Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
9/16.2T8MNC.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: OCUPAÇÃO ILÍCITA
DANO DA PRIVAÇÃO DO USO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I– Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas.

II- O proprietário privado por terceiro do uso de uma coisa tem, por esse simples facto, o direito a ser indemnizado por essa privação, indemnização essa a suportar por quem leva a cabo a privação em causa.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES-

I. Relatório

A Caixa …, CRL, pessoa colectiva nº …, com sede na Praça …, Viana do Castelo, instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra Terras X - Agro-Turismo, Lda., pessoa colectiva nº ..., com sede no Lugar …, Monção, Massa Insolvente de J. P., contribuinte nº …, representada pelo Sr. Administrador da Insolvência, Dr. N. M., com escritório na Rua …, Aveiro, e M. F., viúva, contribuinte nº …, residente no Lugar …, Monção, peticionando que seja declarada a nulidade do contrato de arrendamento descrito na petição inicial, por simulação subsidiariamente, seja declarada a nulidade do mesmo contrato de arrendamento, por o seu objecto ser legalmente impossível ou contrário à lei subsidiariamente, seja declarada a caducidade do contrato de arrendamento com referência à data de compra do prédio que sejam as rés condenadas solidariamente a entregar à autora o prédio descrito na petição inicial, livre de pessoas e bens e em bom estado de conservação e no pagamento de uma indemnização no valor mensal de € 2.000,00, a contar de 25 de Setembro de 2015 até à efectiva entrega do prédio.

Alegou, para tanto e em síntese, que em 2012 instaurou uma acção executiva contra a ré sociedade, o insolvente e o seu filho, tendo sido penhorado um prédio urbano (que identifica), dispondo a autora de duas hipotecas sobre o mesmo que na acção de insolvência, a autora adquiriu o referido prédio urbano e em Setembro de 2015, apresentou-se no local a fim de tomar posse do mesmo, tendo sido impedida de o fazer pelo insolvente e pela ré M. F., tendo estes invocado a existência de um contrato de arrendamento a favor da ré sociedade, sobre o mencionado prédio urbano.

Alegou, ainda, que tal contrato de arrendamento foi celebrado com o intuito de enganar os credores do insolvente, divergindo as declarações prestadas da vontade real de cada um, pois o contrato nunca foi registado junto da repartição de Finanças, a data aposta no mesmo é precisamente a data da constituição da sociedade ré e a renda prevista no mencionado documento, nunca foi paga acrescendo a estes factos, o facto de ser manifestamente reduzida, tendo em conta as características do prédio e o seu estado.
Concluiu, referindo que pelo facto de não ter tomado posse efectiva do prédio, a autora foi impedida de o arrendar pela quantia mensal de dois mil euros.
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Devidamente citada, veio a ré, M. F., contestar, alegando, para tanto e em síntese, que não impediu a autora de tomar posse do prédio, pois nem sequer se encontrava em Monção à data da alegada tentativa de tomada de posse do mesmo, tendo os representantes da autora sido informados da existência do contrato de arrendamento, em conformidade com uma cópia que lhes foi fornecida.
Referiu, ainda, ser tal contrato real e não simulado, sendo o valor da renda adequado aos valores praticados naquele local.
Conclui, alegando que a caducidade não se verifica quanto à ré Terras X e que o valor de indemnização de dois mil euros mensais é manifestamente excessivo.
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A Massa Insolvente de J. P., representada pelo administrador da insolvência Dr. N. M., veio contestar impugnando os factos vertidos na petição inicial, alegando que no relatório a que alude o art. 155º do CIRE, foi feita referência ao contrato de arrendamento em causa nos autos, com conhecimento dos credores, e que não se encontram reunidos os pressupostos que a lei faz depender a obrigação de indemnizar nos termos do disposto no artigo 483º do Código Civil.
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Terras X, Lda também apresentou contestação, impugnando, igualmente, os factos vertidos na petição inicial, referindo que o contrato de arrendamento foi celebrado e apresentado no âmbito de uma candidatura a um projecto de financiamento europeu e que corresponde à vontade real e efectiva das partes, mais mencionando que a insolvência de J. P. apenas foi decretada cinco anos depois da outorga do contrato que não há lugar à caducidade do contrato, nem ao pagamento de qualquer indemnização.
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Foi proferido despacho saneador e realizada a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual, tendo o tribunal tomado conhecimento do despacho de encerramento por rateio final da insolvência de J. P., foi proferido despacho de substituição processual da massa insolvente pelo insolvente J. P..
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Após, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:

a) Declarou nulo o contrato de arrendamento celebrado entre o réu J. P. e a ré Terras X - Agro-Turismo, Lda., datado de 28 de Abril de 2009, por vício de simulação;
b) Condenou os réus J. P. e Terras X - Agro-Turismo, Lda. a entregar à autora o prédio urbano composto de casa com dois pavimentos, rossios e armazém com um pavimento e rossios, situado no Lugar …, freguesia de ..., Monção, inscrito na matriz predial sob os artigos urbanos … e ... e descrito no registo predial sob o número ..., livre de pessoas e bens e em bom estado de conservação ;
c) Condenou os réus, J. P. e Terras X - Agro-Turismo, Lda, solidariamente, no pagamento à autora de uma indemnização no valor mensal de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), contada desde 25 de Setembro de 2015 até efectiva entrega do prédio descrito em b);
d) Absolveu a ré M. F. dos pedidos ; e
e) Absolveu todos os réus das restantes quantias peticionadas.
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II-Objecto do recurso

Não se conformando com essa decisão, o Apelante J. P., veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

1.ª- O recorrente não se conforma com a douta sentença, proferida nos autos em referência, na medida em que condena a entregar parte do imóvel descrito no ponto 2.º da P.I. e em indemnização pela demora na entrega do referido imóvel; pelo que se pugna pela sua revogação nestes aspectos.
2.ª -A sentença recorrida omitiu do elenco dos factos provados e não provados, os seguintes factos:

"Entre o Réu J. P. e a sociedade Terra X-Agro Turismo, Lda. foi celebrado um contrato de arrendamento, que tinha por objecto o prédio referido no ponto 2.º da P.I. ": sendo que tal tem evidente relevância para a decisão da causa, pois a existência de arrendamento leva a que a responsabilidade pela entrega do imóvel seja da arrendatária e não do recorrente.
3.ª- Há elementos nos autos que impõem que se dê como provado tal facto, que são os seguintes:
- deu-se como provado, no ponto 9 e 10 do elenco dos factos provados na sentença recorrida, que o recorrente impediu a A. de tomar posse do imóvel, invocando o contrato de arrendamento com Terras X, Lda, e
4.ª - Perante tais elementos, é imperativo lógico reconhecer-se que existe, ou existiu, tal arrendamento, independentemente de o mesmo poder ter sido declarado nulo ou considerar-se caducado, pelo que se impõe aditar um ponto ao elenco da matéria de factos provado, nos seguintes termos "Entre o Réu J. P. e a sociedade Terras X-Agro Turismo, Lda., foi celebrado um contrato de arrendamento, que tinha por objecto os prédios referidos no ponto 2.º dos factos provados.
5.ª - Se for entendimento deste tribunal que não há elementos suficientes para dar como provada a celebração do contrato de arrendamento, (sempre necessário como alegado pelo recorrente para qualquer pessoa comum aderir aos projectos de fundos comunitários como foi o caso sub judice, então a decisão da matéria de facto é deficiente e exige-se a sua anulação da sentença na parte que é objecto deste recurso; nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do c.p.c,
6.ª- Atendamos ao seguinte:
a) - No ponto 9 e 10 da matéria de facto dá-se como provado que quando a A. reclamou a entrega do imóvel em causa, o recorrente invocou o arrendamento do mesmo, por parte da Terras X, Lda, como justificação que o impedia de fazer tal entrega.
b) -Diz-se na decisão recorrida que o réu J. P. impediu a A. de tomar posse do prédio referido em 2, invocando que residia no mesmo e que existia um contrato de arrendamento para as Terras X.
c) -A Autora alegou que pediu a declaração de nulidade do contrato de arrendamento invocado pelo recorrente.
d) - Alega ainda, em várias partes da sua P.I., que tal contrato de arrendamento foi celebrado para prejudicar a A. causando-lhe prejuízos; e assim fundamenta o pedido de indemnização ao recorrente.
e) - A suposta simulação do contrato de arrendamento, ou a sua caducidade (que aliás é pedido subsidiário na acção recorrida, é condição necessária para proceder também o pedido de entrega do imóvel, onde habita o recorrente.
f) - Acresce que, havendo arrendamento, que na nossa modesta opinião há, ainda que inválido ou caducado, a indemnização por falta de restituição do locado é calculada com base na rendai nos termos do artigo 1045.º do c.c.
7.ª- Ora, salvo o devido respeito, não é aceitável, no novo processo civil, perante aquilo que foi alegado nos articulados e dado como provado na própria sentença, que o tribunal venha dizer que não existiu arrendamento; incorrendo, por isso, em violação do disposto no artigo 411.º do c.p.c.
8.ª- No caso concreto, perante o alegado na P.I. e estando o processo judicial, aqui referido, no tribunal de Monção- em cumprimento do referido preceito, dar-se como provado que o referido contrato de arrendamento existe.
9.ª- Mais, o tribunal recorrido já havia condenado o réu a pagar indemnização em processo que correu termos no tribunal judicial de Monção, Proc. n.º 279/17.9T8MNC, pede também uma indemnização à Terras X, Lda pela não entrega do imóvel- pedido incompatível com a indemnização reclamada ao recorrente nos presentes autos. Deveria então determinar a emissão de certidão da P.I. do processo n.º 279/17.9T8MNC e a sua junção aos autos sub judice.
10.ª- Tudo isto resulta numa grave deficiência da matéria de facto, que requer a anulação da sentença em crise (artigo 662.º n.º 2, c) do CP.C e a ampliação da matéria de facto, com repetição de julgamento (artigo 662.º n.º 3 c) do C.P.C).
11.ª- Com tal fim, deverá determinar-se a extracção da certidão da P.I. do Proc. n.º 279/17.9T8MNC.

Do recurso da matéria de Direito

12.ª- No que respeita ao pedido da entrega do imóvel, entende o recorrente que a decisão sobre o arrendamento, não é relevante, mas já vimos que, pelo menos no caso da caducidade, o tribunal recorrido tem uma opinião diferente, tendo condenado o recorrente nessa entrega.
13.ª- No que respeita ao pedido da indemnização, esse sim, depende da prova de simulação do contrato e correspondente nulidade, pois só assim a responsabilidade deixaria de ser da arrendatária e passaria para quem tivesse simulado o contrato, mas não se poderia condenar a pagar as duas partes como o tribunal a quo fez no nosso modesto entender mal.
14.ª- Se o contrato de arrendamento for julgado válido e em vigor, então falecem imediatamente os pedidos em causa.

Sem prescindir,
15.ª- No pressuposto da procedência do recurso da matéria de facto e dando-se como provada a existência do contrato de arrendamento, o recorrente não poderá ser condenado nos pedidos em questão; desde logo se se presume o mesmo em vigor.
16.ª- Caso tenha cessado os seus efeitos, a conclusão é a mesma, pois, a entrega compete à arrendatária Terras X, Lda; não sendo obrigado, nem tendo legitimidade, o recorrente para entregar tal imóvel e assim despejar a arrendatária.
17.ª- Depois, quanto à indemnização, se a entrega compete à arrendatária, será ela a responsável por qualquer indemnização pela mora na entrega do locado.

Sem prescindir,
18.ª- No caso de invalidade do arrendamento, entendemos que só haverá obrigação de entregar o locado na data da declaração da invalidade; e no caso da caducidade, só há obrigação de entrega do locado seis meses após o facto que determina a caducidade, nos termos do disposto no artigo 1053.º do CC.
19ª- Assim sendo, nunca poderia o recorrente ser condenado numa indemnização calculada desde o dia 25 de Setembro de 2015, podendo acontecer que ainda nem sequer haja obrigação de entrega do locado; e portanto, não haja lugar a qualquer indemnização.
20.ª- E mesmo que se concluísse pela obrigação de indemnizar, por parte do recorrente, a indemnização nunca poderá ser nos montantes peticionados, uma vez que havendo contrato de arrendamento, independentemente da sua causa de cessação, a indemnização corresponde à renda em dobro a partir do momento em que é exigível a desocupação do locado (artigo 1045.º do CC).
21.ª- Ora, no contrato de arrendamento, a renda foi fixada em €2.000,00 anuais.
Portanto, a indemnização seria no valor de € 4.000/00 anuais, em vez dos € 750/00 mensais que perfaz €9.000 anuais, fixados na sentença recorrida.
22.ª- Acontece que, a A. restringe o pedido de indemnização à falta de entrega do imóvel descrito em 2.

Sempre sem prescindir,
23.ª- Se este tribunal entender que não é de considerar a existência de qualquer arrendamento, ainda assim, não é de condenar o recorrente em qualquer indemnização.
24.ª- Conforme admite a própria A., na sua P.I., e resulta também da decisão da matéria de facto, o recorrente apenas invocou, perante a A., a existência de um arrendamento, como motivo para a recusa em entregar o imóvel, pelo que, ao ser este o único obstáculo utilizado pelo recorrente, nenhuma outra circunstância pode fundamentar um pedido de indemnização contra ele.
25.ª- Daqui decorre que, para responsabilizar o recorrente pelos danos da falta de entrega do bem, terá de haver simulação desse mesmo contrato de arrendamento, perpetrado por ele.
26.ª- Como não concordamos que haja qualquer simulação de contrato, mas sim um contrato perfeitamente válido para entregar para candidatura a fundos europeus pela Terras X, e muito menos que o recorrente tivesse participado em tal simulação, não há factos provados dos quais resulte i1icitude, culpa ou nexo de causalidade; pelo que a decisão recorrida viola o disposto no artigo 483.º do CC, pois sem estes requisitos não há responsabilidade civil, nem obrigação de indemnizar.
27.ª- Acontece que também não foram alegados, nem provados, factos dos quais resulte ter havido qualquer dano indemnizável, já que o dano que a A. alegou foi que a falta de entrega do imóvel a obriga "a recorrer a juízo, com todos os custos que tal implica".
28.ª Sendo este o dano invocado, o pedido deveria improceder logo, por falta de factos que consubstanciem danos indemnizáveis em sede de responsabilidade civil.
29.ª- O dano resultante de perder a possibilidade de vender ou arrendar é um dano de perda de chance.
30.ª Com tal dano exige-se uma séria probabilidade de a oportunidade se verificar e tal probabilidade terá de ser tida em conta no cálculo da indemnização.
31.ª- No entanto, a A. não alega que tivesse intenção de vender, arrendar ou servir-se do imóvel, pelo que não sabemos a intenção da A. e não compete ao tribunal fazer suposições a esse respeito, donde resulta que não se pode fazer um juízo sobre a "séria probabilidade" da verificação da oportunidade, nem se pode proceder ao cálculo da respectiva indemnização.
32.ª- Mais uma vez, o dano da privação do uso só existiria se se provasse que a A. pretendia servir­-se dele, em vez de ao arrendar ou vender, mas a verdade é que a A. não alega que seria lesada pela privação do uso, pois pretendia servir-se do imóvel, como também não alega ser sua intenção vender ou arrendar, tendo perdido a respectiva chance.
33.ª- Não há, portanto, factos dos quais se possa concluir pela existência de dano de perda de chance ou da privação do uso; e também por esta razão não é de condenar o recorrente em indemnização à A.
34.ª-Sem prescindir, é bastante claro que, ao entrar na fundamentação da condenação em indemnização, o tribunal recorrido perde de vista que a indemnização pedida tinha sido limitada à falta de entrega do imóvel.
35.ª- Deu-se como provado que o imóvel se encontra na freguesia de ..., a 8 Km da sede do concelho, a renda nunca poderia ser superior a € 125,00 mensais.
36.ª- Portanto, na hipótese - que sabemos ser meramente académica - de se julgar o recorrente como responsável pelo pagamento de indemnização, ela teria sempre de ser reduzida a valor inferior a € 125,00 mensais.

NESTES TERMOS, o Recorrente pede a V.ªs Ex.ªs a procedência do recurso sobre a decisão da matéria de facto e, independentemente dela, a revogação da sentença, na parte que condena o recorrente na entrega do imóvel, que ele habita, e no pagamento de indemnização à A.; fazendo assim a sempre necessária JUSTiÇA!.
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A A./Recorrida apresentou contra-alegações, nelas concluindo nos seguintes termos:

1.ª - O facto referente à "celebração de contrato de arrendamento", já se encontra enunciado no ponto 12. da matéria de facto provada, pelo que a sentença proferida não padece de qualquer deficiência ou insuficiência quanto à decisão de facto – cfr. n. º 1, art. º 662. º CPC a contrario.
2.ª - A indemnização à recorrida não deve ter por fundamento o prescrito no art.º 1045.º do C.C., pois que o tribunal considerou a nulidade do contrato de arrendamento, por simulação, não havendo então lugar a restituição de "coisa locada", mas a restituição da posse e propriedade à recorrida - cfr. art.ºs 240.º, 286.º, 289.º, n.º 1 e 1311.º, n.º 1 todos do CC.
3.ª - A alegação de que a recorrida já peticionou contra Terras X- .. , no proc. n.º 279/17.9T8MNC, Juízo de Competência Genérica de Monção, a indemnização pela não entrega do imóvel, configurando estes autos uma duplicação do mesmo pedido de indemnização, é uma questão nova, que não foi suscitada e apreciada pelo tribunal a quo, não podendo agora ser levantada - cfr. art.ºs 627.º, n.º 1, 608.º, n.º 2 e 639.º todos do CPC.
4.ª - De todo o modo, não há duplicação de pedido de indemnização, pois que a acção n.º 279/17.9T8MNC tem por base a ocupação pelos réus de um outro prédio "desanexado" do ora em causa, sendo que a indemnização aí peticionada corresponde, tão-só, à ocupação e não entrega desse prédio desanexado, nada se relacionando com o ora em causa - cfr. art.º 580.º, n.º 1 e art.º 581.º ambos do CPC.
5.ª - A recorrida alega todos os factos subsumíveis ao pedido de responsabilidade civil dos réus pela prática de factos ilícitos e tendo tais factos sido dados como provados, bem esteve o tribunal a quo ao condenar em indemnização nessa conformidade - cfr. art. º 483. º do CC.
6.ª - Os factos provados demonstram a simulação do contrato de arrendamento e a posse ilegítima do prédio pelo recorrente e ré sociedade, pelo que bem esteve o tribunal a quo ao condenar o recorrente na entrega do imóvel - cfr. art.º 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC.
7.ª - Os factos provados n.ºs 9, 23 e 34, bem como o depoimento da testemunha C. B., demonstram a pretensão da recorrida de tomar posse do prédio, o seu impedimento e que, não fosse este ato, poderia ter arrendado ou vendido o imóvel conforme pretendia, pelo que bem esteve o tribunal a quo ao condenar o recorrente na indemnização pela verificação desses danos – cfr. art.ºs 1305.º, 483.º, 487.º, 562.º, 563.º, 564.º, n.º 1 e 566.º, n.º 1 todos do CC.
8.ª - De todo o modo, ainda que a recorrida não tivesse alegado o uso ou fim que pretendia dar ao imóvel, sempre a privação do seu direito de propriedade constituiria um dano efectivo a ser indemnizado, pois que, caso assim não se entendesse, não se reconstituiria a situação em que a recorrida estaria no caso de não haver privação, ou seja, a reconstituição dos seus poderes de proprietária àquela data concreta e durante todo o período em que esteve privada - cfr. art. º 562. º CC.
- vd. Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães de 06.11.2012, proc. n.º 326/08.5TBPVL.G1, disponível in www.dgsi.pt
- vd. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 9-5-02, na Revista nº 935/02, citado em acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 06.11.2012
- vd. acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 05.06.2001, recurso n.º 1618/01, disponível em CJST J, tomo II, pág. 125
9.ª - O recorrente não indica qualquer facto ou prova que impusesse o apuramento do montante indemnizatório no valor de € 125,00, pelo que, decidindo o tribunal a quo na conformidade da matéria apurada, fez a boa aplicação das normas jurídicas ao caso - cfr. art. ºs 640. º e 662. º do CPC.
- cfr. n.ºs 3 e 4 do art.º 607.º do CPC
Em conformidade com as razões expostas deve negar-se provimento à apelação, confirmando-se a sentença proferida assim decidindo este venerando tribunal fará JUSTIÇA.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III-O Direito

Como resulta do disposto nos art..ºs 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre decidir se é de alterar a decisão da matéria de facto e revogar a decisão proferida na parte que condena o recorrente na entrega do imóvel e o condena no pagamento de indemnização à A.
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Fundamentacão de facto

Factos provados

1. No dia 8 de Junho de 2012, a autora instaurou no Tribunal Judicial de Monção, contra a sociedade ré, o insolvente e o seu filho, J. A., a acção executiva com o nº 285/12.0TBMNC.
2. No decorrer dessa execução, foi penhorado o seguinte imóvel, então propriedade do insolvente: prédio urbano composto de casa com dois pavimentos, rossios e armazém com um pavimento e rossios, situado no Lugar …, freguesia de ..., Monção, inscrito na matriz predial sob os artigos urbanos ... e ... e descrito no registo predial sob o número ...
3. A autora dispunha de duas hipotecas sobre este prédio:
- uma constituída em 22 de Agosto de 2008, para garantia do pagamento de um empréstimo então concedido no valor de € 150.000,00
- outra constituída em 7 de Maio de 2009, para garantia do pagamento de um empréstimo então concedido no valor de € 150.000,00
4. Por efeito da penhora referida em 2), a autora foi citada na execução indicada em 1), para reclamar o seu crédito hipotecário sobre o referido prédio urbano
5. Em 24 de Janeiro de 2013, a autora reclamou nessa execução comum o crédito no valor total de € 228.859,30, acrescido de juros de mora vincendos
6. No dia 10 de Dezembro de 2013, data em que na referida execução se encontrava já designada a venda judicial do prédio urbano referido em 2), réu J. P. apresentou o processo especial de revitalização com o nº 615/13.7TBMNC
7. O réu J. P. não conseguiu o acordo dos seus credores e, em consequência, no dia 2 de Setembro de 2014, foi declarada a sua insolvência
8. No dia 19 de Agosto de 2015, no âmbito do referido processo de insolvência, a autora adquiriu o prédio referido em 2), tendo procedido ao registo de aquisição junto da Conservatória do Registo Predial no dia 20 de Agosto de 2015
9. No dia 25 de Setembro de 2015, a autora apresentou-se no local do prédio a fim de tomar posse do mesmo, tendo sido impedida de o fazer pelo réu J. P.
10. O réu J. P. invocou a existência de um contrato de arrendamento a favor da sociedade ré, sobre o prédio descrito em 2)
11. O réu J. P. referiu, ainda, que vivia nesse prédio.
12. Com data de 28 de Abril de 2009, a sociedade ré, representada pelo sócio gerente J. A., e o réu J. P. (também sócio gerente da primeira), redigiram um documento particular que denominaram de contrato de arrendamento com o seguinte teor:
1º Outorgante: J. P. (.)
2º Outorgante: Terras X - Agro- Turismo, Lda. (.)
Entre os outorgantes acima identificados é celebrado o seguinte contrato de arrendamento rural, de harmonia com o D.L. nº 385/88, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo D.L. nº 524/99 de 10 de Dezembro e demais condições acima estipuladas, relativas aos prédios urbanos seguintes de que o primeiro outorgante é proprietário:
- Prédio urbano inscrito na matriz sob o nº ...
(.)
1º O contrato tem início em 28 de Abril de 2009 e é celebrado pelo prazo de dez anos, renovável por períodos sucessivos de três anos, enquanto qualquer das partes não for denunciada com antecipação legal.
2º A renda é de 2000 euros anuais.
(.)
Lavra, 28 de Abril de 2009
13. O negócio representado no documento referido em 12) foi combinado entre os outorgantes, com o intuito de enganar os credores do réu J. P., insolvente, divergindo as declarações prestadas da vontade real de cada um
14. Na verdade, esse contrato apenas foi redigido em data posterior a 28 de Abril de 2009 e antes de ser designada na execução referida em 1), a venda judicial do prédio urbano descrito em 2)
15. O intuito da redacção desse documento foi apenas o de afugentar os possíveis interessados na compra dos prédios, permitir (eventualmente) o exercício do direito de preferência ou fazer o insolvente permanecer no prédio durante dez anos
16. O documento descrito em 12) nunca foi participado ao Serviço de Finanças
17. A data aposta no mesmo é precisamente a data da constituição da sociedade ré, o que foi pensado pelos réus J. P. e Terras X, Lda., para criar a aparência de que esse contrato foi celebrado também nesse dia
18. A ré sociedade foi constituída pelo insolvente e pelo seu filho, J. A., tendo tido as seguintes alterações:
- em 05.06.2014, o insolvente declarou ceder a sua quota ao filho J. A.
- em 10.09.2014, o J. A. declarou ceder as suas quotas a M. F.
19. A sociedade ré nunca pagou a renda prevista no documento descrito em 12), quer ao insolvente - até à declaração e insolvência -, quer ao administrador da insolvência, quer à autora - após a compra por esta desse prédio
20. Por outro lado, a renda fixada é manifestamente reduzida, tendo em consideração as características e o estado do prédio em causa
21. Com efeito, o prédio urbano descrito em 2) é constituído por uma ampla moradia, reconstruída recentemente, com boas áreas de lazer, boa exposição solar e bons acessos
22. O interior encontra-se em óptimas condições de conservação e habitabilidade, com revestimentos em madeira e tijoleira e está devidamente equipado e mobilado, com excepção de uma parte da moradia, em que falta uma cozinha
23. Em condições normais, o prédio urbano descrito em 2) poderia ser arrendado pelo valor mensal de € 758,33
24. No decorrer da execução referida em 1), na sequência da penhora desse prédio, nunca o réu J. P., a sociedade ré ou J. A., referiram a existência de qualquer arrendamento
25. As duas hipotecas referidas em 3) foram constituídas pelo réu J. P., para garantia dos empréstimos que então a autora lhe concedeu
26. O prédio foi hipotecado pelo réu J. P. livre de ónus ou encargos
27. A autora aceitou a garantia desse prédio precisamente porque o mesmo não se encontrava onerado ou limitado por qualquer ónus ou encargos e, nesse estado, assegurava o pagamento do seu crédito
28. O réu J. P. ficou consciente que a autora apenas aceitava esse prédio em garantia por se encontrar totalmente livre de ónus e encargos, obrigando-se, correspondentemente, a manter esse prédio nessas precisas condições
29. Isto porque a constituição de qualquer encargo sobre esse prédio, implicaria a redução do valor de mercado do mesmo, afectando a recuperação do crédito da autora
30. A ré M. F. é companheira do réu J. P. há, pelo menos, oito a nove anos
31. A autora adquiriu o referido prédio em sede de liquidação do activo do insolvente
32. O documento descrito em 12) não se encontra registado
33. A Massa insolvente do réu J. P. não diligenciou pela entrega à autora do referido prédio, livre de pessoas e bens
34. Se o prédio tivesse sido entregue à autora em 25.09.2015, esta poderia tê-lo vendido ou arrendado
35. O Sr. Administrador da Insolvência enviou carta à sociedade ré, para exercício do direito de preferência, em 07.05.2015
36. Em 21.10.2014 foi junto aos autos de insolvência o relatório a que alude o art. 155º do CIRE, do qual consta a menção: A verba nº:1 do inventário está arrendada à sociedade Terras X Agro-Turismo Lda. ..., por contrato de arrendamento datado de 28 de Abril de 2009 com uma renda anual de 2.000,00 € e as verbas 4 a 15 estão arrendadas à mesma sociedade por contrato de arrendamento datado de 11 de Abril de 2011, pelo valor anual 250,00 €.
37. O relatório foi do conhecimento de todos os credores, incluindo da ora Autora, não tendo sido o seu conteúdo impugnado por ninguém
38. Realizou-se a Assembleia de Credores no dia 31.10.2014, onde o relatório foi aprovado, pelos credores presentes, bem como decidiu-se pelo início da liquidação
39. A autora teve conhecimento da existência do documento descrito em 12), desde a data referida em 36), tendo efectuado uma proposta de compra do prédio descrito em 2) no processo de insolvência, e formalizado tal aquisição por escritura pública, tendo comparecido na mesma sem nada questionar.
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Factos não provados

a) Que a autora tenha sido impedida de tomar posse do imóvel pela ré M. F.
b) Que a ré M. F. tenha invocado a existência de um contrato de arrendamento
c) Que o réu J. P. tenha dito que a ré M. F. também residia no imóvel d) Que o documento descrito em 12) tenha sido redigido em 2013, cerca de trinta dias antes da venda judicial
e) Que o prédio urbano acima mencionado pudesse ser arrendado pelo valor mensal de € 2.000,00
f) Que no decorrer da insolvência do réu J. P., designadamente aquando da apreensão desse prédio e venda do mesmo, nunca tenha sido feita qualquer referência a tal arrendamento
g) Que a ré M. F. seja companheira do réu desde 2008 e conheça todos os negócios em que ele interveio desde então e as condições em que os mesmos foram celebrados
h) Que mesmo antes de declarar adquirir as quotas da sociedade ré, antes tituladas pelo filho do réu J. P., a ré M. F. soubesse perfeitamente as condições acima mencionadas, em que as hipotecas tinham sido constituídas
i) Que no dia 25.09.2015, a ré M. F. estivesse no Porto
j) Que a ré M. F. apenas esporadicamente se desloque a Monção
k) Que o documento descrito em 12) tenha sido celebrado devido à necessidade de formalizar uma candidatura a um projecto europeu e por exigência do IFAP
l) Que o valor da renda anual fixada estivesse de acordo com os valores praticados naquele local, no ano de 2009 e considerando o estado do imóvel, bastante degradado e de dimensões menores relativamente ao prédio que hoje se encontra
m) Que o estado actual do imóvel se deva a obras de beneficiação que foram assumidas e pagas pela inquilina, Terras X
n) Que todo o mobiliário e recheio existente actualmente na casa, tenha sido colocado naquele local depois das obras de beneficiação terminarem e pertençam à ré Terras X.
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Fundamentação de direito

Quanto à reapreciação da matéria de facto, imperam as regras plasmadas nos arts. 639.º, n.º 2 e 640.º, nºs 1 e 2 do NCPC).
Assim, ao impor-se a observância de tais requisitos está-se a impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” - Abrantes Geraldes, ob. cit., in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., pág. 139 a 141.
Nesse sentido, visa-se obstar a que apenas a visão da parte recorrente vingue, olvidando a demais prova produzida que aponte num outro sentido.
Acresce que, apesar do art.º 662.º, do mesmo diploma legal, permitir a este Tribunal julgar a matéria de facto, não permite a repetição do julgamento, tal como rejeita a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto (cfr. neste sentido António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., 2016, Almedina).
Nessa reapreciação há que ter em consideração que o que releva e é exigível é, tão só, que em função de critérios de razoabilidade essenciais à aplicação do Direito, o julgador forme uma convicção assente na certeza relativa do facto, ou, dito de um outro modo, psicologicamente adquira a convicção traduzida numa certeza subjectiva da realidade de um facto, existindo assim um alto grau de probabilidade (mas suficiente em razão das necessidades práticas da vida) da sua verificação.
Como refere Tomé Gomes, in “Um olhar sobre a demanda da verdade no processo civil”, in Revista do CEJ, 2005, nº 3, 158, o convencimento do julgador deve basear-se numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida, e sendo verdade que “p[P]ara a formação de tal convicção não basta um mero convencimento íntimo do foro subjectivo do Juiz“, basta porém para o referido efeito a formação de uma convicção “suportada numa persuasão racional, segundo juízos de probabilidade séria, baseada no resultado da prova apreciado à luz das regras da experiência comum e atentas as particularidades do caso”.

In casu, entende o R./Recorrente que a sentença recorrida omitiu do elenco dos factos provados e não provados que ‘entre o Réu J. P. e a sociedade Terra X-Agro Turismo, Lda foi celebrado um contrato de arrendamento, que tinha por objecto o prédio referido no ponto 2.º da P.I.’, de relevância máxima para a decisão da causa, por a existência de arrendamento levar a que a responsabilidade pela entrega do imóvel seja da arrendatária e não sua.

Como tal, apontando a existência de elementos nos autos que impõem que se dê como provado tal facto, face ao que consta dos pontos 9 e 10 do elenco dos factos provados pede que se adite um ponto ao elenco da matéria de factos provados, com a referida redacção por si mencionada, sem prejuízo de se anular a sentença, caso se considere não existirem elementos para esse efeito.

Ora, dos pontos 9 e 10, resulta, respectivamente, como provado que:

- No dia 25 de Setembro de 2015, a autora apresentou-se no local do prédio a fim de tomar posse do mesmo, tendo sido impedida de o fazer pelo réu J. P.; e
- O réu J. P. invocou a existência de um contrato de arrendamento a favor da sociedade ré, sobre o prédio descrito em 2).

Daqui decorre que o facto do réu J. P. ter invocado a celebração de um contrato de arrendamento a favor da sociedade ré sobre o prédio descrito no ponto 2), dos factos provados, aquando da pretensão da A./recorrida em tomar posse desse prédio, para assim obstar à sua entrega, não permite concluir pela sua real existência.
Acresce que, de qualquer das formas, a premissa de que parte o R./Recorrente também é errónea, na medida em que se deu como provado, no ponto 12, do elenco da factualidade dada como demonstrada, que, com data de 28 de Abril de 2009, a sociedade ré, representada pelo sócio gerente J. A., e o réu J. P. (também sócio gerente da primeira), redigiram um documento particular que denominaram de contrato de arrendamento tendo precisamente por objecto o referido imóvel identificado no ponto 2, dos factos provados.
Acontece que o aí declarado é apenas fictício, aparente, sem correspondência com a real vontade das partes, tal como decorre da demais factualidade apurada.
Tal como provado, esse aparente negócio foi combinado entre os outorgantes, com o intuito de enganar os credores do réu J. P., insolvente, divergindo as declarações prestadas da vontade real de cada um, por, na verdade, ter sido redigido em data posterior à aposta no referido documento e antes de ser designada na execução referida em 1), a venda judicial do aludido prédio urbano, com o claro intuito de afugentar os possíveis interessados na sua compra, permitir (eventualmente) o exercício do direito de preferência ou fazer o insolvente permanecer no prédio durante dez anos (cfr. pontos 13 a 15, dos factos provados).
Daí nunca ter sido participado ao Serviço de Finanças, nele tendo sido aposta precisamente a data da constituição da sociedade ré, para criar a aparência de que esse contrato foi celebrado também nesse dia, sem que a renda declarada, manifestamente reduzida, tendo em consideração as características e o estado do prédio em causa, alguma vez tivesse sido paga (cfr. pontos 16, 17, 19 e 20, dos factos provados).
Factualidade esta que não foi sequer alvo de impugnação e que revela, em conjugação com os demais factos apurados, a existência de uma vontade divergente e intencional entre a vontade das partes e a declarada, com o intuito ou propósito de enganar terceiros, concretamente a A./Recorrida que aceitou a garantia desse prédio precisamente porque o mesmo não se encontrar onerado ou limitado por qualquer ónus ou encargos e assegurar o pagamento do seu crédito.
Pois, tal como o réu J. P. sabia, a autora apenas aceitava esse prédio em garantia por se encontrar totalmente livre de ónus e encargos, obrigando-se, correspondentemente, a manter esse prédio nessas precisas condições, dado que a constituição de qualquer encargo sobre esse prédio, implicaria a redução do valor de mercado do mesmo, afectando a recuperação do crédito da autora.
Perante o exposto, vertida a factualidade relevante para a decisão da causa, quanto ao referido contrato de arrendamento, no ponto 12, dos factos provados, tem de se concluir que padece de razão o R./Recorrente quando afirma ser omissa a decisão quanto a essa questão.
Em suma, não se pode dar como provado que entre o Réu J. P. e a sociedade Terra X-Agro Turismo, Lda foi celebrado um contrato de arrendamento, tendo por objecto o prédio referido no ponto 2.º dos factos provados, por não se ter logrado provar que o declarado pelos seus outorgantes corresponde à sua vontade e querer concretizado.
In casu, não há falta de elementos, antes existindo todos os elementos para se decidir como se decidiu, tanto mais que, não logrou o R./Recorrente provar sequer que o referido documento aludido no ponto 12, dos factos provados, tenha sido celebrado devido à necessidade de formular uma candidatura a um projecto europeu e por exigência do IFAP, pese embora o consignado no relatório a que se alude no art. 155.º, do CIRE, dado que, por si só, não permite transformar o declarado em realidade.
Face ao exposto, todas as conclusões a que o R./Recorrente chega, partindo do pressuposto baseado na existência desse contrato de arrendamento, decaem forçosamente.
Já face à questão suscitada relativamente à duplicação do mesmo pedido de indemnização pela não entrega do imóvel, formulado nestes autos e no proc. n.º 279/17.9T8MNC, Juízo de Competência Genérica de Monção peticionada contra Terras X, constata-se que o mesmo não foi objecto de decisão por parte do tribunal a quo, por não suscitado pelas partes.
Assim sendo, não o tendo feito, impedido está agora o R./Recorrente de o fazer, dado que, no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.
Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Pois, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas - Cfr., v.g., Ac. STJ de 14.05.93, CJ STJ, 93, II, pág. 62.
Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de factos novos - ius novarum nova – na instância de recurso, salvaguardada, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso (Ac. STJ de 23.03.96, CJ, 96, II, pág. 86).
Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.
A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. O modelo do nosso sistema de recursos é, portanto, o da reponderação e não o de reexame (Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pág. 81).
De todo o modo, a fazer fé no que refere a A./Recorrida, não há duplicação de pedido de indemnização, pois que a acção n.º 279/17.9T8MNC tem por base a ocupação pelos réus de um outro prédio "desanexado" do ora em causa.
Já quanto ao pagamento da indemnização em que foi condenado, apurou-se que, se o prédio tivesse sido entregue à autora em 25.09.2015, esta poderia tê-lo vendido ou arrendado e que o réu J. P. ocupou ilicitamente esse imóvel, bem sabendo que não tinha título para nele permanecer, tendo fabricado um documento de um suposto contrato de arrendamento, de molde a obter proveito para si, com prejuízo para a credora hipotecária.
Ora, provada a propriedade, confere-se ao proprietário os direitos de uso e fruição da coisa pelo que, estando o dono impedido de fruir o prédio e não tendo a parte contrária logrado convencer que o detém com base em título válido, oponível ao proprietário, assiste a este o direito de formular o correspondente pedido de indemnização, como forma de reparar os prejuízos decorrentes daquela privação (cfr. art. 1305º, do CC).
Como tal, tendo-se provado que a autora poderia arrendar tal prédio pelo valor de € 758,33 mensais, mostra-se correcta a condenação do aqui recorrente não pagamento da indemnização em que foi condenado, tanto mais que, como o referiu o tribunal a quo o ressarcimento não está dependente da prova, em concreto, de prejuízo efectivo, sendo suficiente a prova da mera privação temporária do uso.
Na verdade, quanto a este ponto, malgrado as divergências existentes, nesta matéria, tanto na doutrina como na nossa jurisprudência, das quais nos dá conta Abrantes Geraldes, in, “Indemnização do Dano da Privação do Uso”, subscrevemos o entendimento daqueles que consideram que a mera privação do uso integra, por si só, lesão do património do respectivo proprietário, uma vez que deste faz parte o direito de usar, fruir e dispor das coisas próprias, tal como decorre do disposto no art. 1305º do C. Civil – cfr. neste sentido, vide, entre muitos outros, os Acs do STJ, de 29/11/05, in, CJ/STJ, ano XIII, tomo II, pág.151; de 5/07/07, in, CJ/STJ, ano XV, Tomo II, pág. 151 e de 29.06.2004, 15.11.2011 e 10.01.2012, in www.dgsi.pt.
Concretamente o citado autor, defende que a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização, constituindo ainda a opção pelo não uso uma manifestação dos poderes do proprietário, também afectado pela privação do uso.
Também para LUÍS M. T. DE MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, 4.ª Edição, 317 “o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano”.
Considerou-se, designadamente, no acórdão do STJ de 12.01.2010 (Pº 314/06.6TBCSC.S1), acessível em www.dgsi.pt, que: “O proprietário privado por terceiro do uso de uma coisa tem, por esse simples facto…, direito a ser indemnizado por essa privação, indemnização essa a suportar por quem leva a cabo a privação em causa. A privação do uso (…) constitui um dano indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado (art. 62.º da CRP) – Cfr. em idêntico sentido Acs. STJ de 28.05.2009 (Pº 160/09.5YFLSB), de 28.09.2011 (Pº 2511/07.8TACSC.L2.S1) e de 06.05.2008 (Pº 08A1279), todos acessíveis no identificado sítio da Internet, bem como o Ac. STJ de 08.05.2013.
Essa lesão é avaliável em dinheiro, constituindo, por isso, um dano autónomo de natureza patrimonial, indemnizável de harmonia com o disposto nos arts. 483º e 566º do C. Civil, pelo que, no caso dos autos, face à matéria apurada e mercê da actuação dos réus, a A. ficou impossibilitada de usar e dispor do seu prédio conforme entendesse, pelo que constituíram-se os réus na obrigação de indemnizar a autora por este dano, nos termos determinados.
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IV. Decisão

Nestes termos, acorda-se nesta 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelo R., mantendo, em consequência, a decisão proferida.
Custas pelo R./Recorrente.
Registe e notifique.
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Guimarães, 17 de Outubro de 2019
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e assinado electronicamente pelo colectivo)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida