Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
875/19.0T8GMR.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: IRREGULARIDADE DE PATROCÍNIO
CONFLITO DE INTERESSES
ADMINISTRADOR
SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C

Constituiu excepção dilatória de irregularidade de patrocínio judiciário o eventual impedimento da mandatária em representar o trabalhador por já ter sido advogada da empregadora, nos termos do artigo 99º do EOA. Se a parte ratifica o processado e constitui novo mandatário sana-se a irregularidade, não havendo lugar a absolvição da instância.
A decisão da matéria de facto não deve ser modificada se a prova produzida não impuser decisão diversa.
A lei não estabelece preclusões cominatórias para a não concentração na resposta à nota de culpa de todos os argumentos de defesa do trabalhador, conquanto não se tratem de factos essenciais que a empregadora desconhecesse e que, caso o trabalhador ao abrigo da boa-fé não os tivesse encoberto, levariam a resultado diferente.
Não se justifica a fixação em 15 dias de indemnização por despedimento quando a ilicitude resulta da ausência de motivo justificativo e não de um simples vício procedimental e não se provaram outras especiais circunstâncias que atenuem a ilicitude.
No caso de suspensão do contrato de trabalho motivado pela assunção de funções de administrador em sociedade anónima, findo o mandato, o trabalhador retoma as suas funções, mantendo todos os direitos e regalias, incluindo a contagem da antiguidade que não se interrompe durante o período em que foi administrador. O facto de o trabalhador ser também accionista (minoritário) não interfere neste regime desde que não seja controverso que estava anteriormente vinculado à empresa por contrato de trabalho– 398 CSC e 295º CT.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

O trabalhador, M. D., intentou acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, apresentando requerimento de oposição ao despedimento- 98º-C. CPT.
A empregadora “X & Filhos, SA” apresentou o articulado motivador do despedimento e o procedimento disciplinar– 98º/2- G, 98º/1-J, CPT.
Invocou a existência de uma “excepção” relacionada com o facto de o trabalhador estar representado por sociedade de advogados, a qual foi igualmente representante da empregadora desde 2010 até 2018, mandato que abrangeu processos judiciais e disciplinares, para além do conhecimento que detêm da vida societária da empregadora. Assim, nos termos dos art.s 92º e 99º da Lei 145/2015, de 9-09 (doravante EOA), os mandatários estão impedidos de patrocinar o trabalhador, devendo a empregadora ser absolvida instância.
No mais alega que celebrou com o autor um contrato de trabalho em 01.10.2011, obrigando-se este a prestar a sua actividade como responsável pelo controlo de qualidade, acompanhado todo os processos de reclamações de clientes ao qual corresponde a categoria de Chefe de Departamento. O autor chefiou o departamento de qualidade e, ultimamente, vinha designado para chefiar o departamento de limpeza. Entre 11.07.2013 e 30.08.2018 o autor, assumiu funções de administrador da ré. Durante o período em que foi, por sua decisão, administrador e simultaneamente trabalhador, o autor teve como categoria profissional a de “chefe de departamento”. O autor foi destituído do cargo de administrador em 30.08.2018. Por conseguinte, em 3-09-18, deveria apresentar-se ao trabalho e reingressar nas funções de director de departamento que tinha anteriormente à nomeação como administrador. Nunca o fez até ao momento em que foi despedido. Justificou parte das faltas ocorridas (até 2-10-18) com “atestado médico”, revelando consciência da obrigação de o fazer e da obrigação de se apresentar ao serviço. Mas não comunicou as faltas nem as justificou quanto ao período de 3-10-18 a 29-10-18. Não fez qualquer esforço para justificar as 18 faltas consecutivas no mês de outubro de 2018. O autor violou os deveres de comparecer ao serviço com assiduidade e promover e executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, bem assim como colaborar na obtenção de maior produtividade e executar o trabalho diligentemente e de boa fé. Violou os deveres dos arts. 126º e 128º, 1, als. b) e h), CT. O contrato de trabalho já não se encontrava suspenso desde 30-08-2018, data em que o autor foi destituído de administrador. Deve ser declarada validade do despedimento.
O trabalhador apresentou contestação e formulou reconvenção- 98º-L, CPT.
Quanto à “exceção”: o facto de a mandatária que o patrocina, Dr.ª J. B., ter no passado patrocinado a ré no âmbito de um processo judicial, apenas daria lugar a eventual irregularidade de mandato e o trabalhador deveria ser notificado para suprir a irregularidade, nos termos do art.º 48º, 2, CPC.
No mais alegou: que o A. teve perante a R. três qualidades, de acionista, titular de 14,7% das ações da R., de administrador da R. (entre 11.07.2013 e 31.08.2018, data em que foi destituído do cargo) e de trabalhador entre 01.02.1996 e 02.04.2008 e entre 01.07.2011 a 31.01.2019, data em que foi despedido pela aqui R. O A. desempenhou as funções de Administrador e de trabalhador da R. sempre com total autonomia, gerindo os seus tempos de trabalho e as suas presenças em função das necessidades da R., nunca tendo preenchido folha de ponto, ou justificado as suas ausências a quem quer que fosse, durantes os seus 22 anos de serviço. O mesmo sucedia com qualquer um dos acionistas da R. (irmãos do A.) que igualmente tem a qualidade de trabalhadores. Em decorrência da deliberação de destituição do A. do cargo de vogal do Conselho de Administração este sofreu um quadro de ansiedade e depressão, estando impossibilitado de prestar trabalho conforme atestado médico apresentado em set/18. O A. intentou um procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais (processo 4854/18.6T8GMR), com vista à suspensão da deliberação da R. por via da qual foi destituído. Em 02.10.2018 foi proferida decisão no respectivo processo determinando a suspensão de tal deliberação, da qual a R. foi citada em 08.10.2018. Segundo o art.º 381º, 3, CPC “A partir da citação, e enquanto não for julgado em 1.ª instância o pedido de suspensão, não é lícito à associação ou sociedade executar a deliberação impugnada”. Assim, o A. reingressou na posição de Administrador, por efeito da decisão cautelar de suspensão da deliberação de destituição do cargo de vogal do Conselho de Administração da R. Ademais, nos termos do artigo 398º, 2, CSC, encontrando-se suspenso o contrato de trabalho do A., nem sequer era possível imputar-lhe qualquer falta ao trabalho. O acórdão final proferido nesses autos, embora revogando a decisão de 1ª instância, não releva por ser posterior à decisão de despedimento (14.02.2019). Sem prescindir, o A. tentou, pelo menos 3 vezes entrar nas instalações da R. para retomar a sua atividade, quer de Administrador, quer de trabalhador, funções que há 22 anos desempenhava. Ocorre que ao A. foi vedado o acesso às instalações da R. pelos demais sócios (familiares).
Invoca, ainda, invalidades do processo disciplinar (impedido de consultar o processo e falta de audição de testemunha indicada pelo trabalhador).
Formula a seguinte reconvenção: a) declaração da ilicitude do despedimento ; b) condenação da empregadora a pagar-lhe: a indemnização de 47.500,00€ correspondente a 30 dias de salário base e diuturnidades por cada ano de antiguidade, acrescida das retribuições intercalares que deixou de auferir até ao trânsito em julgado da decisão; 10.000,00€ de créditos salariais vencidos em 1-01-2019; 2.000,00€ a título de danos patrimoniais por privação de uso de viatura; 20.000,00€ a título de indemnização de danos não patrimoniais; juros de mora.
A empregadora apresentou resposta – 98º/4-L, CPT. Conclui pela improcedência das irregularidades do processo disciplinar, mantém o referido quanto ao que apelida agora de “conflito de interesses” por a mandatária que patrocina o trabalhador ter representado a ré e ter conhecimento profundo da vida societária. Refere que a decisão proferida na providência cautelar não teve o efeito de empossar o autor de novo na posição de administrador. O autor durante o processo disciplinar nunca invocou que estaria convencionado que, sendo administrador, não teria de justificar faltas, para além de nunca ter impedido o autor de trabalhar. Mantém a anterior factualidade e propugna pela improcedência do pedido reconvencional.
Em 4-06-2020, o trabalhador juntou aos autos procuração a favor de outra mandatária, a Drª P. R..
Em 8-07-2020, foi realizada audiência previa.
Na mesma foi proferido despacho sobre a “excepção” do alegado conflito de interesses relativamente ao mandato exercido pela ilustre mandatária do trabalhador. Constatou-se que já havia sido constituído novo mandatário, mas determinou-se, ainda, para o caso de alguma dúvida subsistir, a notificação do trabalhar para suprir o processado.
Em 8-07-2020, o trabalhador veio declarar que ratifica todo o processado.
No despacho saneador (8-09-2020) decidiu-se julgar ratificado o processado e, em consequência, suprida a alegada irregularidade do mandato.
Neste despacho, decidiu-se, ainda, pela improcedência da alegada invalidade do procedimento disciplinar por violação do direito de defesa do trabalhador (negada a consulta do procedimento) e relegou-se para a decisão final a decorrente da falta de audição das testemunhas indicadas pelo trabalhador. Foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizou-se julgamento e foi proferida sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO):

“A ) Declaro ilícito o despedimento movido contra o trabalhador;
B) Julga-se a reconvenção deduzida pelo trabalhador parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condena-se a empregadora a pagar-lhe a quantia de € 105 941,78 (cento e cinco mil, novecentos e quarenta e um euros e setenta e oito cêntimos), acrescida das retribuições vincendas até ao trânsito em julgado desta sentença e de juros mora, à taxa de 4%, desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento.
Fixo à acção o valor de € 105 941,78 (cento e cinco mil, novecentos e quarenta e um euros e setenta e oito cêntimos)
Custas pela empregadora e trabalhador, na proporção do decaimento.”
A EMPREGADORA RECORREU: DA SENTENÇA E DOS DESPACHOS DE 8-07-2020 E de 8-09-2020 (DESPACHO SANEADOR) NA PARTE EM QUE INCIDIU SOBRE O ALEGADO CONFLITO DE INTERESSE QUANTO AO MANDATO DA ADVOGADA DO TRABALHADOR. CONCLUSÕES:
i. A preterição da norma do art. 99.º do EOA, 6independentemente dos eventuais efeitos disciplinares tem, igualmente, efeitos processuais, na medida em que a posição favorável em que coloca a parte representada pelo antigo advogado do adversário e a mácula que fica para a credibilidade da Justiça perigam o próprio processo, abalando, desse modo, a justa composição do litígio, a igualdade de armas e a credibilidade do órgão de soberania Tribunais, inquinando todo o processo.
ii. É, por isso, imperativo sanar o processo, expurgando todos os actos que houverem sido maculados, absolvendo a contra parte prejudicada da instância, assim cumprindo o disposto nos arts. 4.º CPC e 13.º e 20.º, n.º 4 CRP
iii. O ponto 5. da matéria de facto deve ser declarado não provado com fundamento de não existir qualquer elemento probatório que o sustente como, pelo contrário, as várias testemunhas sustentarem o oposto (cfr. supra depoimentos de E. E. e C. P., ambos da sessão de 28.10.2019 iniciada pelas 10:00 e, respectivamente, registado no Habilus entre as 00:00:01 e 00:20:31 e 00:00:01 e 00:21:50)
iv. Mais, tal constitui uma impossibilidade legal, já que com a nomeação do recorrido como administrador o contrato de trabalho suspende ope legis cfr. Art. 398.º n.º 2 CSC;
v. O ponto 9. da matéria de facto deve ser declarado não provado por prejudicado com a resposta ao ponto 5. e, ainda, com fundamento de não existir qualquer elemento probatório que o sustente como, pelo contrário, as várias testemunhas sustentarem o oposto (cfr. supra depoimento de A. M., registado entre as 00:00:01 e as 00:17:30 da sessão de 28.10.2019, pelas 14:35)
vi. Os ponto 24. e 25. da matéria de facto devem ser declarados não provados, com fundamento tanto na prova documental junta (autos da GNR juntos pelo recorrido e não impugnados) como com f u n d ament o d a p r ova t e s t e mu n h a l , designadamente M. S. (depoimento registado entre as 00:00:01 e as 00:51:33 da sessão de 28.10.2019 iniciada às 9:35); C. P. (sessão de 28.10.2019 iniciada pelas 10:00 registado no Habilus 00:00:01 e 00:21:50); D. M. (sessão de 28.10.2019 iniciada às 14:35 e registado entre 00:00:01 e 00:36:30), todos comprovando que as poucas idas do recorrido à sede da recorrente (local de trabalho) foram-no com intuito de assumir as funções de administração e jamais para se apresentar ao serviço, para trabalhar.
vii. Aliás, de tais depoimentos resulta que, quando exerceu funções, o recorrido observava religiosamente um horário de expediente, com raras excepções, o que não se coaduna com as idas acompanhado do filho, da Advogada ou de seguranças, fora de horas, à empresa.
viii. Inversamente, deverá o ponto 4. dos factos não provados ser declarado provado, devendo-se a resposta a este facto ser do conhecimento geral, público e notório de que todos os trabalhadores sabem dever apresentar-se ao serviço, como regra, e ainda, no presente caso, no facto do recorrido revelar essa consciência ao apresentar justificações pela ausência ao local de trabalho;
ix. Também o ponto 5. dos factos não provados deve ser declarado provado, até porque isso é precisamente o que resulta da prova documental junta aos autos, designadamente os autos da GNR e das declarações médicas juntas pelo recorrido;
x. Os depoimentos de M. S. e D. M., respectivamente irmã (e co-administradora) e filho do recorrido não merecem credibilidade.
xi. Não apenas vinham com o recurso ensaiado como, quando se lhes troca a ordem dos factos de que querem falar, entram em contradição com discurso treinado e nesses momentos o seu depoimento bate certo com a restante prova documental e testemunhal;
xii. Ao mesmo tempo, não são testemunhas isentas e desinteressadas, basta ter presente a sentença junta aos autos em que se provou que a empresa Y dos filhos da M. S. nunca prestou serviços à recorrente, que foi meu veículo para esta obter honorários que entendeu dever receber, tendo contado com o depoimento favorável mas não credível do irmão, aqui recorrido, ambos à data administradores num conselho de administração composto de três elementos;
xiii. Já o filho, D. M., depende financeiramente do recorrido e perdeu os seus rendimentos e a empresa com que laborava quando o pai foi retirado da administração da recorrente.
xiv. À matéria de facto provada, deve ser aditado ainda: 36. A eficácia da suspensão da deliberação foi suspensa, com efeitos imediatos, desde 15.10.2018, com fundamento no douto acórdão junto aos autos, no qual se incide sobre essa mesma decisão da primeira instância.
xv. A decisão cautelar, provisória por natureza, não procedeu, tendo-se a final confirmado a validade da deliberação e a destituição do recorrido como administrador.
xvi. Não afectando, por isso, a cessação da causa de suspensão, poderia ser relevante para apreciar a culpa do trabalhador, ora recorrido.
xvii.Este, todavia, reconhece em juízo a validade da deliberação, logo, da sua destituição, e age em conformidade, justificando as suas faltas até 02.10.2018 e após 01.11.2018 (o que não pode ter como fundamento a decisão de Janeiro do ano seguinte)
xviii.Isto, aliás, porque não foi requerido o empossamento no cargo, apenas se requereu e foi deferido, provisoriamente, a não tomada de posse de dois novos administradores.
xix. Ao mesmo tempo, a suspensão dos efeitos ocorrida em 15.10.2018 também não é justificação, já que não há o cuidado de justificar as faltas entre 15 e 30.10.2018.
xx. Com isto o recorrido revela-se perfeitamente consciente da sua obrigação de se apresentar ao trabalho, sendo, assim, dolosa a sua conduta.
xxi. O recorrido, pelas suas circunstâncias específicas (é simultaneamente empregador (accionista) e trabalhador, foi administrador com controlo sobre a empresa) está numa posição de igualdade com a empresa, ao contrário do que sucede com os demais trabalhadores.
xxii. Em todos os actos e momentos, é acompanhado de uma sociedade de advogados, mais proximamente de uma Ilustre Advogada, que o acompanhou não apenas nas faltas e idas à empresa, como igualmente em todo o processo disciplinar.
xxiii. Teve, desse modo, conhecimentos e acompanhamento técnico e todas as condições para exercer o seu direito de defesa da melhor forma possível, nomeadamente para cumprir, cabalmente, o ónus de invocar todos os factos extintivos, designadamente a causa de exclusão da culpa que veio invocar em juízo.
xxiv. Não o tendo feito, precludiu o direito, não lhe sendo lícito assim invocá-lo agora — e só agora — em juízo, pelo que tal argumento não pode ser apreciado.

Sem prescindir,
xxv. Aceitar-se que um trabalhador, nestas circunstâncias, possa reservar uma causa de exculpação para surpreender o empregador em juízo é manifestamente injusto.
xxvi. Aliás, se o tivesse invocado, o empregador poderia ter tomado o argumento em consideração, fosse para eliminar a sanção disciplinar, fosse para aplicar outra diferente.
xxvii. No caso, não restam dúvidas que o recorrido pretendia desvincular-se da recorrente, tendo usado este expediente para conseguir algo que a Lei não lhe concedia: demitir-se e receber uma compensação.
xxviii. É exactamente a pensar neste exercício abusivo de direitos, aceitando-se que a excepção ainda pode ser arguida, que existe o instituto do abuso de direito, conforme regulado no art. 334.º CC e, na modesta opinião da recorrente, é de aplicação directa a esta situação.
xxix. Constitui, pois, abuso de direito o trabalhador reservar, intencionalmente, uma causa de exculpação para a surpreender o empregador em juízo e, com isso, conseguir obter um fim contrário ao pretendido pela lei
xxx. A desvinculação do empregador, com compensação para o trabalhador, mas por factos unicamente imputáveis a este último!
xxxi. A suspensão do contrato de trabalho, determinada pelo ar t. 398.º CSC, nas circunstâncias em que o trabalhador promovido é accionista, isto é, empregador simultaneamente, não beneficia do regime dos arts. 294.º e ss CT.
xxxii. Esse regime é excepcional em relação à regra do Código de Trabalho, justificando-se a aplicação dos arts. 294.º e ss CT quando o que está em causa é a de um trabalhador que, no decurso da sua progressão normal, se vê levado à administração, muitas vezes temporariamente e sem grandes poderes de decisão.
xxxiii. No caso subjudice, o trabalhador é simultaneamente accionista e, quando foi designado administrador, assumiu o controle efectivo da empresa, portanto reunindo-se, na mesma pessoa, as posições de credor e devedor da mesma obrigação.
xxxiv. Esta especificidade, ser accionista com benefícios evidentes e ter assumido verdadeiramente a direcção da empresa enquanto tal afasta as razões de protecção que levam à aplicação do regime do Código de Trabalho, devendo por isso não ser contabilizado o tempo em que foi administrador para efeitos antiguidade;
xxxv. A culpa da recorrente é diminuta, tendo diligentemente averiguado factos e chamado o recorrido a defender-se, o que fez, devidamente acompanhado de mandatária para o efeito.
xxxvi. A eventual procedência da impugnação do despedimento ocorre apenas com fundamento num elemento, uma causa de exculpação, intencionalmente ocultada pelo recorrido, tendo este por essa razão concorrido determinantemente para o desfecho que, efectivamente, deseja: desvincular-se da recorrida, por sua vontade, mas obtendo uma indemnização.
xxxvii. Nestas circunstâncias deve ser calculada a compensação pelo mínimo de 15 dias por cada ano de antiguidade, sendo reduzida a metade por se confirmarem os fundamentos do despedimento, apenas sendo relevante uma questão processual, inteiramente imputável ao recorrido — a omissão do cumprimento do ónus de excepcionar a causa de exclusão de culpa.
Nestes termos e ainda pelo muito que, como sempre, não deixará de ser proficientemente suprido, deve ser dado provimento à apelação, absolvendo-se a recorrente no pedido …

O TRABALHADOR CONTRA-ALEGOU E APRESENTOU RECURSO SUBORDINADO.CONCLUSÕES:

I. Embora o recorrente venha suscitar a questão do conflito de interesses, importa ter em conta o disposto no artigo 99º do EOA, à data da impugnação do despedimento a então mandatária e a sociedade de advogados em causa já não patrocinavam a aqui recorrente.
Mais, trata-se de uma nova ação sem qualquer conexão com patrocínio anterior.
Pelo que, não cometeu a então mandatária qualquer violação manifesta ou sequer “dissimulada” do disposto no artigo 99º do EOA, desde logo, por inexistir qualquer conflito entre os interesses.
Contudo, e como bem decidiu o Tribunal a quo, além de, no presente, não se verifica qualquer situação de conflito de interesses,” a Ordem dos Advogados é a única entidade competente para a apreciação da eventual responsabilidade disciplinar de um advogado relativa a actos praticados no exercício do mandato”.
II. Deverá ser considerado provado o Ponto 5 “o trabalhador durante o período referido no número anterior desempenhou simultaneamente as funções de trabalhador e administrador”; da prova testemunhal produzida não existe uma única testemunha que consiga distinguir o recorrido enquanto trabalhador e enquanto administrador. [depoimento das testemunhas E. E. e C. P.]
III. Deverá ser considerado provado o Ponto 9. ….”.[ depoimento de C. M., M. M., E. E.]
IV. Ficou provado que este trabalhador, mesmo sendo administrador, sempre ocupou um gabinete na área da produção da empresa (mais precisamente na tecelagem), não ocupando – ao contrário de outros administradores- um gabinete na área destinada aos gabinetes da administração!
V. Em relação à questão da gestão dos tempos de trabalho e suas presenças em função das necessidades da empresa, ficou, cabalmente, provado que o recorrido geria o seu trabalho, os seus horários e presenças na empresa.
VI. Desde logo, não restam dúvidas, perante a prova produzida, que os sócios trabalhadores – ao contrário dos restantes trabalhadores – não tinham de obedecer a um horário e não tinham um sistema de controlo de presenças. [depoimento de E. E., C. P., C. M., J. F., M. H.]
VII. Devem ser considerados igualmente provados: Ponto 24. ….” e Ponto 25. ….
VIII. Com efeito, para além da prova documental - os autos da GNR datados de 8/10/2018, 9/10/2018, 10/10/2018, 15/10/2018 e 20/10/2018 – várias testemunhas atestam que durante aquele mês de outubro de 2018, o trabalhador, Sr. A. D., apresentou-se na empresa, ocorrendo sempre conflitos, insultos, ameaças, sendo evidente o clima de medo e terror. [depoimento M. M., J. F., A. P., D. M.]
IX. Por seu turno, não deverá ser considerado provado: Ponto 4. “o trabalhador soubesse da cessação das funções e subsequentemente da obrigação de se apresentar ao serviço em 03.09.2018”.
X. Não tendo a recorrente logrado fazer qualquer prova, não tendo, igualmente, sido produzida, em audiência de discussão e julgamento, prova relativa ao facto, não poderá, a recorrente, vir, em sede de recurso, com juízos de valor, hipóteses, induções ou deduções na tentativa de, nesta sede, fazer qualquer prova relativamente a um facto não provado.
XI. De igual modo, não ficou provado o Ponto 5. “O trabalhador após a data referida no nº anterior se tenha recusado a assumir o antigo posto de trabalho por querer só ser administrador”.
XII. Não houve nenhuma prova documental, nem testemunhal a confirmar este ponto – muito pelo contrário. [Depoimento de D. M.]
XIII. Assim, provado está que o trabalhador não “abandonou” o trabalho entre 03.10.2018 e 30.10.2018.
XIV. O recorrido apresentou-se, por várias vezes, no referido mês de outubro nas instalações da recorrente.
XV. Foi sempre recebido com “sete pedras na mão” pelos próprios irmãos.
XVI. É por demais evidente - e disso fez-se prova - que a intenção era, claramente, afastar o recorrido, uma vez por todas, da empresa, quer como administrador, quer como trabalhador.
XVII. Também ficou provado, nomeadamente pelo depoimento, aliás, muito elucidativo da gestora dos recursos humanos que, o processo disciplinar foi especificamente “encomendado” para despedir o recorrido.
XVIII. Na verdade, ao ouvir a gravação, fica-se com a perceção que, a mencionada funcionária, gestora de recursos humanos, foi expressamente incumbida, única e exclusivamente, de verificar as faltas de entrega da declaração de incapacidade temporária para o trabalho de forma a instruir um futuro processo disciplinar contra o recorrido.
XIX. É importante frisar que, conforme prova produzida, trata-se de um processo totalmente arbitrário, discriminatório, no qual, desde já, foi criada uma regra única para este sócio trabalhador.
XX. Afinal, existia, pelo menos, uma sócia-trabalhadora que, de acordo com todas as testemunhas, raramente aparecia na empresa recorrente e não teve qualquer processo disciplinar.
XXI. Em relação à aludida preclusão do direito do trabalhador de excepcionar o erro e abuso de direito pela alegação surpresa, não assiste razão à recorrente.
XXII. Vem a recorrente invocar a suposta caducidade da exceção da causa de exclusão, pondo em causa se é ou não “lícito ao recorrente “surpreender” a recorrida, em julgamento, com a invocação de uma exceção que podia e devia tê-lo feito no processo disciplinar”.
XXIII. Na verdade, não houve qualquer surpresa, a recorrida tinha perfeita noção dos litígios pendentes e dos diferendos existentes entre as partes.
XXIV. A própria recorrente insiste, por diversas vezes, com as testemunhas arroladas, durante a produção de prova, se o trabalhador recorrido apresentar-se-ia como administrador ou trabalhador nas instalações da recorrente naquele mesmo lapso temporal das alegadas “faltas injustificadas”.
XXV. Logo, se a própria recorrente coloca essa questão em cima da mesa (equaciona que o recorrido poderia estar convencido que seria administrador nas diversas deslocações às instalações da recorrente), como é que, de boa-fé, poderá, em sede de recurso, afirmar que foi surpreendida?!
….
XXVIII. Nos termos do nº 2 do artigo 295º do Código do Trabalho: “O tempo de redução ou suspensão conta-se para efeitos de antiguidade.”
XXIX. Provado que está o despedimento ilícito tem direito o recorrido a ser compensado.
XXX. Deste modo, no cálculo da indemnização ao trabalhador terão de ser tidos em conta os anos em que o trabalhador foi administrador da recorrente.
XXXI. A indemnização de antiguidade por despedimento ilícito, para além de ter um cariz reparador, associado à ideia geral de obtenção pelo trabalhador de uma compensação pela perda do emprego, assume uma natureza sancionatória ou mesmo “penalizadora” da actuação ilícita da entidade empregadora.
XXXII. Logo, o juízo de graduação da indemnização de antiguidade terá necessariamente de ser global, ponderando e considerando, essencialmente, o grau de ilicitude do despedimento, particularmente o nível de censurabilidade da actuação da entidade empregadora, na preparação, motivação ou formalização da decisão de despedimento.
XXXIII. Pelo que, salvo o devido respeito e melhores considerações, não assiste qualquer razão quer de facto quer de direito à recorrente, tendo o Tribunal a quo andado bem na apreciação destas questões.

DO RECURSO SUBORDINADO
XXXIV. Deste modo, pela prova produzida, justifica-se a fixação de uma indemnização de antiguidade de 45 dias de retribuição por ano de antiguidade a um trabalhador que foi despedido, com invocação de justa causa, não tendo, contudo, a entidade empregadora, logrado provar as infrações disciplinares que lhe imputou – muito pelo contrário!
XXXV. Mais, além da indemnização pela antiguidade, entende o recorrido que, face à prova produzida, nomeadamente o depoimento do seu filho, D. M., deveria ser julgado procedente o pedido de indemnização quanto aos danos não patrimoniais.
XXXVI. Ora, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 389º do Código do Trabalho: “sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado: a indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais”.
XXXVII. Ora, o despedimento do trabalhador é ilícito e culposo por parte da entidade empregadora.
XXXVIII. Conforme prova documental e testemunhal esta situação afetou o trabalhador, de forma que, passou a ser uma pessoa angustiada, nervosa, depressiva e com dificuldades em dormir (conforme depoimento do próprio filho que com o mesmo reside).
Termos em que o Recurso interposto pela empregadora deve ser julgado improcedente, com as legais consequências, sendo julgado procedente o recurso subordinado ora apresentado…

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: emite-se parecer no sentido de improcedência de ambos os recursos.
RESPOSTAS AO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: as partes mantêm o anteriormente sustentado.
O recurso foi apreciado em conferência.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso (1)):
Recurso da empregadora: da “excepção de conflito de interesses” /patrocínio judiciário; impugnação da matéria de facto e sua repercussão na verificação da ocorrência de justa causa de despedimento; contagem da antiguidade e fixação de indemnização por despedimento;
Recurso subordinado do trabalhador: fixação da indemnização por antiguidade; indemnização por danos morais.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A) A EXCEPÇÃO DENOMINADA “CONFLITO DE INTERESSES” REFERENTE AO PATROCÍNIO JUDICIÁRIO DO TRABALHADOR PELA DRA. J. B.

A sequência dos factos a atender consta do relatório acima enunciado.
Em alegações sustenta a recorrente que “O articulado do trabalhador que confina e conforma a acção, é subscrita por uma Ilustre Advogada que foi, previamente, Advogada da recorrente “; que “atendendo ao profundo conhecimento da vida interna da recorrente, seu anterior cliente, que representou por vários anos, o advogado ao assumir o patrocínio do recorrido colocou-o numa posição profundamente favorável e, inversamente, coloca a recorrente numa posição debilitada processualmente, algo que, no caso, deveria ter sido resolvida com prejuízo do trabalho técnico realizado pelos advogados impedidos”. Conclui pela sua absolvição da instância.
Em alegações sustenta o recorrido que “à data da impugnação do despedimento a mandatária e a sociedade de advogados em causa já não patrocinavam a aqui recorrente, além de que se trata de uma nova ação sem qualquer conexão com patrocínio anterior. Pelo que não cometeu a então mandatária qualquer violação manifesta ou sequer “dissimulada” do disposto no artigo 99º do EOA, desde logo, por inexistir qualquer conflito entre os interesses”. Além do mais, a Ordem dos Advogados seria a única entidade competente para a apreciação da eventual responsabilidade disciplinar.
Na decisão recorrida julgou-se ratificado o processado e suprida a alegada irregularidade do mandato, dado que o trabalhador, além de constituir nova mandatária, veio declarar que ratifica o processado pela anterior mandatária.
Justificou-se na decisão que : “que a Ordem dos Advogados é a única entidade competente para a apreciação da eventual responsabilidade disciplinar de um advogado relativa a actos praticados no exercício do mandato”; que se tentou obter informação junto da O.A. sobre idêntica questão suscitado no proc. 6854/18.7T8GMR e sobre a qual foi decidido instaurar processo disciplinar; que a jurisprudência tem considerado que “que o exercício do mandato em desconformidade com o disposto no artigo 99º do EOA, constitui mera irregularidade no mandato e é-lhe aplicável o disposto no artigo 48º do CPC”; que “o Trabalhador constitui outra mandatária no passado dia 3 de Junho de 2020, tendo junto a respectiva procuração”; que, ainda assim, “…tendo em consideração o referido enquadramento e tendo em vista ultrapassar qualquer questão e/ou dúvida que possa persistir quanto à alegada irregularidade do mandato da anterior advogada, Drª J. B.”, determinou-se a notificação do trabalhar para suprir o processado, o que este fez.
Concordamos com a decisão.
Do ponto de vista teórico e processual, é de qualificar a questão suscitada de excepção dilatória referente a vício do patrocínio judiciário. Será uma irregularidade em sentido lato, sujeita ao respectivo regime e não uma pretensa excepção processual de ”conflito de interesses” - 41º, 48º, 577º, h, CPC.
As situações clássicas de vícios do patrocínio judiciário (2) são a falta de procuração, a insuficiência do mandato (a procuração não habilita à prática do acto praticado) e a irregularidade de mandato (vício de forma) - 43º, 44º, 45º, 48º, 1, CPC.
Mas, há ainda que ter presente o estatuto da Ordem dos Advogados, Lei 145/2015, de 9-09 (doravante EOA), onde se regulam diversos aspetos do exercício da advocacia, alguns deles respeitantes a anomalias de patrocínio.
Com importância para a questão, recorda-se que a Ordem do Advogados é a entidade competente para atribuir o título profissional de advogado, para regulamentar o acesso e o exercício da respetiva profissão, bem como para exercer, em exclusivo, o poder disciplinar sobre os advogados – 3º, c), g) EOA. Caso o advogado discorde dos actos dos órgãos da O.A., pode ainda, após recurso hierárquico, interpor recurso contencioso para os tribunais administrativos - 6º EOA.
Donde, a verificação da regularidade do patrocínio judiciário e de eventuais vícios pode implicar a coordenação da lei adjectiva processual com esta legislação específica. Designadamente, se pela OA foi aplicada a pena disciplinar de suspensão ou de expulsão de um mandatário, naturalmente que isso repercute-se no processo judicial pendente em que o mandatário intervenha, afectando a regularidade do mandato. Tudo para sublinhar que poderão haver outras situações de vícios de patrocínio que não só os referidos no CPC, a integrar no conceito de irregularidade processual lato sensu (vício de patrocínio), caso se verifique que, por força das regas próprias que regem a actividade de advocacia, o mandato viola a lei.
O EOA estabelece incompatibilidades do exercício da advocacia com determinados cargos, funções, outras actividades- 82º, EOA.
Estabelece, também, impedimentos que são definidos em termos genéricos como tudo o que diminua “…a amplitude do exercício da advocacia e constituem incompatibilidades relativas do mandato forense e da consulta jurídica, tendo em vista determinada relação com o cliente, com os assuntos em causa ou por inconciliável disponibilidade para a profissão” - 83º, 1, EOA.

Está em causa o artigo 99º, EOA, segundo o qual;
“1 - O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.”
….
5 - O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.
O artigo 92º estabelece os termos do sigilo profissional.
Regula-se no normativo os deveres dos advogados para com os seus constituintes, estabelecendo-se impedimentos relativos para o patrocínio, verificadas que estejam certas previsões. A norma funda-se essencialmente em dois princípios interdependentes, a saber a confiança do mandante e a fidelidade do mandatário. O mandante deve confiar de tal maneira no seu advogado que tudo lhe revela no que respeita a causa, para o que contribui a protecção conferida pelo segredo profissional que obriga o mandatário. Por seu lado, o mandatário deve inteira fidelidade aos interesses do constituinte, o qual se projecta para o futuro na medida em que deve haver recusa de mandato para causa conexa com outra em que no passado tenha representado a parte contrária. Pelo que este dever é assim, em situações específicas, extensível a antigos clientes – Ary de Almeida Elias da Costa e outros, CPC anotado e comentado, 1º Vol. 1972, p. 313 a 315.
A verificação de existência de impedimento relativo é aferida caso a caso pelo próprio advogado – 99º, 1, EOA.
Em caso de dúvida sobre a existência de qualquer impedimento (incompatibilidade relativa), que não haja sido logo assumido pelo advogado, compete solicitar parecer sobre a questão profissional ao Conselho Regional territorialmente competente. Sendo esta entidade quem declara a existência de impedimentos e os aplica, a pedido do próprio, de outro interessado, ou mesmo do tribunal onde a questão se coloca – 81º, 5, 83º, 6, 54º, 1, f, EOA.
No caso dos autos, a própria recorrente admite que não apresentou qualquer participação na O.A. (nas alegações refere “Ora, quando a recorrente vem invocar o impedimento nos temos do art. 99. L. 145/2015, de 9 de Setembro fá-lo por se encontrar ferida nos seus direitos elementares e não com intuito punitivo ou vingativo, algo que aliás se revela pela ausência de queixa à Ordem dos Advogados para efeitos deontológicos.”).
A senhora juíza, teve o cuidado de auscultar a O.A. sobre a mesma questão, embora susciptada noutro processo, correndo ainda processo disciplinar.
Nos termos referidos, não compete ao tribunal onde o processo está pendente decidir, ainda que em questão incidental, se existe ou não “conflito de interesses”.
Ademais, independentemente de existir ou não” conflito de interesses”, a questão está sanada porque o trabalhador já constituiu uma nova mandatária, como que havendo uma “inutilidade superveniente” da questão. O trabalhador inclusive “ratificou o processado” pela senhora mandatária, ou seja, emitiu uma declaração de vontade aprovando os actos anteriormente praticados.
Tratando-se de uma questão processual de irregularidade do patrocínio judicial, terá de ser aplicado o regime desta excepção dilatória, incluindo as consequências, que no caso do autor, será o aproveitamento do processado – 577º, h, 48º, 2, a contrario, CPC.
Só assim não seria se a parte não correspondesse e não constituísse novo mandatário (isto caso aceitássemos a existência de conflito de interesses, o que, como vimos, teria de ser a O.A. a decidir, para mais não existindo nos autos elementos suficientes para avaliar a questão, apenas se sabendo que a Dr.ª J. B. foi anteriormente advogada da ré).
Assim, não continuando a antiga senhora mandatária a patrocinar o trabalhador, não persistem os fundamentos de incompatibilidade relativa no exercício da advocacia, a saber o dever de fidelidade, lealdade, isenção e de dignidade profissional ou a susceptibilidade de violação de segredo profissional.
No mais, a hipotética pretérita violação de deveres estatutários por parte da anterior mandatária só poderá ter consequências a nível disciplinar a apurar junto da O.A., ou de em acção própria, que o anterior mandante entenda por adequada.
Improcede a questão.

B) FACTOS

Factos provados:

1. A empregadora celebrou com o trabalhador um contrato de trabalho em 01.10.2011, segundo o qual este se obrigou a prestar a sua actividade àquela, como responsável pelo controlo de qualidade, acompanhado todo os processos de reclamações de clientes ao qual corresponde a categoria profissional de chefe de departamento, sob direcção e ordens da primeira.
2. Ultimamente, vinha designado para chefiar o departamento de limpeza.
3. O trabalhador auferia a retribuição base de € 2500,00/mês.
4. Pelo menos entre 11.07.2013 e 30.08.2018 o autor, assumiu as funções de direção, designadamente de administrador da empregadora.
5. O trabalhador durante o período referido no número anterior desempenhou simultaneamente as funções de administrador e as funções anteriores que tinha como trabalhador chefiando o departamento de Controlo de qualidade – modificado de acordo com o julgamento do recurso.
6. O trabalhador é também accionista, titular de 14,7% das acções da empregadora.
7. Em data anterior à mencionada no nº 1 supra o trabalhador foi também trabalhador da empregadora por um período que não foi possível apurar com precisão, mas que seguramente terminou antes do dia 02.04.2008.
8. O trabalhador em 02.04.2008 requereu a prestação de desemprego esteve nessa situação até 01/06/2011.
9. O trabalhador desempenhou as funções que correspondem a cada qualidade, especialmente a de administrador e trabalhador da empregadora gerindo os seus tempos de trabalho e as suas presenças em função das necessidades da empregadora.
10. O trabalhador nunca preencheu folha de ponto, como os demais trabalhadores, ou justificou as suas ausências e tempos de trabalho a quem quer que fosse.
11. Antes da data mencionada no processo disciplinar nunca lhe foi imputada qualquer falta.
12. O mesmo sucedia (ou sucede) com qual quer um dos accionistas da empregadora que igualmente têm a qualidade de trabalhador perante esta.
13. A máquina para registo das presenças encontra-se instalada na porta onde está o porteiro da empregadora e o trabalhador sempre entrou pela porta de acesso directo aos escritórios, onde não existe qualquer aparelho apto ao registo de presenças.
14. No dia 30.08.2018 o trabalhador foi destituído do cargo de administrador que desempenhava.
15. Após o trabalhador intentou um procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais que correu termos no Juízo de Comércio de Guimarães, Juiz 3 do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, sob o n.º de processo 4854/18.6T8GMR, com vista à suspensão da deliberação da empregadora que deu lugar à sua destituição.
16. Nesse procedimento veio a ser proferida decisão no dia em 02.10.2018 em que, além do mais, foi decidido “determinar a suspensão das deliberações da Assembleia Geral Extraordinária da requerida, reunida no dia 30 de Agosto de 2018 “Destituição dos Membros do Conselho de Administração … M. D. “.
17. De tal decisão foi a empregadora citada em 08.10.2018.
18. A aqui empregadora ali requerida interpôs recurso dessa decisão, que foi admitido por despacho que lhe atribuiu efeito suspensivo.
19. Por acórdão de 14.02.2019, transitado no dia 28.2.2019, proferido no âmbito do citado proc. 4854/18.6T8GMR.G1, 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, foi decidido, além do mais, julgar procedente “na parte referente à suspensão das deliberações da assembleia geral de 30.0.8.2018, revogando-se a decisão recorrida nesta parte” (revogada a decisão cautelar que determinou a suspensão de deliberação que destituiu o autor).
20. O trabalhador não requereu a anulação de tal deliberação.
21. O trabalhador comunicou que iria faltar e o motivo (incapacidade temporária por doença), justificando as faltas entre 03.09.2018 e 02.10.2018.
22. Voltou a justificar as faltas após 30.10.2018.
23. Entre os dias entre 3.10.2018 e 29.10.2018 o trabalhador não comunicou a sua ausência nem entregou quaisquer documentos que comprovassem, justificassem ou explicassem as faltas.
24. O trabalhador tentou, pelo menos, 3 vezes, uma delas acompanhado de seguranças, e em conjunto com M. S., entrar nas instalações da empregadora para retomar a sua actividade, quer de administrador quer de trabalhador.
25. Nessas datas foi vedado o acesso do trabalhador às instalações da empregadora e ou aos seus meios de trabalho, por determinação, pelo menos, dos accionistas M. C. e G. D. e M. F..
26. No âmbito do processo 6854/18.7T8GMR, que correu termos no Juízo de Comércio de Guimarães - Juiz 2, no dia 05/02/2019 a ali requerente e o aqui trabalhador reconheceram a validade da deliberação da ali requerida, aqui empregadora, tomada na Assembleia Geral de 30 de Agosto de 2018 renunciando ao direito de a impugnar.
27. A empregadora “X & Filhos SA”, na sequência do auto de ocorrência registado e junto ao processo disciplinar, mandou instaurar ao trabalhador M. D. processo disciplinar, tendo para o efeito nomeado instrutor o Exmo. Sr. Dr. J. A..
28. O autor exerceu o seu direito de resposta por escrito que se encontra junta ao processo disciplinar apenso e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e requereu a audição de quatro testemunhas.
29.O local indicado para inquirição das testemunhas foi a sede da empregadora.
30.Na data indicada para respectiva inquirição a então mandatária do trabalhador prescindiu de duas das testemunhas e as outras duas não compareceram.
31.Em decorrência da deliberação de destituição do trabalhador do cargo de vogal do Conselho de Administração da empregadora este sofreu um quadro de ansiedade e depressão, estando por isso impossibilitado de prestar trabalho.
32.Quadro esse que foi agravado pela circunstância de ter passado a constar do organigrama funcional da empregadora como “Chefe de Limpeza”.
33.O trabalhador, em data anterior à instauração da presente acção, não recebia qualquer quantia a título de prestação de desemprego.
34.A empregadora não entregou ao trabalhador o modelo RP5044/2018 GGSS.
35. A empregadora não pagou ao trabalhador:
- A retribuição de Dezembro e Janeiro;
- Férias vencidas a 01.01.2019;
- Subsídio de férias vencido a 01.01.2019.

Factos não provados:

Com interesse para a decisão da causa não se provaram os restantes factos, nomeadamente que:
1-O trabalhador tenha aceitado desempenhar o cargo de administrador da empregadora, a solicitação desta, apenas na condição de ver reposta a antiguidade do seu contrato de trabalho de modo a colaborar na resolução da situação de crise na qual se encontrava a empregadora;
2- O trabalhador esteve nesta situação de desemprego apenas durante o período pelo qual lhe foi concedida prestação de desemprego, tendo, assim que esta cessou, retomado a relação laboral que o vinculava à empregadora;
3-Através de deliberação da administração da empregadora tenha sido reconhecida que a antiguidade do trabalhador se reportava ao dia 1 de Fevereiro do ano de 1996;
4-O trabalhador soubesse da cessação das funções e subsequentemente da obrigação de se apresentar ao serviço em 03.09.2018;
5-O trabalhador após a data referida no nº anterior se tenha recusado a assumir o antigo posto de trabalho por querer só ser administrador;
6-Numa das ocasiões descritas no nº 24 dos factos provados todos os trabalhadores ali presentes tenham sido chamados a uma sala e o trabalhador tenha sido diante destes vexado e desautorizado;
7-O trabalhador tenha solicitado a algumas trabalhadoras informações sobre os últimos tempos, designadamente, faturação e encomendas, tendo estas negado e, de imediato, saído das instalações da empregadora acompanhado dos meios de trabalho, designadamente dos computadores;
8-Na presença dos trabalhadores os outros administradores tenham dito que o trabalhador não mandava nada, que nem chefe de limpeza era e para se meter na rua que ninguém o queria ali;
9-No dia 22.10.2018 o trabalhador tenha conseguido cortar o fornecimento de electricidade aos teares e assim parado a produção no dia em causa;
10-Todos os trabalhadores, em conjunto, tenham forçado os seguranças privados e os antigos administradores, entre eles o aqui trabalhador numa situação de quase violência física;
11- O trabalhador com a sua conduta tenha colocado em risco todos os postos de trabalho;
12- O trabalhador tenha prejudicado a produtividade da empregadora e a boa gestão do negócio;
13- O trabalhador tenha sido privado do uso de viatura e telemóvel;
14- Os trabalhadores indicados no nº 30 se encontrassem a prestar trabalho sob as ordens e direção da aqui empregadora;
15- A representante do trabalhador tenha solicitado que fossem chamadas as mencionadas trabalhadoras, designadamente, E. E. e M. H.;
16-O Instrutor tenha dito que a entidade empregadora se negava a fazer deslocar as trabalhadoras.

C) IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
(…)

D) O DESPEDIMENTO E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS

A questão de direito relativa à verificação de justa causa por faltas injustificadas ao trabalho estava essencialmente dependente da procedência do recurso da decisão sobre a matéria de facto. Improcedendo esta, improcede aquela.
Remete-se, assim, para a sentença, por permanecerem globalmente válidos os seus fundamentos. Designadamente, a parte que sublinha que «Para que se verifique a justa causa de despedimento decorrente do disposto na al. g) do n.º 2 do artigo 351º do CT., não basta a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho dadas durante um certo número de dias quer sejam seguidos ou interpolados, há que demonstrar a existência de um comportamento culposo do trabalhador, que pela sua gravidade e consequências torne imediatamente e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.»
Considerou-se na sentença que o trabalhador não agiu com culpa, dado que se apresentou na empresa e que foi impedido por alguns accionistas da ré de retomar quaisquer funções.

Referiu-se:
“….Da análise crítica conjugada dos factos provados, embora resulte objectivamente provada a ocorrência de mais de cinco faltas seguidas injustificadas, consideramos que a empregadora não logrou demonstrar a existência de um comportamento culposo do trabalhador, que pela sua gravidade e consequências torne imediatamente e praticamente impossível a subsistência da relação laboral. Com efeito, como resulta da citada factualidade o comportamento adoptado pelo trabalhador não permite sustentar que a violação do dever de assiduidade foi intencional, antes revela que a sua ausência injustificada ao serviço na qualidade de trabalhador ocorreu na sequência da convicção que criou relativamente aos efeitos da decisão proferida no procedimento cautelar no sentido de que estaria legitimado a retomar as suas funções de administrador e de trabalhador, a alicerçar esta conclusão está desde logo o facto dele se ter apresentado no dia imediatamente a seguir à mesma ter sido proferida e de só ter deixado de justificar as suas faltas após esse conhecimento. Na verdade, não podemos ignorar que ele anteriormente à sua destituição como administrador, desempenhou simultaneamente as funções de trabalhador e administrador, cargos que ele exercia simultaneamente desde pelo menos 2013, e era também acionista, e que a sua posição de trabalhador tinha, tal como os restantes sócios, um enquadramento especifico e um tratamento especial, uma vez que resultou provado que nunca preencheu folha de ponto, como os demais trabalhadores, ou justificou as suas ausências e tempos de trabalho a quem quer que fosse e antes do processo disciplinar nunca lhe foi imputada qualquer falta.
Sendo certo que a decisão definitiva sobre a validade da deliberação de suspensão de funções do trabalhador como administrador apenas ocorreu com o trânsito do acórdão no dia 28.2.2019, proferido no âmbito do citado proc. 4854/18.6T8GMR.G1, 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em que foi decidido, além do mais, julgar procedente “na parte referente à suspensão das deliberações da assembleia geral de 30.0.8. 2018, revogando-se a decisão recorrida nesta parte” (revogada a decisão cautelar que determinou a suspensão de deliberação que destituiu o autor), ou seja, cerca de 4 meses depois desses factos terem ocorrido.
Acresce que resulta da mesma matéria que o trabalhador após a decisão proferida no procedimento cautelar, fez várias tentativas de se apresentar ao serviço e só não o tendo feito por ter sido impedido pelos restantes sócios.
Mas mesmo que assim não se entendesse sempre teria de ser considerar que, face a ausência de anteriores infracções disciplinares, bem como que não foi demonstrado qualquer prejuízo económico ou de outra natureza para a empregadora resultante da conduta do trabalhador nem prejuízo para outros trabalhadores, a sanção do despedimento mostrar-se-ia sempre desajustada e desproporcionada.
Desta forma crê-se que o comportamento do trabalhador nunca teria gravidade nem teve consequências de tal forma relevantes que tenham a virtualidade de levar um empregador normal, um “bonus pater familia”, a concluir que não há condições mínimas de manutenção da relação laboral e que esta está absolutamente ferida de morte

Efectivamente, resulta dos factos provados e da fundamentação de facto, que o ora trabalhador, depois de ter sido destituído das funções de administrador, se apresentou na empresa várias vezes, incluindo no mês de outubro/18, período em que é acusado de não comparecer ao trabalho. Mais resultando da materialidade que não retomou funções nem de administrador, nem de trabalhador, porque tal não lhe foi permitido pelos demais accionistas, seus familiares, com quem havia uma manifesta querela e que lhe vedaram a entrada e o acesso a meios de trabalho (vg pontos provados 23 a 25).
Pelo que, em bom rigor, nem sequer estamos perante uma “falta ao trabalho” e, muito menos, culposa. A falta ao trabalho pressupõe um comportamento voluntário no sentido de ser querido e imputável à parte, o que não acontece nos autos.
Se a empregadora, através dos acionistas, pretendia apenas opor-se a que o trabalhador entrasse na empresa na “veste de administrador” sempre teria de lhe permitir o acesso para que este retomasse as suas funções laborais. O que se sabe de seguro é que o A. se apresentou na empresa várias vezes no mês em que lhe são apontadas faltas e que queria retomar todas as suas funções, incluindo as de trabalhador (chefe de departamento) e que tal não foi possível por oposição da ré, em virtude do conflito gerado à volta da destituição do autor como administrador. O trabalhador não teve assim acesso ao seu gabinete e equipamento de trabalho.
Diga-se que o trabalhador não teria aliás que justificar “a falta” que inexistiu, pois foi impedido e não lhe foram dadas as condições físicas para prestar trabalho. A não prestação do trabalho, muito menos é culposa. Efectivamente, não se indicia desinteresse e desprezo pelo dever de assiduidade e de lealdade inerente às faltas que justificam o despedimento.
A recorrente vem ainda dizer que a defesa ora invocada está precludida quanto ao que chama de “causa de exculpação” e de “erro de putativa convicção de que não teria que se apresentar ao serviço” ou de justificar faltas. Invocando um pretenso “abuso de direito”.
Ora, o trabalhador não invocou qualquer “causa de exclusão da culpa”. Na acção judicial negou os factos, mormente que não se tivesse apresentado na empresa, a acrescer ao seu entendimento de que não teria sequer de justificar as faltas durante o período de suspensão do contrato de trabalho enquanto se mantivesse administrador (facto este aliás invocado na resposta à n.c.). Mais referindo que nunca teve obrigatoriedade de cumprir um horário e de “picar ponto”, atenta a sua relação especial para com a ré (acionista e familiar dos outros accionistas). Na resposta à nota de culpa, além do mais, já tinha referido que entendia que nem sequer teria de justificar faltas dada a suspensão do contrato de trabalho.
É ao empregador que incumbe a prova dos elementos que justificam o despedimento, incluindo daqueles que indiciam que o trabalhador actuou com culpa grave e idónea a justificar o despedimento.
Ademais, os factos alegados pelo trabalhador na acção judicial não têm de reproduzir ipsis verbis o alegado na resposta à nota de culpa. O trabalhador não tem sequer o ónus de a apresentar, trata-se de um direito que, se não exercido, não tem efeitos cominatórios ou preclusivo. A lei não os estabelece para o trabalhador, mas somente para o empregador (98º-J, 1, CPT “ O empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhado”).
Só assim não será nos casos excepcionais e muito delimitados em que o trabalhador seja conhecedor de factos ou provas que sonegou com o fito de deles se aproveitar na decisão judicial e que, por si só, caso fossem conhecidos do empregador, levariam a diferente decisão. Se assim fosse estaríamos perante um exercício abusivo do direito e contrário à boa fé – Paulo Sousa Pinheiro, O Procedimento Disciplinar no Âmbito do Direito do Trabalho Português, Almedina, 2020, p. 333 a 335.
Ora, este não é o caso dos autos. A ré, na pessoa dos demais accionistas/administradores, estava na posse de todos os factos que ora foram valorados. Mormente as funções que na prática até ali foram sendo desempenhadas pelo autor de chefia do departamento do controlo de qualidade (3), que este foi nomeado administrador, que foi destituído juntamente com outra irmã administradora e accionista, que estes interpuseram providência cautelar que numa primeira fase suspendeu a deliberação de destituição. Bem sabiam dos conflitos por neles participarem. Finalmente estavam ao corrente que o autor se apresentou na empresa em outubro/18 diversas vezes, bem sabendo a ré que, ainda que o trabalhador já não fosse administrador, tinha um contrato de trabalho e o direito de entrar na empresa para desempenhar as suas funções laborais anteriores, as quais lhe teriam de ser asseguradas. Todos os elementos ora trazidos pelo trabalhador e valorados pelo tribunal eram acessíveis à empregadora, não havendo qualquer encobrimento ou sonegação de factos que seja desleal ou abusiva.
Uma palavra par referir que nenhum facto se provou que suporte a violação do dever de “melhoria da produtividade da empresa e de executar o trabalho diligentemente”. Aliás não foram sequer alegados os respectivos factos.

A desconsideração do período de administração para efeitos de antiguidade defendida pela recorrente:

Quando o trabalhador assumiu as funções de administrador estava vinculado à empresa por contrato de trabalho há mais de um ano (ponto 1 e 4). Por força de incompatibilidade legal de funções, o contrato de trabalho ficou suspenso durante tal período– 398º, 2, CSC.
A recorrente pretende que este período seja desconsiderado para efeitos de contagem de indemnização.
Refere-se a este propósito na decisão recorrida:

Sucede, porém, que essa suspensão não tem qualquer efeito na sua antiguidade, uma vez que o artº 295º do C. do Trabalho, prevê que:

«1- Durante a redução ou suspensão, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho.
2 - O tempo de redução ou suspensão conta-se para efeitos de antiguidade (sublinhado nosso).
3 - A redução ou suspensão não tem efeitos no decurso de prazo de caducidade, nem obsta a que qualquer das partes faça cessar o contrato nos termos gerais.
4 - Terminado o período de redução ou suspensão, são restabelecidos os direitos, deveres e garantias das partes decorrentes da efectiva prestação de trabalho.»

Em síntese, decorre deste dispositivo que durante a suspensão se mantém o vínculo inerente à relação de trabalho em tudo o que não pressuponha a efectiva prestação de trabalho, mantendo-se os direitos, deveres e garantias dos trabalhadores que não decorram dessa prestação.
Cessada a suspensão do contrato, as partes reassumem na plenitude os seus direitos e obrigações, tal como eles se encontravam definidos na data da suspensão, sem prejuízo do reflexo que a antiguidade do trabalhador correspondente ao período de suspensão possa ter na definição do estatuto deste. “

A recorrente argumenta que o recorrido não merece esta protecção porque era acionista/empregador e não um simples “trabalhador”.
Ora, a lei não distingue as modalidades de suspensão do contrato de trabalho para efeitos de contagem de antiguidade, todas elas sendo, consequentemente, abrangidas pelo seu regime.
Todos os administradores das sociedades anónimas se tornam “empregadores” durante um período temporário. É precisamente por força dessa incompatibilidade genética entre ser “trabalhador subordinado” e, ao mesmo tempo, ter o poder de gerir e emitir ordens/instruções, que o contrato de trabalho se suspende. Mas salvaguardam-se determinados direitos do trabalhador, entre eles a antiguidade. Aliás, há causas de suspensão que apenas respeitam ao trabalhador, que não aproveitam ao empregador e, não obstante, não interrompem a contagem de antiguidade. Não se vislumbrando razões de exclusão quando a suspensão do contrato de trabalho tenha por base o mandato de administrador cujos actos são praticados por conta e no interesse da mandante ré.
A jurisprudência do STJ, tem sido nesse sentido. Ac. do STS de 23-10-2013, www.dgsi.pt (1 − O trabalhador nomeado administrador, por deliberação da entidade empregadora, fica com o seu contrato de trabalho suspenso, nos termos o n.º 2 do artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais, ainda que tenha mantido as funções que anteriormente desempenhava; 2 – A suspensão do contrato de trabalho referida no número anterior cessa no termo do desempenho das funções de administrador, readquirindo o trabalhador, a partir daí, o direito à situação que tinha antes da suspensão, sem prejuízo do cômputo do tempo da suspensão para efeitos de antiguidade;” - no mesmo sentido, o ac.do STJ de 17-10-07.
Diga-se que a posição de acionista minoritário não contende com o exposto, na medida em que não é questionada pela ré a prévia existência de um vinculo contratual laboral mantido com o “trabalhador”.

A medida da indemnização

Foi atribuída indemnização de 30 dias por cada ano de antiguidade.
Defende a empregadora que o valor indemnizatório atribuído pelo tribunal a quo é excessivo, propondo a fixação de 15 dias, em caso de procedência deste pedido.
Sendo o despedimento declarado ilícito, em alternativa à reintegração no seu posto de trabalho, o trabalhador tem direito a uma indemnização – a denominada “compensação por antiguidade” - a fixar entre a amplitude de 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade - art. 391º do Cód. do Trabalho.
A determinação do quantum da indemnização obedece a um critério duplo: atende-se ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do despedimento decorrente da ordenação legal prevista no art. 381º, do referido diploma. Com o limite mínimo três meses de retribuição de base e diuturnidades e contando-se todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
A doutrina e jurisprudência têm considerado que a correlação entre o valor da retribuição e o montante de indemnização será de variação inversa. Quanto menor for a retribuição, maior deverá ser o valor da indemnização. Ao invés, a um salário elevado corresponderá a uma indemnização menor - António Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho, 19ª edição, p. 721, João Leal Amado e Catarina Gomes Santos, “Cessação do contrato de trabalho”, in Direito do Trabalho, João Leal Amado e outros, Almedina, p.1095 e ss..
Já a ilicitude é um factor de variação directa com a sua gravidade. Tendo presente a diversidade de causas que podem gerar ilicitude do despedimento, uns serão “mais ilícitos que outros”.
No elenco e na ordenação das causas de ilicitude mencionadas no art. 381º do CT, prevêem-se, em primeiro lugar, despedimentos ilícitos porque assentes em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que encapotados (al. a). Seguem-se os despedimentos ilícitos cujo motivo foi julgado improcedente (al. b). Depois referem-se despedimentos sem processo disciplinar (al. c). Finalmente, prevê-se a falta de parecer prévio da entidade competente em matéria de igualdade de oportunidade entre homens e mulheres nos despedimentos de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador em gozo de licença parental inicial (al. d).
Pese embora a lei não classifique expressamente os casos de ilicitude mais graves, a expressão “grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º” aponta para a existência de uma hierarquia.
Também aprioristicamente, segundo o senso comum, será menos grave um despedimento que enferma apenas de vício processual e mais grave um despedimento discriminatório por motivos racistas ou políticos ou sem justa causa. Pelo meio poderão ser encontrados despedimentos em que o trabalhador cometeu uma infração, mas não tão suficientemente grave que seja proporcionado aplicar-lhe a sanção máxima. Sem prejuízo da ponderação concreta do caso controvertido.
No caso, segundo esta lógica, o autor ganhava acima da média (2.500€), logo a indemnização deve ser menor. O motivo da ilicitude radicou na improcedência do motivo invocado, assume ilicitude mais grave do que um simples defeito procedimental, logo o valor indemnizatório deve ser maior.
Na decisão recorrida fixou-se a indemnização em 30 dias com o que concordamos, dado o modo como funcionam e se combinam os dois critérios (retribuição alta e ilicitude maior) e porque da matéria provada não resultam circunstâncias que permitam fixar a indemnização perto do limite mínimo como pretende a empregadora.
De resto, a indemnização mínima deve ficar reservada, sobretudo, para os casos de irregularidade formal do despedimento (vg. falta de processo disciplinar) mas em que, na verdade, se vislumbram motivos substanciais para a cessação da relação laboral em razão de uma conduta de incumprimento contratual por parte do trabalhador.
Improcede a objecção.

Recurso do trabalhador

No que se refere à indemnização pelo despedimento ilícito que o trabalhador requer que seja fixado em 45 dias, concorda-se com o referido no parecer do Ministério Público:

“De acordo com o disposto no artigo 633º, nº1, do CPC, se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.
Ora, o trabalhador na reconvenção formulou o pedido de condenação do empregador no pagamento da indemnização pelo despedimento sem justa causa, correspondente a 30 dias de salário base e diuturnidades por cada ano de antiguidade, tendo na sentença essa indemnização sido calculada precisamente com base em 30 dias por cada ano.
Assim, para além de nessa parte não ter ficado vencido, não pode agora o trabalhador reclamar indemnização superior à que formulou, o que corresponderia à alteração do pedido.
Pelo que no que respeita à indemnização por antiguidade o recurso subordinado deverá ser considerado inadmissível.”
Acrescentamos que ainda que assim não fosse, tem-se por correcta a fixação de 30 dias, pelos motivos acima expostos e para os quais se remete.
Defende o trabalhador que deveria ter sido julgado procedente o pedido de indemnização quanto aos danos não patrimoniais.
Mas, basta ler a matéria provada para se concluir pela ausência de factos que suportem a procedência deste pedido. Ademais, o trabalhador não recorreu da matéria de facto.

Aliás, o autor nem sequer alegou tal matéria correctamente, tal como se refere na sentença a este propósito:
“Quanto aos danos não patrimoniais estabelece a al. a) do n.º 1 do art.º 389º do C. do trabalho que “sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado a indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados”.
Porém, para que haja lugar a essa condenação por danos não patrimoniais, é necessário que se considerem reunidos os pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, um comportamento ilícito da entidade patronal causador de dano não patrimonial de relevo, ou seja, um dano suficientemente grave para merecer a tutela do direito, a culpa e o nexo de causalidade entre o dano e o facto ilícito (art.ºs 483.º e 496.º do CC).
Em conformidade com os fundamentos supra expostos, é de concluir que o despedimento do trabalhador configura um comportamento ilícito e culposo por parte da empregadora.
Sucede, porém, que o trabalhador para fundamentar este pedido limitou-se a alegar o seguinte” a título de danos não patrimoniais, pela sanção abusiva e pelas condutas assediantes levadas a cabo pela R. no decurso do processo disciplinar, a indemnização no valor de 20.000,00€ (vinte mil euros)”.
Não alegando e, consequentemente, não provando quais os concretos danos que sofreu em consequência da alegada sanção abusiva e condutas assediantes do empregador, ou seja, não alegou nem provou um dos pressupostos da referida responsabilidade civil, pelo que por esse motivo o seu pedido nessa parte também terá de improceder. “

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento aos recursos da empregadora e do trabalhador, mantendo-se a decisão recorrida - 87º do CPT e 663º do CPC.
Custas a cargo da empregadora quanto ao recurso por si interposto.
Custas a cargo do trabalhador quanto ao recurso por si interposto.
Notifique.
23-09-2021

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins



1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC.
2. Que acrescem aos casos em que, sendo obrigatória a constituição de advogado, a parte está por si só e juízo -41º CPC.
3. Não obstante a lei determinar o efeito jurídico de suspensão do contrato de trabalho,