Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5416/19.6T8VNF.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A cláusula penal destina-se a permitir uma avaliação prévia e abstracta dos danos em caso de incumprimento contratual, concomitantemente com uma finalidade coercitiva que visa pressionar as partes a cumprir as correspectivas prestações, daí que se prescinda de uma quantificação concreta de prejuízos, que ela visa obviar com as inerentes dificuldades de prova
II – A redução da cláusula penal, de acordo com a equidade, só deve ocorrer quando for manifestamente excessiva, o seu valor desmesurado e desproporcional ao dano.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

“A. I., LDA.”, com sede na Estrada Nacional n.º .., n.º …,, concelho da Póvoa de Varzim, intentou acção de execução específica de contrato promessa de compra e venda de imóvel sob a forma de processo comum, contra P. L., residente na Rua …, n.º … Penafiel, pedindo que seja “proferida sentença que produza os efeitos negociais do faltoso, ou seja, emitida sentença a declarar que o Réu vende à Autora, pela quantia de 35.000,00€, já recebida, o lote de terreno para construção, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, aprovado por loteamento, ao abrigo do processo de licenciamento n.º .../05, identificado pelo lote n.º 5 (cinco), descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob n.º .../20081010, freguesia de ..., e inscrito na matriz urbana sob o artigo ..., de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão.
Pediu, ainda, a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de 10.000,00 €, como parte faltosa, ao abrigo do prescrito na cláusula quarta do contrato promessa de compra e venda “sub judice”, a título de indemnização pelos seus custos referentes às despesas judiciais e extrajudiciais com vista ao cumprimento do mesmo contrato promessa de compra e venda.
Alegou, para tanto, e em síntese, que no dia 19 de Julho de 2019, por força do contrato de cessão de posição contratual, a Autora adquiriu a posição que A. I. detinha no contrato promessa de compra e venda celebrado entre este e o Réu, P. L., datado de 25 de Janeiro de 2016, ou seja, a posição de promitente comprador, pelo preço de 35.000,00 € (trinta e cinco mil euros), e que dizem respeito à compra e venda do lote de terreno para construção, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, aprovado por loteamento, ao abrigo do processo de licenciamento n.º .../05, identificado pelo lote n.º 5 (cinco), descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob n.º .../20081010, freguesia de ..., e inscrito na matriz sob o artigo urbano ..., de ..., cessão esta devidamente comunicada ao Ré por carta registada com aviso de recepção.
Mais alegou que, porque a Autora pretendia realizar a escritura definitiva de compra e venda relativa ao imóvel adquirido por força daquela cessão de posição contratual, notificou o Réu, por carta registada com aviso de recepção datada de 19/07/2019, para a sua celebração no dia 7 de Agosto de 2019, a realizar no Cartório Notarial da Dr.ª. J. M., à cidade da Póvoa de Varzim, devendo para tal o ora Réu proceder à entrega da documentação que lhe dizia respeito com vista à celebração de tal escritura pública, o que o Réu não fez, não comparecendo à outorga da escritura pública, nem juntando os documentos necessários para o efeito.
Mantendo a Autora interesse no negócio, veio requerer a obtenção de sentença que produza os efeitos da declaração negocial do Réu bem como o pagamento da referida quantia de 10.000,00 € (dez mil euros), acordada entre as partes nos termos do previsto na cláusula quarta do contrato promessa.
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Regularmente citado, o Réu não deduziu tempestivamente qualquer contestação, tendo sido considerados confessados os factos alegados pela Autora.
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Notificada para os efeitos do artigo 567.º, n.º 2, do CPC, a Autora apresentou alegações, pugnando pela condenação do Réu.
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Proferida sentença, foi a acção julgada procedente, tendo-se, em consequência, declarado, em substituição do Réu P. L., vender o lote de terreno para construção, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, aprovado por loteamento, ao abrigo do processo de licenciamento n.º .../05, identificado pelo lote n.º 5 (cinco), descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob n.º .../20081010, freguesia de ..., e inscrito na matriz urbana sob o artigo ..., de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão à Autora, pelo preço de € 35.000, já recebido, mais se condenando o Réu P. L. a pagar à Autora a quantia de € 10.000 (dez mil euros).
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II-Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, veio o Réu interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

A)Aintenção das partes com a clausula penal em causa, foi assegurar a compensação da parte não faltosa, pelas despesas processuais e não processuais.
B)Pelo que, de facto, esta estipulação não pode assumir uma verdadeira natureza de clausula penal, pelo menos no seu sentido mais lato.
C)Já que, a clausula penal, para além da vertente indemnizatória, tem uma finalidade compulsória, ou seja, compelir outrem ao cumprimento da obrigação.
D)No caso dos autos, o objectivo foi, tão só e estritamente, compensar pelas despesas, judiciais e extrajudiciais.
E)Por tudo isto, esta clausula e o montante estipulado, é claramente desproporcional.
F)As despesas judiciais com a presente lide, encontram-se salvaguardadas no âmbito do regulamento das custas processuais, no seu art.º 25º e 26º.
G)E a própria sentença recorrida refere expressamente, que as mesmas ficam a cargo do réu.
H)Pelo que, com a condenação no pagamento da indemnização, estaria a duplicar-se a compensação a favor da autora.
I)O que é manifestamente ilegítimo e constitui um claro enriquecimento sem causa.
J)E, por outro lado, em sede de despesas efectivas tidas pela Autora, em sede extrajudicial, a mesma não elenca nenhuma.
K)Por esta razão, cremos que não existem duvidas de que o valor estipulado na clausula quarta não se encontra suportado por prejuízos efectivamente sofridos pela autora, ou que a mesma tivesse reclamado.
L) Uma eventual condenação nesta sede por despesas judiciais com a presente lide, constituiria uma clara duplicação da penalização ao Réu, o que constituiria um claro enriquecimento sem causa e um eventual abuso de direito.
M)Preceitua o citado artº. 812.º, nº. 1, do CC que “que a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.”
N)Na sentença recorrida, o sr. juiz a quo enquanto considerou a parte da cláusula penal que fixou as despesas judiciais e extrajudiciais em 10.000,00€, o valor devido da indemnização (numa liquidação antecipada do dano futuro) em caso de incumprimento do acordo lavrado no contrato.
O)Trata-se, contudo, e comovimos, de uma condenação manifestamente exageradae não sustentada por quaisquer dano ou prejuízo efectivo ou efectivamente demonstrado, consubstanciando, isso sim, uma duplicação da compensação à autora, por via do previsto nos artigos 25º e 26º do Regulamento das custas processuais.
P)Pelo que, nos termos do disposto no art.º 812.º do Código Civil, por se tratar de clausula penal manifestamente excessiva, deve a mesma ser substancialmente reduzida pelo Tribunal.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Ex.ª doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, com as legais consequências.
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A A. apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:

1.No caso em apreço, estamos perante uma cláusula penal com fins ressarcitórios/indemnizatórios, em que os ora aqui Recorrente e Recorrida estipularam a obrigação de indemnizar a contraparte no valor de dez mil euros no caso de incumprimento do contrato.
2.Em virtude do incumprimento total e definitivo por parte do Recorrente, o que levou inevitavelmente à instauração da presente ação judicial, com vista à execução específica da prometida venda, cuja culpa coube exclusivamente ao Recorrente, assiste à promitente fiel, ora aqui Recorrida, o direito de exigir, para além da execução específica do contrato prometido, a quantia de dez mil euros, quantia essa fixada como indeminização a título de cláusula penal.
3.Atendendo a que a cláusula penal tem uma função punitiva e ressarcitória, ao reduzir-se a cláusula penal prevista no contrato para um valor inferior aos dez mil euros, hipótese que não se concebe, esvaziaria o fim da cláusula penal como pena, que visa sancionar o incumprimento e que para cumprir o seu fim deve ser superior ao valor do incumprimento puro e simples.
4.Por tudo isto, deve a cláusula penal em apreço manter-se pelos valores em que foi fixada, tendo mesmo em atenção que o incumprimento contratual pela Recorrente impede a Recorrida de levar a cabo parte do seu objeto (compra e venda), no que tange, pelo menos, ao lote em causa, cuja falta de registo, por força do não trânsito em julgado da sentença, em sindicância, não lhe permitir a revenda ou a construção de moradia sobre o mesmo, danos muito elevados, que são do conhecimento do Recorrente, e que se conforma com eles.
5.Ademais, o Réu não deduziu contestação, pelo que nos termos do artigo 567.º do Código de Processo Civil, estamos perante um caso de revelia operante considerando-se assim, confessados os factos articulados pelo Autor.
6.Uma vez que houve um momento próprio para o Réu apresentar a sua defesa e não o fez, tal direito fica desde logo precludido, não podendo agora em sede de recurso alegar factos de que em sede de contestação já tinha conhecimento, e mesmo assim não contestou.
7.Deste modo, MERITÍSSIMOS DESEMBARGADORES, o Juiz a quo não poderia decidir de outra forma senão nos termos constantes da douta sentença.
Termos em que, dando provimento às presentes contra alegações e confirmando-se a decisão recorrida, V. Ex.as farão, como sempre JUSTIÇA.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir, se o montante da cláusula fixada pelas partes, a título de indemnização pelos custos referentes às despesas judiciais e extrajudiciais com vista ao cumprimento do contrato promessa firmado entre as partes, deve ser substancialmente reduzido pelo tribunal por manifestamente excessivo.
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Fundamentação de facto

Para além da matéria jurídico-processual consignada no relatório supra elencado no ponto I, indica-se, ainda, a seguinte factualidade tida em conta pelo tribunal a quo:

1 - A A. tem como escopo, para além de outras, a compra e venda de imóveis.
2 - No dia 19 de Julho de 2019, por força do denominado contrato de cessão de posição contratual, a Autora adquiriu a posição que A. I. detinha no denominado contrato promessa de compra e venda celebrado entre este e o Réu, P. L., datado de 25 de Janeiro de 2016, pelo preço de 35.000,00 € (trinta e cinco mil euros).
3 - Os referidos ‘contratos de cessão de posição contratual’ e de ‘promessa de compra e venda’ tem por objecto o lote de terreno para construção, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, aprovado por loteamento, ao abrigo do processo de licenciamento n.º .../05, identificado pelo lote n.º 5 (cinco), descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob n.º .../20081010, freguesia de ..., e inscrito na matriz sob o artigo urbano ..., de ....
4 - A Autora, após aquisição do referido lote, notificou o Réu, por carta registada com aviso de receção, a dar-lhe conhecimento de tal aquisição.
5 - O Réu havia já recebido a totalidade do valor da venda.
6 – Porque a Autora pretendia realizar a escritura definitiva de compra e venda relativa ao identificado imóvel, notificou o Réu, por carta registada com aviso de receção datada de 19/07/2019, para a sua celebração no dia 7 de Agosto de 2019, a realizar no Cartório Notarial da Dr.ª. J. M., à cidade da Póvoa de Varzim, devendo para tal o ora Réu proceder á entrega da documentação que lhe dizia respeito com vista à celebração de tal escritura pública.
7 – Contudo, o Réu não compareceu, nem juntou quaisquer documentos com vista à sua celebração.
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Fundamentação jurídica

A única questão suscitada no recurso interposto prende-se, como se evidenciou já, com o valor estipulado na cl.ª 4.ª do contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes, a título de indemnização, pelos seus custos referentes às despesas judiciais e extrajudiciais com vista ao cumprimento do mesmo contrato promessa de compra e venda, ou seja, se o mesmo deve ser reduzido por ser manifestamente excessivo
Ora, nos termos do artigo 810.º, n.º 1, do Código Civil, a cláusula penal é o acordo pelo qual as partes fixam o montante da indemnização exigível em caso de não cumprimento da obrigação. Destina-se esta cláusula a permitir uma avaliação prévia e abstracta dos danos em caso de incumprimento contratual, concomitantemente com uma finalidade coercitiva que visa pressionar as partes a cumprir as correspectivas prestações. Daí que a cláusula penal prescinda de uma quantificação concreta de prejuízos, que ela visa obviar com as inerentes dificuldades de prova (cfr. ac. do STJ de 13-01-2005, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 04B3895).
Por via desse tipo de cláusula visa-se a determinação, à forfait e no momento da celebração do contrato, do prejuízo sofrido, em caso de não cumprimento tempestivo e integral da obrigação pela outra parte.
Destina-se, assim, a permitir uma avaliação prévia e abstracta dos danos em caso de incumprimento contratual, sem necessidade da quantificação concreta dos prejuízos dele decorrentes e da sua efectiva demonstração, que pode até não ser possível.
“A cláusula penal pode exercer uma função indemnizatória e/ou uma função coercitiva ou compulsória. No primeiro caso os contraentes fixam, desde logo, a indemnização que será devida em caso de incumprimento da obrigação, no segundo recorrem à cláusula penal, com o intuito de incentivar o devedor ao cumprimento, servindo a importância que venham a fixar como medida compulsória destinada a fazer cumprir as obrigações assumidas. A figura pode assim desempenhar alternativa ou simultaneamente uma e outra função.” (Ac. STJ de 4/5/2004, Proc. 04A504, acessível através de www.dgsi.pt).
Não obstante, como vem sendo repetidamente sublinhado na doutrina e na jurisprudência, há que prevenir situações de abuso ou de grande iniquidade, afastar o exagero a que poderia levar a pena acordada pelas partes, de modo a ajustá-la a um valor que equitativamente se deva considerar justo.
Nessa base, estipula-se no n.º 1, do art. 812.º, do Código Civil, que “o tribunal pode reduzir a cláusula penal de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente”, dispondo o n.º 2 que é admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.
Contudo, “n[N]ão basta uma cláusula excessiva, cuja pena seja superior ao dano”. Terá que tratar-se de “uma cláusula cujo montante desmesurado e desproporcional ao dano seja de excesso manifesto e evidente, numa palavra, de excesso extraordinário, enorme, que salte aos olhos” ( João Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, Coimbra, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1995 (2.ª edição), pág. 274). Articula-se tal dispositivo com o instituto da proibição dos negócios usurários, consagrado no artigo 282.º, n.º 1 do Código Civil (“É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados”) possibilitando o artigo 283.º, n.º 1 a modificação do negócio segundo juízos de equidade.
No tocante aos elementos de ponderação a considerar na redução da cláusula penal manifestamente excessiva contam-se a gravidade da infracção, o grau de culpa do devedor e as vantagens que para este resultem do incumprimento, o interesse do credor na prestação; a situação económica de ambas as partes; a sua boa ou má fé; a índole do contrato e das condições em que foi negociado e a finalidade da cláusula penal (António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1999, p. 730-746).
Há, ainda, que ter em conta, que no art.º 811º, n.º 1 do Cod. Civil, se estabelece que “o credor não pode exigir, cumulativamente, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário”.

Deste preceito, retiram-se três conclusões:
1ª) a cláusula penal não é cumulativa com a execução específica do contrato. Assim, em princípio, o promitente não faltoso terá de optar por uma de duas soluções: ou exige o cumprimento coercivo do contrato, se isso lhe for possível; ou opta pela resolução do contrato e, nessa altura, poderá exigir ao promitente faltoso uma indemnização pelo incumprimento do outro promitente;
2ª) a cláusula penal pelo incumprimento é diferente da cláusula penal moratória, sendo esta última compatível com o cumprimento do contrato.
3ª) o art.º 811º, n.º 1, do Cod. Civil, é uma norma imperativa, ou seja, não pode ser afastada pela vontade das partes (ao contrário das normas supletivas). “O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes” (art.º 811.º, n.º 2 do Cod. Civil).
Há, portanto, uma regra geral de limitação da responsabilidade civil ao montante da cláusula penal.
No entanto, isto não impede que as partes convencionem um suplemento indemnizatório para o caso de o dano ser superior à cláusula penal nem a existência de juros sobre o pagamento da cláusula penal, pese embora o credor não possa em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal (art.º 811.º, n.º 3 do Cod. Civil).
Assim, a regra geral é a de que, tal como com o sinal, a fixação de uma cláusula penal afasta a possibilidade de o promitente não faltoso requerer a execução específica do contrato-promessa (art.º 830.º, n.º 2 do Cod. Civil).

Há, no entanto, três casos excepcionais em que, mesmo havendo cláusula penal, é possível ao promitente não faltoso requerer a execução específica do contrato-promessa:

-“o direito à execução específica não pode ser afastado pelas partes nas promessas a que se refere o n.º 3 do artigo 410.º” (art.º 830.º, n.º 3 do Cod. Civil);
-casos de contrato-promessa com eficácia real, pela própria natureza conceptual desta figura;
-casos em que as partes fixam cláusula penal, mas convencionam, expressamente, a possibilidade de requererem a execução específica do contrato-promessa.

Tendo por base a questão respeitante à cláusula penal suscitada no recurso que contempla o pagamento da quantia de 10.000,00€, a título de indemnização pelos custos referentes às despesas judiciais e extrajudiciais com vista ao cumprimento do contrato promessa de compra e venda, impõe-se concluir que as partes tiveram essencialmente em vista a função compulsória, destinada a obrigar o executado ao cumprimento pontual. Não pode, dentro de semelhante contexto qualificar-se tal acordo de usurário, por não se verificarem os seus requisitos.
É que, como afirma Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsiva, pág. 270 e segs., a intervenção judicial não pode ser sistemática, antes deve ser excepcional e em condições e limites apertados, “de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal e nunca perdendo de vista o seu carácter à forfait”. Mais adianta que, “na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal, o juiz não deverá deixar de atender à natureza e condições de formação do contrato (por exemplo, se a cláusula foi contrapartida de melhores condições negociais), à situação respectiva das partes, nomeadamente à sua situação económica e social, os seus interesses legítimos, patrimoniais ou não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo sofrido pelo credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má fé do devedor; ao próprio carácter à forfait da cláusula e, obviamente, à salvaguarda do seu valor cominatório”.
Tal também não implica qualquer duplicação de valores, na medida em que dos autos não resulta ter sido contemplado qualquer valor, a esse título, ao abrigo do disposto nos arts. 25.º e 26.º do RCP.
Por outro lado, apesar do R./Recorrente o alegar, não especifica concretamente a razão de ser do excesso que apregoa, o que se impunha que tivesse vindo demonstrar através de factos que, revelando o valor dos prejuízos efectivos, justificassem a medida de excepção que é a redução.
Assim, perante o exposto, nem a falta de justificação das despesas extrajudiciais e dos serviços forenses prestados inibiriam a A. de reclamar o estipulado sob a cláusula 4.ª.
A tudo isto acresce o facto de, como se tem entendido, o ónus da prova recair sobre o devedor que pretenda a redução da pena.
Nesse sentido, tem-se defendido que o valor excessivo da cláusula penal é uma excepção peremptória, que deve ser invocada e provada pelo devedor.
Tal remete-nos para a questão mais lata, sobre os poderes de controlo judicial da cláusula penal e, mais precisamente, sobre a possibilidade de redução oficiosa. Confrontam-se aqui duas teses: uma que faz depender a redução da cláusula penal de um pedido do devedor e outra que admite que, em certas circunstâncias, o tribunal a reduza ex officio (cfr. Nuno Manuel Pinto Oliveira, Cláusulas acessórias ao contrato – Cláusulas de exclusão e de limitação do dever de indemnizar e cláusulas penais, pp. 132 e segs.).
Como tal, considerando, como o referimos, que competia ao réu/recorrente requerer e provar que a pena era manifestamente excessiva, e susceptível, por isso, de justificar a sua redução, sem que o tivesse feito, tal implicaria sempre um desfecho desfavorável.
É que, não tendo o Réu contestado a acção, inexistem também nos autos factos que permitam concluir que existe desproporcionalidade da cláusula penal em causa.
Pois, saber se tal cláusula penal é desproporcionada em relação aos danos a ressarcir é questão que exigia a alegação e prova de factos que permitissem aquilatar dessa mesma desproporção.
Por outro lado, julgamos que sempre se estaria perante uma questão nova, dado que não foi objecto de decisão por parte do tribunal a quo, por não suscitada pelo Réu.
Assim sendo, não o tendo feito, impedido está agora o R./Recorrente de o fazer, dado que, no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.
Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Pois, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas - Cfr., v.g., Ac. STJ de 14.05.93, CJ STJ, 93, II, pág. 62.
Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de factos novos - ius novarum nova – na instância de recurso, salvaguardada, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso (Ac. STJ de 23.03.96, CJ, 96, II, pág. 86).
Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.
A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. O modelo do nosso sistema de recursos é, portanto, o da reponderação e não o de reexame (Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pág. 81).

Nestes termos, pelas razões apontadas, não resta senão julgar o recurso improcedente.
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III-Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso improcedente, devendo, em consequência, ser mantida a decisão em conformidade com o exposto.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
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Guimarães, 25.3.2021
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e é por todos assinado electronicamente)


Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida