Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1488/17.6T8BRG-F. G1
Relator: FERNANDA PROENÇA FERNANDES
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
HIPOTECA
ALIMENTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE O RECURSO DO CREDOR
IMPROCEDENTE O RECURSO DA EXEQUENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CIVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I. O crédito reclamado e reconhecido ao Banco/apelante, estando garantido por hipoteca relativamente ao bem imóvel sobre que incide, goza de prevalência sobre o crédito da segurança social, que beneficia de privilégio imobiliário geral, devendo ser graduado com prioridade em relação a este.

II. O credor de alimentos, tem a faculdade de se poder fazer valer de uma hipoteca legal, para garantir o seu crédito, a qual pode incidir sobre qualquer bem do devedor, nos termos do artigo 705º, d) e do artigo 708º, ambos do Código Civil.

III. Ao credor de alimentos, está ainda aberta a possibilidade de constituir, pelo registo, uma hipoteca judicial sobre quaisquer bens do devedor de alimentos, nos termos e nas condições previstas no artigo 710º do Código Civil.

IV. O registo da hipoteca apresenta-se com natureza constitutiva, ou seja, a hipoteca não produz qualquer efeito, nem sequer inter partes, enquanto não se proceder à respectiva inscrição no registo.

V. Estando o crédito reclamado e reconhecido ao Banco/apelante, garantido por hipoteca relativamente ao bem imóvel sobre que incide, e beneficiando o crédito reclamado pela segurança social, de privilégio imobiliário geral, devem estes ser graduados com prioridade em relação ao crédito da exequente/apelante, garantido pela penhora, já que esta não procedeu ao registo da hipoteca.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

Por apenso à execução especial por alimentos, que com o nº 1488/17.6T8BRG.2, corre termos no Juízo de Família e Menores de (…), Juiz 1, Comarca de (…), em que é exequente (…) e executado (…), vieram o (…) e o Banco (…). reclamar créditos.

Foi proferida sentença, com a decisão, cujo teor se transcreve:

“…
Decisão:
Declaramos reconhecidos os créditos reclamados.
Graduamos os mesmos na seguinte ordem:
1º O crédito da SS.
2º O crédito do Banco ....
3º O crédito exequendo.
Custas pelo executado, a saírem precípuas.”
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O Banco ..., S.A., credor reclamante, interpôs recurso de tal decisão, e a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões:

“Conclusões:

1. – O Banco recorrente peticionou créditos no valor de 35.733,77 €.
2. – Tal crédito está garantido por hipoteca, registada pela Ap. 8 de 2003/02/19.
3. – A hipoteca, nos termos do artigo 686 do C. C., confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo.
4. – O Instituto da Segurança Social reclamou créditos relativos ao não pagamento das contribuições.
5. – Tal crédito tem privilégio imobiliário geral.
6. - Pelo que o crédito do recorrente, garantido por hipoteca, prefere ao crédito do Instituto da Segurança Social.
7. - O Tribunal Constitucional, nos acórdãos 362/2002 e 363/2002, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do art. 2º da Constituição, da norma constante do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80 de 9 de Maio na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à segurança social prefere à hipoteca, nos termos do 751º do C.C..
8. – Logo o privilégio imobiliário geral não beneficia de prioridade sobre a hipoteca.
9. – Devendo a graduação ser alterada, passando a ser graduado em primeiro lugar o aqui Banco recorrente e em segundo lugar o Instituto da Segurança Social.

Nestes termos e nos mais que V. Exas. suprirão deverá o presente recurso ser julgado procedente, alterando-se a douta sentença recorrida, e graduando-se o crédito do recorrente em 1º lugar, como é de JUSTIÇA.
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Também a exequente (…) , veio interpor recurso de tal decisão, terminando as suas alegações, com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

CONCLUSÕES:

1.- Estão em causa três créditos:

A) O crédito exequendo, que respeita a crédito por alimentos devidos pelo executado à ora recorrente;
B) O crédito do Instituto de Segurança Social, que respeita ao não pagamento de contribuição pelo executado, e
C) o crédito do Banco ... que respeita a um contrato de mútuo celebrado entre essa instituição Bancária e o executado e se encontra garantido por hipoteca voluntária sobre o imóvel penhorado nos autos, devidamente registada a favor daquele credor reclamante.
2.- De acordo com o disposto no art. 705º al.d) do Código Civil, o credor por alimentos, como é o caso da ora recorrente, goza de hipoteca legal, que, nos termos do art. 704º daquele diploma legal, resulta imediatamente da lei, desde que exista a obrigação a que serve de segurança e constitui-se ope legis, sendo o seu registo meramente declarativo e não obrigatório.
3.- Não tendo o executado mais bens imóveis susceptíveis de penhora – que se conheçam – o crédito exequendo, está garantido por hipoteca legal sobre os bens do executado e, mormente, sobre o bem penhorado nos autos.
4.- O Instituto de Segurança Social, reclamou créditos relativos ao não pagamento de contribuições, pelo que tal crédito goza de privilégio imobiliário geral.- cf. artºs. 2º do DL 512/76, de 03/07, 11º do DL 103/80, de 09/05 e actualmente no art. 205º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Providencial de Segurança Social aprovado pela Lei nº 110/2009 de 16/09, e artºs. 735º, 748, 751º do Código Civil.
5.- O Tribunal Constitucional veio a considerar inconstitucional, com força obrigatória geral as normas constantes do art. 11º do DL nº 103/80, de 9 de Maio e do art. 2º do DL nº 512/76, de 3 de Julho, quando interpretadas no sentido de que o privilégio imobiliário geral nelas conferido à segurança social prefere à hipoteca nos termos do art. 751º do CC, na redacção então vigente, anterior ao Dl 38/2003, essencialmente por violação dos princípios da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no art. 2º da Constituição da República.
6.- Os privilégios imobiliários gerais não beneficiam de prioridade sobre a hipoteca nem são, assim, oponíveis a terceiros titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente, ou seja, é-lhes aplicável o regime do art. 749º do CC e não o regime do art. 751º, do mesmo diploma, por se reportar apenas aos privilégios imobiliários especiais, natureza que aqueles não comportam.
7.- Face aos privilégios e que gozam cada um dos sobreditos créditos, o crédito do credor reclamante Instituto da Segurança Social tem que, obrigatoriamente ser graduado em último lugar, devendo ser alterada a graduação dos créditos nesse sentido.
8.- A obrigação geral e legal de alimentos, que pretende assegurar um nível de vida minimamente digno ao alimentando, decorre do conteúdo do direito à vida e à sobrevivência – art. 24º da CRP – e o dever de prestar alimentos baseia-se no direito à vida, sendo aquela obrigação repartida entre o Estado e a família.- artºs. 36º nº 5 e 69º nº 1 da CRP e art. 27º nº 2 da Convenção sobre os Direitos da Criança.
9.- Estando em causa créditos que gozam de privilégios equivalentes, importa aferir e ponderar a natureza dos próprios créditos, em ordem a salvaguardar na graduação a mesma ordem de importância social que ambos detêm.
10.- “Estando em causa direitos fundamentais colidentes, como sejam os que se relacionam com o princípio da confiança ínsito no Estado de Direito, no caso os créditos hipotecários e o direito à protecção do salário, situando-se este num patamar superior àqueloutro, por contender com o indeclinável direito a uma vida digna e ter mais que natureza patrimonial, uma insofismável natureza alimentar, visando a subsistência pessoal e quantas vezes familiar, é este que deve prevalecer, numa hierarquia de normas constitucionais” in Ac. STJ, proc. nº 168-A/1994.L1 de 11-09-2012, in www.dgsi.pt.
11.- O mesmo entendimento temos que perfilhar no que respeita aos créditos por alimentos, imprescindíveis para a vida do credor deles, e, assim sendo, não restam dúvidas que o crédito exequendo (de alimentos) prefere ao crédito hipotecário do Banco ....
12.- Em conformidade, deve a douta sentença de graduação de créditos ser alterada no sentido de passar a constar a seguinte graduação: Em primeiro lugar o crédito exequendo, em segundo lugar o crédito do Banco ..., em terceiro lugar o crédito do Instituto de Segurança Social.

Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequência, alterada a douta sentença recorrida, graduando-se o crédito da recorrente em primeiro lugar, em segundo lugar o crédito do Banco ..., e em terceiro lugar o crédito do Instituto de Segurança Social, como que se fará a habitual Justiça.”
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Não houve contra-alegações.
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Os recursos foram admitidos, como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes:

1) saber se o crédito hipotecário do Banco/apelante prevalece sobre o crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social;
2) saber se o crédito da exequente/apelante (crédito por alimentos) prevalece sobre os créditos reclamados quer pelo Banco/apelante, quer pelo Instituto de Segurança Social.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são os que decorrem do relatório supra.

Há ainda a considerar os seguintes factos, que resultam da prova documental dos autos:

1) A exequente, aqui apelante, intentou contra o executado incidente de incumprimento de alimentos com o nº 1488/17.6T8BRG-D, porquanto o mesmo não procedeu ao pagamento da quantia de € 21.044,33 a título de prestações de alimentos, já vencidas e a que estava obrigado por sentença homologatória de transacção proferida no processo principal.
2) Tal incumprimento foi declarado, por decisão proferida em 22/09/2017, já transitada em julgado.
3) Encontra-se registada a favor do Banco/apelante, pela ap.8 e com data de 19/02/2003, hipoteca voluntária sobre a fracção do executado, que foi penhorada na execução de que estes autos são apenso.
4) A penhora registada a favor da exequente/apelante, foi-o pela ap. 3054 de 15/05/2018.
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IV. Fundamentação de direito.

Delimitadas que estão, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de as apreciar.

Comecemos pela primeira, qual seja, saber se o crédito hipotecário do Banco/apelante prevalece sobre o crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social.

Mostra-se assente nos autos que o crédito do Banco/apelante está garantido por hipoteca sobre o imóvel penhorado e a única questão que este suscita é da oportunidade do seu pagamento no confronto com o crédito do Instituto da Segurança Social proveniente de contribuições.

Dispõe o art. 686º nº 1 do Código Civil, que “a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.

O crédito do Instituto de Segurança Social, por seu lado, no que para aqui importa (está em causa um bem imóvel), goza de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais, ou do contribuinte, à data da instauração do processo executivo, conforme, sucessivamente, consagrado nos arts. 2º do DL 512/76, de 03/07, 11º do DL 103/80, de 09/05 e 205º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Providencial de Segurança Social aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16/09.

Com efeito, o art. 11º do DL 103/80 dispunha que “os créditos pelas contribuições, independentemente da data da sua constituição, e os respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748º do Código Civil”.

E o art. 205º do CRCSPSS estabelece que “os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do contribuinte à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748º do Código Civil”.

Dispõe o art. 733º do Código Civil que: “Privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros”.

Por seu lado, resulta do disposto pelo artº 735º do Código Civil, que os privilégios creditórios são mobiliários ou imobiliários, que os privilégios mobiliários são gerais, se abrangem o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de acto equivalente e especiais se compreendem só o valor de determinados bens móveis e que os privilégios imobiliários, estabelecidos no Código são sempre especiais.

Ora, o privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do devedor, como é o caso do privilégio concedido por lei aos créditos por contribuições devidas à segurança social, porque não incidem sobre imóveis determinados (incidem sobre todos os existentes no património do devedor à data da instauração da acção executiva), não são privilégios imobiliários especiais.

Nesta medida, foi sendo colocada a questão de determinar qual o regime que lhes era aplicável, tendo esta merecido soluções divergentes na jurisprudência.

O Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre tal questão, designadamente no que respeita ao privilégio concedido às contribuições devidas à segurança social, veio a considerar inconstitucional, com força obrigatória geral as normas constantes do art. 11º do DL n.º 103/80, de 9 de Maio e do artº 2º do DL nº 512/76, de 3 de Julho, quando interpretadas no sentido de que o privilégio imobiliário geral nelas conferido à segurança social prefere à hipoteca nos termos do art. 751.º do Código Civil, na redacção então vigente, essencialmente por violação dos princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artº 2º da Constituição da República.

Entretanto, foi publicado o Dec. Lei 38/2003 de 8/3 que deu nova redacção aos artºs. 735º nº 3, 749º e 751º do Código Civil, passando este último artigo a dispor que os privilégios imobiliários especiais preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores, sendo que tal artigo (751º) na sua anterior redacção referia privilégios imobiliários e não privilégios imobiliários especiais.

Ao estabelecer-se nova redacção aos ditos artigos e principalmente ao art. 751º do Código Civil, aquele diploma veio excluir da previsão deste os privilégios imobiliários gerais.

Nesta medida, os privilégios imobiliários gerais, não são oponíveis a terceiros titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente, ou seja, é-lhes aplicável o regime do artº 749º do Código Civil e não o regime do artº 751º, do mesmo diploma legal, por se reportar aos privilégios imobiliários especiais, natureza que aqueles não têm.

No caso dos autos, o crédito reclamado e reconhecido ao Banco/apelante, estando garantido por hipoteca relativamente ao bem imóvel sobre que incide, goza de prevalência sobre o crédito da segurança social, que beneficia de privilégio imobiliário geral, devendo ser graduado com prioridade a este.

Procede, pois, o recurso do Banco/apelante.
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Passemos à segunda questão a decidir, qual seja a de saber se o crédito da exequente/apelante (crédito por alimentos) prevalece sobre os créditos reclamados quer pelo Banco/apelante, quer pelo Instituto de Segurança Social.

De harmonia com a sua forma ou título de constituição, a hipoteca diz-se legal, judicial ou voluntária (art. 703º do Código Civil).

A hipoteca é um direito real, e, de harmonia com o princípio da especialidade, ela é nula se não se individualizarem os bens sobre que incide (art. 716º do Código Civil).

A hipoteca legal, prevista nos artºs. 704º a 709º do Código Civil, é aquela que resulta directamente da lei, não dependendo, por isso, da vontade das partes e podendo constituir-se desde que exista a obrigação a que serve de garantia.

O art. 705º do Código Civil elenca quem são os credores beneficiários de hipotecas legais, prevendo na sua al. d), como tal, o credor por alimentos.

Tal hipoteca legal, a que alude a alínea d) do art. 705º do Código Civil, está consagrada para garantia dos alimentos que resultem da lei ou de negócio jurídico e que tenham por credor o menor ou qualquer outro sujeito, com ou sem capacidade jurídica.

Contudo, o direito real de garantia conferido à hipoteca, implica o respectivo registo para efeitos de eficácia em relação a terceiros, sendo que, no que respeita à hipoteca legal e judicial, o registo assume eficácia constitutiva.

Com efeito, resultando a hipoteca legal, como o próprio nome indica, da lei, esta apenas existe se o credor promover o registo da sua garantia (nesse sentido, Luís A. Carvalho Fernandes - Lições de Direitos Reais, 2ª Edição, Lisboa: Quid Iuris, 1997, p.143, que afirma que a hipoteca legal apenas existe se for registada pelo credor).

Como nos ensina Remédio Marques, in Algumas Notas Sobre Alimentos Devidos a Menores, 2ª ed., revista, Coimbra Editora, pág. 420 a 422., a lei coloca ao dispor do credor de alimentos, a faculdade jurídica de se poder fazer valer de uma hipoteca legal, para garantir o seu crédito, a qual pode incidir sobre qualquer bem do devedor, nos termos do artigo 705º, d) e do artigo 708º, ambos do Código Civil, contanto que a obrigação de alimentos exista. O registo serve para individualizar os bens sobre que recaia a hipoteca legal.

Diz-nos ainda o mesmo autor que ao credor de alimentos, está também aberta a possibilidade de constituir, pelo registo, uma hipoteca judicial sobre quaisquer bens do devedor de alimentos, nos termos e nas condições previstas no artigo 710º do Código Civil.

Aqui a hipoteca judicial baseia-se numa sentença que condena o devedor no cumprimento de uma obrigação, criando, simultaneamente, como garantia a favor do credor um direito de registar, sobre os bens do devedor condenado, uma hipoteca.

Esta hipoteca judicial advém da conjugação da vontade do credor (que se traduz no registo) com a existência da sentença condenatória a seu favor.

Assim, tal como nas hipotecas legais, o registo que se faculta ao beneficiário da sentença em causa, é constitutivo.

No caso dos autos, a exequente goza de uma hipoteca que, além de ser legal é também judicial.

Contudo, sendo a exequente/apelante a credora de alimentos, competia-lhe dar cumprimento ao estabelecido nos artºs. 2º, nº1, al. h) e 96º, ambos do Código de Registo Predial, ou seja, promover ao registo da hipoteca legal (ou judicial), procedendo à indicação dos bens sobre que a hipoteca deve recair bem como do montante ou quantia máxima a assegurar.

Ora, não resulta da matéria assente que a exequente/apelante o tenha feito, pois que se não mostra registada qualquer hipoteca a seu favor sobre o imóvel penhorado.

E não tendo procedido a esse registo, não pode agora fazer-se valer de tal hipoteca.

Com efeito, a produção dos efeitos da hipoteca, quer perante terceiros, quer perante as partes, depende de registo, apresentando-se o mesmo com natureza constitutiva, ou seja, a hipoteca não produz qualquer efeito, nem sequer inter partes, enquanto não se proceder à respectiva inscrição no registo.

Trata-se, assim, de uma excepção ao princípio primordial de que o registo visa apenas publicitar perante terceiros os actos sujeitos a registo, já que aqui tem uma função constitutiva do próprio direito real de garantia (artigo 687.º do Código Civil e artigos 2.º, n.º 1, alínea h) e 5.º, n.º 1 do Código de Registo Predial).

Assim, a hipoteca só produz efeitos – quaisquer efeitos – depois de registada, sendo portanto, um direito real sujeito a publicidade registral constitutiva.

Face ao que acaba de se expor, e considerando que a exequente/apelante não procedeu ao registo da hipoteca legal ou judicial de que goza, não se constituiu este seu direito real de garantia, e assim sendo, apenas goza da penhora registada sobre o bem em causa.

Nesta medida, estando o crédito reclamado e reconhecido ao Banco/apelante, garantido por hipoteca relativamente ao bem imóvel sobre que incide, e beneficiando o crédito reclamado pela segurança social, de privilégio imobiliário geral, devem estes ser graduados com prioridade em relação ao crédito da exequente/apelante, garantido pela penhora, já que esta não procedeu ao registo da hipoteca.

Improcede, pois, o recurso da exequente/apelante.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):
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V. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação do Banco ..., S.A, e improcedente a apelação da exequente A. S., e, em consequência alterar a decisão recorrida, nos seguintes termos:

“Graduam-se os créditos pela seguinte ordem:
1º - O crédito do Banco ..., S.A.
2º - O crédito do Instituto da Segurança Social.
3º - O crédito exequendo.”
As custas da apelação da exequente ficam a seu cargo, sem prejuízo da protecção jurídica de que beneficia; e as custas da apelação do Banco ... ficam a cargo do executado.
Guimarães, 24 de Abril de 2019

Fernanda Proença Fernandes
Heitor Gonçalves
Maria Conceição Bucho

(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico com excepção das “citações” efectuadas que o sigam)