Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5674/16.8T8BRG-A.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS
AGREGADO FAMILIAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I. Para o apuramento do rendimento para efeitos de atribuição da obrigação de garantia de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores devem os rendimentos anuais ilíquidos do agregado familiar onde se integra o menor ser divididos pelos doze meses correspondentes ao ano civil (independentemente de naquele montante global estarem, ou não, englobados os subsídios de férias e/ou de Natal).

II. Apenas integra o agregado familiar do menor a quem sejam devidos alimentos, cuja obrigação se pretenda cometer ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, o unido de facto do requerente desde que com ele viva em condições análogas às de cônjuge há mais de dois anos, por só ao fim desse período mínimo o legislador presumir como efectiva a entreajuda e partilha de recursos na gestão do dito agregado familiar.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. Cláudia (…) (aqui Recorrida), residente no Bairro do (…), Rua …, (…), em Vila Verde, propôs um incidente de incumprimento de regulação de responsabilidades parentais, contra Ricardo (…) antes residente na Rua de (…) n.º …, em …, e em …, …, em França, e actualmente em parte incerta, pedindo que:

· fosse reconhecido o incumprimento, pelo Requerido, da prestação de alimentos devida a Micael (…) e a Enzo (…) (filhos comuns de Requerente e Requerido), nascidos, respectivamente, a … de .. de 2008 e a .. de .. de 2011, ascendendo os mesmos em 15 de Janeiro de 2018 (data de propositura dos autos) a € 1.050,00.

Alegou para o efeito, em síntese, ter-se o Requerido obrigado, por acordo efectuado no dia 31 de Março de 2006, nos autos de Divórcio por Mútuo Consentimento e Regulação do Exercício do Poder Paternal (que correu termos na Conservatória do Registo Civil ...) a contribuir mensalmente com a quantia de € 150,00, para o sustento de cada um dos Filhos, cuja guarda foi confiada a ela própria.

Mais alegou que o Requerido apenas pagou € 100,00 por cada um dos Filhos, no ano de 2017 (em onze meses, e duas semanas, já que ficou com eles outras duas), o que deixou de fazer desde Outubro desse ano.

1.1.2. Regularmente notificado o Requerido (Ricardo …) confirmou o incumprimento que lhe foi imputado, desde Outubro de 2017; e procurou justificar o mesmo.

Alegou para o efeito ter pago até então uma pensão global de € 350,00, todos os meses; e ter deixado de o fazer desde Outubro de 2017 por não ter desde então condições económicas para o efeito.

Mais alegou ter a Requerente feito seus todos os bens móveis do antes casal; e não ter tido ele próprio qualquer intervenção no dito acordo de regulação de responsabilidades parentais (onde lhe foi imposta a pensão de alimentos em causa).

1.1.3. Sob conforme promoção do Ministério Público («promovo que se julgue procedente o deduzido incumprimento nos termos alegados»), foi proferida sentença, julgando totalmente procedente o incidente de incumprimento lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
Julgar verificado o incumprimento, por parte do requerido, Ricardo (…), da obrigação de prestar alimentos aos menores supra identificados, Micael (…) e Enzo (…), fixando-se o montante em dívida, na presente data, em € 1.050,00 (mil e cinquenta euros), a título de capital, acrescido dos juros de mora, à taxa legal, calculados sobre cada uma das prestações, desde a data do respectivo vencimento e até à data em que ocorrer o efectivo e integral pagamento.
(…)»

1.1.4. Não se tendo posteriormente conseguido localizar o Requerido, ou identificar qualquer património ou rendimentos do mesmo, ou de familiares directos (após realização de inquérito por órgão de polícia criminal), foi realizado inquérito sobre a composição, situação económica e rendimentos auferidos pelo agregado familiar da Requerente, o qual concluiu que a «requerente reúne condição de recurso à prestação social em apreço, em conformidade com o disposto no supra citado diploma legal».

1.1.5. Sob conforme promoção do Ministério Público («promovo que se fixe em 159,13 € o montante da prestação alimentar a pagar pelo Fundo a cada um dos menores, em substituição do progenitor»), foi proferida sentença, fixando a prestação mensal de alimentos devida a cada um dos Menores em € 159,13, e cometendo a sua satisfação ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (F.G.A.D.M.), lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)

Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Determinar que o Estado assegure, através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos aos Menores, o pagamento das prestações de alimentos devidas aos menores (…) e (…), com início no mês seguinte ao da notificação da presente decisão;
b) Fixar o montante de tais prestações em € 159,13 (cento e cinquenta e nove euros e treze cêntimos) mensais, em relação a cada um dos dois menores, a actualizar em conformidade com o acordo de regulação das responsabilidades parentais.
*
Custas do incidente a cargo do progenitor, sendo aplicável a taxa de justiça constante do separador “Outros Incidentes” da Tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
Notifique (n.º 3 do art. 4.º do DL 164/99), sendo:

- O Instituto de Gestão Financeira da Segurança com cópia da presente decisão, para que cumpra o disposto no n.º 4 do art. 4.º do DL 164/99;
- A progenitora com as advertências de que: (i)) logo que o requerido reinicie o pagamento da pensão de alimentos deve dar conhecimento a estes autos; (ii)) fica obrigada a renovar anualmente a prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à atribuição;
- O progenitor com a informação de que o Fundo fica sub-rogado em todos os direitos do menor com vista à garantia do respectivo reembolso, tudo nos termos do art. 5.º do DL n.º 164/99, de 13.05, e arts. 4.º e 5.º da Lei n.º 75/98 de 19.11.
(…)»
*
1.2. Recurso

1.2.1. Fundamentos

Inconformado com esta decisão, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (na qualidade de Gestor do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores), com sede na Avenida …, em Lisboa, interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a decisão recorrida.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo ipsis verbis as respectivas conclusões):

I. Não consta da douta sentença recorrida a verificação de um dos requisitos cumulativos que a Lei nº 75/98 de 19/11 em conjugação com o Dec-Lei nº 70/2010 de 16/06, exige para que as prestações de alimentos possam ser atribuídas nos termos que preconiza.

II. Nos termos do preceituado no artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, e no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio, os pressupostos para que o FGADM seja chamado a assegurar as prestações de alimentos atribuídas a menores residentes no território nacional são os seguintes:

a) Que o progenitor esteja judicialmente obrigado a alimentos;
b) A impossibilidade de cobrança das prestações, nos termos do artigo 48º do RGPTC;
c) Que o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nem beneficie de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS.

III. Não está preenchido o pressuposto indicado na alínea c).

IV. Com efeito, dispõe o artº 3º nºs 2 e 3 do Dec-lei 164/99 de 13/05 que:

2.- Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respetivo agregado familiar não seja superior àquele valor”.
3.- O agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no Decreto-lei 70/2010 de 16/06, alterado pela lei 15/2011 de 03/05 e pelos Decretos-leis nºs 113/2011 de 29/11 e 133/2012 de 27/06”.

V. O vencimento auferido pela mãe dos menores acrescido do vencimento do seu companheiro, no âmbito do trabalho dependente é, respetivamente, de € 580,00 e de € 620,00 mensais, o que determina um rendimento ilíquido mensal do agregado de € 1 200,00.

VI. Atento o teor do artº 5º do Dec-Lei 70/201, no que ao apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, diz respeito e respetiva ponderação de cada elemento, e ainda o valor do indexante dos apoios sociais (IAS) estabelecido para o ano de 2018 pela Portaria nº 21/2018 de 18/01, fixado em € 428,90, facilmente se conclui que o rendimento per capita é de € 444,44, ou seja, superior ao IAS fixado para o ano de 2018, mesmo sem se adicionar os rendimentos mensais recebidos pelos menores a título de abono.

VII. Donde se conclui que não se mostram preenchidos os pressupostos para atribuição da pensão de alimentos pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.
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1.2.2. Contra-alegações

O Ministério Público contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, 01 única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal:

· Questão Única - Encontra-se a Requerente neste momento em condições de beneficiar do cometimento ao F.D.A.D.M. da prestação de alimentos devida aos seus dois Filhos menores (nomeadamente, por não dever ser incluído no seu agregado familiar o companheiro com quem vive em união de facto há menos de dois anos) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão única enunciada, o Tribunal a quo julgou como provados os seguintes factos (por «documentos de fls. 39 e 40, bem como se encontram evidenciados pelo relatório de fls. 48ss relativo ao agregado familiar dos menores»), não objecto de qualquer impugnação pelas partes:

1 - Cláudia (…) (aqui Requerente) e Ricardo (…) (aqui Requerido) são pais de Micael (…) e Enzo (…), nascidos a … de … de 2008 e a … de … de 2013, respectivamente.

2 - Por decisão de 20 de Julho de 2016, foi homologado o acordo que consta de fls. 6 dos autos principais (cujo teor se dá por integralmente reproduzido), e do qual consta a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas aos Menores acima referidos, contribuindo o Pai com a prestação mensal de € 150,00 a título de alimentos a favor de cada um deles, a ser paga até ao dia 8 de cada mês, por depósito bancário, sendo a mesma actualizada anualmente em Janeiro em conformidade com a cláusula 11ª, cabendo aos Progenitores em partes iguais as despesas com saúde e educação, devidamente comprovadas e não comparticipadas.

3 - Por decisão proferida a fls. 28 dos presentes autos, datada de 23 de Maio de 2018, julgou-se verificado e procedente o incumprimento do exercício das responsabilidades parentais referentes aos dois Menores acima referidos, quanto a alimentos, por parte do Progenitor, tendo-se declarado este devedor da prestação alimentícia devida aos seus dois filhos que atingia o montante global de € 1.050,00.

4 - Não são conhecidos rendimentos ou bens ao Progenitor.

5 - Os Menores não auferem rendimentos.

6 - Os Menores vivem com a Progenitora e o Companheiro desta - que o é desde Setembro de 2018 (conforme relatório de fls. 48 e seguintes, relativo ao agregado familiar dos menores) -, que aufere € 620,00 mensais, em habitação adquirida com recurso a crédito bancário, ascendendo a prestação a € 220,00.

7 - A Progenitora aufere o salário mensal de € 580,00.

8 - Enzo … frequenta o Jardim de Infância; e Micael … frequenta o 5º ano de escolaridade.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores

4.1.1.1. Criação - Pressupostos (requisitos) de intervenção

Lê-se no art. 69º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) que as «crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todos as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições».

Logo, é função da sociedade e do Estado, e seu dever, assegurar, não só o direito das crianças à vida e à integridade física (artºs. 24º e 25º, ambos da C.R.P.) - direitos especiais de personalidade -, como ao respectivo desenvolvimento integral e a uma vida digna, como pessoas em formação que são; e assume aqui particular importância a garantia da sua subsistência, nomeadamente quando seja incumprida a obrigação de alimentos para com elas, comprometendo o princípio da solidariedade familiar (art. 67º da C.R.P.).

Com efeito, o direito fundamental ao «mínimo de existência condigna», ou ao «mínimo de sobrevivência», radica no princípio da dignidade da pessoa humana - na sua génese de mínimo vital (estatuto jurídico do património mínimo) - consagrado nos artºs. 1º e 26º, n.º 3, ambos C.R.P.; decorre da ideia de Estado de Direito Democrático - consagrado nos artºs. 2º e 63º, ambos da C.R.P.; e tem sido reconhecido na jurisprudência do Tribunal Constitucional (v.g. Ac. do TC n.º 62/2002, ou Ac. do TC n.º 509/2002).

Esta protecção à criança (em particular, no que toca ao direito a alimentos), tem merecido também especial consagração em instrumentos vinculativos de direito internacional, onde se destacam: as Recomendações do Conselho da Europa R(82)2, de 4 de Fevereiro de 1982, relativa à antecipação pelo Estado de prestações de alimentos devidos a menores, e R(89)l, de 18 de Janeiro de 1989, relativa às obrigações do Estado, designadamente em matéria de prestações de alimentos a menores em caso de divórcio dos pais; e a Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela ONU em 1989 e assinada em 26 de Janeiro de 1990, em que se atribui especial relevância à consecução da prestação de alimentos a crianças e jovens até aos 18 anos de idade.

Compreende-se, por isso, a edição da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro (aqui considerada com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio), em cujo art. 1º se lê: quando «a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação» (n.º 1); e esse pagamento cessará «no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos, exceto nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil», isto é, manter-se-á desde que o respectivo processo de educação ou formação profissional ainda não esteja concluído, e até que complete 25 anos (n.º 2).

Mais se lê, no art. 6º, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, que é «constituído o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, adiante designado por Fundo, cuja inserção orgânica será definida por diploma regulamentar do Governo» (n.º 1), sendo «gerido em conta especial e» assegurando «o pagamento das prestações fixadas nos termos da presente lei» (n.º 2).

Por fim, no art. 7º desta Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, ficou desde logo previsto que o «Governo regulamentará no prazo de 90 dias, mediante decreto-lei, o disposto no presente diploma e tomará as providências orçamentais necessárias à sua execução».

Viria, assim, a ser publicado o Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio (aqui considerado com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, e pela Lei n.º 64/2012, de 20 de Dezembro), cujo art. 1º esclareceu destinar-se precisamente a regular «a garantia de alimentos devidos a menores prevista na Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro».

Conforme expressamente assumido no preâmbulo deste diploma (com bold apócrifo), apercebeu-se o legislador que «a evolução das condições sócio-económicas, as mudanças de índole cultural e a alteração dos padrões de comportamento têm determinado mutações profundas a nível das estruturas familiares e um enfraquecimento no cumprimento dos deveres inerentes ao poder paternal, nomeadamente no que se refere à prestação de alimentos»; e que «entre os factores que relevam para o não cumprimento da obrigação de alimentos assumem frequência significativa a ausência do devedor e a sua situação sócio-económica, seja por motivo de desemprego ou de situação laboral menos estável, doença ou incapacidade, decorrentes, em muitos casos, da toxicodependência, e o crescimento de situações de maternidade ou paternidade na adolescência que inviabilizam, por vezes, a assunção das respectivas responsabilidades parentais».

Justificar-se-ia, deste modo, que «o Estado crie mecanismos que assegurem, na falta de cumprimento daquela obrigação, a satisfação do direito a alimentos», «pressuposto necessário dos demais e decorrência, ele mesmo, do direito à vida (artigo 24.º)», possibilitando o «acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna».

Assim, e pelo art. 2º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio: foi «constituído, no âmbito do ministério responsável pela área da solidariedade e da segurança social, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, (…) gerido em conta especial pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (n.º 1); e foi-lhe cometido que assegurasse «o pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores residentes em território nacional, nos termos dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro» (n.º 2).

Esclareceu ainda o art. 3º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, que o «Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando: a) a pessoa judicialmente obrigada a prestar não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do DL 314/78 de 27 de Outubro; b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre».

Precisa-se que o indexante de apoios sociais (I.A.S.) foi criado pela Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro (alterada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 254-B/2015, de 31 de Dezembro, e pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro), constituindo «o referencial determinante da fixação, cálculo e actualização dos apoios (…) da administração central do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, qualquer que seja a sua natureza, previstos em actos legislativos ou regulamentares» (art. 2º, n.º 1); e sendo seu valor «actualizado anualmente com efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de cada ano» (art. 4º, n.º 1).

Dir-se-á, assim, que são cumulativos requisitos de intervenção do F.G.A.D.M. (isto é, pressupostos de reunião necessária para que o mesmo assegure o pagamento de prestações de alimentos a menores): que tenha sido judicialmente reconhecida a obrigação de alimentos a favor de menor residente em território nacional (ou adulto de idade inferior a 25 anos, que frequente formação académica ou profissional); que a pessoa judicialmente obrigada a prestá-los não os satisfaça pelas formas previstas no art. 189º da OTM (hoje, no art. 48º do R.G.P.T.C.); e que o menor credor de alimentos não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (I.A.S.), nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, tendo-se em conta a capitação de rendimentos do agregado familiar em que se insira.

Veio, porém, a jurisprudência a dividir-se: entendeu parte dela que o F.G.A.D.M. poderia satisfazer a pensão de alimento que se justificasse atribuir ao menor credor, mesmo que não tivesse sido prévia e judicialmente fixada, por insuficiência económica do obrigado, ou por nada se ter apurado quanto ao seu património e rendimentos (v.g. Ac. da RP, de 06.10.2002, Abílio Costa, Processo n.º 0653974, ou Ac. da RP, de 06.02.2006, Ana Paula Lobo, Processo n.º 0630817); e entendeu outra parte dela que o F.G.A.D.M só poderia satisfazer uma pensão de alimentos que tivesse sido prévia e judicialmente fixada (v.g. Ac. da RC, de 10.07.2007, Hélder Roque, Processo n.º 53/06.8TMCBR-B.C1, Ac. da RL, de 16.12.2008, Rui Vouga, Processo n.º 9301/2008-1, Ac. da RP, de 08.09.2009, Cândido Lemos, Processo n.º 887/06.3TBPNF.P1, Ac. da RL, de 17.09.2009, Ondina Carmo Alves, Processo n.º 5659/04.7TBSXL.L1-2, Ac. da RP, de 01.02.2010, Mendes Coelho, Processo n.º 1307/08.4TMPRT.P1, Ac. da RC, de 09.02.2010, Manuela Fialho, Processo n.º 415/05.8TBAGD.C1, Ac. do STJ, de 12.07.2011, Hélder Roque, Processo n.º 4231/09.0TBGMR.G1.S1, Ac. da RL, de 06.12.2011, Tomé Ramião, Processo n.º 3464/08.0TBAMD.L1-6, Ac. do STJ, de 22.05.2013, Gabriel Catarino, Processo n.º 2485/10.8TBGMR.G1.S1, Ac. da RC, de 05.11.2013, Carvalho Martins, Processo n.º 1339/11.5TBTMR.A.C1, ou Ac. da RP, de 15.05.2014, Madeira Pinto, Processo n.º 1860/08.2TBPRD-4.P1).

Seria, por isso, proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 12/2009, Uniformizador de Jurisprudência, de 07 de Julho de 2009 (D.R., n.º 150/2009, Série I, de 05 de Agosto de 2009), decidindo que: «A obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 2.º e 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores».

Ora, dir-se-á que, embora «não seja vinculativa, a jurisprudência uniformizada do STJ tem a força persuasiva que é inerente ao respeito pela sua qualidade e pelo seu valor intrínseco, devendo, por isso, ser ponderada e, em princípio, respeitada, a não ser que existam novos factos, argumentos, razões ou circunstâncias que, não tendo sido considerados no acórdão uniformizador, possam justificar uma nova e diferente decisão» (Ac. da RG, de 04.10.2011, Purificação Carvalho, Processo n.º 376/09.4 TMBRG.G2); e estes «princípio do interesse na unidade interpretativa e aplicativa do direito e (…) princípio do interesse na estabilidade da jurisprudência recomendam que os tribunais apliquem a jurisprudência uniformizada» ainda que «esta não traduza o entendimento que vinham adotando» (Ac. da RG, de 25.06.2015, Manso Rainho, Processo n.º 3977/05.6TBBCL-A.G1).

Por fim, dir-se-á ainda que a impossibilidade de cobrança coerciva dos alimentos prévia e judicialmente fixados será aquela que resulte da mera frustração do «incidente de descontos» intra-processual, não sendo igual e cumulativamente exigível a prévia frustração do recurso a uma acção executiva, quer em sede de execução especial por alimentos, quer em sede de cobrança de alimentos de estrangeiro, ao abrigo de Convenção Internacional - v. g. da Convenção de Nova Iorque de 20.06.1956 - ou de instrumento normativo comunitário - Regulamento (CE) n.º 4/2009 de 18.12.2008.
(Neste sentido, Ac. da RL, de 13.10.2011, Esagüy Martins, Processo n.º 148-A/2002.L1-2, Ac. da RC, de 11.12.2012, Luís Cravo, Processo n.º 46/09.3TBNLS-A.C1, Ac. da RL, de 11.04.2013, Magda Geraldes, Processo n.º 2415/11.0TMLSB-A.L1-2, Ac. da RL, de 28.01.2016, Jorge Leal, Processo n.º 6491/14.5T8SNT.L1-2, ou Ac. da RL, de 23.02.2017, Maria Amélia Ameixoeira, Processo n.º 5647-14.5T8SNT-B.L1-8. Em sentido contrário, porém, Ac. da RG, de 07.05.2013, António Beça Pereira, Processo n.º 4360/08.7TBGMR-A.G2, e Ac. do STJ, de 30.04.2015, Tavares de Paiva, Processo n.º 1201/13.7T2AMD-B.L1.S1).
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4.1.1.2. Montante das prestações

Lê-se art. 2º, n.º 1 da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, que as «prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores»; e reitera-o o art. 3º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, onde se lê que as «prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS».

Resulta dos preceitos citados que «o programa normativo do legislador passou pelo estabelecimento - no exercício da sua livre discricionariedade político-legislativa em sede de opções sobre a afectação de recursos financeiros a políticas sociais - de um tecto» para a «responsabilidade financeira pública, alcançado por referência, não a cada um dos menores/credores de alimentos, mas a cada progenitor/devedor incumpridor»; e este «resultado interpretativo não viola o princípio da igualdade nem qualquer outro preceito ou princípio constitucional» (Ac. do STJ, de 07.04.2011, Lopes do Rego, Processo n.º 9420-06.6TBCSC.L1.S1).

O dito I.A.S., para o ano de 2018, corresponde a € 428,90 (conforme art. 2º da Portaria n.º 21/2018, de 18 de Janeiro).

Logo, e em 2018, o tecto máximo para cada devedor (independentemente do número de filhos menores que possua) será de € 428,90.

Mais se lê, no art. 2º, nº 2 da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, que para a determinação do montante da prestação de alimentos, o «tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor».

Veio, porém, a jurisprudência a dividir-se: entendeu parte dela que o F.G.A.D.M. poderia satisfazer a pensão de alimentos que se justificasse atribuir ao menor credor, independentemente de ser superior à que fora - prévia e judicialmente - imposta ao respectivo devedor, desde que contida no limite legal próprio (v.g. Ac. da RL, de 18.12.2012, Ana Resende, Processo n.º 5270/08.3TBALM-A.L1-7, Ac. da RL, de 11.07.2013, Maria José Mouro, Processo n.º 5147/03.9TBSXL-B.L1-2, Ac. da RC, de 22.10.2013, Fonte Ramos, Processo n.º 2441/10.6TBPBL-A.C1, Ac. da RG, de 14.11.2013, Jorge Teixeira, Processo n.º 699/11.2TBCBT-A.G1, Ac. da RP, de 28.11.2013, Judite Pires, Processo n.º 3255/11.1TBPRD-A.P1, Ac. da RG, de 17.12.2013, Moisés Silva, Processo n.º 987/03.1TBFLG-B.G1, Ac. da RG, de 23.01.2014, Conceição Bucho, Processo n.º 315-C/2000.G1, Ac. da RG, de 30.01.2014, Manuela Fialho, Processo n.º 689/08.2TBCBT-B.G1, Ac. da RC, de 11.02.2014, Catarina Gonçalves, Processo n.º 10033-A/1999.C1, Ac. da RE, de 17.03.2014, Acácio Neves, Processo n.º 36-F/2000.E1, Ac. do STJ, de 29.05.2014, Bettencourt de Faria, Processo n.º 257/06.3TBORQ-B.E1.S1, Ac. da RL, de 09.07.2014, João Ramos de Sousa, Processo n.º 2704/05.2TBVFX-D.L1-1, Ac. da RL, de 29.01.2015, Catarina Manso, Processo n.º 1731/ 10.2TMLSB.L1-8, ou Ac. da RL, de 10.02.2015, Dina Monteiro, Processo n.º 175/13.9TMPDL-B.L1-7; e na doutrina, Remédio Marques, Algumas Notas sobre Alimentos Devidos a Menores, Coimbra Editora, 2ª edição revista, 2007, p. 237-239); e entendeu outra parte dela que o F.G.A.D.M só poderia satisfazer uma pensão de alimentos que não fosse superior à que fora judicialmente fixada ao devedor originário, não cumprida voluntariamente por ele, nem coercivamente cobrada (v.g. Ac. da RL, de 08.11.2012, Aguiar Pereira, Processo n.º 1529/03.4TCLRS-A.L2-6, Ac. da RC, de 18.02.2013, Alberto Ruço, Processo n.º 3819/04.0TBLRA-C.C1, Ac. da RC, de 05.11.2013, Carvalho Martins, Processo n.º 1339/11.5TBTMR.A.C1, Ac. da RL, de 30.01.2014, Tomé Ramião, Processo n.º 130/06.5TBCLD-E.L1-6, Ac. da RP, de 18.02.2014, Márcia Portela, Processo n.º 2247/05.4TBPRD-A.P1, Ac. da RL, de 13.03.2014, Fátima Galante, Processo n.º 848/11.0TBLNH-A.L1-6, Ac. da RL, de 20.03.2014, Maria de Deus Correia, Processo n.º 850/07.7TMLSB-B.L1-6, Ac. do STJ, de 13.11.2014, Ana Paula Boularot, Processo n.º 415/12.1TBVV-A.E1.S1, ou Ac. da RG, de 16.04.2015, Helena Melo, Processo n.º 359/10.1TBVPA-A.G1).

Seria, por isso, proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 5/2015, Uniformizador de Jurisprudência, de 19 de Março de 2015 (D.R., n.º 85/2015, Série I, de 04 de Maio de 2015), decidindo que (com cinco votos de vencido): «Nos termos do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3.º n.º 3 do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário».

(Sobre esta questão, e outras que têm sido levantadas sobre a intervenção do FGADM, vide, por todos, Tomé d’ Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível - Anotado e Comentado, Quid Juris, p. 178 e segs.)

Por fim, lê-se no art. 3º, n.º 4 da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, que o «montante fixado pelo tribunal perdura enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado»; e reitera-o o art. 9º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, onde se lê que o «montante fixado pelo tribunal mantém-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado» (n.º 1), ficando a «pessoa que recebe a prestação (…) obrigada a renovar anualmente a prova, perante o tribunal competente, de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição» (n.º 4).

Precisa-se, porém, que esta nova decisão judicial estará necessariamente limitada à apreciação da questão da «renovação da prova», uma vez que o Tribunal se encontra vinculado relativamente ao quantum da prestação a cargo do F.G.A.D.M., por força do caso julgado formada sobre a primitiva decisão que a fixou, conforme art. 619º, do C.P.C..
(Neste se sentido, Ac. da RP, de 15.02.2016, Caimoto Jácome, Processo n.º 21/08.5TBPRD-D.P1, e Ac. da RL, de 13.09.2016, Orlando Nascimento, Processo n.º 1002/14.5T8CSC-C.L1-7).
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4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, tendo Micael (…) e Enzo (…), respectivamente nascidos no dia … de … de 2008 e no dia … de … de 2013, têm neste momento 10 e 05 anos de idade; e residem com a Requerente (…), sua mãe, em território nacional.

Mais se verifica que, tendo sido previamente fixada uma pensão de alimentos, a cada um deles, de € 150,00 mensais, a cargo do Requerido (…), seu pai - no âmbito do processo de regulação de responsabilidades parentais que lhes dizia respeito -, a mesma deixaria de ser paga por aquele em Outubro de 2017, incumprimento que foi reconhecido nestes mesmos autos.

Verifica-se ainda que, estando o Requerido (…) emigrado em parte incerta em França, e sendo-lhe desconhecidos rendimentos ou património, não se mostrou possível cobrar coercivamente a prestação de alimentos que deve aos Filhos.

Por fim, verifica-se que viria a ser reconhecido que o agregado familiar dos Menores é composto exclusivamente por eles próprios, pela sua Mãe e pelo Companheiro (… ), com quem ela vive em união de facto desde Setembro de 2008; e que a Requerente possuía, em 15 de Outubro de 2018 (data do «RELATÓRIO SOCIAL») um rendimento per capita inferior ao I.A.S. então vigente, possibilitando por isso o cometimento ao F.D.A.D.M. da satisfação da prestação de alimentos determinada de € 159,13, o que foi feito por nova decisão judicial.

Tiveram-se, assim, por verificados todos os necessários e cumulativos requisitos de intervenção do F.G.A.D.M. nos autos, isto é: a existência de uma decisão judicial que fixou uma pensão de alimentos a favor dos Menores; o incumprimento da mesma por parte do Requerido, sem que fosse possível cobrá-la coercivamente; e não terem os Menores credores de alimentos um rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais, nem beneficiarem nessa medida de rendimentos da Mãe, a cuja guarda se encontram, tendo em conta a capitação de rendimentos do agregado familiar da mesma, em que se inserem.

Contudo, veio o Recorrente (Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.) discordar da forma como foi apurado o montante do I.A.S., por entender que deveria ter sido incluído no agregado familiar da Requerente o respectivo Companheiro (isto é, os rendimentos por ele auferidos deveriam contribuir para o cálculo do indexante).
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4.2. Indexante Social

4.2.1. Forma de cálculo

Recorda-se que se lê: no art. 1º, n.º 1 da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, que quando «a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação»; e reitera-o o art. 3º, n.º 1, als. a) e b) do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, onde se lê que o «Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro» e «o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre».

Mais se lê, no mesmo art. 3º (do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio), que: se entende «que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respectivo agregado familiar não seja superior àquele valor» (n.º 2); e para «efeitos da capitação do rendimento do agregado familiar do menor, considera-se como requerente o representante legal do menor ou a pessoa a cuja guarda este se encontre» (n.º 4).

Esclarece-se, porém, e expressamente, no n.º 3 do art. 3º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, que o «agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, alterado pela Lei n.º 15/2011, de 3 de maio, e pelos Decretos-Leis n.º 113/2011, de 29 de Novembro, e 133/2012, de 27 de Junho».

Lê-se, a propósito, no art. 1º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho (ainda alterado pelo Decreto-Lei n.º 90/2017, de 28 de Julho), que o «presente decreto-lei estabelece as regras para a determinação dos rendimentos, composição do agregado familiar e capitação dos rendimentos do agregado familiar para a verificação das condições de recursos a ter em conta no reconhecimento e manutenção do direito às (…) prestações dos subsistemas de protecção familiar e de solidariedade», nomeadamente às «prestações por encargos familiares» (alínea a) do mesmo art. 1º, n.º 1 citado).

Precisando, lê-se no art. 2º do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, que: a «condição de recursos referida no artigo anterior corresponde ao limite de rendimentos e de valor dos bens de quem pretende obter uma prestação de segurança social ou apoio social, bem como do seu agregado familiar, até ao qual a lei condiciona a possibilidade da sua atribuição» (n.º 1); e na sua verificação «são considerados os rendimentos do requerente e dos elementos que integram o seu agregado familiar, de acordo com a ponderação referida no artigo 5.º» (n.º 3).

Integrarão o agregado familiar do titular às prestações sociais em causa as «pessoas que com ele vivam em economia comum» - «em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos» -, nomeadamente o «cônjuge ou pessoa em união de facto há mais de dois anos», «parentes e afins maiores, em linha recta e em linha colateral, até ao 3.º grau», «parentes e afins menores em linha recta e em linha colateral», «adoptantes, tutores e pessoas a quem o requerente esteja confiado por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito», «adoptados e tutelados pelo requerente ou qualquer dos elementos do agregado familiar e crianças e jovens confiados por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito ao requerente ou a qualquer dos elementos do agregado familiar» (art. 4º, n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, com bold apócrifo).

Definido o agregado familiar relevante, importará atender à capitação de cada um dos seus elementos, já que «a ponderação de cada elemento é efectuada de acordo com» uma «escala de equivalência», em que ao requerente é atribuído o peso 1, a cada indivíduo maior é atribuído o peso, 0,7, e a cada indivíduo menor é atribuído o peso 0,5 (art. 5º do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho).

Precisando novamente, e agora quanto à determinação dos rendimentos a considerar, lê-se no art. 3º do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, que: para «efeitos da verificação da condição de recursos, consideram-se os seguintes rendimentos do requerente e do seu agregado familiar: a) Rendimentos de trabalho dependente; b) Rendimentos empresariais e profissionais; c) Rendimentos de capitais; d) Rendimentos prediais; e) Pensões; f) Prestações sociais; g) Apoios à habitação com carácter de regularidade» (nº 1); mas para «efeitos de atribuição e manutenção de cada prestação ou apoio social, o respectivo valor não é contabilizado como rendimento relevante para a verificação da condição de recursos» (nº 4).

A definição do que sejam os referidos «rendimentos de trabalho dependente» resulta do art. 6º do Dec-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, onde se lê que serão «os rendimentos anuais ilíquidos como tal considerados nos termos do disposto no Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (Código do IRS), sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei».

Importa, porém, considerar ainda o disposto no n.º 2 do art. 3º do Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho, onde se esclarece que os «rendimentos referidos no número anterior reportam-se ao ano civil anterior ao da data da apresentação do requerimento, desde que os meios de prova se encontrem disponíveis, e, quando tal se não verifique, reportam-se ao ano imediatamente anterior àquele, sem prejuízo do disposto no número seguinte». Com efeito, sempre «que as instituições gestoras das prestações e dos apoios sociais disponham de rendimentos actualizados mais recentes, esses rendimentos podem ser tidos em conta para a determinação da condição de recursos» (nº 3 do mesmo art. 3º).

Nos «rendimentos de trabalho dependente» a considerar para este efeito, incluem-se o subsídio de férias e o subsídio de natal, abrangendo por isso as catorze prestações auferidas anualmente (resultantes da adição aos doze salários dos ditos dois subsídios), e não se limitando apenas aos doze salários anuais.

(Neste sentido, Ac. da RL, de 09.04.2013, Gouveia Barros, Processo n.º 1025/09.6TBBRR-A.L1-7 Ac. da RG, de 17.12.2013, Maria Purificação Carvalho, Processo n.º 2026/11.0TBGMR-A.G1, Ac. da RG, de 06.10.2016, Isabel Silva, Processo n.º 3273/12.2TBBCL.G2 - onde a aqui Relatora foi respectiva 2ª Adjunta -, Ac. da RG, de 20.10.2016, Pedro Alexandre Damião e Cunha, Processo n.º 1527/15.5T8BCL-A.G1 - onde a aqui Relatora foi respectiva 1ª Adjunta -, e Ac. da RC, de 12.07.2017, Manuel Capelo, Processo n.º 92/14.5TBNLS-A.C1).

Já relativamente ao período de tempo a que deverão ser reportados os rendimentos a considerar para efeitos de renovação da prova de manutenção dos pressupostos de intervenção do F.G.A.D.M., tem-se a letra da lei por suficientemente clara: pretendendo-se a decisão mais conforme com a realidade de facto que então subsista, desde que conhecida com rigor, reportam-se ao ano civil anterior ao da data da apresentação do requerimento, desde que os meios de prova se encontrem disponíveis, e, quando tal se não verifique, reportar-se-ão ao ano imediatamente anterior, excepto quando as «as instituições gestoras das prestações e dos apoios sociais disponham de rendimentos actualizados mais recentes», já que então estes poderão «ser tidos em conta para a determinação da condição de recursos» (art. 3º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho).
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que os dois Menores vivem com a respectiva mãe, aqui Requerente; e, desde Setembro de 2008, igualmente com Carlos (..), com quem aquela vive em união de facto.

Logo, e conforme bem ajuizado pela sentença do Tribunal a quo, o dito Companheiro com quem a Requerente vive em condições análogas às de cônjuge não integra o seu agregado familiar, já que a respectiva vivência em comum, nessas condições, ainda não atingiu o mínimo legal de dois anos exigido para este efeito.

Compreende-se que assim seja, já que o legislador entendeu que, para se aferir da efectiva entreajuda ou partilha de recursos na gestão do agregado familiar, se deveria exigir uma certa estabilização dessa mesma vivência em comum; e, por isso, os dois anos que impôs para este efeito foram por ele considerados como o tempo suficiente para se concluir que, de facto, aquela entreajuda existe.

O agregado familiar dos Menores tem, assim, como único rendimento o proveniente do trabalho dependente da Requerente (…), remunerado com um salário mensal de € 580,00.

Mais se verifica que, vindo a Requerente a auferir catorze prestações mensais num ano - por pagamento de um subsídio de férias e de um subsídio de natal -, o seu rendimento de trabalho dependente no ano de 2018 foi de € 8.120,00 (€ 580,00 x 14 meses), tendo por isso como rendimento médio mensal € 676,66 (€ 8.120,00: 12 meses).

Aplicando ao mesmo a capitação de 2,00 aqui devida (1,00 pela Requerente + 0,5 por cada Menor) obtém-se o valor de € 338,33 (€ 676,66: 2,00), inferior ao I.A.S. vigente no ano de 2018, de € 428,90.; e o dito valor de € 338,33 permite a intervenção do F.G.A.D.M., tal como foi decidido pelo Tribunal a quo.

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação interposto, e pela confirmação integral da decisão recorrida.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. e, em consequência, em

· Confirmar integralmente a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelo Recorrente respectivo (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 21 de Fevereiro de 2019.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.