Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1426/19.1T8VCT.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
DENÚNCIA
APLICAÇÃO DAS LEIS NO TEMPO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Numa acção de reivindicação em que a ré excepcionou a existência e vigência de um contrato de arrendamento legitimador da ocupação da coisa (contrapondo à alegação da autora, segundo a qual ele se extinguiu por denúncia, que esta foi ineficaz por tal figura dogmática e a respectiva legislação invocadas na notificação serem inadequadas para evitar a renovação automática de acordo com o regime aplicável ao negócio que exige a oposição), não é nula a sentença que, concluindo pela alegada ineficácia, julgou procedente a excepção peremptória, nos termos das alíneas d) e e), do nº 1, do artº 615º, 3º, nº 3, e 195º, do CPC, apesar de a fundamentação jurídica relativa à questão da validade e efeitos da comunicação não se restringirem aos estritos termos em que a ré sustentou nenhum ter sido produzido, mas não se tratando de decisão-surpresa nem se verificando violação do princípio do contraditório.
II. Ao contrato de arrendamento urbano, para habitação, celebrado em 03-04-2006 com efeitos a 01-04-2006, pelo período de um ano, renovável, aplica-se o regime transitório material previsto no artº 26º, do NRAU (Lei 6/2006, nas suas sucessivas redacções), mormente, nos termos dos nºs 1 e 3, quanto aos períodos de renovação por falta de denúncia ou de oposição à renovação, conceitos jurídicos distintos mas equiparados na prática quando o senhorio comunica, mediante notificação judicial avulsa, pretender a extinção no fim do respectivo período.
III. Tendo esta sido efectuada, a requerimento da senhoria, em 22-02-2016, com a expressa menção de que pretendia a cessação em 01-03-2018, mas tendo-se o contrato renovado automaticamente em 01-04-2017 (dia e mês correspondentes ao do seu início), por novo período (então, de dois anos, de acordo com o dito regime legal transitório), persistindo a mesma que o contrato se extinguiu naquela data (Março de 2008) e não admitindo sequer qualquer outra posterior, a notificação é ineficaz.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Os autores M. C. e marido A. L., intentaram, em 15-04-2019, no Tribunal de Viana do Castelo, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a ré R. P..

Peticionaram que seja:

a) declarado que o prédio urbano, composto de rés-do-chão, por eles identificado, “pertence” à autora;
b) condenada a ré a reconhecer “tal direito”;
c) condenada a ré a entrega-lo à autora, livre de pessoas e bens;
d) condenada a ré a pagar-lhe a quantia mensal de €200,00, desde Março de 2018 até efectiva entrega “do rés-do-chão do imóvel” em causa;

Para tanto alegaram, em suma, na petição, que, por usucapião e sucessão hereditária, adquiriram a “pertença” do referido imóvel, a seu favor registado na Conservatória, e que, apesar de (ambos) o terem dado de arrendamento à ré, o contrato foi denunciado (pela autora mulher) com efeitos a 01-03-2018.
Apesar de, por tal via, ele “se ter extinguido na referida data de 01-03-2018”, esta não o entregou e mantém a respectiva ocupação “ilícita e abusiva”, assim os impedindo de o arrendar. Para tal efeito “o prédio” tem o “valor” de 200,00€/mês, pelo que reclamam indemnização, desde aquela data.

Juntaram documentos e, entre eles, a habilitação, da autora, à herança de cujo acervo fazia parte o prédio; o registo, a favor dela (casada com o autor, no regime de comunhão de adquiridos) na Conservatória; a caderneta predial (de onde se vê, em conjugação com a descrição, que o prédio é composto de rés-do-chão, 1º andar e anexo); e a notificação judicial avulsa – NJA – à ré, requerida pela autora (da qual consta a invocação do disposto no artº 1101º, alínea c), do CC, e que a pretendida “denúncia” seria “com efeitos a partir do dia 1 de Março de 2018” e “devendo a mesma, nesse dia, deixar o dito imóvel…”).

Na contestação, a ré aceitou o alegado quanto à titularidade do imóvel e à celebração do contrato de arrendamento. Impugnou, por falsa, a demais factualidade, mormente a relativa aos termos e efeitos da notificação da alegada denúncia e ao valor da eventual renda.
Assim, além de corrigir que o referido contrato (de duração limitada) foi celebrado pela “antecessora dos autores”, sustentou que este se foi automaticamente renovando mas ainda permanece em vigor (estando a depositar, desde Março de 2018, as rendas cujo recebimento a autora recusou) porque, apesar da notificação feita e de este tipo de contratos cessar mediante oposição à renovação nos termos dos artºs 1095º, 1097º e 1098º, CC, a verdade é que “em momento algum os AA comunicaram legalmente que se opunha à renovação…”.
É que, o que dela consta é a pretensão de a autora “denunciar o contrato…nos termos da alínea c), do artº 1101º, do CC…” (com efeitos a partir do dia 1 de Março de 2018), acto este que “reporta-se apenas aos contratos de duração indeterminada” antes denominados “sem duração limitada”, pelo que tal figura “não tem aplicação no presente contrato”, nem é susceptível de lhe por termo.
O único meio para tal teria sido a “oposição à sua renovação (artºs 1097º e 1098º, CC). Porém, até agora, “nenhuma das partes se opôsà renovação”.
A alegada denúncia, portanto, “não produziu qualquer efeito”.
Logo, a ocupação é legítima, inofensiva do direito de propriedade e não prejudicial. De resto, dado o estado degradado em que o prédio se encontra, não vale os 200€ para efeitos de arrendamento.

Juntou documentos relativos aos depósitos (rendas desde Março de 2018 a Agosto de 2019) e fotos alusivas ao estado do imóvel.

Em resposta, os autores, além de manterem a sua alegada versão, refutaram tabelarmente a da ré e impugnaram genericamente os documentos, requerendo que a contestação seja “julgada improcedente”.

Após notificação para tal, os autores juntaram o documento relativo ao contrato de locação – celebrado em 03-04-2006, entre a mãe dela e a ré e uma outra pessoa – e, no respectivo requerimento, aproveitaram para “esclarecer” que, atenta a data de outorga do mesmo, lhe é aplicável o RAU e não o NRAU nem, portanto, o regime de denúncia naquele previsto [1].

Em mais um articulado, a ré contrapôs que ao contrato em apreço (e, consequentemente, à respectiva cessação) é aplicável o NRAU, nos termos dos artºs 59º e 26º, nºs 1 e 2, da Lei 6/2006.

Em 21-11-2019, realizou-se a audiência prévia e, então, após a fixação do valor da causa (37.930,55€) e verificação dos pressupostos processuais, entendendo-se que “o estado do processo habilita, sem necessidade de mais provas, a apreciação do pedido”, foi proferida a sentença, que culminou na seguinte:

“DECISÃO:
Por tudo o exposto, o tribunal decide julgar a presente acção parcialmente procedente e, em conformidade, declarar que o prédio supra descrito no ponto 1 dos factos provados pertence à A. e condenar a R. a reconhecer tal direito.
No mais, decide-se absolver a R. dos demais pedidos formulados pela A.
Custas a cargo de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento (art. 527º, do CPC).
Registe e notifique. ”

Os autores não se conformaram e apelaram à revogação do assim decidido, tendo alegado e apresentado como conclusões o seguinte texto:

“I. Interpõe-se recurso da decisão proferida pelo Tribunal a quo que em sede de audiência prévia proferiu despacho saneador, conhecendo do mérito da causa e bem assim julgando parcialmente procedente os pedidos formulados pelos Autores.
II. O petitório considerado como improcedente era precisamente o essencial na acção intentada, já que, era aí que se peticionava a desocupação do bem dado de arrendamento pelos Recorrentes/Autores à Recorrida/Ré, com o consequente arbitramento de uma quantia pecuniária desde o momento em que devia ter desocupado a propriedade dos Autores e o momento da entrega do imóvel.
III. Nesta medida, mais não resta aos Recorrentes a não ser lançar mão do recurso que se interpõe.
IV. Em primeiro lugar, entendem os Recorrentes que a sentença proferida encontra-se ferida de nulidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 615.º, n.º 1, als. d) e e), ex vi art. 195.º todos do CPC, atendendo a que o Tribunal a quo proferiu uma decisão surpresa sobre matéria que não se encontrava debatida nos articulados, nem alegado pela Ré, e bem assim sobre matéria à qual não foi conferida qualquer possibilidade de exercício de direito do contraditório às partes.
V. No mais, e porque nada há relevar no que concerne ao conjunto de factos dados como provados, sempre dirão os Recorrentes que, ainda que os Venerandos Desembargadores entendam que a sentença não é nula – o que apenas academicamente admitimos – sempre deverão levar em linha de consideração que o Tribunal a quo errou na apreciação de direito e na subsunção realizada dos factos dados como provados ao direito aplicável.
VI. Com isto queremos dizer que errou o Tribunal a quo ao considerar como considerou que a notificação judicial avulsa realizada pelos Recorrentes para findar a relação contratual de arrendamento é ineficaz por ter sido realizada com “demasiada” antecedência, relativamente à data da renovação do contrato, factualidade que iremos perscrutar, demonstrando os pontos de discordância e por que motivo entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo extravasou a livre apreciação que lhe é permitida nesta sede, ao decidir como decidiu.

Sem prescindir,

VII. No que concerne à nulidade de sentença, o artigo 615.º, n.º 1, als. d) e c) do CPC, prescreve que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devia conhecer ou conheça de questões que não podia e devia tomar conhecimento, sendo ainda nula, quando condene em quantidade superior ao peticionado.
VIII. Pensamos seriamente ser este o caso dos autos, uma vez que o Tribunal a quo se pronuncia precisamente sobre questões que, como referimos supra, não podia ou devia tomar conhecimento.
IX. Os Autores, aqui Recorrentes, lança mão de uma acção de reivindicação, peticionando a final o reconhecimento da sua propriedade; que a Ré reconheça a propriedade invocada e que seja declarado que a mesma tem de abandonar o prédio.
X. A Ré, aqui Recorrida, contestou, invocando que o contrato de arrendamento foi celebrado antes da entrada em vigor do NRAU, pese embora, nos termos do art. 26.º do NRAU aquela lei passe a ser aplicada mesmo aos contratos pendentes.
XI. Com isto pretendia a Ré, aqui Recorrida dizer que, tendo sido o contrato de arrendamento celebrado com efeitos a partir de 01.04.2006, e sendo a notificação judicial avulsa realizada pela Autora em 22 de Fevereiro de 2016 para desocupação em Março de 2018, não devia ser considerada, porquanto naquela notificação a Autora fazia referência a uma denúncia do contrato de arrendamento, quando, ao abrigo do NRAU estaríamos perante uma oposição à renovação. [Ref. Citius 2478835].
XII. Os Autores, aqui Recorrentes, após terem sido convidados a juntar o mencionado contrato de arrendamento, procederam à sua junção e explicitaram que, não obstante se poder considerar ou não a produção de efeitos do NRAU para os contratos celebrados antes da sua vigência, na verdade, nos contratos celebrados ao abrigo do RAU [como é o caso deste] a destrinça entre oposição à renovação e denúncia não existia. [Ref. Citius 2540392], a qual obteve resposta da Ré/Recorrida com o requerimento Ref. Citius 2552658. XIII. Esta foi a matéria debatida em sede de peças processuais/articulados.
XIV. Não obstante, em sede de audiência prévia, foram as partes surpreendidas com uma decisão surpresa que veio incidir sobre matéria não alinhada e não alegada pela Ré, e sobre a qual nenhuma das partes foi chamada a exercer o respectivo direito de contraditório.
XV. O Tribunal a quo entendeu assim que, estava em condições de proceder à decisão do mérito da causa, entendendo com base na aplicação do art. 1097.º do CC, que em virtude das alterações e submissão às regras do NRAU [vide arts. 59.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1 e 3 do NRAU] deveria ser de aplicar o artigo 1097.º do CC que estabelece que o senhorio tem 120 (cento e vinte) dias contados da renovação para impedir a renovação automática do contrato.
XVI. Adianta, entendendo que com a transição para o NRAU, o contrato celebrado passa a ter a duração de 1 (um) ano, renovando-se sucessivamente por iguais períodos, o que em si, retira a eficácia à denúncia realizada pela Autora/Recorrente, pois que, sendo as renovações apenas de 1 (um) ano e sendo o contrato celebrado em 01.04, no momento em que se procede à notificação judicial avulsa da Ré/Recorrida (22 de Fevereiro de 2016) não poderia reportar-se a 2018, porque não seria a próxima renovação, mas a 2017.
XVII. Com base neste entendimento, entendeu o Tribunal a quo que a notificação para oposição à renovação foi ineficaz em relação a 2017 (porque já não estava dentro do prazo) e também em relação a 2018 (porque só poderia enviar essa mesma notificação depois de decorrida a renovação de 2017).
XVIII. Não podemos concordar com tal posição assumida pelo Tribunal, nem tão pouco foi esta a matéria alegada pela Ré para fundamentar a sua pretensão de improcedência, decidindo o Tribunal muito aquém do petitório formulado pela Recorrida, e sobre matéria da qual não se solicitou a sindicância, nem foi conferido qualquer contraditório,
XIX. Pelo que, mais não resta aos Recorrentes do que peticionar aos Venerandos Juízes Desembargadores seja declarada a nulidade da sentença, por violação do disposto nos arts. 615.º, n.º 1, als. d) e e), art. 195.º, n.º 1 e art. 3.º, n.º 3 do CPC.
XX. O que se requer.

Sem prescindir,

XXI. E caso se entenda pela improcedência da nulidade de sentença ora invocada, sempre diremos que mal andou o Tribunal a quo, aquando da subsunção de direito à factualidade que inclusivamente considerou como provada.
XXII. Tal como já se deixou alinhado, o contrato de arrendamento foi celebrado em 01.04.2006, antes da entrada em vigor do NRAU que apesar de ter sido aprovado pela Lei n.º 6/2006 de 27.02, apenas entrou em vigor 120 dias após a sua publicação, tal qual discorremos se consultarmos as normas transitórias constantes daquele.
XXIII. Se revisitado o art. 26.º do NRAU verificamos que nos contratos de arrendamento para fins habitacionais, foi estabelecido que quando não fossem denunciados por qualquer das partes, os contratos de duração limitada – como é o caso dos autos – renovar-se-iam automaticamente no fim do prazo para o qual foram celebrados, pelo período de 2 (dois) anos.
XXIV. Daqui, o Tribunal a quo entendeu que o NRAU não conferiu qualquer especialidade no que concerne ao prazo de oposição à renovação, aplicando de imediato o art. 1097.º do CC, e concluindo que o prazo se considera celebrado por períodos de 1 (um) ano, renováveis, concluindo ainda que o prazo de oposição à renovação é de 120 dias, contados desde a renovação.
XXV. Neste circunstancialismo, o raciocínio do Tribunal a quo vai mais longe, ao entender que o lapso de tempo entre a notificação judicial avulsa (2016) e a data de produção de efeitos (2018) invalida-a por completo.
XXVI. Isto porque, entre a data da notificação judicial avulsa e a data que se pretendia para a produção de efeitos ocorria uma renovação (em 2017), e que seria por referência a essa renovação que a notificação judicial avulsa se deveria reportar.
XXVII. Ora, se por um lado, em relação a 2017 o prazo dos 120 (cento e vinte) dias já tinha expirado há muito, por outro lado, não podia notificar para a renovação de 2018 quando ainda faltava ocorrer a renovação de 2017 e que seria obrigatoriamente a essa renovação que a notificação se deveria reportar.
XXVIII. Conclui assim que a antecedência conferida torna a notificação para a oposição à renovação ineficaz.
XXIX. Não poderemos concordar com o alinhado pelo Tribunal.
XXX. Em primeiro lugar, porque lançando mão da interpretação do art. 26.º do NRAU, os Recorrentes pretenderam efectivar e assegurar o prazo de 2 (dois) anos ao proceder a essa notificação.
XXXI. E por outro lado, ainda que assim não fosse, não se retira do teor literal da lei, nem tão pouco do seu sentido teleológico que, a oposição à renovação tenha obrigatoriamente que se reportar “à próxima renovação”.
XXXII. No entender dos Recorrentes – que se entende ser o consentâneo com o sentido imanente à criação do art. 1097.º do CC – foi precisamente para que não ocorressem “despejos sem aviso” que foi criado um período tido como um limite e patamar mínimo de aviso pelo senhorio ao arrendatário, tendo o legislador querido proteger aquela que no sentido seria a parte contratual mais débil e fraca.
XXXIII. Neste caso, se o sentido da norma foi precisamente reforçar os direitos dos inquilinos face à parte contratual tida como mais forte – o Senhorio – considerando normas de protecção da família e do direito à habitação, em momento algum, o factos dos Recorrentes terem conferido mais prazo do que aquele que seria devido poderá prejudicar neste caso a Ré que, precisamente, com mais antecipação sabe precisamente que apenas operará mais uma renovação e que em 2018 teria efectivamente que abandonar o locado.
XXXIV. Não se consegue conceber um juízo distinto deste.
XXXV. Veja-se que, se atentarmos ao conteúdo da notificação judicial avulsa, a mesma no seu petitório é clara ao referir que a partir de 1 de Março de 2018 a Ré, aqui Recorrida, teria que deixar o imóvel livre de pessoas e bens.
XXXVI. A notificação, sendo uma declaração receptícia foi recebida pela Ré/Recorrida, sendo o seu alcance e conteúdo claro.
XXXVII. No mais, todos os requisitos que poderiam levar à invalidação da oposição à renovação foram cumpridos, encontrando-se de acordo com o previsto pelo NRAU, pelo que, salvo melhor opinião, não podemos concordar com o sentido conferido pelo Tribunal a quo para não considerar que ocorreu uma verdadeira oposição à renovação, pelo que, mais não resta à Recorrida do que abandonar o imóvel.
XXXVIII. Neste sentido, vai precisamente esta Veneranda Relação que, por Acórdão proferido em 31.01.2019, no âmbito do processo n.º 103/T8AMR.G1, e bem assim o Supremo Tribunal de Justiça nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.ºs 83/16.1YLPRT.L1.S1 em 19.10.2017.
XXXIX. Deste modo, entendemos que ao entender como entendeu e ao subsumir como subsumiu o Tribunal a quo incorreu em erro, não fundamento devidamente o seu entendimento que vai para além do raciocínio previsto pela letra da lei, extravasando-o.
XL. No entanto, e conforme tudo o explanado, entendem os Recorrentes face à produção de prova realizada e bem assim ao direito aplicável nesta sede, deveria o Tribunal a quo ter atendido à pretensão formulada pelos Autores, aqui Recorrentes, condenando a Ré, ora Recorrida na totalidade do petitório formulado em sede de Petição Inicial, ou caso assim não se entenda, prosseguindo os ulteriores termos do processo até final, com a realização da competente audiência de discussão e julgamento, fazendo-se assim uma INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.
XLI. Tal é o que mui doutamente se requer a V.ªs Ex.ªs, Colendos Juízes Desembargadores deste Venerando Tribunal da Relação.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V.ªs Ex.ªs mui doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso interposto e, em consequência:
I. Revogar-se a douta SENTENÇA nos termos peticionados, atendendo à nulidade invocada;

Caso assim não se entenda,

II. Considerar-se procedente por provada a Petição Inicial apresentada, condenando-se a Ré na totalidade do petitório formulado, ou caso assim não se entenda, revogar-se a sentença proferida, prosseguindo os ulteriores termos do processo até final com a realização da audiência de discussão e julgamento;
FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E SÃ JUSTIÇA!
Legislação violada: arts. 3.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1, als. d) e e), ambos do CPC; art. 1097.º do CC, arts. 26.º e 59.º do NRAU;
Espera Respeitosamente Deferimento”.

A ré contra-alegou e – requerendo a ampliação do objecto do recursoconcluiu nestes termos:

“1. A questão suscitada nos presentes autos é a de saber se a Ré/Recorrida está no uso do prédio visado legitimamente ou em violação do direito de propriedade dos AA.
2. É necessário aferir se o contrato de arrendamento celebrado entre as partes se encontra ou não a produzir os seus efeitos.
3. É apenas e só sobre esta questão que se pronuncia o Tribunal a quo.
4. A Ré/Recorrida alega estar em vigor um contrato de arrendamento que justifica que esteja no uso do imóvel, pondo os AA./Recorrente em causa a validade desse contrato e invocando terem denunciado o mesmo com efeitos a partir de 01/03/2018.
5. Perante isto, nada mais natural que o Tribunal a quo se pronuncie acerca da existência de tal contrato, aplicando aos factos que lhe são apresentadas pelas partes o direito em vigor no nosso ordenamento jurídico, sem que isso possa constituir uma decisão-surpresa.
6. Assim, não padece a douta sentença proferida de qualquer nulidade.
7. O contrato de arrendamento em escrutínio foi celebrado em 03/04/2007, com efeitos a partir de 01/04/2007.
8. E duvidas não restam de que, por força do artigo 26º do NRAU tal contrato encontra-se submetido ao NRAU, sendo que está assente que a sua primeira renovação operou em 01/04/2009.
9. Entendeu o Tribunal a quo que após o ano de 2009, o presente contrato de arrendamento se renovou anualmente, nos termos do artigo 1095º do C.C.
10. Por seu turno, entendem os AA./Recorrentes que o contrato de arrendamento, atendendo ao teor do artigo 26º do NRAU, passa a renovar-se automaticamente pelo período de 2 anos após o ano de 2009, pelo que a denuncia por eles efectuada encontra-se correctamente feita por acautelar esse período de dois anos.
11. Entendem ainda que, ainda que assim não seja, os AA./Recorrentes levaram a cabo a denuncia com uma antecedência superior a dois anos, motivo pelo qual sempre seria de ter-se como válida a denuncia efectuada em 22/02/2016 e com efeitos em 01/03/2018.
12. Não assiste razão aos AA./Recorrentes.
13. Em primeiro lugar cumpre esclarecer que independentemente de ao presente contrato se aplicar a partir do ano de 2009 o artigo 1095º do C.C. ou o artigo 26º do NRAU, sempre o contrato de arrendamento se teria automaticamente renovado em 01/04/2017, porque para aquela data nenhuma das partes se opôs à sua renovação.
14. A terem lugar as renovações nos termos entendidos pelo Tribunal a quo, o contrato ter-se-á renovado em 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, e assim sucessivamente até a oposição de qualquer das partes.
15. Por seu turno, aplicando-se às renovações o estipulado no artigo 26º do NRAU, o contrato ter-se-á nos anos de 2009, 2011, 2013, 2015, 2017, 2019 e assim sucessivamente.
16. Pelo que, tal como entendeu, e bem, o Tribunal a quo, após a denúncia levada a cabo pelos AA./Recorrentes para surtir efeito em 01/03/2018, houve uma renovação automática do contrato de arrendamento que ocorreu em 01/04/2017.
17. Padecendo de qualquer fundamento lógico o argumento de que foi a aplicação do artigo 26º do NRAU que levou os AA. a denunciar o contrato de arrendamento em 1 de Março de 2018.
18. Acresce que, salvo o devido e merecido respeito por entendimento diverso, assiste razão ao Tribunal a quo ao entender que a denuncia levada a cabo é ineficaz porquanto após ter sido efectuada, o contrato de arrendamente sofreu uma renovação automática que pôs em causa os efeitos daquela denuncia.
19. De facto, dispõe o artigo 1097º, nº 2 que “a antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.”
20. Ora, se o contrato de arrendamento se renovaria em 01/04/2017, e se a oposição à renovação se reporta ao termo do prazo da renovação, então, nunca os AA. poderiam ter-se oposto à renovação do contrato de arrendamento para o ano de 2018, quando operou aquela renovação no ano de 2017.
21. Pelo que andou bem o Tribunal a quo ao entender que a oposição à renovação tem de reportar-se à data da renovação que se pretende evitar e que se entretanto o contrato se renovar automaticamente, aquela oposição é ineficaz, mantendo-se em vigor o contrato de arrendamento até que qualquer das partes se oponha à sua renovação.

Sem prescindir,

22. Nunca a referida denuncia poderia ser considerada eficaz. Vejamos,
23. Em primeiro lugar importa referir que, tal como já alegado pela Ré/Recorrida, na sua Contestação, a notificação judicial avulsa promovida pela A. não foi, como não é, susceptível de pôr fim ao referido contrato de arrendamento em causa nos autos.
24. O referido contrato de arrendamento celebrado é um contrato de duração limitada, actualmente designado pela lei como contrato com prazo certo.
25. Os contratos de arrendamento com prazo certo cessam com a oposição à renovação levada a cabo ora pelo inquilino, ora pelo senhorio, nos termos dos artigos 1095º, 1097º e 1098º do código civil, ou por resolução nos termos do artigo 1083º em caso de incumprimento por qualquer das partes.
26. Acontece que em momento algum os AA. comunicaram legalmente à Ré que se opunham à renovação do contrato de arrendamento.
27. Os AA., por Notificação Judicial Avulsa, comunicam à R. que pretende denunciar o contrato de arrendamento celebrado com esta nos termos do artigo 1101, al. c) do código civil – vide artigo 3º da notificação judicial avulsa junta com a petição inicial sob o documento nº 4.
28. Ora, a denuncia prevista na al. c) do artigo 1101º do código civil reporta-se apenas aos contratos de duração indeterminada, anteriormente ao NRAU denominados contratos sem duração limitada, pelo que não tem aplicação no presente contrato – vide Livro II, Titulo II, Capitulo IV, secção VII, subsecção VII, Divisão II, Subdivisão II do Código Civil.
29. Assim, muito espanto causou à Ré/Recorrida aquela comunicação, sendo certo que pensou tratar-se de lapso da A., pois havia com aquela celebrado um contrato de arrendamento de duração limitada e não um contrato de sem duração limitada.
30. E como supra se referiu, para além dos casos em que exista fundamento para a resolução, o único meio de pôr termo ao contrato de arrendamento celebrado com prazo certo com renovação automática, como o dos presentes autos, é pela oposição à sua renovação, nos termos dos artigos 1097º e 1098º do código civil.
31. Não é a comunicação prevista no artigo 1101, al. c) do código civil susceptível de por termo ao contrato de arrendamento em causa nos presentes autos, nem a qualquer outro contrato de arrendamento com prazo certo, pois a estes não é aplicável o referido artigo.
32. Assim, a alegada denuncia, porque não é aplicável ao contrato em causa nos presentes autos, não produziu qualquer efeito sob a manutenção do contrato de arrendamento celebrado entre A./Recorrente e Ré/Recorrida.
33. E padece de fundamento o argumento dos AA./Recorrentes quando dizem que há confusão entre a expressão “denuncia” e a expressão “oposição à renovação”, entendendo-se que pode qualquer uma delas ser utilizada na comunicação de oposição à renovação, desde que seja inequívoco o sentido de oposição à renovação.
34. Ora, não podemos deixar de concordar com os AA. quando diz que desde que seja inequívoco o sentido que se quer dar à expressão “denuncia”, esta pode ser usada em substituição da expressão “oposição à renovação”.
35. Sucede que, como supra se referiu, pela leitura da notificação judicial avulsa remetida pela A. à Ré, é inequívoco que o que aqueles pretendiam era denunciar o contrato de arrendamento nos termos do artigo 1001º, al. c), do código civil, como eles próprios o referem, e não opor-se à renovação do contrato.
36. Pelo que não fizeram os AA. qualquer confusão de expressões, utilizando a expressão que realmente queria utilizar e lançando mão da denuncia nos termos do artigo 101º, al.c), como era sua intenção.
37. Sucede que, como supra se referiu, a Denuncia, nos termos do artigo 1001º, al. c) do C.C. não é o meio idóneo de por fim ao contrato de arrendamento em causa nos presentes autos, motivo pelo qual tal denuncia é ineficaz, mantendo-se o contrato de arrendamento em vigor até à presente data.
38. De todo o modo, e ainda que se entenda que a renovação que operou ano de 2017 não põe em casa a denuncia efectuada, ou que pese embora se tenha indicado como fundamento para a denuncia o artigo 100º, al. c), tal não impede de a mesma se entenda como um oposição à renovação, sempre tal denuncia deverá ser considera ineficaz.
39. O contrato de arrendamento foi celebrado em 01 de Abril de 2007.
40. Nos termos do artigo 26º do NRAU, tal contrato encontra-se submetido ao regime do NRAU e renovou-se em 01 de Abril de 2009, como já aceite pelos AA.
41. Seguindo o entendimento do Tribunal a quo a primeira renovação após a notificação judicial avulsa levada a cabo pelos AA. terá ocorrido em 01/04/2017 e a seguinte em 01/04/2018.
42. Seguindo o entendimento dos AA./Recorrentes a primeira renovação após a notificação judicial avulsa levada a cabo pelos AA. terá ocorrido em 01/04/2017 e a seguinte em 01/04/2019.
43. Ora, a notificação judicial avulsa levada a cabo pelos AA. diz que a denuncia produzirá os seus efeitos a 1 de Março de 2018.
44. Ora, tal como refere o Tribunal da Relação de Guimarães no douto Acordão proferido em 31/01/2019, processo nº 103/18.5T8AMR.G1, a que aludem os AA./Recorrentes, a oposição à renovação deve ser reportada ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
45. No presente caso, os AA. reportam a denuncia ao dia 1 de Março de 2018 e não ao termo do prazo da sua renovação, independentemente de se entender que tal renovação operou em 01/04/2018 ou em 01/04/2019.
46. E note-se que a seguir o entendimento dos AA. tal renovação operaria em 01/04/2019.
47. Assim, nunca a denuncia do contrato com efeitos a 01 de Março de 2018 poderia operar.
48. Assim, sempre e em qualquer das situações apresentadas, a denúncia efectuada terá de ser considerada ineficaz.
49. Consequentemente, o contrato de arrendamento celebrado entre A. e Ré, mantém-se actualmente em vigor, produzindo os seus habituais efeitos, com plena validade e eficácia, porquanto nenhuma das partes se opôs, até ao dia de hoje, à sua renovação.
50. Deste modo, carecem os AA. de legitimidade para reivindicar a propriedade do prédio de que é proprietária, porquanto a Ré detém o uso do mesmo na qualidade de inquilina, procedendo ao pagamento da renda devida.
51. Devendo, em qualquer dos casos, ser a Ré absolvida dos pedidos formulados pelos AA.

Termos em que, deve ser negado provimento ao presente Recurso e produzir-se acordão em conformidade com o acima exposto;
Caso assim não se entenda, deverá ser dado provimento à ampliação do âmbito do recurso nos termos acima expostos pela Ré/Recorrida, e em consequência ser a Ré absolvida dos pedidos contra si formulados, assim se fazendo JUSTIÇA! ”

Da sua resposta ao pedido de ampliação do objecto do recurso, os autores tiraram mais estas conclusões:

I.A Recorrida – Ré nestes autos – vem peticionar a ampliação do objecto do recurso interposto, alegando para tanto que, ainda que se entenda que o contrato de arrendamento se tenha renovado em 2017 a denúncia não pode ser considerada eficaz.
II. Em primeiro, entendemos que não deve haver lugar a ampliação do objecto de recurso, precisamente porque a matéria expendida pela Ré coincide precisamente com o objecto das suas alegações, não sendo uma matéria que deva acautelar no caso de procedência do recurso interposto.

III. Entende-se, assim, que deverá ser liminarmente indeferido.

Sem prescindir,

IV. Alega ainda a Recorrida que a notificação judicial avulsa levada a cabo pela Autora, aqui Recorrente, é ineficaz atendendo a que utiliza o conceito “denúncia” e não “oposição à renovação”, entendendo ainda que o contrato era de duração limitada, e portanto, a Autora deveria ter lançado mão dos preceitos da oposição.
V. Entendemos que assim não o é.
VI. E entendemos que assim não o é independentemente da questão do prazo para o efeito e da sua concreta qualificação.

Vejamos:

VII. Se nos reportarmos ao regime anterior ao NRAU o termo denúncia era utilizado indistintamente para os contratos de duração indeterminada ou limitada.
VIII. Por outro lado, se nos reportarmos concretamente à notificação judicial avulsa, denotamos que a notificação é clara ao estabelecer a data após a qual a Ré teria que abandonar o locado.
IX. Ressalta do próprio teor da notificação judicial avulsa que preceitua precisamente o seguinte: “Nestes termos requer-se a V.ª Exc.ª a notificação judicial avulsa do requerido para informar a mesma da intenção dos requerentes procederem à denúncia do referido contrato com efeitos a partir do qual a partir do dia 1 de Março de 2018, devendo a mesma, nesse dia, deixar o dito imóvel” [negrito e sublinhado da nossa parte]
X. Daqui decorre que independentemente do conceito jurídico utilizado, a Ré aqui Recorrida, na verdade, entendeu o conteúdo necessário da notificação judicial avulsa lavrada.
XI. O sentido da declaração negocial lavrada é inequívoco.
XII. Daí que, se a Ré se inteirou perfeitamente do conteúdo da declaração negocial lavrada, inexiste qualquer motivo para que a notificação judicial avulsa seja considerada ineficaz.
XIII. Não pode a Ré conferir uma interpretação meramente positivista ou legalista.
XIV. Deste modo, e sem maiores delongas, entende a Recorrente que a notificação judicial avulsa deverá ser declarada válida e eficaz, devendo para tanto, produzir os efeitos jurídicos normais decorrentes da mesma.
XV. O que se requer.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V.ªs Exc.s mui doutamente suprirão, não deve ser concedido aceite a ampliação do objecto do recurso peticionado pela Recorrida – aqui Autora – sendo que, no caso de ser deferida tal ampliação, deverá a mesma ser julgada totalmente improcedente, mantendo-se de resto tudo o quanto foi alegado em sede de interposição de Recurso;
FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E SÃ JUSTIÇA!
Espera Respeitosamente Deferimento,

O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos autos, com efeito devolutivo, no respectivo despacho tendo o tribunal recorrido feito constar, apenas, que “entende” não se verificar a nulidade arguida.

Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, decantadas as extensas e múltiplas conclusões (de recorrentes e recorrida), retira-se delas que o essencial [2] a decidir respeita, quanto à apelação, a:

a) Nulidade da sentença – artº 615º, nº 1, alíneas d) e e), e artºs 3º, nº 3, e 195º, do CPC (as primeiras vinte).
b) Erro de julgamento, por ter sido, nos termos em que o foi, considerada ineficaz a comunicação para não renovação e extinção do contrato em 01-03-2018 (subsequentes vinte e uma conclusões).

E, ainda, quanto ao objecto da ampliação,

c) Inadequação da NJA para comunicar a não renovação e insusceptibilidade de ela pôr fim ao arrendamento por nela se declarar a denúncia e invocar a alínea c), do artº 1101º, do CC (própria dos contratos de duração indeterminada) e não o regime dos artºs 1095º a 1098º (relativo aos de duração limitada) sendo a oposição à renovação o único meio possível e inconfundível para tal efeito.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença, o tribunal a quo considerou relevantes e decidiu dar como assentes os seguintes factos:

1. Encontra-se registada a aquisição a favor da A. do seguinte imóvel: “Prédio urbano, composto de rés-do-chão, destinado a habitação, sito no Lugar …, da freguesia União de Freguesias de … e …, concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … (o qual proveio do artigo …-urbano, da extinta freguesia de …, deste concelho) e descrito na Conservatória na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …”.
2. Tal prédio adveio à pertença dos AA. por escritura de da Habilitação de Herdeiros nº 6812/2012 exarada em 21 de Junho de 2012 na Conservatória do Registo Civil de ….
3. Por si e seus antecessores, os AA. têm estado na posse pública do referido prédio, de forma pacífica e contínua, sempre de boa fé e com respeito pelos direitos de outrem, há mais de 30 e 40 anos, sem qualquer interrupção temporal, pagando as respectivas contribuições e nele efectuando benfeitorias, aí colocando os mais variados objectos e habitando-o, sem oposição de quem quer que seja, designadamente da Ré, com a intenção de exercer todos os direitos de proprietários, como tal agindo.
4. Por contrato de arrendamento para habitação em período limitado, celebrado em 3 de abril de 2006, com inicio no dia 1 de abril de 2006 e termo no dia 1 de abril de 2007, automaticamente prorrogável por sucessivos e iguais períodos de um ano, mediante o pagamento da renda anual de EUR: 1.800,00, paga em duodécimos de EUR: 150,00, os AA. deram de arrendamento à Ré, que lhe tomou, o rés do chão do prédio supra referido.
5. Por notificação judicial avulsa de 22 de fevereiro de 2016, a A. mulher procedeu à notificação judicial avulsa da Ré a fim de lhe comunicar a denúncia do contrato de arrendamento em causa com efeitos a partir de 1 de março de 2018.
6. Consta da certidão relativa ao cumprimento da referida notificação que esta foi efectuada, tendo a Ré ter tomado conhecimento do teor da mesma, nomeadamente a denuncia do contrato em causa, na referida data de 22-02-2016, tendo, no entanto, recusado assinar.
7. Até à presente data a ré não procedeu à entrega das chaves do local, livre de pessoas e bens, nem se mostra disposta a fazê-lo.”

IV. APRECIAÇÃO

Nulidade da sentença

Como se vai tornando trivial, também os recorrentes invocam que a sentença recorrida é nula, “nos termos das disposições conjugadas dos artºs 615º, nº 1, alíneas d) e e), ex vi artºs 195º, e 3º, todos do CPC” [3].

Em sua perspectiva, foi proferida uma “decisão surpresa” sobre matéria não alegada nem debatida e sobre a qual não foi dada às partes a possibilidade de exercerem o contraditório.

Sustentam, para tanto, que, na contestação, a ré questionou, apenas, que o contrato tivesse cessado por via da NJA, uma vez que, na tese dela, a denúncia era inaplicável ao caso sendo-o, isso sim, a oposição à renovação.

Logo, como esta não foi declarada, aquela não produziu qualquer efeito, permanecendo o arrendamento em vigor.

Acrescentam que, ao juntarem o documento que o titula, “explicitaram” não existir, em contratos como este ainda celebrados ao tempo do RAU, “a destrinça entre oposição à renovação e denúncia”, que “elaboraram o exercício de contraditório no que concerne à transição para o NRAU” e que, portanto, foi essa a matéria debatida nos articulados.

No entanto, ao aplicar, nos termos dos artºs 59º, nº 1, e 26º, nºs 1 e 3, do NRAU, e o artº 1097º, do CC, e ao concluir, nos termos em que o fez, que a NJA feita em 2016 era ineficaz quer para a data de renovação de 2017 quer para a de 2018, enveredou o tribunal por matéria não alegada nem contraditada e sobre a qual “não se solicitou a sindicância”, decidindo “muito aquém do petitório”.

A isto contrapôs a ré, na sua resposta, que a questão contende com a licitude ou ilicitude do uso que vem fazendo do prédio e, para a solucionar, necessário era aferir se o contrato de arrendamento permanece (como ela defende para justificar a sua conduta), ou não (como sustentam os autores), em vigor.

Por isso, o tribunal limitou-se a submeter os factos provados ao direito, a interpretar e aplicar as normas jurídicas conhecidas das partes, o que fez sem surpresa.

Ora, a sentença, na parte aqui relevante, refere o seguinte [4]:

“A invocação da vigência do contrato de arrendamento validamente celebrado como legitimador da ocupação do prédio reivindicado, constitui facto impeditivo do direito do proprietário pedir a sua restituição (artº 571º nº 2 do CPC).
Ora, da factualidade assente resulta que o dito prédio foi dado de arrendamento à ré, através da outorga de documento escrito em 03/04/2006, tendo sido acordado que o prazo de duração do contrato era de um ano, com início em 01/04/2006 e termo em 01/04/2007, sendo as prorrogações anuais, caso o mesmo não seja denunciado no seu termo (cfr. cláusula primeira do documento de fls. 68 verso).
Trata-se, por isso, de um contrato de duração limitada.
O contrato de arrendamento aqui em causa foi celebrado antes da entrada em vigor do NRAU – Lei nº 6/2006, de 27/02, ou seja na vigência do Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro.
Sobre a aplicação no tempo do NRAU, rege o seu art. 59º, nº 1, que este aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.
Assim, estabelece o art. 26º, nº 1 do NRAU que os contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, bem como os contratos para fins não habitacionais celebrados na vigência do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes.
E acrescenta no seu nº 3, quando não sejam denunciados por qualquer das partes, os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de dois anos ou, quando se trate de arrendamento não habitacional, pelo período de três anos, e, em ambos os casos, se outro prazo superior não tiver sido previsto.
Além desta especificidade quanto à renovação do contrato nenhuma outra foi expressamente estabelecida no NRAU, designadamente quanto à denúncia, pelo que subsistindo a relação contratual estabelecida entre as partes à data da entrada em vigor da Lei nº 6/2006, de 27/2 será este o regime legal aplicável.
Nos termos do art. 1094º, nº 1 do C. Civil, o contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada.
O art. 1095º do C.Civil estabelece que: “1 - O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato. 2 - O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a um nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo.(…)”.
Prevê o art. 1096º, do C.Civil: “1- Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. (…) 3 - Qualquer das partes se pode opor à renovação, nos termos dos artigos seguintes.”

Nos termos do art. 1097º, do mesmo diploma: “1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:

a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.
2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
3 - A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
4 - Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e nos n.os 1, 5 e 9 do artigo 1103.º”

Voltando ao caso, temos que o termo inicial do contrato foi fixado em 01/04/2007, que por força do art. 26º, nº 3 das normas transitórias do NRAU renovou-se por mais dois anos, ou seja até 01/04/2009.
E a partir desta data, atento o disposto no art. 1096º, nº 1 do C. Civil, o contrato passou a renovar-se automaticamente no seu termo e por períodos anuais, designadamente em 01/04/2010, 01/04/2011, 01/04/2012, 01/04/2013, 01/04/2014, 01/04/2015, 01/04/2016, 01/04/2017 e, por fim, em 01/04/2018.
Para impedir a renovação automática em qualquer uma destas datas, a autora – senhoria - tinha de comunicar a denúncia com uma antecedência mínima de 120 dias reportados à data da renovação (art. 1097º, nº 1, al. b) do C. Civil).

No caso, resulta do teor da notificação avulsa que a autora pretendia que a denúncia surtisse efeito a partir de 01/03/2018, pelo que a denúncia teria de cumprir uma antecedência de 120 dias reportados à data da renovação que ocorre em 01/04/2018.
Porém, dado que a notificação judicial avulsa foi concretizada em 22/02/2016, a denúncia só podia operar em relação à renovação seguinte, nomeadamente a de 01/04/2017, mas já não em relação à de 01/03/2018, conforme pretendia a senhoria/autora, porque a lei é clara no sentido de que a antecedência de 120 dias tem de reportar-se à data da renovação que se pretende evitar.
No caso, para obstar à renovação de 01/04/2018, tinha a autora de efectuar a denúncia com uma antecedência mínima de 120 dias em relação a esta data, mas sempre depois da renovação de 01/04/2017 – o mesmo vale dizer entre 01/04/2017 e 04 de Dezembro de 2017.
Ou seja, depois da renovação de 01/04/2017 a comunicação de oposição à renovação levada a cabo em 22/02/2016 como que “caducou”.

Nesta conformidade, impõe-se concluir que a denúncia é ineficaz e, por conseguinte, mantendo-se vigência do contrato de arrendamento carece a autora de legitimidade para reivindicar a propriedade do prédio de que é proprietária e bem assim o pagamento de qualquer quantia, para além, obviamente, da renda que se encontra contratualmente estipulada.”.

A Jurisprudência e a Doutrina têm-se pronunciado abundantemente sobre o conceito e regime das nulidades da sentença, designadamente sobre a omissão ou excesso de pronúncia e sobre a condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido – alíneas d) e e), do nº 1, do artº 615º.

Nessa tarefa, tem sido discutida a distinção de tais vícios (sejam eles relativos à decisão da matéria de facto, sejam-no quanto à de direito) do erro de julgamento respectivo.

Muitas vezes, a tal propósito, se confundem a mera discordância e a pura retórica, ancorada em múltiplas citações de Doutrina e Jurisprudência, do que são as verdadeiras questões e sua relação com o objecto do processo.

Igualmente se tem discutido muito o conceito de nulidade secundária à luz do artº 195º e seu regime de arguição e conhecimento, particularmente a propósito da violação do princípio do contraditório, quando reflectida na sentença e por esta coberto esse vício. [5]

Ora – e por aqui começando a apreciação das invocadas invalidades –, desde logo não se descortina qualquer fundamento, sério e plausível, para a (mal) invocada nulidade cominada na alínea e), do nº 1, do artº 615º, CPC.

Nesta se prevê que a sentença é nula quando “o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.

Na verdade, como estipula o nº 1, do artº 609º, “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.

Trata-se do princípio ne eat iudex ultra vel extra petita partium, corolário do dispositivo.

O objecto do processo é definido pelo pedido e pela causa de pedir (artºs 5º, nº 1, 260º, 265º, e 552º, nº 1, alíneas d) e e), do CPC).

Aquele refere-se ao efeito jurídico pretendido; esta, ao facto concreto que se invoca para o fundamentar e obter (artº 581º, nºs 3 e 4).

Pediu-se, no caso, o reconhecimento pelo tribunal da titularidade do direito de propriedade e a condenação da ré por este a reconhecê-lo.

Tendo, nessa parte, sido julgada procedente a acção, é óbvio que o decidido contém-se no objecto do pedido, corresponde a uma parcela deste e satisfaz até, nessa medida, a pretensão formulada pelos autores.

Pediu-se também a condenação da ré em duas outras prestações: uma, entregar a coisa à autora; outra, pagar a esta uma indemnização, à razão de 200€/mês, desde Março de 2018 até à dita entrega.

De ambas foi, contudo, a ré absolvida, já que, quanto a tais pedidos, a acção foi julgada improcedente.

Nenhuma condenação mais, portanto, se verifica. Sequer em qualquer quantidade. Muito menos, em superior à pedida.

Daí que, sem necessidade de quaisquer outras considerações e para evitar mais desperdício de tempo que os recorrentes se deviam esforçar por poupar, a si próprios e ao tribunal, em observância estrita dos princípios basilares da economia, celeridade e simplicidade (artºs 130º e 131º, CPC), se conclua dever ser julgada improcedente a nulidade com tal fundamento arguida, ou seja, o da alínea e).

Igualmente não se crê ter-se verificado a nulidade prevista na alínea d).

Dispõe a mesma que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia) ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia).

Sanciona-se, assim, a inobservância do preceituado no nº 2, do artº 608º, CPC: o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, salvo as que ficarem, entretanto, prejudicadas pela solução dada a outras; mas não pode ocupar-se senão das questões por aquelas suscitadas (salvo as de conhecimento oficioso).

As questões são “... todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”. [6]

Não devem confundir-se “... as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão …”. [7]

Trata-se do “... corolário do princípio da disponibilidade objectiva …”, agora condensado no artº 5º, do CPC, o qual “… significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. (...) Também a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia …”. [8]

Acrescenta, porém, que o “... tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa.”. [9]

Outros autores se pronunciam e corroboram tal entendimento [10]. São, pois, “questões” “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, o que não implica “considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (artigo 511-1) as partes tenham deduzido…” [11].

No caso, sendo pacífico que um contrato de arrendamento (com prazo certo, mas renovável) vinculou as partes, logo, na petição da acção de reivindicação, a autora antecipou a tese de que o mesmo se extinguiu pela denúncia comunicada à ré (motivo por que a ocupação desde 1 de Março de 2018 se tornou ilícita e ofensiva do seu direito real), ao passo que a ré contrapôs que tal notificação, feita ao abrigo do artº 1101º, alínea c), do CC (respeitante a contratos de duração indeterminada), apelidada de denúncia, é a este inaplicável e insusceptível de produzir o efeito pretendido, sendo certo que só para tal seria idónea a “oposição à sua renovação” de acordo com o artº 1097º, CC, mas nunca comunicada, razão por que o contrato subsiste e, em função dele, sendo legítima a ocupação e devendo improceder a reivindicação.

Mostrando-se pacífica a inerente factualidade relativa ao contrato documentado e à comunicação feita mediante a NJA junta aos autos, controvertida, portanto, se tornou a questão – estritamente jurídica – respeitante à idoneidade de tal meio, à regularidade dos seus termos e, sobretudo, à eficácia (extintiva ou não) da respectiva recepção.

Ora, o tribunal a quo, na sentença, foi directo à questão fundamental: a do efeito da declaração transmitida.

Sendo consensual que esta ocorreu, tratou, pois, da sua controversa eficácia.

Notando-se que não se ocupou da diferenciação da terminologia vertida na lei, aliás usada indistintamente (oposição à renovação, versus denúncia) [12], considerou, isso sim, que ao contrato é aplicável o NRAU (artºs 59º, nº 1, 26º, nºs 1 e 3), e que, nos termos desta última norma, ele se renovou em 01-04-2007 (1ª renovação, após o decurso do período inicial de um ano estipulado), por dois anos (até 01-04-2009) e que, a partir daí (em consequência da aplicação da primeira parte do nº 1, do artº 1096º, CC, e agora já não do artº 26º, nº 3, do NRAU), continuou a renovar-se por períodos sucessivos de um ano (já não por dois, como resultaria desta norma, na sua versão actual, que não a original, como se verá adiante).

E, considerando também, independentemente do nomen iuris dado à declaração da autora (denúncia) e da legislação invocada no requerimento (alínea c), do artº 1101º, CC), que o fulcro da questão jurídica residia essencialmente na regularidade e tempestividade da comunicação, decidiu que esta, nos termos em que se requereu e efectuou, foi ineficaz, logo que subsiste o contrato, é legítima a ocupação e improcedente o pedido de entrega.

Isto porque entendeu que se “a autora pretendia que a denúncia surtisse efeito a partir de 01/03/2018 …teria de cumprir uma antecedência de 120 dias reportados à data da renovação que ocorria em 01/04/2018” e que, uma vez que a notificação foi feita em 22-02-2016, para garantir a observância daquele prazo “a denúncia só podia operar em relação à renovação seguinte”, ou seja a de 01-04-2017, e não em relação à de 01-03-2018, conforme pretendido e expressamente mencionado e comunicado na NJA pela autora.

É que, segundo o seu entendimento, visando a autora impedir a renovação de 01-04-2018 [embora refira expressis verbis 01-03-2018] e considerando clara a lei no sentido de que a antecedência de 120 dias tem de reportar-se à mesma, ou seja, à data da renovação “que se pretende evitar”, a comunicação teria de ser feita “sempre depois da renovação de 01-04-2017.

Assim não tendo sucedido, a comunicação levada a cabo em 22-02-2016 “como que caducou” (porque, entre ela e a data desejada, se interpôs a dita renovação de 2017).

Daqui resulta, portanto, que, ao pronunciar-se sobre a vigência do contrato de arrendamento e a ineficácia da comunicação efectuada através da NJA (brandidas pela ré na contestação), o tribunal decidiu questão por ela suscitada (como meio de defesa) – à qual, aliás, os autores responderam – e não extravasou os limites estabelecidos no nº 2, do artº 608º.

Julgou procedente a excepção ao pedido de restituição (subsistência em vigor do contrato de arrendamento legitimador da ocupação) e improcedente a respectiva contra-excepção (sua extinção pela via da não renovação invocada pelos autores).

Por aí não houve qualquer excesso de pronúncia.

É claro que, no seu percurso de indagação, interpretação e aplicação aos factos das aludidas regras de direito, não se seguiu estritamente o percurso sugerido pelas partes, mormente pela própria ré, pois que esta baseou a invocada ineficácia da NJA e, portanto, da declaração emitida pela autora, mais na circunstância de esta se referir à “denúncia” e de invocar norma legal respeitantes aos contratos de duração indeterminada do que à “oposição à renovação” (tal como a qualifica o NRAU, aplicável), considerando-a, por isso, meio inadequado e insusceptível de produzir o efeito desejado.

Tal não significa, porém, no caso, que esse percurso devesse ter sido previamente anunciado e sobre ele facultado o exercício do contraditório.

É praticamente pacífico o entendimento de que, se houver violação desse princípio, por inobservância efectiva do mesmo, tal como previsto no artº 3º, nº 3, do CPC, tal falta se integra na previsão geral das nulidades processuais constante do artº 195º, podendo a mesma ser (se antes o não tiver sido) arguida em recurso caso esteja coberta pela decisão recorrida e nesta tenha tido influência, devendo ser neste conhecida enquanto possível nulidade por excesso de pronúncia.

Aqui, porém, o tribunal não extravasou o objecto do processo nem produziu decisão-surpresa sobre questão, mormente a de direito, acerca da qual as partes, designadamente os autores, não tenham tido a possibilidade de se pronunciarem.

Decisão-surpresa é apenas aquela em que o tribunal se pronuncia sobre e/ou decide algo com que a parte (apesar de competentemente patrocinada), de forma expectável ou previsível, não podia nem devia contar, usando de normal diligência, competência, aptidão e sagacidade.

Como se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães, de 19-04-2018 [13] – onde, por referência a variada Doutrina e Jurisprudência, proficientemente se escalpeliza o tema:

“…tem-se entendido que apenas ocorre uma decisão-surpresa quando a solução seguida pelo tribunal se desvincula “totalmente do alegado pelas partes na sua substancialidade ou na sua adjetividade, isto é, se a decisão não se ativer, com um mínimo de arrimo, ao que foi alegado e sufragado pelas partes durante o curso do processo. Assim, se as partes não tiveram hipótese de aportar e debater factos – novos e condizentes com a realidade jurídica prefigurada pelo tribunal antes da decisão – que poderiam trazer alguma luz sobre a “questão nova” oficiosamente assumida pelo tribunal, então as partes terão o direito de tentar refazer a atividade do tribunal de modo a encarrilar e adequar a estrutura do processo ao resultado decisório”; e
“não existirá decisão-surpresa quando a decisão, rectius os seus fundamentos, estejam ínsitos ou relacionados com o pedido formulado e se situem dentro do geral e abstratamente permitido pela lei e que de antemão possa e deva ser conhecido ou perspetivado como possível e em relação ao que, consequentemente, a parte podia ter-se pronunciado, pelo que se não o fez, sib imputet.”

Ora, as partes, em torno dos factos assentes respeitantes à NJA e das respectivas pretensões opostas, perspectivaram as possíveis soluções de direito ora no sentido da eficácia ora no da ineficácia da comunicação.

Não discutiram, é certo, nem antes foram prevenidas, do percurso concreto encontrado e trilhado pelo tribunal na interpretação do regime legal e dos termos da sua aplicaçãomormente o raciocínio empreendido de que, tendo-se interposto, entre a data da comunicação (22-02-2016) e a data do pretendido efeito (01-03-2018), duas renovações do contrato (2016 e 2017) ambas desconsideradas por nem sequer serem as visadas (além de que a primeira não respeitava o prazo de antecedência necessário), se entendeu que a transposição intercorrente da segunda (01-04-2017) fez “caducar” a declaração pregressa.

Segundo tal entendimento, o prazo “tem de reportar-se à data da renovação que se pretende evitar” mas deve decorrer “sempre depois” da renovação anterior e, portanto, fazer-se durante o último período em curso.

Sucede, porém, que aqui se está, pensamos nós, no domínio da liberdade de julgamento reconhecida ao juiz em sede de desenvolvimento e construção do silogismo judiciário, ou seja, no domínio da pura subsunção jurídica (artº 5º, nº 3, CPC).

Fundamento da improcedência da acção de reivindicação, nesta parte, e da correspectiva procedência da excepção, foi a julgada ineficácia da comunicação e subsistência do contrato de arrendamento.

Mas foi esta precisamente a defesa que a ré invocou na contestação e a que a autora respondeu (quer antecipadamente na petição quer posteriormente em articulado próprio) nos termos que julgou adequados. Foi isso que, no essencial, aquela (a ré) “quis dizer” [14] e foi isso que concluiu, a partir das premissas com que argumentou.

Aquelas transcritas passagens da sentença traduzem e redundam nos argumentos, livremente cogitáveis pelo juiz, retirados de certo entendimento próprio da lei e nos quais o seu raciocínio, para o efeito de subsumir os factos alegados e provados, se estribou, de modo a chegar à conclusão tirada.

Ora, pode tal julgamento não ser certo e questionar-se como errado mas não como inválido, pois que não omitiu e, muito menos, se excedeu o tribunal na pronúncia, designadamente por, na tese da autora, ter abordado e decidido questão não objecto de discussão contraditória.

Como refere o Acórdão da Relação de Coimbra, de 13-11-2012 [15]:

“III - O cumprimento do princípio do contraditório não se reporta, pelo menos essencial ou determinantemente, às normas que o juiz entende aplicar, nem à interpretação que delas venha a fazer, mas antes aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes.
IV - A decisão-surpresa a que se reporta o artigo 3º, nº 3 do CPC não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito nem com a expectativa que elas possam ter acalentado quanto à decisão quer de facto quer de direito.”.

Ou, mais recentemente, o desta Relação de Guimarães, de 19-04-2018 [16]:

“1- Existe, presentemente, uma conceção ampla do princípio do contraditório, a qual teve origem em garantia constitucional da República Federal Alemã, tendo a doutrina e jurisprudência começando a ligar ao princípio do contraditório ideias de participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, passando o processo visto como um sistema, dinâmico, de comunicações entre as partes e o Tribunal;
2- Cabe ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem;
3- Com o aditamento do nº 3, do art. 3º, do CPC, e a proibição de decisões-surpresa, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios;
4- Contudo, o dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão”.

Sendo certo que, antes, ao tempo do RAU e da versão do CC dele contemporânea, apenas se falava em denúncia e não se distinguia esta da oposição à renovação nos termos em que veio a fazê-lo a Lei 6/2006 e legislação conexa, ao dividir os contratos de arrendamento urbano quanto à sua duração em contratos com prazo certo e contratos de duração indeterminada, a verdade é que “a matéria debatida” não se confinou a tal destrinça mas, principalmente, à dos efeitos da comunicação efectuada através da NJA.

Assim como, tendo-se discutido se o contrato se regia pelo RAU (como defenderam os autores) ou se pelo NRAU (como sustentou a ré), não é correcto afirmar-se que, tendo o tribunal a quo aplicado este, nomeadamente o seu regime transitório, “enveredou” por matéria não alegada nem contraditada e sobre a qual “não se solicitou a sindicância”.

De resto, bem vistas as alegações, apesar de os autores muito enfatizarem haver “decisão surpresa”, não concretizam o que de verdadeiramente “surpreendente” e “inovatório” nela se contém que não pudessem e devessem esperar e que não tivessem tido oportunidade de contraditar, nem fundamentam como isso teria prejudicado fatalmente a defesa dos seus interesses ou em que medida poderiam ter influenciado o sentido da decisão proferida se aquele percurso/entendimento/solução lhes fosse previamente anunciado.

Aliás, levar a esse ponto o dever de, nos termos do artº 3º, nº 3, CPC, fazer cumprir o contraditório e de prevenir as partes da exacta interpretação normativa a empreender e dos precisos termos da sua consequente aplicação ao caso para sobre a solução, assim na prática previamente revelada, se pronunciarem, seria, por um lado, postergar o princípio da liberdade de julgamento consagrado no artº 5º, nº 3, e, por outro, antecipar uma impugnação que, de acordo com a metodologia adjectiva vigente, só deve ter lugar depois de proferida a decisão e por via do respectivo recurso.

Como dizem os autores, acabando por reconhecer esta realidade, a pretensa “decisão-surpresa” proferida “pugna pela ineficácia da notificação”.

Ora, foi precisamente a questão da eficácia/ineficácia que se discutiu nos articulados.

Por isso, não se percebe a razão por que afirmam eles que o tribunal “se pronuncia acerca de uma questão que em momento algum foi discutida ou suscitada”, nem porque “ficaram perplexos” nem, ainda, porque consideram que se “extravasou a livre apreciação”.

Embora na sentença, como se referiu, se não tenha seguido exactamente o raciocínio exposto pela ré na contestação, apreciou-se e decidiu-se a questão exceptiva por ela invocada, não estando o tribunal obrigado a cingir-se, em termos de direito, ao mesmo.

Não sendo verdadeira a sua alegação de que, ao juntarem aos autos o contrato de arrendamento, “explicitaram” ou “esclareceram” que a noção de denúncia se confunde com a de oposição à renovação – o que aí, então, defenderam, foi que era aplicável à cessação o regime do RAU e não o do NRAU –, nem correcta aquela outra de que a aplicação do regime dos artºs 59º, nº 1, e 26º, nºs 1 e 3, do NRAU e o artº 1097º, do CC, corresponde a matéria não alegada – pois que logo na contestação, em parte (como acabam por reconhecer), e, ao pronunciar-se sobre a junção do contrato e teor do respectivo requerimento, a ré defendeu precisamente a aplicação do regime novo –, certo é que, por um lado, na sentença, até se utilizaram indistintamente e se pressupuseram equiparáveis as referidas noções/expressões, e, por outro, os autores, no próprio recurso, não só referem “que elaboraram o exercício de contraditório no que concerne à transição para o NRAU” e à equiparação de sentido entre aqueles termos, como também dizem agora concordar que é aplicável ao contrato o NRAU, embora discordem [17] como ele foi interpretado e aplicado em concreto e quanto à questão fundamental da eficácia/ineficácia da comunicação.

Tais tergiversações [18] bem patenteiam a fragilidade dos seus argumentos relativos à invocada surpresa e ao não exercício do contraditório e a utilização dos mesmos como mero instrumento de manifestação da sua discordância quanto ao decidido e não de convicta e fundada invalidade.

Tendo-se, enfim, o tribunal pronunciado sobre a questão da ineficácia da NJA e dando-lhe procedência por considerar que os termos da mesma não se conformavam com as exigências legais quanto à oportunidade e antecedência entendidos como adequados para que a declarada cessação pretendida produzisse efeitos, não decidiu nem “aquém” nem “além” do objecto do processo, mormente em termos inválidos por violação do princípio do contraditório [19], pelo que a sentença não padece de nulidade.

Quanto a esta questão, deve, pois, improceder o recurso.

Erro de julgamento quanto à julgada ineficácia da NJA

Apesar da configuração pelo casal de autores dada à presente acção – como de reivindicação –, é incontroverso que à cônjuge autora pertence o domínio, pleno e exclusivo, do prédio urbano descrito na CRP de Viana do Castelo sob o nº …. Ele é seu bem próprio, uma vez que na titularidade do respectivo direito sucedeu enquanto herdeira (única) habilitada da anterior proprietária, sua falecida mãe. [20]

Embora o arrendamento em apreço de tal imóvel tenha sido outorgado, em 03-04-2006 por aquela antecessora A. M., na qualidade de locadora e não só pela ré R. P. mas também, como do respectivo documento consta, por um tal J. B. (ambos na qualidade de arrendatários), é ainda pacífico entre as partes que, pelo menos desde a data da discutida denúncia, subsistiam, como senhoria, a aqui autora M. C. e, como inquilina, apenas a aqui ré R. P. [21].

Controversa é, isso sim, a legalidade e eficácia da declaração de denúncia comunicada, através de NJA, em 22-02-2016, pela autora mulher à ré e, consequentemente, não a tendo esta acatado e mantendo-se a ocupar o arrendado, se tal é lícito e oponível ao pedido ou ilícito e sancionável com a restituição e indemnização.

Com efeito, em vista do artº 1305º, do CC, e nos termos do artº 1311º, o exercício das faculdades propiciadas pelo direito real ou absoluto da autora sobre o imóvel, só pode ser constrangido por outro direito real menor com ele compatível ou ao abrigo de um direito relativo que ao respectivo titular faculte tal constrangimento e, em consequência, lhe legitime a recusa em abrir mão dele.

A alegação desta circunstância – o direito ao gozo temporário da coisa mediante a retribuição, fundado em contrato de arrendamento, válido e vigente – integra, pois, uma excepção peremptória, cabendo a demonstração dos factos fundamentadores ao ocupante, na medida em que integrantes de negócio obrigacional legitimador da ocupação e, por isso, impeditivo dos efeitos da reivindicação.

Foi na verificação desta que o tribunal a quo baseou a improcedência da acção, uma vez que considerou ainda subsistente e vinculante tal contrato e, portanto, verificada a dita excepção.

Não tendo a sentença reconhecido à autora o pretendido efeito extintivo da alegada denúncia do mesmo– enquanto contra-excepção, na medida em que excludente, a demonstrar-se e a proceder, dos efeitos da relação obrigacional pregressa invocada como impeditiva da reivindicação – e, assim, tendo considerado ter-se mantido, por automaticamente renovado, o arrendamento, visa aquela, por meio deste recurso, reverter tal juízo, considerando-o errado.

Ora, como resulta dos factos provados, o contrato em causa foi celebrado em 03-04-2006. Destinava-se à habitação. Foi convencionada a duração de um ano, com início em 01-04-2006, mas, em simultâneo, que seria prorrogável, por iguais períodos, “caso não seja denunciado no seu termo”.

Dele consta, ainda, expressamente e as partes também aceitam, que se trata de um contrato de duração limitada (segundo a terminologia do RAU ou com prazo certo, segundo a do NRAU).

À data da sua conclusão e formalização, vigorava o RAU – Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro (na sua última versão introduzida pela Lei 7/2001, de 11 de Maio).

Também não dissentem as partes que o contrato se foi automaticamente renovando. O problema é saber como e em que termos (em função do regime aplicável), na medida em que tal contenda com a resolução da questão da eficácia/ineficácia da discutida denúncia declarada em 22-02-2016.

Com efeito, não pode ignorar-se que, entretanto, àquele sucedeu o do NRAU – Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, o que, portanto, implica a determinação de qual o aplicável ao contrato naquela altura subsistente e à referida declaração de denúncia do mesmo.

Ora, nos termos do nº 1, do artº 59º, do novo regime, este aplica-se às relações contratuais constituídas subsistentes na data da sua entrada em vigor (120 dias após a sua publicação), sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.

No capítulo a estas respeitante, dispõe o artº 26º, no seu nº 1, que os contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do RAU (como foi o caso) passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes.

Por sua vez, o nº 3, na sua versão actual, dispõe que “Quando não sejam denunciados por qualquer das partes, os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de dois anos”.

Até aqui concordam os recorrentes com tal entendimento, igualmente prosseguido pelo tribunal a quo.

Nem eles, nem este, porém, atentaram num pormenor.

É que a previsão do período de dois anos para aquele efeito refere-se à redacção da norma conferida, apenas, pelo artº 4º, da Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto.

A redacção original e que vigorava à data da primeira renovação do contrato em apreço (01-04-2007) dispunha que ela operava pelo período de três anos, se outro superior não fosse previsto.

Ora, como convencionado tinha sido o período de um ano e as normas respeitantes ao arrendamento têm carácter imperativo e não supletivo, tal significa que o contrato se renovou trianualmente em 01-04-2007 e em 01-04-2010.

E significa também que, vigorando já, na data do termo deste último período (01-04-2013), a nova redacção introduzida pela referida Lei 31/2102 [22] e não tendo, entretanto, havido denúncia ou oposição à renovação, ele passou a renovar-se mas agora por períodos de dois anos: 01-04-2015, 01-04-2017, 01-04-2019.

Não é, pois, certo que, a partir de 01-04-2007, se tenha renovado anualmente, uma vez que, tratando-se de relação contratual transitada do RAU, necessariamente, continuou a ser-lhe aplicável a norma transitória (não temporária) do artº 26º, nº 3, do NRAU.

Com efeito, muito embora, concomitantemente com o novo regime do arrendamento urbano também o Código Civil tenha sido alterado e às respectivas soluções legislativas adaptado e, para contratos celebrados já ao abrigo deste, disponha o artº 1096º, nº 1, que o contrato se renova automaticamente por períodos de igual duração à estipulada (no caso, um ano), a verdade é que a norma do artº 26º, nº 3, configura direito transitório material e, portanto, estabelece aí, para o contrato transitado, o regime próprio aplicável, afastando quer o antigo quer o novo regime [23].

Corroborando-se, pois, que aplicável ao caso é o NRAU, não se concorda, todavia, que a renovação, especialmente a partir de 2013, tenha sido anual, antes se entendendo que passou a ser bianual.

Concorda-se, ainda assim, que, relativamente ao procedimento para oposição à renovação automática é aplicável a alínea b), do nº 1, e o nº 2, do artº 1097º, do CC, e, portanto, que, no caso, a comunicação para o efeito tem de ser efectivada pelo senhorio com a antecedência de 120 dias relativamente ao termo do período de duração renovado.

O termo subsequente, considerando a data da iniciativa da autora (22-02-2016), deveria ter tido um dia certo: no caso, pelas razões referidas, 01-04-2017 (já que nem em 2016 nem em 2018 haveria renovação).

No entanto, embora a NJA tivesse sido requerida e efectuada com a antecedência bastante para nessa data poder produzir efeito, ela, expressamente, comunicou a data para 01-03-2018.

Dando-se de barato que teria tido em mente dizer 01-04-2018 (o dia e mês correspondentes à renovação, embora não o ano, salvo se se considerar esta anual, como, a nosso ver indevidamente, entendeu o tribunal recorrido); que a alusão (embora não ingénua, na medida em que a NJA foi feita com patrocínio de advogado mandatado por procuração) ao disposto no artº 1101º, alínea c), do CC (aplicável não a este mas aos contratos de duração indeterminada), apesar de incorrecta, é inócua (na medida em que aquele meio apenas se destina a veicular entre o emitente e o destinatário uma declaração, não carecendo, por isso, de fundamentação jurídica nem admitindo qualquer discussão, de facto ou de direito, só possível nas acções competentes); que irrelevante é também, para o efeito, a utilização do termo “denúncia” em vez de “oposição à renovação”; e que, não sendo essa a via preconizada como forma de comunicação entre as partes no artº 9º, do NRAU, ainda assim ela é mais solene, segura e garantística que a carta registada com aviso de recepção e, por isso, válida (o que ninguém põe em causa) – a verdade é que, isso sim, a requerente foi clara e peremptória ao dizer e repetir, na NJA, que “pretendem denunciar o contrato…com efeitos a partir do dia 1 de Março de 2018”, que “é intenção dos requerentes denunciar o referido contrato de arrendamento com efeitos a partir de 1 de Março de 2018”, por isso a ré devendo nesse dia deixar o dito imóvel livre de pessoas e bens”.

Aliás, é essa a data concreta em que continua a considerar ter operado a denúncia, uma vez que, na presente acção e segundo o articulado inicial, é desde ela que pede a indemnização pela ocupação supostamente a partir daí ilícita.

A autora, portanto, afastou a hipótese de se opor à renovação de 01-04-2017 e terá visado a de 01-04-2018 (no pressuposto, claro, de que ela se reiterava anualmente). [24]

Em face disto, o tribunal recorrido, como explanou no trecho da sentença já transcrito anteriormente, entendeu que o prazo de antecedência de 120 dias, não só “tem de reportar-se à data da renovação que se pretende evitar” como também deve decorrer “sempre depois” da renovação anterior e, portanto, fazer-se durante o último período em curso.

Ou seja, como concretamente explicou, para a denúncia ser eficaz e, assim, impedir a renovação anual, que embora não o sendo admitiu ocorrer em 01-04-2018, teria a comunicação respectiva de necessariamente ser feita depois de 01-04-2017 (período em curso) e até 01-12-2017 (120 dias antes).

Foi assim que, por ter sido efectuada a comunicação em 22-02-2016 e declarada como data da cessação a de 01-03-2018 (ou 01-04-2018), apesar de a antecedência ter sido até muito superior (dois anos, um mês e sete dias) mas tendo, nesse entretanto, ocorrido a renovação de 01-04-2017, considerou que tal fez “caducar” a declaração pregressa e, portanto, nenhuma eficácia lhe reconheceu.

É com isto que a recorrente não concorda, em termos que importa analisar com algum detalhe.

Não pondo em causa que é ao caso aplicável o regime transitório do nº 3, do artº 26º, do NRAU, ela aceita que, nos termos do nº 1, do artº 1097º, CC, a renovação seja anual, o que, como já vimos, não é correcto, por, a partir de 2013, ele ocorrer por períodos de dois anos.

O marco crucial situa-se, no entanto, em 01-04-2017, sendo que, como se viu, a anterior renovação bi-anual fora em 01-04-2015 e a seguinte seria em 01-04-2019.

Defende, assim, que, apesar da antecedência superior a dois anos e da intercorrência da renovação de 2017, sempre deve a extinção operar em 2018.

Para tanto, e em primeiro lugar, argumenta – concordando com a aplicação do nº 3, o artº 26º, do NRAU –, que a renovação foi, desde 2007, sempre, constantemente, por dois anos: 2009, 2011, 2013, 2015, 2017.

No entanto, apesar de não ser bem assim como justificámos mas sendo certo que haveria uma renovação em 2017, o argumento que daí retira é que “teve precisamente em consideração tal preceituado” ao fazer a NJA (alegações) e que “pretenderam efectivar e assegurar o prazo de 2 (dois) anos ao proceder a essa notificação” (conclusão XXX) – o que não se percebe não só porque fixaram, comunicaram e continuam a sustentar a pretendida extinção em 01-03-2018 (quando o período em curso ia até 01-04-2019), mas também porque não se alcança como tais asserções podem deitar por terra o entendimento seguido na sentença.

Em segundo lugar, defende que, mesmo que assim não fosse, isto é, na hipótese de as renovações se fazerem anualmente como considerou o tribunal recorrido, que o facto de entre a data da comunicação (22-02-2016) e a data do seu pretendido efeito (01-03-2018 ou, vá lá, 01-04-2018), decorrerem mais de dois anos e de, entretanto, após aquela ter havido uma renovação (a de 01-04-2017) não obsta a que a oposição à renovação opere na outra renovação subsequente (01-04-2018), pois a Doutrina e a Jurisprudência [25] não referem que tenha de o ser em relação à mais próxima, apenas exigindo que “o senhorio seja expresso relativamente à data em que pretende a produção da cessação dos efeitos do contrato e a faça pela formalidade prevista na lei” e que “tendo efectivamente chegado ao conhecimento da ré que a autora pretendia cessar o contrato a partir de 2018” não pode tal denúncia ser considerada “extemporânea”.

Com efeito, em seu entender, a ré inquilina “em nada ficou prejudicada” por saber antecipadamente que era vontade da autora senhoria impedir a renovação em 2018 (ou seja, mais de dois anos antes), uma vez que a lei só prevê um período mínimo de antecedência para proteger o arrendatário (parte mais fraca) contra a tomada de posição surpreendente, inesperada, sem se poder precaver.

E como nenhuma dúvida existe que ela recebeu a comunicação – a declaração é receptícia – e ficou a saber inequivocamente da vontade da autora de fazer cessar o contrato em 01-03-2018, conclui que a ré até foi beneficiada.

Acrescenta que, em face da “letra da lei” e do seu “sentido teleológico”, jamais dela se colhe que a oposição deva reportar-se à próxima renovação, tem é de ser expressa, como no caso foi, quanto àquela em que se pretende a cessação. Constando do “petitório” da NJA a data de 01-03-2018, a ré ficou a saber perfeitamente que, a partir daí, deveria deixar o arrendado, pelo que a antecipação só a beneficiou.

Não há, pois, segundo a sua tese, fundamento legal para ser declarada a “ineficácia” da NJA e da oposição à renovação declarada, pois que o prazo foi cumprido e é “descabido o raciocínio” desenvolvido na sentença, ou seja, desprovido de fundamentação convincente.

A ré recorrida contrapôs, em primeiro lugar, que, independentemente do período – um ano ou dois anos – de renovação a considerar, sempre é certo que o contrato se renovou em 01-04-2017 [26]. Por isso, tendo a denúncia sido declarada em 22-02-2016 mas apenas para 01-03-2018, sempre depois daquela manifestação de vontade da autora recorrente ocorreu uma renovação, não tendo fundamento lógico o seu argumento de que foi por aplicação do artº 26º, do NRAU, que ela denunciou o contrato pra 01-03-2018 uma vez que a dita renovação operada após a declaração de denúncia “pôs em causa os efeitos” desta, já que, face à letra do nº 2, do artº 1097º, - “a antecedência …reporta-se ao termo do prazo …da sua renovação” – “nunca poderiam ter-se oposto à renovação do contrato de arrendamento para o ano de 2018, quando operou aquela renovação de 2017”.

É em face destas posições/argumentos adversos que cumpre decidir.

Ora, não se pondo em causa os factos, a questão é exclusivamente de direito [27] e, portanto, a solução para ela depende apenas da determinação, interpretação e aplicação das normas que o tribunal livremente considere ajustadas – artº 5º, nº 3, CPC.

Já afirmámos que aplicável ao caso é o NRAU, designadamente o regime transitório do artº 26º, nº 3, e, bem assim, o artº 1097º, nº s 1, alínea b), e 2, CC, e, portanto, que o senhorio podia impedir a renovação automática do presente contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima de 120 dias relativamente ao termo do período da sua renovação.

Também defendemos que, a partir de 2013, tal contrato, face à redacção da norma desde então vigente, se renovava por períodos de dois anos (2015, 2017, 2019).

Em 2018, portanto, ele estava em vigor e corria o respectivo período iniciado em 01-04-2017.

Concordando a recorrente com esta renovação e defendendo até que efectivamente é de dois anos o referido período, ou seja, até 01-04-2019, não se alcança como, de entre os seus argumentos, se possa extrair fundamento para considerar que a denúncia comunicada em 22-02-2016 e expressamente fixada por ela para 01-03-2018 operou nessa data (ou mesmo em 01-04-2018) e interrompeu o período então em curso.

A oposição tem de ser sempre referida à data final ou do termo do período corrente, que é o momento em que, se nada for comunicado em contrário, o contrato se renovará automaticamente.
Tal se compreende por se tratar de contrato com prazo (inicial ou renovado) certo (que deve ser respeitado) e não de contrato de duração indeterminada (em que, não havendo um fim à vista, o denunciante pode e deve fixar a data em que pretende se efective a cessação).

Por isso, ela jamais poderia ocorrer em 01-03-2018 ou mesmo em 01-04-2018.

O pretexto da recorrente de que, ao fazer a NJA, “teve precisamente em consideração tal preceituado” (a renovação nos termos do nº 3, do artº 26º) e de que “pretenderam efectivar e assegurar o prazo de 2 (dois) anos ao proceder a essa notificação” é, como já se deixou dito, incompreensível e inconsequente.

Aliás, na base do pretenso argumento parece estar a mera confusão entre o período de renovação e o período de aviso prévio.

Além disso, mesmo que se concordasse com os demais argumentos da recorrente no sentido de que a renovação de 2017 interposta à declaração e denúncia feita em 2016 não implicou a “caducidade” desta, como entendeu o tribunal recorrido, e que, tendo sido recebida e compreendida, o amplo prazo de dilação apenas beneficiou a inquilina, sempre a pretensão reiterada de que a denúncia operou em 2018 esbarra com a aludida circunstância de, nesse ano, não haver lugar a qualquer hipotética renovação.

Ainda assim, em tese, poderia, apesar das referidas vicissitudes (excessiva dilação e inexistência de renovação na data pretendida e expressamente marcada - 2018) equacionar-se a hipótese de a vontade de não renovação, que a autora rejeitou quanto à de 2017, operar na imediata (01-04-2019).

Com efeito, a oposição à renovação/denúncia é um poder (potestativo), livre (discricionário) e unilateral, dependente apenas da manifestação de vontade do senhorio e sua comunicação, nos termos e condições legalmente definidos, ao inquilino (declaração receptícia), enquanto meio de impedir que, por via da renovação automática tácita, a vigência do contrato se perpetue.

Prevalece na respectiva decisão o interesse do oponente/denunciante e menospreza-se o da contraparte, irrelevando a sua vontade, não sendo sequer necessária a declaração de aceitação.

A vontade daquele e a sua expressão formal carecem, porém, de ser certas, inequívocas, seguras, de modo a vincular ao consequente efeito querido/produzido o inquilino e a poder ser-lhe exigível o respectivo acatamento (entrega) e a sanção respectiva (indemnização pelos prejuízos decorrentes da eventual recusa).

Tal deve suceder quanto ao momento tido em vista para a produção de efeitos, especialmente quando este, como no caso sucede, é atreito a divergências interpretativas do regime legal (bem notórias no caso: renovação anual em 01 de Abril, também e por isso do ano de 2018; ou renovação bianual, apenas em 01 de Abril do ano de 2019?) e a própria declarante potencia as dúvidas (fixando peremptoriamente o efeito em 01 de Março quando ele, em qualquer caso, só poderia operar em 01 de Abril – o dia e mês do início do contrato e, portanto, o único atendível para cada uma das eventuais renovações subsequentes a impedir).

Recorde-se que a própria autora, nas suas alegações, assume e sustenta ser exigível que o senhorio seja expresso relativamente à data em que pretende” a extinção.

Ora, a data que expressou pretendeu e comunicou foi, apenas, a de 2018. Esta, todavia, é inatendível, por nesse ano estar em curso e não terminar o período de renovação iniciado em 01-04-2017.

Apesar disso, não custaria admitir que a vontade última da locadora sempre fosse a de extinguir a relação contratual e que, apesar de a não ter firmado e comunicado regularmente sempre a aceitaria e quereria na data posterior mais próxima possível e, portanto, que não podendo ela operar em 2018, poderia operar em 2019.

Nesse sentido se inclina alguma jurisprudência [28] e parece ter sido a ideia que, embora com evidente incoerência, acabou também por aventar nas suas alegações, sobretudo ao invocar, mas inconsequentemente, as regras interpretativas dos artºs 236º e sgs, CC.

Simplesmente, não há nos autos, nem no recurso, a menor alusão, sequer mera conformação, com tal hipótese, pois que a recorrente, como aliás já se enfatizou, teima sempre em que a extinção do contrato operou e deve ser considerada em 2018, nenhuma outra data, apesar disso, concebendo ou admitindo, pois que, mesmo agora, reitera que a extinção operou em 01 de Março daquele ano.

Sendo, pois, a data da renovação a considerar um “elemento necessário”, parece também que ele não deixa de ser “essencial” para garantir a salvaguarda dos direitos do inquilino habitacional de maneira a estabelecer, com clareza e certeza, a sua obrigação e não deixar esta e o respectivo cumprimento ou as consequências da recusa dependentes de qualquer factor de aleatoriedade, emane ele da comunicação emitida, da interpretação do receptor ou das obscuridades do sistema legal.

A inequivocidade e certeza da vontade do senhorio em impedir a renovação do contrato parece que deverá, pois, exigir-se também quanto à data da mesma e, consequentemente, caso o não seja e sobretudo numa situação cujas dúvidas a própria autora despoletou (ao invocar regime legal inadequado e uma data impossível) e em que o regime legal nada tem de cristalino para o comum dos cidadãos [29], não poderá justamente pressupor-se que o inquilino, por sua parte, confrontado com uma data insusceptível de relevar (01-03-2018), teria o dever de, não obstante, esperar e contar com uma próxima data futura, assumir nela como certa a desvinculação, e exigir-lhe que, em razão de tal vaticínio, adequasse a sua conduta [30].

Como dizem reputados autores [31]: “Em princípio, a comunicação do senhorio para se opor à renovação deverá ser efectuada por carta na qual identifique o locado, a renda, a data do início do contrato e o respectivo prazo, contendo uma manifestação inequívoca de que pretende opor-se à renovação. Para que não se levantem dúvidas a este respeito, é aconselhável referir precisamente que «se vem opor à renovação», indicando a data da cessação do contrato. A carta deverá ser enviada com a antecedência necessária para acautelar possíveis vicissitudes”.

Parece ser este também o âmbito da inequivocidade preconizada no Acórdão desta Relação de Guimarães, de 31-01-2019 [32].

Assim, tendo-se, na NJA, comunicado, expressa e formalmente, como aquela em que devia cessar o contrato, a data de 01-03-2018 mas não podendo esta nem a subsequente de 01-04-2018 ser atendidas e sempre como agora mantendo e reiterando a autora aquele e não revelando, por qualquer modo, admitir outra, não se coloca a questão de interpretar a sua declaração à luz das regras do artº 236º, e sgs, do CC., pois que tal data, na perspectiva dela e do inquilino, era certa e inequívoca, não podendo este adivinhar outra.

Salienta-se que, tendo a ré querido pagar a renda de Março de 2018 (o que significa que logo, apesar da recepção da notificação em 22-02-2016, não reconheceu, até aí, qualquer eficácia à mesma), a autora recusou recebê-la, o que quer dizer que persistiu, logo nesse mês, no entendimento de que o contrato se extinguira, conforme declarara. Contudo, tendo-se a ré mantido no arrendado e passado a depositar, todos os meses, a renda, o certo é que a autora nada mais fez até, em 15-04-2019 [33], intentar a presente acção, de reivindicação [34], sempre no alegado pressuposto de que o contrato se extinguira em 01-03-2018 – assim acabando por sedimentar a expectativa da ré formada em torno da desconsideração a que votou a comunicação recebida, adensar as dúvidas sobre a eficácia que a autora lhe atribuiu e, afinal, dando azo a que, na data em que terminava o período corrente (01-04-2019), o contrato se voltasse a renovar [35].

Repare-se que a lei, em geral, como tributo à boa-fé, não deixa de valorizar a persistência reiterada da ocupação, ainda que verificada uma causa de extinção do contrato, na hipótese de passividade do locador: “Se, não obstante a caducidade do arrendamento, o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se igualmente renovado ….” – artº 1056º, CC.

De resto, não sendo a extinção em tal data objecto do pedido e da causa de pedir formulados mas apenas pressuposto de que foi a partir dela que se tornou alegadamente ilícita e danosa a ocupação e, portanto, critério de determinação da indemnização pretendida, dificilmente se compatibilizaria com os princípios dispositivo e do pedido considerar, para o efeito, como extinto o contrato na ulterior data de renovação de 2019 e, consequentemente, calculável a partir desta o prejuízo sem que a autora com isso se conforme e nisso manifeste ser o seu interesse, por modo processualmente adequado (e oportunamente contraditado).

Neste enquadramento, mesmo admitindo que denúncia e oposição à renovação têm sentido prático e efeitos comuns [36], tendo em conta as razões expendidas e a inconsistência da posição e dos argumentos da autora, propendemos para entender que a declaração notificada em 22-02-2016 foi ineficaz; que, por isso, o contrato de arrendamento se manteve em vigor; e, portanto, que, enquanto por forma válida ele se não extinguir, é legítima a ocupação pela ré do arrendado.

Entendemos, consequentemente, que devem improceder, como improcederam, os pedidos de restituição e de indemnização, e, assim, que, por não merecer ser provido o recurso, é de confirmar a sentença recorrida.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
*

Custas da apelação pelos recorrentes – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
*
*
*

Notifique.
Guimarães, 21 de Maio de 2020

Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores:

Relator: José Fernando Cardoso Amaral
Adjuntos: Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Eduardo José Oliveira Azevedo



1. Entendimento que, expressamente, deixaram cair nas alegações de recurso, concordando com a sentença na parte em que esta, por aplicação do regime transitório previsto no NRAU, considerou ter ficado o contrato sujeito a este e considerou ser de aplicar o regime da oposição à renovação constante dos artºs 1095º e sgs., do CC.
2. As conclusões têm regras técnico-jurídicas, presumidamente conhecidas mas nem sempre bem observadas – cfr. artº 639º, maxime seu nº 1, CPC, e, v.g., entre muitos, em todas as jurisdições e instâncias, o lapidar sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 23-11-2017, processo nº 0958/17 (José Veloso): “I - A finalidade ou função das conclusões é definir o objecto do recurso, através da identificação, abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas já desenvolvidas nas alegações; II - Sendo as conclusões a delimitar o objecto do recurso, a sua precisão tem essencialmente por finalidade tornar mais fácil, mais pronta e segura a tarefa da administração da justiça, numa perspectiva dinâmica de estreita cooperação entre os vários agentes judiciários, e permitir eficaz contraditório ao recorrido, que terá ganho total ou parcialmente a causa, e que, por via disso, terá todo o interesse em manter o decidido, reagindo, para isso, a questões que deverá perceber; III - A lógica, e a boa arte de alegar, mandam que as conclusões sejam proposições sintéticas que emanam do que se desenvolveu nas alegações. Devem, portanto, ser em número consideravelmente inferior aos artigos das alegações, mas não só, devem traduzir, ainda, o esforço de condensar, de forma clara, a exposição realizada naquelas”.
3. Na conclusão VII, referem os apelantes a alínea c), ao que nos parece por manifesto lapso.
4. Sublinhámos as passagens mais relevantes.
5. Sobre tais temas, a que o Sr. Prof. Miguel Teixeira de Sousa tem dado notória atenção revelada em múltiplos escritos no Blog do IPPC, podem elucidativamente consultar-se, v.g., os seguintes arestos: Acórdão do STJ, de 24-03-2017, processo 6131/12.7TBMTS-A.P1.S1 (Fernanda Isabel Sousa Pereira); desta Relação de Guimarães, de 06-02-2020, processo 1002/19.9T8VNF-A.G1 (Ramos Lopes), de 20-02-2020, processo 4106/16.6T8BRG-B.G1 (José Flores), de 12-03-2020, processo 1072/18.7T8VNF-D.G1 (Ana Cristina Duarte), de19-03-2020, nos processos 305/15.6T8MNC-E.G1 (António B. Penha) e 6760/19.8T8GMR-A.G1 (José Amaral) e de 23-04-2020, processo 109506/18.8YIPRT.G1 (José Amaral) e processo 4981/15.1T8VNF-A. G2 (Maria João Matos); bem assim da Relação do Porto, de 27-01-2015, processo 1378/14.4TBMAI.P1 (M. Pinto dos Santos) e de 08-10-2018, processo nº 721/12.5TVPRT.P1 (Ana Paula Amorim); ainda da Relação de Coimbra, de 29-01-2018, processo nº 3550/17.6T8CBR.C1 (Luís Cravo), e da Relação de Lisboa, de 11-01-2011, processo 286/09.5T2AMD-B.L1-1 (António Santos), de 15-03-2018, processo nº 23267/17.0T8LSB.L1.6 (Cristina Neves) e de 11-07-2019, processo nº 4794/18.9T8OER.L1-7 (Micaela Sousa). Especificamente sobre o princípio contraditório, pode também ver-se o trabalho “O Exercício do Contraditório nos Procedimentos Cautelares”, de Eugénia M. Marinho da Cunha, na Revista Jurídica Portucalense, nº 21, Universidade Portucalense, Porto 2017.
6. A. Varela, na RLJ, Ano 122.º, pág. 112.
7. J. Alberto dos Reis, no “Código de Processo Civil Anotado”, volume V, página 143.
8. Prof. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, 1997, págs. 220 e 221.
9. Autor e obra citados, páginas 220 a 223.
10. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 2.ª edição, pág. 704.
11. Idem, página 680.
12. Sobre estes conceitos, pode ver-se detalhada análise na Dissertação de Mestrado, de Maria Sofia Melo de Albuquerque Saraiva Mouro, apresentada na FDUNL, intitulada A Denuncia no Contrato de Arrendamento Urbano, orientada pelo Doutor Jorge Morais de Carvalho, acessível na Internet.
13. Processo 75/08.4TBFAF.G1 (José Alberto Moreira Dias).
14. Expressão das alegações usada para reduzir o sentido da contestação.
15. Processo nº 572/11.4TBCND.C1 (José Avelino Gonçalves).
16. Processo nº 533/04.0TMBRG-K.G1 (Eugénia Marinho da Cunha).
17. Ao fim e ao cabo, como no contexto da alegada nulidade afirmam os autores, mais do que a regularidade do procedimento, o que os move, como eles próprios reconhecem, não é a empolada nulidade mas o “não poderem concordar” com o sentido da decisão proferida (cfr. conclusões XVII e XVIII). Tanto assim que eles não pedem, no epílogo do recurso e das conclusões, a declaração de nulidade da sentença, nem a consequente baixa do processo à 1ª instância para então e aí se cumprir o propalado contraditório em falta, que seria o corolário lógico da invocação, se meritória, da invalidade, mas antes e apenas a sua revogação, a procedência do pedido e a condenação da ré – o que pressupõe, diferentemente, um erro de julgamento e não um vício de procedimento.
18. Tergiversações que, certamente propiciadas pela prolixidade das alegações, não contribuem salutarmente para melhor realização da Justiça.
19. Ou de qualquer outro princípio processual, norma constitucional (CRP) ou convencional (CEDH) também brandidos.
20. Daí que o autor marido, face ao regime de comunhão de adquiridos que rege o seu casamento com ela, não comungue do mesmo.
21. É patente e remonta, aliás, ao próprio contrato, subsiste na petição e reflecte-se na sentença, a confusão de intervenientes e respectivos papéis e a ausência de justificação dos mesmos. Não se explica, v.g., a razão por que se eclipsou o arrendatário J. B. – o que, não sendo indispensável, tornaria mais transparente a vida do contrato.
22. Entrada em vigor em 12-11-2012, nos termos do artº 15º do diploma legal.
23. J. Oliveira Ascenção, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Gulbenkian, 2ª edição, página 423.
24. Tamanha dilação, para que nenhuma explicação se adiantou, não tem sentido em face da norma da alínea c), do artº 1101º, CC, parecendo haver confusão com a, entretanto revogada, do artº 1104º (segundo a qual a comunicação devia ser feita com antecedência não inferior a cinco anos mas confirmada, sob pena de ineficácia, por comunicação com a antecedência máxima de 15 meses e mínima de um ano). Poderia tê-lo nos termos do nº 2, do artº 100º, do antigo RAU (a denúncia devia ser feita mediante notificação judicial avulsa requerida com um ano de antecedência sobre o fim do prazo ou da sua renovação). Porém, aplicável é, como se defende, o NRAU e não aquele.
25. Nenhuma explicita a apelante que incida no caso.
26. A recorrida parte de um lapso clamoroso ao afirmar que o contrato se celebrou em 03-04-2007 e que a primeira renovação ocorreu em 01-04-2009, pois que ele celebrou-se em 3-04-2006 – por um ano. Independentemente disso, sempre é certo que, sendo o período de renovação de 1 ou de 2 anos sem uma ocorreria em 01-04-2017.
27. Razão por que também não se percebe a adjunta referência pela recorrente a que os autos deviam prosseguir os ulteriores termos até final e realizar-se a audiência de discussão e julgamento. Julgamento para quê, se não põe em causa a factualidade assente e a sua suficiência?
28. Em matéria de arrendamento rural: Acórdão do STJ, de 12-01-2010, processo 718/2001-E1.S1 (Sousa Leite): “IV - Se a comunicação da denúncia do contrato, por parte da autora ao réu, não respeitou o estatuído no art. 18.º, n.º 1, al. b), da LAR, uma vez que foi efectuada em prazo inferior a 18 meses relativamente ao termo da renovação então em curso, de tal não resulta que a sua relevância não deva ser considerada. V - Tendo a denúncia sido efectuada com a antecedência legalmente prescrita, relativamente ao termo da renovação do contrato a iniciar ulteriormente, ainda que a mesma não opere na data indicada pelo senhorio, mas apenas em momento posterior, tal denúncia é válida e eficaz.”; e da Relação de Coimbra, de 20-06-2012, processo nº 123/08.8TBIDN.C1 (Falcão de Magalhães): “III - Se o senhorio, na sua declaração de denúncia, não respeitar os ditos prazos, a consequência é a de que a declaração de denúncia não deixa de ser eficaz, só que produzirá os seus efeitos em data posterior, sendo a data concreta em que opera o efeito da denúncia um efeito necessário dela. IV – A inobservância do prazo de denúncia não acarreta a ineficácia da mesma, a indicação da data constitui apenas um elemento necessário dessa denúncia, nada tem a ver com a essência do pedido.”. Em sentido diverso parecem ter-se orientado os acórdãos do STJ, de 14-10-2008 e de 31-12-2004, cujos sumários se encontram transcritos na página 262 da obra abaixo referida em nota Arrendamento Urbano – Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, mas a cuja fundamentação não temos acesso.
29. “A Lei nº 6/2006, de 27-02 (NRAU) prevê um regime complexo e especial para a eficácia dessa declaração de oposição que prevalece sobre a recepção ou conhecimento a que o regime geral do nº 1 do artº 224º do CC dá relevância…”, diz o STJ, em Acórdão de 19-10-2017, processo nº 83/16.1YLPRT.L1.S1 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza).
30. Percute-se: na NJA, em termos inequívocos e peremptórios, a autora referiu a intenção de que o contrato cessasse em 01-03-2018 e que “nesse dia” a ré libertasse o imóvel. Independentemente de a isso ter chamado “denúncia” em vez de “oposição à renovação”, não é nessa terminologia que radica a “preciosidade jurídica” (expressão da autora), pois o que é relevante é que não lhe foi dito que a oposição se referia a qualquer data precisa de renovação, fosse 01-04-2018 ou 01-04-2019. O dia 01 de Março era insignificante na vida da relação contratual porque jamais nele terminaria/se renovaria o vínculo. Sendo discutível para juristas se tal ocorreria em 01-04-2018 (na hipótese de renovação anual) ou 01-04-2019 (renovação bi-anual), não parece ser exigível que a ré concebesse, de entre as três datas, qual era, afinal, a data correcta e optasse por uma delas e, mesmo não o sendo a de Março, abandonasse o imóvel em 01-04-2018 à cautela ou arriscasse fazê-lo só em 01-04-2019. A incerteza objectiva criada pela própria autora e a dúvida, prático-jurídica, à mesma assim associada, não pode ter como efeito impor à ré o dever de, na impossibilidade de a esclarecer e suprir com certeza, assumir que teria de deixar o locado pelo menos em 01-04-2019 e de a “sancionar” com a extinção pelo menos nessa data, já que aquela lhe indicou a de 01-03-2018 e nem sequer, confrontada então com a sua passividade, esboçou qualquer reacção, quedando-se passiva até que em 15-04-2019 instaurou esta acção de reivindicação.
31. Laurinda Gemas/Albertina Pedroso/João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano – Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 3.ª edição, Lisboa, Quid Juris, 2009, pgs. 459/460.
32. Processo nº 103/18.5T8AMR.G1 (Paulo Reis). Embora o objecto do mesmo respeite apenas à questão da equiparação da denúncia à oposição à renovação – que não é, no presente caso, aquilo que se discute – não deixa o mesmo de salientar, citando aliás aqueles autores, que “tal declaração deve ser inequívoca no sentido da oposição à renovação, reportada ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação”.
33. Ao que não será alheia a circunstância de, apesar de tudo, a seu favor, estar garantida, por depósito, a renda de 150,00€/mês e de, portanto, a haver prejuízo, este se confinar à quantia de 50,00€/mês, visto que será de 200,00€ o valor da renda que receberia do imóvel (cujo degradado estado as fotos juntas atestam suficientemente) e, portanto, da indemnização pedida.
34. É curioso constatar que a autora, apesar de tudo, não enveredou pela utilização da comunicação como título executivo especial de despejo, ao abrigo do artº 15ºº, nº 2, alíneas c) ou d), do NRAU, apesar da sua sempre afirmada certeza da extinção do contrato na data indicada na NJA (01-03-2018).
35. Sendo certo que, em caso de inobservância, pelo senhorio, do prazo de oposição à renovação, embora a lei nada diga, é de concluir que a cessação do contrato não produz efeitos (cfr. a Dissertação de Mestrado, de Maria Sofia Melo de Albuquerque Saraiva Mouro, apresentada na FDUNL, intitulada A Denuncia no Contrato de Arrendamento Urbano, orientada pelo Doutor Jorge Morais de Carvalho, página 76. Refira-se que, embora também a lei nada diga quando a comunicação for feita com demasiada dilação, o sistema parece avesso ao excesso como aflorava o regime do artº 1104º, do CC, entretanto revogado pela Lei 31/2012.
36. Em contrário e no sentido da tese da recorrida se orienta o Acórdão do STJ, de 05-12-2017, processo 2955/15.1T8BRG.G1.S2, segundo cujo sumário: “A oposição à renovação é exclusiva dos contratos de prazo certo. Consequentemente, reserva-se a denúncia para fazer cessar um contrato sem prazo certo. Esta distinção tornou-se clara com o NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27-02), usando a lei vigente, à época da celebração do contrato dos autos, a palavra denúncia sem o sentido técnico que esta assume em direito” e “Não sendo admitida nestes termos [no caso do contrato alvo do aresto], a denúncia pelo senhorio é juridicamente irrelevante, não podendo operar efeitos enquanto tal uma comunicação deste…”.