Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1139/18.1T9VRL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REQUISITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: RECURSO REJEITADO
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário da Relatora

I – No âmbito do processo contra-ordenacional de natureza laboral, em regra apenas é admissível recurso para o Tribunal da Relação das decisões enumeradas taxativamente no art.º 49.º do RPACOLSS.

II- Da conjugação dos n.ºs 1 als. a) e b) e 3 do artigo 49.º do RPACOLSS resulta a inadmissibilidade do recurso relativamente às contra-ordenações cuja coima aplicada seja inferior a 25 UC ou valor equivalente e não tenha sido aplicada sanção acessória
Decisão Texto Integral:
RECORRENTE: X CONTABILIDADE, AUDITORIA E CONSULTADORIA FISCAL, LDA e A. F.
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório

No âmbito da decisão administrativa proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho – Centro Local do Douro -, que deu origem aos presentes autos foi à arguida aplicada a coima única de €6.000,00, correspondente a seis coimas parcelares de €1.000,00 cada, uma de €500,00 e outra de €3.000,00, pela prática de oito contra-ordenações: a) por inexistência de registo de tempo de trabalho, com indicação das horas de início e de termo do tempo de trabalho, assim como interrupções e intervalos, infringindo o artigo 202.º CT; b) por incumprir a obrigatoriedade de promoção das categorias profissionais, infringindo a cláusula 13ª do CCT celebrado entre a ... – Associação Portuguesa de Empresas de Contabilidade e Administração e o Sindicato do Comércio, Escritórios, Serviços, Alimentação, Hotelaria e Turismo; c) por incumprir a obrigatoriedade de aplicar as tabelas remuneratórias mínimas, infringindo o n.º 2 da cláusula 27.ª do CCT aplicável; d) por incumprir a obrigatoriedade de pagamento de diuturnidades, infringindo a cláusula 32.º do CCT aplicável e o art.º 263.º do CT.; e) por incumprir a obrigatoriedade de pagamento de um subsídio de refeição no valor de €6,20, infringindo a cláusula 29.ª do CCT aplicável; f) por incumprir no pagamento pontual da retribuição da trabalhadora P. M., infringindo o n.º 4 do art.º 278.º do CT; g) por incumprir no pagamento do subsídio de natal devido à trabalhadora P. M.; h) por incumprir a obrigação de comunicar a admissão da trabalhadora C. L., infringindo o art.º 29.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 110/2009 de 16/09 que aprova o Código Contributivo, alterado pela Lei n.º 119/2009 de 30/12 e pela Lei n.º 55-A/2010 de 31/12. A coima única foi ainda acrescida dos valores apurados em sede administrativa relativamente aos montantes devidos aos trabalhadores ali identificados num total de €6.255,85 e do montante de €2.442,59 a título de contribuições devidas aos serviços sociais competentes.

O responsável solidário A. F. não concordando com a decisão administrativa interpôs impugnação judicial no Tribunal da Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho, vindo este Tribunal a absolver a arguida a prática das infracções previstas pelos arts.º 263.º e 278.º ambos do Código do Trabalho, condenando-os na coima única de €3.500,00 pela prática das restantes infracções, acrescendo ainda a obrigação de procederem à liquidação aos serviços sociais competentes das contribuições no valor de €1.981,49.

A arguida X CONTABILIDADE, AUDITORIA E CONSULTADORIA FISCAL, LDA. e responsável solidário A. F. inconformados com esta decisão recorreram para este Tribunal da Relação de Guimarães pedindo que se declare nula sentença proferida, ou caso assim não se entenda que sejam absolvidos da obrigação de procederem à liquidação aos serviços sociais competentes das contribuições no valor total de €1.981,49, devendo ainda a coima única aplicada ser reduzida a um montante próximo do mínimo legal.

Motivam o seu recurso com as seguintes conclusões:

A. Vêm a Arguida e o Responsável solidário recorrerem da sentença que determinou a sua a condenação pela prática de contraordenações p. e p. pelas cláusulas 13ª, 27ª nº 2, 29ª e 32ª todas do CCT celebrado entre a ... – Associação Portuguesa das Empresas de Contabilidade e Administração e o Sindicato do Comércio, Escritórios, Serviços, Alimentação, Hotelaria e Turismo e outras, publicado no BTE nº 45 de 08/12/2015 e Portaria de Extensão publicada no BTE nº 17 de 08/05/2016 e ainda no art. 202º este do Cód. do Trabalho e ainda no art. 29º nºs 1 e 2 da Lei nº 110/2009 de 16/09 que aprova o Código Contributivo, alterado pela Lei nº119/2009 de 30/12 e pela Lei nº 55-A/2010 de 31/12, nas coimas de € 1.000,00; duas de € 250,00 cada; € 750,00; € 500,00; € 620,00 e € 1.000,00 e na coima única de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), a qual se determina em função do preceituado no art. 19º do RGCO e do art. 51º nº 2 al. a) da Lei nº 107/2009 de 14/09.
B. Assim como condenou a Arguida e o Responsável Solidário ao pagamento aos serviços sociais competentes das contribuições no valor total de € 1.981,49 (mil novecentos e oitenta e um euros e quarenta e nove cêntimos) respeitantes à trabalhadora C. L..
C. Ora, a condenação no pagamento de contribuições sociais encontra-se insanavelmente contraditória face à base factual dada como provada.
D. Dos factos provados consta que a trabalhadora foi admitida a tempo parcial, auferindo a retribuição correspondente.
E. Informação, inclusive, sustentada pela prova documental trazida pela Arguida aos autos, nomeadamente, pelo contrato de tempo parcial celebrado entre a Arguida e a trabalhadora em questão, o acordo de pagamento celebrado e os recibos de vencimento da mesma, substratos juntos aos presentes autos.
F. Tal montante não é, de forma alguma devido porque, atentando ao mapa de apuramento constante de fls. 100 e no qual a sentença assenta o montante condenatório, denota-se que, por manifesto lapso de quem o elaborou, o mesmo foi realizado tendo por referência um trabalhador a tempo inteiro e não parcial, como é o caso da trabalhadora em apreço.
G. Se foi dado como provado que a trabalhadora em questão apenas foi admitida em regime parcial, então os, alegados, montantes devidos teriam de ser calculados por referência remuneração efectivamente auferida e que correspondia a um contrato a tempo parcial.
H. Pelo exposto, a sentença aqui em crise, ao dar como provado que a trabalhadora foi admitida a tempo parcial mas, por outro lado, ao condenar a Arguida e o Responsável Solidário ao pagamento de contribuições, alegadamente, devidas pela admissão da trabalhadora, calculados no pressuposto de que esta trabalhava e auferia uma retribuição como se de uma trabalhadora a tempo inteiro se tratasse incorreu numa manifesta e insanável contradição entre a fundamentação e a decisão ao abrigo da al. b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP.
I. A sentença é, assim, nula pela existência dos vícios contidos nas alíneas a) e b) do nº2 do artº 410º CPP ex vi artigo 60.º do RPCOLSS e 41.º n.º 1 do RGCO.

Sem prescindir e caso o antedito não colha,

J. a sentença sempre deverá ser declarada nula ao abrigo do artigo 379.º n.º 1, alínea a), ex vi artigo 60.º do RPCOLSS e 41.º 1 do RGCO.
K. O exame crítico da prova pressupõe uma apreciação criteriosa e logicamente orientada dos vários meios de prova produzidos nos autos, salientando-se quais os meios de prova concretamente considerados como idóneos e a razão para essa valoração, e quais os meios de prova que não mereceram crédito com indicação igualmente das razões para tal valoração.
L. O Julgador tem o dever de explicitar e fundamentar o raciocínio lógico que, no processo de formação da sua convicção, efectuou quanto aos concretos pontos da matéria de facto em discussão, indicando os concretos meios probatórios em que se fundou e, analisando-os critica e conjugadamente, esclarecendo a razão por que neles fundou a sua convicção.
M. O Tribunal a quo de forma acrítica aderiu ao conteúdo do mapa de apuramento realizado pela ACT e contante de fls. 100.
N. Mapa esse que peca por um erro de princípio, em concreto pelo facto de que parte do pressuposto que a trabalhadora C. L. foi admitida a tempo inteiro e que auferia um salário correspondente, o que é falso.
O. A trabalhadora em apreço foi contratada a termo parcial auferindo o salário correspondente de 346,50 euros como se extrai do seu contrato de trabalho a tempo parcial, acordo de pagamento e comprovativo do pagamento das prestações decorrentes daqueles, tudo constante de fls..
P. A Arguida e o Responsável Solidário não sabem e encontram-se impedidos de compreender, por que medida, no que tange ao salário auferido não foi relevado o contrato de trabalho e o acordo de pagamento juntos, tendo, outrossim e de forma cega aderido o Tribunal a um documento que se encontra, manifestamente, mal preenchido (i. e. mapa de apuramentos constante de fls. 100).
Q. Mais andou mal o Tribunal no exame dos documentos juntos pela Arguida, nomeadamente, dos comprovativos de pagamento das prestações acordadas com a trabalhadora em apreço, na medida em que, de tal documento resulta por demais evidente que os montantes devidos e pagos de forma prestacional foram, todos, sujeitos a descontos para a SS.
R. Nenhum montante é devido a título de contribuições para a SS.
S. A Sentença recorrido é nula, por falta de exame crítico das provas, nos termos conjugados do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal ex vi artigo 60.º do RPCOLSS e 41 n.º 1 do RGCO

Ademais,

T. a Sentença recorrida procede à escolha e graduação das coimas parcelares a aplicar, elencando, para o efeito critérios gerais de determinação da medida da coima remetendo para o artigo 18.º do RGCO porém, sem qualquer concretização do mesmo ou aplicação ao caso em concreto.
U. As considerações genéricas expendidas na Sentença recorrida quanto aos critérios de determinação e quantificação das coimas parcelares, associadas à sua lacónica caracterização não consubstanciam uma efectiva fundamentação da pena concretamente aplicada aos Recorrentes.
V. Pelo que, é a sentença recorrida nula por violação do dever de fundamentação que sobre o Tribunal a a quo impendia atento o disposto nos artigos 41.º n.º 2 do RGCO, 58.º n.º 1 al. c) do RGCO, assim como o artigo 379.º n.º 1, alínea a) e o artigo 374.º n.º 2 do Código de Processo Penal, ex vi n.º 4 do artigo 50.º e 60.º do RPCOLSS e 41.º n.º 1 dp RGCO.
W. Subsumindo isto ao caso dos autos, a Sentença recorrida, não obstante fazer referência aos critérios genéricos de determinação das penas, não procedeu a uma concretização mínima desses critérios no respeitante à situação dos Recorrentes, limitando-se a reproduções vagas e genéricas assentes em remissões legais carecidas de concretização que podem ser aplicadas a qualquer caso.
X. Da sentença não consta qualquer concretização da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.
Y. A decisão limita-se a tecer considerações genéricas carecidas de concretização e a tomar por garantidos institutos que carecem de concretização e comprovação, em concreto, o da negligência.
Z. A referência ao volume de negócios contida na terceira das contraordenações demonstra-se desenquadrada atento que tal volume diz respeito ao ano de 2015.
AA. Se os Recorrentes não compreendem o vertido na Sentença, também este Tribunal de Recurso não compreenderá, ficando impossibilitado de sindicar a bondade das coimas aplicadas pela Sentença, isto porque o Tribunal a quo se demitiu de um dos mais elementares deveres que impendem sobre o mesmo, rectius o dever de fundamentação das suas decisões.
BB. A Sentença recorrida é nula, nos termos do disposto nos artigos 379.º n.º 1 alínea a) e 374.º n.º 2 do Código de Processo Penal, ex vi artigo 60.º e 54.º do RPCOLSS e n.º 1 e 2 do artigo 41.º do RGCO por falta de fundamentação no que tange à determinação da coima aplicada aos Arguidos.

Sem prescindir,

CC. O Julgador, na determinação da medida da coima, tem atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte a infração, deponham a favor do agente ou contra ele, artigo 71.º n.º 2 do Código Penal ex vi artigo 60.º e 54.º do RPCOLSS e 32.º do RGCO.
DD. A Arguida sempre se demonstrou cooperante e pronta a solucionar qualquer irregularidade ou lapso.
EE. A Arguida, pese embora não aceitar as infrações levantadas pela ACT, rapidamente celebrou acordos de pagamento com os trabalhadores visados procurando pôr termo a tal questão ao mesmo tempo que garantiu que os seus trabalhadores e a SS nunca sairiam lesados, independentemente de acreditar ou não na bondade da actuação da ACT.
FF. Situação tanto ou mais evidente quando, como por diversas vezes referido pela Arguida, a gestão do pessoal, por delegação da gerência, estava a cargo da ex-trabalhadora P. M. cuja incúria redundou no presente processo.
GG. Assim sendo, o Tribunal a quo, não ponderou devidamente as atenuantes ora expostas.
HH. conclui-se que a coima aplicada aos Arguidos é manifestamente desproporcional e exagerada, devendo por isso ser reduzida ao seu limite mínimo.
II. A decisão objeto do presente recurso é ilegal, por violação, entre outros, dos arts. 18º do RPCOLSS, 41.º n.º 2 do RGCO ex vi artigo 60 do RPCOLSS, 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 al. a), ambos do CPP ex vi artigo 60 do RPCOLSS e 41.º n.º 1 do RGCO e 71.º n.º 1 do CP ex vi artigo 60 do RPCOLSS e 32.º do CP e 205.º da CRP.

Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deverá a sentença proferida ser declarada nula com as respetivas cominações legais

Sem prescindir e caso assim não se entenda, sempre deverá a Arguida e o Responsável Solidário serem absolvidos da obrigação de procederem à liquidação aos serviços sociais competentes das contribuições no valor total de 1.981,49 euros, assim como, verem a coima única na qual foram condenados reduzida a um montante próximo do mínimo legal. com o que se fará a SÃ E COSTUMEIRA JUSTIÇA!

O Ministério Publico respondeu ao recurso, pugnando pela sua total improcedência.
*
Remetidos os autos para este Tribunal da Relação de Guimarães, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer de fls. 583 a 586, no âmbito do qual suscitou em sede de questão prévia a inadmissibilidade do recurso atento o montante das coimas parcelares cominadas e a inaplicabilidade de qualquer sanção acessória.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
*
Objecto do Recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente na sua motivação – artigos 403.º n.º 1 e 412.º n.º 1, ambos do C.P.P. e aqui aplicáveis por força do artigo 50.º n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14/09.

As questões apreciar, sem prejuízo das que se encontrem prejudicadas pelo conhecimento anterior de outras, são as seguintes:

- inadmissibilidade do recurso;
- contradição entre a fundamentação e a decisão, no que respeita à condenação no pagamento de contribuições para a Segurança Social;
- nulidade da sentença por verificação dos vícios que constam das alíneas a) e b), do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, art.º 60 do RPCOLSS e art.º 44.º n.º 1 do RGCO;

Subsidiariamente

- nulidade da sentença por falta de exame critico das provas no que respeita ao apuramento das quantias devidas à segurança social;
- nulidade da sentença por falta de fundamentação no que respeita à determinação concreta da coima;
- desproporcionalidade da coima concretamente aplicada

Fundamentação de facto

Encontram-se provados os seguintes factos:

- Em visita inspectiva levada a cabo no dia 10/10/2016, pelos serviços da ACT, verificou-se que no estabelecimento da arguida, pessoa colectiva, sita na Av. …, em Peso da Régua, se encontravam a exercer funções como seus trabalhadores P. M., J. P., A. C., M. C. e C. L..
- No decurso desta visita inspectiva foram solicitados os registos dos tempos de trabalho daqueles trabalhadores e analisada a respectiva documentação – cfr. documentos de fls. 4 a 6vº - verificou-se que a aqui arguida apenas registava a assiduidade dos mesmos, sendo aqueles documentos omissos quanto às horas de trabalho de entrada e de saída daqueles colaboradores.
- Dos documentos apresentados pela arguida, no seguimento da referida visita inspectiva verificou-se ainda que quanto aos mesmos trabalhadores a P. M. foi admitida em Abril de 2008 com a categoria profissional de técnica de contabilidade estagiária; o trabalhador J. P. foi admitido em Fevereiro de 2014 com a categoria profissional de técnico de contabilidade de 2ª e a trabalhadora M. C. foi admitida em Fevereiro de 2015 como assistente administrativa de III.
- À data da visita inspectiva a trabalhadora P. M. encontrava-se inserida na categoria profissional de técnico de contabilidade de 2ª auferindo o vencimento mensal de € 688,00, o mesmo sucedendo com o trabalhadora J. P. e a trabalhadora M. C. encontrava-se inserida na categoria profissional de assistente administrativa auferindo um vencimento mensal de € 530,00 – cfr. documentos de fls. 11 a 18 dos autos do apenso A.
- Os referidos trabalhadores, P. M., J. P. e M. C. auferiam um subsídio de alimentação de € 5,98/dia útil de trabalho; não auferindo qualquer valor a título de diuturnidades – cfr. documentos de fls. 11 a 18 acima mencionados.
- Ainda no dia da visita inspectiva acima referida, constatou-se que a trabalhadora P. M. se encontrava sentada numa secretária, sem quaisquer tarefas que lhe estivessem distribuídas pela aqui arguida, sua entidade empregadora, tendo esta apresentado como justificação que aquela trabalhadora havia estado ausente de baixa médica e após o seu regresso não dispunha de funções para lhe atribuir, tendo a remetido para período de férias no final do dia da vista inspectiva em apreço.
- No dia 21/10/2016 no decurso daquele período de férias a entidade empregadora, aqui arguida, comunicou à mesma trabalhadora P. M. de que se encontrava suspensa preventivamente em face de procedimento disciplinar instaurado.
- A trabalhadora C. L. foi admitida ao serviço da aqui arguida em 01/04/2016 por contrato verbal, tendo celebrado com a arguida em 04/05/ 2016 contrato de trabalho a tempo parcial – cfr. doc. de fls. 20 a 21, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido - para exercer funções de organização da contabilidade, não tendo a sua admissão sido comunicada aos serviços sociais competentes, até ao dia da visita inspectiva supra referida.
- A aqui arguida incluiu a referida trabalhadora C. L. no contrato de seguro de acidentes de trabalho no qual se encontrava equiparada aos demais trabalhadores em termos de vencimento e de subsídio de refeição.
- O legal representante da arguida e co-arguido foi ouvido em declarações, em sede de instrução dos presentes autos – cfr. fls. 44 – nas quais indicou três testemunhas a serem inquiridas; foi designada a data de 18/04/2017 para a sua inquirição – cfr. fls. 46; como as mesmas não compareceram e justificaram a sua falta foi designada nova data de 16/05/2017 – cfr. fls. 64 a 66 – com a advertência de que as deveria apresentar.
- Na data fixada compareceram duas das referidas testemunhas, acompanhadas da então mandatária judicial dos arguidos, as quais foram inquiridas – cfr. fls. 70 e 71.
- A arguida apresentou um volume de negócios de € 64.514,00 no relatório único de 2015.
- A trabalhadora P. M. remeteu à arguida a comunicação de resolução do seu contrato de trabalho em 30/01/2017 – cfr. doc. de fls. 273 e o trabalhador J. P. remeteu idêntica comunicação à arguida em 16/09/2016.
- Entre a aqui arguida e a trabalhadora M. C. foi celebrado acordo de pagamento no valor de € 1.287,28 relativo a créditos laborais vencidos e não liquidados, a pagar de forma fraccionada, em 09/02/2017 – cfr. doc. de fls. 291 e 292.
- Entre a aqui arguida e a trabalhadora C. L. foi celebrado acordo de pagamento no valor de € 3.553,90 relativo a créditos laborais vencidos e não liquidados, a pagar de forma fraccionada, em 17/02/2017 – cfr. doc. de fls. 298 e 299.
- A trabalhadora P. M. instaurou acção judicial emergente de contrato individual de trabalho contra a aqui arguida, a qual correu os seus sob o nº 117/18.5T8LMG no Juízo do Trabalho de Lamego da Comarca de Viseu, a qual terminou com transacção mediante a qual a arguida se obrigou ao pagamento à mesma trabalhadora da quantia de €4.300,00 a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do seu contrato de trabalho, nada mais tendo a receber da sua anterior entidade empregadora – cfr. doc. de fls. 446 a 450.
*
Fundamentação de direito

Da inadmissibilidade do recurso

Estabelece o artigo 49.º do RPACOLSS (regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e da segurança social), aprovado pela Lei n.º 107/2009 de 14/9 o seguinte:

“Decisões judiciais que admitem recurso

1 - Admite-se recurso para o Tribunal da Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 39.º, quando:

a) For aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente;
b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias
c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa competente tenha aplicado uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente, ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d) A impugnação judicial for rejeitada;
e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto nos termos do disposto no n.º 2 do artigo.º 39.º

2 – Para além dos casos enunciados no número anterior, pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
3 - Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infrações ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infrações ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites.

A arguida/recorrente veio interpor recurso ao abrigo do disposto no artigo 49.º n.º 1 als. a) e b) do Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais e da Segurança Social e nos artigos 401.º n.º 1, al. b), 406.º, n.º 1, 407.º n.º 2 al. a) e 408.º n.º 1 al. a), todos do CPP.

No caso em apreço qualquer uma das coimas individualmente aplicadas é de montante inferior ao constante da al. a) do transcrito normativo, que se cifra em €2.550,00, sendo certo que não houve lugar à aplicação/condenação de qualquer sanção acessória.

Na verdade, os Recorrentes foram condenados solidariamente no pagamento das coimas parcelares de €1.000,00; duas de €250,00 cada; €750,00; €500,00; €620,00 e €1.000,00, e, em cúmulo jurídico foram condenados no pagamento da coima única, de €3.500,00, bem como na obrigação de proceder ao pagamento aos serviços sociais competentes das contribuições no valor de €1.981,49.

Ora, de acordo com o estabelecido na al. a) do n.º 1 do citado artigo 49.º só é admissível recurso para o Tribunal da Relação quando for aplicada ao arguido coima superior a 25 UC, ou seja superior a €2.550,00 (€102,00 x 25).

Por outro lado, em conformidade com o previsto na al. b) do n.º 1 do mesmo preceito legal cabe sempre recurso para o Tribunal da Relação quando for aplicado ao arguido uma sanção acessória e isto independentemente do montante da coima concretamente aplicada.

Por fim, resulta do n.º 3 do citado preceito, se a sentença for relativa a várias infracções e apenas quanto a algumas delas se reunirem os pressupostos da sua admissibilidade, o recurso subirá com essas limitações, isto é apenas para conhecimento daquelas.

Como se escreveu a propósito da sanção acessória, em situação idêntica, no recente Acórdão deste Tribunal da Relação, proferido em 19 de Junho de 2019, no proc. n.º 1137/18.5T9VRL (relatora Alda Martins), não publicado “[a] sanção acessória a que acima se alude tem de obrigatoriamente reportar-se, seguindo princípios de estrita legalidade, a qualquer das taxativamente previstas no art. 562.º do Código do Trabalho (publicidade, interdição de actividade ou privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos), ou no art. 21.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27/10 (perda de objectos, interdição do exercício de profissões ou actividades, privação do direito a subsídio ou benefício de entidades públicas, privação do direito de participar em feiras ou mercados, privação do direito a participar em arrematações e concursos públicos, encerramento do estabelecimento e suspensão de autorizações, licenças e alvarás), por força do disposto no art. 60.º do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social.

Assim, não assume a natureza de sanção acessória, por falta de tipicidade, isto é, por não se encontrar prevista na lei como tal, a obrigação de pagamento aos trabalhadores de quantitativos em dívida e à Segurança Social de contribuições obrigatórias sobre aqueles quantitativos, nos termos do disposto no art. 564.º do Código do Trabalho.

Nesse sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Évora de 18 de Janeiro de 2018, proferido no processo n.º 688/15.8T8FAR.E1 (disponível em www.dgsi.pt), onde se escreveu:

“O artigo 562.º do Código do Trabalho prevê a aplicação de sanções acessórias.
Assim, é aplicada a sanção acessória de publicidade no caso de contra-ordenação muito grave ou de reincidência em contra-ordenação grave, praticada com dolo ou negligência grosseira (n.º 1 do referido artigo), podendo ainda em caso de reincidência numa das contra-ordenações referidas ser aplicada a interdição do exercício de actividade no estabelecimento, unidade fabril ou estaleiro onde se verificar a infracção e privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos (n.º 2 do mesmo artigo).
Manifestamente não é esta situação que está em causa nos autos.

Por sua vez, o regime geral das contra-ordenações (aplicável, como se disse, subsidiariamente às contra-ordenações laborais, por força do artigo 60.º da Lei n.º 107/2009) prevê também a aplicação de sanções acessórias.

Dispõe, para o efeito e sob a epígrafe “Sanções acessórias”, o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10:

“1. A lei pode, simultaneamente com a coima, determinar as seguintes sanções acessórias, em função da gravidade da infracção e da culpa do agente:

a) Perda de objectos pertencentes ao agente;
b) Interdição do exercício de profissões ou actividades cujo exercício dependa de título público ou de autorização ou homologação de autoridade pública;
c) Privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidades ou serviços públicos;
d) Privação do direito de participar em feiras ou mercados;
e) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos que tenham por objecto a empreitada ou a concessão de obras públicas, o fornecimento de bens ou serviços, a concessão de serviços públicos e a atribuição de licenças ou alvarás;
f) Encerramento de estabelecimento cujo funcionamento esteja sujeito a autorização ou licença de autoridade administrativa;
g) Suspensão de autorizações, licenças e alvarás.”.

Ora, estando em causa a condenação/notificação da arguida/recorrente no pagamento de importâncias em dívida aos trabalhadores, bem como os correspondentes descontos à segurança social, afigura-se que tal condenação/notificação não se enquadra em qualquer das sanções acessórias previstas, seja no regime geral das contra-ordenações, seja, como já se deixou afirmado, no Código do Trabalho.”

Retornando o caso dos autos e tendo presente que o recurso foi interposto nos termos do art.º 49.º n.º 1, als. a) e b) do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social revela-se de manifesta a sua inadmissibilidade relativamente a todas as imputadas contra ordenações em que foram condenados pelo tribunal a quo, uma vez que o montante de cada uma das coimas parcelares é inferior a 25 UC e não foi aplicada qualquer sanção acessória, designadamente qualquer uma das previstas no art.º 562.º do CT ou no art.º 21.º n.º 1 do DL n.º 433/82, de 27/10. Acresce ainda dizer que a obrigação da arguida proceder à liquidação das contribuições obrigatórias para a Segurança Social, decorrentes do regime contributivo para a SS não constitui sanção acessória por falta de tipicidade.

Por outro lado, cabe-nos ainda salientar que os Juízos do Trabalho funcionam, no âmbito da sua competência em matéria de contra-ordenações laborais e de segurança social, como instância de recurso, reapreciam a decisão da autoridade administrativa, quer de facto, quer de direito. Por seu turno, o Tribunal da Relação funciona neste âmbito essencialmente como instância de revista, e, consequentemente, em termos limitados, quer quanto às decisões judiciais que admitem recurso, quer quanto ao âmbito e efeitos do recurso (cfr. arts. 49.º e 51.º, n.º 1 do RPCOLSS).

Com efeito, a natureza dos ilícitos de mera ordenação social e o carácter meramente económico da coima intimamente dela dependente justificam as limitações ao recurso para o Tribunal da Relação das decisões judiciais proferidas no âmbito do processo de contra-ordenação.

Assim, ao invés do que sucede no processo penal, que em face da exigência do princípio constitucional das garantias de defesa do arguido, com consagração no artigo 32.º n.º 1 da CRP, vigora o princípio da admissibilidade de recurso das sentenças e dos despachos judiciais, sempre que a lei não preveja a sua irrecorribilidade – cfr. art.º 399.º do CPP – a regra em matéria contra-ordenacional é a da irrecorribilidade das decisões judiciais decorrente da disciplina dos recursos estabelecida para os processo de contra ordenação, o que colhe a sua justificação na natureza do ilícito de mera ordenação social e das sanções que lhe correspondem (coimas).

Em suma, no caso em apreço as coimas aplicadas individualmente a cada uma das infracções praticadas são de montante inferior ao constante da al. a) do citado artigo 49.º e não se verificando qualquer uma das circunstâncias prevista no referido normativo legal, designadamente a prevista na al. b), que determine a admissibilidade do recurso, pelo que mais não resta do que proceder à sua rejeição.

Neste sentido tem sido uniforme a posição assumida por este Tribunal da Relação, tal como resulta do acórdão acima citado, a que acrescem os seguintes: Ac. de 20/10/2016, proc. n.º 650/16.3T8VCT.G1; Ac. de 7/12/2017, proc.º n.º 143/17.1T9VRL.G1; Ac. de 19/04/2018, proc.º n.º 2099/17.T8VCT.G1; Ac.de 20/09/2018, proc. n.º 6360/17.7T8BRG.G1 e Ac. de 24/01/2019, proc. n.º 3926/17.9T8GMR.G1, todos consultáveis in www.dgsi.pt

Decisão

Por todo o exposto acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães na rejeição do recurso.
Custas a cargo dos Recorrentes, fixando a taxa de justiça em 3UC.
Guimarães, 10 de Julho de 2019

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga