Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2/20.0PTGMR-A.G1
Relator: ANTÓNIO TEIXEIRA
Descritores: AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO
FALTA INJUSTIFICADA DO ARGUIDO
MULTA PROCESSUAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – Estando o arguido regularmente notificado para comparecer em tribunal, com vista à realização da audiência de discussão e julgamento, e constando-se que faltou injustificadamente, o juiz condena-o ao pagamento de uma soma entre duas e dez UC, nos termos do disposto no art.º 116.º, n.º 1, do C.P.Penal.
II - Sendo um princípio básico do processo penal português, é, todavia, importante salientar que nem todos os actos processuais têm necessariamente de ser sujeitos ao contraditório, como é o caso aplicação daquela multa processual.
III - Na verdade, aquela norma é totalmente clara e cristalina quando expressamente determina, ou obriga, que o juiz condene ao pagamento de uma soma entre 2 UC e 10 UC - a fixar, evidentemente, de acordo com as especificidades do caso concreto, e segundo o prudente arbítrio do tribunal - a pessoa regularmente convocada ou notificada caso falte injustificadamente, não fazendo, pois, qualquer sentido, assegurar-lhe direito de defesa a esse propósito.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. No âmbito do Proc. Comum Singular nº 2/20.0PTGMR, do Juízo Local Criminal de Guimarães, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi designado o dia 07/07/2021, pelas 11H30, para julgamento, em processo comum, do arguido R. F., ao qual o Ministério Público imputava a prática, em autora material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos Artºs. 292º e 69º, do Código Penal.
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2. Porém, tendo-se constatado a falta do arguido à aludida audiência de discussão e julgamento, a Mmª Juíza a quo, após promoção do Ministério Público, proferiu o despacho que se encontra exarado na respectiva acta, cuja cópia consta de fls. 10 / 11 Vº, que ora se transcreve (1):

“Resultando dos autos (TIR a fls. 12 e PD de fls. 80) que o arguido se encontra válida e regularmente notificado para comparecer à presente audiência de julgamento, não compareceu nem justificou a sua falta, condena-se o mesmo em multa processual que se fixa no mínimo legal, nos termos do disposto no artº 116º, nº 1, do Código de Processo Penal.
Não sendo a sua presença desde o início da audiência indispensável para a descoberta da verdade material, ao abrigo do disposto no artº 333º do Código de Processo Penal, determina-se o começo da audiência na ausência do arguido, o qual será representado, para todos os efeitos possíveis, pelo seu Ilustre Defensor Oficioso.”
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3. Inconformado com esse despacho, dele veio o arguido interpor o presente recurso, nos termos da peça processual cuja cópia consta de fls. 22/31, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões e petitório (transcrição):

NULIDADE POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

1ª A aplicação, ao arguido, de uma multa processual por faltar à audiência do julgamento, na sequência de um pedido nesse sentido formulado pelo Ministério Público, sem que ao arguido tenha sido dada a possibilidade de se pronunciar sobre isso, constitui a nulidade por falta de observância do princípio do contraditório, consagrada no nº 3, do artigo 3º e nº 1, do artigo 195º, do Código de processo Civil, aplicável ao processo penal por força da remissão do artigo 4º, do Código de Processo Penal;
2ª A detecção dessa nulidade importa a determinação do cumprimento da formalidade omitida e anulação dos actos posteriores dela dependentes, como é o caso da decisão de condenação no pagamento dessa multa processual.

NÃO VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA APLICAÇÃO DE MULTA PROCESSUAL

Tendo em conta que o nº 1, do artigo 116º, do Código de processo Penal, onde se lê que “em caso de falta injustificada de comparecimento de pessoa regularmente convocada ou notificada, no dia, hora e local designados, o juiz condena o faltoso ao pagamento de uma soma entre 2 UC e 10 UC”, consta desde a versão original do Código, de 1987; tendo em conta que naquela versão original, as notificações tinham de ser feitas pessoalmente ou por carta registada com aviso de recepção, para lá de, em contados casos, editalmente; tendo em conta que, nesses casos, havia a certeza de que o convocado tinha tomado conhecimento da convocação; tendo em conta que, aí sim, fazia sentido a aplicação da sanção porque, afinal de contas, o convocado decidira não comparecer; tendo em conta que com as alterações do Código de 1998 e 2000 se visou diminuir o número de casos de contumácia, alargando as possibilidades de julgamento na ausência, desde que o arguido prestasse TIR, que passou a ser obrigatório; não é de acordo com o espírito da lei, aplicar a mesma sanção do nº 1, do artigo 116º, aos convocados por carta simples com prova de depósito, pois que não há forma, nesses casos, de se saber se o convocado tomou disso conhecimento ou não para que se possa concluir que desobedeceu, comportamento que, afinal de contas, justifica a sanção
4ª Tendo em conta o que se disse na anterior conclusão, o nº 1, do artigo 116º, do Código de Processo Penal, deve ser interpretado, depois das revisões do Código de 1998 e 2000, no sentido de que e a sanção pela ausência da audiência de julgamento se aplica apenas aos casos em que o faltoso foi efectivamente notificado e não regularmente notificado. É que, ainda que se tenha adoptado os regulamentos, o faltoso pode não ter sido notificado, pois que pode não ter tomado conhecimento. É que, estar notificado é ser chamado a juízo ou tomar conhecimento de um facto, como define o nº 2, do artigo 219º, do Código de Processo Civil.
5ª De outro modo, o que está a sancionar-se não é a falta à audiência para a qual se foi chamado (pois que não há a certeza de que o chamado soube disso), mas a circunstância de se estar a faltar para a audiência para a qual foi convocado ou de ter indicado uma morada errada (com esse propósito ou por descuido) ou de não se ter comunicado uma alteração de morada, o que não está na previsão legal nem no seu espírito, sendo certo que para estas duas últimas hipóteses a lei não estabelece aquela sanção;

A FALTA TEM JUSTIFICAÇÃO E ELA RESULTA DOS AUTOS

6ª Ainda que se entenda que a sanção é cabida aos casos de notificação com prova de depósito, importa atentar que isso é seguramente uma presunção de notificação, que pode ilidir-se e que resulta ilidida nos casos, como o nosso, em que o tribunal recorrido sabia, porque isso resulta dos autos, que, com grande probabilidade, o convocado não tomara conhecimento da comunicação, por estar a residir em Inglaterra e não em Portugal, onde está a morada para que a carta foi dirigida, e em que o tribunal sabia que, mesmo tendo tomado conhecimento da comunicação, sempre o arguido teria enormes dificuldades em deslocar-se dali aqui, por ser longa a distância e porque as viagens dali para aqui estarem seriamente afectadas por força da pandemia da CoViD-19, como é do conhecimento geral, o que constitui justificação atendível.
7ª Não é razoável, antes desproporcionado, aplicar uma sanção pela falta do arguido à audiência de julgamento, do que lhe foi enviado conhecimento (ou não, porque não se sabe se o destinatário tomou efectivamente conhecimento) por carta simples enviada para uma morada em Portugal, por ele indicada (ou até a constante do registo civil), que não se sabe se recebeu, ao abrigo de um termo de identidade e residência, que prestou num dia, quando, três dias depois e perante o titular da acção penal, disse estar a trabalhar (e residir, claro), em Inglaterra, apesar do que ninguém lhe pergunta a morada, tudo sem esquecer que, como é do conhecimento geral, as viagens entre Inglaterra e Portugal estão seriamente afectadas.
8ª A decisão recorrida violou, pelo que vem de dizer-se, o disposto no nº 1,do artigo 116º, do Código de Processo Penal.

Nestes termos e nos melhores doutamente supridos por V.as Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso, em consequência do que a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o requerimento, do Ministério Público, de condenação do arguido numa multa por não ter estado presente na audiência de julgamento de 7 de Julho de 2021.”.
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4. Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso, nos termos constantes de fls. 39/43, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da decisão recorrida, terminando a Digna Magistrada subscritora a sua peça processual com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“I – Ao iniciar a audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 07 de Julho de 2021, o Tribunal considerou dispensável a presença do arguido e desnecessária a sua audição (caso contrário, tinha diligenciado pela sua comparência e justificado tal indispensabilidade para a descoberta da verdade material, o que, recorde-se, não aconteceu).
II - O arguido faltoso tem o direito de comparecer e ser ouvido até ao final da audiência na primeira data designada para o julgamento (caso a sua presença seja desnecessária para a descoberta da verdade).
II - Tem ainda o direito de, a requerimento do seu defensor, ser ouvido na segunda data designada, o que, in casu, não ocorreu.
II – Não se mostra verificada qualquer, nulidade.
II – A decisão recorrida não violou o disposto no artigo 116º, nº 1, do Código de Processo Penal, devendo ser mantida nos seus precisos termos, julgando-se, assim, o recurso improcedente.”.
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5. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal da Relação emitiu o seu parecer, nos termos constantes de fls. 48/49, pronunciando-se, também, pela improcedência do recurso, e pela confirmação do despacho recorrido.
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6. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal (2), apresentou o arguido a resposta que consta de fls. 51/55, refutando o aludido parecer do Ministério Público.
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7. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois conhecer e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Como se sabe, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2 (3).

Ora, no caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões que basicamente importa decidir:

- Saber de enferma de nulidade o despacho recorrido, nos termos dos Artºs. 3º, nº 1, e 195º, do C.P.Civil, aplicáveis ex-vi Artº 4º do C.P.Penal, em virtude de o arguido ter sido sancionado em multa, por falta à audiência de discussão e julgamento, sem que lhe tenha sido previamente dada a oportunidade de se pronunciar;
- Saber se se verificam os pressupostos para a aplicação da dita multa, nos termos do disposto no Artº 116º, nº 1; e
- Saber se o arguido tinha justificado a sua falta à audiência de discussão e julgamento, em data anterior à aplicação daquela multa.
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2. Porém, antes de mais, para termos uma visão exacta do que está em causa e, concomitantemente, para uma correcta apreciação do presente recurso, há que atentar nas principais incidências processuais que os autos nos revelam (para além, obviamente, do que já consta do relatório que antecede):

a) No dia 10/01/2020, pelas 23H13, um agente da Esquadra de Trânsito de Guimarães da Polícia de Segurança Pública procedeu à detenção de R. F., o ora recorrente, em virtude de conduzir o veículo automóvel ligeiro e mercadorias, da marca Renault, modelo Clio, com a matrícula XT, na Avenida …, em Guimarães, e de, ao ser submetido ao exame quantitativo de pesquisa de álcool expirado, através do equipamento ACS modelo Safir Evolution nº ………., ter apresentado uma taxa de álcool no sangue de 1,37 g/l, correspondente à taxa de álcool no sangue registada de 1,44 g/L, deduzido o valor máximo de erro admissível, tendo então sido constituído o arguido, nos termos do disposto no Artº 58º, nº 2.
b) Cerca de uma hora após, mais concretamente no dia 11/01/2021, pelas 00H21, o arguido prestou termo de identidade e residência (doravante TIR), em consonância com o disposto no Artº 196º, nos termos da cópia que se encontra a fls. 6, tendo o mesmo declarado residir no Beco …, Guimarães, indicando também essa morada para efeitos de notificações.

De tal TIR consta também que ao arguido foi então dado conhecimento:

- Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
- Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
- De que as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para a morada acima indicada ou para outra que entretanto vier indicar, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do Tribunal ou dos serviços onde o processo correr termos nesse momento;
- De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente, e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333º do Código de Processo Penal; e
- De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.
c) No dia 13/01/2020, pelas 11H35, foi o arguido interrogado sumariamente no Departamento de Investigação e Acção Penal, 2ª Secção de Guimarães, da Procuradoria da República da Comarca de Braga, ao abrigo do disposto no Artº 382º, nº 2, conforme auto cuja cópia consta de fls. 7/8, em cujo âmbito declarou, quanto à sua identificação, residir no Beco … Guimarães, e, quanto aos factos que lhe eram imputados, confirmou-os e assumiu-os, dizendo estar arrependido; mais esclarecendo, no que tange à sua situação sócio-ecomómica, ser cozinheiro, trabalhar em ..., Inglaterra, auferir cerca de € 1.500,00, viver em quarto arrendado pelo qual paga cerca de € 600,00, ter como despesas mensais o valor de cerca de € 750,00 com o colégio do seu filho e com a habitação da sua esposa e filho, sendo o seu agregado familiar composto pelos três.
d) No dia 30/04/2021 foi remetida para o arguido a notificação por via postal simples com prova de depósito, cuja cópia consta de fls. 9, para a morada supra aludida (Beco … Guimarães), para os seguintes fins:
- Convocando-o para comparecer no Juízo Local Criminal de Guimarães, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no dia 07/07/2021, às 11H30, “a fim de ser ouvido em audiência de julgamento, nos autos acima referenciados, sendo advertido de que faltando, esta poderá ter lugar na sua ausência, sendo representado para todos os efeitos possíveis pelo seu defensor; em caso de adiamento, fica desde já designado o dia 09-07-2021, às 14:15 horas, nos termos do artº 312º, nº 2 do C.P.P., podendo nesta data ter lugar a sua audição, a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado, ao abrigo do disposto no artº 333º, nº 3 do mesmo diploma legal”;
- Advertindo-o “de que, caso falte e não justifique a falta no prazo legal (por motivo previsível: com cinco dias de antecedência; por motivo imprevisível: no dia e hora designados - artº 117º, nº 2 do C.P.Penal), fica sujeito ao pagamento de uma soma entre 2 e 10 U.C´s (U.C = € 102,00), bem como a detenção pelo tempo estritamente necessário à realização da diligência ou a aplicação da medida de prisão preventiva, se esta for legalmente admissível - artº 116º, nº 1 e 2 do Código de Processo Penal.”;

E de que
“Da comunicação deve constar, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento. Os elementos de prova da impossibilidade do comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no número anterior, salvo tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo justificado, podem os mesmos ser apresentados até ao 3º dia útil seguinte. Não podem ser indicadas mais de três testemunhas. - nºs 2 e 3, do artº 117º do C.P.Penal.”
e) Tal correspondência foi depositada no respectivo receptáculo domiciliário no dia 03/05/2021, conforme prova de depósito cuja cópia consta de fls. 9 Vº.
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3. Posto isto, passemos, então, à análise das concretas questões suscitadas pelo arguido no seu recurso.
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3.1. Da nulidade do despacho recorrido, nos termos dos Artºs. 3º, nº 1, e 195º, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex-vi Artº 4º do C.P.Penal, em virtude de ter sido sancionado em multa, por falta à audiência de discussão e julgamento, sem que lhe tenha sido previamente dada a oportunidade de se pronunciar

Neste âmbito, sustenta o recorrente que, tendo-lhe sido aplicada uma multa processual por faltar à audiência do julgamento, na sequência de um pedido nesse sentido formulado pelo Ministério Público, sem que lhe tenha sido dada a possibilidade de se pronunciar sobre isso, verifica-se a nulidade por falta de observância do princípio do contraditório, consagrada no nº 3, do Artº 3º e nº 1, do Artº 195º, do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força da remissão do Artº 4º, do Código de Processo Penal, o que importa a determinação do cumprimento da formalidade omitida e anulação dos actos posteriores dela dependentes, como é o caso da decisão de condenação no pagamento dessa multa processual.

Vejamos.

Como supra se referiu, o arguido, ora recorrente, foi convocado para comparecer no tribunal a quo no dia 07/07/2021, pelas 11H30, a fim de ser ouvido em audiência de julgamento, com a advertência expressa: - de que, faltando, a diligência poderia ter lugar na sua ausência, sendo representado para todos os efeitos possíveis pelo seu defensor; - de que, em caso de adiamento, ficava desde logo designado para a sua realização o dia 09/07/2021, pelas 14H15 horas, podendo nessa data ter lugar a sua audição, a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado; - de que, caso faltasse e não justificasse a falta no prazo legal ficava sujeito, além do mais, ao pagamento de uma soma entre 2 e 10 UC´s; - e de que, da comunicação devia constar, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde pudesse ser encontrado e da duração previsível do impedimento, devendo os elementos de prova da impossibilidade do comparecimento ser apresentados com aquela comunicação, salvo tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo justificado, poderiam os mesmos ser apresentados até ao 3º dia útil seguinte.
Ora, como resulta da respectiva acta, na data aprazada encontravam-se presentes todas as pessoas que deveriam intervir na audiência de discussão e julgamento (incluindo, pois, o defensor oficioso do arguido), apenas se constatando a falta do próprio arguido, devidamente notificado, como ali se consignou.
E, perante esse circunstancialismo, após promoção do Ministério Público, a Mmª Juíza, aduzindo que o arguido, encontrando-se válida e regularmente notificado para comparecer à audiência de julgamento, mas não tendo comparecido nem justificado a sua falta, condenou-o em multa processual que fixou no mínimo legal, nos termos do disposto no Artº 116º, nº 1; e, considerando que a sua presença desde o início da audiência não era indispensável para a descoberta da verdade material, ao abrigo do disposto no Artº 333º, determinou o começo da audiência na ausência do arguido, declarando que o mesmo seria será representado, para todos os efeitos possíveis, pelo seu defensor oficioso.
Ora, no caso sub-judice, como emerge do seu recurso, não pondo minimamente em causa a realização da audiência de discussão e julgamento na sua ausência [quiçá por considerar que, efectivamente - tal como expressamente, e sem qualquer rebuço, refere na sua motivação -, estava em causa o julgamento de uma “bagatela”...], insurge-se unicamente o arguido contra a primeira parte do aludido despacho judicial, no segmento em que foi condenado em multa, por ter faltado injustificadamente à audiência de discussão e julgamento, sem que lhe tivesse sido dada a oportunidade exercer o contraditório, o que, na sua tese, constitui nulidade, nos termos dos Artºs. 3º, nº 1, e 195º, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex-vi Artº 4º do C.P.Penal.
Adiantando a nossa posição, entendemos não ocorrer a invocada nulidade.
Sabemos bem que o princípio do contraditório é a pedra basilar para um processo equitativo, estando expressa e constitucionalmente consagrado a propósito de algumas matérias (a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar), como resulta do Artº 32º, nºs. 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
E que o Artº 61º, nº 1, al. b), consagra o direito do arguido a ser ouvido ao estipular que o mesmo goza, em especial, do direito de ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte, sendo esta, inelutavelmente, uma clara manifestação da garantia do direito de defesa e do princípio do contraditório consagrado no aludido preceito constitucional.
Sendo um princípio básico do processo penal português, é, todavia, importante salientar que nem todos os actos processuais têm necessariamente de ser sujeitos ao contraditório, já que, como assertivamente se referiu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/05/1995, in CJ XX-III-253, estabelecidas as “balizas inultrapassáveis do falado princípio constitucional e naturalmente pensando na necessidade de assegurar ao processo um mínimo de eficácia em conjugação com a desejável celeridade (...), os constituintes, prudentemente, confiaram à experiência prática do legislador ordinário, a escolha dos actos processuais que podem ser praticados sem contraditório imediato e sem que daí resulte violado o texto fundamental, o mesmo é dizer os direitos de defesa do arguido”, sob pena de o princípio em causa tornar “praticamente ineficaz o processo, ante o arrastamento postulado pela necessidade de ao arguido tudo e a todo o tempo ser possível contraditar”.
Ora, na situação em apreço, entendemos que, antes de sancionar o arguido em multa, pela falta injustificada à audiência, o tribunal a quo não tinha necessariamente de o ouvir, como claramente se alcança da redacção da norma legal aplicável, ou seja, do Artº 116º, nº 1, segundo o qual, “Em caso de falta injustificada de comparecimento de pessoa regularmente convocada ou notificada, no dia, hora e local designados, o juiz condena o faltoso ao pagamento de uma soma entre 2 UC e 10 UC.”.
Efectivamente, a norma é totalmente clara e cristalina quando expressamente determina [ou obriga, conforme assinala Paulo Pinto de Albuquerque, no seu “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª edição actualizada, Universidade Católica, 2011, pág. 308) que o juiz condene ao pagamento de uma soma entre 2 UC e 10 UC - a fixar, evidentemente, de acordo com as especificidades do caso concreto, e segundo o prudente arbítrio do tribunal] a pessoa regularmente convocada ou notificada caso falte injustificadamente, não fazendo, pois, qualquer sentido, assegurar-lhe direito de defesa a esse propósito.
O que decorre da própria natureza do preceito legal em causa.
Pois, como assinalou o Tribunal Constitucional no acórdão nº 237/2008, de 22/04/2008, disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080237.html, “(...) a norma que manda impor ao faltoso o pagamento de uma “soma” não se destina, ou não se destina apenas, a reprimir a falta em função do resultado concreto, mas a sancionar a desobediência à ordem de comparência, enquanto conduta potencialmente lesiva da boa administração da justiça, que transcende esse resultado ou o perigo concreto.”.
Pretendendo-se, “por um lado, mediante a imposição do dever de comunicação antecipada da causa impeditiva de comparência previsível, habilitar o tribunal (ou a autoridade judiciária) com informação atempada que lhe permita reorganizar o serviço e reduzir, até onde for possível, as consequências negativas da falta, seja para o serviço em geral, seja para os restantes intervenientes processuais.”.
E visando-se, “concomitantemente, criar na comunidade em geral a convicção na efectividade da norma que estabelece o dever de testemunhar e, para tanto, de comparecer no local e na data determinados pela autoridade que dirige o processo.”.
Não havendo dúvidas de que, se o legislador tivesse tido a intenção de, nessa situação, assegurar o contraditório do faltoso, tê-lo-ia dito expressamente, técnica legislativa que utilizou em várias situações contempladas no C.P.Penal, citando-se, a título de exemplo, os casos dos Artºs. 68º, nº 4, 194º, nº 4, 212º, nº 4, 271º, nºs. 1 e 5, e 495º, nº 2.
É esta, pois, a interpretação que reputamos mais correcta do preceito legal em causa, na presunção de que, na fixação do sentido e alcance da lei, o legislador consagrou as soluções mais acertadas, e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (Artº 9º, nº 3, do Código Civil).
Ademais, convém não olvidar que, como já supra se evidenciou, e ora se repete, o arguido sabia perfeitamente [pois que isso constava expressamente da notificação que lhe foi remetida para a morada que forneceu nos autos] que, caso faltasse à audiência, e não justificasse essa falta no prazo legal, ficava sujeito ao pagamento de uma soma entre 2 e 10 U.C´s, pelo que, tendo faltado e não justificado essa sua falta, não foi minimamente surpreendido pela condenação em causa, arbitrada, aliás, pelo mínimo legalmente estipulado.
Pelo que, não tendo tido qualquer consideração pela determinação de comparência no tribunal, nem tampouco se preocupando em justificar a sua falta (como mais adiante concluiremos), não faz qualquer sentido vir agora invocar em seu benefício a preterição de um direito que manifestamente não lhe assistia.
Mas, ainda que assim se não entendesse, ou seja, mesmo que se desse crédito à tese esgrimida pelo arguido, há que sublinhar que a nossa lei processual penal consagra em matéria de invalidades o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade o acto ilegal é irregular (4).

É o que claramente se extrai do Artº 118º, que sob a epígrafe “Princípio da legalidade”, prescreve:

“1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.
(...)”.

Sucede que, a situação em causa, ou seja, a alegada preterição do contraditório, manifestamente, não se subsume quer na previsão do Artº 119º (atinente às nulidades insanáveis), quer na previsão do Artº 120º (referente às nulidades dependentes de arguição), apenas podendo ser enquadrada à luz do regime das irregularidades, previsto no Artº 123º.
Ora, as irregularidades processuais só determinam a invalidade do acto a que se referem quando tiverem sido arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em tiverem sido notificados para qualquer termo no processo ou intervindo em algum acto nele praticado – cfr. Artº 123º, nº 1.
E, na situação em apreço, como emerge da respectiva acta, o arguido, ora recorrente, não obstante ter faltado à audiência de discussão e julgamento, esteve representado pelo seu defensor oficioso, pelo que a pretensa falta de contraditório, e a irregularidade daí resultante, deveria ter sido invocada de imediato, o que não sucedeu, apenas tendo sido suscitada em 02/09/2021, em sede recursória, numa altura em que a mesma já se mostrava sanada.
Soçobra, pois, o recurso, nesta parte.
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3.2. Dos pressupostos da aplicação da multa processual, nos termos do disposto no Artº 116º, nº 1

Neste âmbito, invoca o recorrente que não se verificam os pressupostos da aplicação da multa processional que lhe foi cominada pelo tribunal a quo.
Sustentando, em abono da sua tese, e em síntese, que o Artº 116º, nº 1, deve ser interpretado, depois das revisões do Código de 1998 e 2000, no sentido de que a sanção pela ausência da audiência de julgamento se aplica apenas aos casos em que o faltoso foi efectivamente notificado e não regularmente notificado.
Pois - diz -, ainda que se tenha adoptado os regulamentos, o faltoso pode não ter sido notificado, pois que pode não ter tomado conhecimento, sendo certo que, estar notificado, é ser chamado a juízo ou tomar conhecimento de um facto, como define o nº 2, do Artº 219º, do C.P.Civil.
E acrescentando que, de outro modo, o que está a sancionar-se não é a falta à audiência para a qual se foi chamado (pois que não há a certeza de que o chamado soube disso), mas a circunstância de se estar a faltar para a audiência para a qual foi convocado ou de ter indicado uma morada errada (com esse propósito ou por descuido) ou de não se ter comunicado uma alteração de morada, o que não está na previsão legal nem no seu espírito, sendo certo que para estas duas últimas hipóteses a lei não estabelece aquela sanção.
Apreciando, há que dizer que esta questão está intimamente conexionada com o tipo de notificação que foi efectuada ao arguido, ora recorrente, com vista a convocá-lo para a audiência de discussão e julgamento a realizar no tribunal a quo, aprazada para o dia 07/07/2021, pelas 11H30.
Ora, como supra se referiu, compulsando os autos, constata-se que, no dia 11/01/2021, o arguido R. F. prestou TIR, em consonância com o disposto no Artº 196º, tendo o mesmo expressamente declarado residir no Beco ..., .., Guimarães, indicando também essa morada para efeitos de notificações.

De tal TIR consta, também, que ao arguido foi então dado conhecimento:

a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para a morada acima indicada ou para outra que entretanto vier indicar, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do Tribunal ou dos serviços onde o processo correr termos nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente, e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333º do Código de Processo Penal; e
e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.

Ora, prescreve o Artº 313º, nº 2, que o despacho que designa data para julgamento tem que ser notificado ao arguido.
Também o Artº 113º, nº 10, dispõe no mesmo sentido: a notificação do despacho que designa dia para julgamento tem que ser notificado ao arguido, para além do seu advogado ou defensor.
Pergunta-se, então, de que forma deve ser efectuada tal notificação ao arguido?
Nos termos do Artº 196º, nº 2, “para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 113º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha”.
E foi isso que o arguido fez, na situação em análise, como se viu, indicando a supra mencionada morada.
É, pois, o Artº 113º, nº 3, que estipula de que forma deve ser efectuada a notificação via postal simples.
Com efeito, nos termos desta norma legal “quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação”.
Do exposto facilmente se conclui que, verificados que sejam estes dois pressupostos legais, ou seja, TIR validamente prestado, com indicação de morada para ser notificado por via postal, e efectivo depósito da carta nessa morada, o arguido considera-se regularmente notificado para efeitos de poder ser iniciada a audiência de discussão e julgamento sem a sua presença.

Esta interpretação foi, aliás, perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça, que pelo acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 9/12, de 08/03/2012, in D.R. nº 238, Série I, de 10/12/2012, fixou a seguinte jurisprudência:

“Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do nº 1 do artigo 333º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo”.
Sendo que, já no acórdão do Tribunal Constitucional nº 17/2010, de 12/01/2010, disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20100017.html, foi decidido “não julgar inconstitucional as normas constantes dos art. 113º, nº 9, e 313º, nº 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual o arguido não tem de ser notificado por contacto pessoal do despacho que designa data para a audiência de julgamento, podendo essa notificação ser efectuada por via postal simples para a morada indicada pelo arguido no termo de identidade e residência”.

Ali se expendendo, a propósito desta problemática, as seguintes considerações, que inteiramente se subscrevem:
“No essencial, o recorrente entende que a notificação por aviso postal simples do despacho que designa dia para a audiência de julgamento não assegura a cognoscibilidade do acto notificando.
Atenta a importância da presença e da intervenção do arguido na audiência de julgamento, acima colocada em evidência, é manifesto que a respectiva notificação deve assumir uma forma que permita assegurar, com alguma segurança, que o arguido teve efectivo conhecimento do acto notificando.
Também ninguém questiona que a notificação por contacto pessoal é a forma mais segura de comunicação dos actos.
Todavia, a solução legal da exigência da notificação do arguido por contacto pessoal, levanta sérios problemas, pois, quando pensada em termos sistemáticos para garantir o princípio do contraditório em todos os momentos processualmente mais relevantes, conduz necessariamente ao bloqueamento da administração da justiça penal.
Para alcançar essa conclusão, basta recordar que no âmbito do processo penal comum, em termos de normalidade, o arguido precisa de ser contactado e/ou convocado, pelo menos, em três momentos processuais relevantes para efeito de exercício do contraditório até ser proferida sentença em primeira instância: 1) notificação do arguido para efeito de prestação de declarações durante o inquérito; 2) notificação da acusação ao arguido; 3) notificação do despacho que designa data para a audiência de julgamento ao arguido.
É por demais evidente que a exigência da notificação do arguido por contacto pessoal em todas as referidas situações conduz a bloqueios óbvios e inacei­táveis ao longo de todo o procedimento criminal, sobretudo a partir do encerramento do inquérito e da dedução da acusação.
Foi, aliás, a constatação dessa situação que motivou o legislador a substituir a notificação pessoal pela notificação através de envio de aviso postal para morada previamente indicada pelo arguido para esse fim, procurando assim consagrar uma solução que conciliasse a celeridade processual com a necessidade do arguido ter um efectivo conhecimento da data da realização da audiência de julgamento para nela poder exercer os seus direitos de defesa.
Não se esqueça que a celeridade processual em matéria penal também tem dignidade constitucional – já que todo o arguido deve ser julgado no mais curto prazo e até pode ser julgado na ausência –, estando o legislador ordinário apenas obrigado a que as soluções adoptadas nesse sentido não comprometam as garantias de defesa do arguido (artigo 32º, nº 2, 2ª parte, e nº 6, da CRP).
Daí que seja obrigação do legislador conciliar estes diferentes interesses do processo penal.
Ora, a solução normativa da notificação por via postal simples, se não é capaz de assegurar, com uma certeza absoluta, que o arguido teve conhecimento da data designada para a realização do julgamento, oferece garantias suficientes de que o respectivo despacho é colocado na área de cognoscibilidade do arguido em termos de ele poder exercer os seus direitos de defesa.
Na verdade, não se pode dizer a respeito desta forma de notificação que a mesma não é idónea a transmitir o acto notificando ao conhecimento do destinatário.
E muito menos se pode dizer que a notificação em questão seja realizada relativamente a arguidos que nem sequer conhecem formalmente a pendência de um procedimento criminal contra si – como, aliás, sucedeu na maioria dos casos acima referidos que foram submetidos ao crivo do TEDH.
Pelo contrário, tenha-se presente que a solução legal da notificação por via postal simples pressupõe sempre o prévio contacto pessoal do arguido com o processo, consubstanciado, pelo menos, na respectiva constituição como arguido e na respectiva sujeição a termo de identidade e residência.
Por outro lado, o receptáculo postal para o qual é remetida a notificação pelo funcionário judicial e no qual é realizado o depósito pelo distribuidor postal é exclusivamente escolhido e indicado pelo próprio arguido.
É certo que não ficam cobertas as situações em que o arguido, por qualquer motivo (v.g. por ter mudado de residência, por se ter ausentado temporariamente, por desleixo) deixa de aceder ao referido receptáculo postal, sem que previamente comunique essa situação ao tribunal.
Mas o não conhecimento pelo arguido do acto notificado nestas situações é imputável ao próprio arguido, uma vez que, a partir da prestação do termo de identidade e residência, passou a recair sobre ele o dever de verificar assiduamente a correspondência colocada no receptáculo por si indicado e de comunicar ao tribunal qualquer situação de impossibilidade de acesso a esse local.
Se o Estado está obrigado a diligenciar pela notificação dos arguidos, nesta modalidade, estes também têm de tomar as providências adequadas a que se torne efectivo esse conhecimento.
Este é um dever compatível com o seu estatuto de sujeito processual, não podendo esta solução ser acusada de estabelecer um ónus excessivo ou desproporcionado que seja imposto aos cidadãos suspeitos da prática de crimes, atenta a facilidade do seu cumprimento, perante a importância dos fins que visa atingir.
Além disso, faz-se notar que o depósito da carta pelo distribuidor postal não gera nenhuma presunção inilidível de notificação em caso de erro do distribuidor postal e é rodeada de algumas cautelas processuais.
De facto, importa ter presente que o despacho que designa data para a audiência de julgamento deve ser notificado ao arguido, pelo menos, 30 dias antes da referida data – para permitir a organização da defesa e para prevenir também eventuais ausências superiores a 5 dias –, e que essa notificação é também realizada na pessoa do defensor, o qual, em regra, na observância dos seus deveres profissionais, não deixará de tentar entrar em contacto com o arguido para efeito de preparação da defesa. Caso o arguido esteja efectiva e genuinamente contactável para efeito de intervenção no procedimento criminal, raramente se frustrará a comunicação entre o defensor e o arguido durante o referido prazo de 30 dias que antecede o início da audiência de julga­mento.
Finalmente, e ainda que as garantias previstas para uma dada fase processual não possam ser completamente postergadas com base na invocação de garantias previstas para a fase processual subsequente, não se pode deixar de relembrar que a defesa do arguido ausente é sempre assumida pelo defensor e, que nesse caso, a lei exige a notificação da sentença ao arguido por contacto pessoal, estando assim minimamente acauteladas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso (artigos 333º, nºs. 5 e 6, e 334º, nº 4, do CPP).
Ponderados todos estes dados, conclui-se que a modalidade de notificação aqui em análise não deixa de satisfazer a exigência de que deve ser proporcionado ao arguido um efectivo conhecimento da data da realização da audiência de julgamento, de modo a que este possa exercer os seus direitos de defesa.”.
Ora, na situação em apreço, como consta de fls. 9, a notificação do arguido do despacho que designou dia para julgamento foi enviada, por via postal simples, para o Beco ..., .., …, Guimarães, referente à morada por ele fornecida aquando da prestação do TIR, tendo a correspondência em causa sido depositada pelo distribuidor postal no receptáculo postal domiciliário da morada em causa no dia 03/05/2021, o que, evidentemente, envolve presunção de que a carta expedida chegou efectivamente à caixa postal do destino.
Consequentemente, resta concluir que foram totalmente respeitadas as exigências legais tendo em vista a notificação do arguido por via postal simples para a audiência de discussão e julgamento.
Ora, como resulta da respectiva acta, que consta de fls. 10 / 11 Vº, tendo-se constatado a não comparência do arguido à audiência de julgamento, foi dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, tendo a mesma promovido que aquele fosse condenado em multa por falta injustificada à audiência, uma vez que o mesmo não estava presente e se encontrava devidamente notificado, e que a audiência de discussão e julgamento tivesse início na sua ausência, por considerar que a sua presença não era indispensável nem essencial, sendo representado, para todos os efeitos legais, pelo seu ilustre defensor oficioso.
Tendo a Mmª Juíza a quo preferido o despacho supra aludido em I-2., no qual, por considerar que o arguido se encontrava válida e regularmente notificado para comparecer à audiência de julgamento, mas não tendo comparecido nem justificado a sua falta, condenou-o em multa processual que fixou no mínimo legal, nos termos do disposto no Artº 116º, nº 1, mais determinando o começo da audiência na ausência do arguido, por considerar que a sua presença desde o início da mesma não era indispensável para a descoberta da verdade material, ficando o arguido representado, para todos os efeitos possíveis, pelo seu ilustre defensor oficioso.
Ora, perante este circunstancialismo, considerando-se que o arguido estava válida e regularmente notificado para a audiência de discussão e julgamento, através daquele meio, então não se compreende que venha invocar que não lhe podia ter sido aplicada a multa processual por não haver forma de se saber se (ele, arguido) disso tomou conhecimento ou não, para que se pudesse concluir que desobedeceu à ordem do tribunal.
Não deixando de ser estranho, aliás, que em momento algum do seu recurso o arguido afirme peremptoriamente que não recebeu a dita notificação, limitando-se antes a teorizar acerca da possibilidade de isso não ter acontecido, e a defender, sem qualquer sustentação plausível, que a sanção pela ausência à audiência de discussão e julgamento se aplica apenas aos casos em que o faltoso foi efectivamente notificado, e não ao faltoso regularmente notificado.
Como estranha é a circunstância de o defensor do arguido [que, certamente, no cumprimento dos seus deveres profissionais, decorrentes do estatuto da Ordem dos Advogados, entrou em contacto ou tentou entrar em contacto com o seu patrocinado, o ora recorrente, para efeito de preparação da defesa, mau grado estar em causa uma “bagatela”, como se afirma no recurso], no início da audiência, nada ter suscitado perante o tribunal a quo a esse propósito, nem tampouco, aliás, tendo usado da prerrogativa a que alude o Artº 333º, nº 3.
Consequentemente, nada há a apontar à decisão do tribunal a quo quando condenou o arguido na multa processual que ora questiona, sendo certo que o mesmo sabia perfeitamente que, caso faltasse injustificadamente, ficava sujeito ao seu pagamento, já que tal advertência constava expressamente da notificação que lhe foi remetida no dia 30/04/2021 [com mais de dois meses de antecedência em relação à data aprazada para a audiência] para a morada que forneceu aos autos no TIR que validamente prestou.
E o recorrente sabe bem que recebeu, efectivamente, a dita notificação, ou que dela teve efectivo conhecimento.
Pois, caso contrário, não faria qualquer sentido o email que remeteu ao processo no dia 02/08/2021, pelas 19H04, cuja cópia consta de fls. 38, no qual, além do mais, pede “perdão pela falta de comparência no dia 7/7/2021 no tribunal (...)”..!
Consequentemente, improcede o recurso, nesta parte.
*
3.3. Da (pretensa) justificação da falta do arguido à audiência de discussão e julgamento, em data anterior à aplicação daquela multa

Neste âmbito, sustenta o recorrente que, no caso vertente, a presunção da notificação com prova de depósito se mostra ilidida, pois que o tribunal a quo sabia que, com grande probabilidade, o convocado não tomara conhecimento da comunicação, por estar a residir em Inglaterra, e não em Portugal, onde está a morada para a qual a carta foi dirigida, e que, mesmo tendo tomado conhecimento da comunicação, sempre (ele, arguido) teria enormes dificuldades em deslocar-se dali para cá, por ser longa a distância, e porque as viagens estavam seriamente afectadas por força da pandemia da Covid-19, como é do conhecimento geral, o que constitui justificação atendível.
Acrescentando não ser razoável, antes desproporcionado, aplicar uma sanção pela falta do arguido à audiência de julgamento, do que lhe foi enviado conhecimento (ou não, porque não se sabe se o destinatário tomou efectivamente conhecimento) por carta simples enviada para uma morada em Portugal, por ele indicada (ou até a constante do registo civil), que não se sabe se recebeu, ao abrigo de um termo de identidade e residência, que prestou num dia, quando, três dias depois, e perante o titular da acção penal, disse estar a trabalhar (e residir, claro), em Inglaterra, ninguém lhe tendo perguntado a morada.
Mais uma vez, falece por completo a argumentação aduzida pelo recorrente.
Como já supra se referiu, a notificação do arguido a convocá-lo para a audiência foi regular e validamente efectuada, tendo sido expedida para a morada que livremente forneceu nos autos.
E, como o arguido bem sabe - pois isso resulta do TIR que prestou nos autos -, o mesmo ficou ciente de que as posteriores notificações ser-lhe-iam feitas por via postal simples para a morada indicada, ou para outra que entretanto viesse indicar, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do Tribunal ou dos serviços onde o processo corresse termos nesse momento, como ciente ficou de que sobre ele impendia a obrigação de não mudar de residência, nem dela se ausentar por mais de cinco dias, sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado.
Sucede que, o arguido, em tempo algum comunicou aos autos, de forma regular, que iria mudar de residência ou dela se ausentar por mais de cinco dias, como em tempo algum comunicou residência alternativa àquela ou o lugar onde pudesse ser contactado, não lhe sendo lícito argumentar que, três dias a prestação de tal TIR, disse perante o titular da acção penal estar a trabalhar e a residir em Inglaterra.
Pois, como claramente resulta de tais declarações, que prestou no dia -/01/2020, pelas 11H35, no Departamento de Investigação e Acção Penal, 2ª Secção de Guimarães, da Procuradoria da República da Comarca de Braga, ao abrigo do disposto no Artº 382º, nº 2, conforme auto cuja cópia consta de fls. 7/8, reafirmou residir no Beco ..., nº … Guimarães, apenas tendo feito alusão à circunstância de ser cozinheiro e trabalhar em ..., Inglaterra, no âmbito das suas condições socio-económicas, para efeitos da suspensão provisória do processo, que então lhe foi sugerida.
E se o recorrente, como diz, teria enormes dificuldades em deslocar-se de Inglaterra para Portugal, por ser longa a distância, e porque as virgens estavam seriamente afectadas por força da pandemia da Covid-19, então bem poderia ter utilizado essas circunstâncias factuais para, previamente [com a antecedência de cinco dias, como estatui o Artº 117º, nº 2,], justificar perante o tribunal a quo a sua impossibilidade de comparência, o que não fez.
Consequentemente, soçobra também esta questão recursória.
*
Assim, sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, não tendo sido violada a norma legal invocada pelo arguido R. F., nem qualquer outra, nenhuma censura nos merece o despacho recorrido, que se confirma, improcedendo totalmente o presente recurso.

III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido R. F., confirmando-se, consequentemente, o despacho recorrido.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (Artºs. 513º e 514º do C.P.Penal, 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Reg. Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo).

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos, contendo as assinaturas electrónicas certificadas dos signatários - Artº 94º, nº 2, do C.P.Penal)
*
Guimarães, 16 de Dezembro de 2021

António Teixeira (Juiz Desembargador Relator)
Paulo Correia Serafim (Juiz Desembargador Adjunto)


1. Todas as transcrições ora efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
2. Diploma ao qual pertencem todas as disposições legais a seguir citadas, sem menção da respectiva origem.
3. Cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 3ª Edição, pág. 347, e o Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação obrigatória que ainda hoje mantém actualidade.
4. Não havendo, pois, necessidade, de nos socorrermos da norma trazida à liça pelo recorrente, contante do Artº 195º do C.P.Civil, já que a propósito dessa matéria inexiste qualquer omissão no C.P.Penal.