Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
209/17.8T8VVV.G1
Relator: PEDRO CUNHA LOPES
Descritores: NULIDADE JULGAMENTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PEDIDO CÍVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) - Se o arguido não ataca o depósito efetuado da carta para notificação do dia de julgamento é insuficiente para determinar a sua invalidade, o facto de ter ocorrido um erro do Tribunal, na indicação dos três últimos dígitos do "Código Postal".

II) Entendendo o Tribunal que dispõe já de todos os elementos necessários a uma boa decisão da causa, não tem o mesmo de assegurar a vinda coerciva do arguido a julgamento, nem de designar 2ª data para tal. Tal direito é já um direito do arguido e não um dever do Tribunal, que deve ser exercido pelo seu Advogado ou Defensor, por quem de resto tem de estar sempre representado.

III) A insuficiência de matéria de facto para a decisão não se confunde com a invocada insuficiência de prova, para os factos provados. Esta reconduz-se a uma impugnação ampla da matéria de facto (art.º 412º/3 C.P.P.) e não a um vício da sentença (art.º 410º/2, a), C.P.P.).

IV) Na impugnação ampla da matéria de facto, não fazendo o recorrente alusão a meios de prova que imponham decisão diversa da recorrida, focando-se na mera discordância face ao decidido, deve o recurso nessa parte improceder.

V) - A notificação do arguido ausente em sessão de julgamento em que se marca a leitura da sentença faz-se por mera comunicação da data ao seu Mandatário/Defensor. Com efeito e neste caso, não exigem o art.º 113º/10 C.P.P. ou 32º/1 C.R.P., a sua notificação pessoal.

VI) Com as alegações de recurso não podem apresentar-se novos documentos para a prova de factos, que assim devem ser restituídos ao apresentante.

VIII) Estando em causa sexta condenação do arguido, manifestando o mesmo comportamentos agressivos desde a adolescência e nunca tendo mantido vínculos profissionais estáveis, além de ter incumprindo anteriores prestação de trabalho e regime de prova, deve o mesmo em caso de condenação pelo crime de furto qualificado ser condenado em pena de prisão efetiva.
Mantendo-se a prova da prática do ilícito deve manter-se a condenação no pedido cível, se nada foi suscitado quanto ao montante indemnizatório.
Decisão Texto Integral:
1 – Relatório

Por Acórdão proferido em 26 de Novembro de 2 015, foi o arguido L. M. condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts.º 203º e 204º/2, e), C.P., na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, tendo ainda sido condenado no pagamento da quantia de 4 062.69€ (quatro mil, sessenta e dois euros e sessenta e nove cêntimos), com juros de mora desde a data da notificação para contestar o pedido cível e até integral pagamento.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, que terminou com as seguintes conclusões:

1) “Com o devido respeito, que é merecido, o Arguido/Recorrente não se pode conformar com a douta sentença proferida merecendo a mesma censura, pelo que, o Recurso versará sobre matéria de direito e de facto.
2) Na verdade, não foi feita qualquer prova de que o arguido tenha praticado o crime pelo qual foi condenado.

A. DA NULIDADE DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO

A.1 – Nulidade – Falta de Notificação do Arguido

3) O arguido/recorrente foi julgado na ausência nos termos do 333ºnº1 e 2 do CPP, pelo que o prosseguimento da audiência sem a presença do arguido tem como pressuposto que ele tenha sido «regularmente notificado» da data para ela designada.
4) O direito à presença do arguido em determinados actos tem necessariamente o significado de presença física, e constitui uma garantia constitucional superior.
5) O arguido prestou TIR em 03/04/2014 (fls. 11).
6) “ A prestação de TIR regula um específico processo comunicacional entre arguido e tribunal, como seja a possibilidade de notificação por via postal simples [196ºnº3, alínea c)], cabendo ao arguido indicar uma residência para essa notificações e o dever de comunicar a subsequente mudança de residência ficando o mesmo em auto, descrevendo-se aí as operações praticadas, fazendo este fé em juízo ( 99ºnº1, nº 3, al. a), c) e d).” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo: 765/09.4PRPRT-A.P1, Relator: JOAQUIM GOMES, de: 04-07-2012, disponível em www.dgsi.pt ).
7) A notificação para o julgamento, porque o arguido prestou Termo de identidade e residência ( 313ºnº3 do CPP), foi efectuada por via postal simples, nos termos do artigo 113º nº1, alínea c), do CPP, ela tinha de ser efectuada para a morada indicada pelo arguido para esse fim, o que não aconteceu, o arguido indicou como morada: a Rua d…. Contudo a notificação ( Refª 138860188) da data da audiência de julgamento foi expedida para a morada : Rua … Vvd ( fls.377).
8) Pelo que não se pode considerar que o arguido se encontrasse regularmente notificado da data da audiência de julgamento.
9) O prosseguimento da audiência sem a presença do arguido tem como pressuposto que ele tenha sido regularmente notificado, o que de facto não aconteceu. Sendo nulo deve ser anulado em consequência todo o processado posterior, ou seja, o julgamento.
10) O Recorrente desconhece em que receptáculo postal o expedidor dos correios terá depositado as notificações que o Tribunal a quo lhe dirigiu, pelo que o código referido é de outra freguesia do concelho de Vila Verde (Barbudo).
11) O Recorrente não pode ser penalizado, nem responsabilizado, por um erro do Tribunal que enviou as cartas com uma morada inexistente e diferente daquela que foi indicada pelo Recorrente para efeitos do Termo de Identidade e Residência ; erro ao qual o Recorrente é totalmente alheio e a ele não deu causa.
12) Resulta a evidência do alegado que o Recorrente desconhecia que contra ele fora deduzida acusação, bem como que se encontrava agendado o julgamento, até porque sempre residiu naquela sua morada, factos que determinaram que não apresentasse a sua defesa nem que pudesse estar em julgamento, como era sua pretensão para repor a verdade dos factos, ao qual é totalmente alheio e a eles não deu causa.
13) O arguido sempre se mostrou ativo no inquérito, apresentando um requerimento a solicitar o levantamento do veículo, de sua propriedade, apreendido (fls. 50).
14) A notificação por carta simples e com prova de depósito — prova esta feita por uma entidade terceira estranha ao Tribunal — não garante que a pessoa a quem foi dirigida a comunicação a venha a receber ou dela tomar conhecimento ou que seja colocada na morada correta.
15) O código postal foi introduzido pelos diversos sistemas nacionais de distribuição postal fundamentalmente para acelerar o processo de separação dos objetos, designadamente através de mecanismos automáticos com utilização de leitores óticos, mas também para ultrapassar situações de erros de endereçamento e diferenças na designação dos locais, assim facilitando a entrega da correspondência. Nessa medida, o código postal constitui hoje o elemento fundamental do endereçamento postal, permitindo ultrapassar erros e divergências de toponímia, sendo acessível todos os cidadãos. Qualquer pessoa pode saber, seja por contacto com os correios, seja através das diversas ferramentas informáticas acessíveis online, qual a morada correspondente a um código postal e vice­versa. ( cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo: 233/05.3GBOBR.C1, Relator: FERNANDO VENTURA, de: 08­10­2008, disponível em: www.dgsi.pt ).
16) Deste modo, e como se comprova nos presentes autos em que o Recorrente — muito embora o expedidor postal tenha enviado ao Tribunal documento comprovativo do depósito — a notificação por carta simples não foi depositada na caixa de correio do Recorrente e nem sequer a morada estava correta; até porque, tal endereço não existe, devendo o expedidor ter devolvido as notificações, como devia, com a indicação de endereço insuficiente, ou inexistente.
17) A presunção de notificação presente na notificação para julgamento, já não tem precedência legal, porque o Tribunal a quo não pode dar como real um facto comprovadamente falso, ou seja, que o código postal estava errado.
18) A forma de notificação prevista no artigo 113° n.° 3 do Código de Processo Penal, viola uma das garantias constitucionalmente consagradas em processo criminal e como tal, a referida forma de notificação é inconstitucional, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos, por violação do disposto no artigo 32° n.º 1 da Constituição Portuguesa que refere "o processo criminal assegura todas as garantias de defesa", e como tal deverá também garantir e prever os meios eficazes para que os visados possam exercer os direitos de defesa, designadamente, e a forma como deverão ser feitas as comunicações para que o interessado possa exercer os seus direitos de defesa, ou seja, prever meios em que com certeza absoluta se afira que determinada pessoa foi efetivamente notificada podendo / devendo o Tribunal na ausência do arguido diligenciar pela sua presença, até tendo em conta a complexidade dos factos.
19) Numa leitura jusfundamental dos direitos do arguido não podemos ter a certeza que o mesmo recebeu a carta, isto significa, que não se pode considerar o arguido regularmente notificado para a audiência e discussão de julgamento. Estas são normas de interesse e ordem pública, prendendo-se com o cerne das garantias do processo penal e, por conseguinte com a validade e eficácia do sistema legal processual penal.

Assim, com o devido respeito, a decisão recorrida é nula por violação do 119º alínea c) do Código de Processo Penal.

A.2. – Nulidade – Falta do arguido Notificado

20) Na audiência de discussão e julgamento do dia 20-11-2015 foi promovido pela Digna Magistrada do Ministério Público, relativamente aos arguidos faltosos a condenação dos mesmos em multa e o prosseguimento do julgamento nos termos do artigo 331ºnº3, do Código de Processo Penal, de seguida a Mmª Juiz de Direito condenou os arguidos em multa, no montante de 2 UCs pela falta injustificada e determinou o início da audiência de julgamento na sua ausência.
21) O Tribunal deve ponderar sempre a necessidade da presença do arguido na audiência, limitando-se a possibilidade de adiamento da audiência, estando aquele regularmente notificado, à imprescindibilidade da sua presença desde o início, para a descoberta da verdade. Exige-se que, na ausência do arguido, o presidente do tribunal tome as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência.
22) A celeridade processual é um objectivo a perseguir no sentido da materialização do direito do arguido a um julgamento rápido, mas tal objectivo pressupõe porém que estejam sempre asseguradas todas as garantias de defesa.
23) In casu, face às declarações do Arguido, aqui recorrente a flls. 178, as suas declarações em audiência de julgamento seriam importantes para a descoberta da verdade material, pelo que a celeridade processual neste caso assumiu uma importância suprema face à verdade material.
24) Como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa (Rec. Nº 9354/02), “ Se é assim certo que o processo penal deve consagrar expedientes legais que permitam atingir o sobredito desiderato de se chegar a um julgamento no mais curto prazo possível também não é menos certo que a expectativa legítima do arguido é a de que lhe seja feita justiça e não a de que pura e simplesmente se lhe "arrume" o processo de qualquer maneira e a qualquer preço e, por isso, a interpretação das normas vigentes não podem deixar de acautelar até ao limite o sentido que mais eficazmente se coadune com a melhor e mais adequada protecção das garantias de defesa e que salvaguarde um desenvolvimento do processo efectivamente equitativo.
25) Nesta linha de pensamento já doutrinou também o Supremo Tribunal de Justiça (Ac. para fixação de jurisprudência n° 6/2000 de 00.01.19 ao afirmar: "A celeridade processual, como objectivo, só deve prevalecer quando o direito do arguido não possa ser afectado de forma injustificada e definitiva, sendo este o limite de qualquer opção legislativa.”
26) “O legislador relativizou, de certo modo, o direito de presença do arguido na audiência mas apenas em circunstâncias muito concretas e acautelando, mesmo assim, esse direito [direito de defesa].” (Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo nº 406/2008.7GTCSC-5, Relator:NUNO GOMES DA SILVA, de 03-03-2009, disponível em: http://www.dgsi.pt/.)
27) Como se refere na doutrina o acto de conferir a alguém o estatuto de arguido implica que este não possa ignorar a existência de um processo que contra ele é movido estando por isso obrigado a suportar os "incómodos" que daí derivam (cfr. v.g. J. A. Damião da Cunha, "O caso Julgado Parcial", PUC, p. 342) e nessa medida são pertinentes as preocupações e intenções do legislador. Mas esse acto também significa que a entidade detentora da jurisdição não pode desconhecer as suas declarações — ou quaisquer formas de exercício do direito de defesa — para efeitos do acto final que é a realização da justiça e a descoberta da verdade mas também, cumulativamente, para a protecção perante o Estado dos direitos fundamentais das pessoas e o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo crime e a consequente reafirmação da validade da norma jurídica violada (cfr. Figueiredo Dias citando Roxin, in Direito Processual Penal, Lições Policopiadas, 1988-9, p. integrado por um princípio de investigação como será o do nosso CPP (veja-se a consagração deste princípio nos arts. 323°, alínea a) e 340°) assume importância decisiva a participação constitutiva dos sujeitos processuais, e em particular do arguido, na definição do Direito a aplicar no caso concreto (Figueiredo Dias, ob. cit., p. 51). Por isso, a presença do arguido — o seu direito a estar presente — constitui-se como garantia objectiva do processo penal (J. A. Damião da Cunha, ob. cit., p. 347). Essa presença permite designadamente dar um conteúdo material concreto ao princípio do contraditório (art. 32°, n° 5 CRP) assente por sua vez, no princípio da igualdade de armas e em correlação ainda com o princípio da imediação. (Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo nº 406/2008.7GTCSC-5, Relator: NUNO GOMES DA SILVA, de 03-03-2009, disponível em: http://www.dgsi.pt/.)
28) Na visão de Germano Marques da Silva, “ A fórmula do artigo 32º nº1 da CRP não traduz uma norma meramente programática; ela significa antes que há-de ser perante as circunstâncias concretas de cada caso que se hão-de estabelecer os concretos direitos de defesa, no quadro dos princípios estabelecidos pela Lei”.
29) In casu, o objetivo foi apenas a celeridade processual e o pensamento que a prova da acusação era suficiente para produzir uma condenação, o que salvo melhor opinião não pode o arguido concordar, afinal o objetivo que deve nortear o processo penal é o Princípio da Verdade Material, portanto face às declarações do arguido em inquérito era de relevo a sua presença em audiência de julgamento.
30) A regra continua a ser o direito e obrigação de comparência do arguido, contudo com algumas exceções, no caso o arguido não compareceu, pelo que a MMª Juiz devia ter tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, o que de facto não aconteceu.
31) O arguido colaborou com o processo, e várias vezes participou, quer através da prestação de declarações, quer para solicitar a entrega do seu veículo que foi apreendido à ordem dos autos.
32) O arguido não estava desaparecido, até porque a notificação da sentença ao arguido foi extremamente fácil, através de uma mensagem via facebook enviada por um agente do posto de Prado, e de imediato o arguido se deslocou ao posto para assinar a notificação da sentença. (cf. Doc. nº 1 e, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.)
33) Perante a ausência do arguido, impunha-se que o tribunal não avançasse para o julgamento sem que a Mmª obrigatoriamente fizesse o que a lei impõe nos nºs 1 e 2 do CPP; o tribunal não acautelou como devia o direito de defesa do arguido.
34) A sua ausência impossibilitou o exercício do direito de defesa garantido constitucionalmente, tornando nulo, de forma insanável, o ato em que essas garantias não foram respeitadas.
35) A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem muito embora não considere que esse direito de presença do arguido na audiência tenha um carácter absoluto, o certo é que os julgamentos in absentia devem ter um carácter excecional [Acórdão do TEDH Sejdovic v. Itália, de 2004/Nov./10 e em Plenário em 2006/Mar./01], só sendo de admitir essas situações desde que, entre outras, venha posteriormente a ser assegurado um novo julgamento com a sua audição [Acórdão do TEDH Colozza v. Itália, de 1985/Fev./12; Poitrimol v. França de 1993/Nov/23.]
36) Este carácter excepcional dos julgamentos in absentia já tinha sido afirmado pela Resolução (75) 11, de 1975/Mai./21 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, posteriormente enfatizado pela Convenção Europeia para a Validação Internacional dos Julgamentos Criminais, aprovada em Haia em 28 de Maio de 1970, subscrita por Portugal em 1979/Mai./10, mas que até agora ainda não foi ratificada e reafirmado pela Comissão de Peritos do Comité Europeu para os Problemas Criminais, através do seu Relatório de 1998/Mar./03.
37) Neste relatório afirmava-se que o direito a um julgamento leal (“fair trail”) deve ser sempre assegurado mesmo que o acusado não esteja presente, impondo-se para o efeito a verificação que ao mesmo tenha sido comunicado pessoal e atempadamente a realização da respectiva audiência de julgamento (i’) ou então que o mesmo se tenha furtado a essa comunicação (i’’) e, tanto naquela como nesta circunstância, seja manifestamente notório que o mesmo não pretende comparecer nessa audiência (ii).
38) O princípio da oralidade e da imediação eram neste caso cruciais, face às declarações do arguido prestado em inquérito. ( fls. 178-179), permitiam a recolha da impressão deixada pela sua personalidade, só eles permitem, por outro lado avaliar o mais concretamente da credibilidade das declarações prestadas pelo arguido.
39) De acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça “(…) a responsabilidade do arguido, torna-se necessária ao exercício do contraditório. (…) Na verdade, o arguido é sujeito processual de direitos e de deveres, e é na audiência, mediante o exercício pleno do contraditório, que o arguido pode – e deve – defender-se, confrontado com as provas, já que a discussão da causa vai posteriormente implicar uma decisão, de harmonia com elas e com referência ao objeto do processo, decisão essa em que emite um juízo decisório sobre a conduta jurídico-penal imputada ao arguido, com reflexos notórios na sua vida pessoal e comunitária, pois que, sendo este absolvido, fica desvinculado da imputação havida, e restaurado à normalidade anterior ao juízo incriminatório, mas se for condenado, fica sujeito às consequências jurídicas do crime. Por outro lado, há que considerar a relevância dos princípios da oralidade e imediação na audiência de julgamento. Só estes princípios permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade; só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E, por último, só eles permitem uma plena audiência destes mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso. (Cf. Figueiredo Dias, citando Roxin, in Direito Processual Penal, Lições Policopiadas, 1988-9).
40) Assim, tendo-se realizado o julgamento do arguido – do qual saiu condenado – na sua ausência, apesar de estar notificado da data da audiência e a esta ter faltado, sendo obrigatória a sua presença, é nula a audiência de julgamento, efectuada na ausência do arguido sem que a MMª Juiz tenha tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência. Tal declaração implica a invalidade da audiência de julgamento e dos actos que dela dependem (designadamente, o acórdão (in casu sentença) condenatório), devendo o mesmo tribunal proceder à respectiva repetição (art. 122.º, n.ºs 1 e 2, do CPP). (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo: 07P3486, Relator: SORETO DE BARROS, de: 24-10-2007.)
41) Daqui resulta que na data designada para a realização da audiência de julgamento, se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o tribunal, ou adia a audiência, ou toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a comparência do arguido na audiência.
42) “Só que, de tais normas não resulta exclusão da obrigatoriedade imposta ao tribunal, quando iniciar uma audiência sem a presença do arguido notificado para a sua data de realização, de tomar as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência. Somente no caso de estas medidas não surtirem efeito é que se compreende o disposto no nº 5 do artigo 333°.” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo: 07P3486, Relator: SORETO DE BARROS, de: 24-10-2007.)
43) A presença do arguido seria crucial para a efectivação do Princípio da imediação, que se define “ (…) a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma perceção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão” como defende Figueiredo Dias.
44) "A necessidade de dar maior fixidez e concretização ao princípio do contraditório, autonomizando-o decididamente do princípio da verdade material e do direito de defesa do arguido, leva à sua concepção como princípio ou direito de audiência, como (numa formulação intencionalmente enxuta), oportunidade conferida a todo o participante processual de influir, através da sua audição pelo tribunal, no decurso do processo. Desta concepção são exemplos alguns instrumentos de direito internacional vigentes em Portugal (v. g. o nº 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem), que desta forma destacam a substância do princípio do contraditório. (Figueiredo Dias , citando Roxin, in Direito Processual Penal, Lições Policopiadas, 1988-9).
45) Assim, dando o tribunal início à audiência, deveria ter tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, uma vez que como bem assinala a recorrente, "a realização da audiência nos sobreditos termos contende com o exercício pleno do direito de defesa da arguida e princípio da procura da verdade material que se impõe ao julgador."
46) O acórdão referido concluiu “Nos termos expostos, declara-se nula a audiência de julgamento, efectuada na ausência do arguido - devidamente notificado para o efeito - sem que o juiz presidente tenha tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sus comparência. Tal declaração implica a invalidade da audiência de julgamento e dos atos que dela dependem (designadamente, o acórdão condenatório), devendo o mesmo tribunal proceder à respetiva repetição (art.º 122.º, n.ºs 1. e 2., do C.P.P.”.
47) Volta a referir-se que o arguido não estava desaparecido ou em parte incerta, pelo que se apresentou de imediato no Posto da GNR da Vila de Prado quando foi informado por um militar da GNR via facebook, que o aqui arguido foi alvo de uma sentença condenatória. A GNR não aparentou qualquer dificuldade para notificá-lo da decisão recorrida.
48) “ Atenta a importância da presença do arguido na audiência, designadamente para a sua defesa e a descoberta da verdade material, a lei estabelece e põe à disposição do tribunal mecanismos tendentes à obtenção da sua comparência e permanência na audiência, incluindo a possibilidade de detenção, como expressamente consta do nº4 e do nº8, este último ao considerar aplicável o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 116 e o artigo 254º. Os nºs 2 e 3 estabelecem, precisamente, mecanismos tendentes a facilitar s presença do arguido na audiência.” (Cf. Oliveira Mendes, in Código de Processo Penal – Comentado, Almedina, 2014, p.1071.)
49) “O princípio geral que norteia o processo penal em matéria de comparência do arguido – artigo 61º do CPP-, é o de que aquele tem o direito de estar presente a todos os atos processuais que diretamente lhe digam respeito e o dever de comparecer sempre que a lei o exigir e para tal tiver sido devidamente convocado. Tal princípio relativamente ao julgamento, tem subjacente a ideia de que a presença do arguido na audiência assume importância capital, constituindo, por um lado, uma garantia de defesa, por outro, factor relevante na formação da decisão. Daí que entendamos que, não sendo considerada justificada a falta do arguido à audiência, sendo a sua presença obrigatória, o juiz presidente deve tomar as medidas necessárias para o fazer comparecer, incluindo a sua detenção, para além de que deve condenar aquele em sanção pecuniária.” (Cf. Oliveira Mendes, in Código de Processo Penal – Comentado, Almedina, 2014, p.1073.)
50) Ora, no caso em apreço não foram respeitadas as exigências legais impostas pelos números 1, 3, 5 e 6 do artigo 333º do Código de Processo Penal, pelo que, nesta fase, a circunstância de audiência de julgamento se iniciar e prosseguir sem a presença do arguido, mesmo na segunda data, significa uma compressão ou limitação desproporcionada do núcleo essencial dos direitos de audição, de defesa e de contraditório, garantidos no artigo 32º nº 1, 2, 5 e 6 da CRP e no artigo 11º nº1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e por isso, causa de nulidade processual.
51) Foi, pois, cometida a nulidade prevista no artigo 119º alínea c), com as consequências previstas no artigo 122º nº1, ou seja, a invalidade do acto praticado bem como dos que dele dependeram.

B. DA IMPUGNAÇÃO DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS

52) A Mmª Juiz concluiu através da experiência comum a maior parte dos factos dados como provados.
53) Contudo cabe referir que “As presunções naturais são o produto das regras de experiência que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido, quando um facto é a consequência típica de outro. Na ilação derivada de uma presunção natural tem de existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido.
54) A matéria de facto é manifestamente insuficiente para a decisão ocorrendo o vício previsto no artigo 410º, nº2 alínea a) do CPP devendo ser ordenado o reenvio do processo para novo julgamento.
55) O vício da insuficiência de factos para a decisão determina a formação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas; a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.
56) Os fenómenos psíquicos, no caso a co-autoria e a planificação do assalto pertencem ao foro íntimo dos arguidos, pelo que são inapreciáveis diretamente só por outros factos externos, podem ser revelados, faltando este facto externo, a ilação não é possível.
57) Depois de produzir todos os meios de prova, como decorre da constituição da República Portuguesa a MMª Juiz, não devia ter dado os factos como provados, pelo que ficando com uma dúvida razoável não poderá dar como provados os factos constantes da acusação, devendo absolver o arguido, por falta de provas, respeitando o Princípio in dúbio pro reo.

Factos dados como provados nº 1 e 9

58) Não podia a Mmª Juiz retirar a ilação que os arguidos agiram de comum acordo, até pelas declarações do Militar da GNR – António, não se entende porque valorizaram mais as declarações do arguido R. J. face às do L. M..
59) Não se entende como se provou que existiu “ plano previamente traçado”, da simples experiência comum. Pelo que mais à frente a Mmª juiz acaba por assumir que “ este acordo não se mostra completamente detalhado quanto aos papéis de cada um” , o que sugere de imediato fragilidades , pelo que na dúvida a MMaª Juiz devia ter lançado mão do Princípio in dúbio pro Reo. (Sessão de 20/11/2015, CD Faixa 5, inicio 15:34:44 e termo 15:41:47 passagem de 03:26 a 4:22).

60) Muitas dúvidas ainda ficaram após a produção de prova, desde logo, o ofendido referiu que parte dos objectos não foram recuperados, se os arguidos foram abordados após o furto, como é que não encontraram os outros bens (Sessão de 20/11/2015, CD Faixa 2, inicio 15:03:41 e termo 15:17:06 passagem de 03:38 a 03:58).
61) O facto provado nº 2 , quando refere que “2. Animados desse propósito, no dia 3 de Abril de 2014, cerca das 4 horas, os arguidos deslocaram-se para o local no veículo de marca Volkswagen Golf GTD, matrícula HT, propriedade do arguido L. M..”, não se adequa à realidade dos factos, é até é contraditória, com a Convicção do Tribunal, expressa no depoimento das testemunhas, no caso a testemunha João, quando refere que os factos se passaram por volta da 1 hora da manhã.

62) Face à prova produzida em audiência de julgamento o Arguido L. M. apenas podia ser julgado pelo crime de Receptação, previsto e punido no artigo 231º do Código Penal, pelo que não ficou provada a sua responsabilidade.

C. DA DECISÃO DE PROCEDER À LEITURA SEM NOTIFICAR O ARGUIDO

63) O arguido não foi notificado para a leitura da sentença, o tribunal não está isento do dever de notificar o arguido da realização de qualquer sessão de julgamento suplementar, não prevista inicialmente.
64) A realização da sessão da audiência onde se procede à leitura da sentença fora da presença física do arguido, que não foi notificado para esse efeito e sem que tenha sido tomada qualquer medida para obter a sua comparência, constitui nulidade processual.
65) “Esta nulidade implica necessariamente a invalidade da sessão da audiência de leitura e dos actos que dele dependem, incluindo inexoravelmente os actos subsequentes às alegações orais e a própria sentença recorrida, devendo o mesmo tribunal proceder à respectiva repetição, depois das diligências de notificação da arguida para comparecimento (122ºnº1 e nº2 do Código de Processo Penal).” ( Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo: 2162/12.5TABRG.G1, Relator: JOÃO LEE FERREIRA , de:11-07-2013, disponível em: www.dgsi.pt ).
66) Pelo que, a realização da sessão da audiência onde se procedeu à leitura da sentença sem a presença física do arguido, que não foi notificado para esse efeito, constitui nulidade insanável tipificada na alínea c) do artigo 119º do CPP.

D. DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO

67) No que diz respeito à execução da pena de prisão, o recorrente discorda da douta decisão do Tribunal a quo, com os seguintes fundamentos:
68) O crime de furto qualificado, previsto no artigo 204º nº2 alínea e) do Código Penal, pelo qual o arguido foi condenado, tem como moldura legal a pena de prisão de 2 a 8 anos.
69) O arguido foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 8 (meses) de prisão efetiva.
70) Pelo que, o pressuposto formal está verificado, ou seja, a pena de prisão aplicada não foi em medida superior a cinco anos.
71) Cabe ressalvar os termos da condenação no Processo nº 573/11.2GFVNG, da Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia – Instância Central – 3ª Secção Criminal – J2, por dever de bom patrocínio, o que faz perceber que o arguido não faz dos “Furtos vida”, pelo que este decorreu do desconhecimento do arguido da transmissão da propriedade de um veículo por mero efeito de contrato, ou seja, foi com um grupo de amigos buscar um carro que um dos amigos vendeu e não tinha sido pago o preço. Não se verifica um desprezo pelas penas que lhe foram aplicadas.
72) Ao contrário do referido na douta sentença o arguido já cumpriu a condição imposta para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, ou seja, efetuou o pagamento do pedido de indemnização cível.
73) O Arguido declarou ainda que aceita cumprir o plano de reinserção social já homologado. (cf. Doc. nº 2 e, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.)
74) Existe a possibilidade de aplicar a Suspensão da Execução da Pena, por período igual ao da pena concreta, por se verificar que a simples ameaça de prisão realiza de forma adequada e suficiente a finalidade da punição.
75) A possibilidade de voltar a ser condenado em processo criminal foi suficiente para o arguido L. M. se ter reintegrado social e profissionalmente, bem como adotar uma conduta fiel ao Direito, pelo que a necessidade de uma pena de prisão efetiva é, efetivamente, excessiva e a simples ameaça de cumprir pena de prisão é suficiente para consolidar a sua reinserção na sociedade e afastá-lo definitivamente do contexto do crime.
76) A privação da liberdade do arguido poderá ter repercussões drásticas na sua vida familiar e profissional.
77) O arguido trabalha numa empresa a polir torneiras sita no Lugar da …, Cabanelas, tem um contrato de trabalho verbal.
78)Reside com o irmão e com o seu agregado familiar, constituído pela esposa e por três filhos, respetivamente cunhada e sobrinhos do arguido.
79) O tribunal a quo só fez uma análise da conduta anterior aos factos, pelo que andou mal.
80) No caso a possibilidade de ser aplicada ao arguido a Suspensão da pena de prisão, mesmo que em regime de prova fomentará a actual vida do arguido longe de contactos com a justiça.
81) “É sabido que só se deve optar pela suspensão da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime”. ( Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-06-2015, Processo nº 270/09.9GBVVD.S1).
82) “Também importa acrescentar que esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se pois de uma convicção subjetiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso. (Cf. Figueiredo Dias, in “ Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, p. 344).
83) De um lado, cumpre assegurar que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com as finalidades da punição. Numa perspetiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado.
84) Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema penal.
85) É evidente que o passado criminal do arguido fazem desta aposta um importante risco. No entanto ao arguido não são conhecidos comportamentos criminais posteriores aos factos in casu julgados.
86) O arguido está integrado no agregado familiar, auxiliando nas tarefas necessárias, como por exemplo levar os sobrinhos à escola quando a cunhada não pode.
87) O arguido poderá ser despedido caso venha a cumprir a pena de prisão.
88) Nesta medida penal é feito um encontro entre o juízo de desvalor ético-social que está contido na sentença condenatória o chamamento da própria vontade do arguido para se reintegrar na sociedade.
89) O Supremo Tribunal de Justiça, “ tem afirmado, de modo constante, que a suspensão da execução da pena deverá ter na sua base uma prognose favorável aos arguidos, a esperança de que eles sentirão a sua condenação como uma advertência e que não cometerão no futuro nenhum outro crime” (Cf. Acórdão do Supremos Tribunal de Justiça de 7/709, Processo nº 313/03.0JABRG.S1, 5ª Secção).
90) “O juízo a formular sobre o carácter favorável de prognose não tendo de se fundamentar em certezas, deverá assentar na esperança de uma possibilidade de que a socialização pode ser alcançada em liberdade” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/06/2005, Processo nº 1942/05, 3ª Secção); o que parece estar a acontecer nestes 2 anos posteriores à data do crime cometido, pelo que trabalha, tem o apoio da família, e está inserido socialmente.
91) Verifica-se que, no caso concreto, o arguido alterou o seu quotidiano e integrou-se social, familiar e profissionalmente, sendo que sofrer uma pena de prisão efetiva após recuperar a sua vida social, profissional, a sua autonomia financeira e afastar-se das “más-companhias”, não poderá contribuir de forma positiva para a prevenção especial do agente, sortindo, pelo contrário, um efeito contrário ao provocar um sentimento de revolta, impossibilidade de “recomeçar a vida”, desnecessidade de afastar-se deste contexto por o empenho e esforço não serem recompensados e irá desintegrá-lo socialmente.
92) A pena deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia ótima de proteção de bens jurídicos.
93) Pelo tempo que passou, o alvoroço social já se esfumou e a personalidade do arguido modificou-se para muito melhor.
94) Como circunstância posterior ao facto, verificamos um esforço, com sucesso, de reintegração social e profissional por parte do arguido.
95) No prazo decorrido do processo, o arguido manteve uma boa conduta como já referido, sendo relevante para a necessidade da pena.
96) Por conseguinte, parece resultar deste relatório que o arguido atravessou um período de vida crítico, com desorganização da sua vida familiar e social, com falta de orientação, e companhias juvenis, que influenciaram o seu estilo de vida e em que os comportamentos delituosos eram banalizados. Tudo isso remeterá para aspetos conjunturais, em que a sua atividade delituosa radicará mais em fatores de pluriocasionalidade, de crise de crescimento e de transição para a vida adulta, a que se somam fatores ligados a uma desadaptação familiar, social e existencial, sem, todavia, perder a noção dos valores e o espírito crítico, embora caldeado com sentimentos de vitimização.
97) São sobretudo razões de prevenção especial (e não considerações de culpa) as que estão na base do instituto, permitindo substituir uma pena institucional ou detentiva, por outra não detentiva, isoladamente aplicada ou associada à subordinação de deveres que se impõem ao condenado, destinados a reparar o mal do crime e (ou) de regras de conduta, estabelecidas estas com o fim de melhor reinserir aquele socialmente em ordem ao acatamento dos valores comunitários, cujo respeito, pelo afastamento do condenado da criminalidade (e não pela sua regeneração) se pretende obter. Com este fim, pode ainda submeter-se o condenado a regime de prova, associando-se aspetos da probation angloamericana ao instituto da suspensão da pena.
98) Deve ser dada relevância ao comportamento do arguido posterior ao facto, os factos in casu, remontam a 3 de abril de 2014. Decorreram praticamente 2 anos, pelo que não é conhecida ao arguido qualquer conduta ilícita, pelo que atualmente está mais estável, “cresceu” emocionalmente, tomando consciência dos seus atos e da necessidade de mudar os seus hábitos.
99) Deve realçar-se os 2 anos já decorridos desde o crime e a conduta lícita que nesse período o arguido manteve, para além de trabalhar numa fábrica de polir torneiras, desde Abril de 2015, em Cabanelas, com o seguinte horário de trabalho: Segunda a Quinta-Feira das 8 horas às 12.30 horas, e das 13:30 horas às 17:30 horas; Sexta-feira – 6 horas até às 14:00 horas; Sábado das 8horas às 12 horas.
100) Pelo juízo prognose referido, deve aplicar-se ao arguido a Suspensão da execução da pena de prisão, ainda que sujeita a regime de prova.

E. QUANTO AO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL

101) A última questão relaciona-se com a vertente do pedido indemnizatório, o arguido, ora recorrente não praticou os factos de que vinha acusado pelo que deve ser absolvido do pagamento do pedido de indemnização civil.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e consequentemente,

a) Revogada a condenação em multa;
b) Revogada a decisão de proceder a julgamento, anulado todo o processado subsequente e ordenada a realização de novo julgamento;
c) Se assim não se entender, por mero dever de patrocínio, o que não se concede, deve ser Revogada a sentença proferida por não haver matéria de facto suficiente para imputar objetiva e subjetivamente qualquer conduta criminalmente punida ao arguido;
d) Revogada a decisão de proceder à leitura de sentença sem notificar o arguido;
e) Aplicar ao arguido o mecanismo da Suspensão da Pena de Prisão;
f) Ser o arguido absolvido do pagamento do Pedido de Indemnização Cível,

FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA.”

Respondeu a demandante “X Companhia de Seguros, S.A.”, que é recorrida. Para si, o arguido está devidamente notificado para julgamento, não ocorreu qualquer nulidade durante a audiência, a prova está corretamente apreciada e o arguido praticou atos, geradores de responsabilidade civil. Sustenta pois, a improcedência do recurso interposto.

Também o M.P. contra-alegou, em 1ª instância. Também para si, a notificação para julgamento não é nula, a fixação dos factos baseou-se no princípio da livre apreciação da prova que é insidicável e a pena está corretamente fixada. Sustenta pois, a improcedência do recurso.

Já neste Tribunal da Relação, a Dignm.ª Procuradora Geral Adjunta teve vista no processo. Também para si, o erro nos três últimos números do Código Postal não permite, por si só, concluir que a notificação não foi feita, sendo que se, conforme fls. 537V.º, o arguido já não reside no local, era a si que incumbia indicar nova morada. No seu entendimento, também a prova está corretamente fixada. Considera assim e também, que o recurso deve ser julgado improcedente.
Notificado o arguido nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., o mesmo não respondeu.
Este recurso vai ser julgado em conferência, como dispõe o art.º 419º/3, c), C.P.P.

2 – Fundamentos

É do seguinte teor, a decisão recorrida:

“RELATÓRIO

Em processo comum e com intervenção do Tribunal Singular, o Ministério Público acusou os arguidos

- R. J., solteiro, filho de … e de …, nascido em …, em …, Vila Verde, residente na Rua …, em Vila Verde, e actualmente em Rue …, em França, e
- L. M., solteiro, filho de … e de …, nascido em …, em Cervães, Vila Verde, e residente na …, Vila Verde, imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.°, n.° 1 e 204.°, n.° 2, alínea e) por referência ao artigo 202.° alínea d), todos do Código Penal.

A demandante cível “X -COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” deduziu pedido de indemnização cível contra os demandados R. J. e L. M., pedindo a condenação destes a pagar-lhe, solidariamente, a quantia de € 4.062,69 (quatro mil sessenta e dois euros e sessenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento. (cfr. folhas 271 a 275)

O arguido L. M. apresentou contestação, oferecendo o merecimento dos autos, e arrolou uma testemunha (Cfr. folhas 355)
O arguido R. J. não apresentou contestação, nem arrolou testemunhas.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento com observância de todos os formalismos legais.

Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da instância que presidiram à prolação do despacho que recebeu a acusação e designou dia para julgamento, pelo que nada obsta à apreciação do mérito.
*
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO FACTOS PROVADOS

Com interesse para a decisão da causa, provaram-se os seguintes factos:

1. Os arguidos R. J. e L. M. acordaram entre si assaltarem a residência sita na ;•a Travessa …, Vila Verde.
2. Animados desse propósito, no dia 3 de Abril de 2014, cerca das 4 horas, os arguidos deslocaram-se para o local no veículo de marca Volkswagen.Golf.GTD matrícula, HI, propriedade do arguido L. M..
3. Uma vez no local, os arguidos saltaram um muro de vedação com cerca de 1,70 metros que protege a propriedade e deslocaram-se às traseiras da moradia. Uma vez aí, por método não concretamente apurado, estroncaram a fechadura de uma porta de alumínio e por aí se introduziram na habitação.
4. De seguida, percorreram as várias dependências do imóvel, sendo que, para o efeito, necessitaram de estroncar, até as abrir, cerca de 10 portas interiores que também se encontravam fechadas à chave.
5. Então, apoderaram-se dos seguintes bens pertencentes ao ofendido: a. três garrafas de vinho, de marca ‘Muscavil’, no valor de € 6,00; b. uma garrafa de whisky de marca ‘Green Garden”, no valor de € 10,00; c. uma garrafa de whisky de marca ‘Dimple”, no valor de € 17,50; d. uma garrafa de whisky de marca ‘Long John”, no valor de € 60,00; e. uma garrafa de whisky de marca ‘JB Rare”, no valor de €50,00; f. duas garrafas de espumante e dois copos, de marca ‘freixenet”, no valor de € 15,00; g. uma garrafa de brandy de marca ‘Napoleon’, no valor de € 8,19; h. uma garrafa de whisky de marca “Glen Turner, no valor de € 21,3$; i. uma garrafa de champanhe de marca “Duval-Leroy’, no valor de € 42,35; j. uma garrafa de vinho espumante de marca Fita Azul’, no valor de €4,99; k. uma garrafa de vinho do Porto de marca ‘Lágrima”, no valor de €8,45; 1. uma garrafa de whisky de marca ‘JB 15 anos, no valor de €20,49; m. uma caixa contendo 20 garrafas de licor, de marca Blizard’, no valor de €20,00; n. uma garrafa de whisky de marca ‘Bailantines Gold 15 anos”, no valor de € 15,00; o. uma serra tico-tico elétrica de marca Black & Decker’, no valor de €10,00; p. um berbequim elétrico de marca “Black & Decker’, no valor de €10,00; q. um saco em poliéster, no valor de €10,00; r. dois martelos de marca “Craftsman”, no valor de €15,00; s. um martelo no valor de €5,00; t. um serrote no valor de €5,00; ti. uma machada, de marca ‘Mota”, no valor de €2,50; v. uma foice, no valor de €2,50; w. um martelo de assentar mosaico, com a cabeça em borracha, no valor de € 1,00; x. um martelo de assentar mosaico, com a cabeça em madeira, no valor de €1,00; y. três alicates de pressão, de marca ‘Vise-Grip, no valor de €15,00; z. um alicate, de marca ‘Channellock”, no valor de € 5,00; aa. um alicate, de marca “Drop Forged 1 0”, no valor de € 2,00; bb. um alicate de rebitar, de marca ‘Tuv ds”, no valor de € 15,00; cc. dois alicates, no valor de €4,00; dd. dois alicates em mau estado de conservação, sem valor comercial; ee. um alicate, de marca “KZ’, no valor de € 2,00; ff. um alicate, de marca “Fukung”, no valor de € 1,00; gg. uma tesoura, no valor de €1,00; hh. uma tesoura de cortar chapa, no valor de € 1,00; ii. uma tesoura da poda, no valor de € 2,00; jj. uma bisnaga de cola, sem valor comercial; kk. uma bisnaga de mástique acrílico branco, de marca “Tanweer”, sem valor comercial; 11. uma máquina de aplicação de bisnagas de mástique, de marca “mastic coc ft 1565, no valor de €5,00; mm. um jogo de acessórios para ferramentas elétricas, de 34 peças, de marca “Workforce’, no valor de €10,00; nn. um conjunto de chaves hexagonais, de marca “Cogex”, no valor de €2,00; 00. nove chaves de fendas, sem valor comercial; pp. seis chaves Philips, sem valor comercial; qq. dez lâminas para serras de cortar ferro, no valor de €1,00; rr. uma lata de óleo lubrificante, de marca “wd 40”, no valor de €5,00; ss. uma lata de tinta, de marca “Presto”, no valor de €5,00; tt. quatro frinchas, no valor de €4,00; uu. cinco chaves, de marca “diamond bernad”, no valor de €5,00; vv. uma chave de bocas e estrias, de marca ‘oropforce’, no valor de €1,00; ww.cinco chaves de bocas, de marca ‘chrome vanadium”, no valor de €5,00; xx. um serra-juntas, sem valor comercial; yy. duas chaves torx, no valor de €2,00; zz. uma chave de estrias, de marca “facom”, no valor de €1,00; aaa. três formões para madeira, no valor de € 3,00; bbb. uma fita métrica, de marca “BD”, no valor de €5,00; ccc. uma chave inglesa, de marca “Palmera”, no valor de €5,00; ddd. uma chave inglesa, de marca ‘Palmera”, no valor de € 5,00; eee. uma chave inglesa, no valor de €5,00; fff. um esquadro em metal, de marca “Acciaio Temperato”, no valor de €2,00; ggg.um esquadro em metal, no valor de € 2,00; hhh. quatro chaves sextavadas, de marca Elite, no valor de € 4,00; iii. quatro chaves sextavadas, de marca “Fancon”, no valor de € 4,00; jjj. um autocler, de 49 peças, no valor de € 25,00; kkk. duas grossas, no valor de € 2,00; lll. três brocas, de marca “Ryobi”, no valor de € 5,00; mmm. um alicate de corte, no valor de € 2,00; nnn. um alicate de corte, no valor de €2,00; ooo.uma turquês, de marca “Chanriellock”, no valor de € 2,00; ppp. um serra de cortar ferro, no valor de €15,00; qqq. um serra de cortar madeira, no valor de €15,00; rrr. um alicate de corte, no valor de €2,00; sss. uma colher de troifia, sem valor comercial; ttt. uma colher de trolha, no valor de €2,00; uuu. uma plausfra, sem valor comercial; vvv.uma caixa de ferramenta, de marca Hobby, sem valor comercial; www. um pé-de-cabra, no valor de € 5,00; xxx. um kit home cinema, de marca ‘Denver”, no valor de €50,00; yyy.uma soldadora, de marca “Parva”, no valor de € 175,00; zzz. uma rebarbadeíra, de marca “Bosch”, no valor de €129,00; aaaa. um martelo elétrico, de marca “Aslo”, no valor de €179,00; 5551,. uma serra circular, de marca “Bosch’, no valor de €126,00; cccc. um berbequim perfurador sem fios, de marca ‘Aslo”, no valor de € 71,00; dddd. duas bocas para instalação de cano de 80x30x20 cm, às quais não foi atribuído qualquer valor; eeee. um serviço de porcelana de 36 peças ao qual não foi atribuído qualquer valor; ffff. dez travessas inox, às quais não foi atribuído qualquer valor; gggg. roupa de cama diversa, à qual não foi atribuído qualquer valor; hhhh. uma bolsa de senhora de cabedal, à qual não foi atribuído qualquer valor, tudo no valor de € 1.297,35 (mil duzentos e noventa e sete euros e trinta e cinco cêntimos).
6. Uma vez na posse de tais bens, os arguidos transportaram-nos para o veículo referido em 2., com intenção de passarem a usufruir deles em seu proveito pessoal.
7. Acontece que, alertada por um vizinho, a GNR encetou diligências no sentido de localizar os arguidos, sendo que, cerca das 5 horas, acabou por interceptá-los quando circulavam na viatura referida em 2. na posse dos objectos subtraídos e referidos em a. a xxx..
8. Os bens referidos em a. a xxx. foram entregues ao proprietário A. R..
9. Os arguidos actuaram sempre de comum acordo e em conjugação de esforços, na execução de um plano que havia sido previamente delineado por ambos.
10. Agiram com intenção de fazer seus os bens referenciados, apesar de saberem que os mesmos não Lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do respectivo proprietário.
11. Os arguidos actuaram de forma livre, voluntária e consciente, não obstante saberem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*
Relativamente ao pedido de indemnização cível, provou-se que:

12. No exercício da sua actividade de seguradora, a “X — Companhia de Seguros, S.A.” celebrou com A. R. o contrato de seguro do ramo multirriscos habitação, titulado pela apólice n.° … 01, constante de fis. 276 a 315, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.
13. Em 8 de Abril de 2014, A. R. participou à companhia de seguros “X -Companhia de Seguros, S.A.” o sinistro referente ao arrombamento e furto da sua casa sita na Travessa …, Vila Verde, ocorrido em 02.04.2014.
14. Na sequência da participação referida em 13. e da averiguação levada a cabo, a “X -Companhia de Seguros, S.A.” pagou a A. R., em 22 de Maio de 2014, a quantia de € 3.884,34, relativo aos prejuízos resultantes no edifício.
15. A “X -Companhia de Seguros, S.A” despendeu a quantia de € 178,35 com a regularização do sinistro.
*
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, provou-se que:

16. O arguido R. J. não tem antecedentes criminais.
17. O arguido L. M. já foi condenado, por sentença proferida em 19 de Agosto de 200$, no âmbito do processo sumário n.° 394/08.OGAVVD, que correu termos no 2.° Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal em 18.08.2008, na pena de 40 dias de multa à taxa diária de €8, pena esta declarada extinta pelo pagamento em 21.11.2008.
18. O arguido L. M. já foi condenado, por sentença proferida em 25 de Fevereiro de 2011, no âmbito do processo sumário n.° 235/11.OGBBCL, que correu termos no 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal em 11.02.2011, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 6, pena esta declarada extinta pelo pagamento em 22.03.2012.
19. O arguído L. M. já foi condenado, por sentença proferida em 30 de Maio de 2011, no âmbito do processo comum singular n.° 333/10.8GIBRG, que correu termos no 1.° Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal em 20.08.2010, na pena de 5 meses de prisão substituída por 150 horas de trabalho.
20. O arguido L. M. já foi condenado, por sentença proferida em 20 de Janeiro de 2012, no âmbito do processo sumário n.° 13/12.OGAVVD, que correu termos no 1.° Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal em 07.01.2012, na pena de 9 meses de prisão suspensa pelo período de 1 ano.
21. O arguido L. M. já foi condenado, por acórdão proferido em 27 de Dezembro de 2013, no âmbito do processo comum colectivo n.° 573/ 11.2GFVNG, que correu termos na 3ª Secção Criminal da Instância Central de Vila Nova de Gala, Comarca do Porto, pela prática de um crime de roubo qualificado em 10.12.2011, na pena de 18 meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período.
Relativamente à situação económico-social dos arguidos, provou-se que:

22. O arguido R. J. encontra-se actualmente a residir em frança.
23. O arguido L. M. é proveniente de uma família de modesta condição socioeconómica e baixo nível cultural. O pai exerceu a profissão de pedreiro e a mãe executava trabalho de costura em casa, tendo também a seu cargo o acompanhamento dos quatro filhos sendo o arguido é o mais novo. O processo de crescimento de L. M. desenvolveu-se num ambiente familiar funcional, até ao falecimento da mãe. Esta faleceu quando o arguido tinha 13 anos de idade e este acontecimento alterou significativamente a dinâmica familiar. O pai acentuou os consumos de bebidas alcoólicas e quando casou de novo o arguido teve dificuldades em se adaptar à reconfiguração familiar, manifestando então comportamentos agressivos (verbais e físicos), quer para com a madrasta quer para com os dois filhos desta que passaram a integrar o agregado familiar. O arguido completou com sucesso o 6.° ano de escolaridade, mas a continuidade da sua inserção no sistema de ensino foi problemática, não só pelos seus comportamentos agressivos para com os colegas e professores, como também pela manifestação da actos delinquentes no meio social. Esses comportamentos originaram a sua orientação para consultas de psicologia e, segundo o arguido, foi então proposto o seu internamento em instituição, mas que não se concretizou. A integração de L. M. num programa individual de educação e formação (PIEF) e, posteriormente, num o curso de electricidade, na Escola Profissional— Associação de Desenvolvimento, localizada em Vila Verde, contribuiu para que o arguido tivesse concluído com sucesso o curso e obtivesse como habilitação o 9.° ano de escolaridade. Desde idade precoce que L. M. ajudava a família na prática de uma agricultura de subsistência. Contudo, foi aos 16 anos de idade que iniciou actividade profissional, tendo exercido profissão nas áreas da construção civil e como mecânico de automóveis, mas sem estabilidade nem vínculo contratual. O arguido viveu com uma companheira desde os 18 anos de idade inserido no agregado familiar de origem. Após o falecimento do pai há cerca de dois anos, a madrasta e os filhos desta abandonaram a casa, passando o casal a viver só na mesma habitação. À data dos factos o arguido vivia com a companheira que exercia a sua actividade profissional numa empresa de embalagens. O arguido manifesta instabilidade no seu percurso profissional tendo passado por várias mudanças de entidade patronal e de ramo de actividade, sendo que nos últimos anos não tem desenvolvido os esforços necessários para manter um trabalho regular. O arguido até ao momento de saída do meio residencial de longa data, manifestou dificuldades de interacção com os vizinhos, sobretudo pelo facto de manter uma comunicação agressiva para com os demais, como por ser sinalizado com comportamentos associais. L. M. não tem uma ocupação estruturada dos tempos livres, ocupa-os na frequência de bares e locais de diversão nocturna, com jovens residentes em freguesias próximas também associados a comportamentos associais. No processo n° 333/10.8GTBRG, do l Juízo do Tribunal de Vila Verde, foi condenado por condução sem habilitação legal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, substituídas por 150 (cento e cinquenta horas) horas de trabalho a favor da comunidade, pena que ainda se encontra pendente, apesar dos diversos incumprimentos, quer decorrentes das faltas injustificadas, como pelo facto de passar a residir em paradeiro incerto e ter deixado de comparecer na entidade beneficiária de trabalho e neste serviço. No processo n° 573/11.2GfVNG, da comarca do Porto - Vila Nova de Gala - Inst. Central- 3a Secção &iminal-J2, foi o arguido condenado como co-autor de um crime de roubo agravado, na pena de 18 meses de prisão, tendo sido suspensa pelo mesmo período com regime de prova. O arguido não tem cumprido as obrigações impostas no plano de reinserção social, nomeadamente não comparece às entrevistas marcadas por este serviço, nem fornece informações relativas à sua actividade profissional, nem tão pouco se dignou comunicar a sua alteração de residência.

NÃO PROVADOS Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente que:

a) Os arguidos sabiam que o ofendido A. R. era emigrante.
b) Os arguidos estavam munidos de dois pares de luvas, uma chave de fendas e um pé-de-cabra.
c) Os arguidos estroncaram a fechadura de uma porta de alumínio com a ajuda do pé de cabra e da chave de fendas.
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Relativamente aos demais factos constantes do pedido de indemnização cível o tribunal não se pronunciou por se tratarem de factos repetitivos da acusação, de matéria de direito, conclusiva ou inócua.
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CONVICÇÃO DO TRIBUNAL

Em sede de valoração da prova, a regra fundamental é a constante do artigo 127.° do Código de Processo Penal, segundo o qual a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente’ Este principio da livre apreciação da prova traduz-se na ideia de que o Tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas.

Para fixar pela forma como antecede a matéria de facto, o Tribunal fundou a sua convicção na análise conjunta da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, à luz das regras da experiência comum e da normalidade, designadamente na prova testemunhal e documental, sendo certo que os arguidos não compareceram à audiência de julgamento, para a qual foram regularmente notificados, tendo sido julgados na ausência.

Relativamente à prova documentaj, o tribunal teve em consideração o seguinte:
- o auto de notícia de fis. 4-7; o auto de apreensão de fis. 17-20 que se reporta à apreensão do veículo com a matrícula HT, que entretanto foi entregue ao arguido L. M.; o auto de apreensão exame directo e avaliação de fis. 21 a 48 e respectivo suporte fotográfico, que se reporta à apreensão de objectos que se encontravam no interior do veículo com a matrícula HT, mais propriamente na mala e banco de passageiros; o auto de reconhecimento de objectos constante de fis. 130 por referência ao auto de apreensão e exame directo de fis. 21 a 48 e respectivo termo de entrega constante de fis. 131; os orçamentos de fis. 133 e 134 relativo aos estragos causados na habitação e alguns dos objectos; o auto de exame directo e avaliação de fis. 143 a 147, que se refere ao exame ao veículo apreendido ao arguido L. M.; o relatório de inspecção judiciária realizado na habitação sita na 1a Travessa …, Vila Verde, e respectivo suporte fotográfico constante de fis. 150 a 55.

A prova documental vertida nos autos, e que infra se repetirá sempre que se justifique pelo seu relevo probatório, contribuíram para a formação da convicção do Tribunal, umas vezes pela credibilidade que o próprio teor só por si revela e, outras, em conjugação com outros meios de prova, sendo que todos eles apresentam um teor que se afigura verídico e não foram postos em crise por qualquer outro meio de prova.

Aqueles, cujo âmbito conceitual normativo é delimitado pelo artigo 363.° do Código Civil, implicam que se considerem provados os factos materiais deles constantes, enquanto a autenticidade dos documentos ou a veracidade do seu conteúdo não forem, fundadamente, postos em causa. São ainda de destacar os depoimentos das testemunhas prestados em audiência de julgamento, nos seguintes termos: a testemunha/ofendido A. R., reportou-se ao modo como teve conhecimento do furto na sua residência — telefonema na mesma noite em que o cunhado havia falecido e que por isso recorda ser 3 de Abril de 2014 -, e bem assim ao facto de a sua habitação estar vedada por muros e portões. Mais se reportou ao estado da mesma após o furto, descrevendo o arrombamento de cerca de 12 portas, sendo que uma das exteriores não foi lograda a sua abertura. Referiu-se, ainda, aos objectos que foram levados na sequência do referido furto, mencionando que recuperou parte dos objectos em causa, esclarecendo quais não foram recuperados e o seu valor aproximado. Por último referiu-se ao facto de desconhecer quem foi que procedeu à subtracção dos referidos objectos, esclarecendo que tinha seguro de habitação, na X, a quem foram participados os danos e ressarcidos, conforme documento de fis. 358.

Esta testemunha, apesar de ofendida, apresentou um depoimento credível e sincero, tendo sido valorado positivamente. a testemunha J. F., vizinho da habitação de A. R., que, de forma credível, isenta e imparcial, se reportou aos barulhos bastante fortes de portas a serem arrombadas, cerca da 1 hora da manhã de um dia do ano passado - (perto da Páscoa), tendo para o efeito telefonado para a GNR, que se deslocou ao local. Mais referiu que, quando ouviu os barulhos ainda não se tinha apercebido qual era a habitação onde tal estava a suceder e que, ainda antes da GNR chegar, avistou um veículo branco.

A testemunha Rui, militar da GNR no Posto Territorial de Prado à data dos factos, referiu, de forma credível, isenta e imparcial, que haviam recebido um telefonema de urna pessoa que tinha ouvido barulhos fortes, e ter visto um carro branco, e que, após no local dos factos terem verificado as casas, cerca de meia-hora depois conseguiram abordar o veículo branco que continha no seu interior bastante material: garrafas de bebidas, máquinas, ferramentas, etc, sendo que o seu condutor e ocupante foram levados para o posto, o veículo apreendido e bem assim o material (suportado fotograficamente), que posteriormente veio a ser identificado pelo ofendido. Mais se reportou ao estado da habitação em causa: as portas de alumínio estavarn estroncadas e o seu interior todo remexido, incluindo as portas de interior todas arrombadas.
A testemunha António, militar da GNR do Posto Territorial de Prado, do mesmo modo que a anterior testemunha, de forma credível, referiu que estavam a fazer patrulha, tendo-lhes sido comunicado um assalto numa residência em Cervães, e que a testemunha terá visto um veículo branco sair do local.

Nesse sentido, pediram ajuda a outra patrulha, e algum tempo depois abordaram a viatura, tendo procedido à abordagem dos arguidos e à revista do veículo, onde encontraram diversos materiais, entre os quais, bebidas, ferramentas eléctricas, etc, que foram apreendidos, esclarecendo que os arguidos não lograram esclarecer a proveniência dos referidos materiais.

Reportou-se, igualmente, à deslocação à residência, que tinha as portas todas arrombadas e o interior todo remexido, incluindo gavetas abertas. a testemunha José, perito de uma empresa que presta serviços à companhia de Seguros “X”, reportou-se de forma credível, espontânea e sincera, às diligências por si efectuadas no âmbito do sinistro ocorrido na habitação de A. R., referindo que esteve no interior da residência, onde estavam grande parte das portas destruídas, incluindo na envolvente da fechadura, sendo certo que duas das portas exteriores de alumínio também estavam danificadas: uma delas sugerindo uma tentativa de arrombamento, e a outra efectivamente destruída. Explicou como foi apurado o valor e bem assim que foi aplicado o infra-seguro, motivo pelo qual conclui pelo valor a pagar, o efectivamente pago.

A testemunha S. C., técnica de seguros na demandante cível, reportou-se de forma credível ao contrato de seguro existente entre a companhia de seguros “X” e A. R., ao sinistro participado, à liquidação da indemnização de acordo com a averiguação que foi solicitada a uma empresa externa da companhia de seguros, e bem assim às despesas efectuadas com a liquidação dos honorários dessa empresa.
Os factos relatados pelas supra referidas testemunhas foram acolhidos como verídicos pelo Tribunal e resultaram da idoneidade da respectiva razão de ciência expressa e isenção de depoimento. E, tendo sido esta a prova produzida não surgiram dúvidas ao tribunal que foram os arguidos quem entraram na habitação de A. R. e dali levaram os objectos identificados na acusação, isto embora não tenha havido prova directa de tal factualidade (ninguém viu os arguidos entrarem na mesma e ali a apoderarem-se dos objectos em causa).

Sucede, porém, que bem se sabe que a prova dos factos não tem de ser directa, pode ser indirecta. E, como se refere, a título meramente exemplificativo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2010 (Processo 86/06.OGBPRD.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt “Encontra-se universalmente consagrado o entendimento, desde logo quanto à prova dos factos integradores do crime, de que a realidade das coisas nem sempre tem de ser directa e imediatamente percepcionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça. Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adopção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial. Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, “... as provas que não foram proibidas pela lei” (cf art. 125.° do CPP), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf art. 349.° do CC).

As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indirecta, mediante o qual o julgador adquire a percepção de um facto diverso daquele que é objecto directo imediato de prova, sendo exactamente através deste que, uma vez determinado usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formara sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objecto de prova).”

E, no caso em concreto, estamos certos que essa prova indirecta existe e é suficiente para concluir como se concluiu. Com efeito, não existem dúvidas que no dia 3 de Abril de 2014 a habitação sita na Travessa …, foi alvo de furto (cft. auto de notícia de fis. 4-7), sendo certo que o mesmo foi dado conta pela testemunha João, vizinho da referida habitação, que tendo ouvido na madrugada fortes barulhos de portas a ser arrombadas chamou a GNR. A GNR deslocou-se efectivamente ao local (como decorre quer do depoimento dos dois agentes da GNR inquiridos, quer do auto de notícia referido), o que fez de imediato, tendo sido já com estes no local que identificaram a propriedade que havia sido alvo do assalto (e que foi confirmado com a introdução na mesma).

O estado da habitação (cfr. relatório de inspecção judiciária e relatório fotográfico e sua descrição pelas testemunhas agentes da GNR e o próprio ofendido) permitiram concluir o modo como foi efectuado o acesso à mesma. Na impossibilidade de se entrar pelos portões que se encontravam fechados, outra não seria a forma de entrar como saltando os muros e/ou os próprios portões, sendo que as portas de acesso à habitação estavam: uma danificada e a outra arrombada. O facto de as portas de interior da habitação estarem todas arrombadas (num total de pelo menos 10) é consentâneo com os fortes barulhos ouvidos pela testemunha João.

Acresce que esta testemunha chegou a ver um veículo de cor branca afastar-se daquele local. Sendo certo que pouco tempo depois — cerca de meia -hora — os arguidos foram encontrados no veículo de cor branca - o arguido L. M. a conduzir - com os objectos que A. R. veio posteriormente a identificá-los (cfr. exame directo de fis. 21 e ss. e auto de reconhecimento de fis. 130). Com efeito, não é apenas a presença dos objectos furtados na posse dos arguidos que permite concluir-se como se concluiu, mas do conjunto da prova produzida: a posse reporta-se a poucas horas depois, estando os arguidos no veículo de cor que a testemunha minutos depois de ouvir os barulhos na habitação objecto do furto avistou, os arguidos em causa tinham na sua posse grande parte do total dos objectos furtados, sem que justificassem a sua proveniência, seja aos agentes da GNR que os abordaram, seja ao Tribunal, em sede de audiência de julgamento, onde não compareceram, revelando um total alheamento ao seu julgamento.

Valorando-se a posse dos objectos furtados, por um lado, e o local onde e como foram encontrados, por outro, é possível, em face da prova produzida, afirmar com certeza de que foram os arguidos os seus autores.

Assim, e apesar de não se ter apurado -por falta de prova nesse sentido - que os arguidos soubessem que o ofendido era emigrante (alínea a) dos factos não provados), dúvidas não soçobraram ao tribunal de que os arguidos - e os dois, desde logo em virtude da quantidade de bens levados e encontrados no veículo onde ambos se encontravam, o arguido L. M. como seu condutor e o arguido R. J. seu acompanhante - depois de terem decidido assaltar a residência em causa — acordo este que resulta desde logo das regras da experiência comum — (ponto 1 dos factos provados) ali se deslocaram no veículo com a matrícula FF (ponto 2 dos factos provados) (não se tendo apurado, por falta de prova suficiente, que o fizeram também munidos de 2 pares de luvas, uma chave de fendas e um pé-de cabra — alínea b) dos factos não provados, pois apesar de estes objectos se encontrarem no veículo e não serem do ofendido indiciar que os arguidos os utilizaram, a verdade é que não se logrou apurar como foi estroncada a porta, e como tal se os arguidos utilizaram aqueles objectos).

Ademais, e considerando que a habitação se encontrava fechada, sendo murada, outra não poderia ter sido a forma de introdução da mesma que não através do saltar do muro de vedação, sendo certo que para se introduzirem na moradia propriamente dita estroncaram a fechadura de uma porta de alumínio, desconhecendo-se contudo como em concreto (alínea c) dos factos não provados). E, a esta conclusão chegou-se do confronto do depoimento do ofendido — que descreveu a sua habitação - com o depoimento dos agentes da GNR que ali se deslocaram depois do assalto e respectivo relatório de inspecção judiciária e relatório fotográfico. (pontos 3 e 4 dos factos provados).

Relativamente aos objectos levados pelos arguidos (ponto 5 dos factos provados) foram suficientes os autos de apreensão, exame directo e avaliação de fis. 21-48, o auto de reconhecimento de objectos de fis. 130, os orçamentos de fis. 133 e 134 e a lista de fis. 56, em conjugação com o depoimento do ofendido (que se reportou a eles), dos agentes da GNR que abordaram os arguidos e apreenderam os objectos e posteriormente devolveram ao ofendido, em confronto com as regras da experiência comum e critérios de normalidade.

Relativamente à dinâmica dos factos constantes dos pontos 7 e 8 dos factos provados, ateve-se o tribunal no depoimento da testemunha João (que chamou a GNR), dos próprios agentes da GNR -que admitiram interceptar os arguidos - e bem assim nos autos de notícia de fis. 4-7, de apreensão de fis. 17-20, apreensão de fis. 21 e ss., de reconhecimento de fis. 130 e termo de entrega de fis. 131.

Quanto à factualidade vertida nos pontos 6, 9, 10 e 11 dos factos provados, relativamente à conduta subjectiva dos arguidos, atendeu o tribunal aos demais factos dados corno provados, em conjugação com as regras da experiência comum e da normalidade, as quais permitem concluir que as pessoas que agem como os arguidos o fazem em comunhão de esforços e acordo de vontades, de acordo com piano previamente traçado, introduzindo se numa residência com o objectivo de se apropriarem de bens de valor, o fazem sabendo que não têm autorização do seu proprietário, e contra a sua vontade, agindo com o propósito de fazerem seus os referidos objectos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertencem e que agem contra a vontade do seu legítimo dono, não havendo dúvidas relativamente ao conhecimento que nestas circunstâncias os agentes possuem quanto à contrariedade desta conduta e da lei, designadamente os arguidos.

Relativamente aos factos respeitantes ao pedido de indemnização cível, atentou-se ao conjunto dos demais factos provados em conjugação com o depoimento das testemunhas indicadas pela demandante cível.

Neste conspecto, e relativamente ao facto provado sob o ponto 12, atendeu-se ao documento de fis. 276 a 315, respeitante ao contrato de seguro existente entre a companhia de seguros e A. R., relativamente ao facto provado sob o ponto 13, atendeu o tribunal ao documento constante de fis. 316 analisado conjuntamente com o depoimento da testemunha S. C.,

Quanto ao facto provado sob o ponto 14 ateve-se o tribunal no documento de fis. 322 a 357, em conjugação com o depoimento da testemunha José, que procedeu à averiguação do sinistro em causa e bem assim do documento de fis. 358, em conjugação com o depoimento do ofendido e da testemunha S. C..
Sobre o facto provado sob o ponto 15, atendeu-se ao documento de fis. 359, em conjugação com o depoimento da testemunha S. C..
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Quanto aos antecedentes criminais - factos n.° 16 a 21 - atendeu-se aos Certificados de Registo Criminal constantes de fis. 435 e 451 a 458.
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Relativamente à situação económico-social — factos n.°s 22 e 23 - dos arguidos atendeu-se à informação e ao relatório social constante de fis. 466 e 462-464.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL

Aos arguidos R. J. e L. M., é imputada a prática de factos susceptíveis de integrarem um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.°, n.° 1 e 204.°, n.° 2, alínea e), ambos do Código Penal.
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DO CRIME DE FURTO

O crime de furto encontra-se previsto no artigo 203.°, n.° 1 do Código Penal, segundo o qual “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”. O bem jurídico protegido pelo crime em apreço, mais do que a propriedade é, nas palavras de José de Faria Costa “a especial relação de facto sobre a coisa — poder de facto sobre a coisa — tutelando-se, dessa maneira, a detenção ou mera posse como disponibilidade material da coisa; como disponibilidade da fruição das uhlidades da coisa com um mínimo de representação jurídica.” (Cfr. “Comentário Conímbricense do Código Penal — Parte Especial”, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, página 30).
Através da punição do crime, procurou o legislador conferir tutela penal suficiente e adequada ao património em geral e à propriedade em particular enquanto segmentos indispensáveis à génese e conservação de qualquer comunidade existencial.
Para que determinada conduta possa ser subsumida à materialidade objectiva do tipo incriminador é necessário que pelo agente seja subtraida coisa móvel alheia, contra ou sem a vontade de quem estava em condições de poder retirar utilidades dela.

Assim, constituem elementos objectivos deste tipo legal de crime: A subtracção, entendida como “a conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor”, implicando “a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa.” (Cfr. “Comentário Conimbricense do Código Penal — Parte Especial”, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, página 43).

De coisa móvel alheia. “É coisa móvel para efeitos penais toda a coisa (corpórea ou incorpórea,) que tem existência física autónoma quantificável e pode ser fruída ou utilizada por unia pessoa.” (Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 2008, página 551).
A coisa móvel deve ser alheia, entendendo-se como tal toda a substância corpórea pertencente a alguém que não o agente.
A ilegítima intenção de apropriação, para si ou para outrem. Está aqui em causa um elemento subjectivo do tipo de ilícito, que deve ser valorado como “a vontade intencional do agente se comportar, relativamente a coisa móvel, que sabe não ser sua, como seu proprietário, querendo, assim, integrá-la na sua esfera patrimonial ou na de outrem, manifestando, assim, em primeiro lugar, uma intenção de (des)apropriar terceiro.” (Cfr. “Comentário Conimbricense do Código Penal — Parte Especial “, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, página 33).

Em termos subjectivos, o crime de furto é doloso, ou seja, a acção do agente tem de ser dolosa, enquanto conhecimento e vontade de realização do tipo de ilícito, revelando uma atitude pessoal contrária ou indiferente ao bem jurídico protegido.

A concretizar a consumação material do furto está o êxito da apropriação da coisa, quando se passa o círculo de poder do titular da coisa, quer isto dizer que, o crime de furto consuma-se desde logo não só com o desapossamento como com a integração da coisa no âmbito patrimonial do agente, não sendo necessário o exaurimento do crime, que constitui em si uma fase posterior à sua consumação.

Considerando o quadro factual traçado na sequência do realizado julgamento, resulta inequívoco que o desígnio dos arguidos se reconduziu à integração no respectivo património dos bens em causa, com vista à obtenção de proveito económico, não havendo dúvidas, pois, quanto à ilegítima intenção de apropriação, para si ou para outrem. Por outro lado, importa referir que, no caso em apreço, as coisas móveis em questão são, natura1mente alheias, sendo que tal carácter alheio se reporta à circunstância de não serem dos arguidos, mas integrarem, antes, a propriedade de terceiro.

Inexistem dúvidas quanto à sua subtracção que se concretizou, na medida em que os arguidos tiveram o efectivo domínio sobre os objectos.

Face à apurada conduta dos arguidos, e tendo-se concluído que os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, não restam dúvidas quanto ao preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do crime de furto, previsto e punido, pelo artigo 203.°, n.° 1 do Código Penal.
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DO CRIME DE FURTO QUALIFICADO

Mas, há ainda que apurar se a conduta dos arguidos preenche a qualificativa do crime de furto prevista no artigo 204.° n.° 2 alínea e) do Código Penal.

Com efeito, o crime de furto pode sofrer qualificação em razão das circunstâncias previstas nas diversas alíneas dos n.°s 1 e 2 do artigo 204.° do Código Penal.

No caso em apreço, é imputada aos arguidos a circunstância prevista na alínea e) do n.° 2, cuja agravação é determinada pelo pela penetração em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsa (n.° 2 alínea e)), obrigando a sua conjugação com o artigo 202.° alíneas d), e) e f) do artigo 202.° do Código Penal.

Relativamente à agravação determinada pela penetração em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsa, interessa-nos, in casu, o artigo. 202º alínea d) que define “Arrombamento” como “o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interionnente, de casa ou de lugar fechado dela dependente”.

In casu, e olhando para os factos provados, há que acrescentar ao furto praticado pelos arguidos a introdução na referida habitação através do arrombamento da porta de alumíno, que no caso, não existem dúvidas que também ocorreu, através do estroncamento da porta de alumínio, pelo que também a este nível merece censura penal o comportamento dos arguidos.
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Cumpre, ainda, aferir se estes dois arguidos efectivamente actuaram no quadro de uma co-autoria, isto é, no quadro de uma decisão e execução conjunta dos factos.

Vejamos.

Estatui-se no artigo 26.° do Código Penal que “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e, ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”. Por sua vez, prescreve o artigo 27.°, n.° 1, do mesmo diploma legal que “É punível como cúmplice quem, dolosamente, e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso.

Em face das destas disposições legais, tem-se assinalado que a lei, autonomizando a autoria da mera cumplicidade, parte de um conceito “restritivo de autoria, segundo o qual é autor o agente que toma a execução «nas suas próprias mãos», de tal modo que dele depende decisivamente o se e o como da realização típica”, constando-se que “o autor não só tem o domínio objectivo do facto, como tem também a vontade de o dominar, numa unidade de sentido objectiva-subjectiva: o facto aparece «numa sua vertente como obra de uma vontade que dirige o acontecimento, noutra vertente como fruto de uma contribuição para o acontecimento dotada de um determinado peso e significado» objectivo” (Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal: Parte Geral — Tomo 1, Coimbra Editora, 2. edição, 2007, págs. 765 e 766; Jorge de Figueiredo Dias e Susana Aires de Sousa, “Autoria mediata do crime de condução ilegal de veículo automóvel: anotação ao Acórdão da Relação do Porto de 24,11.2004”, in Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 135.°. Março-Abril de 2006, n.° 3937, págs. 254 e 255.) É a chamada teoria do domínio do facto.

Especíalmente nos crimes dolosos de ação “o domínio do facto pode exercer-se de diferentes formas e fundar, por conseguinte, diferentes modalidades da autoria, concretizadas no artigo 26.°: o domínio da acção está presente na autoria imediata, na medida em que o agente realiza, ele próprio, a acção típica (l.’ alternativa); o domínio da vontade do executante de quem o agente se serve para a realização típica firma a autoria mediata (2.ª alternativa); o domínio funcional do facto constitui o sinal próprio da co-autoria, em que o agente decide e executa o facto em conjunto com outros (3ª alternativa)” (Cft. Jorge de Figueiredo Dias e Susana Aires de Sousa, ob. cit., pág. 255.); e, por fim, “na sua quarta alternativa, o artigo 26.° pune ainda como autor ”quem dolosamente determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”, isto é, quem seja instigador do crime”.

Há, aqui, um “condomínio do facto”, marcado quer pela decisão conjunta, quer pela execução conjunta (enquanto contribuição funcional de cada co-autor para a realização típica). De modo que a actuação de cada co-autor se apresenta como “momento essencial do plano comum”, “constitui a realização da tarefa que lhe cabe na «divisão do trabalho»” para a realização do crime. (Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 791).

Quanto ao momento subjectivo da co-autoria, à decisão conjunta, basta a “existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime” (Cfr. José de Faria Costa, Formas do Crime, in Jornadas de Direito Criminal do Centro de Estudos Judiciários, pág. 170.), que na sua forma mais nítida assume a forma de acordo prévio (que, no entanto pode ser tácito, desde que manifestado em factos concludentes). Contudo, não se basta a lei com um qualquer acordo (embora ele tenha sempre de existir) até porque entre o mero cúmplice e o autor também há, em regra, mn acordo: é necessário que fique demonstrado que todos os co-autores têm, desde o início, desde o momento da decisão conjunta, o domínio do processo causal que conduz à realização do tipo, de tal modo que o contributo de cada um smja como uma parte da actividade total, como um complemento (programado) das acções dos demais co-autores (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal cit., págs. 791 a 794.).

À decisão conjunta deve acrescer a”execução conjunta”,isto é, cada coautor deverá prestar uma contribuição objectiva para a realização típica, um efectivo exercício conjunto do domínio do facto. Existe assim uma combinação entre o domínio do facto com a repartição de tarefas que assinala a cada comparticipante contributos para o facto que, podendo situar-se fora do tipo legal de crime, tornam a execução do facto dependente daquela mesma repartição, de tal forma que de cada contributo objetivo depende o se e o como da realização típica, mas bastando que o agente coloque à disposição ou ofereça os meios de realização (Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, oh. cit., págs.794 e 795).
Tendo presente o vindo de dizer, e face à factualidade provada, é seguro afirmar que os arguidos actuaram no quadro da co-autoria.

Não se ignora, que este acordo não se mostra completamente detalhado quanto aos papéis de cada um. Mas é claro que desde o início, ambos têm o domínio .os factos que se desenrolam e, ressalta dos factos provados que executam em conjunto os actos materiais relativos ao crime.

Conclui-se, pois, que há co-autoria da acção dos arguidos R. J. e L. M..
Estes dois arguidos agiram com dolo directo e a ilicitude da conduta de ambos é manifesta. A culpa material penal destes arguidos é ostensiva, impondo-se a afirmação de um juízo de imputabilidade em relação às apuradas condutas pelo que se conclui que actuaram com culpa.
As condutas dos arguidos preenchem, assim, os elementos objectivos e subjectivos do crime de furto qualificado, previsto e punido, pelo artigo 204.°, n.º 2, alínea e) do Código Penal, não tendo resultado provadas quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que os arguidos cometeram o referido crime, em co-autoria, e por ele devem ser condenados.
*
DA DETERMINACÃO DA MEDIDA DA PENA

Cumpre determinar a pena concretamente aplicável aos arguidos, atendendo à pena abstractamente aplicável, aos critérios de escolha e medida da pena e às suas finalidades.

A “determinação definitiva da pena é alcançada pelo juiz da causa através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira, o juiz investiga e determina a moldura penal (dita também medida legal ou abstracta da pena) aplicável ao caso concreto; na segunda, o juiz investiga e determina, dentro daquela moldura legal, a medida concreta (dita também judicial ou individual) da pena que vai aplicar; na terceira — não necessariamente posterior, de um ponto de vista cronológico, à segunda — o juiz escolhe (de entre as penas postas a sua disposição no caso, atraves dos mecanismos das “penas alternativas” ou das “penas de substituição”) a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida” (cfr. Figuefredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral II. As consequências jurídicas do crime, 1993, § 256, p. 198).
Quanto às finalidades das penas, estabelece o artigo 40.°, Penal que “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
*
Determinação da moldura legal ou abstracta da pena

O crime de furto qualificado previsto no artigo 204.°, n.° 2 alinea e) do Código Penal é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
*
Escolha da pena

No que concerne à escolha da pena, verifica-se ser uma tarefa facilitada, uma vez que foi o próprio legislador que escolheu a pena de prisão, não havendo alternativa.
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Determinação da medida concreta da pena

De acordo com o artigo 71.°, n.° 1 do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, em cuja ponderação deverão ser consideradas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente as previstas no n.° 2 do mesmo preceito legal.
*
No caso em apreço, importa considerar que contra os arguidos depõe as seguintes circunstâncias:

- as exigências de prevenção geral são elevadas, em face do elevado número de crimes praticados contra a propriedade em Portugal, revelando-se assim um crescente desrespeito pela propriedade alheia, sendo certo que, no caso presente, para além das cautelas tidas pelo legislador ao fixar a moldura penal abstracta deste crime, nenhum factor se apresenta a determinar, de forma mais premente, a escolha de uma pena gravosa;
- o grau de ilicitude do facto mostra-se elevado, considerando designadamente os objectos em causa e o seu valor, e o modo como foram executados os factos, provocando diversos danos materiais designadamente nas portas;
- o dolo directo dos arguidos, cuja intensidade se revela igualmente alta; a existência de antecedentes criminais, relativamente ao arguido L. M., designadamente pela prática de um crime contra o património (roubo qualificado praticado em 10.12.2011);
- o total alheamento do arguido L. M. ao cumprimento das penas em que já foi condenado, denotando uma personalidade desviante ao direito.

Favoravelmente, depõe as seguintes circunstâncias:

» Relativamente ao arguido R. J., a prevenção especial não se faz sentir de modo muito significativo, na medida em que o arguido não tem antecedentes criminais;
» o facto de os objectos terem sido praticamente todos recuperados, ainda que não por vontade própria dos arguidos.
Deve ter-se em conta ainda a culpa concreta dos arguidos, manifestada na violação das regras que lhe são impostas, que é elevada.

Nesta conformidade, consideramos, in casu, por apelo a critérios de justiça e proporcionalidade, justa e adequada, aplicar:

» ao arguido R. J. uma pena de2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
» ao arguido L. M. uma pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
*
Quanto à execução da pena de prisão há que ter em conta que a execução da pena de prisão curta como a que se aplica aos arguidos deve ser, em deterrminadas circunstâncias, evitada.

Vejamos separadamente cada um dos arguidos.

Quanto ao arguido R. J., entende o Tribunal que no caso presente se impõe a substituição da pena de prisão fixada por uma pena alternativa (a de suspensão da execução), uma vez que a execução da pena de prisão não é imposta por razões de prevenção (cfr., entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 25 de Setembro de 2013 (processo 237/11.7PECDM.P1), disponível em www.dgsi.pt).

Atento o disposto no número 1 do artigo 50.°, do Código Penal, “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Neste caso, o período de suspensão tem a duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.” (cfr. n.° 5 do preceito indicado).
Este preceito torna claro o que alguns autores não deixaram de sublinhar estar já contido, ainda que tão só implicitamente, na formulação da norma correspondente da versão originária do Código Penal (o artigo 48°, n.° 1): “não se trata aqui de mera faculdade em sentido técnico-jurídico, antes de um poder estritamente vinculado e portanto, nesta acepção, de um poder-dever” (F. Dias, Direito Penal Português, Parte Geral II, As consequências jurídicas do crime, § 515, p. 341).

A pena de suspensão da execução da pena de prisão tem como finalidade político criminal o “afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correcção, melhora ou, ainda menos, metanoia das concepções daquele sobre a vida e o mundo” (cfr. F. Dias, ob. cit., § 519, pg. 343).

No caso presente, ao arguido foi aplicada uma pena de 2 anos e 4 meses de prisão. Por outro lado, o arguido não tem antecedentes criminais, pelo que, se entende que a ameaça da pena de prisão e a censura do facto em que se traduz a suspensão da execução da pena de prisão serão suficientes para afastar o arguido do cometimento de novos crimes, fazendo aqui o Tribunal um juízo calculado de prognose favoráve1 do arguido, dando assim o Tribunal um voto de confiança a R. J.. Ao mesmo tempo, tal pena revela-se suficiente para reforçar a consciência comunitária e o seu sentimento de segurança face ao atentado contra a vigência da norma penal.

Contudo, considerando a gravidade dos factos, que não deixa qualquer margem para contemporizar alguma falha do comportamento futuro do arguido no cumprimento desse regime ou no cometimento de novos crimes, urge, condicionar a suspensão do cumprimento da pena de prisão ao cumprimento escrupuloso e regular do plano a realizar no âmbito do regime de prova previsto pelo artigo 53.° do Código Penal e às regras de conduta que resultarem do mesmo regime, a implementar segundo plano a elaborar posteriormente.

Assim, ao abrigo do disposto nos artigos 50.° e seguintes do Código Penal, o Tribunal decide suspender a execução da pena de prisão em concreto aplicada por dois anos quatro meses, de acordo com o n.° 5 do artigo 50.° em apreço, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, com sujeição a regime de prova, ao abrigo do artigo 53.° do Código Penal.
*
Quanto ao arguido L. M., apesar de verificado o pressuposto formal da suspensão da execução da pena de prisão, cremos que, no que se reporta ao pressuposto material dessa suspensão, o mesmo não se verifica. Com efeito, é de destacar quanto a este arguido desde logo uma condenação criminal pela prática de um crime com a mesma natureza dos presentes, mas mais fortemente o facto demonstrar total desprezo pelas penas que lhe vêm a ser aplicadas.

Atente-se que se apurou que no processo n° 333/10.8GTBRG, do 1º Juízo do Tribunal de Vila Verde, o arguido foi condenado por condução sem habilitação legal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, substituídas por 150 (cento e cinquenta horas) horas de trabalho a favor da comunidade, pena que ainda se encontra pendente, apesar dos diversos incumprimentos, quer decorrentes das faltas injustificadas, como pelo facto de passar a residir em paradeiro incerto e ter deixado de comparecer na entidade beneficiária de trabalho e neste serviço.

E, no processo n° 573/11.2GFVNG, da çomarca do Porto -Vila Nova de Gala - Inst. Central- 3a Secção Criminal-J2, foi o arguido condenado como co-autor de um crime de roubo agravado, na pena de 18 meses de prisão, tendo sido suspensa pelo mesmo período com regime de prova. O arguido não tem cumprido as obrigações impostas no plano de reinserção social, nomeadamente não comparece às entrevistas marcadas por este serviço, nem fornece informações relativas à sua actividade profissional, nem tão pouco se dignou comunicar a sua alteração de residência.

Ademais, ignora o tribunal qualquer indício válido de inserção laboral ou social.

Face ao exposto, não pode o tribunal concluir, validamente, que a simples
censura do facto e a ameaça da prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade) relativamente ao arguido L. M., e nestes termos decide-se não se lhe suspender a pena de prisão.

DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL DEDUZIDO PELA DEMANDANTE “X - COMPANHIA DE SEGUROS. S.A.”

A demandante cível “X - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” deduziu pedido de indemnização cível contra os demandados R. J. e L. M., pedindo a condenação destes a pagar-lhe, solidariamente, a título de danos materiais, a quantia de € 4.062,69 (quatro mil sessenta e dois euros e sessenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento. Nos termos do artigo 71.° do Código de Processo Penal e em conformidade com o. princípio da adesão que aí se consagra, deve o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime ser deduzido no âmbito do processo penal em que se aprecia a responsabilidade criminal emergente da infracção cometida. A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil - Cfr. Artigo 129.° do Código Penal.

O princípio geral em matéria de responsabilidade civil extracontratual é o consignado no artigo 483.° do Código Civil, segundo o qual “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Resulta do aludido preceito que constituem, em regra, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual: - O facto ilícito; -O dano; - O nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano; e — A culpa.

O facto ilícito é o facto voluntário - acção ou omissão - que viola o direito de outrem ou deveres impostos por lei que vise a defesa dos interesses particulares, sem contudo conferir, correspectivamente, quaisquer direitos subjectivos.
O dano consiste na ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica e pode ter natureza patrimonial ou não patrimonial.
O nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano representa a imputação objectiva dos resultados danosos ao comportamento do agente, de maneira a determinar-se quais os danos verdadeiramente causados por este e nessa medida indemnizáveis -Cfr. Artigo 563.° do Código Civil.

Finalmente, a culpa representa a imputação subjectiva do facto ao agente e traduz uma determinada posição ou situação censurável deste perante o facto ilícito, podendo assumir a forma de negligência ou de dolo.
Nos presentes autos, atenta a factualidade apurada e sem necessidade de grandes considerações, resulta provada a existência de um facto típico e ilícito praticado pelos demandados/arguidos (crime de furto qualificado) e do nexo de imputação subjectiva, na medida em que os demandados/arguidos praticaram os crimes em apreço com dolo.

Com efeito, as condutas dos demandados, plasmadas nos factos provados foi dominada e controlada pela sua vontade, pelo que, praticaram voluntariamente tais factos, ou seja, os demandados apropriaram-se ilegitimamente de objectos de A. R., integrando-os no seu património, tendo para o efeito provocado diversos danos na sua habitação.

Assim, as suas condutas são reprováveis, censuráveis à luz do direito, já que, no caso concreto, podiam e deviam ter actuado de outro modo, pelo que agiram culposamente.

Por outro lado, não subsistem dúvidas sobre a superveniência de danos, enquanto prejuízos, desvantagens ou perdas causadas em bens jurídicos de carácter patrimonial ou não, danos estes que são a expressão directa ou indirecta da actuação dos demandados, isto é, encontram-se ligados ao facto ilícito e culposo praticado por um nexo de causalidade inarredável.

Com efeito, e neste aspecto, importa referir, entre o ofendido A. R. e a seguradora demandante foi celebrado um contrato de seguro, válido na data dos factos, do ramo multirriscos habitação, que garantia as perdas ou danos causados aos bens seguros em consequência de furto ou roubo (tentado, frustrado ou consumado), praticado no interior do local ou locais de risco. E, nesta sequência, a demandante procedeu ao pagamento da indemnização devida nos termos do referido contrato de seguro, no montante de € 3.884,34, tendo ainda despendido a quantia de € 178,35 com a regularização do processo de sinistro.

No que respeita aos danos patrimoniais sofridos a obrigação de indemnização consiste na reconstituição da situação que existiria, caso não tivesse ocorrido o facto gerador da lesão, englobando-se na mesma não só os prejuízos efectivamente causados, como também os benefícios de que, em consequência da referida lesão, o lesado ficou privado.

Conforme resulta do disposto no artigo 562.° do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se no se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. No entanto, os lesados só devem obter aquilo em que tenham sido prejudicados por virtude do evento lesivo, ou seja, a soma real dos danos sofridos.

Sendo o dano, na definição do Prof. Vaz Serra, “todo o prejuízo desvantagem ou perda que é causado nos bens jurídicos, de carácter patrimonial ou não, de outrem”, não temos dúvidas que, por força do furto a que se vem aludindo, sobrevieram danos.
Quanto a tais danos, provou-se que os demandados estroncaram a fechadura de uma porta de alumínio, tendo estroncado, ainda, cerca de 10 portas interiores que se encontravam fechadas.
Após averiguação do sinistro, a demandante cível pagou a quantia de € 3.884,34 relativa aos danos, despendendo ainda a quantia de € 178,35 com a regularização do processo de sinistro.
Ora, não fosse o comportamento dos demandados, não teria a demandante ficado prejudicada naquelas quantias, pelo que será este o montante necessário para colocar a demandante na situação que estaria não fosse a lesão sofrida, nos termos do artigo 562.° do Código Civil.
Sobre os danos patrimoniais serão devidos juros à taxa legal desde a data da notificação do pedido de indemnnização até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo da aplicabilidade de outras taxas de juros que venham a vigorar.

DECISÃO

Pelo exposto, este Tribunal decide:

A. Quanto à parte criminal

» Condenar o arguido R. J.,
como co-autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido, pelos artigos 203.° e 204.°, n.° 2 alínea e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses, a contar do trânsito em julgado desta decisão, com sujeição a regime de prova;

» Condenar o arguido L. M., como
co-autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido, pelos artigos 203.° e 204.°, n.º 2 alínea e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão efectiva.

» Condenar ainda os arguidos nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs, para cada um deles (Artigos 3.°, 6.°, 8.°, n.° 5 e 16.°, n.° 1 do Regulamento das Custas Prcessuaís e 513.°, n.º 1 e 514.°, n.º 1 do Códigde Processo Penal).

B. Quanto à parte cível, julga-se o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante cível ‘X - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” procedente e, em consequência, decide-se:

» Condenar, solidariamente, os demandados R. J.
e L. M., no pagamento da quantia de € 4.062,69 (quatro mil e sessenta e dois euros e sessenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação do pedido de indemnização até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo da aplicabilidade de outras taxas de juros que venham a vigorar;

» Custas pelos demandados (Cfr. Artigo 527.° do Código de Processo Civil e 523.° do Código de Processo Penal).

Valor do pedido: € 4.062,69 (quatro mil e sessenta e dois enros e sessenta e nove cêntimos)
*
»Após trânsito, remetam-se boletins ao Registo Criminal — Cfr. Artigo 6.°, alínea a) da Lei n.° 37/2015, de 05 de Maio.
*
» Após trânsito, comunique, com cópia, a presente decisão à DGRSP, solicitando a elaboração do plano de reinserção social do arguido R. J., previsto nos artigos 54º e 494º, n.º 3 do Codigo de Processo Penal
*
» Após trânsito, extraia e remeta certidão da presente sentença com nota de trânsito em julgado ao processo n.° 573/11.2GFVNG, para os efeitos tidos por convenientes, solicitando ao mesmo processo certidão do acórdão ali proferido com nota de trânsito em julgado para efeitos de aferição de realização de cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido L. M..
*
» Proceda ao depósito da sentença. — Cfr. Artigo 372.°, n.° 5 do Código de Processo Penal.”

2.1. – Questões a Resolver

2.1.1. – Da Nulidade do Julgamento por Falta de Notificação do Arguido, para a Audiência de Discussão e Julgamento;
2.1.2. - Da Nulidade Decorrente da Ausência do Arguido em Julgamento;
2.1.3. – Da Impugnação da Matéria de Facto
2.1.4. – Da Notificação do Arguido para a Leitura da Sentença
2.1.5. – Da Suspensão da Execução da Pena
2.1.6. – Do Pedido Cível

2.2.1. – Da Nulidade do Julgamento por Falta de Notificação do Arguido, para a Audiência de Discussão e Julgamento

O primeiro argumento suscitado pelo recorrente para a procedência do seu recurso radica no facto de a notificação, feita através de carta simples com prova de depósito, ter sido enviada em nome do arguido, para a “Rua d… Cervães”, quando no T.I.R. do arguido consta como morada fornecida pelo arguido, a “Rua … Cervães”.
A divergência aparece nos três últimos algarismos, do Código Postal “-101” no T.I.R. e “069”, na carta enviada para notificação.

Consultado o site do “Código Postal” e como bem refere o M.P. nas suas contra-alegações, verifica-se que para a referida morada, o Código Postal correto termina em”-061” – que não corresponde nem ao que consta do T.I.R., nem àquele para que foi enviada a carta.

Em Processo Penal e quando o arguido tem T.I.R., as notificações são-lhe feitas por via postal simples, devendo o funcionário dos Correios depositar a carta na caixa do correio do notificando e lavrar indicação com a data e local do depósito e confirmando o local exato onde o mesmo foi depositado (arts.º 196º/3, c) e 113º/3 C.P.P.).
Ora, o Funcionário dos correios que procedia à entrega lavrou declaração de depósito, datada e assinada conforme fls. 383. O que quererá dizer que depositou a carta, na morada indicada.

Conforme “site” dos Correios, em Cervães apenas existe uma Rua ….
O que quer dizer que não havia como o referido Funcionário se enganar.

Aliás, o próprio Código Postal indicado pelo arguido estava errado, também nos três últimos números.

Ora, o Código Postal é um número convencionado pelos Correios, no sentido de sistematizar o sistema de entregas. Mas, continua a ser a morada (rua e n.º de polícia) que continuam a identificar uma morada. Quem faz a entrega por parte dos Correios, trabalha a nível local e conhece bem, por dever de ofício, as ruas e até muitas vezes as pessoas, do local onde trabalha.

Assim e se mesmo assim, a carta foi depositada, isso quer dizer que o referido funcionário não teve dúvidas em fazê-lo, até porque em Cervães não há outra “Rua do … – cfr. “site” dos Correios

Aliás, o arguido vem a ser notificado pela G.N.R. ainda em Cervães, em morada que nada tem de confundível com a anterior. E, tendo em conta que prestou T.I.R. (fls. 84 dos autos) e caso tivesse mudado de morada, era ao arguido que competia comunicar ao Tribunal a sua nova morada (art.º 196º/3, b), C.P.P.).

Ou seja: a partir do momento em que o arguido presta T.I.R. e toma assim conhecimento de que tem um Processo Crime a correr contra si, passa a ter o ónus de manter o Tribunal informado, quanto à sua morada. Basta-se pois a notificação, com o citado depósito, o que ocorreu nos autos.

O arguido não suscitou dúvidas sobre o citado depósito, nem razões de onde pudesse decorrer qualquer erro na entrega – sendo insuficiente dizer que os três últimos números do Código Postal estavam errados, pelas razões já expostas (no mesmo sentido global, referindo que qualquer erro na morada não põe em causa uma declaração de depósito, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 8/10/2 008, proferido no Proc.º 233/05.3GBOBR.L1, Fernando Ventura).

Termos em que, este argumento do recurso interposto só pode improceder, não se declarando assim qualquer nulidade, nos termos do disposto no art.º 119º/c, C.P.P.

2.2.2. – Da Nulidade Decorrente da Ausência do Arguido em Julgamento

O segundo argumento do recorrente prende-se com o facto de o arguido não ter estado presente na única sessão de julgamento e de o Tribunal não ter designado uma outra sessão, para o ouvir.

Sabe-se que o arguido goza do direito de estar presente nos atos processuais que lhe digam respeito (art.º 61º/1, a), C.P.P.), naturalmente como decorrência do princípio Constitucional do direito a uma defesa efetiva (art.º 32º/1 C.R.P.) e do princípio de Direito Internacional que o nosso direito acolheu (arts.º 8º C.R.P. e 6º C.E.D.H.).

Isto é, do direito a um processo “fair” ou seja, justo, limpo e leal.

Todavia, não deve esquecer-se que a C.R.P. remeteu para a lei ordinária os casos em que o arguido pode estar ausente, mesmo na audiência de discussão e julgamento (art.º 32º/6 C.R.P.) – o que, naturalmente, quer dizer que o não impede, desde que salvaguardados alguns princípios, como o princípio do contraditório ou o de lhe ser dado conhecimento dos atos que vão realizar-se e lhe digam respeito. Ou seja, deve-lhe ser dada a possibilidade para exercer o contraditório, cabendo ao arguido usá-lo como quiser.

Daí, também o direito do arguido a constituir mandatário ou solicitar a nomeação de Defensor (art.º 61º/1, f), que lhe deve ser sempre nomeado, no despacho que recebe a acusação (art.º 313º/1, c), C.P.P.).

E assim, dispõe o art.º 332º/1 C.P.P., que é obrigatória a presença do arguido em audiência, sem prejuízo do disposto nos ns.º 1) e 2) do art.º 333º e ns.º 1) e 2), do art.º 334º.

Ora, nos termos do art.º 333º/1 e n.º 2), C.P.P., se o arguido notificado faltar a julgamento, o Juíz deve tomar as medidas necessárias com vista à sua presença e realizar o julgamento, salvo se considerar que a presença do arguido é absolutamente indispensável à descoberta da verdade material, desde a primeira sessão.

Cabe então ao seu Advogado constituído ou Defensor requerer, caso o entenda necessário, a audição do arguido na segunda data designada para audiência (art.º 333º/3 C.P.P.).

Claro, que o Tribunal deve determinar todas as diligências com vista à descoberta de todos os factos necessários a uma boa decisão da causa (art.º 340º C.P.P.), quer quanto à prática do ilícito, quer quanto às condições pessoais do agente.

Simplesmente e no caso, o Tribunal entendeu ter já disponíveis todos os factos necessários a uma boa decisão da causa. Aliás, os factos são descritos em pormenor até quanto às condições pessoais do arguido, sendo que dos autos constava já relatório pessoal, quanto às condições pessoais do agente.

Ou seja: a prática do ilícito por parte dos arguidos já não oferecia dúvidas ao Tribunal, que dispunha também de relatório social quanto às condições pessoais do arguido recorrente (fls. 460/463).

Não tendo o Tribunal de acionar esse poder/dever, ficou na disponibilidade do Defensor requerer a presença do arguido na 2ª data agendada – art.º 333º/3 C.P.P.

Compulsadas as atas de fls. 468/469 e de 472/476, verifica-se que nunca a Il. Mandatária do arguido usou, de tal prerrogativa.

Não vislumbrando o Tribunal como útil a presença do arguido em julgamento e não o tendo requerido a sua defesa, não foi cometida qualquer inconstitucionalide ou ilegalidade. Com efeito, o julgamento na ausência do arguido foi realizado nos termos do disposto no art.º 333º/1 e n.º 2 C.P.P., sendo que tais normativos não colidem com o disposto nos arts.º 32º/1 e n.º 6), C.R.P. Pelo contrário, a C.R.P. deferiu à lei ordinária competência para determinar os casos em que isso pode acontecer, desde que salvaguardados os outros direitos fundamentais.

Ora, o que a lei diz é que, se o Tribunal não considerar fundamental a presença do arguido em julgamento, cabe ao seu Advogado requerê-lo. Aliás, assim se passaram a evitar, após a alteração legislativa que possibilitou os julgamentos na ausência, os sucessivos adiamentos que tanto desacreditaram a justiça penal.

Não se desconhece a Jurisprudência que decorre do Acórdão do S.T.J. de 24/10/2 007, Soreto de Barros, nos termos da qual é nula a audiência de discussão e julgamento, quando o Juíz não toma as medidas adequadas e suficientes, à audição do arguido em julgamento. Simplesmente, o entendimento sufragado neste Acórdão foi afastado expressamente, pela Jurisprudência obrigatória que segue – e em que se faz menção expressa a este Acórdão de 24/10/2 007, no sentido de afastar a tese nele subscrita.

Assim se decidiu, no Acórdão de Uniiformização de Jurisprudência do S.T.J. n.º 9/2 012, publicado no D.R. n.º 238, Série 1, de 10/12/2 012 e consultável em “www.citius.mj”, nos termos do qual

“Na verdade, a lei não pode impor uma certa forma de defesa, mas apenas garantir os direitos de defesa do arguido, que ele exercerá como entender”.

Como se diz neste A.U.J., posterior àquele Acórdão do S.T.J. de 24/10/2 007, impôr ao arguido a defesa presencial, seria uma “tutela paternalista” do mesmo.

No caso, relembre-se que o Tribunal não tinha já dúvidas quanto à prática do ilícito por parte do arguido e tinha um relatório social bem descritivo da sua forma de vida e personalidade, o que aliás consta abundantemente dos factos provados.

E, o arguido manteve os direitos de estar representado por Advogado, ser pessoalmente notificado da sentença e de dela recorrer, nomeadamente.

Não ocorreu pois e no caso, qualquer supressão do direito a uma defesa efetiva, que é Constitucionalmente consagrado.
Termos em que e também nesta parte, se devem desatender os argumentos do recorrente L. M., considerando-se não ter ocorrido qualquer invalidade do julgamento.

2.2.3. – Da Impugnação da Matéria de Facto

Impugna ainda o recorrente a matéria de facto.

Contra os factos 1) e 9) afirma que não se provou a ação de comum acordo e mediante plano prévio e, quanto ao facto 2), afirma que só ficaram provados factos relativos ao crime de recetação. Faz transcrições dos depoimentos de António e de A. R..

O Tribunal “a quo” fundamentou a resposta positiva quanto à atuação ilícita deste arguido, na prova documental constante dos autos, nomeadamente nos autos de apreensão constantes dos mesmos, auto de reconhecimento de objetos e depoimentos das testemunhas A. R. (ofendido), J. F. (vizinho), Rui e António (Militares da G.N.R.).

Aí se disse que a prova não era direta mas indireta e decorrente, em súmula de os arguidos estarem na posse da maior parte dos artigos furtados pouco tempo depois da prática dos mesmos, estarem num carro branco tal como visto pela testemunha J. F., vizinho e perto do local da prática dos factos.

O recorrente invoca ter ocorrido insuficiência de matéria de facto para a decisão, nos termos do disposto no art.º 410º/2, a), C.P.P. Porém, esta deve decorrer da simples leitura da decisão e ocorre sempre que os factos provados são insuficientes, para que seja proferida uma decisão conscienciosa – factos constantes da acusação, da contestação ou que decorreram da discussão da causa e são relevantes.

Com este vício não se confunde a insuficiência de prova para os factos provados, ela sim impugnável em termos de facto, nos termos do disposto no art.º 412º C.P.P.

Contudo, não faz o recorrente qualquer transcrição de declarações ou depoimento, de que decorra que se impunha decisão diferente (art.º 412º/3, b), C.P.P.).

Pelo contrário, os argumentos são genéricos, finalizando o arguido recorrente que só pode ser responsabilizado pelo crime de recetação.

Tal sucede quer no âmbito da motivação, quer das conclusões.

Transcreve apenas um excerto dos depoimentos de António, Militar da G.N.R. – com indicação cronológica – e do de A. R., ofendido – também com indicação cronológica.

O primeiro referiu que encontraram ambos os arguidos, na posse de bens subtraídos e o segundo, que houve objetos recuperados e não recuperados.

O recorrente termina referindo que apenas lhe pode ser imputado o crime de recetação. Não explica porém, porquê.

Ora, estes depoimentos serviram também para formar a convicção do Tribunal “a quo”, não a rebatendo expressamente, o recorrente.
Deve desde já dizer-se que a fundamentação do Tribunal “a quo” é plausível e lógica, não referindo expressamente o arguido recorrente o que não faz sentido ou impõe decisão diversa.

Quando se refere ao depoimento de J. F., dizendo que ele disse que os factos se deram “por volta da 1 hora da manhã”, quando se terão dado cerca das 4.00 horas da manhã, verifica-se que tal não é exato.
Com efeito, o que a testemunha diz é que os factos se terão dado depois da 01.00 hora, o que, nesta versão, coincide com o texto da sentença, em que os factos aparecem como tendo sido praticados pelas 04.00 horas – não tendo aliás aqui, reproduzido o excerto de depoimento, nem indicado a sua localização cronológica. Não existe pois, a contradição assinalada pelo recorrente.

Deve porém desde já esclarecer-se que em Processo Penal, só o primeiro julgamento está em ótimas condições para fixar os factos, por beneficiar em pleno dos princípios da oralidade e imediação. Assim e por princípio, o Tribunal da Relação só deve alterar os factos quando se aperceber de qualquer erro nítido de julgamento, ilogicidade ou utilização de provas proibidas que tenha ocorrido em 1ª instância. Não se trata pois, de um segundo julgamento para pesar argumentos, quanto à solução ideal do pleito.Com efeito, só a 1ª instância analisou com imediação e oralidade os factos em julgamento – linguagem não verbal, reações corporais, expressões e tantos outros fenómenos que escapam a uma simples gravação – pelo que, em princípio é o Tribunal mais apto, a bem conhecer dos factos.
Aliás, o recorrente é obrigado a fazer referência às provas que impõem decisão diversa da recorrida (art.º 412º/3, b), C.P.P.), o que é bem diferente de se referir a provas que podem conduzir a uma decisão diferente.

Como se disse no Acórdão da Relação de Coimbra de 12/9/2 012, Proc.º 245/09, em www.dgsi.pt,

“O controlo da matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e oralidade.

Por outro lado, a reapreciação só pode determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão.”

A questão da mera opinião ante as provas produzidas não faz parte da dupla jurisdição em matéria de facto, pois o Tribunal de recurso não beneficia dos mesmos princípios da imediação e oralidade, de que beneficiou o Tribunal da 1ª instância, nem pode pôr questões ao arguido/testemunhas sobre dúvidas que se lhe suscitem.

Ora, a questão nos autos é a de se optar por uma ou outra das versões dos factos, com base no princípio da livre apreciação da prova – art.º 127º C.P.P.

Não ocorrem raciocínios ilógicos, com base em provas proibidas ou nitidamente errados, pelo que está este Tribunal impedido de decidir em sentido contrário. É que, não há outra decisão que se imponha, perante as provas apresentadas, como previsto no art.º 412º/3, b), C.P.P.

Contra, nem se argumente com o facto de nem todos os objetos terem sido recuperados. É que, no hiato de tempo entre o momento da prática dos factos e aquele em que os arguidos foram surpreendidos, sempre os mesmos poderiam ter escondido alguns dos objetos ou cedê-los a terceiros.
Do que decorre também a plausibilidade de terem ocorrido os factos descritos na acusação e não a de não terem ocorrido.

Por estas razões, e nesta parte, não merece também o recurso provimento.

2.2.4. – Da Notificação do Arguido para a Leitura da Sentença

Invoca ainda o recorrente que não foi notificado para a leitura da sentença, o que implica a nulidade da sessão da leitura e dos atos que dela dependem.

Sem razão, porém.

É que, como já se decidiu, o arguido foi corretamente notificado do início do julgamento – pessoalmente e na pessoa do seu Il. Defensor, como o exige o art.º 113º/10 C.P.P.

Nos mesmos termos e por exigência do mesmo normativo, foi pessoalmente notificado da sentença proferida – fls. 536/537.

Quanto à notificação para a audiência de leitura da sentença e, contrariamente a estes casos, não exige a lei a notificação pessoal do arguido – desde que tenha sido pessoalmente notificado, do início do julgamento.

Com efeito, é neste caso aplicável a primeira parte do disposto no art.º 113º/10 C.P.P. – as notificações ao arguido podem ser feitas na pessoa do seu Defensor ou Advogado.

Verifica-se que o mesmo esteve na sessão de julgamento de 20/11/2 015 representado pela sua então Defensora Oficiosa, Sr.ª Dr.ª A. B., que foi naturalmente notificada para o dia da leitura (fls. 472/476), onde aliás esteve presente um Defensor do arguido (fls. 477 e 478/511).

Aliás e em consonância, decorre do C.P.P. que, se durante o julgamento o arguido se afastar da sala de audiências, fica representado pelo seu Defensor – art.º 332º/5 C.P.P.

A notificação para a leitura da sentença foi assim corretamente efetuada na pessoa da Defensora do arguido, nenhuma invalidade havendo a declarar.

Termos em que e também nesta parte, improcedem os argumentos do recorrente.

2.2.5. - Da Suspensão da Execução da Pena

Entende ainda o recorrente que a pena de prisão que lhe foi aplicada deve ser suspensa, na sua execução.

Refere já ter cumprido a condição imposta para a suspensão da execução da pena, no Proc.º 573/11.2 GFVNG, para o que junta documento, agora com o recurso.

Mais, diz que está integrado familiar e profissionalmente, o que contraria a aplicação de uma pena de prisão efetiva, por do arguido se poder fazer atualmente um juízo de prognose social favorável.

Quanto ao documento supra-referido (doc. 2) e também quanto ao doc. 1, ambos juntos com o recurso, sempre deverá dizer-se que a respetiva junção, com as alegações de recurso é intempestiva. Com efeito e mesmo nos termos do disposto nos arts.º 165º e 340º C.P.P., os mesmos só devem ser juntos até ao encerramento da audiência, nunca podendo pois ser feita a respetiva junção em alegações de recurso.

Com efeito, nesta fase pode discutir-se a prova produzida, mas apenas aquela que foi produzida em julgamento, sob os princípios da imediação, oralidade, contraditório e concentração da audiência. Repare-se aliás que o citado Doc. 2 está datado com data posterior, à da leitura da sentença.

Devem pois ser desentranhados e isentos de qualquer apreciação.

No mais, devem definir-se os pressupostos da suspensão da execução da pena.
A suspensão depende de dois tipos de fatores – art.º 50º/1 C.P.

- da realização de um juízo de prognose social favorável sobre o arguido, no sentido de que a simples ameaça da pena é suficiente, para o afastar da criminalidade;
- de se atingirem ainda as finalidades da punição – prevenção geral e especial.

Ora, a suspensão da execução da pena de prisão é considerada como uma verdadeira pena autónoma. Como diz F. Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Ed. Notícias, 1 993, pág. 339,

“Com o que, de resto, adquire ainda mais sólido fundamento a ideia de que a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição”.

No mesmo sentido ainda, o Acórdão Relação de Évora, 10/7/2 007, proferido no Proc.º 912/07-1, em www.dgsi.pt.

Relativamente à pena principal, beneficia do facto de se tratar de uma pena não privativa da liberdade, gozando assim da preferência do legislador – art.º 70º C.P.
O referido prognóstico deve basear-se nas condições de vida do agente e na sua conduta anterior e posterior ao facto – inserção socio-laboral e familiar e personalidade.

Naturalmente, não está em causa um juízo de certeza, de que o arguido não voltará a delinquir; basta uma alta probabilidade de que isso possa acontecer.

Quanto às finalidades de prevenção geral, elas têm a ver com o ponto a partir do qual as pessoas desacreditam na justiça, passando ela a ser considerada como “laxista”, incumprindo assim o objetivo de marcar a repulsa social, por determinado comportamento.

As de prevenção especial ou de reintegração social positiva, têm a ver com o que se pensa globalmente do arguido em termos de necessidade da pena.

Quanto aos invocados factos que indiciam alguma estabilidade familiar e profissional, deve dizer-se que os mesmos não constam dos factos provados da sentença e que o arguido recorrente os não pôs em causa, através de impugnação ampla da matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 412º C.P.P. Assim, não pode aquela matéria de facto ser alterada, nomeadamente acolhendo-se os factos referidos pelo recorrente.

Ora, está em causa sexta condenação do arguido, tendo a última sido já por roubo qualificado – embora os nossos factos sejam anteriores, ao respetivo trânsito. O arguido manifesta comportamentos agressivos desde o início da adolescência e nunca teve vínculos profissionais duradouros. Continua a manifestar comportamentos agressivos e associais. Registou diversos incumprimentos na execução da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, no Proc.º 333/10.8GTBRG e não vem cumprindo regime de prova, no Proc.º 573/11.2GFVNG.

As condenações anteriores, incumprimento de obrigações decorrentes de penas anteriormente aplicadas, ausência de vínculos de trabalho estáveis e comportamentos agressivos/associais persistentes, não permitem fazer do arguido um juízo de prognose social favorável.

Pelo contrário, as necessidades de prevenção especial quanto a si são relevantes, exigindo já a aplicação de uma pena de prisão efetiva.

O crime de furto qualificado praticado em habitação, pela sua repetição e por ofender a vítima no seu reduto pessoal, exige também especiais cuidados em termos de prevenção geral. O laxismo ao nível das penas só pode fazer recrudescer a prática de estes crimes.

Não estão pois presentes no caso os fatores identificados no art.º 50º/1 C.P. que justificam a aplicação da pena de prisão com a execução suspensa – nem juízo de prognose social favorável, nem proporcionalidade face às necessidades de prevenção especial, sendo que as necessidades de prevenção geral não são também contrárias, à aplicação de uma pena de prisão efetiva.

Assim e com base no disposto no art.º 50º/1 C.P., “a contrario”, a pena deve manter-se como efetiva.
Pelo que e também nesta parte, não serão atendidas as pretensões do arguido recorrente L. M..

2.2.6. – Do Pedido Cível

O recorrente ataca ainda a sua condenação no pedido cível da “X Companhia de Seguros”.

Fê-lo unicamente com o argumento de não ter praticado qualquer ilícito, quando usou do instituto da impugnação ampla da matéria de facto – não discutindo sequer dos pressupostos da responsabilidade civil, geradores da obrigação de indemnizar.
Não tendo sido alterada a matéria de facto subjacente, não há pois razões para, também aqui, alterar o decidido.
Mantém-se pois e também aqui, o anteriormente decidido.
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Termos em que, se decide

3 – Decisão

a) Determinar o desentranhamento, por intempestiva a junção, dos documentos de fls. 589 e 590/592, apresentados pelo recorrente L. M. – após trânsito.
b) Julgar improcedente o recurso por si interposto quanto à parte crime, mantendo-se o anteriormente decidido em 1ª instância, nesta parte.
c) Julgar improcedente o recurso do mesmo arguido quanto à parte cível, mantendo-se também aqui o anteriormente decidido.
d) Custas na parte crime pelo recorrente, com 4 (quatro) U.C.`s de taxa de justiça – arts.º 513º/1 C.P.P., 8º/9 e tabela 3, R.C.P.
e) Custas da parte cível, também pelo recorrente.
f) Notifique.

(Pedro Cunha Lopes)
(Fátima Bernardes)