Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1183/20.9T8VCT.G1
Relator: JÚLIO PINTO
Descritores: TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
VÍCIO ARTº 410º
Nº 2
B) DO CPP
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONDENAÇÃO DO ARGUIDO
ARTS 25.º
AL. A)
E 40º DO D.L. N.° 15/93
DE 22/01.
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador. Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência – art.º 163.º do CPP. II) O juízo contido no parecer dos peritos, pode ser ultrapassado em termos de valoração por outros meios de prova a que tenham sido atribuídos créditos bastantes para afastar aquele resultado pericial, para o neutralizar. Mas para não valorar o resultado desse juízo técnico, científico, o tribunal tem o dever de fundamentar a divergência, assentando em razões científicas, com apelo aos conhecimentos materiais supostos na perícia.
III) A mera afirmação do arguido que a quantidade que detinha apenas lhe bastaria para o seu consumo durante 8 dias não basta para afastar a força da prova pericial contida nos exames realizados.
IV) Constando do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre a matéria de facto, pode o tribunal modificar a mesma e decidir da causa, nos termos dos artigos 426º, nº 1 e 431º al. a) do Código Processo Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência no Tribunal da Relação De Guimarães

I – RELATÓRIO:

No âmbito do processo nº 1183/20.9T8VCT, com intervenção do Tribunal Coletivo, foram julgados os arguidos R. T., V. L., T. M. e A. E., tendo sido proferido acórdão que:

Absolveu
- O arguido A. E. da prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. art. 25º, al. a) do D.L. 15/93, de 22/01, por que estava acusado;

Condenou:
- O arguido R. T. como autor de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. art.25º/a) DL 15/93, de 22Jan, na pena de 6 (seis) meses de prisão. A pena de prisão é substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade e sujeita a regras de conduta nos termos descritos;
- O arguido V. L. como autor de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. art.25º/a) DL 15/93, de 22Jan, na pena de 9 (nove) meses de prisão. A pena de prisão é substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade e sujeita a regras de conduta nos termos descritos;
- O arguido T. M. como autor de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. art.25º/a) DL 15/93, de 22Jan, na pena de 8 (oito) meses de prisão. A pena de prisão é substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade e sujeita a regras de conduta nos termos descritos;
*
Inconformado com tal decisão, o Ministério Público recorreu da decisão proferida na parte em que absolveu o arguido A. E. da autoria de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. art.25º/a) DL 15/93, de 22Jan, por que estava acusado, nos seguintes termos:

Concluindo (Transcrição)
«CONCLUSÕES:

1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido, que absolveu o arguido A. E. como autor de um crime de Tráfico de Menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, al. a) do DL 15/93, de 22/01.
2. Discorda o recorrente da posição do Tribunal a quo de afastar o valor de prova pericial ao exame laboratorial ao produto estupefaciente apreendido apenas com base nas declarações do arguido.
3. Pelo que existe contradição insanável na fundamentação, entre o Facto Provado 7, al. a) e o Facto 12 (art. 410º, n.º 1, al. b) do CPP).
4. Facto 7: Os produtos estupefacientes apreendidos supra referidos foram sujeitos a exames periciais, os quais revelaram:

Produto estupefaciente apreendido a A. E.:
a) MDMA, com o peso bruto de 2,737g, com um grau de pureza (%) de 77,6 (THC) e suficiente para 16 doses.
5. Facto 12: O produto estupefaciente apreendido ao arguido A. E. (conforme indicado em 4 e 7) era destinado ao seu consumo próprio e seria consumido num período não superior a 8 dias.
6. Só na ausência de adequados exames laboratoriais que determinem qual a percentagem do princípio activo contido na substância apreendida é que Tribunal a quo podia afastar o recurso à tabela constante da citada Portaria n.º 94/96, de 22/01, o que não é o caso dos autos, onde se apurou o peso líquido, grau de pureza e número de doses.
7. Os limites fixados na referida tabela têm um valor de meio de prova, a apreciar nos termos de prova pericial, o que significa que o juízo a fazer sobre a suficiência ou insuficiência desses limites se presume subtraído à livre apreciação do julgador, devendo este fundamentar qualquer divergência desse juízo – art. 71º, n.º 3 do DL 15/93, de 22/01 e arts. 127º e 163º, n.º 1 e 2 do CPP.
8. Não basta as declarações do arguido, a afirmar ser consumidor e destinar aquele produto, exclusivamente, ao seu consumo e que aquela quantidade não chegaria para mais de 8 dias do seu consumo, para, sem quaisquer outros elementos de prova que as corroborem, afastar o valor da prova pericial.
9. O crime de Tráfico pune a mera detenção, não exigindo a prova de venda ou cedência a terceiros, circunstâncias que a serem provadas ou não provadas apenas devem influenciar o quantum da pena.
10. Pelo que o douto acórdão recorrido violou, no nosso entendimento, os arts. 25º e 71º, n.º 3 do DL 15/93, de 22/01 e os arts. 127º, 163º, n.º 1 e 2 e 410º, n.º 1, al. b), do C. Processo Penal.
*
Nesta medida, revogando o douto acórdão recorrido na parte que absolveu o arguido A. E. e substituindo-o por outro que o condene pelo crime de Tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, al. a), do DL 15/93 de 22/01, farão V. Exas., a costumada e esperada
JUSTIÇA.»
*
Na 1ª instância não foi apresentada qualquer resposta ao recurso interposto.
*
Neste tribunal de Recurso a Exma. Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer, no qual corrobora a posição do recorrente e defende a procedência do recurso.
*
*
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código Processo Penal, não foi apresentada resposta.
*
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do CPP.

II – FUNDAMENTAÇÃO:

1 Delimitação do Objeto do Recurso

Como é pacífico (Cf. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – como sejam a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art. 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do art. 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código – é pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites de cognição do tribunal superior.

Posto isto, atenta a conformação das conclusões formuladas pelo recorrente, a questão suscitada no recurso prende-se com:

– Vício da decisão – Contradição Insanável da Fundamentação ou Entre a Fundamentação e a Decisão

Vejamos então a decisão recorrida:
(…)”
FUNDAMENTOS

1. FACTOS
1.1. Factos provados com interesse para a decisão da causa
1. Em datas não concretamente apuradas situadas entre os meses de Novembro de 2018 e Junho de 2019, o arguido R. T., na zona dos bares da cidade de Valença:
a) cedeu a P. M., em 4 ocasiões, canábis e haxixe;
b) vendeu a C. R., numa ocasião, erva, pelo preço de € 5,00.
2. Em datas não concretamente apuradas situadas entre os meses de Novembro de 2018 e Junho de 2019, o arguido V. L., em diversos locais da cidade de Valença:
a) vendeu a P. M., em 4 ocasiões, canábis e haxixe, pagando este, de cada vez, pelo haxixe € 5,00 e pela canábis € 10,00;
b) vendeu a T. M. (também arguido), em 5 ocasiões, canábis, pagando este, de cada vez, € 5,00;
c) cedeu a D. M., em número de ocasiões não concretamente apurado, liamba;
d) cedeu a C. R., em cerca de 10 ocasiões, haxixe e liamba.
3. Em datas não concretamente apuradas situadas entre os meses de Novembro de 2018 e Junho de 2019, o arguido T. M., em diversos locais da cidade de Valença:
a) cedeu a D. M., em 3 ou 4 ocasiões, haxixe;
b) cedeu a P. B., em 3 ou 4 ocasiões, liamba e haxixe;
c) cedeu a C. R., em 3 ou 4 ocasiões, liamba e haxixe.
4. No dia 25 de Junho de 2019, em cumprimento dos mandados de busca e apreensão emitidos nos autos, na residência do arguido A. E., sita Avenida …, Valença, foram apreendidos os seguintes objectos e
substâncias:
a) A1 – Três pacotes de uma substância estupefaciente de cor branca;
b) A2 – Uma faca com vestígios de uma substância estupefaciente de cor castanha que se encontrava no interior da segunda gaveta da mesinha de cabeceira.
5. Na residência do arguido V. L., sita na Rua …, Valença, foram apreendidos os seguintes objectos, substâncias e quantias monetárias:
*No quarto do visado, porta da mesa-de-cabeceira, dentro de uma caixa de cartão:
a) A1 – Sessenta e nove Euros e quarenta e quatro Cêntimos (69,44€) em numerário.
* Na gaveta da mesa-de-cabeceira:
a) A2 – Três (3) porções de uma substância estupefaciente de cor castanha com peso de 2,98g;
b) A4 – Uma (1) navalha de cor verde;
c) A5 – Um (1) x-acto de cor vermelha.
* Na garagem, dentro de uma mochila de cor azul:
a) B1 – Uma saca hermética contendo Quatro (4) porções de uma substância estupefaciente de cor castanha com peso bruto de 7,22g.
6. Na residência do arguido T. M., sita na Rua …, Valença, foram apreendidos os seguintes objectos, substâncias e quantias monetárias:
*No interior do quarto do arguido, dentro do guarda-fatos, oculto no meio da roupa:
a) A1 – Uma substância estupefaciente de cor castanha com o peso bruto aproximado de 1,2g;
b) A2 – Uma substância estupefaciente de cor castanha com o peso bruto aproximado de 6,3g;
c) A3 – Um porta-moedas de cor vermelha e forma circular, contendo duas notas de dez Euros (10€) – Total: Vinte Euros (20€);
d) A4 – Dentro de uma carteira: Uma (1) nota de vinte Euros (20€), quatro notas de dez Euros (10€) – Total: Sessenta Euros (60€).
*No sótão da residência, dentro de uma caixa, no móvel da televisão:
a) B1 – Um saco hermético de pequena dimensão, contendo uma substância de cor verde com o peso bruto aproximado de 1,3g.
7. Os produtos estupefacientes apreendidos supra referidos foram sujeitos a exames periciais, os quais revelaram:
* Produto estupefaciente apreendido a A. E.:
a) MDMA, com o peso bruto de 2,737g, com um grau de pureza (%) de 77,6 (THC) e suficiente para 16 doses;
*Produto estupefaciente apreendido a V. L.:
a) Canábis (resina), com o peso líquido de 2,876g, com um grau de pureza (%) de 7,1 (THC) e suficiente para 4 doses;
b) Canábis (resina), com o peso líquido de 5,265g, com um grau de pureza (%) de 14,9 (THC) e suficiente para 15 doses;
* Produto estupefaciente apreendido T. M.:
a) Canábis (resina), com o peso líquido de 1,454g, com um grau de pureza (%) de 12,5 (THC) e suficiente para 3 doses;
b) Canábis (resina), com o peso líquido de 5,697g, com um grau de pureza (%) de 7,3 (THC) e suficiente para 8 doses.
8. Os arguidos R. T., V. L. e T. M. agiram de forma livre, voluntária e consciente, cientes da punibilidade das sua condutas, com pleno conhecimento das características estupefacientes das substâncias que, durante o período mencionado, detiveram e venderam ou cederam a terceiros.
9. Os arguidos R. T., V. L. e T. M. conheciam as características estupefacientes dos mencionados produtos e sabiam que com as suas condutas punham em causa a saúde pública e que a sua detenção, venda ou cedência eram proibidas e punidas por lei.
10. O arguido A. E. conhecia as características estupefacientes do produto que detinha.

Mais se provou que:
11. Os produtos estupefacientes que o arguido R. T. cedeu e vendeu (conforme indicado em 1) eram pertença de T. V., a quem o arguido prestava colaboração, recebendo, a troco dessa colaboração, produto estupefaciente daquele T. V..
12. O produto estupefaciente apreendido ao arguido A. E. (conforme indicado em 4 e 7) era destinado ao seu consumo próprio e seria consumido num período não superior a 8 dias.
13. O arguido R. T. iniciou o percurso escolar em idade normal, tendo abandonado o sistema de ensino sem ter concluído o 9º ano de escolaridade. A dinâmica familiar caracteriza-se pela existência de laços afectivos entre o arguido e os progenitores. O arguido iniciou consumos de estupefacientes aos 16/17 anos, designadamente em contexto de grupo de pares da mesma escola. Aos 18 anos, e considerando o desinteresse pela frequência escolar, optou pelo ingresso no mercado de trabalho, iniciando actividade numa fábrica de componentes de automóveis sita em ..., Vila Nova de Cerveira, onde trabalhou cerca de 6 meses. No período a que se reportam os factos, encontrava-se a frequentar o 9º ano de escolaridade no Agrupamento de Escolas ..., Valença, no curso profissional de bombeiro, convivendo com grupo de pares consumidores de estupefacientes (haxixe). Presentemente encontra-se a trabalhar numa fábrica de componentes automóveis, na freguesia de Gandra, Valença, como empilhador, há cerca de 4/5 meses, no horário das 22h00 às 06h00, auferindo um vencimento de 800,00€, continuando integrado no agregado de origem, composto apenas pelos seus pais. O agregado ocupa uma moradia própria, tipologia T3, dotadas de boas condições de habitabilidade, que adquiriram através de empréstimo bancário, situada numa freguesia rural, sem problemáticas sociais e delinquenciais relevantes. A condição economia do agregado é estável. Na “Conclusão” do seu Relatório Social lê-se: “Caso seja condenado, consideramos que R. T. reúne condições para a execução de uma medida na comunidade, direcionada para encaminhamento para consulta especializada para despiste de eventual necessidade de efetuar tratamento que deverá prosseguir caso seja necessário, manifestando contudo falta de motivação para tal atividade. Paralelamente deverá reforçar e consolidar o afastamento de pares associados a tal problemática, bem como manter exercício regular de actividade laboral que lhe permita a sua autonomia financeira”.
14. O arguido V. L. iniciou o percurso escolar em idade normal, tendo abandonado o sistema de ensino durante a frequência do 10º ano de escolaridade. No decurso do seu crescimento foi sujeito a acções educativas lacunares, não era supervisionado ou controlado pela progenitora, que se demonstrou incapaz de actuar quando confrontada com a disfuncionalidade da conduta do arguido face ao elevado absentismo escolar e vivências de rua, em contextos desadequados e pares disfuncionais. Denunciada em 2017 pela escola à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Valença, a situação e circunstâncias de vida do arguido foram avaliadas como de risco relevante para a formação/estruturação da sua personalidade, sendo necessário a alteração do seu contexto vivencial e das práticas educativas; a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Valença, em 2017, considerou adequado aplicar a medida de Promoção e Protecção de Apoio junto dos Pais em 14.11.2017. O arguido está referenciado, desde a pré-adolescência, ao consumo de drogas (haxixe), tendo sido encaminhado para tratamento no Centro de Respostas Integradas/CRI de Viana do Castelo, apresentando uma postura irregular ao nível da frequência das consultas e sem motivação para aderir à intervenção. O seu grupo de pares era constituído também por indivíduos com idêntica problemática. O arguido esteve também integrado na comunidade Terapêutica RAN, sita em Vila Real, entre Outubro de 2017 e Julho de 2018 para tratamento da sua problemática aditiva. Em Julho de 2018 regressou a Valença, integrando o agregado dos avós paternos, encontrando-se a sua progenitora em parte incerta.
Retomou a frequência escolar no 9º ano de escolaridade no Agrupamento de Escolas ..., Valença, no curso profissional de bombeiro. Aos 18 anos, e considerando o desinteresse pela frequência escolar, optou pelo ingresso no mercado de trabalho, iniciando a sua actividade laboral na construção civil, numa empresa de Valença; contudo, apenas trabalhou cerca de um mês e meio, tendo sido despedido por não ter cumprido as regras de segurança. O arguido continua a residir com o avô de 77 anos, reformado, e com avó de 80 anos, reformada, na residência destes, na freguesia de …, Valença, numa habitação com boas condições de habitabilidade. Durante o dia permanecem também na residência dos avós o seu progenitor, de 52 anos, soldador/desempregado, a companheira deste de 33 anos, desempregada (que se encontra a cuidar da avó do arguido em virtude de esta se encontrar acamada) e as suas duas irmãs consanguíneas de 6 e 7 anos de idade; este agregado pernoita noutra habitação. Na “Conclusão” do seu Relatório Social lê-se: “Caso seja condenado consideramos que V. L. reúne condições para a execução de uma medida na comunidade direcionada para o investimento na formação escolar/profissional bem como no exercício da atividade profissional que lhe permita autonomia financeira e uma estruturação do seu quotidiano, afastamento de pares pró-criminais e encaminhamento para consulta de avaliação da necessidade de efetuar tratamento à problemática aditiva que deverá efetuar caso seja considerado necessário”.
15. O arguido A. E. iniciou a escolaridade obrigatória no estabelecimento de ensino da área residencial, tendo frequentado o sistema de ensino normal até ao 9º ano de escolaridade, optando em seguida por enveredar pela via profissional, matriculando-se no curso de mecatrónica, na Escola Profissional do Alto Minho Interior, no Pólo de Monção. Abandonou o curso de formação profissional durante a frequência do 11º ano de escolaridade, após um período de absentismo e desinvestimento, passando nessa época a ter uma menor supervisão parental, por o estabelecimento de ensino se situar a cerca de 20 kms da sua residência. Ingressou na vida activa aos 18 anos de idade, como operário numa unidade fabril da zona industrial de .../Vila Nova de Cerveira, de componentes de peças de automóvel onde se manteve durante dois anos. Ao nível da saúde, nomeadamente em relação aos consumos de aditivos, o arguido iniciou o consumo de drogas por volta dos 16 anos de idade, em contexto recreativo, com o grupo de pares, constituído essencialmente por colegas de escola. Por volta dos 18 anos de idade foi encaminhado para uma consulta na Comissão de Dissuasão da Toxicodependência, após ter sido interceptado pelos Órgãos de Polícia Criminal na posse de droga; não obstante ter comparecido à consulta, não voltou aquela unidade de saúde. Os familiares aperceberam-se dos consumos de drogas por parte do arguido, tendo tentado alertá-lo para as consequências deste comportamento, sem sucesso. À data dos factos, o arguido residia com o pai (49 anos, 12º ano de escolaridade, casado, trabalhador da construção civil) e a mãe (47 anos de idade, casada, 9º ano de escolaridade, auxiliar de acção directa) num apartamento adquirido através de empréstimo bancário, situado numa área residencial da cidade. Na sequência da busca domiciliária resultante das diligências efectuadas no presente processo, o arguido e a namorada decidiram ausentar-se para o Algarve, para se afastar do meio e pares ligados a contextos de droga. Estiveram cerca de 2 meses a trabalhar no ramo da restauração e após a vinda para o Norte decidiram autonomizar-se, tendo arrendado um espaço próprio. Esta vivência marital durou cerca de 7 meses, tendo o termo da relação ocorrido por falta de condições materiais e dificuldades de entendimento entre o casal. O arguido conseguiu, entretanto, obter um posto de trabalho, exercendo funções de repositor numa superfície comercial em Vila Nova de Cerveira durante 6 meses, não tendo o contrato sido renovado. Na “Conclusão” do seu Relatório Social lê-se: “Na eventualidade de vir a ser provada a sua responsabilidade criminal nos presentes autos, A. E. reúne condições para a execução de uma medida na comunidade, devendo desenvolver aquisições ao nível da formação escolar/profissional, consolidação e manutenção do afastamento de pares associados a problemáticas aditivas, encaminhamento para consulta de despiste de eventual necessidade de efetuar tratamento à problemática aditiva que deverá efectuar caso venha a ser considerado necessário”.
16. O arguido T. M. ingressou no sistema de ensino regular em idade adequada, concluindo o 9º ano de escolaridade com 17 anos, com registo a duas retenções. O arguido iniciou o consumo de produtos estupefacientes (haxixe) aos 16 anos de idade em contexto de pares. A sua infância decorreu num registo educativo consistente, num ambiente afectuoso, muito protector, regrado, com definição de limites e mecanismos de supervisão. À data dos factos, vivia com o pai (40 anos de idade, profissionalmente activo) e a mãe (42 anos de idade, empregada fabril, actualmente de baixa médica). Os rendimentos do agregado advêm do salário do pai do arguido (700,00€) e da baixa médica da mãe do arguido (600,00€). O agregado reside numa moradia individual, situada numa zona periférica de Valença, com condições de habitabilidade e conforto. O arguido frequenta o curso profissional Técnico de Electrónica Automação e Computadores na EP…, que tem a duração de 3 anos e lhe dá equivalência ao 12º ano de escolaridade, tendo realizado, com aproveitamento, o 1º ano de formação do curso. O arguido iniciou o consumo de produtos estupefacientes há cerca de 2 anos. Ocupa os seus tempos livres em convívio com o grupo de amigos, tendo vindo gradualmente a afastar-se de pares associados a problemáticas aditivas. Na “Conclusão” do seu Relatório Social lê-se: “Na eventualidade de condenação consideramos que T. M. reúne condições para a execução de medida na comunidade, para a qual revela motivação, devendo manter-se afastado de grupo de pares e de problemáticas aditivas, sendo que deverá submeter-se a consulta para despiste de eventual necessidade de tratamento e, caso o mesmo venha a ser considerado, aderir a eventual acompanhamento terapêutico”.
17. À data dos factos não eram conhecidos ao arguido R. T. antecedentes criminais.
18. À data dos factos não eram conhecidos ao arguido V. L. antecedentes criminais.
19. À data dos factos não eram conhecidos ao arguido A. E. antecedentes criminais.
20. À data dos factos não eram conhecidos ao arguido T. M. antecedentes criminais.

1.2. Factos não provados com interesse para a decisão da causa

1. que o arguido A. E. se dedicou, pelo menos desde o mês de Novembro de 2018 e até Junho de 2019, à venda e cedência de produtos estupefacientes, de modo diário, continuado e regular, em diversos locais da cidade de Valença;
2. que arguido A. E. vendeu e cedeu produto estupefaciente a T. M. (também arguido) e a P. M.;
3. que o dinheiro apreendido provinha da actividade de tráfico de estupefacientes.
[A restante alegação contida na acusação e nas contestações constitui matéria conclusiva ou questão de direito, pelo que não foi considerada].

1.3. Motivação da decisão de facto

O Tribunal formou a sua convicção na apreciação crítica e conjugada da prova produzida em audiência, designadamente nas declarações dos arguidos R. T., V. L. e T. M. – que confessaram parcialmente a prática dos factos descritos na acusação –, nos termos que a seguir se indicam.
O arguido R. T. assumiu que no período de tempo indicado na acusação, em datas concretas que não se recorda, cedeu a P. M., em 4 ocasiões, canábis e haxixe, assim como vendeu a C. R., por uma vez, erva, pelo preço de € 5,00, fazendo-o na zona dos bares de Valença, que costumava frequentar. Esclareceu que tais estupefacientes não eram seus mas sim de T. V. (já julgado em processo separado), indivíduo a quem o arguido prestava colaboração, recebendo, em contrapartida, produto estupefaciente.
O arguido V. L. explicou que, igualmente entre os meses referidos na acusação, em Valença, vendeu a P. M., por 4 vezes, canábis e haxixe, recebendo, de cada vez, € 5,00 pelo haxixe e € 10,00 pela canábis, vendeu a T. M. (também arguido nestes autos), por 5 vezes, canábis, recendo, de cada vez, € 5,00, cedeu a D. M., em número de vezes que não consegue precisar, liamba, bem como cedeu a C. R., em cerca de 10 vezes, haxixe e liamba.
O arguido T. M. admitiu que, durante o período de tempo já indicado, também em Valença, cedeu a D. M., por 3 ou 4 vezes, haxixe, cedeu a P. B., 3 ou 4 vezes, liamba e haxixe, e cedeu a C. R., igualmente em 3 ou 4 vezes, liamba e haxixe.
Embora nalgumas passagens do seu depoimento este arguido, ao descrever os actos que praticava, os tenha caracterizado como “vaquinhas” (denominação geralmente usada para as situações em que várias pessoas reúnem a quantia monetária de que dispõem para adquirir produto estupefaciente, conseguindo assim comprar globalmente uma maior quantidade e, portanto, obter algum “bónus”), foi precisando depois, ao longo das suas declarações, que, de facto, o que ocorria era que ele próprio, em várias ocasiões, tinha liamba ou haxixe para seu próprio consumo e, quando solicitado pelos citados indivíduos, seus amigos da escola, cedia-lhes uma parte desses produtos, os quais, de seguida, preparavam um “charro” para consumirem na ocasião, “charro” esse que depois era fumado por todo o grupo. O arguido assinalou, por fim, que o arguido V. L. lhe chegou, efectivamente, a ceder canábis, em número de vezes que não pode indicar com precisão.
A testemunha P. M. referiu ser consumidor de canábis e conhecer os arguidos R. T., V. L. e A. E. (o arguido T. M. só de “vista”) já que são todos de Valença. Disse que o arguido R. T. lhe cedeu, em 3 ou 4 vezes, canábis e haxixe, nada pagando por isso, e que comprou desse produto ao arguido V. L., por 4 vezes, pagando € 5,00 ou € 10,00 pela canábis de cada vez.
A testemunha D. M. (15 anos) anotou ter consumido haxixe num grupo onde estava o arguido T. M., tendo indicado, sem grande certeza, que o fez por cerca de 10 vezes.
A testemunha C. R. (15 anos) disse ter comprado uma vez erva ao arguido R. T., pagando então € 5,00.
A testemunha P. B. afirmou conhecer todos os arguidos, embora só mantenha relações mais próximas com o arguido T. M., com quem chegou a consumir liamba, num grupo onde por vezes também se encontrava a C. R. e a D. M..
A testemunha A. G. disse nunca ter comprado ou recebido de nenhum dos arguidos qualquer produto estupefaciente.
A testemunha S. E. (agente GNR do NIC de Valença) explicou que o alvo principal das investigações foi T. V. (já julgado em processo separado) e que em relação aos quatro arguidos destes autos foram realizadas muito poucas diligências, praticamente só buscas, na sequência dos relatos feitos pelas testemunhas ouvidas durante o inquérito.
As testemunhas C. M., J. F. e M. L. (todos agentes GNR do NIC de Valença) depuseram sobre as buscas efectuadas às residências dos arguidos e descreveram o que se passou nessas diligências, identificando os objectos, substâncias e quantias monetárias que foram apreendidos.
As declarações dos arguidos e os depoimentos das testemunhas foram conjugados com os demais elementos juntos aos autos, de que se destacam o Relatório de Exame Pericial ao produto estupefaciente apreendido de fls. 518 a 521, bem como o Relatório de Diligencia Externa de fls. 124 a 126 e 130 a 134, o Auto de Apreensão de fls. 128 e 136, o Auto de Busca e Apreensão de fls. 140 a 142, o Suporte Fotográfico de fls. 143 a 146, a Nota discriminativa de Dinheiros de fls. 147, os Autos de Pesagem e Teste Rápido de fls. 148 a 153, o Auto de Apreensão de fls. 157, o Auto de Busca de fls. 162 a 163, o Auto de Apreensão de fls. 164, 184 a 189, o Auto Apreensão de fls. 190 a 191, a Nota Discriminativa de Dinheiro de fls. 192, o Relatório Fotográfico de fls. 193 a 195, o Teste MMC de fls. 196, o Auto de Pesagem de fls. 197, o Auto de Busca e Apreensão de fls. 222 a 223 e 224 a 226, o Suporte Fotográfico de fls. 227 a 228, o Auto de Pesagem de fls. 229 e 229-A, a Autorização de Leitura de Memoria de telemóvel de fls. 230, a Nota discriminativa de dinheiro de fls. 232, o Auto de Busca e Apreensão de fls. 260 a 161, o Suporte Fotográfico de fls. 262, o Auto de Pesagem e Teste Rápido de fls. 263, o Auto de Busca e Apreensão de fls. 293 a 294, o Suporte Fotográfico de fls. 295 a 296, o Auto de Busca de fls. 330 a 331, o Suporte Fotográfico de fls. 332 a 334, o Auto de Apreensão de fls. 335, o Teste MMC e Auto de Pesagem de fls. 336, o Auto de Busca de fls. 345 a 346, o Termo de Entrega de fls. 498 e os Exames Directos de fls. 554 a 560).
O arguido A. E. negou que alguma vez vendido ou cedido a outros consumidores qualquer tipo de estupefaciente, sublinhando que o MDMA que foi encontrado e apreendido na sua residência se destinava exclusivamente ao seu próprio consumo e que, de acordo com a frequência desse consumo, tal produto não lhe daria para mais de 8 dias. A este respeito, regista-se que, ao contrário do que sucede em relação aos outros arguidos, quanto a este arguido não foi feita prova da sua ligação à venda ou cedência a terceiros de qualquer substância estupefaciente, tudo apontando – ao menos por força do princípio in dubio pro reo – que o MDMA que lhe foi apreendido era efectivamente destinado ao seu próprio consumo. Sobre o período de tempo que o arguido demoraria a consumi-lo, foi ponderado que o conceito de “consumo médio individual” a que alude a Portaria 94/96, de 26Mar, é meramente indicativo e varia de consumidor para consumidor, de tal forma que os valores nela indicados podem ser afastados se forem diferentes as necessidades de consumo habitual do arguido em concreto (entre muitos, AcsRP 13Mar2013, proc.330/10.3PWPRT.P1, e RP 2Out2013, proc.2465/11.6TAMTS.P1, ambos em www.dgsi.pt). Por isso, é perfeitamente plausível e convincente a declaração do arguido de que o dito MDMA não lhe dava para mais de 8 dias, não se vislumbrando qualquer elemento que possa abalar de forma decisiva a aptidão probatória desta afirmação.
As testemunhas abonatórias [T. G. (do arguido R. T.), I. L., E. R. e T. G. (do arguido A. E.), e S. L. e M. P. (do arguido T. M.)] depuseram a favor de cada um dos seus conhecidos.
Foram ainda valorados os Relatórios Sociais e, relação aos antecedentes criminais, os CRC’s dos arguidos.»
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2. Apreciação Do Recurso

Entende o recorrente que o arguido A. E. não poderia ser absolvido porquanto, em suma, a prova produzida é suficiente para lhe atribuir a autoria do crime de tráfico de menor gravidade pelo qual deveria ser condenado, uma vez que a substância estupefaciente que lhe foi apreendida não se enquadra no valor de consumo médio individual previsto na Portaria n.º 94/96, de 26/03, ultrapassando-o.
Discorda o recorrente da posição do Tribunal a quo por, no seu entender, afastar o valor de prova pericial ao exame laboratorial ao produto estupefaciente apreendido, tendo-o feito apenas com base nas declarações do arguido. Uma vez que os limites fixados na referida tabela têm um valor de meio de prova, a apreciar nos termos de prova pericial, o que significa que o juízo a fazer sobre a suficiência ou insuficiência desses limites se presume subtraído à livre apreciação do julgador, devendo este fundamentar qualquer divergência desse juízo, o que não terá acontecido.
Entende, pois, perante tal situação, o acórdão recorrido violou os arts. 25º e 71º, n.º 3 do DL 15/93, de 22/01 e os arts. 127º, 163º, n.º 1 e 2 e 410º, n.º 2, al. b), do C. Processo Penal.

Como sabemos o nosso sistema processual penal prevê que a matéria de facto pode ser sindicada de dois modos:
Um mais restrito, a chamada «revista alargada», que abrange os vícios previstos no artigo 410º, nº2, do CPP;
Outro mais lato, a chamada impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPP.

O primeiro dos apontados modos de sindicância da matéria de facto, previsto no artigo 410º, n.º 2 do CPP, consagra que, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.

O vício que estiver em causa, tal como resulta da norma, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos estranhos à decisão.
Atentemos então em cada dos vícios do artigo 410º, n.º 2 do CPP.
- A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Este vício, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. O tribunal não dá nem como provado nem como não provado algum facto necessário para justificar a posição tomada.
Este vício não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, em que se afirma que teriam sido dados como provados factos sem prova para tal. Como parece transparecer dos recursos dos arguidos.

- A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Este vício, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP, consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Existirá contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão quando, por exemplo, um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.

- Erro notório na apreciação da prova.
O último dos vícios previstos no artigo. 410.º, do CPP é o do n.º 2, al. c), e ocorre quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
Existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valoriza contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, dando como provado o que não pode ter acontecido e aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de pela simples leitura da decisão não passar o erro despercebido ao cidadão comum. O erro notório na apreciação da prova terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito.
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Por outro lado, o nosso Código de Processo Penal consagra no artigo 127.º o princípio da livre apreciação da prova. De acordo com este princípio, o tribunal é livre na formação da sua convicção, mas encontra-se vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que estão subtraídas a essa livre convicção, sendo esta motivada, e estando ainda o tribunal sujeito aos princípios do processo penal, como o da legalidade das provas e in dubio pro reo.
Este princípio in dubio pro reo, emanação da injunção constitucional da presunção da inocência do arguido, na vertente de prova (artigo 32.º, n.º 2 Constituição), constitui um limite do princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe, nos casos de dúvida fundada sobre os factos, que o Tribunal decida a favor do arguido.
Perante estas considerações, cabe concluir que, para além da violação das provas subtraídas à livre apreciação do julgador, ou da violação dos referidos princípios, o juízo decisório da matéria de facto só é suscetível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objetivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.
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Em relação à matéria de facto retira-se das conclusões apresentadas pelo recorrente que a discordância quanto a tal factualidade se consubstancia no exarado nos seguintes factos dados como provados:

«Facto 7: Os produtos estupefacientes apreendidos supra referidos foram sujeitos a exames periciais, os quais revelaram:

Produto estupefaciente apreendido a A. E.:
a) MDMA, com o peso bruto de 2,737g, com um grau de pureza (%) de 77,6 (THC) e suficiente para 16 doses.
Facto 12: O produto estupefaciente apreendido ao arguido A. E. (conforme indicado em 4 e 7) era destinado ao seu consumo próprio e seria consumido num período não superior a 8 dias.»
Daí extraindo que o tribunal recorrido afastou o valor de prova pericial ao exame laboratorial realizado ao produto estupefaciente apreendido, desconsiderando o valor da mesma, e que o terá feito com base apenas nas declarações do arguido.
Razão pela qual entende que se verifica uma contradição insanável na fundamentação, mais concretamente entre a factualidade dada como provada naqueles dois números 7º e 12º da matéria assente.

Ora, se nos debruçarmos atentamente sobre os factos provados e não provados, no que a este recurso interessa, para além da factualidade constante dos números aludidos, verificamos o seguinte:
«1.1. Factos provados com interesse para a decisão da causa
4. No dia 25 de Junho de 2019, em cumprimento dos mandados de busca e apreensão emitidos nos autos, na residência do arguido A. E., sita Avenida …, Valença, foram apreendidos os seguintes objectos e substâncias:
a) A1 – Três pacotes de uma substância estupefaciente de cor branca;
b) A2 – Uma faca com vestígios de uma substância estupefaciente de cor castanha que se encontrava no interior da segunda gaveta da mesinha de cabeceira.
10. O arguido A. E. conhecia as características estupefacientes do produto que detinha
«1.2. Factos não provados com interesse para a decisão da causa
1. que o arguido A. E. se dedicou, pelo menos desde o mês de Novembro de 2018 e até Junho de 2019, à venda e cedência de produtos estupefacientes, de modo diário, continuado e regular, em diversos locais da cidade de Valença;
2. que arguido A. E. vendeu e cedeu produto estupefaciente a T. M. (também arguido) e a P. M.
Como facilmente se retira desta panóplia factual, o tribunal recorrido deu como provado o resultado do exame pericial efetuado ao produto estupefaciente encontrado na residência do arguido A. E., não só as caraterísticas e o tipo desse produto, MDMA, como o seu peso bruto, 2,737g, o grau de pureza do princípio ativo da substância estupefaciente que o integra, 77,6% de THC de «Tetraidrocanabinol (∆9THC)», e quantificou o número de doses que essa substância permitiria fazer, 16. Sempre suportado nos dados constantes da Tabela Anexa à Portaria 94/96 de 26/3.
Aliás, como faz menção na sua fundamentação de facto: «As declarações dos arguidos e os depoimentos das testemunhas foram conjugados com os demais elementos juntos aos autos, de que se destacam o Relatório de Exame Pericial ao produto estupefaciente apreendido de fls. 518 a 521». Ou seja, o tribunal de 1ª instância, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, não afastou a prova pericial realizada pelo INML, retirando-lhe valor, antes pelo contrário.
O que sucede é que esse tribunal deu como provado que esse produto se destinava ao consumo do arguido A. E., e que seria consumido por este num período não superior a oito dias. A decisão sob escrutínio não coloca em questão que aquela quantidade de produto, com as caraterísticas que tem, e o grau de pureza que apresenta, daria para fazer 16 doses, como conclui o relatório de peritagem, somente entendeu que se apurou que aquela quantidade de produto, para aquele indivíduo, seria consumida naquele lapso temporal.
É contra esta parte da matéria de facto apurada, e o resultado extraído da mesma, que o recorrente se insurge. Para ele o tribunal não poderia dar como provados os dois factos constantes dos números 7º e 12º da matéria assente, vendo entre os mesmos uma divergência contraditória insanável. Quando o exame laboratorial conclui que aquele produto estupefaciente daria para fazer 16 doses de MDMA, não poderia o tribunal recorrido ultrapassar essa realidade pericial suportado somente nas declarações do arguido, no que concerne aos seus níveis de consumo.

Vejamos então

Enquadramento jurídico-penal:
Sendo esta a matéria de facto provada, importa, neste momento, proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.
O arguido estava acusado da prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, al. a), do D.L. n.° 15/93, de 22/01.
O crime de tráfico de menor gravidade, segundo o D.L. n.º 15/93, de 22-1, assume-se como um crime privilegiado, cujo preenchimento do tipo se faz por referência ao crime de tráfico, p. e p. pelo n.º 1 do art. 21.º do citado D.L. n.º 15/93, de 22-01.
Assim, de acordo com o citado nº 1, do art. 21º, do D.L. nº 15/93, de 22-1: quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.
O bem jurídico tutelado no crime em apreço é, conforme entendimento unânime na doutrina e jurisprudência, a saúde pública.
Assim, o escopo do legislador ao punir este tipo de ilícito foi “garantir um desenvolvimento são, seguro e livre dos cidadãos e da sociedade, face aos perigos representados pelo consumo e tráfico de drogas” (cfr. Fernando Gama Lobo, Droga Legislação, notas doutrina jurisprudência, Quid Iuris, 2006, p. 41).
Por seu turno, dispõe o art. 25º, al. a), do D.L. nº 15/93, de 22.01, que: se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) - Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI.
De salientar, ainda, que este último diploma foi alvo de diversas alterações, mantendo-se, contudo, inalteradas as normas legais transcritas.
Como se alcança da leitura do nº 1 do art. 21.º, do D.L. nº 15/93, de 22.01, a simples detenção não autorizada de substâncias constantes das tabelas I a III anexas aos diplomas, sobre a qual não se prove o consumo exclusivo, tem o sentido de tráfico, integrando aquela previsão legal, o mesmo sucedendo quanto à cedência ou venda que também integra o ilícito típico de tráfico. (Sublinhado nosso)
Deve ainda atender-se à circunstância desta infração ser concebida como um crime de perigo abstrato, relativamente aos quais lei não exige a verificação concreta do perigo de lesão resultante de certos factos, mas supõe-no "iuris et de iure" (Eduardo Correia, Direito Criminal, Almedina, Coimbra, 1971, Vol. I, pág. 287).
E, por tal razão o legislador incluiu neste ilícito vários comportamentos com potencialidade para comprometer ou fazer perigar o bem jurídico que se visou proteger através daquela incriminação, ou seja, a saúde pública.
Por outro lado, há que atender a que a detenção de estupefaciente não destinada ao uso pessoal exclusivo tem, em regra, por fim a sua transmissão, bem como, às dificuldades probatórias geralmente associadas aos crimes de tráfico de estupefacientes.
Assim, são elementos objetivos do crime previsto no art. 21º e, naturalmente, no art. 25º: a) a prática não autorizada de qualquer das atividades descritas no normativo; b) a não verificação da detenção de droga com a finalidade do consumo pessoal exclusivo; c) a existência de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III.
A estes elementos objetivos, deve acrescer o elemento subjetivo: o “dolo genérico, ou seja, a vontade de desenvolver sem autorização e sem ser para consumo próprio, as atividades descritas no tipo e a representação e o conhecimento por parte do agente da natureza e características estupefacientes do produto objeto da ação e uma atuação deliberada, livre e consciente de ser proibida a sua conduta” (cfr. Fernando Gama Lobo, ob. cit., p. 45).
O arguido vinha acusado de destinar a droga apreendida à venda a terceiros que o procurassem para o efeito.
No entanto, nada se apurou que o mesmo tivesse efetuado qualquer venda ou cedência a terceiros ainda que gratuita ou pretendesse vender ou ceder a terceiros a droga que lhe foi apreendida.
Pelo que, o tribunal recorrido absolveu o arguido A. E. do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. no referido 25º, al. a), do D.L. nº 15/93, de 22.01, pela prática do qual estava acusado.
Não obstante ter dado como provado que o produto estupefaciente apreendido ao arguido (– Três pacotes de uma substância estupefaciente de cor branca), e que se tratava de MDMA, com o peso bruto de 2,737g, com um grau de pureza (%) de 77,6 (THC) e suficiente para 16 doses), o tribunal de 1ª instância não deu relevo a essa factualidade, designadamente ao resultado do exame pericial, sobrevalorizando as declarações do A. E. quanto ao número de dias em que consumiria aquele produto, não lhe daria para mais de 8 dias.
Pelo que, nenhuma consequência factual e jurídica retirou do resultado da prova pericial, que deu como assente.
É contra esta realidade, essencialmente, que o recorrente se insurge. Entende, como já referido, que a factualidade provada integra a prática, pelo arguido, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º do D.L. nº 15/93, de 22/01.
Invoca a existência do vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão a que se reporta a al. b) do n.º 2 do art. 410º do CPP.
Vejamos.
Dispõe o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro: “1 - Quem consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV; 2- Se a quantidade de plantas, substâncias ou preparações cultivada, detida ou adquirida pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3 dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias”.
A Lei n.º 30/2000, de 29/11, no seu artigo 28º, veio expressamente revogar o artigo 40º do Decreto-Lei nº 15/93 exceto quanto ao cultivo, consagrando no seu artigo 2.º nº 1, que: “O consumo, a aquisição e a e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no artigo anterior constituem contraordenação”, e acrescenta no n.º 2 que: “Para efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção para consumo próprio das substâncias referidas no número anterior não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”.
A conjugação do artigo 2º, nº 2, com o artigo 28º desta Lei suscitou largo debate jurisprudencial, o qual veio a ser solucionado pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2008, (publicado no DR I.ª Série, n.º 150, de 25 de Agosto), nos seguintes termos: «Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto -Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só ‘quanto ao cultivo’ como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”.
O Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01 estabeleceu, no seu artigo 71.º, n.º 1: “Os Ministros da Justiça e da Saúde, ouvido o Conselho Superior de Medicina Legal, determinam, mediante portaria: c) Os limites quantitativos máximo do princípio ativo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV, de consumo mais frequente”.
Por sua vez, a Portaria n.º 94/96, de 26/03, para a qual remete o corpo do pré-citado artigo, determinou no seu artigo 9.º que “Os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante”.
A jurisprudência, tem vindo a entender que, por imperativo do princípio da unidade e coerência do sistema jurídico (artigo 4º, nº 1, do Código Civil) e dos princípios da igualdade (artigo 13º de Constituição) e da legalidade (artigo 29º da Constituição), na aferição das quantidades de consumo médio individual diário de produtos estupefacientes, embora tal não resulte explicitamente das normas legais em causa, devem ser considerados os valores fixados pelo mapa a que se refere o artigo 9º da Portaria nº 94/96, de 26/03.
Porém, como sublinha o acórdão da Relação do Porto de 04/06/2014, processo nº 29/09.3SFPRT-B.P1, disponível in www.dgsi.pt: «(…) Há que considerar, porém, o seguinte, a respeito dos valores fixados no mapa a que se refere a Portaria nº 94/96. Por um lado, não pode considerar-se que estamos perante uma norma penal em branco, com remissão para os valores fixados na portaria em questão. Tal seria inconstitucional por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade, por supor uma delimitação negativa de um tipo penal através de uma portaria. Os valores em causa devem, por isso, ser apreciados nos termos do artigo 163º do Código de Processo Penal (prova pericial), como decorre do artigo 71º, nº 3, da Lei nº 15/93. O Tribunal Constitucional, nos acórdãos 534/98, 559/01 e 43/02, considerou que só esta interpretação seria conforme à Constituição (…). Assim, os valores que constam do mapa anexo à Portaria nº 94/96 não impõem conclusões rigidamente determinadas quanto às quantidades de consumo médio individual, desde logo porque não pode ser ignorada a maior ou menor percentagem de produto ativo.».
Quer isto dizer que, na ausência dos adequados exames laboratoriais que determinem qual a percentagem do princípio ativo contido na substância apreendida, a jurisprudência tem afastado o recurso à tabela constante da citada Portaria.
Não é o que ocorre no caso vertente. Com efeito, o exame laboratorial junto aos autos (fls. 518 a 521) identifica a substância em causa; o peso líquido; a concentração de THC e, fazendo o cálculo segundo a Portaria nº 94/96, indica o número de doses resultante.
De acordo com o disposto no nº 3 da Lei nº 15/93, o resultado e, limite fixado, do exame junto é apreciado nos termos da prova pericial – artigo 163º do Código Processo Penal - pelo que, o juízo a fazer sobre a suficiência ou insuficiência desses limites se presume subtraído à livre convicção do julgador, devendo este fundamentar qualquer divergência desse juízo.
Percebe-se bem a razão legal: o juízo pericial é um juízo especializado pelo que as conclusões obtidas não permitem ao juiz delas divergir, sendo que se o fizesse tal divergência teria que assentar em razões científicas.
Ora, como se disse, no caso em apreço, encontra-se provado que o arguido tinha na sua posse MDMA, com o peso bruto de 2,737g, com um grau de pureza (%) de 77,6 (THC) e suficiente para 16 doses, substância estupefaciente prevista na tabela II A da portaria referida, que destinava ao seu consumo pessoal.
Assim, os 2,737g gramas de MDMA, com uma concentração de tetraidrocanabinol de 77,6% corresponde ao consumo médio individual durante 16 dias. Sendo certo que o limite quantitativo máximo previsto para essa substância é de 0,1g por dia (cfr. Tabela anexa da portaria 94/96, de 26/05)
O tribunal a quo porém, embora dando como provados os resultados do exame laboratorial realizado, os quais, indicam, como se disse, os pesos líquidos e o grau de concentração de THC, deles não retira a respetiva consequência, como se apontou acima.

Com efeito, relembremos o que, a propósito se refere na decisão recorrida em termos de fundamentação de facto no que a esta matéria concerne:
«O arguido A. E. negou que alguma vez vendido ou cedido a outros consumidores qualquer tipo de estupefaciente, sublinhando que o MDMA que foi encontrado e apreendido na sua residência se destinava exclusivamente ao seu próprio consumo e que, de acordo com a frequência desse consumo, tal produto não lhe daria para mais de 8 dias. A este respeito, regista-se que, ao contrário do que sucede em relação aos outros arguidos, quanto a este arguido não foi feita prova da sua ligação à venda ou cedência a terceiros de qualquer substância estupefaciente, tudo apontando – ao menos por força do princípio in dubio pro reo – que o MDMA que lhe foi apreendido era efetivamente destinado ao seu próprio consumo. Sobre o período de tempo que o arguido demoraria a consumi-lo, foi ponderado que o conceito de “consumo médio individual” a que alude a Portaria 94/96, de 26Mar, é meramente indicativo e varia de consumidor para consumidor, de tal forma que os valores nela indicados podem ser afastados se forem diferentes as necessidades de consumo habitual do arguido em concreto (entre muitos, AcsRP 13Mar2013, proc.330/10.3PWPRT.P1, e RP 2Out2013, proc.2465/11.6TAMTS.P1, ambos em www.dgsi.pt). Por isso, é perfeitamente plausível e convincente a declaração do arguido de que o dito MDMA não lhe dava para mais de 8 dias, não se vislumbrando qualquer elemento que possa abalar de forma decisiva a aptidão probatória desta afirmação.»
Cumpre voltar a salientar, nas circunstâncias que rodeiam o caso vertente, que o exame pericial realizado pelo INML, apresenta inteira aptidão para servir de base à aplicação dos valores considerados na tabela, atento o valor de prova pericial que lhes é conferido pelo artigo 163º do Código Processo Penal (neste sentido se pronunciou já o Tribunal Constitucional, Acórdão nº 43/02) não se verifica qualquer razão justificativa para que deles nos afastemos, como o fez o tribunal recorrido.
A mera afirmação do arguido que a quantidade que detinha apenas lhe bastaria para o seu consumo durante 8 dias não basta para afastar a força da prova pericial contida nos exames realizados.
Aqui chegados cumpre apresentar alguns argumentos de ordem doutrinal e jurisprudencial relativos ao princípio da livre apreciação da prova.
Não há, em processo penal, um verdadeiro ónus da prova pois que, em última análise, recai sobre o juiz, que está vinculado ao objeto do julgamento, definido pela acusação ou pela pronúncia, se a houver, o dever de investigar o facto para além das contribuições dos sujeitos processuais.
«O sistema de prova livre (Castanheira Neves, citando Radbruch e Sauer, chama-lhe sistema de “prova científica” porquanto “ao contrário do que acontece no sistema da prova legal - no qual a conclusão probatória é pré-fixada legalmente (…) - pelo princípio da «livre convicção» tem antes o julgador a liberdade de formar a sua convicção sobre a realidade («os factos») do caso submetido a julgamento com base apenas no juízo que se fundamente no mérito objetivamente concreto desse caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo”), vigente no direito processual penal português (cfr. art.º 127º do CPP), manda que o Juiz aprecie os meios de prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção.
Por via dele, “o julgador é livre de apreciar as provas, embora tal apreciação seja «vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório» (CAVALEIRO DE FERREIRA, Manuel, Curso…, vol. III, p. 311).
Por regras da experiência entende-se “as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece” (MARQUES DA SILVA, Germano, Curso …, III vol., p. 339); “assentam em factos do conhecimento geral (…) Isso não impede, por vezes, que as regras da experiência careçam, para serem definidas, duma explicação técnica ou científica, a qual pode obter-se mediante a perícia (…)” (CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso…, II vol., p. 296).
Importa ter presente que, apesar de a apreciação da prova ser livre, por parte do juiz, nos termos antes indicados, “a decisão (do juiz) não consiste numa operação matemática, ou meramente formal, devendo o julgador apreciar as provas, analisando-as dialeticamente e procurando harmonizá-las entre si e de acordo com os princípios da experiência comum, sem que o julgador esteja limitado por critérios formais de avaliação. (…)
Não se trata - na avaliação da prova - de uma mera operação voluntarista, mas de conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objetivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objetiváveis).
Envolve a apreciação da credibilidade que merecem os meios de prova, onde intervêm elementos não racionalmente explicáveis, v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova em detrimento de outro - tem essencial relevo a imediação”. (Ac da RG de 29/01/2007, processo 1917/07.1, in www.dgsi.pt)
Por isso, “O princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (…) os seus limites que não podem ser licitamente, ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada «verdade material» -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo. (...)
Do mesmo modo, a «livre» ou «íntima» convicção do juiz (…) não poderá ser uma convicção puramente subjetiva, emocional e portanto imotivável. Certo que, como já se notou, a verdade «material» que se busca em processo penal não é o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, que todos sabem escapar à capacidade de conhecimento humano; tanto mais que aqui intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes de possível erro, quer porque se trata do conhecimento de acontecimentos passados, quer porque o juiz terá as mais das vezes de lançar mão de meios de prova que, por sua natureza - e é o que se passa sobretudo com a prova testemunhal, relativamente à qual a própria lei não deixa de manifestar certa desconfiança. (...)
Se a verdade que se procura é, já o dissemos, uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.
Uma tal convicção existirá quando e só quando - parece-nos este um critério prático adequado, de que se tem servido com êxito a jurisprudência anglo-americana - o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará pois, na «convicção», de uma mera opção «voluntarista» pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse. (FIGUEIREDO DIAS, Jorge, Direito Processual Penal, pp. [202-205])
Ou seja, em linguagem simples, a decisão quanto à matéria de facto tem de estar sustentada, de forma racional e lógica, nos meios de prova produzidos; o raciocínio lógico que relaciona o indício resultante da produção de meios de prova com o facto probando tem de ser facilmente apreensível, em termos objetivos, designadamente pelos sujeitos processuais e pelo tribunal ad quem. Não pode consistir num “ato de fé do julgador, sem qualquer necessidade de correspondência objetiva com o processualmente indiciado, numa primeira fase, e com o processualmente demonstrado, na fase decisória final”. (SARAGOÇA DA MATA, Paulo, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, p. 240.)»
Depois desta breve resenha sobre o princípio da livre apreciação da prova, passemos agora à valoração da prova pericial, que se nos afigura ser o ponto nevrálgico na apreciação do caso vertente.
A prova pericial tem lugar quando a perceção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos – art.º 151.º.
A perícia é realizada em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não for possível ou conveniente, por perito nomeado de entre pessoas constantes de listas de peritos existentes em cada comarca, ou, na sua falta ou impossibilidade de resposta em tempo útil, por pessoa de honorabilidade e de reconhecida competência na matéria em causa – art.º 152.º.
O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador. Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência – art.º 163.º. (sublinhado nosso)
Façamos uma abordagem mais ampla à questão da prova pericial.
Segundo o Prof. Manuel da Andrade, a perícia consiste num meio de prova que se traduz na “percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais, ou por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade (legítima susceptibilidade) das pessoas em quem se verificam tais factos; ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca doutros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas” – Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pag. 262.
Importa também chamar à colação o que escreve o Prof. Alberto dos Reis: “claro que os fundamentos invocados pelos peritos para justificar as suas conclusões e os trâmites que eles houverem seguido no desempenho do seu cargo estão sujeitos à censura do juiz, que formará a sua convicção segundo a competência ou incompetência efectiva do perito e a seriedade, diligência e rectidão que ele revelar no desempenho do encargo, ou segundo os defeitos que o laudo apresentar; mas, por que todo o arbitramento pressupõe a insuficiência de conhecimentos do magistrado, é vão imaginar-se que este se substitua inteiramente ao perito para refazer, por si, o trabalho analítico e objectivo para o qual não dispõe de meios subjectivos; daí que muitas vezes o litígio é decidido, substancialmente, pelo parecer do perito; ...quer dizer, a máxima de que o magistrado é o perito dos peritos, não passa, a maior parte das vezes, de máxima abstracta; por mais que se afirme a hegemonia da função jurisdicional em confronto com a função técnica e se queira defender o princípio da livre apreciação da prova, não é raro que o laudo pericial desempenhe papel absorvente” (Cód. do Proc. Civil, Anotado, IV, pgs 184 e 185).
A perícia é a actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, cuja utilização é recomendada sempre que a investigação seja confrontada com obstáculos de apreensão ou de apreciação de factos não removíveis através dos procedimentos e meios de análise de que normalmente dispõe. No fundo, a prova pericial permite ao juiz suprir a sua falta de específicos conhecimentos científicos ou artísticos, auxiliando-o na apreensão realidades não directamente captáveis pelos sentidos. O juízo pericial tem que constituir sempre uma afirmação categórica, isenta de dúvidas, sobre a questão proposta, não integrando tal categoria, os juízos de probabilidade ou meramente opinativos – Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 3ª Edição, Editorial Verbo, 2002, pág. 197.
A perícia tem um regime específico de produção e apreciação probatória, diverso de qualquer outro meio de prova ou de obtenção de prova. E esse distinto regime consta do nº 2 do artigo 163º do CPP e determina que o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, podendo o juiz divergir do juízo contido no parecer dos peritos, mas deve fundamentar a divergência com apelo aos conhecimentos materiais supostos na perícia.
Voltando à apreciação concreta
Na perspetiva do recorrente a decisão recorrida padece do vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nos termos da alínea b) do artigo 410º nº 2 do Código Processo Penal, por um lado, ao dar como provado o facto inserto no número 7, conclusão que se reveste da força de prova pericial e, por outro, ao dar também como provado, apenas com base nas declarações do arguido, que o produto que detinha era destinado ao seu consumo próprio e seria consumido num período não superior a 8 dias.
Ora, voltando ao que atrás se disse sobre o princípio da livre apreciação da prova em confronto com o resultado de uma prova pericial, e o disposto no nº 2 do artigo 163º do CPP, ao determinar que o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador, teria o tribunal recorrido legitimidade para não valorar primacialmente, embora aceitando-o, o juízo contido no parecer dos peritos, que seria ultrapassado em termos de valoração por outros meios de prova a que tenham sido atribuídos créditos bastantes para afastar aquele resultado pericial, para o neutralizar. Mas para não valorar o resultado desse juízo técnico, científico, tinha o tribunal a quo o dever de fundamentar a divergência, com apelo aos conhecimentos materiais supostos na perícia.
A verdade é que não o fez. Limitou-se a confiar nas declarações do arguido e, sem mais, afastou quaisquer consequências das conclusões a que chegaram os peritos no seu laudo de peritagem.
Ao não motivar a sua opção por aquilo que o arguido disse relativamente à sua frequência de consumo, concluindo apenas: “Por isso, é perfeitamente plausível e convincente a declaração do arguido de que o dito MDMA não lhe dava para mais de 8 dias, não se vislumbrando qualquer elemento que possa abalar de forma decisiva a aptidão probatória desta afirmação”, o tribunal de 1ª instância não poderia deixar de atender ao facto presumido, que resultou provado, de que o produto estupefaciente apreendido dava para 16 doses de MDMA, ou seja, para consumir durante 16 dias, nos termos da Tabela. Pelo que, não tendo essa prova pericial presumida sido elidida, não poderia ter sido dado como provado que o estupefaciente A. E. consumiria o estupefaciente num período de oito dias.
Saliente-se que não está em questão o tribunal recorrido ter dado como provado que o produto se destinava ao consumo do arguido, tendo-se socorrido do princípio in dubio pro reo, facto subtraído ao juízo pericial, não colocado em causa no recurso e sujeito ao princípio da livre apreciação, não sendo a valoração atribuída minimamente beliscada por aquele.
E tendo ficado provado que o produto estupefaciente apreendido ao arguido se destinava ao seu consumo pessoal, o recorrente não poderá ser condenado pelo crime de tráfico pela simples detenção não autorizada de substâncias constantes das tabelas I a III anexas aos diplomas, como pretende o requerente. Sendo certo que resultou não provado que destinasse esse produto à cedência ou venda a terceiros, de onde resulta que a apurada conduta do arguido não é passível de integrar o ilícito típico de tráfico.
Verificando-se, assim, o invocado vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nos termos da alínea b) do artigo 410º nº 2 do Código Processo Penal.
Quais as consequências jurídicas a retirar ante a materialidade apurada?
Apesar da verificação do apontado vício, uma vez que do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre a matéria de facto, pode este tribunal modificar a mesma e decidir da causa nos termos dos artigos 426º, nº 1 e 431º al. a) do Código Processo Penal.
Para tanto, em consequência do apontado vício, altera-se o facto correspondente ao ponto 12 do elenco dos factos provados suprimindo do mesmo o segmento e seria consumido num período não superior a 8 dias. Passando o ponto 12 dos factos provados a ter a seguinte redação.

“12. O produto estupefaciente apreendido ao arguido A. E. (conforme indicado em 4 e 7) era destinado ao seu consumo próprio.”

Porque se trata de alterações objeto de discussão no próprio recurso às quais o arguido teve oportunidade de se pronunciar no âmbito do disposto nos artigos 413º e 417º, nº 2 do Código Processo Penal, não estão dependentes, bem como a alteração de subsunção jurídica que as mesmas determinam, do prévio cumprimento do disposto no artigo 424.º, n.º 3, do Código Processo Penal. -Neste sentido se pronunciou o Acórdão da Relação de Lisboa de 6/11/2012, disponível in www.dgsi.pt. O mesmo se retira do facto da alteração verificada ter sido retirada de factos confessados pelo próprio arguido em sua defesa em sede de julgamento em 1ª instância, e o crime de consumo de estupefacientes constituiu um minus relativamente ao imputado crime de tráfico de menor gravidade cuja factualidade não se demonstrou em julgamento, pelo que não existe nenhum elemento de surpresa que justifique a atribuição ao arguido de uma maior amplitude de defesa caso se provem, como foi o caso, apenas factos invocados pelo mesmo suscetíveis de integrar um crime de consumo.
Alterada a factualidade nos termos supra mencionados e procedendo ao enquadramento jurídico da mesma, mostra-se o arguido incurso na prática do crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 40.º, n.º1 e 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01.
Assente o cometimento do referido crime pelo arguido, impõe-se então a aplicação da pena, abstratamente prevista no referido preceito de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias, sendo certo que os autos contêm os elementos necessários a tal decisão.
Sendo a pena aplicável compósita, ou seja, ao crime é aplicável, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, estabelece o artigo 70.º, do Código Penal que “o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, sendo as finalidades das penas “a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal).
Nos termos do artigo 71º do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra aquele, designadamente as elencadas nesse preceito.
Por outro lado, nos termos do artigo 40º número 2 do citado diploma legal, a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.
Assim, sendo a finalidade do direito penal o da proteção dos bens jurídico-penais, e a pena o meio de realização dessa tutela, haverá que estabelecer-se uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes.
Através da prevenção geral positiva apela-se à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e procura-se garantir o restabelecimento da confiança da comunidade na efetiva defesa da norma violada.
Pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente – prevenção especial positiva – e a dissuasão da prática de futuros crimes – prevenção especial negativa.
A prevenção especial não é um valor absoluto mas duplamente limitado pela culpa e pela prevenção geral: pela culpa já que o limite máximo da pena não pode ser superior à medida da culpa; pela prevenção geral que dita o limite máximo correspondente à garantia da manutenção da confiança da comunidade na efetiva tutela do bem violado e na dissuasão dos potenciais prevaricadores.
Daí que, na convocação dos citados artigos 71º e 40º do Código Penal, para a determinação da medida da pena, deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que possam ser consideradas a favor ou contra o agente, entre as quais se encontram as referidas, de forma não taxativa, nas alíneas a) a f) do n.º 2 do artigo 71.º referido, sem olvidar a proteção dos bens jurídicos tutelados, até ao máximo consentido pela culpa e a reintegração do agente na sociedade.

No caso vertente, as necessidades de prevenção geral assumem relevo significativo, atento o elevado número de pessoas que são consumidoras de produtos estupefacientes, com as nefastas consequências para a saúde e potenciadoras de desagregação social. O mesmo entendemos, porém, não se verificar no que concerne às necessidades de prevenção especial, porquanto o arguido não tem antecedentes criminais e, não obstante ser consumidor de estupefacientes desde os 16 anos de idade, tem procurado afastar-se dos pares ligados a contextos de droga, manter-se laboralmente ocupado e beneficia do apoio e retaguarda familiar.
A culpa reveste a sua forma mais grave de dolo direto.
O arguido encontra-se temporariamente desempregado vivendo com o apoio dos pais. Admitiu a posse da substância estupefaciente apreendida e que a destinava ao consumo pessoal, embora tal não assuma especial relevo.
Sopesadas todas estas circunstâncias afigura-se-nos ser de fixar uma pena de multa, a graduar em 40 (quarenta) dias, a qual nos termos do disposto no artigo 47.º, nº 2 do Código Penal, atenta a modesta situação económica do arguido, como se extrai do seu relatório social, se fixa á taxa diária de € 5,00, o que perfaz o montante global de € 200,00.
***
III – DECISÃO

Os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, alteram a factualidade provada nos termos supra elencados e, subsumindo-a à prática pelo arguido A. E., de um crime de consumo de estupefacientes p. e p. pelo artigo 40.º. n,º1 e 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, condenam o referido arguido, como autor material desse crime, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), no montante global de € 200,00 (duzentos euros).

Sem tributação, por não ser devida.
(elaborado pelo relator e revisto por ambos os subscritores – artº 94 nº2 do Código Processo Penal)
Guimarães,26 de abril de 2021

Os Juízes Desembargadores

José Júlio Pinto
Pedro Cunha Lopes