Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1140/19.8T8BGC-F.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PERÍCIA
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA À CRIANÇA
INDISPENSABILIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A relação entre o art. 21º da Lei n.º 141/2015, de 08/09 (Regime Geral do Processo Tutelar Cível) e as normas que disciplinam a instrução no processo civil, designadamente, no que respeita à perícia aí prevista, é de especialidade, pelo que num processo tutelar cível tendente a regular o exercício das responsabilidades parentais aplica-se o critério da indispensabilidade previsto naquele artigo e não o critério da “pertinência e carácter não dilatório” do meio de prova previsto no art. 476º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.
II- Não se mostrando indispensável a realização da perícia de avaliação psicológica à criança e existindo fortes elementos indiciários que apontam no sentido da sua realização poder provocar pressão, ansiedade e perturbação emocional da criança, é de rejeitar a perícia requerida por um dos progenitores.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

D. F. requereu contra L. F. processo tutelar cível da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à menor M. C., nascida em -/02/2014, peticionando que se proceda à fixação judicial do exercício das responsabilidades parentais da menor sua filha, ficando a menor à guarda, cuidados e a residir com o seu pai, ora requerente, fixando-se o regime de visitas e os alimentos e forma de os prestar.
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Na sequência da frustração da tentativa de conciliação dos progenitores em sede das conferências de pais realizadas nos autos os progenitores apresentaram as suas alegações.
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No requerimento probatório que integra a parte a final das suas alegações, de 17/06/2020, a progenitora requereu a «avaliação psicológica à menor M. C.» (cfr. ref.ª citius 1587580), tendo por objeto aferir:

- O estado emocional e afetivo da menor.
- A figura parental de referência (com que progenitor tem laços afetivos mais fortes e qual a sua figura parental protetora)
- A satisfação ou insatisfação da menor com o regime da residência alternada que provisoriamente se encontra fixada e a constatar-se o segundo caso, qual o desejo ou preferência da menor.
- Com base nas respostas às anteriores questões e tendo presente a idade, maturidade, sexo, estabilidade emocional, que no corrente ano letivo a menor inicia o ensino escolar (1.º ano do ensino básico) e que existem divergências significantes e inconciliáveis entre os progenitores relativamente à educação da menor, qual o regime (residência alternada ou residência com um dos progenitores, regulando-se as visitas do outro) se afigura mais adequado ao desenvolvimento da menor e dando-se primazia a este último com qual dos progenitores.
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Na conferência de pais realizada a 10/07/2020 (ref.ª Citius 22759208) foi exarado, entre o mais, o seguinte:
«Pela mãe foi dito, a respeito da informação prestada pelo Tribunal de que a perícia por si solicitada ao IML, podia ser feita por psicólogo e não por pedo-psiquiatra, aceitar ponderar a indicação de outra entidade para a realização da mesma.
Neste contexto, concede-se às partes o prazo de 10 dias para, querendo, indicarem, de comum acordo, entidade que deva realizar tal perícia ou para, não havendo acordo, indicarem a entidade que considerarem mais adequada».
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O progenitor, na sequência do despacho constante do segmento final da ata de conferência de pais, através do seu requerimento de 20/07/2020, indicou a entidade que deveria ser incumbida de tal perícia e requereu a ampliação do seu objeto (cfr. ref.ª citius 36124809).
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A progenitora pronunciou-se nos termos constantes do seu requerimento de 24/07/2020. (cfr. ref.ª citius 36153575).
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No final da audiência de julgamento do dia 02/09/2020, destinada à determinação do estabelecimento escolar a frequentar pela menor no ano letivo de 2020/2021, o Ministério Público requereu «o indeferimento da perícia pedida pela mãe da criança, tendo em vista a avaliação psicológica da mesma, considerando o relatado pela testemunha M. T., professora da M. C. quanto à instabilidade emocional da criança após a sua audição neste Tribunal, o que a realização de tal perícia poderia voltar a permitir, com prejuízo para a saúde da criança» (cfr. Ref.ª 22824406).
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Respondeu a progenitora, reiterando a necessidade da realização da requerida perícia à menor, por ser relevante para a prossecução do interesse da menor e, por isso, relevante para a decisão final a proferir e «infundado» o motivo subjacente à promoção do Magistrado do MP (cfr. Ref.ª 36399277).
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Igualmente respondeu o progenitor, o qual declarou subscrever integralmente a posição assumida nos autos pelo Magistrado do Ministério Público (cfr. Ref.ª 36399322).
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Por despacho de 20/10/2020, o Mm.º Juiz “a quo” indeferiu a realização da perícia requerida pela progenitora no respetivo requerimento probatório (Ref.ª 22936971).
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Inconformada com este despacho, dele interpôs recurso a progenitora, tendo, a terminar as respetivas alegações, formulado as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«A. O presente RECURSO DE APELAÇÃO recai sobre o «despacho» com a referência citius 22936971, de 20/10/2020, mediante o qual o Meritíssimo Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança - Juízo Local Cível - Juiz 2, no âmbito do processo em epígrafe, indeferiu «a perícia requerida pela progenitora no respetivo requerimento probatório».
B. Perícia que integra o requerimento probatório constante da parte final das «alegações» da progenitora, a que corresponde a referência citius 1587580, de 17/06/2020, e traduzida na «avaliação psicológica à menor M. C.», tendo por objeto aferir:
- O estado emocional e afetivo da menor.
- A figura parental de referência (com que progenitor tem laços afetivos mais fortes e qual a sua figura parental protetora)
- A satisfação ou insatisfação da menor com o regime da residência alternada que provisoriamente se encontra fixada e a constatar-se o segundo caso, qual o desejo ou preferência da menor.
- Com base nas respostas às anteriores questões e tendo presente a idade, maturidade, sexo, estabilidade emocional, que no corrente ano letivo a menor inicia o ensino escolar (1.º ano do ensino básico) e que existem divergências significantes e inconciliáveis entre os progenitores relativamente à educação da menor, qual o regime (residência alternada ou residência com um dos progenitores, regulando-se as visitas do outro) se afigura mais adequado ao desenvolvimento da menor e dando-se primazia a este último com qual dos progenitores.
C. Indeferimento que o tribunal a quo, a título principal e determinante, fundamentou nas declarações prestadas pela educadora da menor M. T. no dia 02/09/2020 no âmbito do incidente de resolução de diferendo quanto ao estabelecimento escolar a frequentar pela menos, que constitui apenso D, do qual retirou «que a criança teria estado mais instável logo após a sua audição no Tribunal aquando do regresso à escola nos meses de Junho/Julho, tendo dificuldades em alimentar-se e tendendo a vomitar a comida que ingeria nas refeições escolares», para com base nelas concluir que a mesma (a perícia) «poderia pôr em causa a estabilidade emocional da criança (…) e voltar a ter reacções físicas como aquelas aludidas pela sua educadora» e complementarmente, por um lado, pela referência a que a mesma «não é de todo indispensável face à multiplicidade de informações recolhidas nos autos» e, por outro lado, que «atrasaria significativamente o julgamento nos presentes autos, aumentando a indefinição quanto à regulação definitiva do exercício das responsabilidades parentais e possibilitando a manutenção ou agravamento do conflito parental».
D. Perícia cuja realização num primeiro momento, que se situa até ao dia 02/09/2020, em que a identificada educadora M. T. prestou o seu referido depoimento, era consensualmente aceite, como relevante e necessária, por todos os intervenientes processuais (Requerente, Requerida, Magistrado do Ministério Público e Meritíssimo Juiz de Direito), conforme se extrai da «ata de conferência de pais» do dia 10/07/2020 e a que corresponde a referência citius 22759208 e melhor se colhe da audição das declarações que no seu âmbito os mesmos prestaram em especial as proferidas pelo Meritíssimo Juiz de Direito, gravado no Habilus/Citius, ficheiro 20200710115431_1965987_2870630, do dia 10/07/2020 (11:54:32h às 12:14:11h), minutos 00:17:45 a 00:19:38 e ficheiro 20200710122105_1965987_2870630, do dia 10/07/2020 (12:21:06h às 12:23:56h), minutos 00:00:00 a 00:02:48.
E. Tendo o progenitor, na sequência do despacho constante do segmento final da «ata de conferência de pais» a que anteriormente se alude, através do seu requerimento a que corresponde a referência citius 1609539, de 20/07/2020, indicado a entidade que deveria ser incumbida de tal perícia e requerendo em ato concomitante a ampliação do seu objeto e a progenitora (ora Recorrente e requerente da perícia) se pronunciado nos termos constantes do seu requerimento a que corresponde a referência citius 1611796, de 24/07/2020.
F. Perícia que, assim, até ao dia 02/09/2020, ainda que não formalmente deferida, se tinha, na prossecução do superior interesse da menor, por consensualmente relevante, necessária e tacitamente admitida pelo Meritíssimo Juiz de Direito.
G. Ora, o único elemento que determina a deriva do Meritíssimo Juiz de Direito - e que expressa na sua fundamentação - são precisamente as declarações da educadora M. T., prestadas no aludido dia 02/09/2020.
H. Porém, se, por um lado, nos ativermos nas pertinentes declarações da educadora M. T., cujo depoimento se encontra gravado no Habilus Media Studio, ficheiro 20200902151013_1965987_2870630, [de 02/09/2020(1)] (15:10:14h às 15:55h), no que para aqui importa minutos 00:23:37 a 00:26:05 e minutos 00:28:41 a 00:30:28 e supra transcritas no item 11 das presentes «alegações» e, por outro lado, as conjugarmos com o teor dos e-mail.s que a identificada educadora trocou com os progenitores que constituem documentos 1 (A), 2 (B) e 3 (C), juntos com o requerimento que a progenitora Recorrente introduziu em juízo e a que corresponde a referência citius 1629563, de 08/09/2020, que supra se transcreveram nos itens 19 a 24 e 30 das presentes «alegações», e, por último, tivermos presente que a audição da menor ocorreu no dia 10/07/2020 (Ata de Conferência de Pais» a que corresponde a referencia citius 22759208, de 10/07/2020) e que à data da sua audição se encontrava implementada a residência alternada da menor com uma rotatividade quinzenal (ocorrendo a transferência da menor entre os progenitores ao domingo) - Sentença com a referência citius 22576257, de 02/04/2020 - Apenso C (Incidente n.º 1140/19.8T8BGC-C) – que se manteve até 01/09/2020 - «Ata da Conferência de Pais» a que corresponde a referência citius 22759208, de 10/07/2020 - resulta, de forma inelutável, que:
. No período compreendido entre o dia 21/06/2020 (domingo após o jantar, pelas 20:30h) e o dia 05/07/2020 (domingo após o jantar, pelas 20:30h) a M. C. esteve à guarda do pai.
. No período compreendido entre o dia 05/07/2020 (domingo, após o jantar, pelas 20:30h) e o dia 19/07/2020 (domingo, após o jantar, pelas 20:30h) a M. C. esteve à guarda da mãe.
. A reação da M. C. em relação à refeição do almoço no colégio teve o seu último desenvolvimento em data muito anterior à sua audição em tribunal, ou seja, no dia 23/06/2020.
.Tal reação já havia ocorrido em outros momentos passados.
. O pai não poderia ter mencionado à Senhora educadora M. T., ou se o mencionou foi para deliberadamente a induzir em logro «(…) que naquele dia em que ela começou com esse comportamento que tinha tido a audição», já que no dia da audição (10/07/2020), como nos anteriores e nos subsequentes (de 05/07 a 19/07), a M. C. estava (esteve e continuou a estar) à guarda da mãe e que com a mãe se manteve até ao dia 19/07/2020.
. Nos períodos em que esteve com a mãe a menor não foi à escola, como resulta dos transcritos e-mail.s (e também do depoimento da educadora M. T.), tendo a mãe apenas equacionado que a menor, se assim o desejasse, participaria na festa dos finalistas no dia em que esta se viesse a realizar.
. Que no diálogo que os pais estabeleceram em ambas as situações (refeições e finalistas) com a Senhora educadora sempre lhe transmitiram que a criança «estava bem», «bem disposta», «alegre», «brincalhona», «muito interactiva e comunicativa».
I. Factualidade documentada nos autos que não permite que o Meritíssimo Juiz de Direito possa credibilizar ou acalentar a «presunção» da Senhora educadora M. T., inexistindo qualquer indício factual que permita abrigar ou acolher a ideia de que a audição da menor lhe causou instabilidade emocional.
J. Impondo-se-lhe na análise das provas e por aplicação dos comandos insertos no artigo 607.º, n.º 4 do Código Processo Civil, uma crítica e criteriosa ponderação que, in casu, manifestamente, não ocorreu.
K. Aliás, na audição judicial da menor, foi visível a facilidade com que a menor aderiu ao chamamento ou repto do Meritíssimo Juiz de Direito para a sua audição, a boa disposição (alegre, sorridente) que patenteava quando a sua audição terminou, podendo-se verificar da auscultação da sua gravação, de forma inequívoca, o «à vontade» da menor, a adesão com resposta sem retraimentos às questões colocadas, a reciproca empatia estabelecida entre a menor e os Senhores Magistrados, em suma, que a menor esteve «de fio a pavio» confortável na sua audição judicial e na relação estabelecida com os seus interlocutores, o que o Meritíssimo Juiz de Direito teve oportunidade de diretamente constatar e que pelos Senhores Juízes Desembargadores do tribunal ad quem pode ser confirmado mediante a auscultação da sua audição que se encontra gravada no Habilus/Citius, ficheiro 20200710102842_1965987_2870630, do dia 10/07/2020 (10:28:42h às 10:52:20h).
L. Nada permitindo sustentar que a sua audição a tivesse afetado negativamente ou gerado instabilidade na menor.
M. Acrescendo que a perícia deverá ser realizada por entidade que tenha valência de psicologia infantil ou, de outra forma, pedopsicologia, peritos que reúnem as imprescindíveis competências para a interação com a menor e que, certamente, saberão aquilatar sobre a sua estabilidade emocional e, a detetarem instabilidade, se absterem de qualquer ação que a pudesse agudizar, revelando-se assim e também por esta razão infundada qualquer preocupação quanto a essa vertente.
N. Não pode pois proceder a alegada fundamentação para declinar a requerida perícia.
O. Assim como não colhem os fundamentos laterais que o Meritíssimo Juiz de Direito chama à colação, designadamente:
. Por um lado, que «atrasaria significativamente o julgamento nos presentes autos, aumentando a indefinição quanto à regulação definitiva do exercício das responsabilidades parentais e possibilitando a manutenção ou agravamento do conflito parental», já que não se enxerga a oportunidade de tal referência pois o Meritíssimo Juiz de Direito não atribuiu ao processo natureza urgente, não se percebe tal preocupação quando, para além do mais, deixou decorrer 4 meses entre o momento em que foram apresentadas as «alegações» (as últimas das quais pelo progenitor em 20/06/2020), até à data em que se pronuncia, em 20/10/2020, sobre a prova requerida, não se tem por consequente que a regulação definitiva das responsabilidades parentais ponha termo ao dissenso entre os progenitores, sendo que as responsabilidades parentais encontram-se provisoriamente definidas e a forma como se encontram reguladas a ser estritamente acatada pelos progenitores.
. Por outro lado, que «não é de todo indispensável face à multiplicidade de informações recolhidas nos autos», já que a informação que se pretende com a perícia não se sobrepõe ou coincide com a existente nos autos como o próprio Meritíssimo Juiz de Direito reconhece ao referir que a mesma («relatórios sociais, relatório de audição técnica especializada, declarações dos progenitores e das técnicas da ATT e do CAFAP), se cinge, como consigna, às «competências parentais dos progenitores no sentido de ambos serem igualmente aptos a cuidarem da sua filha, seja num cenário de residência alternada, seja na hipótese de residência exclusiva a favor de qualquer um deles» e «quanto ao regime que entendem poder ser aplicado».
P. Só a perícia, consubstanciada num juízo técnico emitido por alguém que aprecia e apreende factos para os quais são requeridos conhecimentos técnicos específicos de que o julgador não dispõe ou que são relativos a pessoas, pode fornecer informação bastante que possa contribuir para a tomada da decisão que se quer esclarecida e assertiva, o que in casu é particularmente reclamado pelo «superior interesse da menor» que constitui o alfa e o ómega de todo o ordenamento tutelar cível.
Q. Perícia que tem enquadramento legal na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do RGPTC (Regime Geral do Processo Tutelar Cível) e se atendendo às especificidades do processo tutelar cível de regulação das responsabilidades parentais, o juiz pode ao abrigo do disposto no artigo 39.º, n.º 5 do RGPTC, indeferir a perícia requerida, a verdade é que tal rejeição não é um poder discricionário, tendo de se afirmar por critérios de (des)necessidade a que, explicitamente, alude o mencionado preceito legal.
R. Ora, se num primeiro momento o Meritíssimo Juiz de Direito, como se referiu, teve, na prossecução do interesse da menor, como necessária a realização da perícia, veio num segundo momento afastá-la, não por ser desnecessária mas (com base no depoimento da educadora M. T. já supra escalpelizado que presumiu existir um nexo de causa-efeito, entre a audição da criança em tribunal e reações que a menor manifestou na escola) porque a mesma «poderia pôr em causa a estabilidade emocional da criança», fundamento ou pressuposto que é manifestamente infundado e que, por isso, não suporta a decisão, sendo certo que a informação existente nos autos – que não se sobrepõe ou coincide à e com aquela que se pretende obter através da perícia – já existia nesse primeiro momento e a questão de celeridade que agora lateralmente chama à lide também já se colocava nesse primeiro momento e como se referiu não se harmoniza com todo o seu procedimento a montante da decisão proferida e encontra-se mitigada pelo regime provisório que se encontra fixado e que pelos progenitores tem sido acatado.
S. Decisão que, acima de tudo se não concilia com o «superior interesse da menor» que do tribunal reclama que a decisão definitiva a proferir no âmbito da regulação das responsabilidades parental, de crucial importância para a menor, seja tomada na posse de toda a informação relevante.

Contexto em que:
T. Na apreciação da prova em que a título principal fundamentou a sua decisão o Meritíssimo Juiz de Direito não observou o disposto no artigo 607.º, n.º 4 do Código Processo Civil, que lhe impunha uma análise critica e criteriosa das provas, nem com o princípio da «liberdade de julgamento» consagrado no n.º 5 do citado preceito legal que, por não se tratar de um poder discricionário, o Meritíssimo Juiz de Direito, in casu, desrespeitou, incorrendo em patente erro de julgamento.
U. Sucumbindo os fundamentos que servem de esteio à decisão recorrida, a perícia requerida revela-se necessária à prossecução do interesse da menor e, consequentemente, não a deferindo o Meritíssimo Juiz de Direito não acatou e, por isso, violou, o comando expresso no artigo 39.º, n.º 5 e 21.º, n.º 1, alínea d) do RGPTC, bem como o expresso no artigo 1906.º, n.º 7, primeiro segmento (O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor), do Código Civil, que consagra o princípio do «superior interesse do menor» que informa e orienta todo o regime tutelar cível.
V. Pelo que, a observância dos mencionados preceitos legais, impõe a revogação da decisão proferida pelo tribunal a quo, ordenando-se a realização da perícia requerida pela progenitora e ora Recorrente L. F..
W. Devendo, assim, o presente recurso de apelação proceder, para assim se fazer … JUSTIÇA».
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O progenitor/recorrido e o Ministério Público apresentaram contra-alegações, pugnando pelo não provimento do recurso e confirmação da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].
Assim, no caso, a questão a decidir que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se deverá ser revogado o despacho que indeferiu a realização de perícia de avaliação psicológica à criança.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

As incidências fáctico-processuais relevantes para a decisão do presente recurso são as que decorrem do relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos), a que acrescem os seguintes factos:

1. A criança foi ouvida na conferência de pais realizada a 10/07/2020 (ref.ª Citius 22759208).
2. À data da audição da criança – 10/07/2020 - encontrava-se implementada a residência alternada da menor com uma rotatividade quinzenal (ocorrendo a transferência da menor entre os progenitores ao domingo).
3. Na audiência de julgamento realizada em 15/01/2021, o Mm.º Juiz procedeu à audição da criança, acompanhada pela Srª Psicóloga, sendo que pela criança foi dito não pretender responder a quaisquer perguntas sobre o que se passa em casa mãe e em casa do pai, não pretendendo, como tal, manifestar a sua opinião sobre os assuntos em discussão em matéria de regulação do exercício das responsabilidades parentais (cfr. Ref.ª 23137269).
4. A criança apenas aceitou ser ouvida quanto à sua situação escolar e às suas actividades extracurriculares, manifestando, por diversas vezes, não querer falar dos assuntos em discussão em relação à regulação do exercício das responsabilidades parentais.
5. O processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais tem apenso processo de promoção e protecção, no qual, em 14-02-2020, foi aplicada à criança a medida de apoio junto dos progenitores (arts. 35.º, n.º1, al. a), 112.º e 113.º da LPPCJP), com a duração máxima de 6 meses, a qual foi objeto de revisão, tendo cessado mediante despacho de 29-01-2021 (ref.ªs 22481218 e 23167535).
6. No âmbito do referido processo de promoção e protecção, bem como no processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais foram juntos relatórios sociais (cfr. ref.ªs 1592032 e 1513641), bem como relatório de audição técnica especializada (cfr. ref.ª 1524834), os quais se pronunciam sobre as competências parentais dos progenitores para cuidarem da sua filha, seja num cenário de residência alternada, seja na hipótese de residência exclusiva a favor de qualquer um deles.
7. A criança e os pais já foram ouvidos pelo Tribunal, tendo manifestado a sua posição sobre o assunto, assim como as técnicas da ATT e do CAFAP com intervenção no processo de promoção e proteção também depuseram a esse propósito quanto ao regime que entendem poder ser aplicado.
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V. Fundamentação de direito

1. - Da revogação do despacho que indeferiu a realização de perícia de avaliação psicológica à menor.

A apelante recorre do despacho proferido no dia 20/10/2020 que indeferiu a realização de uma perícia de avaliação psicológica à menor a requisitar ao INMLCF - Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses IP -Delegação do Norte, com fundamento na sua indispensabilidade por se revelar necessária à prossecução dos interesses da menor.

No caso concreto, estando em causa uma diligência probatória requerida no âmbito duma ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, o presente recurso emerge de um processo tutelar cível [art. 3º, al. c) da Lei n.º 141/2015, de 08/09 (Regime Geral do Processo Tutelar Cível - RGPTC)].
Como decorre do art. 4º do RGPTC, os processos tutelares cíveis regulados nesse diploma regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda, entre outros, pelo princípio da simplificação instrutória e oralidade, nos termos do qual “a instrução do processo recorre preferencialmente a formas e a actos processuais simplificados, nomeadamente, no que concerne à audição da criança que deve decorrer de forma compreensível, ao depoimento dos pais, familiares ou outras pessoas de especial referência afectiva para a criança, e às declarações da assessoria técnica, prestados oralmente e documentados em auto” (cfr. n.º 1, alínea a)).
Acresce que estes processos revestem a natureza de jurisdição voluntária (art. 12º do RGPTC), sendo-lhes aplicável, por conseguinte, o disposto no art. 986º do CPC, onde se prescreve que o “tribunal pode (…) investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias” (n.º 2).
Sobre a matéria da produção de provas - por referência ao pretérito regime processual civil, mas cuja atualidade perdura face ao presente regime adjetivo -, o Prof. Alberto dos Reis referiu a propósito dos processos de jurisdição voluntária que «(…) o art. 1448.º concede ao juiz a faculdade latitudinária de recusar a produção de quaisquer provas, requeridas ou oferecidas pelas partes, quando as julgue desnecessárias.
Também neste ponto se nota uma ampliação considerável dos poderes do juiz em matéria de jurisdição contenciosa. O juiz pode repelir o que for impertinente ou meramente dilatório (art. 266.º); pode recusar a junção de documentos impertinentes ou desnecessários (art. 556.º); mas não lhe é lícito, no processo comum, privar a parte do direito de produzir prova por depoimento de parte, por arbitramento, por testemunhas, a título de que essas provas não são necessárias.
Vê-se, pois, que, de um modo geral, o juiz goza na jurisprudência voluntária, em matéria de facto, de poderes mais extensos do que na jurisdição contenciosa» (2).
Donde se conclui que, no âmbito destes processos (de jurisdição voluntária), e atenta a flexibilidade da tramitação processual preconizada no n.º 2 do art. 986º do CPC, o juiz pode por isso restringir os meios de prova oferecidos pelas partes ou diligenciar para além deles, numa vertente de intervenção discricionária, fundamentada na avaliação do que, no seu prudente arbítrio, considere útil para a decisão da causa. Daqui decorre que não é obrigatória a produção de todas as provas apresentadas ou requeridas pelas partes, tudo dependendo da apreciação que o juiz faça da sua pertinência e interesse para a causa (3).
Nestes processos, no plano da alegação dos factos e da prova, é mais forte a presença do princípio do inquisitório, e muito menos a atuação do princípio do dispositivo.
A liberdade e iniciativa probatória do juiz tem como limite o objetivo prosseguido pelo processo especial em causa, bem como a adequação da medida a adotar à finalidade pretendida (4).
Contudo, do citado n.º 2 do art. 986º do CPC não resulta, obviamente, um poder discricionário do juiz, mas tão só um poder/dever de orientar o processo, designadamente no que toca à realização de diligências ou a admissão das provas, em função do seu objeto e tendo em conta o seu fim último, que, no caso, é sempre o do superior interesse da criança (5).

No tocante às especificidades do processo tutelar cível de regulação das responsabilidades parentais, os n.ºs 4 e 5 do art. 39.º (“Termo posteriores à fase de audição técnica especializada e mediação”) do RGPTC dispõem:

«4 - Se os pais não chegarem a acordo, o juiz notifica as partes para, em 15 dias, apresentarem alegações ou arrolarem até 10 testemunhas e juntarem documentos.
5 - Findo o prazo das alegações previsto no número anterior e sempre que o entenda necessário, o juiz ordena as diligências de instrução, de entre as previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 21.º».

Por sua vez, este preceito normativo, sob a epígrafe “Instrução”, estatui:

«1 - Tendo em vista a fundamentação da decisão, o juiz:
a) Toma depoimento às partes, aos familiares e outras pessoas cuja relevância para a causa reconheça, designadamente, pessoas de especial referência afetiva para a criança, ficando os depoimentos documentados em auto;
b) (…);
c) Toma declarações aos técnicos das equipas multidisciplinares de assessoria técnica;
d) Sem prejuízo da alínea anterior, solicita informações às equipas multidisciplinares de assessoria técnica ou, quando necessário e útil, a entidades externas, com as finalidades previstas no RGPTC, a realizar no prazo de 30 dias;
e) Solicita a elaboração de relatório, por parte da equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos previstos no n.º 4, no prazo de 60 dias.
2 - Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o tribunal notifica o técnico com a antecedência mínima de 10 dias, remetendo-lhe toda a informação relevante constante do processo.
3 - As entidades públicas e privadas têm o dever de colaborar com o tribunal, prestando as informações de que disponham e que lhes forem solicitadas.
4 - Para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo anterior, as entidades públicas e privadas colaboram com as equipas multidisciplinares de assessoria técnica, disponibilizando a informação relevante que lhes seja solicitada.
5 - Só há lugar a relatório nos processos e nos casos expressamente previstos no capítulo seguinte, quando a sua realização se revelar de todo indispensável depois de esgotadas as formas simplificadas de instrução, nomeadamente se forem insuficientes os depoimentos e as informações a que se referem as alíneas a), c) e d) do n.º 1.
6 - O despacho que ordena o relatório deve circunscrever o seu objeto».

O citado art. 21º do RGPTC constitui uma concretização do enunciado princípio orientador da simplificação instrutória e oralidade previsto no art. 4º, n.º 1 al. a) do RGPTC), sendo que a fase da instrução destina-se à recolha dos elementos de facto essenciais com vista à fundamentação da decisão.
Do teor da alínea d) do n.º 1 do art. 21º resulta que a lei prevê perícias a realizar por entidades externas, como os serviços médico-legais ou outras entidades, mas apenas a título subsidiário, quando as equipas multidisciplinares de assessoria técnica que coadjuvam os tribunais se mostram insuficientes para esclarecer a problemática que estiver em questão (6).
Por isso, o n.º 5 do mesmo artigo faz depender a realização de relatório pela equipa multidisciplinar de assessoria técnica desde que a sua realização seja indispensável depois de esgotadas as formas simplificadas de instrução, nomeadamente, se forem insuficientes os depoimentos e as informações a que a se referem as alíneas a), c) e d) do n.º 1 (7).
Das citadas normas resulta que, no processo tutelar cível de regulação das responsabilidades parentais, o juiz, ao abrigo do disposto nos n.ºs 4 e 5 do art. 39.º do RGPTC, pode, de acordo com o critério da indispensabilidade previsto no art. 21º do referido diploma, indeferir a realização de uma perícia de avaliação psicológica à menor nos termos propostos pela recorrente.
Como se assinala na decisão recorrida, a relação entre o art. 21º do RGPTC e as normas que disciplinam a instrução no processo civil, designadamente, no que respeita à perícia aí prevista, é de especialidade, pelo que ao caso se aplica o critério da indispensabilidade previsto naquele artigo e não o critério da “pertinência e carácter não dilatório” do meio de prova previsto no art. 476º, nº 1, do CPC.
Feitas estes considerandos teóricos constata-se que, como primeiro fundamento da apelação, aduz a recorrente que o Tribunal “a quo” não observou o art. 607.º, n.º 4, do CPC, uma vez que na análise das provas não fez uma “crítica e criteriosa das provas”.
Concretiza essa afirmação referindo que o indeferimento da realização da perícia de avaliação psicológica à criança foi, erroneamente, fundamentado pelo Tribunal, «a título principal e determinante», nas declarações prestadas pela educadora da menor no dia 02/09/2020, donde concluiu que a perícia «poderia pôr em causa a estabilidade emocional da criança (…) e voltar a ter reacções físicas como aquelas aludidas pela sua educadora».
Começaremos por salientar que, ao contrário do propugnado pela recorrente, uma leitura atenta da decisão recorrida não nos permite corroborar tais asserções, visto que o referido fundamento constitui, de facto, um dos fundamentos de indeferimento da perícia (por sinal, o último enunciado), mas não o «principal e determinante».
Feita esta breve ressalva, e após a audição dos depoimentos invocados – da educadora da menor, Dra. M. T., e do progenitor –, dir-se-á que este Tribunal concorda com a convicção formada pelo Tribunal recorrido, quando este refere retirar-se do «depoimento da professora da M. C., Dra. M. T., que a criança teria estado mais instável logo após a sua audição no Tribunal [a 10/07/2020] aquando do regresso à escola nos meses de Junho / Julho, tendo dificuldades em alimentar-se e tendendo a vomitar a comida que ingeria nas refeições escolares».
E que, quando questionada sobre as razões de tal instabilidade emocional da criança, «a aludida Professora referiu que o pai lhe havia dito que a criança estaria assim desde que havia sido ouvida pelo Tribunal, sendo que tal depoente esclareceu haver, de facto, essa coincidência temporal passível de poder significar uma relação de causa-efeito e a ausência de qualquer outra explicação plausível, designadamente, qualquer constipação ou pequena doença da M. C. que explicasse tal “reacção física”».
Ora, por referência à prova produzida nos autos, não se evidenciam razões concretas e circunstanciadas capazes de infirmar a apreciação crítica feita pelo tribunal recorrido sobre aquele circunstancialismo fáctico.
Em contraponto, a enunciação dos emails trocados entre a professora da criança e os progenitores não é apta a afastar ou ilidir a convicção formada pelo Tribunal “a quo”, tanto mais que a sintomatologia física sentida pela criança foi percecionada pela educadora e localiza-se temporalmente no período subsequente à audição da criança em Tribunal.
Mostra-se, pois, inviável a este Tribunal superior extrair uma qualquer conclusão que infirme ou divirja da convicção daquele tribunal quanto à presunção por si extraída daqueles depoimentos.
De facto, a fundamentação que serviu de base a essas conclusões dadas pela 1.ª instância – que subscrevemos, nos termos explicitados –, baseando-se na livre convicção e sendo uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, revela-se convincente e sustentada à luz da prova auditada e não se mostra fragilizada pela argumentação probatória da impugnante, não se impondo decisão diversa da recorrida sobre a referida matéria de facto.

Quanto ao mais, ou seja, os concretos fundamentos da decisão de indeferimento da perícia psicológica, urge destacar o seguinte:
É patente o acentuado conflito dos progenitores no tocante à regulação das responsabilidades parentais da criança e o revelado ímpeto de litigiosidade, demonstrando algum défice na resolução consensual de alguns pontos essenciais ao normal desenvolvimento da criança, o que se reflete na morosidade do processo pautado pela formulação de incidentes de incumprimento (cfr. apenso n.º 1140/19.8BGC-B, ref.ª 35333395, de 10/04/2020 e ref.ª 35784620, de 16/06/2020), alterações do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais (cfr. ref.ª 35769805, de 14/06/2020, ref.ª 35890333, de 16/06/2020), bem como quanto à própria escolha do estabelecimento de ensino que a criança deve frequentar, o que, face à necessidade premente de decidir tais questões a fim de acautelar o seu efeito útil, tem obstaculizado à prolação de uma decisão definitiva sobre a regulação das responsabilidades parentais.
Sem que nos caiba emitir qualquer juízo de censura concreta sobre tal postura, impunha-se porém que os progenitores conseguissem separar as questões da conjugalidade das da parentalidade e até estabelecer formas de comunicação entre si, adotando um padrão relacional positivo, consistente e flexível, de modo a favorecer o equilíbrio psicológico da criança, poupando-a a um conflito que só àqueles diz respeito.
É sabido que os principais fatores que poderão conduzir a uma resposta ajustada da criança à separação dos pais passam pela manutenção de um padrão comunicacional funcional entre os progenitores, centrada nas necessidades da criança.
Esta atitude pressupõe a separação dos conflitos do ex-casal do sistema da parentalidade, elemento que parece igualmente contribuir para um ajustamento da criança, quer quando os pais vivem juntos, que quando se separam (8)
Ao nível do ajustamento da criança após a separação, esta beneficia se os pais tiverem uma atitude adequada do ponto de vista emocional e comportamental.
Um dos fatores potencialmente desadaptivos da criança consiste precisamente na manutenção do conflito parental após a separação, nomeadamente através da deslocação de animosidade, agressividade do sistema conjugal para o sistema parental. A perpetuação do conflito entre os pais, envolvendo a criança, é um fator de stress para as crianças, independentemente da configuração familiar (9).
Dito isto dir-se-á que, por referência ao caso objeto dos autos, qualquer decisão definitiva atinente à regulação do exercício das responsabilidades parentais só logrará pôr termo ao dissenso se os progenitores a acatarem. De todo o modo, não a acatando o regime legal estabelece meios tendentes a reconhecer quer a situação de incumprimento culposo/censurável de obrigações decorrentes de regime parental estabelecido, quer a sancionar o progenitor infrator.
Naturalmente, o que se pretende é estabelecer e regular na sua plenitude todas as questões atinentes à regulação do exercício das responsabilidades parentais, que não quanto ao conflito da conjugalidade que divide os progenitores.
Daí que, salvaguardando sempre o devido respeito, não se alcance o sentido da afirmação aduzida pela recorrente quando refere não se ter “por consequente que a regulação definitiva das responsabilidades parentais ponha termo ao dissenso entre os progenitores”.
Prosseguindo, como se refere na decisão recorrida, no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, bem como no apensado processo de promoção e proteção foram já juntos relatórios sociais (cfr. ref.ªs 1592032 1513641), assim como relatório de audição técnica especializada (cfr. ref.ª 1524834), os quais se pronunciam sobre as competências parentais dos progenitores para cuidarem da filha, seja num cenário de residência alternada, seja na hipótese de residência exclusiva a favor de qualquer um deles.
Acresce que, quer a criança, quer os pais, foram já ouvidos pelo Tribunal, tendo manifestado a sua posição sobre o assunto, assim como as técnicas da ATT e do CAFAP com intervenção no processo de promoção e proteção também depuseram a esse propósito quanto ao regime que entendem poder ser aplicado.
Objeta a recorrente referindo que a informação que se pretende com a perícia psicológica não se sobrepõe ou coincide com a já existente nos autos, sendo que só a perícia, consubstanciada num juízo técnico emitido por alguém que aprecia e apreende factos para os quais são requeridos conhecimentos técnicos específicos de que o julgador não dispõe, pode fornecer informação bastante que possa contribuir para a tomada da decisão que se quer esclarecida e assertiva, o que no caso é particularmente reclamado pelo «superior interesse da menor».
Sem embargo de se reconhecer a mais valia das perícias psicológicas na jurisdição de família e menores, dever-se-á porém não descurar as dúvidas que as mesmas são suscetíveis de suscitar relativamente à sua utilidade científica. Com efeito, é grande a tentação do perito para agir inadequadamente como investigador policial (pesquisando pistas exteriores à sua ciência), ou como magistrado do Ministério Público (promovendo o que acredita ser o superior interesse da criança), ou como juiz (decidindo o que deve ser feito), já que, em rigor, muito pouco das habituais “técnicas” da psicologia (ou da psiquiatria) podem ser utilizadas. Estes papéis profissionais - de polícia, procurador ou juiz - não podem ser nunca os dos peritos, enfatizando-se que não se pode definir as necessidades ou o interesse da criança unicamente em termos psicológicos ou psicopatológicos (10).
Há, aliás, quem defenda que, na maioria das situações, um relatório social é muitas vezes mais profícuo do que uma perícia (seja ela psiquiátrica ou psicológica). Na verdade, implícito que está uma observação da “interação no seio da família” e da respetiva “dinâmica”, será por vezes preferível a elaboração de um relatório social, que no local visite e objetivamente descreva, sem interpretar, fornecendo ao juiz elementos de prova, sem apreciação técnica, ou seja, não integrando o conceito de prova pericial propriamente dita (11).
De relevante nos autos ainda o facto de, na sequência da sua audição em Tribunal no dia 10/07/2020, a criança ter mostrado sinais de maior instabilidade emocional e física, tendo dificuldades em alimentar-se e tendendo a vomitar a comida que ingeria nas refeições escolares.
Não é por isso de excluir que essa sintomatologia tenha uma relação causal com a sua intervenção em juízo.
Os elementos disponíveis nos autos, por outro lado, não corroboram a alegada «à vontade» da menor» e da sua confortabilidade na sua audição judicial.
Veja-se que, no decurso da audiência de julgamento realizada no dia 15/01/2021, e não obstante todos os cuidados colocados pelo Tribunal na audição da criança com vista a garantir a espontaneidade e a sinceridade das respostas – sendo a mesma assistida no decurso do ato processual por técnica especializada habilitada para o seu acompanhamento, que com ela falou antes do seu depoimento a fim de ser inteirada das suas finalidades e realizando-se essa audição «em dia diferente do da realização do julgamento a fim de se evitar o stress adicional que a presença de outras pessoas que não os progenitores e os Ilustres Mandatários poderia causar na menor» –, pela criança foi expressamente dito não pretender responder a quaisquer perguntas sobre o que se passa em casa da mãe e em casa do pai, não pretendendo, como tal, manifestar a sua opinião sobre os assuntos em discussão em matéria de regulação do exercício das responsabilidades parentais, aceitando apenas ser ouvida quanto à sua situação escolar e às suas atividades extracurriculares, manifestando, por diversas vezes, não querer falar dos assuntos em discussão em relação à regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Esta postura da criança, reveladora de uma maturidade acima da de uma normal criança de sete anos, diz bem no sentido de a mesma não se querer ver envolvida no conflito em causa, não aceitando ser interpelada sobre as questões atinentes à regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Assim, tal como concluiu o Tribunal recorrido, para além dos variados elementos probatórios constantes do processo que, conjugados com a demais prova a produzir em audiência de julgamento, permitirão habilitar proferir uma decisão conscienciosa sobre a matéria em discussão, a sujeição da criança de apenas 7 (sete) anos a uma perícia de avaliação psicológica poderia colocar em causa a sua estabilidade emocional, tanto mais que a mesma já manifestou nos autos, de viva voz, e de um modo claro, inequívoco e assertivo, recusar-se a falar sobre tais assuntos. Isto porque, conclui-se, certamente, tais assuntos a molestam interiormente.
Efetivamente, a deferir-se a realização da requerida perícia de avaliação psicológica à criança, cujo objeto consiste, entre o mais, na definição da figura parental de referência (com qual dos progenitor tem laços afetivos mais fortes e qual a sua figura parental protetora), na aferição da satisfação ou insatisfação da menor com o regime da residência alternada que provisoriamente se encontra fixada e, neste caso, qual o desejo ou preferência da menor, bem como com a indicação do regime (residência alternada ou residência com um dos progenitores) se mostra mais adequado ao desenvolvimento da menor, estar-se-ia, no fundo, a permitir que a criança fosse questionada sobre questões diretamente relacionadas com o conflito que subjaz aos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais. Tal equivaleria, na prática, a menosprezar por completo a real vontade da criança já manifestada nos autos no sentido de não pretender tomar posição no conflito em causa, nem de ser abordada sobre o mesmo, com os inerentes riscos para a sua estabilidade emocional que daí poderiam advir, criando-lhe ansiedade, pressão e um agudizado conflito interior, o que é de repudiar.
Numa situação tão sensível e complexa como a presente, é de todo avisado que os progenitores poupem os filhos a uma intervenção que pode vir a causar-lhes traumas e afetar o seu bem estar interior (12). Já lhes basta a dor da separação dos pais.
E com os variados elementos probatórios já disponíveis nos autos a que acrescerão as provas a produzir em audiência de julgamento, nem se vislumbra que vantagens daí poderiam advir.
Não podemos perder de vista que a linha de orientação da atuação do Tribunal será sempre a do superior interesse do menor.
Por outro lado, o facto de o tribunal “a quo” não ter indeferido liminarmente a requerida perícia e de ter pedido aos progenitores para se articularem quanto à entidade suscetível de realizar a perícia (caso esta viesse a ser determinada), tal não equivale a um deferimento tácito da perícia, nem vincula necessariamente o tribunal à prolação de uma decisão de deferimento desse requerido meio de prova.
Em primeiro lugar, porque com aquela notificação o Tribunal apenas pretendia que os progenitores – na hipótese de a perícia não ser realizada na Unidade Local de Saúde de … ou no INML de … por o progenitor ser médico e conhecer os eventuais peritos – chegassem a um entendimento comum quanto à entidade que poderia realizar a perícia.
Em segundo lugar, porque é frequente que o juiz relegue a apreciação da pertinência e do caráter dilatório da diligência requerida para o momento subsequente ao exercício do contraditório, posto que a omissão de um juízo liminar expresso sobre a pertinência da perícia e a notificação à parte contrária para se pronunciar não consubstancia um deferimento tácito da perícia, mas apenas o exercício diferido do controlo pressuposto pela norma (13).
Na verdade, só nos casos em que se afigura manifesto que a perícia é impertinente ou dilatória é que poderá justificar-se a rejeição liminar da perícia.
Além de que não podemos olvidar que o processo é dinâmico, faseado e progressivo, devendo ser sempre norteado, quer na sua tramitação, quer ao nível da decisão, em função do superior interesse da criança, pelo que nada impede que, não obstante a não oposição da parte contrária, no momento da admissão dos meios de prova o juiz venha a concluir, fundadamente, pela inadmissibilidade da perícia.
E, no caso, como bem se refere no despacho impugnado, tal requerimento probatório foi feito (em 10/7/2020) antes da audição da educadora da M. C. (em 2/9/2020), da qual resultou ter-se a criança «sentido mal na escola (nomeadamente, vomitando os alimentos ingeridos nas refeições escolares) em momento imediatamente posterior a ter sido inquirido neste Tribunal», sendo certo que, como já vimos, ulteriormente a menor expressou já nos autos não pretender tomar partido, de forma ativa, no conflito em discussão, rejeitando qualquer abordagem sobre as questões atinentes à regulação do exercício das responsabilidades parentais, posição esta que, devendo ser respeitada, reforça o sentido da decisão recorrida.
Subscreve-se por isso a posição expressa pelo Ministério Público nas suas contra-alegações, nos termos do qual, da análise dos diversos fundamentos insertos no despacho recorrido, «resulta que foram a necessidade de garantir em termos amplos a saúde emocional da criança no decurso do processo e o seu superior interesse que nortearam a decisão proferida».
Pelo exposto, não se mostrando indispensável a realização da perícia de avaliação psicológica à criança e existindo fortes elementos indiciários que apontam no sentido da sua realização poder provocar pressão, ansiedade, desequilíbrio e perturbação emocional da criança, é de rejeitar a perícia requerida pela progenitora.

Termos em que se impõe confirmar a decisão impugnada.
*
As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I - A relação entre o art. 21º da Lei n.º 141/2015, de 08/09 (Regime Geral do Processo Tutelar Cível) e as normas que disciplinam a instrução no processo civil, designadamente, no que respeita à perícia aí prevista, é de especialidade, pelo que num processo tutelar cível tendente a regular o exercício das responsabilidades parentais aplica-se o critério da indispensabilidade previsto naquele artigo e não o critério da “pertinência e carácter não dilatório” do meio de prova previsto no art. 476º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.
II - Não se mostrando indispensável a realização da perícia de avaliação psicológica à criança e existindo fortes elementos indiciários que apontam no sentido da sua realização poder provocar pressão, ansiedade e perturbação emocional da criança, é de rejeitar a perícia requerida por um dos progenitores.
*
VII. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
*
Custas da apelação a cargo da apelante (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Guimarães, 25 de março de 2021

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Atenta a retificação por requerimento da recorrente de 25/01/2021.
2. Cfr. Processos Especiais, Vol. II, reimpressão, Coimbra Editora, 1982, pp. 399/400.
3. Cfr. Ac. da RP de 15/09/2016, CJ, XLI, T. IV/2016, pp. 156/161. Assim, como se decidiu no Ac. da RG de 25/02/2016 (relator Francisco Cunha Xavier), in www.dgsi.pt., numa ação de regulação de responsabilidades parentais, o juiz deve rejeitar os pedidos de esclarecimento formulados pelos progenitores na sequência da apresentação dos relatórios sociais, quando esses esclarecimentos visem a obtenção de declarações meramente opinativas, conclusivas ou desnecessárias.
4. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, p. 436.
5. Cfr. Ac. da RG de 25/02/2016 (relator Francisco Cunha Xavier), in www.dgsi.pt.
6. Cfr. Ac. da RC de 21/05/2019 (relator Alberto Ruço), in www.dgsi.pt.
7. Cfr. Tomé d`Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado, 2ª Ed., Quid Juris, pp. 73/74.
8. Cfr. Catarina Ribeiro, Contributos da avaliação psicológica para a definição do regime adequado a cada criança em sede do Exercício das Responsabilidades Parentais, in I Congresso de Direito da Família e das Crianças, coord. Paulo Guerra, 2016, Almedina, p. 121.
9. Cfr. Catarina Ribeiro, estudo citado, p. 123.
10. Cfr. Fernando Vieira e Ondina Graça, Perícias Psicológicas Versus Perícias Psiquiátricas: as Minhas, as Tuas e as Nossas. Limites, Confluência e Exclusividades, in Psicologia, Justiça & Ciências Forenses, de Mauro Paulino e Fátima Almeida, Pactor, p. 22.
11. Cfr. Fernando Vieira e Ondina Graça, estudo e obra citados, pp. 23/24.
12. Como bem assinalou o Mm.º Juiz “a quo”, não foi alegada pela progenitora a questão da alienação parental, que é tida pela jurisprudência como podendo justificar a observação da criança por pedo-psiquiatra no âmbito de uma perícia.
13. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 539 e Ac. do STJ de 5/03/2002 (relator Ribeiro Coelho), in www.dgsi.pt.