Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
98/15.7IDBRG-B.G1
Relator: ARMANDO AZEVEDO
Descritores: DEFENSOR OFICIOSO
HONORÁRIOS
INCIDENTE PROCESSUAL
INTERVENÇÃO PROCESSUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – O mero exercício do contraditório quanto ao não pagamento da multa criminal não justifica o pagamento de honorários à defesa do arguido, a título de incidente processual, porquanto, em bom rigor, não ocorreu qualquer incidente processual.
II – Todavia, porque houve uma intervenção no processo da Ilustre Defensora do arguido, no interesse da defesa, o serviço prestado não pode deixar de ser remunerado, em conformidade com o disposto no artigo 28.º- A, al. b), 1ª parte, da Portaria n.º 10/2008, de 03.01.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção de tribunal singular nº 98/15.7IDBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Fafe, com data de 30.12.2021, foi proferido despacho judicial pelo qual foi indeferido o pedido de pagamento de honorários formulado pela Ilustre Defensora do arguido, Dr.ª E. C..
2. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso a Ilustre Defensora do arguido, tendo concluído nos seguintes termos (transcrição):

A. A questão objeto do presente recurso, como emerge do que supra se expôs, está em aferir da legitimidade do pedido de honorários quanto ao Incidente de conversão de pena de multa em prisão subsidiária, em que a ora Recorrente, inclusivamente, comprovadamente teve intervenção. (cfr. Doc. 4 que se junta- Ref. 167488086, Ref. 167448956, Ref. 35193857, Ref. 168393824)
B. No caso em apreço, a aqui Recorrente, foi nomeada para representar o Arguido C. F., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 64.º do Código de Processo Penal, e agiu sempre de forma a defender os interesses legítimos deste, tendo acompanhado todo o processo até à junção aos autos de Procuração Forense na data de 08 de junho de 2021.
C. Após ter sido notificada da cessação de funções em virtude de constituição de mandatário judicial por parte do Arguido e atentando no trabalho que já havia realizado nos presentes autos no interesse e defesa deste, à luz do previsto na al. b) in fine do art.º 28.º-A da Portaria n.º 10/2008, de 03 de Janeiro, requereu o pagamento dos honorários devidos mediante apresentação do respetivo requerimento, do qual constavam os atos e as diligências em que comprovadamente participou, tendo feito o respetivo pedido pelo valor de 8 UR’s (limite correspondente ao valor dos honorários aplicáveis ao processo em causa - nos termos do ponto 5 (incidentes processuais, procedimentos cautelares, meios processuais acessórios e pedidos de suspensão de eficácia do ato) da tabela anexa à Portaria n.° 1386/2004, de 10 de novembro) uma vez que a ora defensora do Arguido, Dra. L. P., se limitou apenas a juntar o comprovativo de pagamento da pena de multa, nada mais! (Cfr. Doc 2 que se junta – Pág. 6 a 9)
D. Bem como, concomitantemente submeteu a pagamento na Plataforma informática SINOA (Sistema de Informação Nacional da Ordem dos Advogados) os seus devidos e legítimos honorários, designadamente, pelo Incidente processual “Incidente de conversão de pena de multa e prisão subsidiária“, procedendo, para o efeito, à abertura do apenso, cumprindo na íntegra, com as regras de utilização da plataforma SInOA e sempre em consonância com o disposto na tabela de honorários para a proteção jurídica anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de novembro, Portaria n.º 10/2008, de 03 de janeiro, Lei n.º 34/2004 de 29 de julho, alterada e republicada pela Lei n.º 47/2007 de 28 de agosto, Manual do Apoio Judiciário- Perguntas Frequentes DGAJ/CF 2021 e Elucidário do Acesso ao Direito, disponível em https://dgaj.justica.gov.pt/ e https://portal.oa.pt/.
E. Não obstante o supra exposto, a 25-10-2021, foi o referido pedido de pagamento de honorários rejeitado pelo Senhor Secretário Judicial com a indicação “Incidente processual não confirmado” – “Não tem incidente processual” (cfr. Doc. 1 que se junta)
F. Ora, não tendo, de todo, como correto o “entendimento” constante da referida rejeição, a Recorrente, por articulado apresentado em 04.11.2021 e ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 157.º do CPC, ex vi art.º 4.º do CPP, apresentou reclamação do referido ato praticado pela Secretaria do Tribunal. (cfr. Doc. 2 que se junta- pág. 1 a 5)
G. No entanto, e por Despacho com data de elaboração de 30.12.2021, veio o Tribunal recorrido pronunciar-se sobre a Reclamação do ato da secretaria que recusou validar o pedido de honorários conforme elaborado pela Recorrente, recusando a pretensão da recorrente e do qual se recorre. (cfr. Doc. 3 que se junta)
H. O despacho da Meritíssima Juiz de Direito a quo aqui em causa, proclama o seguinte, passo a transcrever: (Cfr. Doc. n.º 3 que se junta)
(…) «Nesta matéria, contudo, partilhamos do entendimento sufragado pela secretaria judicial a fls. 748 e também pelo MP a fls.749, pois não se nos afigura que o mero exercício do contraditório escrito subsequente à promoção de conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária possa pela sua singeleza (note-se que em resposta à promoção a ora reclamante reconheceu que o aqui arguido nunca efetuou qualquer contacto consigo, desconhecendo assim a real situação do mesmo, apenas tendo respondido por dever de patrocínio) ser para efeitos de remuneração de honorários entendido como um acto correspondente ou equiparado a um "incidente processual" (aliás, ao que sabemos, não só neste processo, como nos restantes, sempre tem sido esse o entendimento seguido pela secretaria)» (negrito e sublinhado nossos)
I. Ora, tal sustentação labora, de facto, e salvo melhor opinião que não se discerne, em erro de apreciação dos factos pertinentes, bem como em errónea aplicação do Direito.
J. De acordo com o ponto 2.1.1. pág. 25 do Manual do Apoio Judiciário – Perguntas Frequentes DGAJ/CF 2021:
“2.1.1. Incidentes
2.1.1.1. Sendo os incidentes processuais objeto de remuneração autónoma, nos termos do ponto 5. da Tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de novembro, quando e de que forma deverão ser peticionados?
Os incidentes são solicitados da seguinte forma:
a) Se o incidente correr por apenso ao processo principal – No SinOA deverá igualmente ser criado um apenso e os honorários pedidos pela espécie "Incidentes Processuais", com o trânsito em julgado do despacho/sentença que conheça do incidente onde o advogado teve intervenção processual (e mesmo que o processo principal siga os seus termos.)
b) Se o incidente correr enxertado no processo principal – Os honorários serão pedidos com o trânsito em julgado do processo principal, colocando-se o número de incidentes onde o advogado teve intervenção no campo “N.º de Incidentes Processo” da plataforma informática.
c) Se o incidente correr enxertado no processo principal que já se encontra findo – O sistema não permite a cumulação de pedidos no mesmo processo AJ pelo que o advogado deverá criar o incidente onde teve intervenção processual através da ferramenta “Apenso/Recurso”. “ (negrito e sublinhado nossos)
K. No caso em apreço, para melhor especificar a intervenção efetiva aqui em causa, importa aludir que a Recorrente foi notificada a 02 de março de 2020 (Cfr. Doc. n.º 4 que se junta) para se pronunciar num prazo de 10 dias quanto ao Despacho proferido com a referência
L. É neste enquadramento, tendo em conta o promovido pelo Ministério Público em 27-02-2020, designadamente, “(…) que a pena de multa aplicada ao arguido seja convertida na correspondente prisão subsidiária (…)” referência 167448956, que surge o Incidente de conversão de pena de multa em prisão subsidiária, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 49.º do Código Penal (Cfr. doc. n.º 4 (pág. 3) que se junta).
M. Conforme refere o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16 de Abril de 2013 (Rel. João Gomes de Sousa, DGSI, proc. 345/99.0GTSTR.E1), e, analogicamente, comparando-o ao caso sub judice, “(…) nomear um causídico como defensor oficioso [in casu, patrono oficioso], notificá-lo mais de uma dezena de vezes (…) [como tal], admitir a junção, (…) [como patrono], de vários requerimentos e (…), e reconhecer essa qualidade (…) ao longo desse tempo e, agora, negar a sua qualidade de [patrono] oficioso para não lhe pagar o devido não é um acto de “boa-fé”. É má-fé. É conduta não aceitável a um tribunal.”- (Sublinhado e destacado nossos)
N. Nesta conformidade não se vislumbra o porquê de não ter sido aceite o pagamento pelo Incidente de Conversão de pena de multa em prisão subsidiária (Promoção MP Ref.ª 167448956 - Requerimento com Ref.ª 35193857), sobretudo quando a Recorrente foi notificada para o efeito e, inclusivamente, teve intervenção!! (Cfr. Doc. 4 que se junta)
O. Face ao exposto, importa fazer notar que, no despacho da Meritíssima Juiz de Direito a quo, s.m.o, parece desvalorizar o trabalho da patrona nomeada, pois o despacho em causa, salvo o devido respeito, que é muito, é atentatório para os Advogados inscritos no acesso ao direito, designadamente no âmbito da matéria em apreço, pois contrariamente ao entendimento perfilhado na presente decisão, passo a citar trecho “(…)pois não se nos afigura que o mero exercício do contraditório escrito subsequente à promoção de conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária possa pela sua singeleza(…)ser para efeitos de remuneração de honorários entendido como um acto correspondente ou equiparado a um "incidente processual", conforme melhor aprofundaremos infra, é para nós evidente que não se limitou apenas ao exercício do contrário, sendo certo que para exercer esse contraditório a ora Recorrente teve proceder à analise da promoção do Ministério Público e dos despachos subsequentes nomeadamente do despacho final que converte a pena de multa em pena de prisão (Cfr. Doc 4 que se junta) , pelo que não é de todo assim tão singelo (e mesmo que fosse) como referido pela Meritíssima Juiz de Direito a quo, motivo pelo qual tem que ser devidamente remunerado!!
Para além de, importa frisar, existirem várias decisões judiciais, nomeadamente, a título meramente exemplificativo, Acórdão do TRG de 09.01.2017, Processo nº 1889/07.8TAGMR.G1 e Acórdão do TRL 18.03.2004, Processo nº 655/2004-9, entre outros, que qualificam, e bem, como incidentes da instância a conversão de pena de multa em prisão preventiva.
P. Pelo que, seja da leitura da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, seja do teor da Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, resulta claro e insuscetível de qualquer dúvida que inexiste qualquer exigência de uma efetiva e visível intervenção no processo em que o Defensora é nomeada, como pressuposto do direito a receber a devida compensação económica devida no âmbito do apoio judiciário,
Q. Inexistindo qualquer norma legal de onde se possa retirar uma hipotética pretensão do legislador nesse sentido.
R. Não cabendo, sequer, à Secretaria do Tribunal ou, s.m.o, ao próprio Tribunal, proceder a qualquer juízo desta natureza, estando-lhe eximido qualquer exercício de aferição dos 18 serviços prestados pela Defensora como condição prévia de validação dos honorários lançados.
S. Mais a mais, é entendimento consensual que o exercício do patrocínio, seja em que processo for e a qualquer título, impõe um conjunto de atos que não ficam a constar da tramitação dos autos e que, como tal, não são percetíveis enquanto atos praticados nos autos.
T. Sendo certo que, finda a análise empreendida pelo Defensor e respeitando o espaço de discricionariedade técnica que à apreciação caberá, poder-se-á mostrar como mais conveniente para os interesses do beneficiário não intervir nos autos.
U. Assim, no que se refere à intervenção da Defensora oficiosa no processo ou de qualquer outro Advogado que não tenha sido nomeado oficiosamente, cabe, pois, realçar que o seu trabalho efetivo, dada a natureza do mesmo, não se manifesta exclusivamente através da prática de atos processuais no processo (mas saliente-se que no caso em apreço até houve intervenção efetiva da ora Recorrente! – Cfr. Doc. 4 que se junta- Pág. 4 a 7).
V. Aliás, no caso, face ao teor das «conclusões» aportadas, e ressalvado o respeito devido, importa salientar que “A intervenção do Tribunal na fixação dos honorários deve limitar-se à aplicação da tabela, não havendo já campo para ponderar o tempo gasto, o volume e a complexidade da intervenção, os actos e as diligências realizadas pelo defensor, ou outros factores, que foram tidos em conta no estabelecimento dos escalões tabelares...”. Acórdão da Relação de Lisboa, de 29.10.2003, in www.dgsi.pt.
W. Posto isto, pegando nas palavras do Prof. Alberto dos Reis, cuja autoridade ainda se mantém nas questões basilares do processo civil, não obstante as sucessivas alterações e reformas da lei, estamos perante um incidente da instância quando no decurso do processo, “surge uma questão secundária e acessória, para a solução da qual se torna necessária a prática de actos e termos não compreendidos na estrutura própria do processo da acção”.
X. Portanto, os incidentes da instância são questões que surgem no processo, que se enxertam na ação.
Z. Na síntese do Prof. Alberto dos Reis (Comentário, Vol. I, pág. 284), pode afirmar-se que "o julgamento dos incidentes se destina unicamente a servir o fim e as necessidades do processo em que elas surgiram e, por isso, não se projecta para fora e para além desse processo. Quer dizer, essas questões ficam arrumadas dentro do processo; fora dele, continuam em aberto, podendo ser resolvidas em sentido diferente" (ou seja, fazem caso julgado formal).
AA. Atento o supra exposto, como é expectável, não pode, de todo, a Recorrente conformar- se com a exposta posição propugnada pelo Tribunal a quo, pois, se o Tribunal recorrido parece defender o entendimento de que distinta interpretação geraria uma profusão de pagamentos de honorários.
BB. Não se compreende como, o mesmo Tribunal a quo, não conjetura a possibilidade de o processo em apreço poder extravasar o seu objeto inicial, vinculando a defensora oficiosa com o correspetivo exercício do patrocínio, e o inerente trabalho (tanto que foi notificada para se pronunciar - Cfr. doc. n.º 4 que se junta – pág. 1 a 3), que daí resultará sem que beneficiasse da correspetiva e devida compensação económica.
CC. Pelo que, não se conjetura qualquer razão para que este Incidente não seja pago no máximo legalmente previsto, ou seja, 8 Ur´s – cfr. alínea b) do Artigo 28º-A da Portaria n.º 10/2008 de 3 de janeiro e ponto 5 a tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de novembro, atendendo inclusivamente ao facto de a ora defensora do Arguido, Dra. L. P., apenas se ter limitado a juntar o comprovativo de pagamento da pena de multa e nada mais!! (vide a Título exemplificativo o Acórdão do TRL 18.03.2004, Processo nº 655/2004-9 que qualifica a conversão de pena de multa em prisão subsidiária como Incidente – Cfr. Doc. n.º 5 que se junta).
DD. Tal como já mencionado pela Recorrente na Reclamação apresentada, na data de 04-11- 2021, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do art.º 157.º do CPC aplicável ex vi art.º 4.º do CPP (Cfr. doc. n.º 2 que se junta- Pág. 1 a 5), conforme refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.06.2017, “Os incidentes da instância traduzem-se em relações processuais secundárias, intercorrentes no processo principal, de caráter episódico ou eventual, que se destinam a prover, em regra, sobre questões acessórias, nomeadamente respeitantes ao preenchimento
EE. Neste contexto, a conversão de pena de multa em prisão subsidiária é um incidente da instância e o mesmo exige a apreciação de questões jurídicas por parte do defensor oficioso do Arguido distinto daquelas que se colocam no processo principal.
FF. Pois, há que distinguir entre os incidentes processuais que sucedem de forma ocasional num processo e os incidentes processuais que sucedem sempre no processo, isto é, incidentes que, no fundo fazem parte do próprio processo.
GG. Os incidentes que sucedem de forma ocasional num processo, não fazendo necessariamente parte dos processos, devem ser considerados autonomamente para efeitos de fixação de honorários, pelo que os honorários atribuídos à defensora no processo-crime não abarcam este incidente.
HH. Assim, os honorários devidos pelo referido incidente deverão ser fixados no máximo legalmente previsto, ou seja, 8 Ur´s – cfr. alínea b) do Artigo 28º-A da Portaria n.º 10/2008 de 3 de janeiro e ponto 5 a tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de novembro.
II. Tanto mais que, devem os serviços prestados pelos defensores oficiosos ser valorados, bem como o tempo despendido.
JJ. Aliás, esse o espírito da Lei do Acesso ao Direito e Apoio Judiciário, tanto que a notificação da decisão também é feita aos mandatários com a indicação expressa de prazo para pronúncia! (Cfr. Doc 4 que se junta – Pág.2).
KK. Estar-se-á, seguindo-se a interpretação proposta pelo Tribunal recorrido, a vincular a defensora oficiosa ao exercício do patrocínio defendendo os direitos e interesses legítimos do Arguido, sem que contudo, deva ser compensada para além do que ficou estipulado no processo.
LL. Ora, crê-se que essa não parece ser a interpretação sistemática e de acordo com a ratio legis que evita o absurdo de um Advogado que participe no Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais ver-se colocado na posição de ficar responsável pelo patrocínio durante, por vezes, vários anos sem que, na realidade, venha a ser compensado pelo exercício do patrocínio e pelo inerente trabalho.
MM. Reitere-se que a ora Recorrente, no caso em apreço, teve, inclusivamente, uma intervenção efetiva no incidente de conversão de pena de multa em prisão subsidiária-Processo AJ 26197/2016, pelo que se não fosse a intervenção da Recorrente, a defesa dos direitos e interesses legítimos do Arguido poderiam não ter sido devidamente acautelados, tanto que a que a ora defensora do Arguido, Dra. L. P., apenas se limitou a juntar o comprovativo de pagamento da pena de multa, não tendo tido qualquer outra intervenção no processo em apreço, como se pode facilmente corroborar.
NN. Ora, da conjugação do supra exposto, entende a aqui Recorrente que, não subsistem dúvidas quanto à sua legítima e devida compensação como Defensora Oficiosa, para além dos honorários referentes ao respetivo processo em apreço, como também pelo referido incidente, pelo que deverão ser fixados no máximo legalmente previsto, ou seja, 8 Ur´s – cfr. alínea b) do Artigo 28º-A da Portaria n.º 10/2008 de 3 de janeiro e ponto 5 a tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de novembro.
OO. Todo este enquadramento legal ajuda a compreender a necessária substituição e revogação do Despacho anterior.
PP. Pois é injusto e inconcebível que a ora Recorrente não seja recompensada dos serviços jurídicos que prestou, o que geraria uma verdadeira injustiça.
QQ. Nestes termos, s.m.o, foi violado o disposto no artigo 20.º e 208.º da CRP e o espírito da Lei 34/2004 de 29 julho, alterada e republicada pela lei 47/2007 de 28 de agosto, vulgo Lei do Apoio Judiciário.
RR. Nestas circunstâncias, deve o douto Despacho recorrido ser revogado por outro que determine a fixação dos honorários pretendidos, e assim se fará justiça.

IV- PEDIDO
Pelo que, atento todo o supra exposto, deverá o presente recurso proceder e o Despacho de indeferimento dos honorários ser revogado e substituído por outro que confirme os pedidos de pagamento/ compensação efetuados pela ora Recorrente, pelo Incidente de conversão de pena de multa em prisão subsidiária (no máximo legalmente previsto, ou seja, 8 Ur´s – cfr. alínea b) do Artigo 28º-A da Portaria n.º 10/2008 de 3 de janeiro e ponto 5 a tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de novembro)
Fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA!

3. O M.P., na primeira instância, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, tendo concluído nos seguintes termos (transcrição):

1. O requerimento apresentado pela ilustre defensora do arguido, foi apresentado na sequência da promoção do Ministério Público que promoveu a conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
2. A M.ma Juíza a quo apenas notificou o arguido para exercer o seu contraditório, sem que tenha existido qualquer despacho que tenha convertido a pena de multa em prisão subsidiária.
3. Não houve lugar a qualquer a incidente, tanto mais que o arguido constituiu nova defensora, realizando o pagamento da pena de multa em que havia sido condenado.
4. O singelo exercício do contraditório escrito subsequente à promoção de conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária não poderá, quanto a nós, ser equiparado a um incidente processual para efeitos de honorários.
5. Tanto mais que a resposta do arguido à promoção do Ministério Público se afigurou abstracta, porquanto a defensora reconheceu nunca ter tido qualquer contacto com o mesmo, desconhecendo a sua situação concreta, tendo apenas exercido o contraditório por dever de patrocínio.
6. O acto praticado deverá situar-se na fase processual da execução da pena, sendo que os actos praticados durante a execução da pena estão já compreendidos nos honorários que foram fixados à ilustre defensora ao longo do processo.
7. O incidente de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, apenas se desencadeia com o despacho de conversão e não com a notificação ao arguido da promoção do Ministério Público nesse sentido.
8. Bem andou o Tribunal a quo, ao indeferir o pedido de honorários formulado pela recorrente, devendo o despacho em crise, manter-se nos seus precisos termos.
4. Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser julgado improcedente.
5. Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP e não foi apresentada qualquer resposta.
6. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1- Objeto do recurso

O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso (1) do tribunal, cfr. artigos 402º, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP.
A questão a decidir consiste em saber se é devido o pagamento de honorários à Ilustre Defensora nomeada ao arguido face à sua intervenção no processo, quer se considere ou não ter ocorrido, em concreto, um incidente processual juridicamente relevante para efeitos de pagamento de honorários.

2. O despacho recorrido

O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição):
Fls. 742: Vem a Ilustre Defensora do arguido solicitar seja ordenado à Secretaria que confirme o pedido de honorários por si requerido e referente ao que intitula de “incidente de conversão de pena de multa em prisão subsidiária”.
Nesta matéria, contudo, partilhamos do entendimento sufragado pela secretaria judicial a fls. 748 e também pelo MP a fls.749, pois não se nos afigura que o mero exercício do contraditório escrito subsequente à promoção de conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária possa pela sua singeleza (note-se que em resposta à promoção a ora reclamante reconheceu que o aqui arguido nunca efetuou qualquer contacto consigo, desconhecendo assim a real situação do mesmo, apenas tendo respondido por dever de patrocínio) ser para efeitos de remuneração de honorários entendido como um acto correspondente ou equiparado a um "incidente processual" (aliás, ao que sabemos, não só neste processo, como nos restantes, sempre tem sido esse o entendimento seguido pela secretaria), sendo certo que à expoente foram já aprovados os honorários respeitantes ao processo crime, bem como os devidos quanto à interposição do recurso do despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
Pelo exposto, indefere-se o requerido. Notifique.

3- Apreciação do recurso

Em concretização do disposto no nº1 do artigo 20º da CRP, o artigo 1º, nº 1 da Lei nº 34/2004, de 29.07, estabelece que “O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos”.
Para o efeito de concretização do aludido objetivo de politica de justiça, foi necessário estabelecer um justo e adequado esquema remuneratório para compensar os profissionais do foro que participem no sistema de acesso ao direito.
Por isso, o nº 2 do artigo 3º da Lei nº 34/2004, de 29.07, veio consagrar que “O Estado garante uma adequada compensação aos profissionais forenses que participem no sistema de acesso ao direito e aos tribunais”, o que foi concretizado nº1 do artigo 2º da Portaria nº 1386/2004, de 10.11, o qual tem a seguinte redação: “São devidos aos advogados, pelos serviços que prestem no âmbito da proteção jurídica, os honorários constantes da tabela em anexo”.
No âmbito específico do sistema de justiça penal rege o nº 5 do artigo 66º do CPP, segundo o qual “O exercício da função de defensor nomeado é sempre remunerado, nos termos e no quantitativo a fixar pelo tribunal, dentro de limites constantes de tabelas aprovadas pelo Ministério da Justiça ou, na sua falta, tendo em atenção os honorários correntemente pagos por serviços do género e do relevo dos que foram prestados. Pela retribuição são responsáveis, conforme o caso, o arguido, o assistente, as partes civis ou os cofres do Ministério da Justiça”.
Outrossim, importa ainda ter presente o disposto na Portaria nº 10/2008, de 03.01, na sua versão mais recente, de acordo com a Portaria nº 319/2011, de 30.12.

No caso vertente, como decorre do despacho recorrido, foram aprovados honorários à ora recorrente, na qualidade de defensora do arguido, pela sua intervenção no processo até à prolação da sentença, bem assim pelo recurso que interpôs do despacho que converteu em prisão subsidiária a pena de multa em que o arguido havia sido condenado.
Note-se que a recorrente cessou as suas funções em consequência de o arguido ter constituído mandatário, encontrando-se, nessa altura, os autos em fase de recurso do mencionado despacho, tendo o arguido efetuado o pagamento da pena de multa, o que conduziu à extinção do recurso por inutilidade superveniente da lide.
Assim, agora está apenas em causa a remuneração peticionada pela recorrente em decorrência de ter sido notificada pelo tribunal, em cumprimento do contraditório no que se refere à promoção do M.P. no sentido de que a pena de multa em que o arguido foi condenado fosse convertida em prisão subsidiária.
Em resposta à aludida notificação, a ora recorrente, em representação do arguido, fez juntar aos autos requerimento no qual, em síntese, refere desconhecer a real situação do arguido, uma vez que nunca teve contacto com ele. Apesar disso, requereu que fosse diligenciado junto das autoridades espanholas a existência de bens suscetíveis de penhora e a realização de relatório social no sentido de apurar as razões do não pagamento da pena de multa. Concluiu o seu requerimento, aduzindo a sua posição relativamente ao enquadramento jurídico decorrente da falta de pagamento da pena de multa, invocando o disposto no artigo 49º do CP. Este requerimento foi indeferido no próprio despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária.
A recorrente, no sentido de fundamentar o pedido de pagamento de 8 URs de honorários que formulou, invoca o disposto no artigo 28º-A, al. b) in fine da Portaria nº 10/2008, de 03.01 e o ponto 5 da tabela anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10.11, na parte em que se refere a “incidentes processuais”.
Por conseguinte, segundo a recorrente, a fundamentação da sua pretensão em ser-lhe paga a remuneração equivalente a 8 URS pelo trabalho por si desenvolvido reside em ter tido intervenção na defesa do arguido na fase da conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária, o que constitui, no seu entender, um incidente processual.
De forma que, cotejando a esta posição da recorrente com a fundamentação do despacho recorrido, importa responder à questão de saber se a intervenção da recorrente é suscetível de ser configurada como uma intervenção suficientemente relevante para justificar o pagamento de honorários por intervenção em incidente processual. Na verdade, no despacho recorrido entendeu-se que «…o mero exercício do contraditório escrito subsequente à promoção de conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária possa pela sua singeleza (note-se que em resposta à promoção a ora reclamante reconheceu que o aqui arguido nunca efetuou qualquer contacto consigo, desconhecendo assim a real situação do mesmo, apenas tendo respondido por dever de patrocínio) ser para efeitos de remuneração de honorários entendido como um acto correspondente ou equiparado a um "incidente processual”….».
Ultrapassada a fase miserabilista do passado em que o advogado quase necessitava de mendigar o pagamento da compensação pelo trabalho que desenvolvia nas chamadas “oficiosas”, bem assim o tempo em que o montante dos seus honorários era fixado pelo tribunal, tendo em conta fatores como o tempo gasto, o volume e a complexidade da intervenção, os atos e as diligências realizadas, atualmente os honorários são fixados de acordo com tabelas, nas quais são considerados esses mesmos fatores.
A lei não define o que seja incidente processual.
Segundo o Prof. Alberto dos Reis, in Comentário Ao Código de Processo Civil, Vol. III, pág. 564, a ocorrência de um incidente processual, pese embora nem sempre seja nítido, pressupõe “ 1º uma questão a resolver; 2º que esta questão apresenta, em relação ao objeto da ação, carater acessório e secundário; 3º que, além de secundária, a questão incidental reveste o aspeto de acidente ou ocorrência anormal produzida no processo principal; 4º que para a solução da ocorrência é necessária a formação dum processo distinto do processo da ação”.
No caso vertente, como o arguido não procedeu ao pagamento, dentro do prazo legal, da pena de multa, a requerimento do M.P., o tribunal teve de diligenciar pela sua conversão em prisão subsidiária, o que não decorre, de forma automática, da mera falta de pagamento da pena de multa, cfr. artigo 49º do CP.
Depois de ter sido averiguado oficiosamente não serem conhecidos bens pertença do arguido suscetíveis de penhora, sendo, por isso, inviável o pagamento coercivo da multa, face à atitude omissiva do arguido, o M.P. promoveu a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, do que a defesa do arguido foi notificada, cumprindo-se o contraditório.
Ora, em casos como o presente foi seguido o procedimento legalmente previsto para o caso de não ser paga a pena de multa, em que o arguido, no prazo de pagamento voluntário, nada requereu, designadamente o seu pagamento em prestações ou a sua substituição por não ter possibilidade económicas de o fazer. De forma que a defesa do arguido não teve verdadeiramente de se empenhar na demonstração das razões do não pagamento da multa. Repare-se a lei faz depender a suspensão da execução da prisão da prova pelo condenado das razões do não pagamento da multa não lhe ser imputável, cfr. nº 3 do arguido 49º do CP, o que no mínimo, faz supor que o arguido e a sua defesa assumam uma posição ativa relativamente à referida questão, gerando-se, nesse caso, um verdadeiro incidente.
Por conseguinte, no caso concreto, não ocorreu um verdadeiro incidente no sentido de que alguma vez tenha sido controvertida a questão de saber se era ou não imputável ao arguido o não pagamento da multa, por forma a que fosse, nomeadamente, necessária a produção de prova relativamente a esta questão e, consequentemente, uma decisão do tribunal, uma vez que, em concreto, não foi sequer suscitada. A Ilustre defensora, como se disse, referiu mesmo nada saber sobre o arguido, uma vez que nunca havia sido contactada por ele, pese embora até ter requerido diligências de prova, as quais, em tal contexto, a serem levadas a cabo, mais não seriam do que a continuação da averiguação de bens pertença do arguido suscetíveis de penhora.
Por isso, concorda-se com o despacho recorrido quando nele se refere que o mero exercício do contraditório, nos termos descritos, não justifica o pagamento de honorários à defesa do arguido a título de incidente processual, porquanto, em bom rigor, não ocorreu qualquer incidente processual. O que sucedeu foi porque o arguido não pagou a multa e nada informou ou requereu no processo, foi seguida a tramitação legalmente prevista, na qual se inclui a audição da defesa do arguido.

Todavia, a questão que se coloca - não estando, no caso concreto, configurado um incidente processual - é que a Ilustre defensora do arguido prestou um serviço, uma vez que recebeu uma notificação que lhe foi endereçada pelo tribunal na qualidade de defensora do arguido e apresentou um requerimento no processo em representação e no interesse da defesa do arguido.
No caso presente, porque houve uma intervenção no processo da Ilustre Defensora do arguido, no interesse da defesa - a qual até foi provocada pelo próprio tribunal, sendo mesmo uma diligência que o tribunal estava obrigado a fazer - o serviço prestado não pode deixar de ser remunerado, não podendo ser englobado no conjunto da atividade por ela desenvolvida.
No que concerne ao montante da remuneração - tendo em conta as vicissitudes do processo, sendo que o arguido, no contexto acima descrito, constituiu defensor, dessa forma determinando a cessação de funções da aqui recorrente - temos como certo que o mesmo deverá ser efetuado nos termos previsto no artigo 28º-A, al. b) 1º parte, ou seja, em quatro unidades de referência.

III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder parcial provimento ao recurso, revogando, em consequência, parcialmente o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que ordene o pagamento à recorrente pela sua intervenção no processo, ainda não remunerada, a quantia equivalente a quatro unidades de referência (URS) em conformidade com o disposto no artigo 28º- A, al. b) 1ª parte, da Portaria nº 10/2008, de 03.01.
Sem custas.
Notifique
Guimarães, 06.06.2022
(Texto integralmente elaborado pelo relator e revisto e assinado eletronicamente por ambos os signatários, (artigo 94º, nº 2 do C. P. Penal).

Armando Azevedo - Relator
Teresa Coimbra – Adjunta
Fernando Chaves – Presidente da Secção


1 - Entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr. Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995, as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP, irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P..