Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
871/20.4T8VCT.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: DELIBERAÇÕES
SOCIEDADE
ANULAÇÃO
DESTITUIÇÃO DE SÓCIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

- As deliberações da sociedade que não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação, são anuláveis, e nos termos do artigo 59º do Código da Sociedades Comerciais a proposição da acção de anulação tem de ser proposta nos 30 dias contados a partir da data em que o sócio teve conhecimento da deliberação, - alínea c) do artigo 59º.
- A anulabilidade pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente.
- Sendo uma sociedade apenas com dois sócios a acção tem obrigatoriamente que ser intentada por um sócio contra o outro, pelo que o que foi decidido numa anterior acção de destituição de sócio e aí acordado numa transacção definiu a situação entre os sócios e tem relevância nestes autos.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I -Xfogo, Ld.ª instaurou a presente acção comum sob a forma de processo comum contra J. F. [atendendo aos termos de prosseguimento dos autos definidos pelo despacho saneador proferido aos 24.09.2020], pedindo: (a) que se declare nula e de nenhum efeito a decisão/deliberação do 1º Réu de retirar a quantia de € 40.000,00 da conta da sociedade para a fazer sua imputando tal retirada a distribuição antecipada de lucros; (b) que se condene o réu J. F. a devolver à A. a referida quantia de € 40.000,00, acrescido de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.---
Alega, para tanto e em síntese, que: a Autora é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica ao comércio a retalho de material contra incêndio, de proteção individual e sinalização de segurança, comércio por grosso de material contra incêndio de proteção individual e sinalização de segurança e assistência a material contra incêndio, e instalações sem qualificação específica, sistemas de extinção de incêndios, segurança de deteção; o Réu foi durante vários anos sócio e gerente da Autora, tendo cessado funções de gerência em 03.07.2019 e cedido a sua quota a F. S., desvinculando-se definitivamente da mesma, em 05.08.2019, o que aconteceu em resultado de transação obtida no âmbito do processo de suspensão ou destituição de titular de órgãos sociais n.º 1735/19.0T8VCT que correu termos no Juízo de Comércio de Viana do Castelo, acordo esse que foi homologado por sentença já transitada em julgado; a gerência da sociedade Autora foi exercida pelos sócios F. S. e J. F., sendo que para obrigar a referida sociedade era suficiente a assinatura de um gerente; no dia 20.05.2019, pelas 22:53 horas, o Réu, enquanto gerente da Autora, transferiu da conta daquela sociedade a quantia de € 40.000,00 para uma conta pessoal, quantia que fez sua, atribuindo-lhe a designação de “antecip distribuição lucros 2018 FC”; o que fez sem o conhecimento e o consentimento do (outro) sócio e gerente F. S.; na referida data, ainda não estavam fechadas as contas do exercício do ano de 2018 da sociedade Autora, não haviam sido ainda aprovadas as contas relativas ao exercício do ano de 2018 e não tinha sido efetuada qualquer deliberação dos sócios em Assembleia Geral; tal distribuição de lucros não foi decidida em assembleia geral nem teve, como não tem, o acordo do (outro) sócio e gerente F. S.; o adiantamento de lucros não está consagrado no contrato da sociedade Autora; a Autora, na pessoa do sócio e gerente F. S. interpelaram por diversas vezes o Réu para devolver o valor de € 40.000,00 à sociedade, o que este recusa fazer não obstante reconhecer que tal quantia lhe não pertence.--
*
Regularmente citado, o Réu contestou, alegando, para o efeito e em síntese, que: é verdade que, no dia 20/05/2019, o Réu, por sua iniciativa enquanto sócio da Autora e a título de adiantamento de lucros quanto ao exercício do ano de 2018, transferiu a quantia € 40.000,00 da conta da sociedade para a sua conta pessoal e outra quantia igual para a conta pessoal de F. S.; é certo, ainda, que não foi convocada assembleia-geral dos sócios para a tomada desta deliberação, nem a possibilidade de adiantamento de lucros se encontra contemplada no contrato da sociedade; contudo, contrariamente ao alegado pela Autora, o Réu deu conhecimento dessas transferências ao seu sócio e, se o agora sócio único formalmente se opôs a essa divisão, a verdade é que ele não devolveu o dinheiro à sociedade; acresce que os movimentos financeiros em questão não prejudicaram, em nada, os interesses da Autora, não passando de um mero adiantamento sobre a divisão dos lucros do ano anterior, lucros esses que, atenta a qualidade de sócio do 1.º R. no ano de 2018, lhe cabiam por direito e cujo montante nunca seria inferior àqueles € 40.000,00; na verdade, a Autora continuou a honrar todos os seus compromissos para com terceiros (funcionários e fornecedores), bem como as suas obrigações fiscais e tributárias; a deliberação tomada pelo Réu de antecipação de lucros é efectivamente desconforme com os ditames legais relativos à sua forma e com o contrato social da Autora, designadamente por não ter sido procedida da realização da devida assembleia-geral; paralelamente, é certo que por email de 21/05/2019, F. S. declarou não aceitar a distribuição de lucros operada, todavia nunca procedeu à devolução desse montante à Autora, fazendo sua a quantia de € 40.000,00 que dizia não querer receber; mais se diga que, aquando da celebração do acordo de cessão de quotas firmado no âmbito do processo n.º 1735/19.0T8VCT, a 03/07/2019 (mais de um mês após as transferências de lucros focadas) ficou estipulado na sua cláusula 15.ª que “com o cumprimento do presente acordo ambos declaram que nada mais têm a reclamar um do outro”; por outro lado, na cláusula 10.ª desse documento fixou-se que, com a outorga do contrato definitivo de cessão de quota, F. S. (forçosamente na qualidade de sócio único da A.) exonerava o Réu de todas e quaisquer responsabilidades para com a sociedade Autora; ora, tendo-se dado por quitado, aquele F. S. demonstrou ter abdicado de ver restituído à Autora o montante de € 80.000,00 distribuído pelo Réu; de igual modo, ao avaliar o valor da sociedade e consequentemente o preço a pagar pela quota que pertencia àquele Réu, foi tida em consideração a situação da empresa, nomeadamente, que aqueles lucros já haviam sido distribuídos.

Os autos prosseguiram e, efectuado o julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu:

Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal a presente acção totalmente improcedente, termos em que decide absolver o réu J. F. do pedido contra si formulado por Xfogo, Ld.ª.-

Inconformada a autora interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:
1ª. - O que trata o presente processo é a de 40.000 euros pelo então gerente J. F. 20.05.2019, pelas 22:53 horas de destituição de gerente do Réu, e da nulidade da decisão/deliberação unilateral do Réu enquanto gerente:
2ª. - não se trata da nulidade ou anulabilidade assembleia geral da Ré (porque esta não existe);
3ª. - A alegada distribuição de lucros não cabe nos poderes de gerência do Réu sendo que essa além do mais, por violar o disposto no art. 297º CSC.
4ª. – E por, na referida data, ainda não esta exercício do ano de 2018 da sociedade Autora, não haviam sido ainda aprovadas as contas relativas ao exercício do ano de 2018 e não tinha sido efetuada qualquer deliberação dos sócios em Assembleia Geral
5ª. - No processo de suspensão n.º 1735/19.0T8VCT – gerente do Réu e a transmissão da sua quota ficaram sanados todas e quaisquer ilegalidades ou apropriação indevida de fundos da própria sociedade Xfogo, Lda. em causa;
7ª. - Em momento algum do referido acordo a A. está presente ou indirectamente – respectivas quotas.
8ª. - A cláusula 15ª do acordo em que “com o cumprimento do presente acordo ambos declaram que nada mais têm a reclamar um do outro”é clara no sentido em que, o então A. F. S. e o então Réu J. F., nada têm a reclamar sociedade Xfogo, Lda.
9ª. - Salvo o devido respeito, o tribunal não pode ir além do que consta do referido acordo, prejudicando os interesses da A..
10ª. - Daí que este Venerando Tribunal tenha de conhecer o pedido formulado pela A. e julgar a acção restituir à A. a referida quantia de 40.000 euros.
11ª. - O tribunal “a quo” violou, além do mais, o disposto artigos 246º, nº 1, al. e) , 54º, nº 1, 247º, nº 1 e 248º CSC

O recorrido apresentou contra-alegações nas quais concluiu do seguinte modo:

I.- Nos anos de 2017 e 2018, a aqui Recorrente obteve resultados positivos de mais de 127.000,00 € líquidos, sendo que 85,24% desse valor foi realizado em 2018 (melhor ano de sempre da empresa em termos financeiros);
II.- Neste contexto e com o intuito de ver pelo menos amortizada a dívida que F. S. tinha para consigo, no início do ano de 2019, o Recorrido abordou diversas vezes aquele sobre a necessidade de proceder à efetiva divisão de lucros gerados pela sociedade;
III.- Perante a posição de bloqueio do seu sócio, no dia 20/05/2019, o Recorrido, por sua iniciativa enquanto sócio da Recorrente (como decorre da matéria dada como provada no ponto 3.2) e a título de adiantamento de lucros quanto ao exercício do ano de 2018, transferiu a quantia 40.000,00 € (quarenta mil euros) da conta da sociedade para a sua conta pessoal e outra quantia igual para a conta pessoal de F. S.;
IV.- A deliberação de distribuição antecipada de lucros por parte de um Sócio, não foi precedida da realização da devida assembleia-geral – cfr. artigo 31.º, n.º 1 do CSC. 7;
V.- Movemo-nos no âmbito de norma referente ao processo de formação da deliberação e, por conseguinte, uma falha não reportada, neste aspeto, ao próprio conteúdo da deliberação tomada pelo Recorrido enquanto sócio;
VI.- Os interesses que se acautelam com a imposição da realização daquela assembleia-geral são somente os dos sócios, sendo que, no caso concreto desta distribuição de lucros, existentes e distribuídos por uma empresa com uma boa situação financeira, tal não se mostra apto a afetar quaisquer terceiros;
VII.- Por email de 21/05/2019, F. S. declarou não aceitar a distribuição de lucros operada, todavia nunca procedeu à devolução desse montante à Xfogo, fazendo sua a quantia de 40.000,00 € que dizia não querer receber;
VIII.- Aquando da celebração do acordo de cessão de quotas firmado no âmbito do processo n.º 1735/19.0T8VCT, a 03/07/2019, (mais de um mês após as transferências de lucros focadas), em momento em que ambos litigavam com a subjacente qualidade de sócio da Xfogo, ficou estipulado na sua cláusula 15.ª que, “Com o cumprimento do presente acordo ambos declaram que nada mais têm a reclamar um do outro”;
IX.- Já na cláusula 10.ª desse documento fixou-se que, com a outorga do contrato definitivo de cessão de quota, F. S. (forçosamente na qualidade de sócio único da A.) exonerava o Recorrente (também enquanto sócio forçosamente) de todas e quaisquer responsabilidades para com a sociedade Recorrente;
X.- A matéria de distribuição de lucros, é algo que afeta diretamente os rendimentos dos sócios e é decidida por estes. A conjugação do disposto no artigo 2.º, 31.º, n.º 1 e 297.º todos do CSC admite esta deliberação por aplicação subsidiária das normas aplicáveis às sociedades anónimas;
XI.- Tendo-se dado por quitado nos termos daquela transação, atenta a subjacente qualidade de sócios, aquele F. S. demonstrou ter abdicado de ver restituído à Recorrente o montante de 80.000,00 € distribuído pelo Recorrido;
XII.- Ao avaliar o valor da sociedade e consequentemente o preço a pagar pela quota que pertencia ao Recorrido, imperativamente foi tida em consideração a situação da empresa, nomeadamente, que aqueles lucros já haviam sido distribuídos;
XIII.- Nada se definindo quanto a esses lucros naquele acordo, tendo pelo mesmo as partes (como sócios realce-se) dado quitação uma à outra e não tendo, àquela data, sido devolvido quaisquer dos lucros distribuídos, ter-se-á de considerar que o Recorrido e F. S. avaliaram e fixaram o valor da empresa desconsiderando já esses lucros;
XIV.- Em sede de audiência de julgamento o ora representante legal da Recorrente não logrou rebater o sentido do acordo que ao Recorrido nada não seria exigido pela sociedade e pelo próprio;
XV.- Em momento posterior ao da distribuição dos lucros, e contrariamente ao que havia escrito no seu email de 21/05/2019, aquele F. S. aceitou assim a operação ordenada pelo Recorrido;
XVI.- O vício/irregularidade de não convocação da assembleia-geral não influenciou o teor final da deliberação tomada, a qual mereceu o consentimento final de ambos e únicos sócios, tudo se passando como tendo sido tomada em assembleia geral;
XVII.- Caso se entenda que aquela irregularidade permaneceu não sanada, à mesma nunca seria aplicável o regime da nulidade mas sim a anulabilidade, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 58.º do CSC;
XVIII.- Não tendo a Recorrente ou o seu sócio F. S., em conformidade com o artigo 59.º do CSC, proposto a competente ação judicial de anulação de deliberação dentro do prazo legal de 30 dias, contados desde o dia de tomada de conhecimento da deliberação a impugnar (21/05/2019), dever-se-á considerar que lhes é agora vedado arguir esta causa de anulabilidade;
XIX.- Atento o confronto existente entre o referido nos pontos 3.2 e 3.5 da matéria de facto dada como provada, deverá ser dada uma nova redação ao ponto 3.5, com este ou semelhante teor, mantendo-se quanto ao mais: “No dia 20.05.2019, pelas 22:53 horas, o Réu, enquanto sócio-gerente da Autora, transferiu da conta daquela sociedade a quantia de € 40.000,00 para uma conta pessoal, quantia que fez sua, atribuindo-lhe a designação de “antecip distribuição lucros 2018 FC”.

NESTES TERMOS e nos melhores de direito aplicáveis, requer-se a V. Exas. que se dignem julgar improcedente, por não provado, o presente recurso, mantendo-se, por conseguinte, a douta sentença recorrida.
Em via subsidiária, por via da requerida ampliação do objeto do recurso, requer-se a V/Exas. que se dignem ordenar que no ponto 3.5 onde na douta sentença onde se lê
No dia 20.05.2019, pelas 22:53 horas, o Réu, enquanto gerente da Autora, transferiu da conta daquela sociedade a quantia de € 40.000,00 para uma conta pessoal, quantia que fez sua, atribuindo-lhe a designação de “antecip distribuição lucros 2018 FC” se passe a ler “No dia 20.05.2019, pelas 22:53 horas, o Réu, enquanto sócio-gerente da Autora, transferiu da conta daquela sociedade a quantia de € 40.000,00 para uma conta pessoal, quantia que fez sua, atribuindo-lhe a designação de “antecip distribuição lucros 2018 FC”

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

Em 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:

3.1. A A. é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica ao comércio a retalho e material contra incêndio, de proteção individual e sinalização de segurança, comércio por grosso de material contra incêndio de proteção individual e sinalização de segurança e assistência a material contra incêndio, e instalações sem qualificação específica, sistemas de extinção de incêndios, segurança de deteção.---
3.2. O Réu J. F. foi durante vários anos sócio e gerente da Autora, tendo cessado funções de gerência em 03.07.2019 e cedido a sua quota a F. S., desvinculando-se definitivamente da mesma, em 05.08.2019, o que aconteceu em resultado de transação obtida no âmbito do processo de suspensão ou destituição de titular de órgãos sociais n.º 1735/19.0T8VCT que correu termos no Juízo de Comércio de Viana do Castelo, acordo esse que foi homologado por sentença já transitada em julgado.---
3.3. A gerência da sociedade Autora foi exercida pelos sócios F. S. e J. F..--
3.4. Para obrigar a referida sociedade era suficiente a assinatura de um gerente.---
3.5. No dia 20.05.2019, pelas 22:53 horas, o Réu, enquanto gerente da Autora, transferiu da conta daquela sociedade a quantia de € 40.000,00 para uma conta pessoal, quantia que fez sua, atribuindo-lhe a designação de “antecip distribuição lucros 2018 FC”.---
3.6. Na mesma data, o Réu transferiu igual quantia de € 40.000,00 da conta da sociedade para a conta pessoal de F. S..---
3.7. O que foi levado a cabo sem o prévio conhecimento ou consentimento do também sócio e gerente F. S..---
3.8. Na referida data, ainda não estavam fechadas as contas do exercício do ano de 2018 da sociedade Autora, não haviam sido ainda aprovadas as contas relativas ao exercício do ano de 2018 e não tinha sido efetuada qualquer deliberação dos sócios em Assembleia Geral.---
3.9. Por email datado de 21/05/2019, F. S. remeteu um email declarando não aceitar a distribuição de lucros operada.---
3.10. O adiantamento de lucros não se encontra consagrado no contrato da sociedade Autora.---
3.11. Os movimentos financeiros em questão não prejudicaram, em nada, os interesses da Autora.---
3.12. A Autora continuou a honrar todos os seus compromissos para com terceiros (funcionários e fornecedores), bem como as suas obrigações fiscais e tributárias.---
3.13. Aquando da celebração do acordo de cessão de quotas firmado no âmbito do processo n.º 1735/19.0T8VCT, a 03/07/2019 ficou estipulado na sua cláusula 15.ª que “com o cumprimento do presente acordo ambos declaram que nada mais têm a reclamar um do outro”.---
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B) Da matéria de facto não provada

Os factos não provados, com interesse para a decisão da causa, são os seguintes:--- a) A Autora, na pessoa do sócio e gerente F. S. interpelaram por diversas vezes o Réu para devolver o valor de € 40.000,00 à sociedade, o que este recusa fazer não obstante reconhecer que tal quantia lhe não pertence.---
b) Na sequência do descrito em 3.6., F. S. nunca procedeu à devolução do referido montante à Autora.---
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Com o presente recurso a apelante pretende que a sentença recorrida seja revogada e que seja decidido que o apelado tem de devolver a quantia que retirou enquanto gerente da autora.

Dispõe o artigo 246º, n.º 1 alínea e) do Código das Sociedades Comerciais que

1 - Dependem de deliberação dos sócios os seguintes actos, além de outros que a lei ou o contrato indicarem:
e) A aprovação do relatório de gestão e das contas do exercício, a atribuição de lucros e o tratamento dos prejuízos;
Conforme decorre da matéria de facto o apelado para além de gerente da apelante era também sócio da mesma .

Por sua vez dispõe o artigo 248º do mesmo código que:
1 - Às assembleias gerais das sociedades por quotas aplica-se o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado para aquelas.
2 - Os direitos atribuídos nas sociedades anónimas a uma minoria de accionistas quanto à convocação e à inclusão de assuntos na ordem do dia podem ser sempre exercidos por qualquer sócio de sociedades por quotas.
3 - A convocação das assembleias gerais compete a qualquer dos gerentes e deve ser feita por meio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de quinze dias, a não ser que a lei ou o contrato de sociedade exijam outras formalidades ou estabeleçam prazo mais longo.
4 - Salvo disposição diversa do contrato de sociedade, a presidência de cada assembleia geral pertence ao sócio nela presente que possuir ou representar maior fracção de capital, preferindo-se, em igualdade de circunstâncias, o mais velho.
5 - Nenhum sócio pode ser privado, nem sequer por disposição do contrato, de participar na assembleia, ainda que esteja impedido de exercer o direito de voto.
6 - As actas das assembleias gerais devem ser assinadas por todos os sócios que nelas tenham participado.

Como decorre dos autos não houve qualquer assembleia para a deliberação da sociedade no sentido de distribuição de lucros, sendo essa deliberação apenas tomada por um dos sócios, pois que efectivamente o apelado para além de gerente era sócio da apelante, que no caso tinha como únicos sócios o apelado e F. S..
Apesar de no ponto n.º 3,5 se referir que o apelado agiu na qualidade de gerente, o certo é que, como consta do ponto n.º 3.2 o mesmo era sócio da apelante, sendo as quotas divididas em pates iguais pelos dois sócios, conforme resulta de todos os documentos constantes dos autos.

De acordo com o disposto no artigo 58º do C.S.C

1 - São anuláveis as deliberações que:

a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade;
b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;
c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.
2 - Quando as estipulações contratuais se limitarem a reproduzir preceitos legais, são estes considerados directamente violados, para os efeitos deste artigo e do artigo 56.º
3 - Os sócios que tenham formado maioria em deliberação abrangida pela alínea b) do n.º 1 respondem solidariamente para com a sociedade ou para com os outros sócios pelos prejuízos causados.
4 - Consideram-se, para efeitos deste artigo, elementos mínimos de informação:
a) As menções exigidas pelo artigo 377.º, n.º 8;

b) A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.

Deste modo, a referida deliberação do sócio gerente pode ser anulável.
Como se decidiu na sentença recorrida a presente acção foi instaurada fora do prazo.

Com efeito dispõe o artigo 59º do Código das Sociedades Comerciais que :

1 - A anulabilidade pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente.
2 - O prazo para a proposição da acção de anulação é de 30 dias contados a partir:
a) Da data em que foi encerrada a assembleia geral;
b) Do 3.º dia subsequente à data do envio da acta da deliberação por voto escrito;
c) Da data em que o sócio teve conhecimento da deliberação, se esta incidir sobre o assunto que não constava da convocatória.

No caso, eram sócios apenas o apelado e F. S.. A deliberação foi tomada apenas pelo apelado.

Tendo em conta a data da propositura da acção é manifesta a sua intempestividade, uma vez que o conhecimento da deliberação ocorreu em 21/05/2019 e a providência cautelar que antecedeu a presente acção foi apresentada em 26/09/2019.
Também e como consta da matéria de facto provada, por email datado de 21/05/2019, F. S. remeteu um email declarando não aceitar a distribuição de lucros operada.
No entanto, não consta provado que tal quantia tivesse sido devolvida à apelante.
Ocorre, no caso dos autos, que após a retirada da quantia de € 40.000,00 ambos os sócios da apelante e nessa qualidade efectuaram uma transacção no processo n.º 1735/19.0T8VCT a 03/07/2019.
Esta acção foi instaurada pelo sócio F. S. contra o agora apelado, sendo aí peticionado a destituição e suspensão provisória de gerente do agora apelado.
Nessa transacção foi acordado uma cessão de quotas na qual o apelado cedia ao outro sócio da apelante a sua quota, ficando este o único sócio.
Naquela transacção ambos os sócios acordaram que com o cumprimento do acordo nada mais têm a reclamar um do outro.
Ora, independentemente da apelante ser uma entidade jurídica diferente do sócio, o certo é que não pode deixar de ter relevância a transacção efectuada naquela acção.
E isto porque se trata de uma sociedade por quotas constituída apenas por dois sócios.
Conforme dispõe o n.º 5 do artigo 257.º do CSC que “se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pelo tribunal pode ser decidida em ação intentada pelo outro”.
O legislador optou por submeter à jurisdição dos tribunais o exercício da destituição de gerente nas sociedades por quotas compostas por apenas dois sócios. O propósito desta norma é, precisamente, o de afastar a possibilidade de um dos dois sócios exercer um direito potestativo extintivo que, por defeito, sempre deveria ser exercido pelos dois, conjuntamente.
E o que se verifica é que a regra geral do artigo 246.º, n.º 1, c) CSC, segundo a qual cabe aos sócios deliberar sobre “a exclusão dos sócios”, é derrogada pela regra especial do artigo 257.º, n.º 5 CSC, aplicada por analogia às sociedades por quotas com apenas dois sócios.
Sendo assim, a transacção tem relevância tal como entendeu o tribunal recorrido, uma vez que a acção tinha obrigatoriamente que ser intentada por um sócio contra o outro e tudo o que aí foi decidido ou acordado definiu a situação entre os sócios e tem relevância nestes autos.
Seja como for não tendo a acção sido instaurada nos 30 dias subsequentes à deliberação é manifestamente intempestiva a arguição da anulabilidade da decisão.
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No que concerne à matéria de facto o apelado veio requerer a ampliação do recurso e ao abrigo do artigo 614º do Código de Processo Civil pediu a rectificação do ponto 3.5 dos factos provados da sentença, para que da mesma ficasse a constar que o mesmo procedeu à distribuição dos lucros na qualidade também de sócio.
A ampliação do âmbito do recurso pelo recorrido prevista no artigo 636º do CPC é subsidiária relativamente à procedência do recurso interposto pela parte contrária.
A ampliação do recurso, prevista neste artigo destina-se a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer do fundamento da acção ou da defesa em que a parte vencedora decaiu (nº1) ou da nulidade da sentença ou da impugnação da matéria de facto (nº2), desde que o recorrido formule tal pretensão na respectiva alegação.
A ampliação do âmbito do recurso pelo recorrido é subsidiária relativamente à procedência do recurso interposto pela parte contrária.
Se o recorrente não obtém vencimento no recurso, antes a decisão é confirmatória da recorrida, embora por fundamentos que não coincidem com os alegados pelo recorrido não pode este ver aqueles fundamentos apreciados pelo Tribunal Superior, faltando-lhe, em consequência, a legitimidade para recorrer.
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III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 13 de Julho de 2021