Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
89/13.2TAVRM-A.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
NÃO AUDIÇÃO PRESENCIAL DO CONDENADO
OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO (ARTº 495º
Nº 2
DO CPP)
INEXISTÊNCIA NULIDADE DO ARTº 119
C) DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) A audição presencial do condenado em pena suspensa na sua execução impõe-se não só no caso de incumprimento dos deveres ou das regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social (art. 56º, n.º 1, al. a) do Código Penal), e quer haja ou não apoio e fiscalização desse cumprimento por parte dos serviços de reinserção social, mas também nos caso de cometimento de crime no decurso da suspensão (art. 56º, n.º 1, al. b) do Código Penal), pois em todas essas situações se justifica dar ao condenado a oportunidade de ser ouvido, do ponto de vista dos seus direitos de defesa.

II) A preterição dessa audição prévia do condenado consubstancia uma nulidade insanável, por ausência do arguido em caso em que a lei exige a respetiva comparência (art. 119º, al. c), do Código de Processo Penal).

III) Porém, se o condenado, notificado para comparecer nos termos e para os efeitos do disposto no art. 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal, faltar à diligência, sem qualquer justificação, e não se mostrar possível a sua audição por razões a si imputáveis, tendo o tribunal envidado todos os esforços necessários para o ouvir presencialmente, o contraditório imposto por aquele artigo tem-se como cumprido com a notificação do defensor para, querendo, se pronunciar sobre a revogação da suspensão da pena.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo comum com intervenção de juiz singular que, com o NUIPC 889/13.2TAVRM, corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Vila Verde, de que os presentes autos constituem apenso, por despacho de 16-04-2018, a Exma. Juíza decidiu, ao abrigo do disposto no art. 56º, n.ºs 1, al. a), e 2, do Código Penal, revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado, Manuel, e, consequentemente, determinar que o mesmo cumpra a pena de oito meses de prisão a que foi condenado no âmbito desses autos.
2. Inconformado, o condenado interpôs o presente recurso, concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição [1]):

«CONCLUSÕES:

- O douto Despacho recorrido não cumpriu o dever de audição presencial do Arguido antes de proferir a Decisão recorrida que, ao declarar revogada a suspensão, determina o cumprimento da pena de prisão fixada na Sentença condenatória;
- Essa audição prevista no Art. 495º do Código de Processo Penal deve ser pessoal e presencial (cfr.: texto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência Nº 6/2010, in DR, Nº 99, Série I de 21.05.2010, e Ac. Rel Lisboa de 30.06.2010 (in: Col. Jur., Ano 2010, Tomo III, p. 140);
- Não se esgotaram sequer as possibilidades de conseguir proceder a essa audição presencial do Arguido/condenado.
- O douto Despacho recorrido enferma de uma nulidade insanável, pois trata-se de um caso em que “a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exige a respetiva comparência” (Cfr.: Art. 119º, alínea c) do C.P.Penal) - devendo tal nulidade - insanável - ser oficiosamente declarada “em qualquer fase do procedimento”;
- Nos termos prescritos no artigo 122º - nº 1 do Código de Processo Penal, torna também insanavelmente nulo o douto Despacho recorrido, proferido ao abrigo do Art. 495º - nº 2 do Código de Processo Penal, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao condenado/Recorrente sem que tenha havido audição presencial prévia daquele;
- O douto Despacho recorrido que revogou a suspensão da execução da pena imposta ao Arguido sem se ter procedido – ou sequer esgotado as possibilidades de proceder - previamente à audição presencial do ora Recorrente/Arguido é pois insanavelmente nulo;
- A Lei – artigo 495º- nº 2 do Código de Processo Penal – exige a audição presencial do Arguido precisamente porque está em causa uma Decisão que afeta particularmente a sua posição, o que exige que lhe seja plenamente assegurado o exercício de todos os direitos inseridos no direito constitucional de defesa, maxime os seus direitos de audiência e ao contraditório plasmados no artigo 32º - nº 5 da Constituição.
- A norma contida conjugadamente no Artigo 495º - nº 2 do Código de Processo Penal e no Artigo 56º - nº 2 do Código Penal de que se fez aplicação, na interpretação acolhida na Decisão recorrida de que é possível proceder à revogação da suspensão da execução da pena de prisão sem a prévia audição pessoal e presencial do Arguido/condenado é inconstitucional – por estar em causa uma Decisão que afeta particularmente a sua posição, o que exige que lhe sejam plenamente assegurados não só as mais amplas garantias de defesa, como o exercício de todos os direitos inseridos no direito constitucional de defesa, maxime os seus direitos de audiência e ao contraditório plasmados no artigo 32º - nº 5 da Constituição.

Foram violados, entre outros, os Artigos 56º - nº 2 C. Penal; 119º, alínea c), 122º - nº 1 e 495º - nº 2 do C.P.Penal e Art. 32º - n º5 da Constituição.

Termos em que, na procedência do recurso, deverá julgar-se verificada a nulidade insanável, decorrente da falta de audição pessoal/presencial do Arguido/Recorrente, conhecendo-se ainda da questão de (in)constitucionalidade suscitada, sendo o douto Despacho recorrido revogado/alterado, na parte relevante, tudo de harmonia com as Conclusões motivatórias, com as legais consequências, seguindo-se os ulteriores termos.»

3. A Exma. Procuradora Adjunta na primeira instância respondeu ao recurso, defendendo que lhe deverá ser negado provimento, mantendo-se a decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões (transcrição):

«1) O tribunal a quo não preteriu quaisquer formalidades essenciais, uma vez que foram designadas quatro datas para a audição presencial do arguido, foram emitidos mandados de detenção contra o mesmo de forma a garantir a sua comparência, tendo sido ainda notificado por duas vezes para, querendo, se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão, bem como na pessoa do seu Ilustre defensor, cumprindo-se assim o princípio do contraditório e salvaguardando-se desta forma as garantias de defesa do arguido, pelo que não foi cometida qualquer nulidade ou sequer irregularidade com a prolação do despacho recorrido.
2) Pelas mesmas razões, ou seja, considerando-se que foi cumprindo o princípio do contraditório e foram salvaguardadas as garantias de defesa do arguido, entende-se que o artigo 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal quando interpretado no sentido de que é possível proceder à revogação da suspensão da execução da pena de prisão sem a prévia audição pessoal e presencial do arguido não enferma de qualquer inconstitucionalidade.
3) A decisão recorrida afigura-se legal e adequada, não merecendo qualquer censura.»
4. Ao abrigo do disposto no art. 414º, n.º 4, do Código de Processo Penal, Mmª. Juíza a quo sustentou o despacho recorrido, alegando que o mesmo se encontra suficientemente fundamentado e que foram efetuadas todas as diligências que estavam ao alcance do tribunal para proceder ao interrogatório judicial do arguido que faltou, sem justificação, às diligências agendadas, razão pela qual também afasta a existência de qualquer inconstitucionalidade na interpretação do art. 495º do Código de Processo Penal ou violação das garantias de defesa do arguido.
5. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, por concordar inteiramente com a posição defendida pelo Ministério Público na instância recorrida, porquanto «(…) verifica-se que o tribunal tudo fez para que, antes de proferir o despacho de revogação da suspensão da pena e ordenar o cumprimento de prisão, o arguido fosse ouvido e fizesse uso do direito ao contraditório que lhe assiste (…). O tribunal não só fez todas as diligências legalmente permitidas para saber o paradeiro e para notificar o arguido, designadamente solicitando informações às polícias, tendo-o mesmo notificado, pelo menos, por duas vezes, para a data designada para ser ouvido sob a possibilidade de a suspensão da pena ser revogada, como procedeu à notificação do seu advogado de todas as diligências marcadas, designadamente do despacho do Ministério Público a promover a revogação da suspensão da pena e das diligências marcadas para a audição do arguido. Este nunca se dignou comparecer e o seu defensor também nada disse.».
6. Dado cumprimento ao disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não respondeu a esse parecer.
7. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência, de acordo com o art. 419º, n.º 3, al. c) do mesmo código.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Sendo o âmbito do recurso definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, no caso vertente, a única questão submetida à nossa apreciação consiste em saber se foi preterido o direito à audição presencial previsto no art. 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal, com a consequente nulidade do despacho recorrido nos termos do art. 119º, al. c), do mesmo código.
2. É do seguinte teor o despacho recorrido (transcrição):
3. «Retifique o auto de folhas 322, passando do mesmo a constar a referência a auto de interrogatório de arguido nos termos do artigo 495.° n.° 2 do Código de Processo Penal.
*
Por sentença transitada em julgado a 1/10/2015 foi o arguido Manuel condenado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, sob condição de o arguido pagar à ofendida V. B. a quantia de 1000 € (mil euros) no prazo de um ano, a comprovar nos autos no mesmo prazo (cf. fls. 186).

Até ao momento, o condenado não comprovou o pagamento da quantia de 1000 € ofendida V. B..

Da informação prestada pelo Banco de Portugal a fls. 295 resulta que o condenado possui duas contas bancárias, uma no Banco …, S.A. e outra na Caixa …, S.A.

Da informação prestada pela Caixa …, S.A. a fls. 301 resulta, por sua vez, que o condenado é titular da conta n.° …, a qual foi aberta a 1/2/2012, registando um período de inatividade entre 28/6/2013 e 13/9/2016. Do extrato bancário junto a fls. 302 e 303 resulta ainda que foram depositados rendimentos do trabalho em 15/11/2016, 15/12/2016, 16/1/2017, 27/1/2017, 15/3/2017, 16/3/2017, 29/3/2017, 7/4/2017, 13/4/2017, 25/4/2017 e 5/10/2017 em valores suficientes para que o condenado procedesse ao pagamento da quantia de 1000 € fixada como condição da suspensão da execução da pena de prisão (cf. ainda, a este respeito, a informação obtida através da base de dados da segurança social de fl. 307).

Resulta ainda das informações de fls. 355 e 358 que o condenado auferiu novamente rendimentos do trabalho entre setembro de 2017 e novembro de 2017 e, por outro lado, que pelo menos em novembro de 2017, se encontrava a trabalhar em Espanha, segundo informação prestada pela sua esposa (cf. 115, 338).

Apesar das diversas tentativas encetadas pelo Tribunal, não se conseguiu proceder à audição presencial do arguido, tendo este faltado a tais diligências (cf. fls. 320, 322, 332, 335, 349 e 352).

O Ministério Público pronunciou-se pugnando pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão, emitindo o parecer de folhas 359 e 360.

Notificado o condenado (conforme entendimento defendido na Decisão Sumária proferida a 3-4-2014 pelo Tribunal da Relação de Guimarães no processo n.° 378/l0.8GAVVD-A.G1) nada alegou.

Cumpre apreciar.

Dispõe o artigo 56.° do CP, sob a epígrafe “revogação da suspensão” que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: “a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social;” ou “b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.

Por seu turno, determina o n.° 2 que a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado.

Resulta, assim, dos normativos alinhados que a revogação de uma pena de prisão suspensa exige, por um lado, a verificação de um elemento objetivo (violação de deveres impostos e/ou o cometimento de crime pelo qual venha a ser condenado), ao que acresce, neste último caso, a necessidade de demonstração de que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Como referem SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES, “as causas de revogação não devem, pois, ser entendidas com um critério formalista, mas antes corno demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena” (cfr. Código Penal Anotado, Volume 1, pág. 711).

Daí que, a condenação pela prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena só deva implicar a revogação da suspensão, se a prática desse crime infirmar definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, quer dizer, a esperança fundada de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr., neste sentido, FIGUEIREDO DIAS, in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, p. 357).

E, compreende-se que assim seja, pois que podem ser olvidados os efeitos criminógenos e estigmatizantes que andam associados ao cumprimento da pena de prisão.

Por outro lado, aconselha a prudência, o bom senso e o indefetível princípio da dignidade ética da pessoa humana que se use de parcimónia quando se opta pela pena de prisão ou pela revogação de uma pena de prisão suspensa.

Ademais, e conforme tem sido jurisprudencialmente entendido, os pressupostos da revogação da pena de suspensão da execução da pena de prisão terão que ser apurados pela positiva. Se o condenado cometer um crime no decurso da suspensão, vindo por ele a ser condenado, a revogação só poderá ser decretada se se comprovar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30 de maio de 2005, relator Desembargador MIGUEZ GARCIA, processo n° 308/05-2, acessível in www.dgsi.pt).

O condenado, durante o período de suspensão, não cumpriu a condição fixada para a suspensão da execução da pena de prisão, mas pior do que isso, não esboçou sequer uma tentativa para tal. Resulta dos autos que o condenado beneficiou de rendimentos suficientes para pagar à ofendida o valor estipulado, designadamente por análise do extrato bancário da sua conta, mas nada pagou.

O condenado, embora sendo ‘alvo’ da ‘ameaça’ de uma pena com execução suspensa, para cujas consequências foi advertido, não se demoveu de, mesmo assim, incumprir o judicialmente determinado, o que fez de modo ostensivo e reiterado.

O processo de ressocialização do condenado em nada sairá beneficiado se a pena de prisão mantiver a sua execução suspensa, uma vez que o condenado demonstrou, claramente, através do seu comportamento que não cumpriu as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da execução da pena, assumindo uma atitude de desresponsabilização.

A conduta do condenado é sistemática e não corresponde a qualquer percalço ou incidente fortuito, antes demonstrando a absoluta insensibilidade do arguido em relação à condenação destes autos e, outrossim, a indiferença e a leviandade com que encara o sofrimento infligido à vítima.

É, pois, manifesto, que o condenado atuou com manifesta inconsideração pela solene advertência que lhe foi dirigida, donde estão ausentes as cautelas aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos atos da vida, que consistem no facto de não ter atuado com especial vinculação ao Direito, como se esperaria de quem se encontra com uma pena suspensa. Optou, antes, por desperdiçar a oportunidade que lhe foi dada, ignorar a advertência que lhe havia sido dirigida, manifestando mais urna vez ser pessoa despojada de princípios básicos de convivência familiar e social.

Daí que, nesta ambiência, é de perguntar se tal conduta permite antever que as finalidades das penas se alcançaram.

E, mais uma vez, entendemos que não.

Com efeito, a prevenção geral positiva ou de integração, traduzida na manutenção da consciência jurídica comum, “na prevenção estabilizadora da consciência jurídica geral”, no dizer de ROXIN, de modo algum foi alcançada.

Já no que tange à reintegração do condenado na sociedade, tal conduta atesta, objetivamente, que não houve por parte do mesmo um real esforço no sentido de cumprir a condição fixada na sentença, pois nem parcialmente pagou a quantia que deve. Inexiste uma genuína interiorização do desvalor da conduta praticada. O condenado mostrou total indiferença pelos factos ou até pela pena aplicada.

Assim, e pelas razões aduzidas, impõe-se a revogação da suspensão da pena aplicada ao arguido e, nos termos do artigo 56.° n.° 1 a) e n.° 2, do Código Penal, deverá o arguido cumprir a pena de oito meses de prisão determinada nos presentes autos.

Pelo exposto, decido revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado nos presentes autos e, consequentemente, determino que Manuel cumpra a pena de oito meses de prisão em que foi condenado no âmbito destes atitos.
*
Promove o Ministério Público o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, pelo que se decide, antes de mais, solicitar relatório à DGRSP nos termos promovidos.
*
Notifique, sendo o arguido para declarar se consente no cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
*
Após trânsito, remeta boletim ao registo criminal.»

4. Para apreciar a questão supra enunciada importa ter presentes os seguintes elementos e ocorrências processuais, resultantes dos autos:

- Por sentença de 17-03-2015, transitada em julgado a 01-10-2015, o recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, n.º 3, al. a), por referência ao art. 170º, ambos do Código Penal, na pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sob condição de pagar à ofendida V. B. a quantia de € 1.000 (mil euros) no prazo de um ano (fls. 38 a 43 do presente apenso).
- Em virtude de esse pagamento não ter sido efetuado, foi designado o dia 22-09-2017 para audição presencial do condenado, nos termos do disposto no art. 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal (fls. 44).
- O qual foi notificado para esse efeito, por contacto pessoal, no dia 07-08-2017 (fls. 52 verso).
- Não obstante, não compareceu na data designada nem apresentou qualquer justificação para a sua ausência (56).
- Nessa sequência, foi designada nova data para audição do condenado (04-10-2017) e emitidos mandados de detenção contra o mesmo, a fim de assegurar a sua comparência (fls. 56 e 57).
- Todavia, não foi possível cumprir esses mandados, por a autoridade policial não ter logrado localizar o condenado, tendo obtido informação, junto da esposa dele, que o mesmo estava a trabalhar em parte incerta de Espanha, encontrando-se em Portugal apenas aos fins-de-semana, não tendo sido facultados contactos ou local concreto onde se encontra (fls. 60).
- Tendo em conta essa informação, foi designado o dia 23-10-2017 como nova data para audição presencial do condenado, solicitando-se à autoridade policial que procedesse à sua notificação durante o fim-de-semana, tendo ele sido notificado, por contacto pessoal, em 09-10-2017 (fls. 65 e 65 verso).
- Não obstante, o condenado faltou novamente, sem apresentar qualquer justificação (fls. 66).
- Perante isso, e de forma a fazê-lo comparecer, foi designado o dia 20-11-2017 para audição presencial do condenado e ordenada a emissão de novos mandados de detenção (fls. 66 e 67).
- Mais uma vez não foi possível deter o condenado, por não ter sido possível localizá-lo, nem na morada conhecida dos autos, da qual se retirara, nem na nova residência averiguada pela autoridade policial, que apurou que o mesmo continuava a trabalhar em Espanha.
- Em face das sucessivas datas designadas para audição do condenado sem que se conseguisse obter a sua comparência, a Mmª. Juíza determinou a notificação do mesmo, por contacto pessoal, uma vez que no termo de identidade e residência fora indicada uma morada em França, a fim de se pronunciar, querendo, sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena com fundamento no incumprimento da condição da suspensão, bem como determinou ainda a sua notificação na pessoa do respetivo defensor (fls. 73 e 74).
- Tal notificação do condenado ocorreu no dia 25-11-2017 (fls. 86), tendo o mesmo prestado novo termo de identidade e residência, indicando a sua atual morada em Portugal (85), sendo que nem ele nem o seu defensor se pronunciaram.
- Mediante promoção de 30-01-2018, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da revogação da suspensão da execução da pena (fls. 87).
- Por despacho de 16-02-2018, foi ordenada a notificação do condenado, por contacto pessoal, para, querendo, se pronunciar sobre o teor do promovido (88).
- Notificados, quer o condenado (fls. 12), quer o seu defensor (fls. 89), nenhum deles se pronunciou.

5. Posto isto, cumpre apreciar a questão suscitada no recurso.
5.1 Invoca o recorrente a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119º do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os artigos citados sem qualquer menção, alegando para tanto que o tribunal a quo, previamente à decisão de revogar a suspensão da execução da pena, não procedeu à sua audição presencial, conforme impõe o art. 495º, n.º 2, nem esgotou as possibilidades de conseguir efetivá-la, o que, em seu entender, torna nulo o despacho recorrido.

Vejamos se lhe assiste razão.

4.1.1 - Da análise do regime jurídico da suspensão da execução da pena de prisão e da sua revogação e extinção, constante dos art.s 50º a 57º do Código Penal e 492º a 495º do Código de Processo Penal, resulta que esta pena de substituição, como verdadeira pena autónoma que é [2], pode assumir três modalidades: suspensão simples, suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta) e suspensão acompanhada de regime de prova.

No que respeita à segunda modalidade, os deveres, visando a reparação do mal do crime, encontram-se previstos, de forma exemplificativa, no art. 51º, n.º 1, do Código Penal, enquanto as regras de conduta, tendo em vista a reintegração ou socialização do condenado, se encontram previstas, também a título exemplificativo, no art. 52º do mesmo diploma. Uns e outras podem ser modificados até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento, o que significa que o conteúdo da pena de suspensão da execução da prisão está sujeito, dentro dos limites legais, mesmo independentemente de incumprimento do condenado, a uma cláusula rebus sic stantibus [3].

Em termos de incumprimento das condições da suspensão, podem verificar-se duas situações distintas:

Na primeira, o condenado, culposamente, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta ou não corresponde ao plano de reinserção social, caso em que o tribunal pode optar pela aplicação de uma das medidas previstas no art. 55º do Código Penal, ou seja: fazer uma solene advertência, exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão, impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação ou ainda prorrogar o período de suspensão.

Na segunda situação, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado, e assim revela que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, casos em que a suspensão será revogada (art. 56º, n.º 1), o que determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (n.º 2).

Em qualquer destas situações, a revogação da suspensão da pena nunca é uma consequência automática da conduta do condenado, dependendo sempre da constatação de que as finalidades punitivas visadas com a imposição de pena suspensa se encontram irremediavelmente comprometidas.

Naturalmente que a formulação deste juízo apenas é possível após a recolha dos elementos indispensáveis para o efeito, sem deixar de ter em consideração, por um lado, que a prisão constitui sempre a ultima ratio e, por outro, que nessa avaliação não podem ser postergados os direitos constitucionais do contraditório e da audiência do arguido consagrados no art. 32º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.

Daí que para o caso de falta de cumprimento das condições de suspensão, o art. 495º disponha o seguinte:

1 — Quaisquer autoridades e serviços aos quais seja pedido apoio ao condenado no cumprimento dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostos comunicam ao tribunal a falta de cumprimento, por aquele, desses deveres, regras de conduta ou obrigações, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 51.º, no n.º 3 do artigo 52.º e nos artigos 55.º e 56.º do Código Penal.
2 — O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.
[…]

Este n.º 2 do art. 495º visa claramente efetivar o princípio constitucional do contraditório, com consagração no art. 32º, n.º 5, segunda parte, da Lei Fundamental, significando o “dever e direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão” e o “direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afetados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efetiva no desenvolvimento do processo”, abrangendo “todos os atos suscetíveis de afetar a sua posição” [4].

Por seu lado, o art. 61º, n.º 1, al. b), assegura ao arguido o direito de ser ouvido sempre que o tribunal deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete, sendo certo não haver decisão judicial suscetível de o afetar mais gravemente do que aquela que o priva da sua liberdade.

Traduzindo-se a revogação da suspensão da execução da pena no cumprimento de uma outra pena - a pena de prisão substituída - está, pois, em causa um ato decisório que contende com a liberdade do condenado, atingindo-o na sua esfera jurídica, pelo que é de exigir o cumprimento e respeito do direito constitucional de contraditório e de audiência.

Com efeito, apesar de a prisão já estar determinada no seu quantum na sentença condenatória, seria gravemente atentatório das garantias de defesa que a decisão que determina o seu cumprimento efetivo, através da revogação da suspensão, fosse tomada sem que o condenado se pudesse pronunciar.

Noutro prisma, a audição prevista no n.º 2 do art. 495º visa também conferir ao tribunal mais e melhores elementos para avaliar se as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena não foram alcançadas no caso concreto, uma vez que a sua revogação não é automática.

Temos, pois, por assente que o condenado tem que ser ouvido antes da decisão de revogação da suspensão, por imperativo legal e constitucional que se prende diretamente com os direitos de defesa que lhe assistem.

Não é, pois, concebível que uma decisão tão gravosa para o condenado em pena suspensa, como é a da revogação da suspensão da execução da pena ou mesmo a mera agravação da sua situação pessoal, decorrente da alteração das condições de suspensão, possa ser decidida sem que lhe seja facultada a possibilidade de expor as razões que conduziram ao incumprimento das condições que lhe foram impostas, ou mesmo de produzir prova que sustente as suas afirmações.

Outra questão é a de saber se essa audição tem de ser necessariamente presencial.

Há quem entenda que a audição do condenado se basta com a notificação para este se pronunciar e, se assim o entender, apresentar prova, não se exigindo a respetiva audição em declarações presenciais, salvo se a suspensão tiver sido subordinada a condições sujeitas a apoio e/ou fiscalização dos serviços de reinserção social, caso em que será obrigatória a audição presencial do condenado, uma vez que, de acordo com o art. 495º, n.º 2, o mesmo terá de ser ouvido na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão [5].

Porém, aderimos ao entendimento que sustenta a necessidade de se proceder à audição pessoal e presencial do condenado em todos os casos em que possa estar em causa a revogação da suspensão da execução da pena, com a especialidade de, havendo acompanhamento das condições pelos serviços de reinserção social, essa audição ter de ser feita também na presença do respetivo técnico [6].

Cremos ser essa a melhor interpretação em ordem a salvaguardar o efetivo direito de defesa consagrado nos referidos art.s 32º, n.º 5, da Constituição, e 61º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal.

Na verdade, a fundamentação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2010 [7], que, reportando-se já ao momento processual ulterior da notificação da decisão que revoga a suspensão, fixou jurisprudência no sentido de que “nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado”, fornece um importante contributo para o entendimento de que é necessária a audição presencial do condenado antes de se decretar a revogação da suspensão da execução da pena nos termos do artigo 495º, ou, ao menos, que é necessário possibilitar-lhe essa audição presencial.

Aí se pode ler, nomeadamente, que “(…) o despacho de revogação da suspensão da pena é complementar da sentença, traduzindo, nas expressivas palavras do Acórdão n.º 422/2005, do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de setembro de 2005 (…) «uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação», «tendo como efeito direto a privação da liberdade do condenado». As suas consequências aproximam-se muito das da sentença que condena em pena de prisão. Tendo esse alcance, a decisão de revogação da suspensão, que implica sempre um juízo de ponderação, pois a revogação não é consequência automática da verificação de um qualquer facto objetivo, deve estar colocada no mesmo plano da sentença condenatória no que se refere ao modo de ser levada ao conhecimento do condenado. (…) E a lei não deixa de dar sinais nesse sentido. É o que acontece com a exigência de audição presencial do condenado antes da decisão em que se coloca a possibilidade de revogação da suspensão, por falta de cumprimento das obrigações impostas, prevista no artigo 495.º, n.º 2. Na verdade, essa solução de impor que o condenado se pronuncie pessoalmente na presença do juiz, e não por meio de alegação escrita do defensor, traduz um especial acautelamento do contraditório, que, relevando do interesse em jogo — a liberdade —, tem, em coerência, de estender-se à notificação da decisão, na medida em que só o conhecimento do seu conteúdo lhe possibilita a defesa. O elemento pessoal exigido em ato preparatório da decisão, porque releva da necessidade de garantir um efetivo direito de defesa, não pode deixar de ser também querido no momento da comunicação da decisão, até por maioria de razão, uma vez que, tendo-se passado da mera possibilidade de ser determinado o cumprimento da pena de prisão à certeza, se coloca então com mais acuidade a necessidade de assegurar a defesa do condenado, designadamente o direito ao recurso, objetivo que só é cabalmente conseguido se àquele for possibilitado o conhecimento do conteúdo da decisão, o que se não pode ter como certo apenas com a notificação do defensor, pelas razões já apontadas.”

Ora, se existiu semelhante preocupação em relação à notificação do condenado, a mesma deverá estar presente no momento que antecede a decisão de revogação ou de não revogação da suspensão, tanto mais que o arguido continua a ter o direito a ser ouvido em qualquer fase do processo [art. 61º, n.º 1, al. b)].

Tratando-se efetivamente de casos em que a situação do condenado poderá vir a ser significativamente afetada, com a imposição do cumprimento da pena de prisão, parece-nos da maior relevância ouvi-lo presencialmente, de modo a que melhor possa explicar as razões e o contexto do incumprimento das condições a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena ou que rodearam o cometimento do novo crime.

Sustentando também esta posição, Paulo Pinto de Albuquerque [8] defende que «O arguido deve ser ouvido pessoal e presencialmente, sendo irrelevante o motivo da revogação da suspensão, sob pena da nulidade do artigo 119.º, al. c), uma vez que a lei não relaciona a audição do arguido com nenhum motivo especial».

Ou seja, a audição presencial do condenado impõe-se não só no caso de incumprimento dos deveres ou das regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social (art. 56º, n.º 1, al. a) do Código Penal), e quer haja ou não apoio e fiscalização desse cumprimento por parte dos serviços de reinserção social, mas também nos caso de cometimento de crime no decurso da suspensão pelo qual venha a ser condenado (art. 56º, n.º 1, al. b) do Código Penal), pois em todas essas situações se justifica dar ao condenado a oportunidade de ser ouvido, do ponto de vista dos seus direitos de defesa.

Independentemente da mencionada divergência, a jurisprudência já é pacífica em enquadrar a preterição da audição prévia do arguido como nulidade insanável e, por conseguinte, de conhecimento oficioso pelo tribunal, nos termos do art. 119º, al. c), por ausência do arguido em caso em que a lei exige a respetiva comparência.

Porém, se o condenado, notificado para comparecer nos termos e para os efeitos do disposto no art. 495º, n.º 2, faltar à diligência, sem qualquer justificação, e não se mostrar possível assim a sua audição por razões a si imputáveis, será de seguir o princípio estabelecido no n.º 4 do art. 185º da Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, relativamente ao incidente de incumprimento da liberdade condicional, situação em que também se exige a audição presencial, e segundo o qual "A falta injustificada do condenado vale como efetiva audição para todos os efeitos legais."

Na doutrina, André Lamas Leite [9] defende que «(…), a exigência constitucional do exercício do contraditório (art. 32º, nº 2, in fine) e as previsões normativas dos artigos 61º, nº 1, al. b), e 495, nº 2, ambos do CPP, só admitem a conclusão de que é obrigatório que o tribunal, antes de determinar a revogação da suspensão de execução da pena privativa de liberdade, envide todos os esforços necessários à audição do condenado.»

Com efeito, tendo sido desenvolvidos todos os esforços necessários à audição presencial do arguido e não sendo possível obter a sua comparência à diligência, a jurisprudência tem decidido que o contraditório imposto no art. 495º, n.º 2, se tem como cumprido com a notificação do defensor do arguido [10].

A referida audição mostrar-se-á inviabilizada por motivo imputável ao condenado quando, por exemplo, este se retira, sem justificação, da morada indicada no TIR, revelando-se impossível proceder à sua localização ou obter a sua comparência perante o juiz, uma vez esgotadas as diligências adequadas e possíveis.

4.1.2 - É indiscutivelmente essa a situação com que nos deparamos nos autos, só por manifesta desatenção do recorrente se compreendendo a alegação de que o tribunal a quo não esgotou as possibilidades de o ouvir sobre a revogação da suspensão da pena.

Com efeito, por quatro vezes foi designado dia para sua audição presencial nos termos do art. 495º, n.º 2 (22-09-2017, 04-10-2017, 23-10-2017 e 20-11-2017), a qual nunca se concretizou em virtude de, tendo ele sido notificado, por contacto pessoal, da primeira e da terceira dessas datas, não compareceu em tribunal nem justificou a sua falta, o que levou a emissão de mandados de detenção para assegurar a sua comparência na segunda na quarta das referidas datas, o que também não se concretizou por a autoridade policial não o ter localizado, encontrando-se a trabalhar em parte incerta de Espanha e apenas se deslocar a Portugal aos fins-de-semana, alturas em que se lograram as aludidas notificações.

Perante isso, foi ainda o condenado notificado por duas vezes, também por contacto pessoal, para se pronunciar sobre a questão da revogação da suspensão da execução da pena promovida pelo Ministério Público, o que não fez, após o que foi proferido o despacho recorrido.

Do exposto resulta inequívoco que o tribunal envidou todos os esforços possíveis e adequados com vista a ouvir presencialmente o condenado, o qual, apesar de, por duas vezes notificado por contacto pessoal, nunca compareceu nem justificou a sua falta.

Não obstante, o tribunal emitiu, também por duas vezes, mandados de detenção, que não foram cumpridos por o condenado se encontrar a trabalhar em parte incerta de Espanha e apenas se deslocar a Portugal em fins de semana.

Em face do exposto, temos como demonstrado que a não audição presencial do condenado se ficou a dever a razões a si imputáveis, uma vez que não compareceu às diligências, apesar de notificado para as mesmas, nem justificou a sua ausência, e se ausentou para Espanha, impedindo o cumprimento dos mandados de detenção.

Ora, não tendo sido possível a audição pessoal do condenado, por motivos imputáveis ao próprio, não se pode dizer que o tribunal a quo, ao revogar a suspensão da execução da pena de prisão, cometeu a nulidade prevista no art. 119º, al. c), por falta do cumprimento do disposto no artigo 495º, n.º 2.

Não tendo sido possível, por circunstâncias apenas imputáveis ao próprio condenado, assegurar o contraditório máximo (consistente na audição presencial), não vislumbramos que tenha sido cometida aquela nulidade. A entender-se o contrário, estar-se ia a premiar um condenado que, com a sua conduta, mais não fez do que entorpecer e retardar intoleravelmente a ação da justiça, sendo certo que não se vislumbram outras diligências que fossem razoavelmente de exigir ao tribunal que encetasse, no sentido de lograr ouvir presencialmente o condenado.

Ainda assim, exigindo a lei que o contraditório se exerça, no caso, na sua expressão máxima de audição presencial, frustrada esta por motivo não imputável ao tribunal, será ainda possível garantir o contraditório na sua expressão mínima, ou seja, a audição através de defensor, o qual, nos termos do art. 63º, n.º 1, " … exerce no processo os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente".

Ora, no caso concreto, perante a impossibilidade de ouvir presencialmente o condenado, o tribunal a quo, previamente à prolação da decisão recorrida, notificou-o por duas vezes, sempre por contacto pessoal, para, querendo, se pronunciar sobre a revogação da suspensão da execução da pena com fundamento no incumprimento do dever a que ficar subordinada, bem como também notificou para os mesmos efeitos o defensor, nenhum deles se tendo pronunciado.

Por conseguinte, mostra-se efetivamente assegurado o direito ao contraditório e audição do condenado previsto no art. 495º, n.º 2, pelo que não se verifica a nulidade estabelecida no art. 119º, al. c), invocada pelo recorrente.

4.1.3 - Por fim, na conclusão 8ª, alega este que a interpretação dos arts. 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal e 56º, n.º 2, do Código Penal, acolhida na decisão recorrida, de que é possível proceder à revogação da suspensão da execução da pena de prisão sem a prévia audição pessoal e presencial do condenado, é inconstitucional, por afetar os direitos de defesa, maxime os direitos de audiência e contraditório, plasmados no art. 32º, n.º 5, da Constituição.

Todavia, contrariamente ao que parece pressupor o recorrente, no despacho recorrido, o tribunal a quo não procedeu à interpretação dos citados artigos com esse sentido, mas sim, precisamente, com o sentido oposto, de ser obrigatória a audição presencial do condenado, tudo tendo feito para a concretizar, o que só não conseguiu por motivos imputáveis ao próprio condenado, conforme resulta do supra exposto.

Daí que não se reconheça a invocada inconstitucionalidade.

Nestes termos, improcede o recurso.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo condenado, Manuel, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a três unidades de conta (art. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, art. 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).
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(Elaborado em computador pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
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Guimarães, 25 de fevereiro de 2019

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(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)


[1] - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo a correção de gralhas evidentes, a formatação do texto e a ortografia utilizada, que são da responsabilidade do ora relator.
[2] - Vd. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias Coimbra, 1993, pág. 90 e 339.
[3] - Cf. o acórdão da do TRC de 16-01-2008 (processo n.º 21/03.1 GTGRD-A.C1), disponível em http://www.dgsi.pt.
[4] - Vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, 2007, pág. 522-523.
[5] - Neste sentido se pronunciaram, nomeadamente, os acórdãos do TRL de 18-11-2009 (processo n.º 51/01.8PAOER.L1), disponível em www.pgdlisboa.pt; do TRC de 20-06-2012 (processo n.º 56/05.0GCPBL.C1) e de 09-09-2015 (processo n.º 83/10.5PAVNO.E1.C1), disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[6] - Também assim decidiram, entre outros, os acórdãos do TRL de 30-06-2009 (processo n.º 2782/03.9TDLSB-5) e de 30-06-2010 (processo n.º 3506/02.3TDLSB.L1-3) e do TRP de 06-03-2013 (processo n.º 691/05.6PIPRT.P1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[7] - Publicado no Diário da República n.º 99, Série I de 21-05-2010.
[8] - In Comentário do Código de Processo Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição atualizada, Lisboa 2009, pág. 1240.
[9] - A suspensão da Execução da Pena Privativa de Liberdade sob Pretexto da Revisão de 2007 do Código Penal, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. II, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra Editora, pág. 620 e 621.
[10] - Cf., entre outros, os acórdãos do TRL de 08-11-2016 (processo n.º 561/05.8PBSXL-A.L1; do TRP de 09-03-2016 (processo n.º 25/06.2SFPRT-A.P1); do TRC de 25-09-2013 (processo n.º 690/05.8GAACB-A.C1) e de 19-06-2013 (processo n.º 464/10.4GBLSA.C1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.