas declarações de parte o autor aludiu tão só a um interessado na compra do imóvel, tendo por sua vez a testemunha A. R. (cuja razão de ciência assentava no que o autor lhe revelava) mencionado a existência de outros (pelo menos mais dois);
- ainda que fosse de reconhecer resultar líquido das declarações de parte do autor que o comprador que encontrou se desinteressou do negócio em razão do prédio estar penhorado (o que não pode conceder-se sem reservas, pois que o autor referiu é que o comprador se desinteressou em razão dos ónus que impendiam sobre o bem – e até Fevereiro de 2009, além duma penhora inscrita nas tábuas do registo a favor do Banco ..., constavam inscritas uma hipoteca a favor do Banco ... e duas hipotecas provisórias a favor da ré, sendo certo que a hipoteca a favor do Banco ... só viria a ser cancelada por averbamento de 26/02/2009, quando registadas definitivamente as hipotecas a favor da Caixa ... e anotada a caducidade das hipotecas provisórias a favor dela, como resulta da certidão predial de fls. 66 e seguintes e consta do factos provados números 4 a 13), sempre haveria que equacionar que a testemunha A. R. referiu que o comprador se desinteressara por haver que tratar da responsabilidade com vários bancos (tendo ainda acrescentado que os outros potenciais compradores manifestavam desinteresse quando se apercebiam que o imóvel estava hipotecado à ré – ainda que a testemunha entendesse que o verdadeiro motivo do desinteresse fosse a circunstância de quererem adquirir por preço inferior).
Constatação linear que se retira da conjugação destes elementos é a de que deles não resulta, com o grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso e regras da experiência da vida, que:
- tivessem os autores encontrado interessado na compra do bem por valor suficiente para i) liquidar integralmente o valor então em dívida à ré e ainda ii) saldar o valor das obras e iii) os valores já pagos pelos autores à ré (facto não provado 5). Nenhuma das testemunhas o referiu (e nenhum outro elemento probatório foi a propósito produzido, mormente documental), tão pouco o autor em declarações de parte, sendo certo até que a testemunha A. R. afirmou que o valor seria tão só suficiente para liquidar o crédito da ré então em dívida (mas não o valor da obras realizadas e os valores entretanto pagos pelos autores à ré);
- fosse séria a intenção de compra de tal(is) potencial(is) interessado(s), ponderando o depoimento da testemunha A. R., que referiu a existência de vários interessados, que manifestavam desinteresse argumentando com o facto do bem estar onerado (estar hipotecado), sendo certo que a verdadeira razão para não avançarem no negócio seria porque entendiam que o preço era alto,
- o(s) potencial(is) adquirente do bem se tenha(m) desinteressado do negócio em razão da penhora que sobre ele impendia – se tal não é líquido sequer das declarações de parte do autor, resulta mesmo afastado considerando o depoimento da testemunha A. R. (a razão aventada pelos interessados eram os ónus que impendiam sobre o bem, mormente hipotecas, ainda que a verdadeira razão, segundo crê, fosse o preço pedido).
Ponderação e valorização dos elementos probatórios que permite concluir pelo acerto da decisão recorrida ao considerar não provada a matéria dos números 5 a 9 dos factos não provados.
Improcede, pois, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

B. Da liberação dos apelantes fiadores, à luz do artigo 653º do CC (e, consequentemente, o direito dos apelados a reaver da apelada os montantes entregues e bem assim a exigirem a comunicação ao Banco de Portugal da inexistência de responsabilidades creditícias em mora).
Tendo-se aos autores constituído como fiadores dos mutuários num contrato de mútuo com hipoteca em que a ré interveio como mutuante, pretendem (essa a primeira pretensão formulada no inicial petitório) a desoneração da obrigação contraída, sustentando que por facto imputável à credora, ré, não podem (puderam) sub-rogar-se nos direitos que a ela (credora) competiam.
Na versão argumentativa sustentada na presente acção pelos autores (mantida na apelação), o facto da ré não ter promovido o registo definitivo das hipotecas que garantiam o crédito (deixando caducar o seu registo provisório) antes de ser registada, a favor de terceiro, uma penhora, enquadra-se na previsão normativa do art. 653º do CC.
A decisão recorrida concluiu pela improcedência da pretensão considerando não ter existido definitiva perda da garantia patrimonial hipotecária – a qualquer momento poderia a ré proceder ao registo das hipotecas, como acabou por fazer, não tendo ocorrido qualquer perda da garantia hipotecária, que veio a ser exercida em execução onde o crédito hipotecário foi julgado verificado e graduado em primeiro lugar para ser pago pelo produto da alienação do bem, tendo o bem sido adjudicado à ré, para satisfação (parcial) do crédito.
A questão trazida em recurso consiste em apurar se o singelo facto do não registo da hipoteca por parte do credor, sem que tal facto tenha tido qualquer repercussão na possibilidade de satisfação do crédito (pois a utilidade da garantia hipotecária veio a demonstrar-se e objectivar-se – a garantia hipotecária viria a ser eficiente e procedentemente exercida), basta à aplicação do art. 653º do CC (se tal singelo facto faz nascer na esfera jurídica do fiador o direito potestativo à desoneração da obrigação).
Evidente a improcedência da pretensão dos autores apelantes (e, por isso, também deste segmento da apelação).
Um dos casos legalmente previstos de extinção da fiança ligados ao comportamento do credor (os casos previstos no art. 652º do CC não interessam à economia da acção) está estabelecido no art. 653º do CC – na eventualidade de os fiadores, ainda que solidários, não poderem ficar sub-rogados nos direitos que competem ao credor (assim, p. ex., no que toca às garantias reais), por facto positivo ou negativo deste, ficam desonerados da obrigação (se puderem apenas ficar parcialmente sub-rogados nos direitos do credor, então, não haverá extinção da fiança, mas somente a sua redução) (10).
Cumprindo a obrigação, fica o fiador sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes forem satisfeitos (art. 644º do CC). Por força da sub-rogação, o fiador adquire os direitos associados ao crédito (os direitos reais de garantia ou garantias reais que acompanham a obrigação, garantindo o seu cumprimento) de que o credor dispunha contra o devedor – o ‘crédito transfere-se para ele, com todas as garantias e acessórios (cfr. arts. 582º, aplicável por força do art. 594º e 593º)’ e se houver, ao ‘lado da fiança, hipotecas ou penhores para garantia da mesma dívida, com a titularidade do crédito transmite-se para o fiador a titularidade dessas garantias’ (11).
Causa de liberação que tem por pressuposto base o de não poder o fiador ficar sub-rogado nos direitos do credor (12), o benefitium cedendarum actionum (art. 653º do CC) exige a verificação de nexo de causalidade entre o facto do credor e o efeito do fiador não pode ficar eficientemente sub-rogado nos direitos daquele – por um lado, terá de tratar-se de direitos que, em caso de cumprimento pelo fiador, se lhe transmitiriam por sub-rogação; por outro, a medida de funcionamento do nexo de causalidade marca a medida da liberação (como resulta expressamente do preceito – art. 653º do CC – e decorre da lógica do benefitium, não fazendo sentido que o fiador se possa libertar pela totalidade quando o direito inutilizado pelo credor e que se ‘destinaria’ à sua esfera jurídica corresponde apenas a uma parte da dívida fidejussória) (13).
O preceito pressupõe, pois, para o fiador, a existência dum prejuízo – o facto de não haver sub-rogação em tais direitos associados ao crédito (no art. 653º do CC estão em causa outros direitos que não o de crédito tout court; outros direitos que ao direito de crédito objecto da sub-rogação estão associados, por força da lei ou da vontade das partes (14)) em consequência de acção ou omissão imputável ao credor (independentemente de culpa – deve considerar-se ser ‘razoável que o credor perca a vantagem da fiança na medida em que a perda do direito lhe seja imputável’ (15)). Interessam tão só os casos (só neles se poderá equacionar a aplicabilidade da solução legal plasmada no preceito) em que a sub-rogação seria eficiente sob o prisma da satisfação do crédito – se o credor renuncia a uma hipoteca da qual não retiraria nenhum benefício, atentas as anteriores hipotecas registadas em benefício doutros credores, a liberação do fiador à luz do preceito não é equacionável (a utilidade das garantias tem de estar demonstrada) (16).
Pacífico que no regime do art. 653º do CC se enquadram os casos de garantias associadas ao crédito, como são as hipotecas (os penhores, os privilégios e as fianças) (17) e, por isso, que a inacção ou atraso do credor no registo da hipoteca se insere directamente no benefitium cedendarum actionum (que é dizer, na previsão legal), uma vez que, por virtude dessa inacção, o fiador fique desprovido da garantia hipotecária ou com tal garantia inutilizada (18). Se o credor é ‘o responsável pela «perda» dos direitos que lhe assistem, é razoável que o fiador se possa desonerar da obrigação assumida, uma vez que se vier a cumprir, já não vai dispor dos meios necessários para obter do afiançado o que despendeu, uma vez que, por culpa do credor, se perderam os direitos em que deveria ficar sub-rogado’ (19).
Para que se considere a aplicabilidade do preceito, não basta que o credor não proceda ao registo da hipoteca (e deixe até caducar o registo provisório dela efectuado), sendo necessário que essa falta de registo determine prejuízo para o fiador – que daí resulte ficar o fiador desprovido da garantia que a hipoteca constituía (desse direito associado ao crédito).
Hipótese inquestionavelmente enquadrável no preceito a do credor não proceder ao registo da hipoteca sendo o imóvel alienado pelo devedor, fazendo-se registo dessa transmissão (20) – caso em que relevará a omissão do credor pois se verificará prejuízo para o fiador (deixará de poder sub-rogar-se num direito hipotecário associado ao direito de crédito tout court), sendo razoável numa tal situação a extinção da fiança (ou seja, a perda, pelo credor, da vantagem da fiança, por lhe ser imputável a perda do direito real de garantia em que a hipoteca se traduz e de que o fiador se vê privado). A saída do bem do património do devedor para um terceiro, que adquiriu e registou a aquisição (com isso a dotando de eficácia para com terceiros, mormente credores do devedor alienante), importa para o fiador a perda da garantia – prejuízo com causa adequada na omissão do credor, que não fez registar a hipoteca.
Perda da garantia (ou da utilidade da garantia) que também ocorrerá se o credor não regista a hipoteca e o imóvel vem a ser objecto de outras hipotecas, levadas às tábuas do registo – e cujo exercício consuma o produto da venda na satisfação dos créditos por elas garantidos. Também em tais casos é evidente o prejuízo (seja ele total ou parcial).
Situação que no caso dos autos não ocorre – melhor, no caso dos autos, o prejuízo pressuposto básico para a aplicação do preceito não se verifica, pois que o bem sobre o qual incidia a garantia hipotecária só veio a sair do património do devedor no âmbito de execução na qual as hipotecas que garantiam o crédito afiançado foram exercidas e actuadas pela credora (vejam-se os factos provados números 10, 11, 16, 40, 41 42 e 43 da fundamentação de facto).
A garantia hipotecária de que gozava o crédito afiançado pelos autores não se perdeu – nunca se extinguiu ou perdeu eficácia tal garantia, tendo-a o credor (a aqui ré) utilizado para satisfazer o seu crédito (ainda que parcialmente – como decorre dos factos provados número 41 e 43, o crédito ascendia em 2009 ao valor de 172.996,49€, tendo o credor adquirido o bem pelo valor de 116.000,00€, nessa medida satisfazendo o seu crédito e extinguindo, parcialmente, a obrigação).
A obrigação que os autores afiançaram deixou de dispor da garantia real não porque o credor a perdeu (designadamente por ter atrasado o acto de a levar às tábuas do registo), antes porque a utilizou (exerceu-a) em vista da sua satisfação (ainda que parcial).
O atraso no registo da hipoteca não teve, no caso, efeitos práticos – apesar de o não ter feito nos meses que se seguiram à outorga do contrato de mútuo com hipoteca e fiança, deixando mesmo caducar os registos provisórios que havia promovido (vejam-se os factos provados com os números 5, 6, 12 e 13), não estava a ré impedida de entretanto proceder ao seu registo (e assim a tornar efectiva, pois que no nosso sistema o registo, no caso da hipoteca, tem efeitos constitutivos (21) – mas a ré dispunha de todos os meios necessários para tanto, não tendo perdido qualquer direito), como veio a fazer, e a tempo de utilizar a garantia em toda a sua plenitude, não tendo decorrido de tal atraso qualquer perda. Efectivamente, tendo entre a outorga do contrato (e dos registos provisórios, entretanto caducados) e o registo definitivo das hipotecas sido registada uma penhora a favor de terceiro, certo é que tal garantia real (tal penhora) entretanto registada (e que garantia um crédito pouco superior a dezoito mil euros) não viria a ter qualquer consequência prática, já que o crédito da ré, garantido pela hipoteca, viria na execução a ser graduado em primeiro lugar.
O direito da ré a constituir a garantia hipotecária (levando-a às tábuas do registo) nunca se perdeu – e por isso, como acessório que acompanhava o crédito, sempre para os fiadores seria transmitido, por sub-rogação, caso cumprissem a obrigação (art. 644º do CC).
Não resultando de tal atraso na promoção do registo da hipoteca (que só com o registo se veio a tornar eficaz) qualquer prejuízo, não há lugar à aplicação do preceito – os fiadores não ficaram desonerados da obrigação, porque da omissão do credor não resultou que o direito real de garantia associado ao crédito afiançado se tenha perdido: ele foi plenamente exercido pela credora para a satisfação (ainda que parcial) do crédito.
Ainda que fosse de concluir – o que se não concede, mas se pondera para efeitos de justificar a decisão – que a liberação do fiador, com base no art. 653º do CC, opera ipso iure, por facto do credor (22), sempre se teria de concluir que a omissão a ele imputável, no caso, não teve como consequência qualquer perda de direitos de que os fiadores ficassem privados – cumprissem eles antes da ré proceder ao registo da hipoteca, adquiririam eles, por sub-rogação, o direito que existia na esfera jurídica da ré associado ao direito de crédito e poderiam então eles, fiadores, promover o registo da hipoteca.
Ainda que pudesse considerar-se que a omissão do registo implicara perda resultante do registo da penhora (em razão da prioridade resultante da anterioridade do registo), não podia reconhecer-se a liberação da obrigação dos fiadores, antes tão só a redução (no exacto valor que resultasse da satisfação do crédito garantido pela penhora) – a impossibilidade de sub-rogação seria, em tal situação, parcial.
Não ocorrem, pois, como afirmado na decisão recorrida, os requisitos e pressupostos para a liberação dos autores, fiadores, por impossibilidade de sub-rogação (art. 653º do CC).
Mantendo-se a fiança, mantém-se a obrigação dos autores – e mantém-se na medida em que não se mostra ainda o crédito integralmente satisfeito pelas entregas que fizeram directamente à ré e pelo exercício por esta feito da garantia hipotecária.
Tal não desoneração tem como consequência imediata não poderem os autores exigir a devolução dos montantes que entregaram à ré para solver o crédito – a obrigação de que eram (são) titulares passivos não se extinguiu (dela não ficaram liberados).
Por outro lado, a existência e manutenção da obrigação, tem como consequência a improcedência da pretensão dos autores de ver comunicado ao Banco de Portugal a inexistência (presente e passada) de responsabilidades creditícias em mora – sendo os autores fiadores de obrigação não cumprida (em mora), tem a ré o dever legal de comunicar o facto ao Banco de Portugal (art. 3º, nº 1 e 2, a) do DL 204/2008, de 14/10 e art. 120º, nº 1 do DL 289/92, de 31/12), ainda que deva comunicar a satisfação da obrigação, quando tal aconteça.

C. Da obrigação de indemnizar com base na comunicação efectuada ao Banco de Portugal por existência de responsabilidades creditícias em mora.
A improcedência desta pretensão é manifesta.
A responsabilidade civil por factos ilícitos (responsabilidade civil extracontratual), enquanto fonte da obrigação de indemnizar, tem na sua base (são seus requisitos) o facto ilícito culposo do agente – a responsabilidade civil extracontratual pressupõe o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Ainda que houvesse de conceder-se que a situação dos autos pudesse enquadrar-se nos quadros da responsabilidade extracontratual (na lesão, culposa, de direitos doutrem – art. 483º do CC), designada e mais especificamente, na previsão do art. 484º do CC, que consagra uma das hipóteses de factos ilícitos especialmente previstas na lei (os factos ofensivos do crédito ou bom nome das pessoas), sempre se teria de concluir, liminarmente, pelo não preenchimento dos pressupostos da responsabilidade (da obrigação de indemnizar) por ter de reconhecer-se a licitude da actuação da ré – ainda que prejudicial aos interesses dos autores, o facto praticado pela ré (comunicação ao Banco de Portugal de que os autores incumpriram e incumprem obrigação, na sua qualidade de fiadores) está justificado, sendo por isso lícito, pois praticado no exercício regular de um dever legal (23) (como acima referido, à luz do art. 3º, nº 1 e 2, a) do DL 204/2008, de 14/10 e art. 120º, nº 1 do DL 289/92, de 31/12).
Arredado, pois – e sendo certo que a situação dos autos não traduz actuação enquadrável no âmbito da responsabilidade por factos lícitos (situações em que a prática de acto lícito constitui o agente, por razões de justiça comutativa ou distributiva, na obrigação de indemnizar o prejuízo sofrido pelo lesado – situações especialmente reguladas, sujeitas ao regime legalmente traçado para cada uma delas, v. g., artigos 339º, 1367º, 1347º, 1348º e 1349º do CC; no âmbito do direito público, as expropriações (24)) –, de forma clara e linear, um dos pressupostos essenciais da responsabilidade civil extracontratual enquanto fonte da obrigação de indemnizar, qual seja a ilicitude – existe causa justificativa do facto praticado pela ré, exclusivo da ilicitude.
Tanto basta para concluir pela improcedência da pretensão dos autores de serem indemnizados por quaisquer danos sofridos com a comunicação efectuada pela ré ao Banco de Portugal por existência de responsabilidades creditícias em mora.

D. Improcedendo a pretensão dos autores, fica prejudicada a apreciação da impugnação da decisão de facto suscitada pela ré (a título subsidiário, para tanto ampliando o objecto do recurso).

E. Referência final a propósito da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (art. 6º, nº 7 do RCP), no que ao recurso respeita.
O nº 7 do art. 6º do RCP foi aditado pela Lei nº 7/2012, de 13/02 para conformar o preceito à Constituição – o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 421/2013, de 15/07/2013 (25), julgou ‘inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º e 18º, nº 2, segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6º e 11º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de Abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título’.
O preceito teve assim em vista levar à lei ordinária a possibilidade do juiz corrigir as manifestas desproporções entre a (parca) complexidade do serviço prestado e o respectivo (elevado) custo (resultante da aplicação de tabelas) (26) – a taxa de justiça assume natureza bilateral ou correspectiva, constituindo contrapartida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo e não estando ‘implicada a exigência duma rigorosa equivalência de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de «uma larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas», é, porém, necessário, que a «causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe»’ (27).
A taxa de justiça para o recurso é, considerando a Tabela I anexa ao Regulamento das Custas Processuais, no que excede o montante de 275.000,00€ e até aos 1.182.508,18€ (valor da causa, correspondente ao do recurso pois esse é montante da sucumbência), acrescida de 1,5 UC por cada 25.000,00€ ou fracção – o que significa (ponderando que o valor da UC é de 102,00€) valor superior a cinco mil e seiscentos euros de taxa de justiça remanescente, a acrescer ao valor da taxa de justiça devida pelo recurso já calculada de 8 UC (valor superior a oitocentos euros).
A complexidade da apelação fica, porém, aquém do que o seu valor pode pressupor – as questões jurídicas suscitadas não ultrapassam a mediania das que quotidianamente são levadas em apelação, tendo-se a impugnação da decisão de facto apresentado também sem dificuldades dignas de registo (a prova gravada fora produzida na primeira instância numa única sessão de julgamento).
Arredada, pois, qualquer especial complexidade, tanto no estrito âmbito jurídico (especificidade no âmbito da ciência jurídica), quanto no âmbito da apreciação da impugnação da decisão de facto, havendo de concluir-se não ter sido ultrapassada (muito menos de modo relevante e significativo) a complexidade comum dos processos – a referência ou padrão de normalidade pressuposto pelo legislador ao definir o montante da taxa de justiça devida.
Deve reconhecer-se que a complexidade do recurso não justifica o valor de taxa de justiça que para o recurso resulta da aplicação da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas Processuais, impondo-se, por isso (princípio da proporcionalidade inerente ao Estado de Direito – art. 2º da CRP), a sua total dispensa para o tornar proporcional (qual devido correspectivo) ao serviço de justiça prestado.

F. Improcede, pois, a apelação, podendo assim sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC - omitindo qualquer alusão aos argumentos circunscritos à apreciação da impugnação da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto):
I- No regime do art. 653º do CC enquadram-se os casos de garantias associadas ao crédito, como são as hipotecas (os penhores, os privilégios e as fianças) e, por isso, que a inacção ou atraso do credor no registo da hipoteca se insere directamente no benefitium cedendarum actionum (que é dizer, na previsão legal), uma vez que, por virtude dessa inacção, o fiador fique desprovido da garantia hipotecária ou com tal garantia inutilizada.
II- Para a aplicabilidade do preceito, não basta que o credor não proceda ao registo da hipoteca (e deixe até caducar o registo provisório dela efectuado), sendo necessário que essa falta de registo determine prejuízo para o fiador – que daí resulte ficar o fiador desprovido da garantia que a hipoteca constituía (desse direito associado ao crédito).
III- Não resultando do atraso na promoção do registo da hipoteca (que só com o registo se veio a tornar eficaz) qualquer prejuízo, não há lugar à aplicação do preceito – os fiadores não ficaram desonerados da obrigação porque a omissão do credor (a ele imputável), no caso, não teve como consequência qualquer perda de direitos de que os fiadores ficassem privados.
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DECISÃO
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Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Decide-se, nos termos do art. 6º, nº 7 do RCP, dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no recurso.
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Guimarães, 8/10/2020
(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)




1. Apelação nº 1243/16.0T8VRL.G1; Relator: João Ramos Lopes; Adjuntos: Jorge Teixeira; José Fernando Cardoso Amaral
2. Por lapso de escrita, fez-se constar na sentença recorrida a data de 18/06/2006. Todavia, a data a alegada, documentalmente comprovada, é a de 18/06/2009 (data de prolação da decisão em questão).
3. Assim, ainda que considerando o anterior regime processual civil, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime (Decreto Lei nº 303/07, de 24/08) – 2ª edição revista e actualizada, p. 298. Os argumentos expendidos mantêm inteira valia à luz do regime processual vigente.
4. Critério que se reporta às soluções aventadas na doutrina e/ou na jurisprudência, ou que, em todo o caso, o juiz tenha como dignas de ser consideradas (como admissíveis a uma discussão séria) - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 188, nota 1. Devem considerar-se como tais as soluções que a doutrina e a jurisprudência adoptem para a questão (designadamente nos casos em que em torno dela se tenham formado duas ou mais correntes) e também aquelas que sejam compreensivelmente defensáveis, considerando a lei e o direito aplicáveis - A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 417 e 418.
5. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, p. 290.
6. Autor e obra citados, p. 300.
7. Defendiam-no a propósito do regime processual anterior ao introduzido pela Lei 41/2013, de 26/07, ao nível da doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, pp. 283 a 286 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 227 (referindo que, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1ª instância, a Relação, se entender, dentro do princípio da livre apreciação da prova, que aqueles elementos impõem uma decisão diferente sobre o ponto impugnado da matéria de facto, alterará a decisão que sobre ele incidiu – a reapreciação da prova pela Relação coincide em amplitude com a da 1ª instância); ao nível da jurisprudência (tirada no âmbito da vigência do anterior regime processual), p. ex., os Acórdãos do STJ de 01/07/2008, de 25/11/2008, de 12/03/2009, de 28/05/2009 e de 01/06/2010, no sítio www.dgsi.pt/jstj. Posição que a doutrina e a jurisprudência vêem mantendo (e veementemente reforçando) quanto ao regime processual vigente – p. ex., na doutrina Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, p. 298 a 303 (máxime 302 e 303) e na jurisprudência os acórdãos do STJ de 8/01/2019 (Ana Paula Boularot) de 25/09/2019 (Ribeiro Cardoso), no sítio www.dgsi.pt/jstj.
8. A. Varela, RLJ, Ano 116, p. 339.
9. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 191.
10. L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 3ª edição, pp. 99/100.
11. Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 3ª edição revista e actualizada, p. 629.
12. Manuel Januário da Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida - Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Almedina, 2000, p. 930.
13. Januário Gomes, obra citada, p. 928.
14. Januário Gomes, obra citada, p. 931.
15. Januário Gomes, obra citada, p. 925.
16. Januário Gomes, obra citada, p. 928 (em nota).
17. Januário Gomes, obra citada, p. 929. No mesmo sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª edição, p. 498.
18. Januário Gomes, obra citada, p. 931.
19. Acórdão da R. Porto de 30/01/2017 (Cura Mariano), no sítio www.dgsi.pt.
20. Januário Gomes, obra citada, p. 925.
21. A eficácia dos factos constitutivos de hipoteca, mesmo entre as próprias partes, depende da realização do registo – art. 4º, nº 2 do Código do Registo Predial.
22. No seguimento de Januário Gomes, obra citada, pp. 936/937, temos também por mais convincentes as razões subjacentes à defesa do funcionamento não automático da liberação do fiador – não há razões de ordem pública que determinem o necessário e automático efeito da liberação em consequência do facto do credor; o facto do credor não surge sempre cristalinamente como idóneo a provocar a liberação; o fiador pode preferir optar por não suscitar a liberação; não existem razões válidas para tratar diversamente, em termos de processo conducente à eventual liberação, o benefitium cedendarum actionum do art. 653º, face ao benefício da liberação do art. 638º, nº 2, em que o fiador, accionado pelo credor, tem de excepcionar a verificação dos pressupostos determinativos da desoneração.
23. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, p. 552.
24. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, p. 717.
25. Disponível no sítio www.tribunalconstitucional.pt.
26. Na vigência do Código das Custas Judiciais, o nº 3 do art. 27 (na redacção introduzida pelo DL 324/20003), também previa a possibilidade, nas causas de valor superior a 250.000,00€, de o juiz, se a especificidade da situação o justificasse, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente.
27. Citado acórdão do Tribunal Constitucional nº 421/2013, de 15/07/2013.