Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
617/11.8JABRG.G1
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
APRECIAÇÃO DA PROVA
INDÍCIOS
OBTENÇÃO DE PROVA
ESCUTA TELEFÓNICA
IN DUBIO PRO REO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – As declarações do coarguido, livremente contraditadas por todos os sujeitos processuais, devem ser apreciadas e valoradas como meio de prova para a formação da convicção do tribunal. Não tem apoio na letra ou no espírito da lei a afirmação, genérica e abstrata, de que o depoimento do coarguido só é válido se for acompanhado por outro meio de prova.
II – A prova de um facto tanto pode resultar de uma perceção imediata dos sentidos como derivar de ilações que o julgador tira de circunstâncias conhecidas em função das regras da experiência comum (prova indireta). Neste último caso, a prova deve fundar-se, em regra, na existência de uma pluralidade de indícios plenamente provados, admitindo-se que excecionalmente baste um só indício pelo seu especial valor;
III – A transcrição duma escuta telefónica constitui um meio de prova documental. Como tal, apenas prova que numa precisa ocasião certa pessoa proferiu determinada locução, não que o facto a que se refere tenha efetivamente ocorrido. Porém, é apta a ser valorada pelo tribunal, em confronto com os demais elementos de prova, constituindo uma das premissas atendíveis na prova indireta.
IV – O princípio in dubio pro reo não é um princípio de direito probatório, mas uma regra de decisão na falta de uma convicção. Só intervém depois de concluída a tarefa da valoração da prova e quando o resultado desta não é conclusivo.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I.
RELATÓRIO.

Nestes autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, o 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Barcelos, por acórdão de 30.10.2012, depositado no mesmo dia, decidiu, além do mais, ---
«a) Absolver o arguido Domingos C... da prática do crime de profanação de cadáver que lhe era imputado nestes autos;
b) Condenar a arguida Ana M... pela prática, em co-autoria, concurso real e forma consumada, de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artº. 254º, nº. 1, al. a), do CP, de um crime de uso e detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), com referência ao artigo 2.º, n.º 1 als. p) e r) e artigo 3.º, n.º 1 e 6, al. c), bem como al. x) e 3.º, n.º 1 e 2, al. l), e d), com referência ao artigo 2.º, n.º 3, als. e) g) e p), ambos da Lei 5/2006 de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei 12/2011 de 27/04, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 1, al. d), do CP, e de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs. 131º e 132º, nº. 2, als. g), h) e j), do CP, nas penas de 1 ano de prisão, de 2 anos de prisão, 2 anos de prisão e de 21 anos de prisão, respectivamente;
c) Condenar o arguido Manuel L... pela prática, em co-autoria, concurso real e forma consumada, de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artº. 254º, nº. 1, al. a), do CP, de um crime de uso e detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), com referência ao artigo 2.º, n.º 1 als. p) e r) e artigo 3.º, n.º 1 e 6, al. c), bem como al. x) e 3.º, n.º 1 e 2, al. l), e d), com referência ao artigo 2.º, n.º 3, als. e) g) e p), ambos da Lei 5/2006 de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei 12/2011 de 27/04, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 1, al. d), do CP, e de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs. 131º e 132º, nº. 2, als. g), h) e j), do CP, nas penas de 1 ano de prisão, de 3 anos e 6 meses de prisão, 2 anos e 6 meses de prisão e de 23 anos de prisão, respectivamente;
d) Condenar o arguido Pedro pela prática, em co-autoria, concurso real e forma consumada, de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artº. 254º, nº. 1, al. a), do CP, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 1, al. d), do CP, e de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs. 131º e 132º, nº. 2, als. g), h) e j), do CP, nas penas de 1 ano de prisão, de 1 ano e 8 meses de prisão, e de 19 anos de prisão, respectivamente;
e) Condenar o arguido Ricardo A... pela prática, (…) em co-autoria, concurso real e forma consumada, de um crime de uso e detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. d), com referência ao artigo 2.º, n.º 3 als. e), g) e p), da Lei 5/2006 de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei 12/2011 de 27/04, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº.1, al.d), do CP, e de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs. 131º e 132º, nº. 2, als. g), h) e j), do CP, nas penas de 9 meses de prisão, 2 anos e 2 meses de prisão e de 17 anos de prisão;
f) Condenar o arguido Carlos pela prática, em co-autoria, concurso real e forma consumada, de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artº. 254º, nº. 1, al. a), do CP, de um crime de uso e detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. d), com referência ao artigo 2.º, n.º 3 al. p) da Lei 5/2006 de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei 12/2011 de 27/04, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 1, al. d), do CP, e de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs. 131º e 132º, nº. 2, als. g), h) e j), do CP, nas penas de 1 ano de prisão, de 3 anos de prisão, 5 anos de prisão e de 23 anos de prisão, respectivamente;
f) Em cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão supra referidas condenar a arguida Ana M... na pena única de 23 (vinte e três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
g) Em cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão supra referidas condenar o arguido Manuel L... na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão;
h) Em cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão supra referidas condenar o arguido Pedro S… na pena única de 20 (vinte) anos de prisão;
i) Em cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão supra referidas condenar o arguido Ricardo A... na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão;
j) Em cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão supra referidas condenar o arguido Carlos na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão;
(…)
n) Julgando o pedido de indemnização parcialmente procedente, por parcialmente provado, condenam-se solidariamente os demandados Ana, Manuel Lopes, Carlos, Pedro e Ricardo, a pagarem o montante de € 120.000 aos demandantes, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima e pelos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes, acrescida dos juros, à taxa de 4%, desde a data da presente decisão até integral pagamento, e de € 2.050, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros, à taxa de 4%, desde a data da notificação do pedido até integral pagamento» Cf. volume XIV, fls. 3745 a 3858, com sublinhado e negrito nosso. ---. ---
Do recurso para a Relação. ---
Inconformados com tal acórdão, os Arguidos ManuelL..., em 28.11.2012 Cf. volume XV, fls. 3903. ----, Ricardo A..., em 29.11.2012 Cf. volume XV, fls. 3985. ----, Carlos C..., igualmente em 29.11.2012 Cf. volume XV, fls. 3969. ----, Ana M..., em 03.12.2012, segunda-feira Cf. volume XV, fls. 4070. ----, e Pedro S..., também em 03.12.2012 Cf. volume XV, fls. 4137. ----, ambos com pagamento de multa correspondente à apresentação no 2.º dia útil após o prazo legal para o efeito Cf. volume XV, fls. 4136 e 4178, respectivamente. ---, vieram do referido acórdão interpor recurso para este Tribunal, concluindo as suas motivações nos seguintes termos: (transcrição) ---
- ManuelL..., ---
« A) Não se conformando com a decisão proferida em 30/10/2012, entende o recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova, pelo que, o douto Acórdão não traduz uma opção justa em sede de apreciação e valoração de prova, tornando-se imperioso a reapreciação da matéria de facto dada como provada.
B) O Tribunal a quo, e no que concerne aos factos imputados ao arguido/recorrente Manuel, baseou a sua convicção única e exclusivamente nas declarações dos restantes co-arguidos Ana, Carlos , Pedro e Ricardo, já que, não existem testemunhas, nem tão pouco prova directa dos factos descritos na douta Acusação Pública.
C) Não tendo sido produzida outra prova na audiência de julgamento, relativa à intervenção do arguido/recorrente Manuel, para além das declarações dos demais co-arguidos, não se pode concluir de forma razoavelmente segura que aquele praticou, à excepção do crime de detenção de arma proibida, os crimes pelos quais foi condenado.
D) Na verdade, e após apreciação exaustiva das declarações proferidas pelos co-arguidos Ana, Carlos , Pedro e Ricardo – todos eles familiares – facilmente se denota a existência de várias contradições e incongruências que não podem passar despercebidas aos olhos do julgador, numa tentativa de se protegerem e desculparem mutuamente mediante a incriminação do arguido/recorrente Manuel.
E) Com efeito, e não obstante o princípio da livre apreciação de prova, além das declarações dos co-arguidos, a decisão de condenação do arguido/recorrente Manueldeveria ter sido completada e corroborada com outros meios probatórios, por forma a dissipar qualquer dessas suspeitas, bem como, fragilidade dessas mesmas declarações, o que efectivamente não aconteceu.
F) Assim sendo, inexistindo outros elementos probatórios que confirmem as declarações dos demais co-arguidos no que ao arguido/recorrente Manuelrespeita, sempre o Tribunal a quo teria dúvida razoável quanto aos factos, devendo recorrer necessariamente ao princípio do in dubio pro reo.
G) O Tribunal a quo errou, em relação ao arguido/recorrente Manuel, ao dar como provada a facticidade constante dos pontos 18, 19, 20, 21, 22, 23, 27, 33, 34, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 44, 45, 46, 47, 48, 50, 59, 60, 61, 62 e 63 do douto Acórdão recorrido, na medida em que, além das declarações dos co-arguidos, tais factos não foram corroborados por mais nenhum elemento de prova.
H) Pelo exposto, e não se provando os elementos constitutivos do crime de homicídio qualificado, furto qualificado e profanação de cadáver, impõe-se a absolvição do arguido/recorrente Manuel.
Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, deverão as presentes motivações e, consequentes conclusões, obter provimento e, por via delas ordenar-se a revogação parcial da decisão proferida pelo Tribunal a quo e, em consequência determinar-se a absolvição do arguido pelos crimes de homicídio qualificado, furto qualificado e profanação de cadáver.
Assim se fazendo a habitual e almejada, Justiça!» Cf. volume XV, fls. 3903 a 3931. ---. ---
- Ricardo A..., ---
«1 – A Sentença Recorrida, baseou-se num primeiro plano nas declarações dos arguidos que prestaram declarações.
2 – Tendo de seguida conjugado aquelas declarações com as restantes provas, e partido para a formação da sua convicção, preenchendo os espaços em branco da prova, socorrendo-se das regras da experiência comum para dar como provados e não provados os factos conducentes aquele que é a forma como o Tribunal a quo entendeu que as coisas se passaram.
3 – Ora, face à prova produzida, no seu conjunto, aquilo que o Tribunal a quo fez, na verdade, foi um autêntico exercício de adivinhação.
4 – Com efeito a prova produzida não permitia de forma alguma que o Tribunal a quo tivesse tirado grande parte das conclusões a que chegou e, muito menos dar como provados ou não provados, factos, sobre os quais a prova produzida não foi feita ou impunha precisamente uma resposta de sentido contrário.
5 – Assim aquilo que o Tribunal a quo fez, foi considerar provados ou não provados os factos conforme melhor se encaixavam na versão que adoptou ou quis a adoptar sem que para tal houvesse prova suficiente ou no mínimo prova para além de qualquer dúvida razoável.
6 – Nomeadamente no que respeita ao aqui Recorrente, o Tribunal a quo julgou incorrectamente os referidos factos, uma vez que a prova produzida impunha respostas diferentes aos factos ou a parte deles e, consequentemente, impunha uma decisão diversa daquela que foi produzida nos presentes autos.
6 – Para isso, o tribunal a quo e para sustentar a sua tese, deu como provado o facto inserto no item 19º dos factos provados que nos diz:
“Simultaneamente os arguidos formaram o propósito de, na concretização daquele (plano), tirar a vida ao “Juca”, por forma a que, este não os denunciasse em momento posterior”.
e isto, sem que nesse sentido tenha sido feita qualquer prova cabal e irrefutável.
7 – Na verdade o Tribunal a quo, para sustentar a tese que expende em todo o seu Acórdão, dá como provado que todos os arguidos, nomeadamente o arguido aqui Recorrente Ricardo, engendraram em conjunto um plano para roubar e matar o “Juca”.
8 - E de seguida partindo desta premissa, o Tribunal a quo, dá também como provados os factos inscritos nos itens 20, 21, 22, 23, 26, 27, 33, 34 e 35 a 49º, 59 a 62 e 64 a 66 dos Factos Provados que aqui mais uma vez se consideram transcritos para todos os efeitos legais, deixando subentendido em todos eles, de forma explícita o facto de que todos os arguidos e nomeadamente o arguido Ricardo aqui Recorrente, sabiam para o que iam, isto é, que praticaram todos esses factos, com o plano já previamente acordado de matar o Juca.
9 - Ora, repita-se da análise da prova produzida, em momento algum, resulta que todos os arguidos sabiam para o que iam e muito menos resulta, de forma inequívoca que o aqui Recorrente soubesse, tivesse planeado ou dado o seu acordo para um plano que incluísse matar o Juca.
10 - Meritíssimo Juízes, como atrás se expendeu, a parte essencial da prova destes autos assenta nas declarações dos arguidos que prestaram declarações.
11 - Tirando estes, mais ninguém viu ou assistiu, fosse ao que fosse.
12 – E a análise exaustiva das declarações de cada um deles, da Ana, do Carlos, do Ricardo e do Pedro, em momento algum resulta provado ou indiciado sequer, que eles entre si e com o acordo do arguido Manuel tivessem planeado ou sequer equacionado matar o “Juca”.
13 -Das escutas e respectivas transcrições, dos autos de exames, das perícias e da prova testemunhal, também não resulta qualquer prova que possa sustentar tal tese.
14 – Aliás, como se disse, só o facto dado como provado, que em dia posterior aos factos ocorridos no dia 19, os arguidos Manuel, Carlos e Pedro decidiram ir esconder ou ocultar o cadáver, o que fizeram transportando-o numa carrinha até a uma lagoa de caulinos, é por si só, mais que suficiente para deitar por terra a tese da sentença.
15º É que na verdade, o Tribunal a quo para sustentar a sua tese, tirou conforme referiu no Acórdão recorrido, várias conclusões, socorrendo-se das chamadas regras da experiência comum, tendo todavia, deixado para trás factos concretos que lhe permitiam ter chegado a conclusões substancialmente diferentes e muito mais lógicas e consentâneas com a verdade dos factos ocorridos.
16º - Na verdade, como se compreende que o Tribunal possa ter dado como provado que os arguidos no seu conjunto planearam matar o Juca e no momento em que o fizeram, fugiram apressadamente do local abandonando o corpo à espera que fosse descoberto.
17º - Como é possível que os arguidos tivessem planeado matar o Juca após trocarem vários telefonemas com ele (arguida Ana) e só passado alguns dias é que se lembrassem de ocultar o cadáver?
18º - Perante isto, impõe-se perguntar, como é possível o Tribunal a quo, dar como provado o facto de que todos os arguidos engendraram um plano para roubar e matar o Juca?
19º - Onde está a prova de tal facto?
20º - Não resulta em momento algum das declarações dos arguidos que prestaram declarações.
21º - Não resulta da prova testemunhal produzida.
22º - Não resulta dos exames, nem das perícias.
23º - Como foi possível então dar como provado tal Facto?
24º - Pelas regras da experiência comum?
25º- Se nenhuma prova foi feita nesse sentido, como pode o Tribunal a quo chegar a essa Conclusão.
26º - Na verdade se atentarmos na prova produzida, esta, aponta precisamente para o facto, de que os arguidos não planearam pelo menos em conjunto, matar o Juca, e seguramente que o aqui Recorrente, não planeou, não engendrou, nem em momento algum deu o seu acordo para matar o falecido Juca.
27º - Com efeito, como resulta das declarações dos arguidos, que aqui se consideram transcritas, o que se verificou foi que o disparo que provocou a morte do Juca, foi para o aqui Recorrente uma autêntica surpresa.
28º - Diz-nos o Acórdão recorrido, que os Meritíssimos juízes, para a formação da sua convicção, sujeitaram à sua apreciação crítica os seguintes meios de prova:
- As declarações dos arguidos, com excepção do Manuel que se remeteu ao silêncio.
- O depoimento das testemunhas da acusação Henrique N....
- O depoimento das testemunhas de defesa do aqui Recorrente – Rute e Manuel.
- Os relatórios dos exames periciais.
- O auto de apreensão e busca efectuada na residência do aqui Recorrente.
- O seu certificado de registo criminal.
- As escutas e respectivas transcrições.
- O relatório social do aqui arguido/recorrente.
29º - Ora se assim foi e face às declarações dos arguidos, como pode o Tribunal a quo ter concluído que os arguidos engendraram em data anterior os factos o plano de roubar e matar o Juca?
30º - Como pode o Tribunal a quo ter feito tábua rasa das declarações da arguida Ana nos diversos momentos em que a mesma referiu, que a seguir ao tiro, o aqui Recorrente fugiu de imediato do local?
31º - Como pode o Tribunal a quo ter dado como provado que o arguido aqui Recorrente juntamente com os outros pegou nos objectos em ouro no local do homicídio, quando a própria declarante Ana assumiu ter sido ela a cometer sozinha tal facto.
32º - Como pode o Tribunal a quo, em face das declarações da arguida Ana, do arguido Carlos e do arguido Pedro, dar como provado que o arguido Ricardo aqui recorrente não ia de cara tapada?
33º - Como pode o Tribunal a quo ter feito tábua rasa do momento em que a instâncias do Meritíssimo Juiz Presidente a arguida Ana respondeu que:
O Juca o conheceu a ele – referindo-se ao Manuel.
34º - Como pode o Tribunal fazer tábua rasa do facto de ao arguido Carlos e do arguido Pedro terem corroborado a teses de que ao arguido Ricardo aqui Recorrente fugiu do local mal ouviu o tiro.
35º - Praticamente o Tribunal a quo construiu a sua versão dos factos, socorrendo das chamadas presunções judiciais baseadas nas regras de experiência, ou seja, nos ensinamentos retirados da observação empírica dos factos?
36º - Ora tal só é possível se a prova produzida seja por si suficiente para sustentar tais presunções e manifestamente, esse não é o caso nestes autos.
37º - Na verdade a tese da Sentença, não resulta das declarações dos arguidos.
38º - Não resulta das escutas e respectivas transcrições.
39º - Não resulta da prova testemunhal nem das restantes provas carreadas para os autos.
40º - E perante tantas incertezas, impõe-se em última análise, perguntar onde deixou o Tribunal a quo o princípio in dubio pro reo?
41º - São na verdade, muitos os espaços em branco, espaços esses, demasiado importantes e decisivos para serem preenchidos por presunções e regras da experiência comum.
42º - É aqui Meritíssimos Senhores Desembargadores é que reside, para nós, o busílis de todo este processo.
43º - Pois na verdade, o tribunal a quo chegou à fantástica conclusão que o sucedido foi planeado por todos os arguidos, sem uma única prova nesse sentido para além da mera intuição do Tribunal a quo.
44º - Fala-nos ainda a sentença recorrida do facto de não ter sido encontrado o cartucho que permitiria a prova pericial da arma utilizada, deixando no ar quase de forma interrogativa que esse facto é um mundo!
45º - E a questão é saber a que mundo se refere o Tribunal a quo?
46º - Que alguém escondeu o cartucho?
47º - Que esse facto pressupõe um plano?
48º - Que foram os arguidos no seu conjunto na sequência do plano engendrado que o esconderam?
49º - Que foi só Manuel que o escondeu?
50º - Que foi o Manuel e a Ana que o esconderam, atento o facto de o Ricardo e o Carlos terem fugido do local logo a seguir ao tiro?
51º - Ou simplesmente o cartucho não apareceu?
52º - Nenhuma prova foi feita no que ao cartucho respeita e assim sendo realmente esta questão poderá e será mesmo por si só um mundo!
53º - Mas certamente, não para a conclusão subentendida no Acórdão recorrido, mas antes, dizemos nós, para um mundo de dúvidas, que nos remetem para o princípio - in dubio pro reo.
54º - No mais podemos ainda acrescentar, que com os dados que temos e se analisarmos os factos disponíveis em face da prova produzida, desde a ida para o local, à forma como os factos terão ocorrido, à forma atabalhoada como fugiram do local, ao facto de usarem e continuarem a usar os seus telemóveis, ao facto de só mais tarde se lembrarem de esconder o corpo, a facto de não mais falarem sobre o sucedido, que nada disto se coaduna com algum plano previamente engendrado.
55º - Na verdade, faz algum sentido que os arguidos planeassem, matar alguém e se fizessem deslocar 5 pessoas num Fiat Punto?
56º - Onde levariam o cadáver?
57º - Cumpre ainda dizer que é certo que aconteceu um homicídio, e que é certo que o arguido aqui Recorrente estava presente e levava uma arma, não havendo todavia nenhuma prova, que a mesma estivesse municiada.
58º - Que também é certo que o seu comportamento foi grave, demasiado grave para um jovem de 18 anos, mas certo é também que a questão fundamental que aqui se coloca e no que ao aqui Recorrente respeita é que:
“Nenhuma prova há nos autos que permita concluir para além de qualquer dúvida razoável que o mesmo tenha juntamente com os outros planeado, aceitado e querido matar o Juca”.
59º - Ora, parafraseando a própria Sentença aqui Recorrida, a Doutrina e Jurisprudência, de forma praticamente unânime, consideram como elemento da comparticipação sob a forma de co-autoria os seguintes parâmetros:
- intervenção directa na fase de execução do crime (execução conjunta do facto);
- acordo para a realização conjunta do facto (acordo que não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum na execução do facto; que não tem que ser expresso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente; que não tem que ser prévio ao início da prestação do contributo do respectivo co-autor);
- domínio funcional do facto, no sentido de "deter e exercer o domínio positivo do facto típico", ou seja, o domínio da sua função, do seu contributo,
na realização do tipo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão do seu contributo impediria à realização do facto típico na forma planeada. Veja-se, a propósito destes parâmetros, Prof. Faria Costa (in "Jornadas de Direito Criminal, O Novo Código Penal ..., pág. 170) e Acs. STJ de 18/0/1984, in BMJ 339, pág.-276; e de 28/40/1993, no processo n°. 44499 – 3ª, cindo no Ac. STJ de 15/04/2009.
60º - Ora assim sendo, a prova efectivamente produzida, impunha que os factos dados como provados fossem na verdade diferentes.
61º - Isto é, em momento algum, nomeadamente no que toca ao aqui arguido/recorrente respeita, podia o Meritíssimo Juiz a quo dar como provado que ele deu o seu acordo ou planeou em conjunto com os demais arguidos matar o Juca.
62º -Por outras palavras, a prova produzida foi manifestamente insuficiente para a decisão da matéria de facto dada como provada, tendo por isso havido um erro notório na apreciação da prova – artigo 410 nº 2 alíneas a) e c) do CPP e dessa forma,
Violou, assim, o Tribunal a quo entre outros os artigos 127 e 340 do C. P. penal.
63º - Finalmente mas não menos importante, impõe-se perguntar quem era o Ricardo / Recorrente antes destes factos?
64º - E em face da prova produzida, temos que o Ricardo era um jovem de 18 anos à data da prática dos factos.
65º - Não tinha antecedentes criminais de relevo, contando apenas com uma condenação por condução ilegal.
66º - Estava bem inserido na sociedade, bem referenciado, trabalhava, praticava desporto jogando futebol na equipa local.
67º - Vai ser pai.
68º - Pelo que, também aqui o Tribunal a quo deixou as regras de experiência comum de lado, pois estes factos conjugados com a prova produzida nestes autos ou falta dela, só permitiriam ao tribunal a quo concluir que seguramente o Ricardo, em momento algum, pode ter dado o seu aval, para a morte do falecido Juca.
69º - Mas apesar disso, mais uma vez aqui se refere que o seu comportamento foi grave e altamente censurável e isso não está em causa.
70º - Que praticou o crime de furto qualificado e o crime de detenção de arma proibida.
71º - E talvez até o crime de homicídio negligente.
72º - Que deve ser punido e condenado sem dúvida. Mas nunca por homicídio qualificado e muito menos com as agravantes que lhe foram imputadas na Sentença Recorrida.
73º - Finalmente mas não menos importante, diga-se ainda que em qualquer caso também o Tribunal a quo fez uma errada aplicação da lei não aplicar ao aqui Recorrente o Regime Especial para Jovens organizado no D. L. 401/82 de 23/09.
74º - Pois este é um regime regra e em face à prova produzida, em momento algum tal regime deveria ter sido afastado tendo assim, também por isso a Sentença Recorrida, violado o princípio da aplicação da lei mais favorável e o artigo 9º do CP que preceitua que aos maiores de dezasseis anos e menores de 21 anos são aplicadas as normas fixadas em legislação especial e ainda o artigo 4º do diploma em causa que nos diz que se for aplicável pena de prisão deve o Juiz atenuar especialmente a pena quando tiver sérias razões para crer que da atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
75º - Por outras palavras, o Tribunal a quo no que ao aqui Recorrente respeita alicerçou a sua convicção no facto dado como provado que ele terá conjuntamente com todos os outros engendrado um plano para roubar e matar o Juca
76º - Ora, como atrás se referiu, a prova produzida é manifestamente insuficiente para alicerçar tal conclusão.
77º - Temos assim que a prova produzida, impunha ao Tribunal a quo uma decisão diferente da que resulta da Sentença Recorrida.
78º - Pelo que, ao não ter sido feita prova cabal e suficiente de que o arguido aqui Recorrente planeou ou engendrou com os demais arguidos o plano para matar o Juca, que antes pelo contrário a prova produzida nomeadamente,
- a fuga imediata do local quando ouviu o tiro.
- o facto de todos atabalhoadamente terem fugido do local sem se preocuparem em ocultar o cadáver.
- as declarações dos arguidos Ana, Carlos e Pedro no sentido de que o Ricardo levava a cara tapada.
- o facto de a partir do dia 19 se ter desligado totalmente do grupo.
- de já não ter sequer participado na ocultação do cadáver.
- O seu comportamento anterior e posterior.
- Os seus relatórios sociais.
Apontar precisamente em sentido inverso e conjugando esta, com o princípio in dubio pro reo,
77º - Nunca o arguido Ricardo aqui Recorrente podia ter sido condenado pelo crime de homicídio qualificado e muito menos com as agravantes que lhe foram fixadas.
78º - Assim, não tendo havido prova suficiente para incriminar e consequentemente condenar o aqui Recorrente por um crime tão grave como é o homicídio qualificado, deverá nessa parte a douta Sentença ser revogada e substituída por outra que considerando a gravidade do seu comportamento o condene mas na exacta e justa medida da prova que foi produzida.
79º -Deverá assim a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por outra que considere o arguido apenas culpado pelos crimes de furto qualificado e detenção de arma proibida.
80º - Já no que respeita ao crime de homicídio e sendo notório que a prova produzida aponta para um excesso do co autor Manuel, como nos ensinam Cavaleiro Ferreira e Figueiredo Dias, tal crime só poderá em última análise ser imputável ao aqui recorrente a título de negligência nos termos gerais.
Termos em que e nos mais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o acórdão recorrido, tudo com as legais consequências, fazendo-se assim a habitual e necessária, Justiça» Cf. volume XV, fls. 3936 a 3968 (mail) e 4008 a 4069 (original). ---. ---
- Carlos C..., ---
«I. Os pontos 18 a 22 e 60 a 62, do acórdão condenatório, foram incorrectamente dados como provados, com base em uso errado de presunções;
II. Os pontos 236, 239 O Recorrente refere o facto «230» mas tal deve-se a manifesto lapso de escrita, atenta a sua motivação. ---, 240 e 241 do acórdão condenatório foram incorrectamente dados como não provados, com base em uso errado de presunções
III. Não existe prova directa ou indirecta nos autos dos factos passados na bouça e na lagoa.
IV. Não existe, por conseguinte prova directa ou indirecta do cometimento da participação do Recorrente crime de homicídio qualificado pelo Recorrente.
V. Não existe prova, directa ou indirecta, de qualquer “plano” ou acordo prévio a 19-09-2011, nem para assaltar, nem para matar a vítima.
VI. Não existe prova, directa ou indirecta, de qualquer “plano” para assaltar senão no próprio dia 19-09-2011
VII. A prova feita pelas transcrições das escutas telefónicas foi recebida como prova documental.
VIII. Sendo prova documental o Tribunal a quo está proibido não a podia valorar na parte em que considerou os tons de vozes utilizados.
IX. As declarações do Recorrente são corroboradas pelas declarações dos restantes co-arguidos, inclusive pelo único arguido absolvido nos autos, cujo testemunho foi considerado credível.
X. As declarações do Recorrente são corroboradas pela transcrição da escuta que lhe foi confrontada em julgamento.
XI. As declarações do Recorrente são corroboradas pelas apreensões efectuadas nos autos.
XII. Se dúvidas restassem sobre as declarações do co-arguido, quanto à matéria de facto, estas deveriam ter sido resolvidas a seu favor.
XIII. O art. 127º do CPP não foi aplicado de acordo com as regras da experiência comum, e não pode servir para dar largas à imaginação do Julgador, sob pena de absoluta arbitrariedade nas chegarmos a condenações em total ausência de prova.
XIV. A íntima convicção do Juiz deve ser objectivada, motivada, mas também razoável.
XV. Tal não aconteceu pois o uso de presunções judiciais foi alicerçado em suposições e convicções irrazoáveis, escrevendo um quase guião de novela.
XVI. Existem provas físicas que destroem o raciocínio do Tribunal a quo e qualquer ponto de ancoragem em que este se suporte para as presunções judiciárias que construiu.
XVII. Foi feito uso de presunções judiciárias não coincidentes com as regras da experiência comum, em clara violação do Princípio in dubio pro reo, de que resultaram em factos indevidamente provados
XVIII. Forçaram a condenação do ora Recorrente pelo crime de homicídio qualificado em co-autoria, com dolo necessário
XIX. Não foi provada a agravante g) do n.º 2 do art. 132º
XX. Não foi provada a agravante j) do n.º 2 do art. 132º
XXI. Não foi provada a agravante h) do n.º 2 do art. 132º
XXII. Admitindo por hipótese que a mera participação do Recorrente no furto o coloca em comparticipação com o homicídio, tal seria apenas a título de negligência, no máximo, por dolo eventual e nunca necessário.
XXIII. Não há prova, directa ou indirecta que o Recorrente actuou em conluio com nenhum outro com vista à morte da vítima
XXIV. A agravante h) do n.º 2 do art. 132º não poderia, considerar-se preenchida quanto a Recorrente.
XXV. Não há prova, directa ou indirecta que o Recorrente quisesse, para assaltar a vítima, que esta viesse a morrer.
XXVI. A agravante g), do n.º 2 do art. 132º não poderia, nesse caso, considerar-se preenchida quanto a Recorrente.
XXVII. Não há prova directa ou indirecta que o Recorrente actuou de modo frio, lento, reflexivo, cauteloso, deliberado, calmo na preparação e execução e persistente na execução, nem por mais de 24 horas, nem actuou de forma serena, com o espírito límpido de emoções, com persistência querida e voluntária, nem com extrema violência, nem com insensibilidade, antes pelo contrário, foi incapaz de lidar com o momento da morte da vítima, fugindo do local.
XXVIII. As circunstâncias que no caso determinaram a qualificação do homicídio não excedem notoriamente, em intensidade e consequências, o “grau médio” pressuposto pelo legislador para a qualificação.
XXIX. O Recorrente está a ser condenado por um crime de homicídio qualificado, quando o único facto que cometeu foi não prever que um assalto com recurso a armas de fogo poderia resultar na morte de alguém, embora o devesse ter feito.
XXX. Ao Recorrente não podia exigir-se, para afastar a sua própria culpa pela morte da vítima, que acto seguido aos factos, alertasse a polícia, ou outra autoridade, por ser consabido que se auto-incriminaria de imediato pelo “assalto”, e seria “preso” face aos seus antecedentes criminais, sendo perfeitamente adequado e acertado esse receio.
XXXI. O facto de não ter sido recuperado cartucho no local do crime nada ataca a versão dos factos do Recorrente.
XXXII. O facto do arguido Manuel não prestar declarações ou vir contar a sua versão quando acusado pelos restantes co-arguidos nada ataca a versão dos factos do Recorrente.
XXXIII. O Recorrente deve ser absolvido pelo crime de homicídio
XXXIV. Mantendo essa condenação, esta deve ser apenas a título de cumplicidade, e não co-autoria
XXXV. Mantendo essa condenação, em co-autoria, nunca a sua culpa excedeu o dolo eventual.
XXXVI. Foi valorada duplamente na apreciação da culpa do Recorrente, a mesma circunstância para alínea j) do n.º 2 do art. 132 CP,
XXXVII. Essa dupla valoração é proibida.
XXXVIII. Não foram devidamente valoradas na determinação da medida concreta das pena dadas as condições pessoais do Recorrente quanto ao seu histórico de trabalho e autosuficiência, como provadas dos pontos 72., 73., 78, 79, 80, 81 e 190 a 195.
XXXIX. Não foi devidamente valorado na determinação da medida concreta da pena a sua inserção pessoal, e o apoio incondicional de que beneficia o Recorrente pela sua companheira, conforme relatório social.
XL. Não foi devidamente valorada na determinação da medida concreta da pena a personalidade do Recorrente, tal qual mencionado em relatório pericial, na parte que se refere à sua vulnerabilidade e impulsividade, e incapacidade de prever consequências.
XLI. Não foi devidamente valorada na determinação da medida concreta da pena a ausência de culpa na apropriação de valores desconformes ao direito, na sua infância, onde sofreu negligência e ausência de afectos.
XLII. Não foi devidamente valorado na determinação da medida concreta da pena o comportamento processual do Recorrente, que colaborou activamente em sede de inquérito em diversas diligências de recolha de prova, e que confessou espontaneamente os factos.
XLIII. Não foi devidamente valorado na determinação da medida concreta da pena o facto do Recorrente nunca ter sofrido uma pena de reclusão.
XLIV. Não foi devidamente valorado na determinação da medida concreta da pena, o facto de não ter sido o Recorrente o autor material do disparo, e nessa medida, não carregando os seus actos essa crueldade ou desvalor acrescido.
XLV. Peca por excesso a medida concreta da pena, que se situou, em todos os crimes por que foi condenado, no limite mais próximo do máximo, tudo resultando na condenação em cúmulo jurídico, na pena única de prisão de 25 anos, máximo permitido por lei!
XLVI. Ainda que as exigências de prevenção geral e especial no caso sejam elevadas, a medida óptima não pode ultrapassar nunca a culpa do Recorrente, e ultrapassou!
XLVII. Culpa que, no caso, a existir, pelo crime de homicídio, é negligente ou de mero dolo.
XLVIII. A pena para além de fazer face às exigências de prevenção geral de revalidação contra-fáctica da norma violada, terá que ter em conta as exigências individuais e concretas de socialização do agente, sendo certo que na sua determinação ter-se-á que entrar em linha de conta com a necessidade de evitar a dessocialização do agente, que tem agora 25 anos.
XLIX. A pena unitária de 25 (vinte e cinco) anos de prisão mostra-se e mostra-se, por isso, claramente desajustada, desadequada, desproporcional à culpa do Recorrente, e por isso, infirmada de grande injustiça, não se coadunando com as legais consequências da prevenção geral e especial
Violou, pois, o acórdão recorrido os art.s 40, 70 e 71 n.ºs 1 e 2 als. a), b), c), d) e e) do C. Penal., o art. 32.º CRP,e o art. 127º CPP.
Vossas Excelências, dando provimento ao recurso, com douto suprimento, farão a almejada Justiça!» Cf. volume XV, fls. 3969 a 3981 verso (fax) e 3982 a 4005 (original). ---. ---
- Ana M..., ---
«a) – A listagem de comunicações constante do apenso 3 é de todo insuficiente para provar a existência de um relacionamento entre a arguida Ana e o “Juca”.
b) – Face ao teor dos pontos 182 e 187 dos factos provados, o Tribunal a quo não deveria julgar inverosímil que a arguida Ana não se mostrasse preocupada com o relacionamento que a filha mantinha com o “Juca”.
c) – O facto de a filha da arguida Ana não usar o telemóvel da mãe durante o período em que foram realizadas as buscas não constitui um indício de que a mesma também não utilizava um outro telemóvel que a Recorrente detinha anteriormente.
d) – Existe contradição entre os pontos 14. e 15. dos factos provados, por um lado, e os pontos 232., 233. e 234. dos factos não provados.
e) – Não há prova de que o plano engendrado pelos arguidos tenha sido elaborado antes de 19 de Setembro de 2011 e que a marcação do encontro com o “Juca” tenha sido feita em 18 de Setembro de 2011, pelas 19h33, e nos termos descritos no ponto 21. dos factos provados.
f) – Relativamente à factualidade respeitante ao crime de homicídio qualificado, o Tribunal a quo, sustentando-se em supostas incongruências e contradições das declarações dos arguidos, cria a sua convicção em meras ilações desprovidas de qualquer suporte probatório.
g) – A fundamentação da douta decisão do Tribunal a quo não é de molde a fazer concluir que a arguida Ana e os arguidos Manuel, Carlos, Ricardo e Pedro, tenham, previamente, acordado em tirar a vida ao “Juca”.
h) – Não existe nos autos qualquer prova de que os arguidos tenham manifestado previamente, e por acordo, o propósito de matar o “Juca”.
i) – Face às regras do ónus da prova, a falta de clareza ou inconsistência das declarações dos arguidos, desacompanhada de qualquer outra prova, não tem a virtualidade de provar algo que os mesmos negaram.
j) – Tendo em conta que os arguidos eram cinco, é perfeitamente legítimo concluir que o facto de três deles empunharem armas de fogo, ainda que não municiadas, seria suficiente para evitar qualquer resistência do falecido “Juca”.
k) – Não é líquido que o “Juca” fosse denunciar a arguida Ana e os demais intervenientes no assalto, pois o mesmo teria interesse em abafar o caso de modo a que não se soubesse que procurava um relacionamento de cariz sexual.
l) – Também não é líquido que os arguidos fossem condenados por furto ou roubo, se o “Juca” os reconhecesse.
m) – O facto de a arguida Ana e o arguido Manuel terem a cara destapada não pode constituir um indício de que os arguidos tinham agido com o propósito de matar o “Juca”.
n) - O facto de a arguida Ana ter retirado os objectos ao “Juca” depois deste ter sido alvejado não configura um indício de que a mesma tenha alguma vez manifestado a intenção de matar aquele.
o) – O acto de esconder o corpo não constitui indício de premeditação dos vários arguidos no que respeita ao homicídio do “Juca”.
p) – Não está de acordo com as regras da experiência que os arguidos manifestassem o propósito se tirar a vida ao “Juca”, arriscando uma pena de prisão elevadíssima, para obter um benefício patrimonial de 400 euros.
q) – Não está de acordo com as regras da experiência que os arguidos tivessem decidido matar o “Juca” sem antes saber que bens e valores é que o mesmo, naquele preciso momento, tinha em sua posse.
r) – Não está de acordo com as regras da experiência que os arguidos tivessem, desde o princípio, planeado assassinar o “Juca” e, por sua vez, não tivessem previsto, nesse momento, a necessidade de esconder o cadáver.
s) – O facto de os arguidos apenas terem decidido esconder o corpo depois de o “Juca” ter sido morto e depois de terem abandonado o local do crime constitui um indício claro que a morte do “Juca” não estava nos planos.
t) – Atendendo às declarações da arguida Ana, não se pode afirmar que a mesma, quer na sms, quer na conversa telefónica, tenha assumido ter matado ou mandado matar o “Juca”.
u) – A arguida Ana não apresenta um discurso fluído, demonstra dificuldades na articulação de frases e possui um baixo nível de escolarização, pelo que não deve ser feita uma interpretação literal das transcrições de escutas telefónicas que lhe dizem respeito.
v) – Não existe qualquer prova que demonstre que a arguida Ana amassou as peças de ouro retiradas ao “Juca” e tenha destruído o telemóvel daquele.
w) – Não existe qualquer prova de que a arguida Ana tenha, juntamente com os arguidos Manuel, Carlos e Pedro, decidido esconder o cadáver do falecido “Juca”.
x) – Face à ausência de prova, o Tribunal a quo teria de concluir que apenas os arguidos que efectivamente transportaram e esconderam o cadáver do falecido “Juca” tomaram a decisão de o fazer.
y) – Não existe qualquer prova, testemunhal ou pericial, de que a carrinha tenha sido limpa com baldes de água e lixívia e que a arguida Ana tenha participado em tais operações de limpeza.
z) – Tendo a arguida Ana negado ser proprietária ou detentora das armas e munições apreendidas e não tendo sido produzida qualquer prova que atestasse o contrário, deveria considerar-se que os objectos em causa não lhe pertenciam e não estavam em seu poder.
aa) – Para a prática do crime de uso e detenção de arma proibida não basta a mera disponibilidade de uso de armas ou munições, é necessário que haja uma detenção efectiva ou um uso efectivo.
ab) – Em nenhuma circunstância se apurou que a arguida Ana tivesse empunhado alguma arma, o que indicia que as armas e munições descritas no ponto 51. dos factos provados eram detidas e usadas unicamente pelo arguido Manuel.
ac) – A testemunha Margarida P... referiu que trabalhou com a arguida Ana durante 8 anos num restaurante em Barcelos e que esta era assídua, empenhada e boa trabalhadora.
ad) – A imagem social da arguida Ana não está associada à inactividade laboral e não há qualquer prova de que mesma esteja igualmente associada a comportamentos relacionados com a prática de prostituição.
ae) – A arguida Ana apenas cometeu um crime de furto qualificado.
af) – O “Juca” viria a falecer em consequência de um acto isolado do arguido Manuel que, de modo próprio, excedeu aquilo que havia sido planeado pelos arguidos.
ag) – Face aos concretos meios probatórios acabados de enunciar e à ausência de demais provas, os concretos pontos de facto supra enunciados, ao serem considerados provados, consubstanciam um julgamento incorrecto.
ah) - A não correspondência entre a prova invocada pelo Tribunal e a decisão sobre a matéria de facto que sobre ela assentou traduz uma violação e uma interpretação inconstitucional do preceituado no artigo 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal e viola o artigo 205º da Constituição da República Portuguesa.
ai) – Devem ser julgados não provados os factos constantes dos pontos 8., 15., 18., 19., 20., 21., 36., 38., 40., 47., 51., 60., 62., 63., 64. e 135. dos factos provados.
aj) – A arguida Ana deveria ter sido condenada na pena única de 2 anos de prisão, pela prática do crime de furto qualificado, a qual deveria ser suspensa na sua execução, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, nos termos do artigo 50º, n.º 1 do Código Penal.
ak) – O facto de a arguida Ana não ter antecedentes criminais e de manter um bom comportamento no cumprimento da medida de coacção que lhe foi aplicada deveria merecer outro tipo de valoração por parte do Tribunal a quo.
al) – A arguida Ana não transportou o cadáver e não participou no lançamento do mesmo à lagoa sita em Alvarães, não empunhou ou usou qualquer arma e não disparou o tiro que vitimou o “Juca”, circunstâncias que deveriam ter sido valoradas na determinação concreta da pena.
am) – No caso de a matéria de facto provada não vir a ser alterada, o que não aceita, deverão ser tidos em conta os circunstancialismos previstos nas alíneas a) e e) do n.º 2 do artigo 71º do Código Penal, reduzindo-se substancialmente a pena aplicada à Recorrente.
Termos em que deve a Arguida Ana M... ser absolvida da prática dos crimes de profanação de cadáver, uso e detenção de arma proibida e homicídio qualificado e, consequentemente, ser absolvida do pedido de indemnização civil formulado pelos Demandantes, na parte respeitante aos danos não patrimoniais, como é de Justiça» Cf. volume XV, fls. 4070 a 4093 verso (fax) e 4094 a 4135-A (original). ---. ---
- Pedro S..., ---
«1ª- Dá-se aqui por reproduzida, para todos os efeitos legais, a matéria de facto dada como provada e transcrita na parte expositiva das presentes alegações;
2ª- Com o presente recurso o Recorrente pretende também impugnar a matéria de facto, nomeadamente a constante dos pontos 18, 19 e 20 da matéria de facto dada como provada e, consequentemente, a constante do ponto 60 da mesma matéria de facto;
3ª- O Tribunal de recurso, dado constarem dos autos todas as provas produzidas, quer em sede de inquérito quer em sede de audiência, têm poderes para alterar a matéria de facto dada como provada.
4ª- Como resulta do referido pelo Tribunal "a quo" na sua decisão, a fundamentação da matéria de facto, nomeadamente no que diz respeito à forma como os factos ocorreram, assentou exclusivamente nas declarações prestadas pelos arguidos em sede de audiência de julgamento;
5ª- O Tribunal entendeu que dessas declarações resultavam "espaços ou buracos em branco" que ele próprio preencheu, com base em presunções sobre a forma como os factos terão ocorrido.
6ª- Em relação ao Recorrente Pedro e com interesse para a decisão a proferir no presente recurso, transcrevem-se as passagens das declarações dos arguidos que directamente têm a ver com os momentos anteriores à prática do crime, nomeadamente quanto à eventual concertação prévia da actuação de cada um dos arguidos.
7ª- Depoimento da arguida Ana, prestado em 18/10/2012, gravado entre 14:55:42 a 16:12.16 - ver acta.
Paula - O Pedro não estava lá, estava cá em baixo escondido
Paula - O Manuel queria fazer um assalto a ele
Paula - O Pedro escondeu-se cá em baixo, na terra batida
Mº Pº - A arguida disse que combinaram um assalto. De quem partiu a ideia do assalto?
Paula - A partida do assalto, o Ricardo disse ao Manuel e o Manuel disse lá em casa
Mº Pº - Se o Pedro sabia ao que ia, que era para um assalto
Paula - Sim, que era para um assalto
8ª- Depoimento do arguido Pedro, prestado em 19/10/2012, gravado entre as 10:10.37 e as 10:50:00 - ver acta.
Tribunal - O senhor como é que surge no meio disto tudo
Pedro - Eu estava na cama deitado quando ouvi o telefone da minha sogra a tocar
(...)
Tribunal - O que é que lhe disseram e quem lhe disse o quê
Pedro - Foi o Manuel, disse levanta-te lá que vamos fazer um assalto
Eram para aí 10 e meia da manhã
Tribunal - O que se passou antes das 10 e meia o senhor não sabe
Pedro - Não
(...)
Tribunal - O Senhor nunca tinha ouvido falar do Juca
Pedro - Não
(...)
Tribunal - Sabiam que iam fazer um assalto com armas
Pedro - Sabia sim
(...)
Pedro - Quando chegámos ao local o Carlos é que disse, vais ficar aí vais ficar de vigia
Até aí ainda não tinham falado em nada
Tribunal - Quando é que soube que tinha havido uma morte naquele assalto
Pedro - Quando o Carlos e o Manuel entraram para o carro
10ª- As restantes declarações do co-arguidos e do arguido Pedro prendem-se com o momento da prática dos crimes, nomeadamente que ficou de vigia, que entrou no carro quando os outros chegaram, que foram todos para casa do Carlos, que amassaram o ouro, que o venderam, que transportaram o cadáver e outros.
11ª- Do teor destas declarações resulta, com toda a clareza, que o arguido Pedro não tinha conhecimento de qualquer acordo entre os demais arguidos para a prática do "assalto" e, muito menos, que teria conhecimento da intenção deles ou de algum deles de tirar a vida ao Juca.
12ª- Sendo certo que o Tribunal "a quo" valorou estas declarações exactamente em sentido contrário.
13ª- No entanto, ao longo das quase seis páginas em que o Tribunal se debruçou sobre os depoimentos dos vários arguidos, não faz qualquer referência ao depoimento do arguido Pedro, nomeadamente apontando-lhe incongruências.
14ª- E, também em relação ao arguido Pedro, não justifica minimamente a razão pela qual, face à escassez de elementos constantes dos autos bem como à inexistência de incongruências, presumiu que o arguido Pedro tinha conhecimento de tudo e interveio no planeamento dos factos ilícitos.
15ª- Não existindo outra prova no processo que implique o arguido Pedro, desde as gravações telefónicas até às diligências de reconstituição dos factos, não podia o Tribunal "a quo" ter interpretado aquelas declarações da forma que o fez.
16ª- E, muito menos, tê-las analisado por forma a concluir pela co-autoria do arguido Pedro na prática do crime de homicídio qualificado,
17ª- As declarações acima transcritas, juntamente com a restante prova constante dos autos, nomeadamente os autos de reconstituição, apenas levam à conclusão de que o arguido Pedro aceitou integrar a acção com vista exclusivamente à prática de um crime de furto ou roubo.
18ª- E não de homicídio.
19ª- No entender do arguido Pedro, a matéria de facto dada como provada e constante dos pontos acima referidos, deverá, após análise dos depoimentos dos co-arguidos e da sua conjugação com a restante prova (que em relação ao arguido Pedro é praticamente inexistente), ser alterada da seguinte forma:
18.- Em data não concretamente apurada mas seguramente antes do dia 19 do mês de Setembro de 2011, alguns dos arguidos engendraram um plano por forma a montar uma armadilha que lhes permitisse apoderarem-se dos já referidos bens e das quantias monetárias que o "Juca" transportava consigo.
19.- Simultaneamente, os arguidos formularam o propósito de, na concretização daquele, tirar a vida ao "Juca", por forma a que este os não denunciasse em momento posterior.
19.A - O arguido Pedro, apenas no dia da prática dos factos, tomou conhecimento exclusivamente da intenção dos demais arguidos de se apoderarem dos bens e quantias monetárias de que o "Juca" fosse portador, ao que anuiu.
20ª- Por essa razão, não pode ser atribuído ao arguido Pedro a prática do crime de homicídio qualificado em regime de co-autoria, pela simples razão de que o que existiu foi um excesso por parte de um dos co-autores em relação ao acordo prévio celebrado com o arguido Pedro.
21ª- E, neste caso, apenas este co-autor pode ser condenado pela prática do crime novo: nesse sentido Paulo Pinto de Albuquerque, in "Comentário do Código Penal", 2ª edição actualizada, página 144, anotação 17 e os demais autores aí referidos.
22ª- Mesmo que se entenda que, ao ter conhecimento de que iriam ser utilizadas armas de fogo, o Recorrente representou, como possível, a morte do Juca, sempre a condenação deverá ser feita pela prática do crime de homicídio simples e não o qualificado.
23ª- Isto porque, com a alteração à matéria de facto acima referida, resulta que, em relação ao arguido Pedro, não se encontram preenchidas as qualificações previstas nas alíneas g) e j) do nº 2 artigo 132º do Código Penal;
24ª- Sendo certo que, com referência à qualificação prevista na alínea h) do mesmo artigo a mesma verifica-se mas numa situação conjuntural, da prática de um assalto, e não com o propósito da prática do crime de homicídio;
25ª- Não sendo a mesma suficiente para qualificar a conduta do Recorrente como especialmente censurável ou perversa, conforme resulta do número um do mesmo artigo.
26ª- A decisão recorrida não apreciou devidamente a prova produzida em sede de audiência, nomeadamente das declarações produzidas pelos arguidos, designadamente quando, no que se refere ao ora Recorrente, considerou que o mesmo teve participação activa no acordo prévio que levou à prática dos factos ilícitos que deram origem ao homicídio do Juca e, consequentemente, faz uma incorrecta aplicação do disposto nos artigos 26º e 132º do Código Penal, devendo essa mesma prova levar à modificação da matéria de facto dada como provada, nos termos acima propostos e, consequentemente, não ser o Réu, ora Recorrente, condenado pela prática do crime de homicídio qualificado;
27ª - Ou, a entender-se que o mesmo teve como possível a morte do Juca, devido a ser do seu conhecimento de que iriam ser utilizadas armas, deverá o mesmo ser condenado apenas pela prática do crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131º do Código Penal, numa pena não superior a onze anos de prisão,
Com o se fará a costumada Justiça» Cf. volume XV, fls. 4137 a 4150 verso (fax) e 4154 a 4177 (original). ---. ---
Notificados dos referidos recursos, os Assistentes Georgina V... e Flávio R... Constituição de Assistente a fls. 3648 e 3649 (volume XIV). ---, assim como o Ministério Público responderam aos mesmos, tendo concluído nos seguintes termos: (transcrição) ---
- Assistentes Georgina V...e Flávio R..., ---
«1. Assegurado e cumprido o contraditório relativamente a todos os co-arguidos, na sequência das declarações prestadas pelos demais co-arguidos que optaram por prestar declarações em sede de audiência de julgamento e que responderam a tudo o que lhes foi perguntado, não há nenhum obstáculo legal à valoração de tais declarações em aplicação do princípio de livre apreciação da prova, nos termos do artigo 127° do Cód. Proc. Penal.
2. Assim, as declarações prestadas pelos co-arguidos Ana, Carlos, Pedro e Ricardo valem como meio de prova e estão sujeitas à apreciação pelo Tribunal segundo a sua convicção e as regras da experiência.
3. O Tribunal pode e deve recorrer a presunções naturais, baseadas em regras da experiência e senso comum, que lhe permitem, com o grau de certeza necessário na fase de julgamento, retirar ilações seguras e certas quanto aos factos.
4. O Tribunal "a quo" formou a sua convicção e julgou a matéria de facto fazendo um exame crítico de toda a prova produzida e existente nos autos, não existindo qualquer erro na apreciação e valoração da prova.
5. A matéria de facto dada como provado pelo Tribunal "a quo" traduz a realidade dos factos e resulta de toda a prova produzida e existente nos autos, não havendo qualquer razão para se alterar a decisão da matéria de facto.
6. Da matéria de facto dada como provada resulta que os arguidos praticaram os crimes de que vinham acusados e nos termos em que foram condenados.
7. O Tribunal "a quo" optou e, no modesto entendimento dos Recorridos, bem, pela aplicação da pena privativa de liberdade para todos os crimes praticados pelos Arguidos /Recorrentes e aplicou-lhes as penas de prisão em que foram condenados, atento:
> o dolo com que os mesmos actuaram, que considerou muito elevado na modalidade de dolo directo;
> o grau de ilicitude dos factos, que considerou igualmente muito elevado, atenta a quantidade de munições apreendidas a cada um dos arguidos, a relativa mediania dos valores com que se apoderaram e a acumulação de circunstâncias qualificativas relativamente ao crime de homicídio;
> a indiferença e a insensibilidade revelada em relação à vítima, em especial no cometimento do crime de homicídio;
> as necessidades de prevenção especial, que considerou muito acentuadas, em especial relativamente aos Arguidos Carlos e Manuel que já sofreram várias condenações e em diversas penas de prisão, resultando dos autos que o Arguido Carlos é recorrente na prática de crimes contra o património e contra as pessoas e o Arguido Manuel ter sofrido, inclusive, penas de reclusão;
> as necessidades de prevenção geral, que considerou igualmente muito acentuadas, atento o facto do cometimento de crimes relacionados com armas, furtos e homicídios desencadearem fortes e graves sentimentos de insegurança e, consequente, alarme social, especialmente em casos de homicídios com as características do crime em causa nestes autos;
> a quantidade, natureza e circunstâncias em que ocorreram os factos, o que revela uma criminalidade grave e violenta e com o completo e total desprezo pelas regras da vivência comunitária, determinante de enorme alarme social;
> a elevada ilicitude e insensibilidade humana demonstrada no cometimento dos crimes;
> e a situação pessoal, familiar e social negativa dos arguidos, marcada por disfuncionalidades familiares, associadas à problemática alcoólica dos progenitores ou de violência doméstica, dificuldades de relacionamento interpessoal e de cumprimento de regras familiares e escolares, manifestando comportamentos problemáticos, acentuados défices ao nível das competência pessoais, criando constrangimentos na sua integração no mercado de trabalho e o estilo de vida desorganizado.
8. Consideram, assim, os Recorridos que as penas de prisão aplicadas aos Arguidos/ Recorrentes são necessárias, ajustadas, adequadas e proporcionais.
9. Os Recorridos entendem que o Tribunal a quo fez uma correcta interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis, não existindo qualquer motivo para se revogar a douta sentença recorrida, substituindo-a por uma outra que absolva os Arguidos/Recorrentes dos crimes em que foram condenados e/ou que altere as medidas das penas de prisão aplicadas.
10. Assim, entendem os Recorridos que a douta sentença recorrida não é passível de qualquer censura ou reparo, devendo, por isso, manter-se inalterada.
11. Pelo que, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelos Arguidos/Recorrentes.
Nestes termos e mais de direito aplicáveis que V. Exas. melhor e doutamente suprirão, deve ser negado provimento aos recursos interpostos pelos Arguidos, com as legais consequências.
Como é de inteira Justiça» Cf. volume XV, fls. 4189 a 4192 (fax) e 4234 a 4241 verso (original). ---. ---
- Ministério Público, ---
«1. O tribunal “a quo” apreciou livremente, de acordo com a sua convicção, respeitando as regras da lógica e da experiência comum, toda a prova produzida em audiência de julgamento, cumprindo, desse modo, o art. 127º do Código de Processo Penal.
2. A livre apreciação da prova é indissociável do princípio da oralidade.
3. Se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com o benefício da imediação e da oralidade – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
4. O tribunal “a quo” recorreu também a prova indirecta ou indiciária, pois o objecto da prova tanto pode incidir sobre os factos probandos (prova directa), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este (prova indirecta ou indiciária).
5. Além de admissível, porque nenhuma norma proíbe o seu uso, a prova indiciária é absolutamente indispensável em processo penal posto que, se a mesma fosse excluída, ficariam na mais completa impunidade um sem fim de actividades criminais.
6. O tribunal recorrido apreciou livremente a prova, orientado pelo princípio da verdade material, de acordo com o dever de perseguir a chamada “verdade material”, que não se confunde, todavia, com verdade ou certeza absoluta, pois o que se busca em julgamento não é a certeza absoluta, quase sempre (se não sempre) inalcançável, mas a verdade prático-jurídica, formada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do juiz, ou seja, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do Código de Processo Penal.
7. A certeza judicial ou verdade prático-jurídica não é abalada por qualquer dúvida, mas apenas pela chamada dúvida razoável.
8. Não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido” mas apenas a chamada dúvida razoável, uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária.
9. O princípio “in dubio pro reo”, corolário, da presunção de inocência, consagrada no art. 32.º, n.º 2, da CRP, só opera quando não se produz prova que permita concluir com um elevado grau de certeza que o arguido praticou os factos que lhe são imputados, valorando-se, nesses casos, as dúvidas que subsistirem a favor do arguido.
10. O tribunal recorrido fundamentou devidamente a formação da sua convicção.
11. O acórdão recorrido não padece de nenhum vício, designadamente de qualquer dos vícios do art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, vícios que têm de resultar directamente do texto da decisão recorrida, só por si ou conjugadamente com as regras da experiência - vícios detectáveis sem análise da prova produzida, vícios patentes, que não escapam ao homem comum.
12. No local próprio, o tribunal recorrido enunciou todos os meios de prova a que atendeu e expôs a sua apreciação crítica de tais meios de prova, sendo particularmente exaustivo no tocante às declarações dos arguidos.
13. Aceita-se que em relação a alguns factos imputados a determinados arguidos a decisão pudesse ter sido diferente, mas não cremos que as provas produzidas e examinadas pelo tribunal recorrido, nomeadamente as declarações dos arguidos, parcialmente transcritas por estes nos seus recursos, impusessem decisão diferente, pelo menos quanto aos factos essenciais ao preenchimento dos tipos legais dos crimes, por cuja prática os arguidos acabaram condenados.
14. Os recorrentes pretendem, em nossa modesta opinião, substituir a livre convicção do tribunal recorrido pela sua própria convicção.
15. As declarações dos arguidos poderiam justificar, só por si, a sua condenação, pois, não se verificando a circunstância enunciada no n.º 4 do art.º 345º do Código de Processo Penal, a prova por declarações dos arguidos, mesmo que comprometedoras para outros arguidos, é plenamente válida, porque não proibida (art. 125º do Código de Processo Penal), e sujeita ao princípio da livre apreciação consagrado no art. 127º do Código de Processo Penal.
16. Os seus depoimentos foram, todavia, corroborados, relativamente a factos fundamentais, por outras provas objectivas e incontroversas: relatório da autópsia médico-legal, apreensões de arma, munições e outros objectos na posse dos arguidos, vestígios encontrados no local onde ocorreu o homicídio e no local onde foi lançado o cadáver, escutas telefónicas (parcialmente transcritas nos autos e reproduzidas em audiência de julgamento), listagem de contactos telefónicos e informações de localização celular de aparelhos dos arguidos, depoimento do inspector da Polícia Judiciária que coordenou a investigação em fase de inquérito, autos de reconhecimento efectuado por arguidos e confirmados pelos próprios em audiência, etc..
17. Apesar da importância das declarações dos arguidos para efeitos de prova, o tribunal recorrido não tinha de aceitar em bloco cada um dos depoimentos prestados, aceitando-os como totalmente verdadeiros ou como totalmente falsos, incumbindo-lhe antes, com recurso às regras da lógica e da experiência comum e relacionando os depoimentos com outras provas, distinguir, como distinguiu, naquelas declarações as afirmações credíveis das manifestamente inverosímeis.
18. As escutas telefónicas foram, sem dúvida, também meio de prova especialmente importante na formação da convicção do tribunal recorrido, tendo-se procedido em audiência a audição de parte das mesmas, designadamente daquelas em que a arguida Ana confessou o seu envolvimento e a participação de outros na morte do “Juca”.
19. O tribunal de julgamento podia valorar, como valorou, o tom de voz usado pelos escutados nas conversas, porquanto nenhuma norma legal impede tal valoração.
20. Os suportes técnicos com as gravações são documentos, porque se enquadram na definição do art. 164º, nº 1, do Código de Processo Penal.
21. As explicações apresentadas pela arguida Ana não foram acolhidas pelo tribunal recorrida porque, estando em absoluta contradição com o que ela disse e ficou gravado na escuta e o que escreveu, ferem as regras da lógica e do bom senso e porque a pouca credibilidade que mesmo assim lhes pudesse ser atribuída sai completamente desmoronada quando se toma em consideração a informação obtida pelo tribunal, através das testemunhas José P..., inspector-chefe da Polícia Judiciária, acerca circunstâncias em que surgiu a confissão escutada à arguida Ana.
22. Os dados fornecidos pelas escutas foram cruzados com outros, nomeadamente dados fornecidos pela própria arguida Ana, como sejam o ter permanecido esta arguida junto ao corpo do “Juca” após o disparo efectuado pelo arguido Manuel e ter sido ela própria a retirar os objectos com valor que o “Juca” trazia e a transportá-los para o veículo automóvel onde já se encontravam os arguidos Carlos, Ricardo e Pedro.
23. As alegações dos recorrentes Ana e Carlos em matéria de escutas e mensagens gravadas, da sua valoração e interpretação, são, em nosso modesto entender, absolutamente infundadas.
24. É indiscutível que no seu processo de formação de convicção, do tribunal recorrido fez uso de presunções judiciais ou de prova indirecta ou indiciária (uso claramente assumido no acórdão recorrido – v. fl. 3812).
25. A prova indirecta é admissível e absolutamente indispensável em processo penal, desde que observadas, como observou no caso em apreço o tribunal a quo, as particulares cautelas assinalas pela doutrina e jurisprudência acima referidas.
26. O tribunal “a quo” concluiu que a morte do “Juca” resultou de uma decisão conjunta de todos os arguidos a partir de um conjunto de factos indiciantes, dos quais se destacam: as explicações dos arguidos Carlos , Ricardo e Pedro sobre os motivos que os levaram a aderir a um alegado plano de roubo elaborado por outros são completamente inconsistentes; o arguido Manuel agiu de cara descoberta; os arguidos não falaram uns com os outros sobre o disparo que vitimou o “Juca”; almoçaram normalmente nesse dia; no mesmo dia contactam pessoas para venderem o ouro subtraído e amassam-no; e, à noite, vendem o ouro, repartindo por todos, com excepção da arguida Ana, o produto da venda.
27. Admitimos que em relação a determinados factos meramente instrumentais a decisão do tribunal recorrido pudesse ter sido diferente.
28. Relativamente aos factos que integram os elementos constitutivos dos crimes pelos quais os arguidos foram condenados, entendemos que a decisão não poderia, de forma alguma, ser outra, excepto no que concerne à participação da arguida Ana no crime de ocultação de cadáver e à detenção pela mesma arguida das armas e munições que foram apreendidas na casa onde vivia com o seu companheiro Manuel, bem como à participação dos arguidos Ricardo, Carlos e Pedro na decisão de tirar a vida ao “Juca”.
29. Quanto a estes factos e àqueles outros instrumentais, entendemos que a decisão poderia ter sido diferente, embora a prova produzida e examinada em audiência não impusesse uma decisão diversa.
30. A decisão contestada apenas seria de pôr em causa se dela resultasse que o tribunal, debatendo-se com dúvida razoável e insanável, tinha resolvido tal dúvida em desfavor dos arguidos, condenando-os em vez de os absolver.
31. O princípio “in dubio pro reo” só opera quando da leitura da decisão recorrida, à luz das regras da experiência comum e da lógica, resulta que o tribunal perante uma situação de dúvida, fundada ou razoável, acerca da ocorrência de determinados factos, se decidiu pela prova desses factos.
32. No caso em apreço, o tribunal recorrido, como resulta do acórdão recorrido, não se confrontou com qualquer dúvida razoável e insanável acerca do envolvimento dos arguidos Ricardo, Carlos e Pedro na decisão de tirar a vida ao “Juca”, pelo que não aplicou o princípio in dubio pro reo.
33. Ainda que se dê razão a estes arguidos, dando-se como não provado que tenham decidido em conjunto com os arguidos Manuel e Ana tirar a vida ao “Juca” e como provado apenas que queriam somente subtrair, mediante ameaça de violência, os bens com valor que “Juca” tinha consigo, tal alteração da matéria de facto terá como consequência a sua condenação como co-autores de um crime de roubo, agravado pela morte, nos termos do art. 210º, nº 3, do Código de Processo Penal (o resultado morte é-lhes imputado a título de negligência, satisfazendo-se, deste modo, a exigência do art. 18º do Código Penal), agravado ainda em virtude do disposto no art. 86º, nº 3, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.
34. Em matéria de direito, não havendo alteração da matéria de facto, deverá manter-se na íntegra a decisão recorrida, quer quanto à determinação e interpretação das normas jurídicas aplicáveis, quer quanto à subsunção jurídica dos factos provados a tais normas, designadamente quanto à determinação das penas concretas aplicadas.
35. O tribunal recorrido, apesar de reconhecer que o regime penal para jovens, previsto no DL 401/82, de 23/09, deve ser visto como regime-regra de sancionamento penal aplicável aos maiores de 16 anos e menores de 21 (o juiz tem o poder-dever de o aplicar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos), afastou fundadamente a sua aplicação no caso concreto
36. Mantendo-se na íntegra a matéria de facto dada como provada, afigura-se-nos que nenhum reparo haverá a fazer à decisão recorrida nesta parte; havendo alteração, não será, eventualmente, de excluir a aplicação do referido regime.
37. O tribunal recorrido considerou, correctamente, do nosso ponto de vista, o crime de homicídio como qualificado, em relação a todos os arguidos, porquanto, partindo do pressuposto que a morte do Juca foi planeada por todos os arguidos, assumindo, todavia, cada um deles um papel diferente nesse plano, mas tendo em vista o mesmo resultado plano, não vemos como se possa censurar o acórdão recorrido.
38. Na determinação das medidas concretas das penas parcelares, o tribunal “a quo” ponderou criteriosamente, a nosso ver, todas as circunstâncias que “in casu” depunham a favor e contra os arguidos, respeitando integralmente os pertinentes comandos legais, designadamente do art. 71º do Código Penal.
Termos em que, e nos demais que V. Exªs doutamente suprirão:
- deve ser negado provimento aos recursos;
- caso se conceda provimento parcial aos recursos dos arguidos Ana, Carlos , Ricardo e Pedro, a arguida Ana ficará condenada unicamente pelos crimes de furto qualificado e de homicídio qualificado, e os arguidos Carlos , Ricardo e Pedro deverão ser condenados como co-autores de um crime de roubo - que quiseram -, agravado pela morte - que representaram, mas confiaram, não devendo ter confiado, que ocorresse -, nos termos do art. 210º, nº 3, do Código de Processo Penal (resultado morte imputado a título de negligência – art. 18º do Código Penal), agravado ainda em virtude do disposto no art. 86º, nº 3, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, em substituição da condenação pelos crimes de homicídio e furto qualificado, mantendo-se a sua condenação pelos demais ilícitos;
- em caso de provimento parcial, deverá proceder-se a novo cúmulo jurídico, fixando-se penas únicas necessariamente inferiores às fixadas pelo tribunal “a quo”.
V. Exªs, Senhores Desembargadores, farão, como sempre Justiça» Cf. volume XV, fls. 4183 a 4233. ---. ---
Neste Tribunal, na intervenção aludida no artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento aos recursos, tendo referido, nomeadamente, em suma, que ---
O Tribunal recorrido teve em conta as «provas que tinha ao seu dispor» e apreciou-as «conjuntamente com as regras da experiência comum, não tendo efectuado qualquer arbitrariedade ao» decidir como decidiu, sendo que os «arguidos» «esquecem (…) que (…) só uma correcta e profunda apreciação da globalidade da prova produzida permite retirar as conclusões que o Tribunal retirou e explicou porque retirou». ---
Bem andou o Tribunal recorrido na imputação aos arguidos do crime de homicídio, levando em conta que 1) os arguidos Carlos e Ricardo «levarem consigo armas», 2) a Arguida Ana assumiu em escuta telefónica a sua participação na morte da vítima, 3) a filha daquela, também em escuta telefónica, não retorquiu a participação do Arguido Carlos em tal morte, 4) aquele Arguido e os Arguidos Pedro e Ricardo «não deixaram de ficar à espera dos restantes arguidos e dos objectos que a vítima transportava» e 5) «a forma como os arguidos se comportaram após a morte do “Juca”». ---
«Quanto ao facto da Arguida Ana defender a sua absolvição relativamente ao crime de uso e detenção de arma proibida bastará atentar no local onde foi encontrado o diverso material apreendido no casa onde a arguida habitava com o arguido Manuel para ser impossível afirmar que a Arguida Ana desconhecia completamente a existência daquele material em casa, pelo que não merece qualquer censura a condenação da arguida pela prática daquele crime.
O mesmo se diga quanto ao crime de ocultação de cadáver em que a arguida foi co-autora, quer no seu planeamento, quer na disponibilidade do material para o levar a cabo – utilização da carrinha – quer na limpeza da mesma com vista a apagar os vestígios da sua conduta, limpeza essa que, no entanto, não foi eficaz pois no exame efectuado foram encontrados vestígios de sangue, embora ténues» Cf. volume XVI, fls. 4257 a 4272. ---. ---
Notificados daquele parecer, os Arguidos Manuel, Carlos e Pedro nada disseram, ao passo que os Arguidos Ana e Ricardo apresentaram resposta, sendo que a deste foi entretanto mandada desentranhar, por extemporânea, e na sua resposta a Arguida Ana concluiu como no recurso que interpuseram Cf. volume XVI, fls. 4282 a 4289. ---. ---
Proferido despacho liminar, colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre ora apreciar e decidir. ---
II.
OBJECTO DO RECURSO.
Atentas as indicadas conclusões apresentadas, sendo que é a tais conclusões que este Tribunal deve atender no presente recurso, definindo aquelas o objecto deste, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, cumpre no presente acórdão apreciar e decidir:
· Da invocada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
· Da mencionada contradição entre factos provados e não provados; ---
· Do alegado erro notório na apreciação da prova; ---
· Do referido erro de julgamento; ---
· Do enquadramento juspenal dos factos. ---
· Da pretendida aplicação do Regime Penal Especial para Jovens; ---
· Da justeza das penas aplicadas; ---
· Da requerida absolvição parcial do pedido cível. ---
III.
DA DECISÃO RECORRIDA – FACTOS E SUA MOTIVAÇÃO. ---
A decisão recorrida configura a factualidade provada e não provada, bem como a respectiva motivação da seguinte forma: (transcrição) ---
« A - Dos Factos
I - Provados
a) Da acusação
1. A arguida Ana M..., doravante designada somente por Ana, pelo menos desde o início do ano de 2011 que vivia em união de facto com o arguido Manuel L..., doravante designado por Manuel e, pelo menos desde Julho desse ano, que residiam na Rua A, fracção B, F..., Barcelos.
2. Pelo menos nos meses de Agosto e Setembro daquele ano de 2011 viviam igualmente com aqueles arguidos, a filha da Ana, Andreia, e o companheiro desta, o arguido Pedro.
3. O arguido Carlos C…, doravante designado apenas por Carlos, pelo menos no período temporal referido em 2., residia com Sónia C... na Rua B, em F..., Barcelos.
4. O arguido Ricardo é primo do arguido Carlos e residia, no período temporal supra referido, na Rua C, D..., Viana do Castelo.
5. O arguido Domingos C... é tio paterno do arguido Carlos e tio materno do arguido Ricardo.
6. Pelo menos nos meses de Agosto e Setembro de 2011, os arguidos supra mencionados eram, respectivamente, utilizadores dos seguintes números de telemóvel : a arguida Ana, do número 93 5844 ...; o arguido Manuel do número 93 5764...; o arguido Carlos do número 96 2200759, a sua companheira Sónia, do número 96 3777... e, por fim, o arguido Ricardo do número 92 6329....
7. Todos os arguidos supra mencionados continuaram a usar os telemóveis supra referidos pelo menos até ao dia 15 de Dezembro do ano de 2011, com excepção da arguida Ana, a qual, a partir de Outubro de 2011, introduziu no seu aparelho de telemóvel o cartão de acesso da operadora de telemóveis Optimus 93 7487..., comunicando, telefonicamente, a partir dessa data, com esse número de telemóvel.
8. A arguida Ana, em data não concretamente apurada, mas seguramente no início do mês de Agosto de 2011, travou conhecimento com o ofendido Manuel R..., nascido no dia 21 de Novembro de 1942, conhecido comummente por “Juca”.
9. O “Juca” era casado com Elvira S... e residia no Lugar D – Esposende.
10. Apesar de reformado há vários anos, exercia no rés-do-chão da sua habitação e em alguns espaços contíguos àquela, actividade comercial, explorando um café de que era proprietário, conhecido por o “C... Juca”.
11. O mesmo tinha uma vida desafogada, sendo proprietário de três veículos automóveis, dois dos quais da marca Mercedes.
12. Apesar dos seus já 68 anos de idade, o “Juca” era um indivíduo activo e de considerável robustez física.
13. Era pessoa que se vestia bem e conhecido por, no dia a dia, ser sempre portador de várias peças em ouro, nomeadamente, dois anéis, uma pulseira, um fio com uma cruz pendente bem como um relógio da marca “Omega” com bracelete e caixa em ouro assim como de, habitualmente, ter consigo, considerável quantia em dinheiro, entre 250 a 500 Euros, que normalmente dividia por duas carteiras.
14. Desde há muitos anos que o “Juca” mantinha relacionamentos amorosos extraconjugais com mulheres de várias idades.
15. O relacionamento entre o “Juca” e a Ana foi-se desenvolvendo através de contactos por telemóvel tendo ambos acordado que, quando a Ana quisesse falar com o “Juca” lhe enviaria, para o seu número de telemóvel 96 7027... e a partir do seu próprio telefone (designadamente, o mencionado 93 5844...), toques para que o mesmo, de seguida, efectuasse a chamada telefónica para aquela, o que efectivamente sucedeu, por diversas vezes, no período temporal de Agosto e parte do mês de Setembro de 2011.
16. Existe um pequeno descampado, muitas vezes usado para a prática de relações sexuais fortuitas, sito numa bouça/eucaliptal localizada no Lugar da G..., contígua ao Lugar de B..., da área da freguesia de P..., Barcelos, próximo da localidade de Forjães, Esposende, que fica a cerca de 70 (setenta) metros do caminho florestal principal e a cerca de 400 (quatrocentos) metros da estrada nacional 103 (Barcelos/Viana do Castelo), sendo conhecido quer pelo “Juca” quer pela Ana.
17. Era do conhecimento geral, e também dos arguidos, que o “Juca” habitualmente trazia consigo os já referidos objectos em ouro e quantias monetárias.
18. Em data não concretamente apurada, mas seguramente antes do dia 19 do mês de Setembro de 2011, a arguida Ana e os arguidos Manuel, Carlos, Ricardo e Pedro, engendraram um plano por forma a montar uma armadilha que lhes permitisse apoderarem-se dos já referidos bens e das quantias monetárias que o “Juca“ transportava consigo.
19. Simultaneamente, os arguidos formularam o propósito de, na concretização daquele, tirar a vida ao “Juca”, por forma a que este não os denunciasse em momento posterior.
20. Assim determinados, com propósito e motivação comum, os arguidos decidiram levar a cabo o tal plano, que delinearam em data não concretamente apurada mas antes de 19 de Setembro de 2011, com distribuição de funções e tarefas para cada um deles.
21. Em concretização do mesmo, no dia 18 de Setembro de 2011, pelas 19h33 e, em conluio com os demais arguidos, a arguida Ana, por via do seu telemóvel número 93 5844... enviou um toque de chamada para o “Juca” tendo o mesmo, de seguida, a partir do seu número de telemóvel 96 7027..., telefonado àquela a qual, no decurso da conversa encetada, marcou com o Manuel R..., para o dia seguinte, entre as 11 h 30 m e as 12 horas, um encontro de cariz sexual o qual teria lugar no descampado ou na clareira já referida.
22. Assim, na manhã do dia 19 de Setembro de 2011, na execução do mencionado plano, o arguido Carlos, tripulando o veículo automóvel da marca Fiat, modelo Punto, de cor branca, matrícula 22-DB-..., pertença da sua companheira Sónia, foi buscar a sua casa, sita em D..., Viana do Castelo, o seu primo, o arguido Ricardo e, de seguida, à casa destes, a sua mãe, Ana, o arguido Manuel e o arguido Pedro.
23. Dirigiram-se, então, todos os supra mencionados arguidos e no veículo automóvel acima identificado para o local marcado para o encontro entre a Ana e o “Juca”, sendo que o Carlos se fazia acompanhar de uma arma caçadeira, cuja apreensão não se revelou no entanto possível, e diversos cartuchos para a referida arma, o Manuel com uma arma caçadeira, de calibre 12, com coronha em madeira, de dois canos sobrepostos, da marca “Verney - Carron - Saint Étienne”, com o número de série S 27 153, melhor examinada a fls. 1378 a 1381 e 1474 que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido, e diversos cartuchos para a referida arma, e o arguido Ricardo, munido de um revólver que não se logrou apreender nos autos bem como com munições compatíveis com o mesmo.
24. Por sua vez, o ofendido “Juca” fez-se transportar no seu veículo automóvel da marca Mercedes, modelo 200 CDI, de matrícula 28-86-...de cor bege.
25. Nesse dia, o ofendido O acórdão recorrido refere «arguido», mas tal deve a mero lapso de escrita. --- transportava consigo os bens já referidos, além de, pelo menos € 250 (duzentos e cinquenta euros), que se encontravam numa carteira num dos bolsos da sua roupa.
26. Uma vez chegados os arguidos a zona próxima do pequeno descampado, seriam então cerca das 11 h 00m, o arguido Carlos estacionou a viatura 22-DB-... num caminho em terra batida ali existente, junto da estrada que liga a estrada que vai para B... à estrada de P..., em Barcelos e em local não visível para quem entrasse para o local de encontro sito na bouça/eucaliptal.
27. Munidos os arguidos Carlos, Manuel e Ricardo, com as armas e munições que haviam trazido consigo, aquelas devidamente municiadas, dirigiram-se, subindo, juntamente com a Ana, por bouça dentro para zona próxima do encontro, onde se esconderam, permanecendo a Ana a meio do caminho e, portanto, visível para quem entrasse no dito caminho.
28. Na circunstância e porque assim haviam decidido, o arguido Pedro permaneceu junto do veículo automóvel matrícula 22-DB-..., de vigia e alerta para a chegada de estranhos ao local.
29. Nessa manhã, do dia 19 de Setembro de 2011 e, respectivamente, pelas 11 h 26m e 11h 49m, o ofendido “Juca”, por via do seu número de telemóvel 96 7027... ligou à arguida Ana, para o número 93 5844... confirmando o encontro de cariz sexual no local marcado para o efeito.
30. Porque o ofendido “Juca” estivesse atrasado, pelas 12h01m, a arguida Ana, a partir do seu número de telemóvel 93 5844..., ligou para o Manuel R..., para o telemóvel número 96 7027... tendo este confirmado o encontro.
31. No momento em que o “Juca” se dirigia conduzindo o seu veículo automóvel para a zona do descampado, a arguida Ana aguardava pelo mesmo na estrada em terra batida tendo aquele, entre as 12 h 02 e as 12 h 15m, estacionado a sua viatura.
32. Seguidamente, o Juca saiu do seu veículo ao mesmo tempo que a arguida percorria o trajecto a pé, indo ao seu encontro.
33. Logo após, quando o "Juca" se encontrava a aguardar que a arguida Ana chegasse junto dele, foi surpreendido pelos arguidos Carlos, Manuel e Ricardo que empunhavam as armas na sua direcção, apontando-lhas.
34. Após uma breve troca de palavras e quando o ofendido se encontrava a cerca de um metro/um metro e meio dos referidos arguidos, o Manuel, que empunhava a caçadeira, municiada, apontou a mesma na direcção das costas do ofendido e disparou um tiro que o atingiu nas costas provocando-lhe a queda imediata no solo.
35. Em consequência, Manuel R... veio a falecer.
36. Após, os arguidos Manuel, Ana, Carlos e Ricardo levaram consigo os dois anéis, um fio em ouro com uma cruz pendente em ouro, um relógio em ouro com bracelete igualmente em ouro, o telemóvel onde estava inserido o cartão de acesso da operadora TMN n.º 96 7027... associado ao IMEI n.º 358 258035… 721, 4 (quatro) conjuntos de chaves e a chave do carro do ofendido 28-86-....
37. Nessa ocasião, um dos arguidos, cuja identidade em concreto não se logrou apurar, retirou a carteira do bolso das calças do ofendido a qual continha pelo menos 250 euros, levando-a consigo.
38. Seguidamente, abandonando o corpo inanimado do ofendido e o veículo automóvel 28-86-...no local supra referido, os arguidos dirigiram-se para a viatura 22-DB-..., tendo o Carlos conduzido até sua casa, sita na Rua B, F... – Barcelos, onde os arguidos, em conjugação de esforços e vontades, amassaram as peças de ouro retiradas ao “Juca” por forma a torná-las não identificáveis, tendo ainda destruído o telemóvel daquele.
39. Ainda nesse dia, em hora anterior às duas da tarde e, posteriormente alguns minutos mais tarde e depois ainda por volta das 20 horas, o arguido Carlos contactou com a testemunha Armando S... para o número de telemóvel deste, 91 8589... a quem manifestou vontade de vender ouro o que veio a fazer, ainda nesse dia, juntamente com os arguidos Manuel, Ricardo e Pedro, na loja daquele, sita na Avenida X, em Barcelos, tendo recebido pela venda do mesmo a quantia global de € 1800 (mil e oitocentos euros), quantia que foi dividida entre os referidos arguidos e cabendo a cada um a importância de € 450 (quatrocentos e cinquenta euros).
40. Posteriormente, em data e hora não concretamente apuradas mas situadas entre o dia 19 de Setembro e o dia 22 de Setembro de 2011, os arguidos Ana, Manuel, Carlos e Pedro, com a finalidade de não serem descobertos pelas autoridades decidiram esconder o cadáver de Manuel R..., decidindo-se da forma como iriam proceder.
41. Assim motivados e comungando, de novo, esforços, em dia não determinado, mas sempre dentro do referido lapso temporal, já de noite, os arguidos Manuel, Carlos e Pedro, dirigiram-se na carrinha “Renault” modelo “Trafic”, matrícula 68-59-..., registada em nome da arguida Ana, ao local onde haviam deixado o cadáver do ofendido “Juca” e, em conjugação de esforços e vontades, colocaram o mesmo na zona de carga da aludida carrinha.
42. Acto contínuo, os mesmos arguidos, transportando o cadáver de Manuel R..., dirigiram-se para junto de uma lagoa formada após sucessiva extracção de caulinos, conhecida por “Mina da G...”, sita na Rua de A..., na freguesia A..., Viana do Castelo, pertença da firma denominada “M...”.
43. Pelo menos à data dos factos acima mencionados, a referida lagoa, em forma circular possuía cerca de 100 (cem) metros de diâmetro, tinha uma profundidade variável mas sempre superior a 2 a 3 (dois a três) metros e encontrava-se delimitada por uma vedação de malha sol com cerca de 2 (dois) metros de altura, sustida por vigas de cimento próprias para a construção civil, em forma de “T” e com cerca de 2, 5 m (dois metros e meio) de alto, equidistantes 4 a 5 (quatro a cinco) metros.
44. Junto da referida lagoa, os já referidos arguidos, em comunhão de esforços, retiraram uma das vigas em cimento supra descritas a qual se encontrava num dos pontos mais altos da escarpa da lagoa (cerca de 10 metros) pegaram no cadáver de Manuel R... e, com recurso a uma corda que se encontrava no interior da carrinha, pertença do Manuel, ataram o mesmo, pela cintura e com vários nós à viga de cimento referida, levantaram a rede de malha sol, lançando de seguida, o cadáver e a viga acoplada para o interior da lagoa.
45. Na sequência, o corpo do falecido caiu num socalco, primeiro patamar da escarpa tendo os arguidos ido até aquele local e lançado novamente o cadáver para a lagoa e porque o corpo veio novamente a cair num segundo patamar ali existente, novamente os mesmos arguidos encetaram diligências com vista ao lançamento do corpo para a lagoa, o que conseguiram mas atenta a largura do segundo socalco e o peso, quer do corpo, quer da viga, o cadáver ficou junto à margem da lagoa, a viga de forma oblíqua e o corpo, ambos submersos.
46. Imediatamente a seguir dirigiram-se aqueles arguidos para a casa do arguido Manuel, sita na Rua A, fracção B, F..., Barcelos.
47. Uma vez nesse local, os arguidos Manuel e Pedro, juntamente com a arguida Ana e com a finalidade de removeram todos e quaisquer vestígios eventualmente ali deixados pelo cadáver do ofendido “Juca”, com baldes de água e lixívia limparam a zona de carga da carrinha e colocaram ao lixo sacos de plástico, próprios para guardar o lixo que haviam colocado por baixo do corpo quando foi transportado na aludida viatura.
48. De seguida ainda o arguido Manuel guardou a arma com a qual havia morto o ofendido debaixo do colchão da sua cama, no quarto de casal da sua casa, sita na Rua A, fracção B, F....
49. Por razões alheias à vontade dos arguidos, no dia 26 de Setembro de 2011, pelas 16 horas o corpo do falecido “Juca” veio a ser encontrado a boiar na lagoa para onde havia sido lançado e ainda agarrado à viga de cimento que se encontrava naquele lugar numa posição oblíqua.
50. O tiro disparado pelo arguido Manuel causou de forma directa e necessária a Manuel R... as lesões descritas no relatório de autópsia junto aos autos a fls. 673 a 684, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente: “a morte do Manuel R... foi devida a lesões traumáticas raquimedulares e torácicas atrás descritas. Estas resultaram de violento traumatismo, de natureza perfuro-contundente, ou como tal actuando, tal como pode ter sido devido à acção de um disparo de projéctil de arma de fogo de cano comprido – caçadeira, cujo trajecto no tórax se pode descrever como sendo de trás para a frente, a distância intermédia”. “As características das lesões traumáticas, nomeadamente a sua localização, …, indica a necessidade de intervenção de terceiros, harmonizando-se com o diagnóstico médico-legal de homicídio”.
51. No dia 13 de Dezembro de 2011, entre as 07h10m e 08h50m, e após busca domiciliária à residência dos arguidos Ana e Manuel, sita na Rua A, fracção B, F... – Barcelos foram encontrados e apreendidos os seguintes objectos pertença dos arguidos supra descritos:
1. Na dispensa, em cima do frigorífico:
a) 4 (quatro) caixas de munições de calibre.22, da marca “Vostok Target”, contendo um total de 199 (cento e noventa e nove) munições intactas, melhor descritas no exame de fls. 2396 e 2397 que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido.
b) 1 (uma) caixa de cartuchos de caça de calibre 12, da marca “Polvichumbo”, com 25 (vinte e cinco) cartuchos intactos, melhor descritos no exame de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido.
c) 1 (uma) arma de ar comprimido, com a configuração de carabina, da marca “Cometa”, com o número de série 118077, transformada/adaptada para disparar cartuchos de caça de calibre 9 mm, melhor descrita no exame pericial de fls. 2470 a 2473, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido.
2. No guarda-fatos do quarto dos buscados:
d) 27 (vinte e sete) munições de calibre.22 intactas, da marca visível, acondicionadas numa caixa plástica, melhor descritas no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido;
e) 5 (cinco) munições de calibre.32 intactas, da marca “H&R MAG”, melhor descritas no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido;
f) 12 (doze) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, acondicionados numa caixa plástica com a inscrição “Casa Coelho”, melhor descritas no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido;
g) – 19 (dezanove) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, introduzidos numa cartucheira em forma de cinto, melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido.
3. Na cómoda existente no quarto dos buscados e na primeira gaveta:
h) – 4 (Quatro) conjuntos com chaves sendo que dois eram porta-chaves (um porta-chaves com o símbolo da “Mercedes” e três chaves; um porta-chaves do “Santuário de Fátima” e seis chaves; um conjunto com argola e 8 chaves; Um conjunto com argola e 3 chaves) que se apuraram serem pertença do falecido “Juca”.
4. Na cozinha, no armário por cima do exaustor:
i) 2 (dois) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido.
5. Na garagem:
j) 91 (noventa e um) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, da marca “Sellier & Bellot” – melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido.
k) 10 (dez) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, da marca “Municar” , melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido.
l) 13 (treze) cartuchos de caça de diversas marcas intactos, acondicionados numa caixa em plástico de cor branca melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido.
56. No dia 14 de Dezembro de 2011, entre as 16 h 10m e as 16h 20m, após busca domiciliária à residência da arguida Ana e Manuel, sita na Rua A, fração B, F... veio ainda a ser apreendida a arma descrita supra referida como sendo a usada pelo arguido Manuel nos factos até agora referidos.
57. No referido dia 13 de Dezembro de 2011, entre as 07h15m e as 08 h00, após busca domiciliária (devidamente ordenada) à residência do arguido Carlos e da companheira Sónia, sita na Rua B, F... foram encontrados e apreendidos os seguintes objectos pertença do arguido Carlos:
1. No armário da cozinha:
a) 100 (cem) munições de calibre.22 intactas, acondicionadas em duas caixas em cartão com os dizeres “Vostok Target”, melhor descritas no exame direto de fls. 830, o qual se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido.
58. Também nesse dia 13 de Dezembro de 2011, entre as 07h45m e as 09h30m, após busca domiciliária à residência do arguido Ricardo sita na Rua C..., D... – Viana do Castelo foram encontrados, os seguintes objectos pertença daquele:
1. Numa gaveta do móvel da sala:
a) – 1 (um) exemplar do “Jornal de Notícias”, com uma notícia relacionada com a morte de Manuel R..., melhor descrito no exame directo de fls. 842;
2. No quarto do arguido Ricardo e escondidas no interior de uma jarra colocada em cima da cómoda:
b) 93 (noventa e três) munições de calibre.22 intactas, por deflagrar, da marca “Vostok Target”, 50 numa caixa em papel e 43 numa outra, melhor descritas no exame directo a fls. 842 e 2527 que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido;
c) 11 (onze) munições de calibre 9 mm intactas, intactas, por deflagrar melhor descritas no exame directo a fls. 2527, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido;
d) 5 (cinco) cartuchos de calibre 12 intactos, intactas, por deflagrar, melhor descritas no exame directo a fls. 842 e 2527 que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido.
59. Ao actuarem da forma supra descrita, em conjugação de esforços e de intentos e com distribuição de tarefas, os arguidos Ana, Manuel, Carlos, Ricardo e Pedro quiseram apoderar-se dos objectos e dinheiro que o ofendido "Juca" trouxesse consigo no dia 19 de Setembro de 2011, como efectivamente sucedeu, e integrá-los no seu património, não obstante saberem que os mesmos lhes não pertenciam, nem a eles tinham direito, e que agiam contra a vontade do seu legítimo proprietário.
60. Quiseram, ainda, fazendo uso para o efeito das armas de fogo de que dispunham e que empunhavam, tirar a vida ao “Juca”, como efectivamente sucedeu, designadamente pelo tiro disparado pela espingarda caçadeira empunhada pelo arguido Manuel e desferido nas costas daquele.
61. Sabiam, ainda, que uma arma de fogo, designadamente uma caçadeira, e disparada a 1 metro ou metro e meio, era meio apto ou idóneo a tirar a vida a um ser humano.
62. Os arguidos persistiram nestes seus propósitos e vontade com total indiferença pela vida humAnae sem qualquer motivo atendível para o fazer, que não fosse apoderar-se das quantias e valores que o “Juca” tivesse consigo.
63. Mais sabiam os arguidos Ana, Manuel, Carlos e Pedro que, ao actuaram da forma supra descrita procuravam ocultar o cadáver do ofendido “Juca”, para que o mesmo não fosse descoberto, ou que, caso o mesmo fosse descoberto meses ou anos depois, os restos cadavéricos não fossem identificados.
64. Sabiam ainda os arguidos cujas munições e armas lhe foram apreendidas nos autos e melhor descritas supra que os mesmos não se encontravam habilitados a tê-las na sua posse, tendo os mesmos perfeito conhecimento da natureza e características das armas e munições em questão.
65. Todos os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente.
66. Mais sabiam os arguidos, com excepção do Domingos, serem todos os seus comportamentos proibidos e penalmente proibidos por lei penal.
b) Das condições pessoais dos arguidos
Do arguido Carlos
67. Durante a infância e pré-adolescência o arguido Carlos esteve exposto a um contexto de vida e a um modelo familiar desequilibrado, no qual foi alvo de comportamentos de negligência parental.
68. O seu agregado de origem era constituído pelos pais e seis irmãos, de frágeis recursos sócio-económicos, com uma dinâmica relacional e afectiva negativamente condicionada pela separação dos progenitores.
69. Tal dinâmica era ainda potenciada por comportamentos agressivos do pai e estilo de vida adoptado pela progenitora, associada à pratica da prostituição, o que acabou por originar a institucionalização das irmãs, a entrega de outros irmãos a familiares, tendo ele e o irmão mais velho ficado a cargo do pai, apesar das frequentes fugas para casa da mãe.
70. O pai trabalhou numa fábrica de peles e, posteriormente, exerceu a profissão de carpinteiro, e a mãe, posteriormente, passou a trabalhar como ajudante de cozinha num restaurante.
71. A trajectória escolar do arguido foi tipificada por elevado absentismo e por comportamentos desajustados, de indisciplina (agressividade, violência para com terceiros e pequenos furtos) quer no espaço familiar, quer no espaço escolar.
72. Concluiu o 6° ano de escolaridade.
73. Iniciou a sua vida profissional a trabalhar com o pai, e posteriormente, na companhia de outros jovens, foi trabalhar para Barcelona, como ferrageiro, onde permaneceu vários anos.
74. Regressou a Portugal em 2007, na sequência de um envolvimento afectivo com uma jovem portuguesa, com quem viveu em união de facto num apartamento por ele arrendado, que partilhavam com o pai e irmão dela, inactivos profissionalmente.
75. Nesta altura começa a registar embates com o sistema judicial.
76. Não obstante, a sua conduta e o estilo de vida dos últimos anos não se alteraram.
77. Da referida relação afectiva tem um filho, seu segundo filho (sendo o primeiro de uma anterior relação fortuita), com o qual não convive actualmente, por decisão do Tribunal.
78. Realizou trabalhos de curta duração na construção civil em Espanha, o que o levou a integrar o agregado da tia paterna, em D..., Viana do Castelo, por vantagem da proximidade da residência ao local da obra.
79. Em Abril de 2010 colectou-se nas Finanças como prestador de serviços na actividade de gestão de comunicações.
80. À data dos factos referidos na acusação o arguido vivia em união marital com Sónia Cristina, há cerca de dois anos, num imóvel pertença desta, na Rua B..., F..., Barcelos.
81. Subsistia dos montantes que auferia do seu trabalho de sucateiro, segundo refere, em média, 200€/semanais, e dos seus trabalhos como intermediário na compra e venda de automóveis usados (após ter conhecimento de um potencial comprador, procurava através da Internet e tentava mediar um negocio), e do vencimento da companheira de cerca de 500€, funcionaria na Cerâmica N....
82. Nos vários meios comunitários onde o arguido já se integrou a sua imagem social é negativa.
83. Deu entrada no Estabelecimento Prisional de Braga a 15 de Dezembro de 2011 à ordem do presente processo.
84. Algum tempo após a sua entrada em meio prisional, foi colocado a trabalhar na Biblioteca e frequentou um curso de pintura e dois de dança.
85. No entanto, desde que foi alvo de um registo disciplinar por uma infracção decorrida em Junho de 2012, punição que ainda tem de cumprir em cela disciplinar pelo período de oito dias, foi retirado do trabalho na Biblioteca e, recentemente, passou a trabalhar numa brigada de trabalho a coser aplicações em têxteis.
Do arguido Manuel
86. O processo de socialização de Manuel decorreu num contexto sócio-cultural humilde, de modestos recursos económicos, com sinais de privações.
87. Os pais faleceram precocemente, pelo que com catorze anos de idade passou a residir com uma tia materna, viúva, e com a prima, residentes na mesma freguesia.
88. A trajectória escolar do arguido foi tipificada pelo abandono após concluir a 4ª classe.
89. Com 16 anos de idade iniciou-se profissionalmente na área da construção civil, como ajudante de trolha e pintor, e posteriormente, foi electricista.
90. Casou-se com 21 anos.
91. Desta relação tem dois filhos, os quais lhes foram retirados judicialmente em consequência da situação de risco em que viviam.
92. Um dos filhos foi adoptado e o mais novo entregue à sua prima, enquanto família de acolhimento.
93. Após sete anos de matrimónio o casal separou-se, facto ocorrido há cerca de quatro anos.
94. Habitualmente desde a Páscoa e até finais de Setembro, período do ano com um maior número de Festas Populares e Romarias, trabalhou como ajudante em equipamentos de diversão ¬carrosséis.
95. Manteve esta actividade durante vários anos, o que o levava a ausentar-se da freguesia durante longos períodos de tempo, situação que muito agradava à comunidade residencial, em virtude de ser negativamente referenciado por suspeita da autoria de furtos na região.
96. Em Abril de 2010, pelas Festas das Cruzes, em Barcelos, conheceu a actual companheira, Ana, então empregada num restaurante, e em Setembro passaram a viver em união marital, inicialmente em casa do filho da companheira, Carlos, e posteriormente, com a ajuda e orientação da mulher de Carlos, pessoa bem referenciada na freguesia, arrendaram uma casa, ultima residência do arguido em meio livre, a qual partilharam com a filha mais nova de Ana.
97. À data dos factos integrava o agregado familiar com a actual companheira e com a filha desta, mantendo um convívio esporádico com o filho de Ana, o arguido Carlos.
98. Residiam em zona semi-rural, numa casa geminada, com boas condições de habitabilidade e salubridade.
99. Manuel vivia um período de inactividade profissional.
100. Com a companheira entretanto desempregada, a subsistência do agregado era assegurada pelas verbas que auferia em trabalhos pontuais que realizava fora da sua freguesia e de pequenos apoios monetários que o filho da companheira entregava.
101. No meio social de residência é comentada a sua personalidade desregrada, sem hábitos de trabalho e sobre o qual havia a suspeita da autoria de alguns furtos ocorridos na região.
102. O arguido deu entrada no Estabelecimento Prisional de Braga a 15 de Dezembro de 2011.
103. Entrou preventivamente à ordem do presente processo, mas no dia 4 de Abril de 2012, foi o arguido desligado do mesmo e colocado à ordem de processo do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viana do Castelo para cumprimento de uma pena de 10 meses de prisão cujo termo ocorrerá a 4 de Fevereiro de 2013.
Do arguido Ricardo
104. O arguido Ricardo nasceu e cresceu no seio de um agregado de modesta condição económica, sendo o pai trabalhador sazonal (agricultura) na Bélgica e a mãe auxiliar num lar de idosos.
105. A dinâmica familiar foi desde a sua infância fortemente prejudicada pelas dificuldades de relacionamento entre os pais, indutor de frequentes conflitos, que culminaram na separação de ambos quando o arguido tinha cerca de 7 anos.
106. Passou, então, a viver com a mãe e irmã em D..., local onde passou a fixar residência e deu continuidade à frequência do sistema de ensino.
107. Protagonizou uma adaptação ao contexto escolar dentro de padrões avaliados como normais ao nível da interacção com os vários intervenientes na comunidade escolar, embora com algum desinteresse associado, que se repercutiu no registo de algumas retenções.
108. Completou o 9° ano, pela frequência do curso profissional de práticas administrativas, tendo aos 17 anos optado por abandonar o sistema de ensino.
109. Desde os 12 anos que mantinha actividade laboral nos períodos de férias escolares, trabalhando para uma família de feirantes especializada no comércio de produtos alimentares (cachorros, pipocas, farturas).
110. Após o abandono escolar, passou a exercer esta actividade em exclusividade, a qual ainda vai mantendo no presente com a realização de trabalhos ocasionais.
111. Desde a sua infância, elegeu como prática desportiva o futebol, integrando desde os 10 anos um clube local (Associação Desportiva D...), onde se manteve até à actualidade, constituindo esta modalidade especial relevo no seu processo de crescimento e na ocupação dos seus tempos livres.
112. Recentemente, passou a trabalhar num Bar, em Viana do Castelo, inicialmente como empregado de balcão e depois como gerente.
113. Manteve esta actividade durante cerca de 6 meses, até ser preso.
114. No Verão de 2011, manteve relacionamento afectivo, tendo nesta altura a namorada passado a residir na sua habitação.
115. Não obstante a curta duração da relação, desta resultou o nascimento de uma filha, estando actualmente a decorrer o processo de averiguação da paternidade.
116. À data dos factos, Ricardo integrava o agregado constituído pela mãe, uma prima, descendentes desta (menores) e um primo.
117. Encontrava-se laboralmente activo enquanto gerente de um bar pertencente a uma amiga, actividade que se centrava essencialmente aos fins-de-semana, auferindo cerca de 25€ por cada noite de trabalho.
118. Acrescia a esta actividade a venda de cachorros nas feiras locais consideradas mais importantes.
119. Apesar de ter vários dias de inactividade, apresenta como rendimento o montante médio mensal cerca de 200€, com o qual colmatava as suas necessidades pessoais.
120. A mãe exercia actividade de cozinheira, auferindo como vencimento mensal cerca de 700€, com o qual supria as necessidades do agregado. Durante o curto período de permanência naquela habitação, o primo também auxiliava nas despesas do agregado, embora sem especificar qualquer montante.
121. O seu quotidiano circunscrevia-se à sua actividade laboral, maioritariamente ao fim-de-semana, à prática desportiva no clube local, bem como ao convívio com o grupo de pares e familiares, designadamente com um primo e co-arguido no presente processo.
122. A aplicação, nestes autos, da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, determinou que o arguido permaneça confinado ao espaço habitacional, cumprindo as injunções a que está obrigado, mantendo a coabitação com a mãe e um tio materno, em habitação arrendada, numa dinâmica relacional aparentemente equilibrada e aí realizando alguns trabalhos de artesanato (tapetes).
123. No meio comunitário, o arguido é positivamente referenciado, com referências de integração adequada, não sendo conhecidos obstáculos à sua permanência na comunidade.
Da arguida Ana
124. O processo de maturação psicossocial de Ana foi perturbado pelas deficitárias condições sócio-económicas e culturais do agregado de origem, constituído pela mãe e avós matemos, dada a demissão do pai dos seus deveres parentais.
125. Cresceu em meio social rural e apesar de ter frequentado o ensino até aos 14 anos de idade, não concluiu a escolaridade obrigatória.
126. A arguida preferiu privilegiar a colaboração no exercício profissional de venda de pão e de tarefas agrícolas a que a família se dedicava.
127. Ana iniciou relação marital durante a adolescência, ausentando-se de casa à revelia da família, situação que entretanto foi formalizada pelo matrimónio, tendo desta relação nascido seis filhos.
128. A disfuncionalidade conjugal determinou a institucionalização das filhas e entrega de outros filhos a familiares, por determinação judicial.
129. Os menores revelaram dificuldades de adaptação aos contextos substitutivos de acolhimento, com registos de fugas e uma vivência de rua, sendo a arguida permissiva e negligente na decisão de procurar inverter estes percursos, sempre que tinha conhecimento das ausências/fugas ou de comportamentos transgressivos que os mesmos cometiam
130. Assim, após ter abandonado a casa de morada de família, estabeleceu relação marital com José Pereira, com quem viveu aproximadamente 12 anos.
131. O casal fixou residência num apartamento, localizado no Bairro da Misericórdia em Barcelos, beneficiando de apoio à renda atribuído pela Câmara Municipal de Barcelos.
132. A dinâmica familiar era condicionada pelo alcoolismo do companheiro e ausência de hábitos de trabalho regulares deste, segundo refere, subsistindo essencialmente o casal de prestações sociais e do exercício profissional de Ana como ajudante de cozinha no Restaurante A..., em Barcelos que manteve até mudança de gerência deste estabelecimento, passando a uma situação de desemprego prolongado.
133. Ana estabeleceu há cerca de dois anos novo relacionamento afectivo com Manuel , com quem passou a coabitar.
134. No período a que se reportam os factos pelos quais está acusada nos presentes autos, Ana residia com Manuel e uma filha menor.
135. A imagem social da arguida, extensiva ao companheiro e filhos, está negativamente associada à inactividade laboral, bem como à prática de comportamentos desviantes, designadamente comportamentos relacionados com a prostituição.
136. Ana deu entrada no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo em 15.12.2011 à ordem deste processo.
137. Em meio prisional a arguida tem beneficiado de acompanhamento clínico, em clínica geral, com ocupação laboral e um registo de adaptação às regras instituídas.
Do arguido Pedro
138. O arguido nasceu e cresceu no seio de um agregado numeroso de modesta condição económica, sendo o pai jornaleiro e a mãe guarda-soleira, actividade que exercia em feiras locais.
139. A dinâmica familiar foi desde a sua infância prejudicada pelos problemas de alcoolismo do pai, indutor de frequentes conflitos e de uma conduta de agressividade direccionada essencialmente à figura materna.
140. Este cenário conduziu à separação do casal durante a adolescência do arguido (15/16 anos), tendo, com o apoio dos serviços de segurança social, passado a residir numa freguesia vizinha, juntamente com a mãe e demais irmãos.
141. Após algumas alterações de residência, o agregado materno fixou-se na actual habitação há cerca de seis anos.
142. A sua escolarização iniciou-se em idade normal, tendo sido condicionada pela precariedade económica e pela necessidade de auxiliar os pais nas feiras ou nos trabalhos do campo, condicionalismos que levaram o arguido abandonar o sistema de ensino após a conclusão do 6° ano de escolaridade, aos 15 anos.
143. Com o abandono do sistema de ensino, iniciou actividade laboral na limpeza de poços e minas, actividade que manteve durante cerca de dois anos.
144. Aos 18 anos passa a trabalhar em França, junto de familiares emigrados naquele país, na construção civil, onde permaneceu cerca de quatro anos.
145. A partir desta altura, o seu percurso profissional revelou-se diversificado, com sucessivos regressos a Portugal e deslocações para Espanha, onde trabalhou em diferentes ramos, designadamente na construção civil e em discotecas.
146. Em 2009 encetou união de facto com a actual companheira, existindo desta união um descendente recém-nascido.
147. No início do relacionamento, passou a residir em D..., Viana do Castelo, com a companheira e familiares desta. No entanto, por incompatibilidades com estes familiares, passou algum tempo depois a integrar o agregado da mãe da companheira em F..., Barcelos.
148. À data dos factos constantes da acusação, Pedro integrava o agregado familiar da mãe da companheira, co-arguida no presente processo, juntamente com a sua companheira.
149. Em termos económicos, os rendimentos provinham dos trabalhos que realizava com um "cunhado" na recolha e venda de sucata, conseguindo obter cerca de 10/20€, num dia de trabalho.
150. A companheira encontrava-se desempregada, vivendo o casal apenas com o dinheiro obtido com a sucata, com o qual referem conseguir contribuir com géneros alimentares para o sustento do agregado.
151. No actual meio de residência, Pedro não estabelece relações de vizinhança significativas, beneficiando de uma imagem social integradora e sem indicadores de rejeição quanto à sua presença no meio.
152. Cumpre com rigor as obrigações inerentes à actual medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica.
153. Passou a residir na actual habitação após a ocorrência dos factos pelos quais se encontra indiciado.
154. Com a sua permanência no espaço habitacional, dedica-se à realização de trabalhos nos campos de cultivo pertencentes à habitação, criação de animais e outras tarefas relacionadas com a organização doméstica, sendo considerado pela mãe como um elemento fundamental no agregado, pela sua capacidade de trabalho.
155. Após o nascimento do filho do casal, este beneficiou recentemente da atribuição de parte do montante relativo à protecção social da parentalidade, num total de cerca de 220€.
156. O arguido é referenciado como uma pessoa cordial, não sendo perceptível qualquer sentimento de rejeição face ao mesmo.
Do arguido Domingos
157. Domingos pertence a uma estrutura familiar (pais e oito descendentes) que se desagregou com a morte (suicídio) da mãe.
158. A mãe terá sido vitima de violência doméstica, sendo o pai uma pessoa severa e maltratante.
159. O pai não assumiu as suas responsabilidades parentais, permitindo que os filhos dispersassem, sendo acolhidos por diferentes famílias, ligadas ao mundo rural para as quais passaram a trabalhar.
160. À semelhança dos irmãos e apenas com oito anos de idade, o arguido foi acolhido por um casal que garantia a sua sobrevivência a troco das tarefas que ele passou a desenvolver, designadamente na pastorícia. Permaneceu junto dessa família até à altura em que fugiu para junto de uma sua tia, residente em Santarém, com a qual ficou até aos 18 anos de idade.
161. Entretanto, esteve a residir com uma irmã, em Torres Vedras.
162. Domingos constituiu família aos 22 anos de idade.
163. Deste casamento nasceram os seus três filhos mais velhos, dois dos quais já serão de maioridade.
164. No período em que esteve casado (cerca de 12 anos) o arguido permaneceu cerca de seis anos em casa dos sogros o que lhe permitiu obter as condições económicas necessárias para construir casa.
165. Divorciou-se, entretanto.
166. Refez, entretanto, a sua vida afectiva, mantendo uma união de facto por cerca de nove anos.
167. Foi no decurso da relação com essa companheira que se deslocou para o Minho, onde viviam já alguns dos seus familiares (nomeadamente o agregado de origem dos co-arguidos).
168. Não teve filhos desta união.
169. É analfabeto.
170. Ao nível laboral e a partir dos 22 anos de idade arguido refere ter estado vinculado 16 anos a uma empresa de produtos químicos, sedeada, em Alcanena, da qual saiu quando veio para o Distrito de Viana do Castelo.
171. À data dos factos o arguido vivia com a actual companheira, desempregada.
172. Desta união existem dois filhos (respectivamente, com 2 anos e o mais novo apenas com 4 meses de vida).
173. Desde há cerca de oito anos que o arguido tem trabalhado para a empresa "Z... Construções Unipessoal Lda", sedeada em C... - Barcelos, com a categoria de trolha de 2a.
174. Nestes últimos tempos tem estado a laborar na Alemanha.
175. O arguido aufere em média 1.400€.
176. Contudo, grande parte do seu vencimento está penhorado, uma vez que tem obrigações relativamente ao pagamento de alimentos (em atraso e os actuais devidos aos filhos do primeiro casamento, bem como a um crédito contraído pela e companheira, do qual ele terá sido fiador).
177. O agregado recebe subsídio pelos dois menores (actualmente no valor de 900).
178. O apoio económico dos pais da companheira tem constituído um factor de protecção fundamental para minorar as dificuldades económicas do agregado.
179. Domingos não se identifica com um grupo de pares específico, valorizando o tempo em que está em família, sobretudo desde que passou a trabalhar na Alemanha.
180. Por norma, não é frequentador dos cafés locais, ou outros e quando sai vai acompanhado do sogro.
181. A dinâmica intra-familiar é funcional, com reconhecimento da vinculação afectiva e atitude protectora do arguido para com a companheira e os filhos.
c) Das características de personalidade / psicológicas
Da arguida Ana
182. O percurso de vida da arguida é marcado pela instabilidade a vários níveis, por lacunas na interiorização e valorização de normas e valores sociais e éticos e pela ausência de um rede familiar e social de suporte pró-social.
183. Apresenta um nível cognitivo mediano, que lhe permite a compreensão das situações sociais, da convencionalidade de determinados comportamentos e da censurabilidade de outros, bem como competências a nível de planeamento, que lhe possibilitam tomar decisões e escolher alternativas.
184. Não apresenta indicadores de um estilo de funcionamento impulsivo.
185. Possui uma orientação instrumental, de acordo com os benefícios e objectivos que pretende atingir, não considerando, em algumas situações, o "dever ser" e os direitos de terceiros.
186. Apesar de dispor de capacidade crítica, assume uma atitude de desculpabilização e atribuição externa da responsabilidade, mesmo relativamente a acontecimentos da sua vida e a comportamentos por si assumidos, procurando projectar uma imagem de fragilidade e vitimização, que lhe são favoráveis a nível de aceitação e desresponsabilização.
187. Revela pouco interesse e desinvestimento nas relações interpessoais, no geral e em particular relativamente aos filhos, tendendo a mostrar-se reservada e distante.
188. Apesar de denotar desejabilidade social, demonstra pouca capacidade de experienciar emoções e afectos positivos e de forma intensa e profunda, mostrando lacunas sobretudo no que concerne à empatia, à capacidade de centrar-se nos sentimentos, pensamentos e direitos de terceiros.
189. Assim, o modo de funcionamento psicológico da arguida e o seu estilo de vida contribuem para uma significativa vulnerabilidade e dependência social e afectiva, constituindo factores de risco com potencial criminógeno, que pode ser mais expressivo em contextos da mesma natureza dos factos constantes da acusação.
Do arguido Carlos
190. A vivência do arguido pautou-se por um clima de conflitualidade e desorganização familiar (dinâmica familiar marcada pelo alcoolismo e autoritarismo paterno, bem como exposição à violência interparental e permissividade e negligência materna), quer durante o vigência do casamento dos progenitores, quer após a separação destes, o que contribuiu para um processo desenvolvimental do arguido, no qual foram negligenciadas as suas necessidades emocionais básicas, nomeadamente, de vinculação e segurança, conforto e afecto.
191. A dinâmica relacional familiar e a ausência de modelos pro-sociais contribuíram para a apropriação, pelo arguido, de um conjunto de valores sociais e relacionais pouco estruturante, solto de responsabilidade e de regras e com lacunas na percepção de limites psicossociais para o seu comportamento, dado que as várias e sucessivas condenações não tiveram impacto em termos de alteração dos seus comportamentos, antes atribuindo a terceiros a responsabilidade na determinação do seu percurso de vida, dos seus comportamentos e escolhas.
192 A par do referido, a sua estrutura de personalidade revela acentuadas dificuldades na gestão das emoções negativas o que o torna bastante vulnerável à exposição dos modelos antissociais dos familiares e das pessoas mais próximas.
193. Carlos possui uma boa capacidade cognitiva, contudo, nesta área, é traído, na análise das situações, pela estruturação emocional caótica e pela incapacidade de adiar a gratificação.
194. Nesta sequência, a sua instabilidade afectiva e a insuficiente modelação cognitiva. traduzem-se numa forte impulsividade que reduz e, por vezes, anula. a sua capacidade de se focalizar com objectividade na realidade e de a percepcionar de uma forma positiva e gratificante.
195. Do acima referido resulta que Carlos possui uma estrutura de personalidade emocionalmente vulnerável, cuja sedimentação se processou em contextos anormativos, desorganizados e impulsivos, que influenciam a sua capacidade para diferir os impulsos e adiar a gratificação, o que, consequentemente, poderá provocar situações de descontrolo e desregulação da sua conduta com consequências pouco previsíveis.
d) Dos antecedentes criminais
196. Não são conhecidos antecedentes criminais aos arguidos Ana e Domingos.
197. O arguido Ricardo tem averbada uma condenação, já transitada em julgado, pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, com pena de multa.
198. O arguido Manuel foi condenado, por sentença proferida em 07/02/2008 e transitada em julgado em 04/03/2008, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 80 dias de multa;
199. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 28/02/2008 e transitada em julgado em 19/03/2008, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 80 dias de multa;
200. Foi, também, condenado, por sentença proferida em 03/06/2008 e transitada em julgado em 03/06/2008, pela prática de um crime de desobediência p. e p. pelo artº. 348º do CP, na pena de 120 dias de multa;
201. Foi condenado, por sentença proferida em 30/10/2008 e transitada em julgado em 19/11/2008, pela prática de 3 crimes de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena única de 160 dias de multa;
202. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 27/10/2009 e transitada em julgado em 16/11/2009, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano;
203. Foi igualmente condenado, por sentença proferida em 20/10/2009 e transitada em julgado em 19/11/2009, pela prática de 1 crime de furto qualificado p. e p. pelo artº. 204º do CP, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
204. Foi, também, condenado, por sentença proferida em 23/03/2011 e transitada em julgado em 02/05/2011, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, em pena de prisão por dias livres, fixada em 36 períodos;
205. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 06/07/2011 e transitada em julgado em 26/01/2012, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, em pena de prisão por dias livres, fixada em 60 períodos;
206. O arguido Carlos foi condenado, por sentença proferida em 26/10/2009 e transitada em julgado em 25/11/2009, pela prática de 3 crimes de furto qualificado (1 na forma tentada) p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 2, al. e), do CP, na pena única de prisão de 3 anos e 6 meses, suspensa na sua execução por igual período;
207. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 03/06/2009 e transitada em julgado em 21/09/2010, pela prática de 1 crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 2, al. e), do CP, na pena de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
208. Foi, também, condenado, por sentença proferida em 05/11/2009 e transitada em julgado em 07/12/2010, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artº. 210º do CP, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
209. Foi, igualmente, condenado, por sentença proferida em 10/11/2009 e transitada em julgado em 07/12/2009, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 2, al. e), do CP, e de um crime de burla informática, p. e p. pelo artº. 221º do CP, nas penas de 2 anos e 1 mês de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e de 100 dias de multa, respectivamente;
210. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 05/03/2010 e transitada em julgado em 13/04/2010, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 2, al. e), do CP, e de um crime de desobediência, p. e p. pelo artº. 348º do CP, nas penas de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e de 40 dias de multa, respectivamente;
211. Foi, também, condenado, por sentença proferida em 22/03/2010 e transitada em julgado em 20/04/2010, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 2, al. e), do CP, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
212. Foi condenado, por sentença proferida em 10/12/2010 e transitada em julgado em 24/01/2011, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº. 143º do CP, na pena de 110 dias de multa;
213. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 30/05/2011 e transitada em julgado em 20/06/2011, pela prática de 2 crimes de falsificação de documento, 1 na forma tentada, e de 1 crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelos artºs. 256º e 261º, do CP, respectivamente, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
214. Foi, finalmente, condenado, por sentença proferida em 17/06/2011 e transitada em julgado em 28/11/2011, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artºs. 203º e 204º do CP, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
215. O arguido Pedro foi condenado, por sentença proferida em 05/07/2010 e transitada em julgado em 26/07/2010, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 55 dias de multa;
216. Foi, também, condenado, por sentença proferida em 08/11/2010 e transitada em julgado em 09/12/2010, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 70 dias de multa.
e) Do Pedido Civil
217. Manuel R... nasceu em 21/11/1942.
218. O falecido Manuel R... era, à data do seu decesso, casado com Maria Elvira S..., no regime da comunhão geral de bens, há cerca de 45 anos.
219. Na constância deste matrimónio nasceram Georgina V...e Paulo R....
220. O Paulo R... faleceu em 12/04/1992.
221. Flávio R... é filho do falecido Paulo R....
222. À data da sua morte o “Juca” gozava de boa saúde.
223. Era uma pessoa alegre, dinâmica, bem disposta, fisicamente robusta e destemida.
224. Normalmente estimada e conceituada socialmente.
225. Nos momentos que precederam a sua morte o “Juca” teve consciência do perigo que a sua vida corria, o que lhe causou aflição.
226. Com a morte do Manuel R... a sua esposa, filha e neto sofreram um enorme desgosto.
227. À data da sua morte o “Juca” auferia uma reforma mensal de 322,45 Euros.
228. O “Juca” e a Elvira eram proprietários de estabelecimento comercial conhecido como “C... Juca”, o qual exploraram até Julho de 2011.
229. Dali retiravam um rendimento mensal médio de cerca de 1000 Euros.
230. Eram proprietários de 3 veículos automóveis.
231. A esposa do “Juca” auferia, à data da morte deste, uma reforma mensal de 322,45 Euros.
II - Factos não Provados
a) Da acusação
232. Que a arguida Ana e o “Juca” se tenham passado a relacionar sexualmente desde o início de Agosto.
233. Que entre ambos existisse, durante o mês de Agosto, um relacionamento amoroso.
234. Que antes de 19 de Setembro de 2011 o já referido descampado tivesse sido usado pela Ana e pelo “Juca” para manterem entre si relações sexuais.
235. Que o “Juca” fosse habitualmente portador de óculos dourados da marca “Cartier” no valor de € 5.000 (cinco mil euros).
236. Que os arguidos Carlos, Manuel e Ricardo tivessem usado gorros em 19 de Setembro de 2011.
237. Que o “Juca” tivesse estacionado o seu veículo automóvel com a frente para a saída do carreiro e que tivesse aberto a mala do seu veículo automóvel.
238. Que, encontrando-se então, na ocasião, a cerca de 5/7 metros dos arguidos, o “Juca” se tenha dirigido na direcção daqueles perguntando-lhes se ele lhes tinha feito algum mal.
239. Que o “Juca” se tenha virado de costas em direcção ao seu carro.
240. Que os arguidos Ana, Manuel, Carlos, Ricardo e Pedro quisessem apenas apoderar-se dos objectos e dinheiro que o ofendido "Juca" trouxesse consigo e integrá-los no seu património, fazendo uso para o efeito, se necessário, da sua superioridade física e das armas de fogo de que dispunham e que empunhavam, conformando-se com o facto (caso surgissem obstáculos ou dificuldades na execução do roubo planeado e/ou fuga posterior do local) das mesmas virem a ser utilizadas.
241. Que soubessem que apenas logravam concretizar aquele seu desígnio mediante o uso da força e ameaça das armas de fogo acima referidas.
242. Que o Domingos tenha acompanhado os arguidos no momento em que estes procederam à venda do ouro.
243. Que o Domingos tenha, por qualquer forma, planeado e/ou comungado esforços ou sequer prestado auxilio aos demais arguidos no transporte do corpo do “Juca” até Viana do Castelo e subsequente depósito na supra-referida lagoa.
b) Do pedido civil
244. Que o agregado familiar do falecido fosse unido e harmonioso, designadamente que o “Juca” e a sua esposa vivessem em função um do outro.
245. Que a Elvira tenha perdido a alegria de viver e a felicidade que lhe eram habituais.
246. Que tenha passado a viver em constante saudade, tristeza, choro e depressão, sentindo-se só, desamparada e triste.
247. Que a vida da Elvira se tenha alterado e que padeça ainda de dores, sofrimento, angústia, revolta e desespero.
248. Que o “Juca” desse todo o apoio à sua filha e ao seu neto, acompanhando-os em todos os momentos da sua vida familiar e profissional.
249. Que fosse um conselheiro da sua filha e do seu neto em muitos dos seus assuntos pessoais.
250. Que a filha e o neto convivessem diariamente com o “Juca” e assim mantivessem uma forte relação de afecto, dedicação e estima, dedicando-lhe profundo respeito, veneração e carinho.
251. Que aqueles ainda sofram dor, desgosto, angústia e revolta.
252. Que qualquer um dos demandantes ainda sinta revolta pela forma como o cadáver do “Juca” foi tratado pelos arguidos, designadamente pela sua ocultação.
253. Que o “Juca” fosse o sustento do agregado familiar.
254. Que gastasse consigo, mensalmente, apenas cerca de 500 Euros.
255. Que a Elvira tenha sofrido, com a morte do “Juca”, um prejuízo mensal de cerca de 1000 Euros
B – Da Motivação / Convicção
Para a formação da convicção do Tribunal, relativamente aos factos supra, foram objecto de apreciação critica os seguintes meios de prova:
- declarações dos arguidos, com excepção do Manuel, que decidiu remeter-se ao silêncio;
- declarações da assistente Georgina;
- depoimentos das testemunhas Henrique P..., Milton T..., Sara A..., José P..., Manuel V..., António A..., Ângela F..., Sara M..., Luísa V..., Armando S..., José M..., Eva P... e Aristides, relativamente à matéria do libelo acusatório;
- depoimentos das testemunhas Manuel, Albino e António relativamente ao pedido civil;
- depoimentos das testemunhas Tânia, Margarida, Rute, Manuel, Marlene, Daniel S..., Henrique P... e Emília, para a defesa dos arguidos Ana, Ricardo, Carlos e Manuel;
- as testemunhas Sónia C..., Armanda, Armando B..., Paula C..., Maria E..., Andreia C..., Cecília S..., Daniela e Carlos recusaram-se validamente a depor, como consta da acta de audiência;
- relatório de exame pericial de fls. 64 a 86 (exame ao local onde foi encontrado o cadáver do falecido);
- relatório de exame pericial de fls. 140 a 151 (observações e fotografias realizadas durante a autópsia do falecido);
- relatório de exame pericial de fls. 340 a 355 (exame, observações, fotografias e recolhas de vestígios realizados ao veículo da marca Mercedes, matrícula 28-86-...);
- relatório de autópsia médico-legal de fls. 673 a 684.
- relatório de exame pericial de fls. 942 a 951 (exame, observações, fotografias e recolhas de vestígios realizados aos veículos automóveis ali identificados, designadamente, o 68-59-...).
- print do bilhete de identidade do falecido Manuel R..., de fls. 7;
- auto de reconhecimento de cadáver de fls. 8 a 12;
- auto de busca e apreensão (residência do ofendido) de fls. 52 a 54;
- auto de busca e apreensão na residência dos arguidos Ana e Manuel (v. fls. 818 a 820 e 1330 a 1333);
- auto de apreensão do veiculo automóvel, matricula 68-59-... de fls. 824;
- auto de busca e apreensão na residência do arguido Carlos, de fls. 827 e 828.
- auto de busca e apreensão na residência do arguido Ricardo de fls. 837 e 838; reportagem fotográfica associada a esta busca de fls. 839 a 841 e auto de exame directo dos objectos apreendidos de fls. 842.
- auto de busca e apreensão ao espaço comercial de Armando S... de fls. 863 a 865.
- auto de apreensão de telemóveis de fls. 877 (Carlos), 886 (Manuel),
- foto de fls. 907.
- auto de apreensão de fls. 914;
- autos de reconhecimento de locais de fls. 953 a 959 e 960 a 962 com reportagem fotográfica de fls. 964 a 969 e respectivos cd´s;
- relatório de exame pericial de fls. 1378 a 1380 e 1474 (arma utilizada pelo Manuel no dia 19 de Setembro de 2011).
- certificados de registo criminal dos arguidos de fls. 2732 a 2765.
- documentos concernentes ao relógio de fls. 2372.
- exame de uma arma de ar comprimido, de fls. 2470 a 2473.
- autos de reconhecimento pessoal de fls. 2443 e 2444, 2448, 2449, 2456 a 2457 e 2465.
- auto de reconstituição do facto de fls. 2519 a 2523.
- facturações detalhadas e detalhes de tráfego, informações sobre titularidade de telemóveis/IMEI`S e demais informações sobre localizações celulares remetidas aos autos pelas operadoras moveis nacionais.
- listagem das comunicações efectuadas e recebidas com o cartão de acesso de telecomunicações móveis n.º 93 5844... associado ao IMEI 354 177 039 771 … (número de telemóvel utilizado pela arguida Ana), do Apenso 3;
- autos de transcrição referente a intercepções determinadas por despachos judicialmente proferidos no âmbito do inquérito respeitantes, designadamente, a conversações mantidas entre os arguidos destes autos e entre aqueles e as testemunhas destes autos, José M..., Andreia C..., Armanda C..., Daniela C..., Sónia C..., Aristides A..., Maria E... e Armando S... (v. fls. 2 a 130 do apenso 6);
- 75 (setenta e cinco) fotografias do Apenso 7;
- relatórios sociais respeitantes a cada um dos arguidos e elaborados pela DGRS;
- relatórios de perícia a personalidade elaborados pela DGRS relativamente aos arguidos Ana e Carlos ;
- escritura de habilitação de herdeiros.
A arguida Ana, em sede de declarações, afirmou não conhecer o “Juca” antes dos factos ocorridos, dizendo que os contactos telefónicos havidos entre o número de telefone daquele e o seu próprio número (constante dos autos e por ela confirmado) eram entre o referido “Juca” e a sua filha menor, não sabendo precisar o género de conversas que aqueles mantinham. Porém, apesar de não o conhecer, sabia que ele transportava consigo ouro e, assim, surgiu a ideia de o roubar, ideia essa comum a todos os arguidos, com excepção do Domingos. Para o efeito, combinou com o dito “Juca” um encontro de cariz sexual, através do telefone e em 18/09, em local conhecido de ambos. O plano concretizou-se em 19/09; assim, os arguidos, com excepção do Domingos, deslocaram-se todos na mesma viatura para o local previamente combinado e, ali chegados, esconderam o veículo, o Pedro ficou de vigia no principio do caminho em terra batida que conduzia ao interior da bouça, mas escondido, a arguida ficou a meio caminho, visível, portanto, para quem, como o “Juca” ali chegasse, e os arguidos Ricardo, Manuel e Carlos subiram um pouco mais e esconderam-se entre o arvoredo. Estes arguidos transportavam armas de fogo, 2 caçadeiras e 1 pistola. Quando o “Juca” ali chegou subiu o dito caminho, passando pela arguida, e estacionou o veículo automóvel. Tendo saído do veículo automóvel, o “Juca” foi rodeado pelos arguidos Manuel, Ricardo e Carlos, que empunhavam as armas de fogo e lhe exigiram os valores, sendo que o Carlos e o Ricardo tinham a cara tapada; neste ínterim a arguida aproximou-se do grupo assim formado. Quando se encontrava a cerca de 3 metros do dito grupo verificou-se um disparo, desferido pelo Manuel nas costas do “Juca” e quando eles distavam cerca de 1,5 metros um do outro. Assim que o “Juca” caiu ao chão os arguidos Ricardo e Carlos fugiram do local e a arguida e o Manuel retiraram os bens e pertences do corpo do “Juca”, sendo que a arguida apenas o fez por sentir medo, por ameaçada, do arguido Manuel. Abandonaram o local, encontrando-se todos junto do veículo, e deslocaram-se para a sua residência, onde alguns almoçaram e outros não, sendo que o ouro retirado ao “Juca” foi nesse [dia] vendido pelos arguidos Ricardo, Pedro, Carlos e Manuel, depois de amassado, e o produto da venda foi distribuído entre eles de forma igual. Negou qualquer participação na ocultação do cadáver do “Juca” e afirmou que todas as armas e munições encontradas na sua residência eram pertença do Manuel.
Já o arguido Carlos declarou que em 19/09 foi a Viana do Castelo buscar os arguidos Domingos e Ricardo, para efectuarem umas obras na sua casa, e que pelas 11,45 horas a sua mãe lhe telefonou a dizer-lhe para ir a casa dela e levar uma caçadeira e um pistola, sendo que as armas eram para dar um susto a um homem. Quando chegaram a casa da Ana combinaram, então, o assalto. Foram para o local e o arguido Pedro ficou de vigia, a arguida Ana a meio do caminho e ele, o Ricardo e o Manuel, empunhando armas de fogo, esconderam-se entre o arvoredo. Disse, ainda, que a sua arma e a do Ricardo não tinham munições e que eles estavam com a cara tapada. Quando o “Juca” chegou e imobilizou o seu veículo automóvel os arguidos, empunhando as armas de fogo, saíram do local onde se haviam escondido e rodearam aquele, exigindo os seus valores. Subitamente, quando a Ana estava a chegar junto do grupo, o arguido Manuel, a cerca de 1 metro, desferiu um tiro nas costas do “Juca”. O declarante fugiu do local conjuntamente com o Ricardo. Um pouco mais tarde juntaram-se-lhe a Ana e o Manuel e foram todos para casa daquela. Não mais discutiram o assunto. Ainda nesse dia, depois de amassarem o ouro, foram vendê-lo pelo montante de 1800 Euros, que foi distribuído entre o declarante, o Manuel, o Pedro e o Ricardo. Dois dias depois retiraram o corpo do “Juca” do local onde ficou e transportaram-no para o local onde veio a ser encontrado. O arguido Domingos terá apenas ajudado a levantar a rede de vedação do local onde depositaram o corpo. Confirmou, por fim, o teor de fls. 960 e ss. e 2519 e ss.
O arguido Ricardo produziu declarações em tudo similares às do arguido Carlos, com excepção da participação no transporte e ocultação de cadáver.
O arguido Domingos declarou que apenas soube do sucedido no dia 19 à noite e pela boca do Carlos, não tendo tido qualquer participação na venda do ouro ou no transporte do corpo. Relativamente a este transporte disse que foi surpreendido pelos arguidos Manuel, Carlos e Pedro e que não teve qualquer hipótese de fuga. Disse, ainda, que no dia 19 de manhã o arguido Manuel apareceu na casa do Carlos, onde se encontrava o Domingos e o Ricardo, tendo saído aqueles 3.
O arguido Pedro declarou que no dia 19, pelas 10,30 horas, o arguido Manuel lhe comunicou que iam fazer um assalto. Não sabia a quem ou onde mas foi. No local ficou de vigia, junto da estrada e do veículo no qual se fizeram transportar, que esconderam, e os arguidos Ricardo, Manuel, Carlos e Ana subiram em direcção ao interior da bouça. Viu que os arguidos Manuel, Carlos e Ricardo empunhavam armas de fogo mas não sabia se as mesmas estavam municiadas. Não tendo presenciado os factos ouviu, porém, um tiro. Logo de seguida os arguidos Carlos e Ricardo aparecem a correr e entram no veículo automóvel. Após chegam a Ana e o Manuel. Foram para casa da Ana e do Manuel, ali amassaram o ouro e o Carlos fez alguns contactos para a venda do mesmo. Procederam à venda do ouro nesse mesmo dia, já de noite, pelo montante de 1800 Euros, que dividiram entre eles, cabendo cerca de 450 Euros a cada um dos arguidos Carlos, Manuel, Ricardo e Pedro. Removeram, dois dias depois, o corpo do falecido para o local onde veio a ser encontrado, com o intuito de o esconderem, tendo participado o declarante, o Manuel e o Carlos. Referiu que o arguido Domingos não teve qualquer participação nos factos e confirmou fls. 953 e ss.
A assistente Georgina, filha do falecido, não presenciou quaisquer factos, dizendo que o seu pai era comerciante e que invariavelmente usava vários objectos em ouro e outros valores, designadamente relógio, anéis e dinheiro. Disse, ainda, que na data dos factos o seu pai e a sua mãe estavam separados por causa de problemas com mulheres.
No que tange à prova testemunhal produzida temos que Henrique P..., inspector-chefe da PJ, afirmou que a investigação se baseou em escutas telefónicas e que a dado passo terão ficado no bom caminho quando a arguida Ana referiu espontaneamente o nome de “Juca”. Confirmou o teor da mensagem enviada pela Ana ao Manuel, constante do apenso 6, que durante todo o lapso de tempo que duraram as escutas apenas a Ana usou o seu telefone, e nunca a sua filha, que o veículo automóvel usado para o transporte do corpo do “Juca”, apreendido, foi lavado com lixívia, e que a arma apreendida como sendo a que presumivelmente foi usada no fatídico disparo o foi por indicação da arguida Ana, dado que a inapreensão do cartucho usado impede a realização de qualquer perícia. Disse, finalmente, que o “Juca” seria um indivíduo temerário.
O depoimento da testemunha Milton, inspector da PJ, nada acrescentou ao da anterior testemunha.
A testemunha Sara A..., militar da GNR, apenas confirmou o auto de notícia, nada sabendo sobre os factos.
A testemunha José P... veio descrever as circunstâncias em que encontrou o cadáver do “Juca”, descrevendo, ainda, as características da lagoa em questão, a falta de um dos postes da vedação ali existente, tendo procedido à chamada da GNR ao local.
A testemunha Manuel V..., genro do falecido, disse que o “Juca” tinha um património razoável, designadamente um estabelecimento comercial, 3 veículos automóveis, diversos objectos em ouro, etc., sendo um individuo vaidoso, de ostentação. Disse, também, que à data da sua morte havia alguns problemas com a sua esposa devido a rumores sobre casos amorosos do falecido.
A testemunha António A..., amigo do falecido, afirmou que o “Juca” andava sempre com dinheiro no bolso da roupa, bem como com diversas peças em ouro, sendo do seu conhecimento que aquele tinha vários casos com mulheres.
As testemunhas Ângela e Margarida produziram depoimentos muito similares aos das anteriores testemunhas.
A testemunha Luísa, neta do falecido, disse que havia rumores de que o avô tinha casos com mulheres, que reconheceu as chaves do avô na PJ e que era ela que, desde Julho, explorava o café do avô (muito embora não houvesse qualquer documento nesse sentido nem tivessem sido, ainda, combinados os termos da mesma).
A testemunha Armando S... disse que comprou o ouro amassado ao arguido Carlos e pelo montante de 1800 Euros.
A testemunha José M... nada referiu com interesse para a descoberta dos factos, relatando, confirmatoriamente, as conversas que constam das escutas efectuadas, e dizendo que a arguida Ana é tida como trabalhadora, pacifica, respeitadora e respeitada.
A testemunha Eva não mereceu qualquer credibilidade, pelos motivos que constam da acta de julgamento, e a testemunha Aristides nada sabia com interesse para a descoberta da verdade.
No que respeita às testemunhas arroladas pelos demandantes civis cumpre assinalar que ManuelM. afirmou que o “Juca” era uma pessoa alegre, dinâmica, de boa saúde, que a sua esposa, filho e neto sofreram bastante com toda a situação, que era poupado embora gostasse de exuberância e ostentação, não tinha inimigos, embora por vezes entrasse numa ou outra briga, e que vivia da sua reforma como electricista, sendo que o seu café era, á data da sua morte, explorado pela sua neta.
A testemunha Albino produziu um depoimento em tudo idêntico ao da anterior testemunha mas acrescentando que à data da morte do “Juca” o casal vivia separado.
A testemunha António S..., vizinho do falecido, referiu a existência de alguns problemas entre o “Juca” e a sua esposa e relacionados com alegados casos extra-conjugais daquele. No mais, referiu que o dito “Juca” costumava trazer consigo diversas peças em ouro e valores monetários.
Entremos, agora, nos depoimentos produzidos a propósito da defesa dos arguidos.
A testemunha Tânia, arrolada pela arguida Ana e sobrinha do arguido Manuel, veio dizer que apenas conheceu a arguida há cerca de 2 anos, altura em que ela trabalhava num restaurante, e que mal a viu e, portanto, mal a conhece. Mas, acrescentou, sabia que a arguida conhecia do “Juca” porquanto ela e sua mãe, a testemunha Eva, falavam sobre ele.
A testemunha Margarida, arrolada pela arguida Ana, veio dizer que foi colega de trabalho da arguida num restaurante desta cidade e durante cerca de 8 anos, que aquela ali deixou de trabalhar cerca de 1 ano antes dos factos que ora se apreciam, e que sempre teve a arguida como boa profissional, assídua, educada e correcta.
A testemunha Rute M..., arrolada pelo arguido Ricardo, afirmou que o arguido foi empregado no seu estabelecimento comercial de bar e desde finais de Setembro de 2011 e que, no pouco tempo que ali trabalhou, sempre se revelou calmo, tranquilo e bom profissional.
A testemunha Manuel, também arrolada pelo arguido Ricardo, veio dizer que o conhece há cerca de 8 anos, praticando futebol no clube do qual a testemunha é dirigente há muitos anos, revelando-se um miúdo normal, de família humilde, sem lhe conhecer qualquer conflito ou actividade ilícita.
As testemunhas Marlene e Daniel S..., arroladas pelo arguido Carlos, vieram dizer que o arguido é boa pessoa, pacifico, amigo do amigo, calmo. A testemunha Henrique P... nada disse com interesse para a boa decisão dos factos.
Finalmente, a testemunha Emília, tia do arguido Manuel e por este arrolada, veio dizer que o seu sobrinho é educado, humilde e trabalhador.
Na sua generalidade, com excepção da testemunha Eva, todos os depoimentos produzidos por iniciativa da acusação pública mereceram credibilidade junto do Tribunal.
As testemunhas de defesa vieram, basicamente, abonar o carácter de cada um dos arguidos pelos quais foram arroladas, mas as respectivas afirmações merecem sérias reservas ao Tribunal uma vez que não traduzem o sentimento comunitário mas apenas uma perspectiva individual de cada um delas, mormente em função do teor dos respectivos relatórios sociais.
No que tange aos depoimentos das testemunhas do pedido civil é óbvio que as mesmas procuraram defender a memória do falecido e, nessa medida, não se revelaram totalmente isentas.
Posto isto, o que concluir relativamente a todos os factos submetidos à apreciação do Tribunal?
Antes de entrarmos na explicitação do processo crítico que conduziu aos factos supra dados como provados e não provados, quer da peça acusatória, quer do requerimento de pedido civil, convém precisar alguns pontos em jeito prévio.
Em primeiro lugar, quid iuris relativamente à admissibilidade e à valoração das declarações de co-arguidos ?
Diz-se no art. 125º do Código de Processo Penal que “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”, elencando por sua vez o art. 126º quais os métodos proibidos de prova, para além de ao longo do código existirem várias normas que vão estabelecendo específicos e concretos limites à admissibilidade de determinadas provas.
Por seu turno, no art. 127º do Código de Processo Penal, consagra-se o princípio da livre apreciação da prova, dispondo-se que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
No que respeita aos arguidos e co-arguidos, existe no art. 133º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal, um impedimento a que prestem depoimento como testemunhas, ocorrendo que os mesmos prestam antes declarações nos termos previstos nos arts. 140º a 144º, 341º, al. a), e 343º a 345º, do Código de Processo Penal.
Concretamente quanto a situações em que respondem no mesmo processo vários co-arguidos e relativamente às declarações prestadas por algum ou alguns deles, deve ter-se presente o seguinte:
- do art. 344º, nº 3, al. a), e nº 4, resulta que havendo confissão apenas de um dos arguidos e não de todos eles, “o tribunal decide, em sua livre convicção, se deve ter lugar e em que medida, quanto aos factos confessados, a produção da prova”;
- determina a actual redacção do art. 345º, nº 4 (que veio consagrar expressamente na lei, aquele que era já um entendimento que vinha sendo defendido doutrinal e jurisprudencialmente), que “não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2”, ou seja a qualquer das que lhe sejam formuladas não só pelos juízes e jurados, mas também às que forem formuladas na sequência de esclarecimentos solicitados pelo Ministério Público, pelo advogado do assistente ou pelo defensor (incluindo os defensores dos co-arguidos).
Sobre as declarações dos co-arguidos, a sua admissibilidade e a sua respectiva valoração pelo tribunal, existe vária jurisprudência publicada, podendo ver-se, a título de exemplo, e para um melhor entendimento da questão, entre outros, os Acs. do S.T.J., o primeiro e o terceiro sumariados e os restantes publicados na Internet, em www.dgsi.pt/jstj, de 28/06/2001, com o nº de processo 01P1552, de 12/07/2006, com o nº de processo 06P1608, de 31/10/2007, com o nº de processo 07P630, de 27/11/2007, com o nº de processo 07P3872, de 12/03/2008, com o nº de processo 08P694, e de 18/06/2008, com o nº de processo 08P1971 (refira-se que a alteração do C.P.P em 2007, nomeadamente a já referida alteração da redacção do art. 345º, nº 4, não altera por qualquer forma o que vem dito nos Acórdãos proferidos antes da sua respectiva entrada em vigor).
No Ac. do S.T.J. de 28/06/2001, consta do respectivo sumário o seguinte (os sublinhados são nossos):
“1 - É a posição interessado do arguido, a par de outros intervenientes citados no art. 133.º do CPP, que dita o seu impedimento para depor como testemunha, o que significa que nada obsta a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade, o que acarreta que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo.
2 - A crítica feita no sentido de que não ser lícita a utilização das declarações dos arguidos como meio de prova contra os outros, não tem razão de ser em face do art. 125°, do CPP, pois este artigo estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, e do elenco das provas proibidas estabelecido no art. 126° do CPP não consta o caso das declarações dos co-arguidos, que são perfeitamente possíveis como meios de prova do ponto de vista da sua legalidade, como o são as declarações do assistente, das partes civis, etc.
3 - Pode, assim, afirmar-se que o art. 133º do CPP apenas proíbe que os arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, ou seja, que lhes seja tomado depoimento sob juramento, mas não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo, nada impedindo que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos.
4 - O art. 344º, n.º 3 do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido.
5 - Tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que a proibição constante do art.º 133.º do CPP, tem um objectivo muito próprio: o de garantir ao arguido o seu direito de defesa, que facilmente se mostraria incompatível com o dever de responder, e com verdade, ao que lhe fosse perguntado, com as sanções inerentes à recusa de resposta ou à resposta falsa, mas, apesar do seu regime específico, as declarações de um co-arguido não deixam de ser um meio de prova, cujas limitações o não privam da virtualidade de influenciarem relevantemente, ou até fundamental ou exclusivamente, a convicção dos julgadores.”.
Por seu turno, consta do sumário do Ac. do S.T.J. de 31/10/2007, entre outros pontos, o seguinte: “X - O art. 13.º da CRP consagra, antes de mais nada, no seu n.° 1, o princípio segundo o qual todos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
XI - A circunstância de o tribunal dar diverso valor probatório às declarações de co-arguidos não viola tal princípio desde que tal diversidade resida numa apreciação da prova segundo as regras de experiência e a livre convicção do tribunal (art. 127.º do CPP) e tal apreciação seja “em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo”, como ensina Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, pág. 203.” (sublinhado nosso).
No mesmo sentido, fazendo uma resenha de doutrina e vária jurisprudência sobre o assunto, conclui o Ac. do S.T.J. de 27/11/2007, no qual, se diz, nomeadamente, citando anteriores acórdãos do mesmo Tribunal, “O sentido da norma do art.º 133.º, n.º 1, al. a), do CPP é o de que com ela se intenta proteger o próprio arguido, impedindo-o de depor contra si próprio, nada obstando a que preste declarações, nomeadamente para se defender de uma acusação ou aligeirar a sua responsabilidade nela. (…) O que o art.º 133.º, do CPP, pretende evitar é que o arguido ou co-arguidos prestem declarações que sejam incriminatórias de si próprios. (…) Um arguido que decide prestar declarações, ao indicar factos ou circunstâncias que excluam ou diminuam a ilicitude ou a sua culpa, relevando para a minoração da medida da pena, pode directa ou indirectamente contribuir para a prova incriminatória de outros arguidos. (…) A lei processual, com todas as garantias a que o arguido tem direito - entre as quais se destaca a de guardar silêncio quanto aos factos de que é acusado - não vai ao ponto de impedir a prestação de declarações, de forma livre e espontânea, sejam elas ou não incriminatórias ou agravatórias da responsabilidade de outros intervenientes nos factos criminosos. (…) De molde a evitar que os co-arguidos possam usar de reivindicta ou se desresponsabilizem recíproca ou multilateralmente, mandam as regras da experiência comum que se use de cautela na valoração de tais declarações. (…) As declarações de co-arguido são meios admissíveis de prova e, como tal, podem ser valoradas pelo tribunal para fundar a sua convicção acerca dos factos que dá como provados. O art. 133.º do CPP, o que proíbe é que os co-arguidos sejam ouvidos como testemunhas, mas não impede que os arguidos da mesma infracção possam prestar declarações (cuja credibilidade é, naturalmente, mais diluída), no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo (…)”.
Respeitando mais directamente às cautelas a ter na apreciação e valoração das declarações dos co-arguidos e à forma de traduzir em concreto tais cautelas, temos os citados Acs. do S.T.J. de 12/07/2006 e de 18/06/2008.
Do primeiro permitimo-nos citar uma parte do respectivo sumário (já que o mesmo traduz de forma clara o pensamento expresso no texto do acórdão), onde se diz:
“II - É posição da jurisprudência, que se pode dizer uniforme, e da maioria da doutrina nacional, que nada proíbe a valoração como meio de prova das declarações de co-arguido sobre factos desfavoráveis a outro.
III - Contudo, as declarações desfavoráveis aos demais co-arguidos, pela sua fragilidade, decorrente de eventual conflito de interesses e de antagonismo entre si, devem ser submetidas a tratamento específico e retiradas do alcance do regime normal da livre apreciação da prova.
IV - O STJ vem entendendo, a tal propósito, dever exigir-se respeito pelo estatuto de arguido (incompatível com o juramento próprio das testemunhas e com a vinculação ao dever de responder com verdade) e pelo princípio do contraditório (concretizado na possibilidade conferida ao defensor do arguido de formular perguntas ao co-arguido por intermédio do presidente do tribunal, visando as declarações prestadas, na medida em que afectem o arguido por si representado), além de cautelas especiais na valoração dessas declarações que, de um modo geral, se reconduzem à exigência de corroboração.
V - Com efeito, entre as soluções propostas para modular doutrinal e normativamente o particular regime das declarações do co-arguido, avulta a doutrina da corroboração, segundo a qual as declarações do co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe “alguma prova adicional, a tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações”. Ou noutros termos, a exigência de corroboração significa que as declarações dos co-arguidos nunca podem, só por si, e por mais inequívocas e credíveis que sejam, suportar a prova de um facto criminalmente relevante. Exige-se para tanto que as declarações sejam confirmadas por outro autónomo contributo que “fale” no mesmo sentido, em abono daquele facto.”.
Do mesmo modo, pela sua exaustividade na tradução da matéria apreciada no texto do acórdão, se nos afigura claro o sumário do Ac. do S.T.J. de 18/06/2008, do qual transcrevemos o seguinte (mais uma vez, os sublinhados são nossos):
“XI - As declarações do co-arguido não se compendiam entre os meios proibidos de prova, previstos no art. 126.º do CPP, aí condensados em duas grandes categorias: umas respeitando à integridade física e moral da pessoa humana, outras à sua privacidade. As declarações do co-arguido deslocam-se, antes, para o âmbito do princípio da legalidade da prova, por força do qual, nos termos do art. 125.º do CPP, são permitidos todos os meios de prova que não forem legalmente vedados, ou seja, para o campo da sua credibilidade, não já da sua inutilizabilidade, no aspecto valorativo e no peso específico que, no conjunto delas, apresentam.
XII - A ordem de produção de prova em julgamento repousa nas declarações do arguido, que constituem um meio de prova legalmente admitido, com previsão nos arts. 140.º e 340.º, al. a), do CPP.
XIII - Um obstáculo sobejamente conhecido e endereçado às declarações do co-arguido contra o outro ou outros: sempre que o co-arguido produza declarações em desfavor de outro e aquele, a instâncias do co-acusado, se recuse a responder, no uso do direito ao silêncio (cf. Acs. do TC n.º 524/97 e deste STJ de 25-02-1999, in CJSTJ, VII, tomo 1, pág. 229). Esta jurisprudência colheu fiel integração na lei, com a recente reforma introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, no art. 345.º, n.º 4, do CPP, no sentido de que não podem valer como meios de prova as declarações do co-arguido, se este se refugia no silêncio, por tal restrição conduzir a uma inaceitável limitação às garantias de defesa, ao direito ao defensor e ao princípio de igualdade de armas.
XIV - Outra limitação é a que deriva da particularidade das declarações do co-arguido, porque elas comportam ou podem comportar uma irrestrita autodesculpabilização ou incriminação recíproca ou multilateral do co-acusado, hiperbolizando oportunisticamente a sua estratégia de defesa, quiçá mesmo a sua vindicta contra o co-acusado, que pode ficar colocado, por isso mesmo, numa situação delicada, a que um processo justo que assegura todas as garantias de defesa, um due process of law, não pode ficar indiferente.
XV - À parte este reparo, a jurisprudência deste STJ sempre defendeu que o arguido tanto pode produzir declarações a seu respeito como dos demais co-arguidos, sem o que ficaria gravemente comprometido o seu direito de defesa e o dever de cooperação com o tribunal, que pode, no exercício de uma melhor justiça, não desejar comprometer. Unicamente ao arguido ou co-arguido, nos termos do art. 133.º, n.º 1, al. a), do CPP, é vedado intervir como testemunha, sujeito ao dever de verdade e à cominação de sanções, auto-incriminar-se: a não sujeição do arguido ao estatuto de testemunha tem por objectivo libertá-lo desse ónus.
XVI - O STJ, na sua extensa e já recuada jurisprudência, tem firmado a admissibilidade da prestação de declarações do co-arguido contra outro, em nome de um ilimitado direito de defesa, sem deixar de frisar cautela na valoração de tais declarações: a prova assim produzida é de credibilidade mais diluída. Em data recente se pronunciou este Tribunal, no seu Ac. de 12-03-2008, prolatado no Proc. n.º 694/08, onde, na valência da prova prestada pelo co-arguido, e na esteira da jurisprudência uniforme deste STJ, mais uma vez se afirma a necessidade de se não abdicar, no concretismo da situação, de um esforço de análise, tendente a averiguar se à co-acusação corresponde ou não um sentido “espúrio”, devendo, por isso, arrimar-se em motivações objectivas, ancorar-se, complementarmente, em corroborações (termo muito em uso entre a doutrina italiana) periféricas, na esteira de Carlos Clement Duran, aí citado, demonstrativas de um elevado grau de seriedade.
XVII - Ao fim e ao cabo, o que importa é exercer um juízo de censura mais apurado na aferição do valor da co-declaração, que passa por um exigente filtro de exame e análise, atento o peso que ela exerce na formação da convicção probatória.”.
Merecendo-nos especial destaque o Ac. do S.T.J. de 12/03/2008 (precisamente aquele que é citado no sumário acabado de transcrever do Ac. do S.T.J. de 18/06/2008).
Pela forma exaustiva como a questão é aí analisada e porque concordamos com o que aí se escreve, com a devida vénia, permitimo-nos citar uma maior parte do texto deste acórdão (e nele incluir sublinhados da nossa responsabilidade), pela sua relevância para a questão que apreciamos neste momento, nomeadamente para a mais específica apreciação do caso concreto que iremos fazer em seguida.
Depois de analisar as correntes doutrinais existentes sobre o assunto e a evolução jurisprudencial do mesmo, diz-se: “importa precisar alguma confusão que está subjacente à cruzada empreendida contra o arguido que produz depoimento incriminatório. Na verdade uma coisa são proibições de prova que são verdadeiros limites à descoberta da verdade, barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo e outra, totalmente distinta a valoração da prova. Nesta última está implícita uma apreciação da credibilidade da prova produzida em termos legais.
Portanto a questão que se coloca é tão só, e singelamente, saber se é válida processualmente a admissibilidade do depoimento do arguido que incrimina os restantes coarguidos. A resposta é, quanto a nós, frontalmente afirmativa e dimAnadesde logo da regra do artigo 125 do Código Penal que dispõe que são admitidas as provas que não forem proibidas por lei; por outro lado não se sente qualquer apoio numa interpretação rebuscada da Constituição que aponte a inconstitucionalidade de uma tal interpretação.
Bem pelo contrário, a consideração de que o depoimento do arguido que é, antes do mais, um cidadão no pleno uso dos seus direitos, reveste à partida de uma “capitis diminutio” só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. Portanto a questão que se coloca neste caso é, como em relação a todos os meios de prova, uma questão de credibilidade do depoimento do coarguido.
Esta credibilidade (…) só pode ser apreciada em concreto face às circunstâncias em que é produzida. O que não é admissível é a criação de regras abstractas de apreciação da credibilidade retornando ao sistema da prova tarifada, opção desejada pelo sistema inquisitorial. Assim, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do coarguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei.
Na verdade, conforme refere o Prof. Figueiredo Dias, o processo penal não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração de justiça e de verdade. O que é tanto mais evidente quanto se recorde que por detrás da imposição de uma pena está uma finalidade de prevenção geral de integração e, portanto, uma exigência de verdade e de justiça na aplicação da sanção.
Por outro lado, não obstante a descoberta da verdade material ser uma finalidade do processo penal não pode ela ser admitida a todo o custo, antes havendo que exigir da decisão que ela tenha sido lograda de modo processual válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais das pessoas que no processo se vêem envolvidas. A protecção perante o Estado dos direitos fundamentais das pessoas surge, assim, também ela, como finalidade do processo penal. Afirmá-lo é também proteger o interesse da comunidade de que o processo penal decorra segundo as regras do Estado de Direito. São precisamente estas regras do Estado de Direito - que se prendem com os direitos fundamentais das pessoas e que exigem que a decisão final tenha sido lograda de um modo processualmente válido - que vão impedir, em certas situações, a obtenção da verdade material. (…).
Se isto é assim, também é, no entanto, verdade que aquela que foi historicamente a arma do Estado de Direito a persistência na convicção de que, em todas as circunstâncias, os direitos de cada pessoa devem ser defendidos e a sua liberdade salvaguardada - tem vindo a ser relativizada: o Estado de Direito não exige apenas a tutela dos interesses das pessoas e o reconhecimento dos limites inultrapassáveis, dali decorrentes, à prossecução do interesse oficial na perseguição e punição dos criminosos. Ele exige também a protecção das suas instituições e a viabilização de uma eficaz administração da justiça penal, já que pretende ir ao encontro da verdade material.
Assim, e vendo agora as coisas sob um outro prisma, em certas circunstâncias, para que os interesses assinalados se concretizem, necessário se torna pôr em causa direitos fundamentais das pessoas. O remédio para esta impossibilidade de harmonização integral das finalidades do processo penal, adianta o referido Mestre, estará numa tarefa - infinitamente penosa e delicada - de operar a concordância prática das finalidades em conflito. Tal tarefa implica, relativamente a cada problema concreto uma mútua compressão das finalidades em conflito, de forma a atribuir a cada uma a máxima eficácia possível: de cada finalidade há-de salvar-se, em cada situação, o máximo conteúdo possível, optimizando-se os ganhos e minimizando-se as perdas axiológicas e funcionais.
Se o critério geral reside assim, não na validação da finalidade preponderante à custa da de menor hierarquia ao estilo da teoria do direito de necessidade jurídico-penal - mas sim numa optimização das finalidades em conflito, situações há no entanto em que se torna necessário eleger uma só das finalidades, por nelas estar em causa a intocável dignidade da pessoa humana.
Do que se trata então é do princípio axiológico que preside à ordem jurídica de um Estado de Direito material: o princípio da dignidade do homem, da sua intocabilidade e da consequente obrigação de a respeitar e proteger.
Mas será que tal núcleo fundamental estará por alguma forma violado quando se admite como válido o depoimento incriminatório do arguido e em relação aos restantes arguidos. Será que os direitos de defesa dos seus companheiros no banco dos arguidos são minimamente atingidos se forem observadas as regras processuais de produção de prova? Será que o arguido que opta pelo direito ao silêncio adquire ope legis um direito de veto à produção de outra prova que não aquela que lhe convém? O direito de não se auto incriminar do arguido é conflitual como a colaboração do coarguido na procura da verdade material?
Estamos em crer que a resposta tem de ser necessariamente negativa.
A admissibilidade do depoimento do arguido como meio de prova em relação aos demais coarguidos não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação e está adequada à prossecução de legítimos e relevantes objectivos de política criminal nomeadamente no que toca à luta contra criminalidade organizada.
Como refere o Professor Costa Andrade é evidente que ninguém coloca em causa o princípio do “nemo tenetur se ipsum accusare” que deriva desde logo da tutela jurídico constitucional de valores ou direitos fundamentais como a dignidade humana, a liberdade de acção e a presunção de inocência em geral referenciados como a matriz jurídico constitucional do princípio. A lei processual penal portuguesa contém uma malha desenvolvida e articulada de normas através das quais se assegura acolhimento expresso às mais significativas exigências do princípio “nemo tenetur”. A começar e em se tratando de factos pertinentes à culpabilidade ou medida da pena, o Código de Processo Penal garante ao arguido um total e absoluto direito ao silêncio (art. 61, nº 1, al. c). Um direito em relação ao qual o legislador quis deliberadamente prevenir a possibilidade de se converter num indesejável e perverso privilegium odiosum, proibindo a sua valorado contra o arguido. E tanto em se tratando de silêncio total (art. 343 nº 1) como em se tratando de silêncio parcial (art. 345° nº 1). Para garantir a eficácia e reforçar a consistência do conteúdo material do princípio “nemo tenetur” a lei impõe às autoridades judiciárias ou órgãos de policia criminal, perante os quais o arguido é chamado a prestar declarações, o dever de esclarecimento ou advertência sobre os direitos decorrentes daquele principio (confr. v. g. arts. 58 nº 2,. 61 nº 1, al. a); 141 nº 4, 343 nº 1).
(…)
Seria necessária uma visão fundamentalista, e unilateral do processo penal, defender que o exercício do direito ao silêncio tivesse potencialidade para inquinar todo o meio de prova que, não obstante a sua regularidade, viesse a demonstrar a falência de tal estratégia de silêncio.
É evidente que tal argumentação não é aceite para quem, nos processos de grande criminalidade organizada, aposta a defesa dos arguidos no seu silêncio conjunto por uma questão de estratégia processual. Porém, não são tais visões parcelares e parciais que irão contribuir para elucidar a questão em apreço. Bem ao contrário daquela perspectiva, estamos em crer que o eixo fundamental da mesma questão reside no facto de o depoimento incriminatório estar sujeito às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, a sua sujeição à regra da investigação; da livre apreciação e do princípio in dubio pro reo, assegurado que esteja o funcionamento de tais princípios e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo artigo 32 da Constituição nenhum argumento subsiste à validade de tal meio de prova.
(…)
Aliás, a partir do momento em que o arguido depõe no exercício do seu direito de defesa é evidente que as suas palavras têm uma dupla conotação: sendo emergentes de um inviolável direito de defesa elas são também um meio de prova. Não é possível, em termos práticos, separar aquela realidade concreta que é o depoimento do arguido considerando ora como um exercício legítimo de um direito ora como meio de prova. Tal visão, para além de um inequívoco maniqueísmo, esquece que o processo penal visa a descoberta da verdade material e não de tantas realidades quanto aquelas que interessam aos diversos sujeitos processuais.
(…)
Assim, argumenta-se, como credibilizar um depoimento produzido por alguém que tem o direito de mentir?
A respeito de tal argumentação é importante esclarecer que uma mentira não é verdade pelo facto de ser repetida até á exaustão e que tal pressuposto é agora, como sempre foi, falso. Nenhum Estado de Direito digno desse nome outorga aos seus cidadãos o direito de mentir em qualquer circunstância e muito menos num processo penal.
Já em 1974 Figueiredo Dias se pronunciava sobre um invocado direito a mentir repudiando-o decididamente. Afirmava o mesmo Professor que nada existe na lei, com efeito, que possa fazer supor o reconhecimento de um tal direito. As soluções legais em matéria de silêncio e de cessação do dever de colaboração explicam-se perfeitamente pela oposição que assim, se quer fazer à velha e odiosa ideia inquisitória, segundo a qual o arguido, enquanto meio de prova, poderia ser obrigado, inclusivamente através de meios de coacção física e psíquica, sem excluir a própria tortura, à prestação de declarações que o incriminassem. E sabe-se como todo o processo penal reformado fez de uma tal oposição um dos seus propósitos mais salientes.
Mas sendo assim, poderia pensar-se (e não faltam autores a lançarem-se, mais ou menos profundamente, nesta via de compreensão das soluções legais) que, podendo o arguido optar livremente entre o silêncio ou o prestar declarações, caso escolhesse esta segunda possibilidade continuaria a recair sobre ele um dever de verdade, ou como mero dever moral, ou mesmo como verdadeiro dever jurídico. A verdade, porém, é que do reconhecimento de um tal dever não ressaltam quaisquer consequências práticas para o arguido que minta, uma vez que tal mentira não deve ser valorada contra ele, quer ao nível substantivo autónomo das falsas declarações, quer ao nível dos direitos processuais daquele.
Conclui-se, então, que não existe, por certo, um direito a mentir que sirva como causa justificativa da falsidade. O que sucede simplesmente é ter a lei entendido, ser inexigível dos arguidos o cumprimento do dever de verdade, razão por que renunciou nestes casos a impô-lo.
Porém, uma coisa é a inexigibilidade do cumprimento do dever de verdade pelo arguido, reconduzindo-o a uma mero dever moral, e outra, totalmente distinta, é a inscrição de um direito a mentir do arguido que é inadmissível num Estado de Direito. Mas sendo assim não existe fundamento legal para a menorização do depoimento do arguido a qual, na realidade, não é mais do que uma intolerável presunção de não cidadania ou seja de que colocado perante a possibilidade de escolha o arguido mente.
É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseado somente na declaração do coarguido porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas tal como o anseio de obter um trato policial ou judicial favorável, o animo de vingança, ódio ou ressentimento ou o interesse em auto exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados. Para dissipar qualquer dessas suspeitas objectivas é razoável que o coarguido transmita algum dado externo que corrobore objectivamente a sua manifestação incriminatória com o que deixará de ser uma imputação meramente verbal e se converte numa declaração objectivada e superadora de uma eventual suspeita inicial que pesa contra a mesma. Assim, estamos em crer que é importante, em sede de credibilização do depoimento que o mesmo seja corroborado objectivamente.
Não se trata de à partida de criar, em termos abstractos, uma exigência adicional ao depoimento do coarguido incriminatório dos restantes arguidos em termos de admissibilidade como meio de prova, entrando, como já se afirmou, num zona de uma inadmissível prova tarifada, mas sim de uma questão de credibilidade daquele depoimento em concreto. Não se pode deixar de referir que numa posição de menor exigência se situa Viegas Torres quando, em relação ao sistema judicial espanhol, refere que o valor probatório da declaração incriminatória de um coimputado tem sido discutido alegando-se que estes testemunhos são, em geral interessados e pouco ou nada objectivos. Frente a tais afirmações, afirma, a jurisprudência afirmou, com carácter geral a validade probatória das declarações de coimputados. A jurisprudência parece considerar que não é regra geral a presença de factores que tirem a necessária objectividade ao testemunho do coimputado pelo que não há razões para negar valor probatório ao dito testemunho. A excepcional concorrência de circunstâncias que podem afectar a fiabilidade da declaração incriminatória de um coimputado terá de apreciar-se caso por caso. O depoimento do coarguido pode destruir a presunção de inocência dos restantes desde que o tribunal se convença de que o mesmo é credível.
Será, pois, a nível de valoração em concreto do depoimento produzido que se coloca a questão da relevância do depoimento do arguido. Como refere Carlos Clement Duran a imputação que um coacusado realiza contra outro coacusado tem o grande atractivo de que a faz quem aparece como um directo conhecedor do facto em juízo e incluso nada perde ou ganha ao incriminar o coacusado porque, assim, está a assumir a sua própria responsabilidade penal. Porém pelo seu próprio peso específico já que as possibilidades defensivas do incriminado são reduzidas importa um juízo crítico rigoroso sobre o valor de tal imputação e que permita concluir que a incriminação que a mesma contem não corresponde a um interesse espúrio. Compreende-se, assim, a importância que se atribui ao facto de tais manifestações incriminatórias estarem acompanhadas de algum dado ou elemento de carácter objectivo que lhes dê credibilidade e devam ser uniformes e reiteradas, evidenciando a credibilidade do acusado que as realiza.
Na esteira do Autor citado entendemos que a credibilidade do depoimento incriminatório do coarguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto inculpação. Igualmente assume uma real importância a concorrência de corroborações periféricas objectivas que demonstrem a verosimilhança da incriminação.
Ao entendermos por esta forma situamo-nos no seguimento daquela que foi afirmada como a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça.
A questão prende-se, em última análise, com as próprias finalidades do processo penal que se materializam com a realização da Justiça e a descoberta da verdade material.
As considerações inerentes à especialidade do estatuto do arguido estão presentes na jurisprudência do Tribunal Constitucional quando avalia da relevância do seu depoimento em relação aos coarguidos e ao catálogo de direitos que a estes assiste entre os quais avulta o de exercício do contraditório.
(…)
Inquestionável na sua dignidade constitucional - artigo 20 da Constituição da República - o principio do contraditório tem subjacente uma concepção inerente ao princípio de audiência, consubstanciando a oportunidade conferida a todo o participante processual de influir, através da sua audição pelo tribunal, no decurso do processo.
(…)
No que concerne ao âmbito da incidência do princípio o mesmo terá uma maior ou menor amplitude de acordo com a própria fase processual em que se insere. Em toda a sua latitude compreenderá ele a possibilidade de o interessado na decisão a tomar se pronunciar sobre a respectiva base fáctica da decisão, a apresentação de provas, o pedido de novas diligências, as provas recolhidas e, enfim, a questão de direito. Na sua forma mais limitada abarcará, ao menos a possibilidade de tomar posição através de memoriais e requerimentos.
Significa o exposto que a dimensão do princípio terá uma dimensão variável de acordo com a necessidade concreta de salvaguarda do direito de audição do interveniente processual. Na fase de julgamento em que pontifica a oralidade e mediação o exercício de contraditório pressupõe a possibilidade de o arguido, por intermédio do seu defensor, sugerir as perguntas necessárias para aquilatar da credibilidade do depoimento que se presta e infirmá-lo caso tal seja adequado.
Assim, adquirido que, na fase de julgamento, o defensor do arguido exerce os direitos que a lei reconhece a este, podendo e devendo exercer o contraditório sobre os meios de prova produzidos da forma mais abrangente e global - artigo 63 e 345 e seguintes do Código de Processo Penal - não se vislumbra como é que se pode afirmar que da ausência do arguido resulta necessariamente a invalidade do depoimento do coarguido no que lhe respeita. Na verdade, tal ausência não afecta o exercício do direito do contraditório a exercer pelo respectivo defensor.”
Voltaremos a esta questão infra, mas desde já se deixando expresso que as declarações dos arguidos nos presentes autos serão objecto de criteriosa análise e de acordo com o ora expendido e com o qual concordamos plenamente.
Em segundo lugar, quid iuris no que tange ao uso de presunções ?
É consabido que na formação da sua convicção não está o juiz impedido de usar presunções baseadas em regras da experiência, ou seja, nos ensinamentos retirados da observação empírica dos factos. Ensina Vaz Serra (in “Direito Probatório Material - BMJ 112/190) que “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência de vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (…) ou de uma prova de primeira aparência”. Mas “a ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios, ou a falta de um ponto de ancoragem, no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitraria ou dominada por impressões” – cfr. Ac. do STJ de 17/03/04 (Processo n° 265/03), publicado www.dgsi.pt/jstj.
Importante deixar impressas estas considerações dado que, como veremos, no caso concreto há que lançar mão de presunções judiciais.
Em terceiro lugar, dado o volume de escutas e respectivas transcrições, sendo que na sua esmagadora maioria não se procedeu à sua audição e/ou leitura, temos por certo, na esteira do defendido no Ac. RP de 28/03/2012, que as escutas telefónicas efectuadas durante o inquérito, uma vez transcritas em auto, passam a constituir prova documental que o Tribunal de julgamento pode valorar de acordo com as regras da experiência; essa prova documental não carece de ser lida em audiência e, no caso de o Tribunal dela se socorrer, não é necessário que tal fique a constar em acta.
Finalmente, não olvidar que o princípio “in dubio pro reo” vale apenas para a matéria de facto e vem a traduzir-se em que “a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido” (cfr. Prof. Figueiredo Dias in “Direito Processual Penal, pág. 215). Este princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito (tipo incriminador na sua dupla faceta de tipo objectivo e de tipo subjectivo), quer digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação (ditos tipos justificadores), bem como circunstâncias relevantes para a determinação da pena.
Ora bem, tendo presentes estas considerações, temos desde logo uma dificuldade acrescida em relação à esmagadora maioria dos casos apreciados nos Tribunais: não há testemunhas, não há prova directa, dos actos praticados pelos arguidos na bouça e na lagoa. Assim, na cautela que, como resulta supra, deve ser usada na análise das declarações dos co-arguidos, relembrando que um deles decidiu remeter-se ao silêncio, há que “preencher os buracos”, os “espaços em branco”, em função dos elementos objectivos postos à disposição do Tribunal e no uso das já referidas presunções. As presunções judiciais servem, em última análise, para isso mesmo, para colmatarem os “buracos ou espaços em branco” resultantes da falta de prova directa, para firmar, nos limites já apontados, factos desconhecidos.
Analisemos as declarações dos arguidos.
A Ana, o Ricardo, o Carlos e o Pedro apresentaram, de uma forma muito sucinta, a tese de que tudo isto foi um assalto que correu mal, imputando única e exclusivamente ao arguido Manuel a responsabilidade pelo tiro fatal. Ou seja, o Manuel teria agido em completo excesso relativamente ao plano inicial. Estranhamente o arguido Manuel entendeu não prestar declarações.
As incongruências entre as próprias declarações dos arguidos são muitas e evidentes e, além disso, desmentidas não só pelos demais elementos juntos aos autos, como escutas telefónicas e registos de comunicações efectuadas, bem como os autos de reconhecimento, mas igualmente pelas regras da experiência comum.
É por demais evidente que a arguida Ana conhecia o “Juca” e muito antes da sua morte: isso é comprovado pela quantidade de comunicações que se verificaram entre os telefones móveis de ambos durante os meses de Agosto e Setembro de 2011, mas também através do depoimento da testemunha de defesa Tânia (Eva e Ana tinham conversas acerca do “Juca”), sendo absolutamente inverosímil que fosse a filha menor da Ana que executasse as ditas comunicações (não se vislumbra o que é que a dita filha menor e o “Juca” pudessem ter em comum, não se aceita que a arguida nem sequer se tivesse preocupado que a sua filha menor andasse a ter conversas com um homem bastante mais velho e conhecido predador sexual, não se compreende porque razão a sua filha usasse o telefone da Ana quando durante todo o lapso de tempo que duraram as escutas telefónicas não se observou acto semelhante). Também o arguido Manuel o conhecia dado que, em tempos, instalou um sistema de “Karaoke” no café do “Juca”. Além disso, era sobejamente conhecida, em termos públicos, a vaidade e ostentação do “Juca” mas também a sua fraqueza por mulheres. Os arguidos Ana, Manuel e Pedro estavam, à data, desempregados e os arguidos Ricardo e Carlos vivam com evidentes dificuldades económicas.
Diz o arguido Carlos que não sabia de nada até que a sua mãe, a Ana, lhe telefonou na manhã do dia 19 a pedir-lhe para ir lá a casa e levar umas armas para dar um susto a um indivíduo. Por isso foi lá e levou o Ricardo consigo. Curiosamente, o arguido Domingos, o único a quem nada foi dito ou comunicado, sem qualquer tipo de interesse nestes factos (porque não tem sequer que deles se defender), afirmou que nessa manhã o arguido Manuel foi a casa do Carlos e, após uma breve conversa entre eles e o Ricardo, saíram. Não deixa de ser estranho, desde logo, que o arguido Carlos, com vários embates com o sistema judicial e várias penas de prisão suspensas na sua execução, tenha acedido ao rogo, pedido ou ordem da sua mãe sem mais, isto é, sem curar de saber ao que é que ia, fazer o quê, de que forma, etc. Mais estranho ainda é a circunstância de ter ido buscar o seu tio, o arguido Domingos, e o Ricardo, a Viana do Castelo, para ambos trabalharem em obra a executar em sua casa, mas, logo após a chegada à casa do arguido aqui em Barcelos, terem desaparecido os dois durante todo o dia – tudo isto sem que o Domingos tivesse achado estranho! Ora bem, o Domingos apenas não acharia estranho se desde o início estivesse assente que apenas ele ia trabalhar na obra; e se assim é, o que é que o Ricardo veio tão cedo de Viana do Castelo a Barcelos fazer, logo ele que à data trabalhava num bar à noite?
Alegam os arguidos que tudo foi planeado em casa da Ana e na própria manhã do dia 19 de Setembro. E que as armas empunhadas pelo Ricardo e pelo Carlos não estavam municiadas e ambos estavam de cara tapada. Como aceitar, em termos de regras da experiência comum, que os arguidos fossem assaltar alguém com armas sem munições – sendo certo que pensavam que a arma do Manuel também estava por municiar -? PrinciP...nte a alguém que era conhecido por ser temerário e de boa constituição física? E se por um acaso, dado que o “Juca” era comerciante e transportava consigo objectos em ouro e outros valores, tivesse uma arma e a usasse? Passavam os arguidos a ser a presa? Como é óbvio é uma afirmação inaceitável.
Cara tapada? Para quê se a arguida Ana e o arguido Manuel não tinham a respectiva face tapada? Era por demais evidente que o “Juca” iria participar o assalto às autoridades e identificar de imediato a Ana e o Manuel; assim, qual o ganho dos arguidos em apenas eles terem as caras tapadas? Não exigiriam, de imediato, até porque o Carlos já tinha várias penas de prisão suspensas na sua execução, que a Ana e o Manuel tapassem a respectiva cara? Claro está que a tapagem da cara de todos os arguidos de pouco ou nada adiantaria, dado que o “Juca” sabia muito bem que apenas tinha ido àquele local atraído pela Ana. Além disso, o Carlos tinha um gorro e o Ricardo apenas o capuz do casaco? E segurava no capuz e na arma em simultâneo? E se ambos tinham gorro porque razão apenas foi apreendido um gorro ao Carlos? Porque razão não foram apreendidas as armas usadas pelo Carlos e pelo Ricardo? Desfizeram-se delas? Muito provavelmente! Mas então, porque tal é da escola do crime, porque razão se desfizeram das armas e o Carlos não se desfez do gorro? Não se desfez do gorro porque tal peça não foi usada nestes factos e o arguido, assim, nem sequer se lembrou que tinha um gorro em casa! Enfim.
Verifica-se o tiro; os arguidos Ricardo e Carlos fogem em direcção ao veículo automóvel que tinha ficado escondido junto do arguido Pedro, supostamente porque desferir um tiro não fazia parte do plano e ficaram assustados. Mas a arguida Ana, que até estava um pouco mais retirada do grupo, não fugiu. Porquê? E se os arguidos Carlos e Ricardo ficaram assustados, porque razão não arrancaram de imediato no veículo e foram embora? Mas não, esperaram, dizem eles, até que o Manuel e a Ana chegassem com os objectos retirados ao “Juca”. A Ana argumenta que se viu compelida, por medo que tinha ao Manuel, a retirar os objectos ao “Juca”; curiosamente, de acordo com as declarações dos arguidos, a Ana e o Manuel traziam cada um, quando chegaram junto do automóvel, objectos retirados ao “Juca”. Além disso, não se compreende o medo da Ana porque nunca antes ele se tinha manifestado junto de quem quer que fosse; aliás, não deixa de ser curioso que, como consta dos relatórios juntos aos autos, a arguida tenha procurado estar junto do Manuel já depois de presos.
Como compreender, se o plano era apenas um mero assalto, que todos os arguidos não mais tenham falado no que se passou? Ninguém pede responsabilidades ao Manuel e ninguém esboça uma reacção à morte do “Juca”! Tudo normal, portanto. E vão candidamente almoçar e fazer contactos para vender o ouro. Entretanto amassam-no. E à noite vão vender o ouro e dividem o dinheiro entre si, com excepção da Ana! Aliás, se o móbil era apenas um roubo, que correu mal por excesso de um dos comparsas, qual a razão de ser para deixar a Ana de fora na divisão do produto da venda?!
Mais: se tudo não passou de um lamentável acidente, porque razão os arguidos, com excepção do Domingos e do Ricardo, se deram ao trabalho de esconder o corpo, em local distante (fora do concelho) e de forma a que o mesmo não viesse a ser encontrado tão cedo?
Como é evidente, as incongruências nas declarações dos arguidos são mais do que muitas e, portanto, devem ser olhadas com muita cautela e apenas na medida em que as mesmas se coadunem com as regras da experiência comum.
Assim, o quadro lógico-factual que se surpreende, a partir dos dados objectivos disponíveis e de acordo com as regras da experiência comum, é aquele que resulta dos factos supra dados como provados. Cumpre assinalar, desde logo, um facto muito curioso: foi impossível efectuar qualquer perícia à arma apreendida como sendo a que efectuou o disparo (este facto por indicação da arguida Ana) porque jamais se encontrou o cartucho deflagrado! Estamos em crer que o mesmo foi recolhido pelos arguidos, ou por um deles, quando abandonaram o local! E esse facto é, por si, um mundo!
Os arguidos estavam desempregados, alguns, ou a viver com evidentes dificuldades económicas, outros; sabia-se que o “Juca” era indivíduo de posses, comerciante, vários carros, andava sempre com dinheiro e objectos em ouro (falava-se em óculos no valor de 5000 Euros). Tinha uma fraqueza: mulheres. Um assalto a este indivíduo decerto renderia bom dinheiro, bem mais do que os finais 1800 Euros. Como perfeitamente se percebe, a arguida Ana começa a preparar o terreno acenando ao “Juca” com algo que ele dificilmente recusaria: relações sexuais (aliás, estamos em crer, embora apenas a título de intima convicção, não suportada probatoriamente, que já em momento ou momentos anteriores tinham acontecido relações sexuais entre ambos – apenas assim se compreenda que o “Juca” tenha andado a falar com a arguida quase 45 dias!). E é apenas desta forma que se compreendem os vários contactos telefónicos mantidos entre eles. Quando surge o plano não sabemos ao certo. Mas sabemos que ao final da tarde de 18 de Setembro já havia um plano idealizado e com adesão de todos os arguidos. E esta conclusão é óbvia a partir do momento em que o Carlos vai a Viana buscar o Ricardo com o único propósito de ambos terem intervenção nos factos que iriam ter lugar nessa manhã. Assim, na manhã de 19 de Setembro todos sabem o papel a desempenhar, onde ficar escondido, quem fica de vigia, quem leva as armas. O Ricardo vem propositadamente de Viana para participar no plano. As armas devidamente municiadas, não vá o “Juca”, indivíduo temerário e fisicamente robusto, armar confusão ou até empunhar ele uma arma! Mas havia, “ab initio”, um problema insolúvel: o “Juca” iria reconhecer os arguidos, mesmo que só a Ana, e isso significava denuncia e cadeia! Então no caso dos arguidos Manuel e Carlos era mais do que certo … E não estamos a ver a Ana a arrostar sozinha com cadeia … Ora, os arguidos sabiam antecipadamente que tinham que tirar a vida ao “Juca” para fruírem pacificamente do produto da venda dos bens de que se queriam apoderar, sem terem problemas com a Justiça. Só assim se compreende que apenas tenha sido apreendido um único gorro (ao Carlos, decerto gorro usado nos muitos assaltos que já empreendeu, conforme resulta do respectivo CRC), permitindo concluir com relativa segurança que todos os arguidos actuaram de cabeça descoberta, até porque não se vislumbra razão válida para agirem de cabeça coberta nas apontadas circunstâncias. E também só assim se compreende toda a subsequente actuação dos arguidos, almoçando, amassando o ouro, desenvolvendo contactos com vista à venda do mesmo, vendendo, dividindo o dinheiro, escondendo o corpo, limpando o veículo de transporte, etc.. A morte do “Juca” mais não foi do que a execução de algo que estava previamente planeado ! E as escutas telefónicas apenas confirmam esta asserção. Vejam-se as mensagens trocadas entre a arguida Ana e o arguido Manuel. Vejam-se as conversas, designadamente o tom de voz usado, entre a Ana e o Carlos. A própria Ana admite que “mandemos matar”, ou seja, que todos eles tiraram a vida ao “Juca”, que todos eles são responsáveis pelo planeamento e execução da morte do “Juca”. Veja-se, ainda, que o tiro disparado não resultou de um qualquer acidente, dado que o “Juca” estava rodeado por várias pessoas, várias armas, estava de costas e o tiro atingiu-o em cheio nas costas, ou seja, o arguido Manuel visou especificamente aquela parte do corpo ao ter, como resulta da sua baixa estatura, a sua arma assestada no seu ombro.
Dias depois transportam o cadáver do “Juca” para a lagoa. Como é evidente a arguida Ana sabia bem o que se estava a passar, aquilo que, na óptica dos arguidos, era necessário fazer ao corpo do falecido: escondê-lo. E tanto sabia que ela mesmo lavou e limpou o veículo no qual transportaram o dito corpo assim que os restantes arguidos chegaram de Viana. E, pormenor, com lixívia! Ela sabia, pois, que ali tinha sido transportado um cadáver e que, na limpeza, era necessário observar especiais cuidados, cuidados que não se têm na limpeza normal ou ordinária de veículos automóveis.
Resta dizer que relativamente ao arguido Domingos não se logra a prova cabal que o mesmo tenha tido participação efectiva, desenvolvendo actos materiais de qualquer espécie, no transporte e ocultação do corpo do “Juca”. Afirma o arguido que foi surpreendido pelos arguidos, quando o iam levar a Viana, depois de um dia de trabalho, com a colocação do corpo do falecido no interior do veículo e que não teve qualquer participação nos subsequentes factos. O arguido Pedro confirma esta tese. O arguido Carlos referiu que o arguido levantou a rede de vedação da lagoa para ajudar a transportar o corpo. Mas a afirmação deste arguido foi feita de uma forma algo frouxa, pouco concretizada em factos, antes transparecendo algum ressentimento em relação ao Domingos. Ora, subsiste, pois, a dúvida relativamente à participação do arguido Domingos nos factos que lhe foram imputados pelo que, em homenagem ao sobredito principio “in dubio pro reo”, são os mesmos dados como não provados.
Passemos, agora, aos factos do pedido civil.
Os factos dados como provados e respeitantes ao peticionado em sede de indemnização civil não oferecem especiais dificuldades: resultam do depoimento das testemunhas, nessa parte, do funcionamento das regras da experiência comum e dos documentos juntos aos autos.
Relativamente aos factos dados como não provados temos que, no que tange a alguns deles (por exemplo, que o “Juca” desse todo o apoio à sua filha e ao seu neto, acompanhando-os em todos os momentos da sua vida familiar e profissional; que fosse um conselheiro da sua filha e do seu neto em muitos dos seus assuntos pessoais; que a filha e o neto convivessem diariamente com o “Juca” e assim mantivessem uma forte relação de afecto, dedicação e estima, dedicando-lhe profundo respeito, veneração e carinho; que aqueles ainda sofram dor, desgosto, angústia e revolta; que qualquer um dos demandantes ainda sinta revolta pela forma como o cadáver do “Juca” foi tratado pelos arguidos, designadamente pela sua ocultação), pura e simplesmente não se fez qualquer prova, sobre os respectivos factos nenhuma prova foi produzida.
No que respeita a outros (por exemplo, que o “Juca” fosse o sustento do agregado familiar; que gastasse consigo, mensalmente, apenas cerca de 500 Euros e que a Elvira tenha sofrido, com a morte do “Juca”, um prejuízo mensal de cerca de 1000 Euros) temos que a Elvira e o “Juca” eram casados no regime da comunhão geral de bens, pelo que todos os bens e rendimentos existentes eram, à partida, comuns, designadamente o estabelecimento comercial denominado de “Café Juca” (mesmo em sede de IRS a declaração respeitou sempre a rendimentos comuns); ora, não se alegando ou sequer provando que o dito estabelecimento sofreu uma quebra de rendimento (facturação / lucro) e directamente imputável ao decesso do “Juca”, temos que o rendimento proveniente daquele estabelecimento passa a estar totalmente disponível para a sua mulher e demandante, pelo que não se vê onde esteja o prejuízo. E se os rendimentos eram comuns não é possível sustentar a afirmação de que era o falecido o sustento do agregado familiar.
Finalmente, no que concerne ao último grupo de factos dados como não provados, designadamente que o agregado familiar do falecido fosse unido e harmonioso, que o “Juca” e a sua esposa vivessem em função um do outro, que a Elvira tenha perdido a alegria de viver e a felicidade que lhe eram habituais, que tenha passado a viver em constante saudade, tristeza, choro e depressão, sentindo-se só, desamparada e triste, que a vida da Elvira se tenha alterado e que padeça ainda de dores, sofrimento, angústia, revolta e desespero, temos que os mesmos, em função dos depoimentos produzidos, devem ser havidos como tal. Isto é, é evidente, a partir dos depoimentos produzidos, que o ambiente familiar entre os cônjuges não era o melhor, bem pelo contrário, estando á data separados por causa dos casos extra-matrimoniais do “Juca”, sendo certo que esta não seria, até, a primeira vez que isso sucedia. Além do mais, muitas vezes o “Juca” deixou a sua esposa ir sozinha, de transporte público, aos tratamentos a um câncer ao Porto! Ou seja, compreendendo-se o desgosto pela morte de alguém que esteve toda uma vida ao nosso lado, tal não autoriza a que, sem mais, se conclua pela harmonia conjugal e permanente desgosto pela perda» Cf. fls. 3749 a 3819 (volume XIV). ---. ---
IV.
FUNDAMENTAÇÃO. ---
1. Da invocada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
No seu recurso, o Arguido Ricardo alude ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, referindo, em suma, que «a prova produzida foi manifestamente insuficiente para a decisão da matéria de facto dada como provada». ---
Vejamos. ---
Segundo o disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, o recurso pode ter como fundamento «a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada», «desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum». ---
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é o que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, porque o Tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deviam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão. ---
«É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada», sendo indispensável para se verificar tal vício que «a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão». ---
«A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida» Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2000, páginas 339 e 340. ---
No mesmo sentido se vem pronunciando unanimemente o nosso Supremo Tribunal, referindo-se a título meramente exemplificativo os respectivos acórdãos de 07.04.2010, Processo n.º 83/03.1TALLE.E1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Cabral, e 14.07.2010, Processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos/secção criminal. ---. ---
In casu. ---
O Recorrente Ricardo confunde erro de julgamento com o erro-vício indicado na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal. ---
Quanto àquele primeiro erro, remete-se ora para o que infra se referirá. ---
Do que aqui ora se trata é saber se a factualidade dada como provada é suficiente para uma decisão de direito. ---
Não se a prova produzida indicada na decisão de facto permite tal decisão. –
No que se refere ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ora em causa, diga-se apenas que o mesmo inexiste de todo em todo no caso em apreço: do texto da decisão recorrida não decorre, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que o Tribunal recorrido tenha deixado de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa nos termos anteriormente indicados. ---
Carece, pois, de fundamento o alegado pelo Arguido Ricardo na matéria. ---
2. Da mencionada contradição entre factos provados e não provados. ---
Segundo o disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal, o recurso pode ter como fundamento «a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão», «desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum». ---
Em causa está a discordância lógica entre os factos provados, ou entre estes os não provados, ou na própria motivação da matéria de facto ou entre esta e aqueles factos No mesmo sentido vejam-se Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III volume, edição de 2000, páginas 339 e 341, e os acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.2009, Processo n.º 3173/08 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Souto Moura, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos/secção criminal, e de 13.10.2010, Processo n.º 200/06.0JAAVR. C1.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Cabral, in www.dgsi.pt/jstj. --- . ---
Na situação em apreço, a Recorrente Ana alega que «existe contradição entre os pontos 14. e 15. dos factos provados, por um lado, e os pontos 232., 233., e 234. dos factos não provados». ---
Apreciemos. ---
Do acórdão recorrido consta como factualidade provada que: ---
«14. Desde há muitos anos que o “Juca” mantinha relacionamentos amorosos extraconjugais com mulheres de várias idades.
15. O relacionamento entre o “Juca” e a Ana foi-se desenvolvendo através de contactos por telemóvel tendo ambos acordado que, quando a Ana quisesse falar com o “Juca” lhe enviaria, para o seu número de telemóvel 96 7027... e a partir do seu próprio telefone (designadamente, o mencionado 93 5844...), toques para que o mesmo, de seguida, efectuasse a chamada telefónica para aquela, o que efectivamente sucedeu, por diversas vezes, no período temporal de Agosto e parte do mês de Setembro de 2011». ---
E consta como matéria de facto não provada que ---
«232. Que a arguida Ana e o “Juca” se tenham passado a relacionar sexualmente desde o início de Agosto.
233. Que entre ambos existisse, durante o mês de Agosto, um relacionamento amoroso.
234. Que antes de 19 de Setembro de 2011 o já referido descampado tivesse sido usado pela Ana e pelo “Juca” para manterem entre si relações sexuais». ---
Ou seja, ---
O ponto 14. refere-se a «relacionamentos amorosos extraconjugais» do falecido “Juca” «com mulheres de várias idades». ---
O Ponto 15. alude ao «relacionamento» telefónico «entre o “Juca” e a Ana», «no período temporal de Agosto e parte do mês de Setembro de 2011». ---
Os Pontos 232., 233. e 234. respeitam ao «relacionamento amoroso» e sexual entre «a arguida Ana e o “Juca”». ---
Atento o apontado âmbito do «relacionamento», bem como o respectivo circunstancialismo temporal e espacial em causa em cada um daqueles números, cumpre concluir pela absoluta coerência lógica dos mesmos. ---
Dito de outro modo, ao contrário dos restantes indicados pontos, o ponto 14. aponta para um traço comportamental do falecido Manuel R... e nada refere quanto à Recorrente. ---
Do ponto 15. decorre que «no período temporal de Agosto e parte do mês de Setembro de 2011» houve um relacionamento «através de contactos por telemóvel», «entre o “Juca” e a Ana». ---
Aí nada se diz quanto ao relacionamento amoroso e sexual entre eles, pelo que a resposta negativa que resulta dos pontos 232., 233. e 234. não contradiz a asseveração constante da factualidade dada como provada. ---
Neste contexto, na matéria factual em causa o raciocínio do Tribunal configura-se absolutamente consonante com as regras da lógica. ---
Improcede, pois, a pretensão da Recorrente Ana no que ora diz respeito. ---
3. Do alegado erro notório na apreciação da prova. ---
Nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, o recurso pode ter como fundamento «erro notório na apreciação da prova», «desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum». ---
Constituem o apontado vício o desacerto sobre facto notório, nomeadamente sobre facto histórico de conhecimento geral, a ofensa às leis da física, da mecânica e da lógica, assim como a ofensa relativamente a conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos. ---
Em causa está o equívoco ostensivo, de tal modo evidente a partir da simples leitura da decisão, que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III volume, edição de 2000, página 341, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, página 1119. ---
No mesmo sentido se vem pronunciando unanimemente o nosso Supremo Tribunal, referindo-se a título meramente exemplificativo os respectivos acórdãos de 14.05.2009, Processo n.º 1182/06.3PAALM.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Armindo Monteiro, 25.06.2009, Processo n.º 4262/06 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Soreto de Barros, e 29.10.2009, Processo n.º 273/05.2PEGDM.S1 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Souto Moura, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
Na situação em apreço. ---
O Arguido Ricardo alega a existência de erro notório na apreciação da prova por ter entendimento diverso do exame crítico da prova feito pelo Tribunal recorrido. ---
Para tal alude a diversas meios de prova e tece considerações sobre eles. ---
Ora, definido que foi o erro notório, mostra-se impróprio o alegado na matéria por aquele Recorrente. ---
De todo o modo, diga-se ainda que da decisão recorrida não decorre qualquer erro notório na apreciação da prova nos termos em que o mesmo ficou explicitado: na decisão recorrida inexiste qualquer equívoco ostensivo contrário a facto do conhecimento geral ou ofensivo das leis da física, da mecânica, da lógica ou de conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos. ---
Tanto basta para que se tenha por improcedente o alegado erro notório na apreciação da prova, relegando-se para o ponto seguinte deste acórdão o erro de julgamento. ---
4. Do referido erro de julgamento. ---
Segundo o artigo 428.º do Código de Processo Penal, «as relações conhecem de facto e de direito». ---
Tal constitui uma concretização da garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto - reapreciação por um Tribunal superior das questões relativas à ilicitude e à culpabilidade. ---
O recurso em matéria de facto não constitui, contudo, uma reapreciação total pelo Tribunal de recurso do complexo de elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida. ---
Diversamente, apenas poderá ter como objecto uma reapreciação autónoma do Tribunal de recurso sobre a razoabilidade da decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o Recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na indicação do Recorrente, imponham decisão diversa da recorrida ou determinado a renovação das provas nos pontos em que entenda que deve haver renovação da prova Cf. Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 20.01.2010, Processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
Por isso, nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o Recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas», indicando «concretamente as passagens em que se funda a impugnação». ---
Explicitando tal norma, o acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2012 fixou jurisprudência no sentido de que «visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do Recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações» Publicado no Diário da República n.º 77, de 18.04.2012. ---. ---
O recurso não é, pois, um novo julgamento, em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes é um remédio jurídico destinado a colmatar erros que devem ser identificados e individualizados, com menção das provas que os evidenciam e indicação concreta, por referência à acta, das passagens em que se funda a impugnação Cf. Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2009, Processo n.º 3270/08 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.stj.pt/jurisprudencia/ sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, ou seja, fora as excepções relativas a prova legal, assenta na livre convicção do julgador e nas regras da experiência, não podendo também esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir Cf. Acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 23.04.2009, Processo n.º 114/09 - 5.ª Secção, e de 29.10.2009, Processo n.º 273/05.2PEGDM.S1 - 5.ª Secção, ambos relatados pelo Senhor Conselheiro Souto Moura, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
O Tribunal da Relação só pode/deve determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão Cf. Acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 15.07.2009, Processo n.º 103/09 - 3.ª Secção, 10.03.2010, Processo n.º 112/08.2GACDV.L1.S1 - 3.ª Secção, e 25.03.2010, Processo n.º 427/08.0TBSTB.E1.S1 - 3.ª Secção, relatados pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
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In casu. ---
O Recorrente Manuel põe em causa os factos indicados como provados com os n.ºs 18. a 23., 27., 33., 34., 36. a 42., 44. a 48., 50. e 59. a 63. ---
Em suma, impugna a sua participação nos crimes de homicídio, profanação de cadáver e furto, aceitando tão-só a sua condenação pelo crime de uso e detenção de arma proibida. ---
Para tal alega, em resumo, que as declarações dos co-arguidos não estão corroboradas por qualquer outro meio de prova, sendo que tais declarações são contraditórias e incongruentes. ---
O Recorrente Ricardo impugna os factos indicados como provados com os n.ºs 20. a 23., 26., 27., 33. a 49., 59. a 62. e 64. a 66. ---
Em síntese, põe em causa a sua participação no crime de homicídio sub judice.
Refere, em suma, que da prova produzida não decorre que o Recorrente tenha planeado ou dado o seu acordo a um plano que incluísse matar a vítima Manuel R.... ---
Alega que tal decorre das declarações dos co-arguidos, pois a partir delas resulta que: ---
· O Recorrente fugiu do local do homicídio imediatamente após o disparo fatal; ---
· Não pegou nos objectos em ouro no local do homicídio; ---
· Actuou de cara tapada; ---
Sendo que à data dos factos o Recorrente estava inserido na sociedade e a partir do fatídico dia 19.09.2011 não mais colaborou ou participou com os demais Arguidos, num claro sinal e desaprovação do homicídio, não tendo, designadamente participado na ocultação do cadáver da vítima. ----
O Recorrente Carlos insurge-se relativamente aos factos dados como provados com os n.ºs 18. a 22., 36. e 60. a 62., bem como relativamente aos factos indicados como não provados sob os n.ºs 236. e 239. a 241. ---
Em suma, põe em causa a sua participação no crime de homicídio em apreço. --
Refere também que da prova produzida, nomeadamente das declarações de Arguido que transcreve, não é possível, designadamente: ---
· Concluir ter havido conluio do Recorrente com os demais co-arguidos antes do dia 19.09.2012 para roubar, bem como antes daquele dia e naquele próprio dia para matar a vítima. ---
· Concluir ter o Recorrente permanecido no local do homicídio após a perpetração deste; ---
· Concluir ter o Recorrente lançado a mão aos objectos subtraídos à vítima no local do decesso desta; ---
· Deixar de concluir que a vítima se virou de costas imediatamente antes do disparo fatídico; ---
· Deixar de concluir que o Recorrente actuou de cara coberta aquando dos factos em causa; ---
Alega ainda que o Tribunal recorrido estava proibido de valorar o tom de voz usado pelos intervenientes nas escutas telefónicas. ---
A Recorrente Ana põe em causa os factos indicados como provados com os n.ºs 8., 15., 18. a 21., 36., 38., 40., 47., 51., 60., 62. a 64. e 135. ---
Em resumo, põe em causa a sua participação nos crimes de homicídio, profanação de cadáver e uso e detenção de arma. ---
Refere que o Tribunal recorrido criou a sua convicção em meras ilações desprovidas de suporte probatório, não se mostrando razoável que tivesse sido dado como provado, nomeadamente, que: ---
· A Recorrente tinha relacionamento com o falecido em data anterior aos factos; ---
· O plano de assalto tivesse sido engendrado antes de 19.09.2011; ---
· Houve um plano para matar a vítima na qual a Recorrente participou; --
· Os valores que os Arguidos pretendiam obter com o assalto; ---
· O Arguido Manuel tivesse a sua arma assestada no ombro; ---
· Os Arguidos Carlos e Ricardo tenham lançado a mão aos objectos subtraídos à vítima no local do decesso desta; ---
· A Recorrente Ana amassou o ouro subtraído e procedeu à sua venda; ---
· A Recorrente Ana tenha participado na profanação de cadáver; -
· A carrinha Renault Trafic tenha sido limpa com água e lixívia e a Recorrente Ana participado em tal tarefa; ---
· A Recorrente Ana detivesse ou usasse as armas apreendidas na residência daquela; ---
· A Recorrente Ana tenha uma imagem social associada à inactividade laboral e a comportamento relacionados com a prostituição. ---
Alega que a circunstância dos Arguidos terem abandonado o local sem remover o corpo da vítima constitui elemento no sentido de que a morte desta não estava planeada. ---
Alude a transcrições telefónicas efectuadas, dando-lhes a sua interpretação.
O Recorrente Pedro põe em causa os factos indicados como provados com os n.ºs 18., 19., 20. e 60. ---
Em resumo, põe em causa a sua participação no crime de homicídio. ---
Refuta que tenha tido intenção de matar o falecido Manuel R... ou que soubesse de tal intenção por parte de algum dos restantes Arguidos, bem como impugna que tenha planeado com os demais o assalto perpetrado, tendo apenas anuído a este no dia do mesmo. ---
Os Recorrentes Manuel, Ricardo e Carlos invocam a violação do princípio in dubio pro reo. ---
Os Recorrentes impugnam, pois, os factos dados como provados sob os n.ºs 8., 15., 18. a 23., 26., 27., 33. a 51., 59. a 66. e 135., assim como os factos indicados como não provados sob os n.ºs 236. e 239. a 241. ---
Relativamente àquela factualidade impugnada pelos Recorrentes, o Tribunal recorrido fundou a sua convicção em prova pessoal, pericial e documental, integrando-a segundo as regras da experiência comum e ilações delas decorrentes.
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Numa perspectiva preliminar do objecto controvertido em causa dir-se-á que em processo penal podem ser valoradas as declarações de co-arguido e a prova pode e deve ser apreciada segundo as regras da experiência comum, com recurso a ilações devidamente fundadas, assim como na observância do princípio in dubio pro reo. ---
Explicitando. ---
Das declarações de co-arguido. ---
Não é líquida a relevância processual-penal das declarações de co-arguido em sede de valoração da prova jus-penal Sufragando entendimento de que as declarações de co-arguido, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, podem e devem ser valoradas no processo e são válidas mesmo desacompanhadas de outro meio de prova, desde que credíveis, vejam-se os acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2007, Processo n.º 24/07 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, 08.11.2007, Processo n.º 3984/07 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Simas Santos, 12.03.2008, Processo n.º 694/08 - 3.ª Secção, 04.06.2008, 03.09.2008, Processo n.º 2044/08 - 3.ª Secção, Processo n.º 1126/08 – 3.ª Secção, relatados pelo Senhor Conselheiro Santos Carvalho, 18.06.2008, Processo n.º 1971/08 – 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Armindo Monteiro, 22.10.2008, Processo n.º 215/08 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, e 27.06.2012, Processo n.º 127/10.0JABRG.G2.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Cabral, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos/secção criminal o último dos quais também in www.dgsi.pt/.jstj. ---
Apelando a uma ideia de corroboração, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07.05.2009, Processo n.º 1213/08 – 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Arménio Sottomayor, 25.06.2008, Processo n.º 2046/07 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Soreto de Barros, 12.06.2008, Processo n.º 1151/08 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Carvalho, 15.04.2010, Processo n.º 154/01.9JACBR.C1.S1 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.stj.pt/ jurisprudência /sumáriosdeacórdãos /secção criminal.
Com recurso à corroboração veja-se igualmente Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Volume II, edição de 202, página 191, Teresa Beleza, “Tão amigos que nós éramos”, in RMP, n.º74, Abril – Junho de 1998, páginas 39 e seguintes, Alberto Medina de Seiça, O Conhecimento Probatório do Co-arguido, Coimbra edição, 1999, páginas 212 e seguintes, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, edição de 2008, página 871. ---
Em sentido diverso, negando a possibilidade de valorar como meio de prova as declarações de co-arguido veja-se Rodrigo Santiago, in RPCC, Ano 4, Fasc. 1, Janeiro - Março de 1994, o qual entende como uma situação de nulidade de julgamento, por violação dos arts. 323.º, al. f), e 327.º, n.º 2, do CPP. ---. ---
É nosso entendimento que as declarações de co-arguido livremente prestadas e contraditadas por todos os sujeitos processuais devem ser livremente apreciadas pelo Tribunal e por ele valoradas caso mereçam credibilidade segundo um processo racional e inteligível de ponderação da prova produzida que tenha em conta a especial situação de co-arguido: ele não está sujeito ao dever de verdade e aos efeitos da sua inverdade, sendo certo que ele tem um particular interesse no desfecho dos autos. ---
As declarações prestadas por co-arguido, que decida livremente prestá-las, após o exercício do contraditório, podem, pois, ser valoradas como meio de prova para a formação da convicção do juiz em temos probatórios, dentro dos poderes de livre apreciação, naturalmente ponderadas e avaliadas todas as contingências sobre a credibilidade que tais declarações comportem: o problema é, assim, de valoração e credibilidade da prova e não de prova proibida Cf. o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2007, Proc. n.º 24/07 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar. ---. ---
O entendimento aqui sufragado funda-se desde logo na regra decorrente do artigo 125.º do Código de Processo Penal, que dispõe que «são admitidas as provas que não forem proibidas por lei», bem como na interpretação a contrario do n.º 3 do artigo 345.º do mesmo diploma legal, introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que expressamente estipula que «não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas» pelo Tribunal, pelo Ministério Público, pelo advogado do Assistente e pelos diversos defensores presentes em julgamento. ---
Quer dizer, respeitado o princípio do contraditório, pode o Tribunal apreciar livremente as declarações de um Arguido, mesmo em prejuízo de um seu co-arguido, segundo um processo racional e inteligível de ponderação da prova produzida, do qual não se olvide a particular situação do declarante. ---
«(…) A consideração de que o depoimento do Arguido que é, antes do mais, um cidadão no pleno uso dos seus direitos, reveste à partida de uma “capitis diminutio” só pelo facto de ser Arguido ofende o princípio constitucional da igualdade dos cidadãos. Portanto a questão que se coloca neste caso é, como em relação a todos os meios de prova, uma questão de credibilidade do depoimento do co-arguido.
Esta credibilidade só pode ser apreciada em concreto face às circunstâncias em que é produzida. O que não é admissível é a criação de regras abstractas de apreciação da credibilidade retornando ao sistema da prova tarifada, opção desejada pelo sistema inquisitorial. Assim, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do coarguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei.
A admissibilidade do depoimento do arguido como meio de prova em relação aos demais coarguidos não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação e está adequada à prossecução de legítimos, e relevantes, objectivos de política criminal, nomeadamente no que toca à luta contra criminalidade organizada.
(…) Seria necessária uma visão fundamentalista, e unilateral, do processo penal defender que o exercício do direito ao silêncio tivesse potencialidade para inquinar todo o meio de prova que, não obstante a sua regularidade, viesse a demonstrar a falência de tal estratégia de silêncio.
É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseado somente na declaração do coarguido porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas tal como o anseio de obter um trato policial, ou judicial favorável, o ânimo de vingança, ódio ou ressentimento ou o interesse em auto exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados.
(…) Entendemos que a credibilidade do depoimento incriminatório do coarguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto inculpação. Igualmente assume uma real importância a concorrência de corroborações periféricas objectivas que demonstrem a verosimilhança da incriminação.
(…) A partir do momento em que o arguido depõe no exercício do seu direito de defesa é evidente que as suas palavras têm uma dupla conotação. Sendo emergentes de um inviolável direito de defesa elas são também um meio de prova. Não é possível, em termos práticos, separar aquela realidade concreta que é o depoimento do arguido considerando ora como um exercício legítimo de um direito ora como meio de prova.
Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 133/2010 de 14 de Abril de 2010 o arguido, cada arguido, é senhor da decisão, que deve ser inteiramente livre e esclarecida, de prestar ou não prestar declarações. E isso quer os factos lhe sejam imputados apenas a si, quer respeitem também a outros arguidos. Cada arguido decide, como melhor lhe convier, se presta ou não declarações. E se as prestar serão valoradas, quanto a todos os factos sobre que versem, de acordo com o princípio da liberdade objectiva do juízo de prova. De modo algum, a circunstância de as declarações de um dos arguidos poderem ser valoradas contra os demais afecta a livre decisão destes de optarem pelo silêncio. Pode é a estratégia destes revelar-se menos adequada, mas isso é inerente à normal evolução da produção de prova. Pode suceder com esse ou com qualquer outro meio de prova, que os arguidos que exercem o direito ao silêncio acabem por ver-se na necessidade ou conveniência de modificar essa opção face à evolução da produção da prova» Cf. o acórdão do Supremo Tribunal de 27.06.2012, Processo n.º 127/10.0JABRG.G2.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Cabral, in www.dsgi.pt/jstj. ---. ---
«O processo penal destina-se à realização da justiça penal e seria comunitariamente insuportável negar valor probatório a declarações provindas de quem tem com os factos em discussão maior proximidade apenas pela circunstância de ser seu autor um dos arguidos quando essas declarações são emitidas livremente e, num escrutínio particularmente exigente, se conclui não haver razão para duvidar da sua correspondência à realidade.
Decisivo é que o arguido contra quem tais declarações sejam feitas valer não tenha sido impedido de submetê-las ao contraditório» Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 133/2010, de 14.04.2010, relatado pelo Senhor Conselheiro Vítor Gomes. ---. ---
Da prova indirecta. Presunções. ---
A prova do facto típico e ilícito juspenalmente pertinente tanto pode resultar de uma percepção imediata decorrente dos sentidos como derivar de ilações que o julgador retira de meras circunstâncias conhecidas em função de um raciocínio lógico assente nas regras da experiência comum – a denominada prova indirecta. ---
«Na prova indirecta a percepção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se presunção. A prova directa faz-se por percepção, a indirecta por percepção e presunção» Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III volume, edição de 1999, páginas 93 e 94. ---. ---
Como se refere no acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 17.06.2010, «o juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta, só por si, conduzir à sua convicção.
Em sede de apreciação, a prova (…) pode ser objecto da formulação de deduções ou induções, bem como da correcção de raciocínio mediante a utilização das regras da experiência.
Desde logo, é legítimo o recurso a tais presunções, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei, de acordo com o art.° 125.°, do Código de Processo Penal; e o art.° 349.° do Código Civil prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.° 351.°, do Código Civil).
Depois, as presunções simples ou naturais (…) são simples meios de convicção e encontram-se na base de qualquer juízo, pois são o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. (…)
Como expendia Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, 1-333 e ss., as presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cederão perante a simples dúvida sobre a sua exactidão em cada caso concreto.
Também Vaz Serra, em “Direito Probatório Material”, Boletim do Ministério da Justiça, n.° 112 pág., 99, diz que «ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [...] ou de uma prova de primeira aparência».
Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção» Processo n.º 1/08.0FAVRS.E1-A.S1 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Souto Moura, in www.dgsi.pt/jstj. No mesmo sentido, vejam-se os acórdãos daquele Venerando Tribunal de 27.05.2010, Processo n.º 11/04.7GCABT.C1.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Pires da Graça, 15.09.2010, Processo n.º 173/05.6GBSTC.E1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Fernando Fróis, 06.10.2010, Processo n.º 936/08.JAPRT - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, e 17.02.2011, Processo n.º 227/07.4JAPRT.P2.S1- 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Armindo Monteiro, todos in www.dgsi.pt/jstj. --- . ---
A pertinência da prova indiciária deve assentar, em regra, num duplo substrato. ---
Por um lado, deve fundar-se, em regra, na existência de uma pluralidade de dados indiciários plenamente provados ou absolutamente credíveis, admitindo-se que excepcionalmente baste um só indício pelo seu especial valor; ---
Por outro lado, deve assentar na racionalidade da inferência obtida de maneira que o facto “consequência” resulte de forma natural e lógica dos factos-base, segundo um processo dedutivo, baseado na lógica e nas regras da experiência comum Cf. Francisco Pastor Alcoy, Prueba de Indícios, Credibilidad del Acusado y Presuncion de Inocencia, 2003, página 25, assim como acórdão da Relação de Coimbra de 11.05.2005, Processo n.º 1056/05, relatado pelo ora Senhor Conselheiro Oliveira Mendes, e acórdão desta Relação de 22.02.2011, Processo 541/06.6GCVT.G1, e de 11.07.2011, Processo n.º 438/07.2PBVCT.G1, este relatado pelo aqui relator. ---. ---
Do in dubio pro reo. ---
O nosso regime jurídico processual-penal consagra o princípio da livre apreciação da prova Cf. artigo 127.º do Código de Processo Penal segundo o qual «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente». ---. ---
A livre apreciação da prova pressupõe que esta seja considerada segundo critérios objectivos que permitam estabelecer o substrato racional da fundamentação da convicção. ---
O princípio in dubio pro reo constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos: em tal situação, impõe-se que o Tribunal decida pro reo, a favor do Arguido, pois. ---
O princípio in dubio pro reo encerra uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o Arguido. ----
“A dúvida que há-de levar o tribunal a decidir «pro reo», tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal” Cf. Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, página 166. No mesmo sentido se vem pronunciando unanimemente o nosso Supremo Tribunal, referindo-se a título meramente exemplificativo os respectivos acórdãos de 05.02.2009, Processo n.º 2381/08 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Arménio Sottomayor, 14.10.2009, Processo n.º 101/08.7PAABT.E1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Pires da Graça, e 15.04.2010, Processo n.º 154/01.9JACBR.C1.S1 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
«O princípio do in dubio pro reo só intervém depois de concluída a tarefa da valoração da prova e quando o resultado da valoração da prova não é conclusivo». Tal princípio «não é, pois, um princípio de direito probatório, mas antes uma regra de decisão na falta de uma convicção para além de toda a dúvida razoável» Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, edição de 2011, página 61. . ---
Das escutas telefónicas, gravações, transcrição destas, dados de comunicação e tom de voz. ---
O legislador processual-penal intitula as «escutas telefónicas» como um dos «meios de obtenção da prova». ---
Enquanto tal, as escutas telefónicas constituem um meio de investigação do thema probandi e, pois, de obtenção da prova, não constituindo elas em si a prova do crime. ---
«Os meios de obtenção de prova são instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher meios de prova; não são instrumentos de demonstração do thema probandi, são instrumentos para recolher no processo esses instrumentos
(…) Na perspectiva lógica os meios de prova caracterizam-se pela sua aptidão para serem por si mesmos fonte de convencimento, ao contrário do que sucede com os meios de obtenção da prova que apenas possibilitam a obtenção daqueles meios» Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II volume, edição de 1999, páginas 189 e 190. . ---
Assim, as gravações das escutas telefónicas, ou seja, os “suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações” Na terminologia do n.º 12 do artigo 188.º do Código de Processo Penal. ---, mais não constituem que o registo material de um “meio de obtenção de prova”. ---
Por sua vez, as transcrições de escutas telefónicas processualmente válidas constituem em si um meio de prova documental apto a ser valorado pelo Tribunal; constituem, pois, um instrumento idóneo de convencimento do Tribunal. ---
Como meio de prova documental, a transcrição de escuta telefónica apenas prova que num preciso dia e hora uma certa pessoa proferiu uma determinada locução; não que o facto a que esta se refere tenha efectivamente ocorrido e muito menos que tenha sucedido nos precisos termos indicados pelo autor da locução. ---
Claro que a conversa em si, gravada e transcrita, vale como elemento de prova a ser valorado em confronto com os demais e nesses termos é susceptível constituir uma das premissas atendíveis na prova indirecta nos termos já aqui explicitados. ---
«Não constituindo as escutas telefónicas, no sentido técnico, meios de prova, através exclusivamente do conteúdo de uma conversação escutada, e sem a concorrência dos adequados meios de prova sobre os factos, não se poderá considerar directamente provado um determinado facto, que não seja a mera existência e o conteúdo da própria conversação.
(…) A documentação da escuta não será mais do que a cristalização em suporte do simples conteúdo da comunicação escutada ou interceptada; nada lhe acrescentando, permite a prova directa - mas só - de que uma comunicação existiu, a certa hora, entre determinados sujeitos e com determinado conteúdo.
A aquisição processual que a escuta assim permite (…) não poderá, enquanto tal, na dimensão valorativa da prova penal em audiência, ser considerada mais do que princípio de indicação ou de interacção com outros factos, permitindo, então, deduções ou interpretações conjugadas no plano autorizado pelas regras da experiência para afirmação da prova de um determinado facto. Os dados recolhidos na escuta, apenas por si mesmos, não podem constituir, nesta dimensão probatória, mais do que elementos da construção e intervenção das regras das presunções naturais como instrumentos metodológicos de aquisição da prova de um facto» Cf. Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 07.01.2004, Processo n.º 03P3213, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, in www.dsgi.pt/jstj/. ---. ---
Por outro lado, os «dados sobre localização celular» e o «registo de conversações ou comunicações», para usar a terminologia legal Cf. artigo 189.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. ---, seguem idêntico regime: também eles são prova documental, constituindo premissas susceptíveis de serem consideradas em sede de prova indirecta. ---
Finalmente, enquanto prova documental nos termos indicados, as transcrições de escutas telefónicas, os dados sobre localização celular e o registo de conversações ou comunicações podem ser valorados pelo Tribunal independentemente da sua efectiva leitura na audiência de discussão e julgamento.
Com efeito, nos termos do apontado artigo 355.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, «não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência», ressalvando-se de tal regra «as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes». ---
De acordo com o disposto no artigo 356.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma legal, «só é permitida a leitura em audiência de autos de instrução ou de inquéritos que não contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas». ---
Da conjugação das apontadas disposições legais urge entender que podem ser valoradas pelo Tribunal em sede de decisão final de mérito a prova documental e pericial constante dos autos mesmo que não produzida ou examinada em audiência, salvaguardado que se mostre o contraditório. ---
Dito de outro modo, nos termos do chamado princípio da imediação o Tribunal deve valorar a prova produzida ou examinada na audiência de discussão e julgamento. ---
Tal imediação funda-se na salvaguarda do contraditório. ---
Os sujeitos processuais não devem ser surpreendidos quanto a provas que o Tribunal utilize para formar a sua convicção, pelo que todas as provas devem ser previamente levadas ao conhecimento dos diversos sujeitos processuais a fim de que os mesmos sobre elas se pronunciem quanto à sua admissão, conteúdo e valor probatório. ---
Ora se é assim, manifesto é que as provas periciais e documentais juntas aos autos em momento diverso do julgamento e então plenamente conhecidas dos diversos sujeitos, bem como susceptíveis de contraditadas por estes, podem ser valoradas pelo Tribunal independentemente de terem sido examinadas em audiência. ---
Nessa situação mostra-se inteiramente garantido o contraditório, pelo que o exame em audiência daquelas provas constituiria um acto absolutamente inútil e, por isso, até, proibido por lei Nos termos do artigo 137.º do Código de Processo Civil, aplicável no processo penal por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal, «não é licito realizar no processo actos inúteis, incorrendo em responsabilidade disciplinar os funcionários que os pratiquem». ---. ---
«A exigência do art. 355.º, n.º 1 prende-se apenas com a necessidade de evitar que concorram para a formação» da «convicção» do Tribunal «provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo pelos intervenientes, com respeito pelo princípio do contraditório e não que tenham de ser reproduzidas na audiência, isto é, lidas ou apresentadas formalmente aos sujeitos processuais todas as provas documentais dele constantes. Basta que existam no processo com pleno conhecimento dos sujeitos processuais, que puderam inteirar-se da sua natureza, da sua importância e do seu conteúdo, bem como do seu valor probatório, para que qualquer desses sujeitos possa, em audiência, requerer o que se lhe afigurar sobre elas, examiná-las, contraditá-las e realçar o que, do seu ponto de vista, valem em termos probatórios. Neste sentido, tais provas são examinadas em audiência, sob a presidência dos princípios da imediação e do contraditório, podendo concorrer sem reservas para a convicção do tribunal.
Aliás, de acordo com o preceituado no art. 340.º, n.ºs 1 e 2 do CPP, o tribunal ordena, oficiosamente ou sob requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, e se considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta. Isto, exactamente porque, nos termos do referido art. 355.º, só podem valer para a formação da convicção do tribunal as provas produzidas ou examinadas em audiência.
Ora, se as provas, nomeadamente as provas documentais, já constam do processo, tendo sido juntas ou indicadas por qualquer dos sujeitos processuais e tendo os outros sujeitos delas tomado conhecimento, podendo examiná-las e exercer o direito do contraditório em relação a elas, não se vê razão para que elas tenham de ser obrigatoriamente lidas ou os sujeitos processuais obrigatoriamente confrontados com elas em julgamento para poderem concorrer para a formação da convicção do tribunal. O sujeito processual que assim o requeira pode sempre fazer examinar esta ou aquela prova, chamando a atenção para este ou aquele aspecto, ou pôr em causa de qualquer forma o seu valor e mesmo a sua validade. Daí que o princípio da produção da prova na audiência de julgamento, tal como decorre do art. 355.º do CPP, se manifeste nestes casos, mesmo independentemente da sua concreta (re)produção ou da leitura do seu conteúdo em audiência, sendo essa leitura permitida (isto é, não proibida)» Cf. acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 17.09.2009, Processo n.º 169/07.3GCBNV.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.dgsi.pt. ---
No mesmo sentido, entre muitos outros, vejam-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, página 914, bem como acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 87/99 de 09.02, in DR, II Série, de 01.07.1999, e 110/2011, de 02.03, in DR, II Série, de 06.04.2011, assim como acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30.03.2011, Processo n.º 73/04.7IDPRT.P1, e 19.09.2012, Processo n.º 154/11.0GAMCD.P1, assim como do Tribunal da Relação de Évora de 25.02.2010, Processo n.º 131/06.PAABT.E1, todos in www.dsgi.pt. ---
Em sentido contrário, veja-se Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume III, edição de 2000, páginas 253 e 254, bem como Revista do CEJ, 1.º semestre de 2006, número 4 (especial), Produção e Valoração da Prova em Processo Penal, página 45. ---. ---
O tom de voz de uma escuta telefónica válida e eficaz pode ser valorado pelo julgador desde que ouvido por ele em julgamento, conforme sucedeu no caso vertente Cf. resulta de fls. 3723 (volume XIV), na sessão de julgamento de 26.09.2012, que o Tribunal ouviu algumas escutas telefónicas que se encontravam gravadas. ---. ---
Valerá então como tal, concorrendo como elemento indiciário de prova, sujeito ao princípio da livre apreciação da prova nos termos explicitados. ---
*
Da co-autoria. ---
Ainda preliminarmente, referia-se que no que respeita à autoria, o artigo 26.º do Código Penal dispõe, além do mais, que «é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros (…)». ---
A co-autoria representa a execução do delito por uma pluralidade de pessoas, conforme acordo daquelas. ---
Tal acordo pode ser expresso ou tácito, bastando para este que haja tão-só uma consciência da colaboração de carácter bilateral No dizer de Eduardo Correia, conforme Acta da 12.ª Sessão da Comissão Revisora do Código Penal.. ---
«A execução conjunta não exige (…) que todos os agentes intervenham em todos os actos, (…), bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção, mas indispensável à produção da finalidade e do resultado a que o acordo se destina. ---
O autor deve ter o domínio funcional do facto; o co-autor tem também, do mesmo modo, que deter o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo e, na execução de tal acordo, se dispôs a levar a cabo. ---
O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do co-autor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à obtenção da finalidade pretendida. ---
A actuação que constitui autoria deve compreender-se em unidade de sentido objectivo-subjectivo, como obra de uma vontade directora do facto; para a autoria é decisiva não apenas a vontade directiva, mas também a importância material da intervenção no facto que um co-agente assume. ---
(…) A co-autoria supõe sempre uma “divisão de trabalho” que torne possível o crime, o facilite ou diminua essencialmente o risco da acção.
(…) Na co-autoria a execução é fruto de uma decisão conjunta, em conexão mútua entre as partes de execução do facto a cargo de cada um dos co-autores numa consideração objectiva.
A decisão deve revelar-se através de acções expressas ou acções concludentes e, por isso, qualquer dos co-autores responde pela totalidade da realização típica (cf. idem, págs. 791-792)» Cf. o acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2009, Processo n.º 58/07.1PRLSB.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt/jstj. ---. ---
*
* *
Feito este excurso preliminar, fundados no entendimento aí exposto, encaremos agora de frente os factos impugnados pelos Recorrentes, levando em conta a prova produzida pertinente relativamente a tais factos. ---
Assim. ---
Quanto aos factos dados como provados com os números 8. e 15. 8. A arguida Ana, em data não concretamente apurada, mas seguramente no início do mês de Agosto de 2011, travou conhecimento com o ofendido Manuel R..., nascido no dia 21 de Novembro de 1942, conhecido comummente por “Juca”. ---
15. O relacionamento entre o “Juca” e a Anafoi-se desenvolvendo através de contactos por telemóvel tendo ambos acordado que, quando a Anaquisesse falar com o “Juca” lhe enviaria, para o seu número de telemóvel 96 7027... e a partir do seu próprio telefone (designadamente, o mencionado 93 5844...), toques para que o mesmo, de seguida, efectuasse a chamada telefónica para aquela, o que efectivamente sucedeu, por diversas vezes, no período temporal de Agosto e parte do mês de Setembro de 2011. -- (Do conhecimento e contactos telefónicos da Arguida Ana com a vítima). ---
Em julgamento, a Arguida Ana referiu que não conhecia a vítima, nem contactou telefonicamente com ela, directamente para o telemóvel da vítima, senão no próprio dia 19.09.2011, sendo que era a sua filha mais nova, uma menor de 16 anos de idade, a Daniela, que telefonava à vítima, utilizando para o efeito o telemóvel da Arguida, com o n.º 935 844 ... Cf. as suas declarações de 18.09.2012, iniciadas pelas 15:08:42, minutos 3:54 a 4:20, 17:52 a 19:13, 40:54 a 41:05 e 52:35 a 57:14. ---. ---
Na matéria, as testemunhas Eva P... e Tânia F..., pessoas que à data dos factos conheciam e se relacionavam com a Arguida, disseram desconhecer se a Arguida tinha algum relacionamento com a vítima, sendo que aquela última testemunha referiu ainda que a Daniela, filha da Arguida, conhecia a vítima Cf. as declarações da testemunha Eva de 20.09.2012, iniciadas pelas 14:57:13, minutos 3:39 a 4:32 e as declarações da testemunha Tânia de 25.09.2012, iniciadas pelas 15:18:20, minutos 2:58 a 4:40 e 5:26 a 5:42. --- . ---
Na sessão de julgamento de 20.09.2012 a testemunha Daniela C... recusou-se a depor, invocando a sua qualidade de filha da Arguida e irmã do Arguido Carlos , conforme decorre de fls. 3688 (volume XIV). ---
Do documento de fls. 574 (volume III) resulta que aquela testemunha é filha da Arguida e nasceu em 31.05.1995; tinha, pois, 16 anos à data dos factos. ---
Por sua vez, do documento de fls. 174 (volume I) decorre que à data dos factos em causa o telemóvel da vítima tinha o n.º 967 027 .... ---
Confrontando as listagens de chamadas efectuadas entre os indicados telemóveis 967 027 ..., da vítima, e 935 844 ..., da Arguida, no período de tempo compreendido entre os dias 08.08.2011 e 19.09.2011, conclui-se que tais telemóveis tiveram entre si 23 (vinte e três) contactos Cf. fls. 3 a 14 e 18 a 27 do Apenso III, cuja contraprova consta a fls. 264 a 276 (volume II). --- : ---
Telemóvel emissor
Data
Hora
Tipo de serviço
Duração
(segundos)
935 844 ...
08.08.2011
13:48:01
SMS
- / -
967 027 ...
08.08.2011
14:48:53
SMS
- / -
935 844 ...
08.08.2011
14:49:49
SMS
- / -
967 027 ...
08.08.2011
15:48:50
GSM
60
967 027 ...
18.08.2011
10:01:49
GSM
43
967 027 ...
18.08.2011
10:20:35
GSM
19
967 027 ...
18.08.2011
10:34:40
GSM
17
935 844 ...
18:08:2011
19:16:33
SMS
- / -
967 027 ...
19.08.2011
12:02:58
GSM
60
967 027 ...
07.09.2011
20:33:11
GSM
63
967 027 ...
08.09.2011
15:23:59
GSM
28
967 027 ...
09.09.2011
14:14:41
GSM
36
967 027 ...
09.09.2011
15:35:13
GSM
75
967 027 ...
10.09.2011
13:56:18
GSM
33
967 027 ...
12.09.2011
15:01:14
GSM
36
967 027 ...
13.09.2011
13:46:55
GSM
130
967 027 ...
13.09.2011
13:54:21
GSM
35
967 027 ...
18.09.2011
11:26:12
GSM
44
935 844 ...
18.09:2011
19:33:58
GSM
1
967 027 ...
18.09.2011
19:34:43
GSM
64
967 027 ...
19:09:2011
11:26:12
GSM
44
967 027 ...
19.09.2011
11:49:32
GSM
34
935 844 ...
19.09.2011
12:01:24
GSM
18

Atenta a quantidade de tais contactos e a diversidade de dias e horas dos mesmos, ---
Assim como considerando: ---
· A autonomia de vida de Daniela C..., filha da Arguida, bem demonstradas nas referidas declarações da Arguida em julgamento Cf. as suas declarações de 18.09.2012, iniciadas pelas 15:08:42, minutos 52:35 a 57:14, onde a Arguida refere que a sua filha Daniela dispõe da sua vida como se de adulta fosse. ---, no depoimento aí prestado pela testemunha Tânia F... Cf. as suas declarações de 25.09.2012, iniciadas pelas 15:18:20, minutos 2:58 a 4:40. ---, no Relatório Social da Arguida Cf. fls. 3538 a 3542 (volume XIII). --- e no Relatório sobre a sua Personalidade Cf. fls. 3609 a 3616 (volume XIII). ---, dos quais decorre o seu absoluto desprendimento pelas respectivas responsabilidades parentais, ---
· A circunstância da Daniela fazer uso de um telemóvel próprio, conforme decorre dos Autos de Transcrição Cf. Apenso VI, fls. 52, das quais decorre que a Daniela usava o telemóvel com o n.º 936 865 225. Veja-se igualmente fls. 27 do Apenso III. --, o que era consentâneo com tal autonomia, ---
· O facto do telemóvel da Arguida, enquanto emissor, ter funcionado basicamente para solicitar um posterior contacto da vítima, o que nos leva a entender que aquele emissor usava habitualmente tal telemóvel, pois não faz sentido solicitar um contacto para depois não o ter, por entretanto já não se deter o telemóvel, sendo que este modo de relacionamento telefónico mostra-se, por isso, incompatível com a apurada autonomia de vidas da Arguida e da sua filha Daniela, que tinha igualmente telemóvel e poderia, pois, fazer tais contactos pelos seus próprios meios, sem recurso ao telemóvel da mãe, -
· Ser de todo em todo inaceitável que alguém aceda a um contacto físico com um estranho, num sítio ermo, cerca de 30 minutos antes desse contacto, o que sucederia a aceitar-se a versão da Arguida, ---
Integrando tais elementos à luz das regras da experiência comum e da lógica urge entender, tal como o fez o Tribunal recorrido, que a Arguida travou conhecimento com a vítima no início de Agosto de 2011 e com ela relacionou-se telefonicamente até ao decesso daquela, havendo, pois, que manter os factos indicados como provados sob os n.ºs 8. e 15. nos precisos termos que constam do acórdão recorrido. ---
Relativamente aos factos dados como provados sob os números 18., 19., 20., 59., 60., 61., 62., 65. e 66. 18. Em data não concretamente apurada, mas seguramente antes do dia 19 do mês de Setembro de 2011, a arguida Ana e os arguidos Manuel , Carlos, Ricardo e Pedro, engendraram um plano por forma a montar uma armadilha que lhes permitisse apoderarem-se dos já referidos bens e das quantias monetárias que o “Juca“ transportava consigo.
19. Simultaneamente, os arguidos formularam o propósito de, na concretização daquele, tirar a vida ao “Juca”, por forma a que este não os denunciasse em momento posterior.
20. Assim determinados, com propósito e motivação comum, os arguidos decidiram levar a cabo o tal plano, que delinearam em data não concretamente apurada mas antes de 19 de Setembro de 2011, com distribuição de funções e tarefas para cada um deles. ---
59. Ao actuarem da forma supra descrita, em conjugação de esforços e de intentos e com distribuição de tarefas, os arguidos Ana, Manuel, Carlos, Ricardo e Pedro quiseram apoderar-se dos objectos e dinheiro que o ofendido "Juca" trouxesse consigo no dia 19 de Setembro de 2011, como efectivamente sucedeu, e integrá-los no seu património, não obstante saberem que os mesmos lhes não pertenciam, nem a eles tinham direito, e que agiam contra a vontade do seu legítimo proprietário.
60. Quiseram, ainda, fazendo uso para o efeito das armas de fogo de que dispunham e que empunhavam, tirar a vida ao “Juca”, como efectivamente sucedeu, designadamente pelo tiro disparado pela espingarda caçadeira empunhada pelo arguido Manuel e desferido nas costas daquele.
61. Sabiam, ainda, que uma arma de fogo, designadamente uma caçadeira, e disparada a 1 metro ou metro e meio, era meio apto ou idóneo a tirar a vida a um ser humano.
62. Os arguidos persistiram nestes seus propósitos e vontade com total indiferença pela vida humana e sem qualquer motivo atendível para o fazer, que não fosse apoderar-se das quantias e valores que o “Juca” tivesse consigo. ---
65. Todos os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente.
66. Mais sabiam os arguidos, com excepção do Domingos, serem todos os seus comportamentos proibidos e penalmente proibidos por lei penal. --- , bem como aos factos dados como não provados sob os números 240. e 241. Não se provou que: ---
240. Que os arguidos Ana, Manuel, Carlos, Ricardo e Pedro quisessem apenas apoderar-se dos objectos e dinheiro que o ofendido "Juca" trouxesse consigo e integrá-los no seu património, fazendo uso para o efeito, se necessário, da sua superioridade física e das armas de fogo de que dispunham e que empunhavam, conformando-se com o facto (caso surgissem obstáculos ou dificuldades na execução do roubo planeado e/ou fuga posterior do local) das mesmas virem a ser utilizadas». ---
241. Que soubessem que apenas logravam concretizar aquele seu desígnio mediante o uso da força e ameaça das armas de fogo acima referidas». --- (Do plano, conhecimento e motivação dos Arguidos). ---
Relevam aqui as listagens telefónicas, os autos de transcrição de escutas telefónicas (Apenso VI) e as declarações dos Arguidos, elementos probatórios que importa integrar criticamente segundo as regras da experiência comum e da lógica, levando em conta as circunstâncias concretas apuradas no caso. ---
Vejamos. ---
No exercício do seu direito ao silêncio, o Arguido Manuel nada disse em julgamento Cf. Acta da sessão de julgamento de 18.09.2012, fls. 3649 (volume XIV). --- . ---
Então, a Arguida Ana referiu que, sob o impulso inicial do Arguido Ricardo, ela e os restantes Arguidos condenados combinaram, em 18.09.2011, assaltar a vítima, no que utilizaram armas de fogo, com o propósito tão-só de o assustar, sendo que o Arguido Manuel, sem que nada tivesse sido combinado, por sua exclusiva vontade, efectuou o disparo fatal que surpreendeu os restantes Arguidos Cf. as suas declarações de 18.09.2012, iniciadas pelas 15:08:42, minutos 2:40 a 2:44, 7:35 a 7:43, 9:20 a 9:30, 22:25 a 22:50, 26:32 a 27:02, 41:50 a 42:00 e 42:37 a 43:04. ---. ---
O Arguido Carlos referiu também que o disparo não fazia parte do plano que todos haviam acordado em casa dos Arguidos Ana e Manuel no próprio dia 19.09.2011, pouco tempo antes da morte da vítima, cingindo-se o plano de todos os Arguidos condenados ao assalto da vítima e destinando-se as armas detidas pelos Arguidos Carlos, Ricardo e Manuel tão-só assustar a vítima Cf. as suas declarações de 18.09.2012, iniciadas pelas 16:23:40, minutos 2:03 a 3:26, 4:29 a 5:30 e 7:05 a 7:50. ---. ---
Na matéria, o Arguido Ricardo declarou no essencial o mesmo: o acordo limitava-se ao assalto da vítima, foi feito no próprio dia e os Arguidos Carlos, Ricardo e Manuel ostentavam armas aquando do assalto para assustar a vítima Cf. as declarações do arguido Ricardo de 18.09.2012, iniciadas pelas 17:06:56, minutos 1:23 a 2:54 e 6:20 a 6:43. ---. ---
Por sua vez, o Arguido Pedro referiu que a sua participação cingiu-se ao assalto, no qual desempenhou o papel de vigia por indicação do Arguido Carlos; referiu que apenas tomou consciência do evento pelas 10:30 horas do próprio dia 19.09.2013, sendo que os Arguidos Carlos , Ricardo e Manuel ostentavam armas aquando do assalto Cf. as declarações do arguido Pedro de 19.09.2012, iniciadas pelas 10:30:37, minutos 00:00 a 01:37, 3:33 a 3:45, 4:02 a 4:29 e 5:11 a 5:30. --- . ---
Das listagens de chamadas efectuadas e recebidas a partir do telemóvel da Arguida, com o n.º 935 844 ..., decorre que relativamente ao telemóvel com o n.º 962 200 ..., pertença do Arguido Carlos Em audiência, o Arguido Carlos foi peremptória em afirmar que o seu telemóvel tinha o indicado número - cf. as suas declarações de 18.09.2012, iniciadas pelas 16:23:40, minuto 1:29 a 1:33. , nos dias 18.09.2011 e 19.09.2011, foram efectuados os seguintes contactos Cf. fls. 13, 14, 26 e 27 do Apenso III: ---
Telemóvel emissor
Data
Hora
Tipo de serviço
Duração
(segundos)
962 200 ...
18.09.2011
00:45:54
GMS
41
935 844 ...
18.09.2011
18:08:42
GMS
25
935 844 ...
18.09.2011
18:59:55
SMS
- / -
962 200 ...
18.09.2011
19:01:12
GMS
31
935 844 ...
18.09.2011
20:13:57
SMS
- / -
962 200 ...
18:09.2011
20:28:29
SMS
- / -
962 200 ...
19.09.2011
09:46:10
GMS
8
962 200 ...
19:09:2011
10:46:57
GMS
23
935 844 ...
19.09.2011
14:55:13
GMS
33

Por sua vez, pertinentes na matéria, importa destacar as sessões transcritas sob os n.ºs 345 e 889: ---
«Sessão n.° 345 - 30-10-2011 - 23:26:47 -----------------------------------------------------------
De: - AnaM... - 351937487681, adiante referida por Ana--------
Para: - Manuel Silva Lopes - 935764358, adiante referido por Manuel -----------------------
----------------------------------------------SMS------------------------------------------------------
Ana- "Eu sou uma asesima uma proca exeiro male eu meto noijo a ti eu nao sirvo para ti não quer a tua pena eu nao vou esceser destas oisa". -----------------------------------------------------------
(Fim de mensagem)» Apenso VI, fls. 2. ---. ---
«Sessão n.° 889 - 14-11-2011 - 18:52:39 - -----------------------------------------------------------
De: - Ana... - 351937487681, adiante referida por Ana-----
Para: - Andreia C... - 351937487684, adiante identificada por Andreia e Carlos C..., adiante identificado por Carlos -----------------------------------------
-------- Acabaste de ligar para o número Tag, portanto --------------------------------------------
Andreia - Sim ------------------------------------------------------------------------------------------
Ana- Olha ---------------------------------------------------------------------------------------------
Andreia - Hã! ------------------------------------------------------------------------------------------
Ana- Diz ao Carlos ------------------------------------------------------------------------------------
Andreia - Sim ------------------------------------------------------------------------------------------
Ana- Que a Judiciária --------------------------------------------------------------------------------
Andreia - Sim ------------------------------------------------------------------------------------------
Ana- De Braga, já sabe que fui eu que mandei matar o Juca ---------------------------------------
Andreia - O quê? --------------------------------------------------------------------------------------
Ana- A Judiciária de Braga, andou hoje a minha procura, que já sabe que fui eu que mandei matar o Juca --------------------------------------------------------------------------------------------------
Andreia - Espera aí que falas com o Carlos ----------------------------------------------------------
Ana- Não posso falar alto porque está aqui gente de fora e ouve, e diz-lhe a ele que eu amanhã de manhã quero falar com ele --------------------------------------------------------------------------------
Carlos - Hã?! -------------------------------------------------------------------------------------------
Ana- Amanhã de manhã eu quero falar contigo -----------------------------------------------------
Carlos- Porquê? ----------------------------------------------------------------------------------------
Ana - A respeito do Juca ----------------------------------------------------------------------------
Carlos - Porquê? --------------------------------------------------------------------------------------
Ana- Porque a Judiciária andou por aí fora ---------------------------------------------------------
Carlos - Ah---------------------------------------------------------------------------------------------
Ana– Não sei que lhe deu ----------------------------------------------------------------------------
Carlos - Ah---------------------------------------------------------------------------------------------
Ana - Já sabe que fui eu que mandemos matar o Juca, amanhã eles quer falarem comigo, e eu preciso falar contigo, amanhã de manhã cedo --------------------------------------------------------------
Carlos - Tá bem ... tá bem ----------------------------------------------------------------------------
Ana- E há merdas e merdas que este que este bu..., ordinário fala é assim------------------------
Carlo - Óh, aí dizes que é mentira -------------------------------------------------------------------
Ana- Tá, tá bom, tá, xau -----------------------------------------------------------------------------
Carlos - Tá, amanhã de manhã liga-me cedo ---------------------------------------------------------
Ana- Tá bem, eu ligo pra ela, prá Andreia, porque o teu, eu não tenho saldo ----------------------
Carlos - Tá bem, tá, tá, xau ---------------------------------------------------------------------------
Ana- Tá, xau, xau -------------------------------------------------------------------------------------
(Fim de conversação)» Apenso VI, fls. 5 e 6. ---. ---
Ponderando tais elementos probatórios, assim como as chamadas efectuadas entre os indicados telemóveis da vítima e da Arguida nos dias 18.09.2011 e 19.09.2011, conforme listagem supra, bem como levando em conta que: ---
· À data dos factos o Arguido Carlos residia perto dos Arguidos Manuel, Ana e Pedro, em F..., Barcelos, ---
· Ao passo que o Arguido Ricardo residia em D..., Viana do Castelo, ---
· O Arguido Pedro residia com os Arguidos Manuel e Ana, ---
· A morte da vítima sucedeu por volta da hora do almoço, pelo que seguramente o falecido e a Arguida combinaram encontro pelo menos no dia anterior ao assalto, já que é completamente impensável que os dois se encontrassem sem mais nem menos na sequência de telefonema da vítima cerca de meia hora antes do assalto, atenta a listagem supra Aspecto a melhor explicitar infra, aquando da apreciação do facto dado como provado sob o n.º 21. , ---
· A logística própria de um assalto, com envolvimento de diversas pessoas, vindos de lugares diversos, ---
Urge entender, tal como entendeu o Tribunal recorrido, que o plano do assalto foi engendrado pelos Arguidos condenados em data anterior a 19.09.2011, havendo, pois, que deixar intocáveis os factos indicados como provados sob os n.ºs 18. e 59. ---
O mesmo não se diga relativamente à existência de um plano dos Arguidos condenados no sentido de matar a vítima. ---
Face aos elementos probatórios indicados julga-se ousado concluir tal. ---
Com efeito, se o plano de assalto passava pela morte da vítima para que esta «não denunciasse» os Arguidos «em momento posterior», fica por explicar porque é que os Arguidos não levaram o corpo da vítima imediatamente depois da sua morte. ---
Na planificação do evento, se «os arguidos formularam o propósito de (…) tirar a vida» à vítima, por certo eles tinham uma ideia do que fazerem imediatamente ao corpo dela, mesmo levando em conta a primariedade da sua personalidade. ---
Ora, a circunstância de terem deixado a vítima no local e mais tarde alguns dos Arguidos o irem aí buscar obsta a que se entenda que do plano criminoso dos Arguidos condenados constava o «propósito de» «tirar a vida» à vítima. ---
Em função das regras da experiência comum e da lógica, não se afigura, pois, de concluir, sem mais, que a morte da vítima fazia parte do plano dos Arguidos condenados. ---
Não se pense, contudo, ser inócua a conexão daqueles Arguidos naquela morte. ---
Desde logo, quanto ao Arguido Manuel, da circunstância dele se fazer acompanhar de uma arma caçadeira devidamente municiada e de ter desferido contra a vítima um disparo a cerca de um metro daquela, nas costas da mesma, decorre que aquele Arguido agiu aquando de tal disparo com consciência e vontade de matar a vítima: agiu de forma consciente e voluntária, no assumido propósito de matar a vítima. ---
No que respeita aos Arguidos Ana, Carlos, Ricardo e Pedro, tendo em conta as circunstâncias da acção, nomeadamente o facto de se fazerem acompanhar no assalto de armas de fogo, numa situação de clara vantagem, pois eram quatro homens novos e uma mulher contra um homem de 68 anos de idade, aparentemente indefeso e seguramente surpreendido na situação, cumpre no mínimo entender que ao acorrerem ao local do assalto tais Arguidos estavam para o que desse e viesse, o que significa que seguramente admitiram como possível que a morte de Manuel R... decorresse no desenrolar do assalto em resultado da utilização de alguma das armas nele usadas pelos Arguidos e, mesmo assim, conformaram-se com tal desfecho. ---
A aplicação do princípio in dubio pro reo impede aqui que se suplante tal entendimento e muito menos que se subscreva na matéria o cabal entendimento do Tribunal recorrido. ---
Mesmo sendo a vítima um homem robusto e destemido, características que os Arguidos bem conheciam, é muito duvidoso entender que eles partiram para o evento criminoso na convicção que só venciam a vítima caso a matassem e muito menos concluir que a morte da vítima era absolutamente necessário ao encobrimento do assalto e, por isso, fazia parte da intenção dos Arguidos. ---
Conotado que estava o local com a prática da prostituição, poderão os Arguidos ter encetado o evento criminoso na convicção de que bastaria tal para que a morte da vítima não fosse necessária, na medida em que ela não apresentaria queixa contra eles. ---
Poderão eles ter agido na convicção de não seriam descobertos, em função de qualquer outro motivo. ---
Poderão eles ter agido até sem previamente ponderarem da necessidade de ocultar a sua identidade à vítima e só confrontados com a situação vivenciada terem tido necessidade de matar a vítima para alcançarem tal desiderato. ---
As dúvidas e a falta de elementos probatórios susceptíveis de as ultrapassar justificam que se quede nos termos indicados a matéria em causa. ---
Constituindo factores adequados às inferências que o apontado entendimento deste Tribunal pressupõe, corroboram este: --
· As sessões telefónicas transcritas, na qual a Arguida Ana se declara uma «asesima» e assume a sua autoria/coautoria na morte do «Juca», ---
· A participação dos Arguidos Carlos e Pedro na ocultação do cadáver da vítima, que eles próprios confessaram em audiência Cf. as declarações do Arguido Carlos de 18.09.2012, iniciadas pelas 16:23:40, minutos 18:40 a 19:25, bem como as declarações do Arguido Pedro, iniciadas pelas 10:30:37, minutos 10:09 a 11:09. ---, propalando, assim, o seu envolvimento pessoal na morte em causa, ---
· A circunstância de aquando dos factos os Arguidos Carlos, Ricardo e Manuel deterem armas de fogo devidamente municiadas Nos termos que infra melhor se justificarão a propósito dos factos dados como provados com os n.ºs 22., 23., 26. e 27. ---,
· O facto dos Arguidos Carlos, Ricardo e Pedro terem esperado pela chegada dos Arguidos Manuel e Ana ao Fiat Punto para só depois todos abandonarem o local e ---
· O facto de pouco tempo depois da assalto e da morte, no início da tarde do próprio dia em que tal ocorreu, os Recorrentes terem encetado preparativos para proceder à venda do produto do assalto, o que sucedeu nesse mesmo dia à noite. ---
A esta luz, revela-se impertinente quer a circunstância dos Arguidos Carlos e Ricardo terem abandonado o local onde ocorreu a morte da vítima após o disparo fatal sem terem então lançado a mão a bens e valores daquela, quer o facto do Arguido Ricardo não ter tido intervenção na ocultação do cadáver. ---
Desde logo, a respectiva participação para tal era desnecessária: para retirar os bens e valores da vítima bastavam os Arguidos Manuel e Ana e para ocultar o cadáver bastavam três homens feitos, sendo que o Arguido Ricardo residia em D..., Viana do Castelo. ---
Depois, sendo o Arguido Carlos o condutor do Fiat Punto natural era que o mesmo fosse para o local onde estava o veículo, colocasse este em movimento e em posição de fuga, bem como aí e assim esperasse pelos Arguidos Manuel e Ana, conforme sucedeu. ---
Finalmente, só o dolo eventual de homicídio nos termos indicados, a conformação, pois, do resultado morte por parte dos Arguidos Ana, Carlos, Ricardo e Pedro, é adequada à compreensão da apurada conduta subsequente dos Arguidos: apropriação de bens e valores da vítima, venda daqueles bens e ocultação de cadáver. ---
Tivessem eles sido surpreendidos com o disparo fatal e por certo teriam actuado de outra forma! ---
Nestes termos, devem os indicados pontos 19., 20., 60., 61., 62., 65. e 66. dos factos dados como provados terem a seguinte redacção: ---
«19. Aquando daquele plano, os Arguidos Ana, Manuel, Carlos, Ricardo e Pedro admitiram como possível que a morte do “Juca” pudesse resultar durante a execução daquele assalto, em razão do disparo de alguma das armas que os Arguidos usariam no assalto, e, mesmo assim, conformaram-se com tal desfecho, ---
20. Assim predispostos, os Arguidos decidiram levar a cabo tal plano, que delinearam em data não concretamente apurada mas antes de 19 de Setembro de 2011, com distribuição de funções e tarefas para cada um deles, ---
60. Ao disparar contra a costas do “Juca” a espingarda caçadeira que dispunha e que empunhava, o Arguido Manuel pretendeu tirar a vida àquele, conforme efectivamente sucedeu, animado com total indiferença pela vida humana e sem qualquer motivo atendível para o fazer, que não fosse apoderar-se das quantias e valores que o “Juca” tivesse consigo, ---
61. Os Arguidos Ana, Manuel, Carlos , Ricardo e Pedro sabiam que uma arma de fogo, designadamente uma caçadeira, disparada a 1 metro ou metro e meio, era meio apto ou idóneo a tirar a vida a um ser humano, ---
62. Os Arguidos Ana, Carlos , Ricardoe Pedroagiram da forma descrita animados pelo plano indicado em 18. e predispostos nos termos referidos em 19., ---
65. Todos os Arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente». ---
66. Mais sabiam os Arguidos, com excepção do Domingos, serem todos os seus comportamentos proibidos e penalmente proibidos por lei penal». ---
Em consequência, urge manter como não provados os factos indicados sob os números 240. e 241., acrescentando ainda que ---
Não se provou que ---
«Os Arguidos tenham actuado com outros propósitos e segundo outros planos que não os apurados». ---
No que respeita ao facto indicado como provado sob o número 21. 21. Em concretização do mesmo, no dia 18 de Setembro de 2011, pelas 19h33 e, em conluio com os demais arguidos, a arguida Ana, por via do seu telemóvel número 93 5844... enviou um toque de chamada para o “Juca” tendo o mesmo, de seguida, a partir do seu número de telemóvel 96 7027..., telefonado àquela a qual, no decurso da conversa encetada, marcou com o Manuel R..., para o dia seguinte, entre as 11 h 30 m e as 12 horas, um encontro de cariz sexual o qual teria lugar no descampado ou na clareira já referida. --- (Da marcação do encontro fatal). ---
Na matéria, cumpre atender às listagens das chamadas telefónicas Cf. fls. 3 a 14 e 18 a 27 do Apenso III, cuja contraprova consta a fls. 264 a 276 (volume II). --- , integrando-as à luz das regras da experiência comum: ---
Com efeito, daquelas listagens decorre que: ---
Telemóvel emissor
Data
Hora
Tipo de serviço
Duração
(segundos)
935 844 ... (Arguida)
18.09:2011
19:33:58
GSM
1
967 027 ... (vítima)
18.09.2011
19:34:43
GSM
64
967 027 ... (vítima)
19:09:2011
11:26:12
GSM
44
967 027 ... (vítima)
19.09.2011
11:49:32
GSM
34
935 844 ... (Arguida)
19.09.2011
12:01:24
GSM
18

Ora, não sendo de todo em todo plausível que a Arguida tenha tido um encontro com a vítima a partir de um simples contacto telefónico efectuado cerca de meia hora antes, como referiu aquela Arguida em julgamento Cf. as suas declarações de 18.09.2012, iniciadas pelas 15:08:42, minutos 40:54 a 41:05. ---, nem que os Arguidos, com ocupações e residências diversas, num dia de semana, 2.ª feira, se encontrassem todos juntos aquando de tal alegado fortuito contacto telefónico e de imediato tenham determinado o assalto, sendo tal absolutamente contraditório com as regras da experiência comum e da lógica, afigura-se de manter a factualidade dada como provada sob o número 21: pelas 19:33:58 a Arguida Ana deu um toque para o telemóvel da vítima, este telefonou àquela pouco depois, pelas 19:34:43, marcando encontro para o dia seguinte. ---
Quanto aos factos dados como provados com os n.ºs 22., 23., 26. e 27. 22. Assim, na manhã do dia 19 de Setembro de 2011, na execução do mencionado plano, o arguido Carlos, tripulando o veículo automóvel da marca Fiat, modelo Punto, de cor branca, matrícula 22-DB-..., pertença da sua companheira Sónia, foi buscar a sua casa, sita em D..., Viana do Castelo, o seu primo, o arguido Ricardo e, de seguida, à casa destes, a sua mãe, Ana, o arguido Manuel e o arguido Pedro.
23. Dirigiram-se, então, todos os supra mencionados arguidos e no veículo automóvel acima identificado para o local marcado para o encontro entre a Ana e o “Juca”, sendo que o Carlos se fazia acompanhar de uma arma caçadeira, cuja apreensão não se revelou no entanto possível, e diversos cartuchos para a referida arma, o Manuel com uma arma caçadeira, de calibre 12, com coronha em madeira, de dois canos sobrepostos, da marca “Verney - Carron - Saint Étienne”, com o número de série S 27 153, melhor examinada a fls. 1378 a 1381 e 1474 que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido, e diversos cartuchos para a referida arma, e o arguido Ricardo, munido de um revólver que não se logrou apreender nos autos bem como com munições compatíveis com o mesmo.
26. Uma vez chegados os arguidos a zona próxima do pequeno descampado, seriam então cerca das 11 h 00m, o arguido Carlos estacionou a viatura 22-DB-... num caminho em terra batida ali existente, junto da estrada que liga a estrada que vai para B... à estrada de P..., em Barcelos e em local não visível para quem entrasse para o local de encontro sito na bouça/eucaliptal.
27. Munidos os arguidos Carlos, Manuel e Ricardo, com as armas e munições que haviam trazido consigo, aquelas devidamente municiadas, dirigiram-se, subindo, juntamente com a Ana, por bouça dentro para zona próxima do encontro, onde se esconderam, permanecendo a Anaa meio do caminho e, portanto, visível para quem entrasse no dito caminho. --- (Da reunião dos Arguidos no dia da morte da vítima e deslocação dos mesmos para o local do encontro). ---
Releva na matéria, prova documental, pessoal e pericial, cumprindo integrar esta segundo as regras da experiência comum e da lógica. ---
Assim. ---
Do referido documento de fls. 562 (volume III) decorre que à data dos factos o veículo Fiat Punto, de matrícula 22-DB-... pertencia a Sónia C..., companheira do Arguido Carlos . ---
Em julgamento os Arguidos Ana, Carlos, Ricardo e Pedro referiram que o transporte para o local dos factos foi efectuado no Fiat Punto da companheira daquele Arguido, tendo o mesmo esclarecido que foi a D..., Viana do Castelo, buscar o Arguido Ricardoe depois a casa da mãe, a Arguida Ana, buscar esta e os Arguidos Manuel e Pedro Cf. as declarações da Arguida de 18.09.2012, iniciadas pelas 15:08:42, minutos 43:04 a 43:35, do Arguido Carlos igualmente de 18.09.2012, iniciadas pelas 16:23:40, minutos 2:03 a 3:26 e 7:54 a 7:59, do Arguido Ricardo também de 18.09.2012, iniciadas pelas 17:06:56, minutos 6:14 a 6:20, e do Arguido Pedro de 19.09.2012, iniciadas pelas 10:30:37, minutos 3:25 a 3:30. ---. ---
Em julgamento, os Arguidos Ana, Pedro, Carlos e Ricardo reconheceram ter estado no local onde ocorreu a morte da vítima e a apropriação dos bens desta, assim como referiram que os Arguidos Manuel, Carlos e Ricardo detinham então consigo armas de fogo: aqueles, uma espingarda caçadeira, cada um, e o Arguido Ricardo uma pistola Cf. as declarações da Arguida de 18.09.2012, iniciadas pelas 15:08:42, minutos 1:08 a 2:20, 4:45 a 5:13, 7:35 a 7:43, 22:25 a 23:00 e 42:36 a 43:05, do Arguido Carlos igualmente de 18.09.2012, iniciadas pelas 16:23:40, minutos 2:58 a 3:16, 10:41 a 10:54 e 36:05 a 36:21, do Arguido Ricardo também de 18.09.2012, iniciadas pelas 17:06:56, minutos 2:28 a 3:20, e do Arguido Pedro de 19.09.2012, iniciadas pelas 10:30:37, minutos 4:02 a 4:29. ---. ---
Os Autos de Reconhecimento de Locais Cf. fls. 953 a 959 e 960 a 969 (volume IV). ---, elaborados a partir de declarações dos Arguidos Pedro e Carlos, em 13.12.2011, assim como o Auto de Reconstituição do Facto Cf. fls. 2519 a 2523 (volume X). ---, decorrente de declarações do Arguido Carlos no local dos factos, em 08.05.2012, explicitam o local dos factos ora em causa e a localização dos intervenientes e veículos. ---
Na matéria vertente, tais Autos integram as declarações dos Arguidos em julgamento, corroborando as mesmas. ---
No mesmo sentido urge aqui apelar ao Exame Pericial à espingarda tipo caçadeira Cf. fls. 1378 a 1381 (volume VI). --- usada aquando dos factos pelo Arguido Manuel, que desferiu o disparo fatal: a Arguida referiu em julgamento que indicou à Polícia Judiciária a localização de tal arma Cf. as declarações da Arguida de 18.09.2012, iniciadas pelas 15:08:42, minutos 37:25 a 38:28. ---, sendo que a mesma foi, por isso, apreendida e examinada, permitindo ao Tribunal caracterizar cabalmente a arma do disparo, ao contrário das outras duas cujo paradeiro não foi apurado. ---
Finalmente, quanto ao municionamento das armas detidas pelos Arguidos Carlos e Ricardo, embora em julgamento aquele Arguido tenha referido que tais armas estavam descarregadas Cf. as declarações do Arguido Carlos de 18.09.2012, iniciadas pelas 16:23:40, minutos 36:95 e 37:02. --- e este Arguido afirmado desconhecer do respectivo municionamento Cf. as declarações do Arguido Ricardo de 18.09.2012, iniciadas pelas 17:06:56, minutos 2:54 a 3:04. ---, o contexto do caso e as regras da experiência comum justificam que se conclua pelo respectivo municionamento. ---
Com efeito, por um lado, não é plausível que num assalto sejam usadas armas não municiadas, nomeadamente quando se tem consciência que o assaltado é pessoa temerária, como sucedia in casu. ---
Por outro lado, nas buscas efectuadas à residência dos Arguidos Manuel, Ana, Carlos e Ricardo, em 13.12.2011, Cf. fls. 818 a 820, 827 e 828, bem como 837 e 838, respectivamente. --- foram encontradas múltiplas munições, o que bem demonstra a comum relação daqueles com tais apetrechos, não fazendo sentido que estes não sejam usados aquando do uso de arma de fogo. ---
Finalmente diga-se que no referido Auto de Reconstituição do Facto, o próprio Arguido Carlos reconhece que aquando dos factos levava um cartucho de calibre 12 no bolso das calças Cf. fls. 2520 (volume X). ---, sendo contranatura que tal suceda ao mesmo tempo que a arma não está municiada e no preciso momento de utilização daquela. ---
Nestes termos, urge manter os factos indicados como provados com os números 22., 23., 26. e 27. nos termos constantes da decisão recorrida, salvo quanto à referência feita ao «revólver» no facto 23. que deve ser substituído por «pistola», conforme referiram os Arguidos, segundo o supra exposto e o acórdão recorrido igualmente alude na respectiva motivação da matéria de facto: ---
«23. Dirigiram-se, então, todos os supra mencionados Arguidos e no veículo automóvel acima identificado para o local marcado para o encontro entre a Ana e o “Juca”, sendo que o Carlos se fazia acompanhar de uma arma caçadeira, cuja apreensão não se revelou no entanto possível, e diversos cartuchos para a referida arma, o Manuel com uma arma caçadeira, de calibre 12, com coronha em madeira, de dois canos sobrepostos, da marca “Verney - Carron - Saint Étienne”, com o número de série S 27 153, melhor examinada a fls. 1378 a 1381 e 1474 que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido, e diversos cartuchos para a referida arma, e o Arguido Ricardo, munido de uma pistola que não se logrou apreender nos autos, bem como com munições compatíveis com o mesmo». ---
Relativamente aos factos indicados como provados sob os números 33. a 37. e 50. 33. Logo após, quando o "Juca" se encontrava a aguardar que a arguida Anachegasse junto dele, foi surpreendido pelos arguidos Carlos, Manuel e Ricardo que empunhavam as armas na sua direcção, apontando-lhas.
34. Após uma breve troca de palavras e quando o ofendido se encontrava a cerca de um metro/um metro e meio dos referidos arguidos, o Manuel , que empunhava a caçadeira, municiada, apontou a mesma na direcção das costas do ofendido e disparou um tiro que o atingiu nas costas provocando-lhe a queda imediata no solo.
35. Em consequência, Manuel R... veio a falecer.
36. Após, os arguidos Manuel , Ana, Carlos e Ricardo levaram consigo os dois anéis, um fio em ouro com uma cruz pendente em ouro, um relógio em ouro com bracelete igualmente em ouro, o telemóvel onde estava inserido o cartão de acesso da operadora TMN n.º 96 7027... associado ao IMEI n.º 358 258035... 721, 4 (quatro) conjuntos de chaves e a chave do carro do ofendido 28-86-....
37. Nessa ocasião, um dos arguidos, cuja identidade em concreto não se logrou apurar, retirou a carteira do bolso das calças do ofendido a qual continha pelo menos 250 euros, levando-a consigo. ---
50. O tiro disparado pelo arguido Manuel causou de forma directa e necessária a Manuel R... as lesões descritas no relatório de autópsia junto aos autos a fls. 673 a 684, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente: “a morte do Manuel R... foi devida a lesões traumáticas raquimedulares e torácicas atrás descritas. Estas resultaram de violento traumatismo, de natureza perfuro-contundente, ou como tal actuando, tal como pode ter sido devido à acção de um disparo de projéctil de arma de fogo de cano comprido – caçadeira, cujo trajecto no tórax se pode descrever como sendo de trás para a frente, a distância intermédia”. “As características das lesões traumáticas, nomeadamente a sua localização, …, indica a necessidade de intervenção de terceiros, harmonizando-se com o diagnóstico médico-legal de homicídio”. ---, assim como aos factos considerados como não provados com os números 236. e 239. Não se provou que ---
236. Que os arguidos Carlos, Manuel e Ricardo tivessem usado gorros em 19 de Setembro de 2011. ---
239. Que o “Juca” se tenha virado de costas em direcção ao seu carro. --- (Do assalto e homicídio em si). ---
Que os Arguidos Manuel, Carlos e Ricardoempunhavam armas municiadas aquando do assalto já ficou aqui dito e demonstrado. ---
Que as apontaram em direcção à vítima logo que se confrontaram com ela é uma ilação que dali se pode extrair: a detenção de tais armas só se justificava se tivessem utilização aquando do assalto, pois de outro modo eram um empecilho e tal utilização passava por apontar as armas à vítima. ---
Dito de outro modo, atento o contexto apurado, uma vez que os Arguidos Manuel, Carlos e Ricardodetinham armas de fogo municiadas aquando do assalto é razoável entender que as direccionaram à vítima. ---
Ir mais longe e afirmar, como o Tribunal recorrido o fez na motivação da matéria de facto, que aquando do disparo o Arguido Manuel tinha «a sua arma assestada no seu ombro» Cf. acórdão recorrido, fls. 3817 (volume XIV). --- parece arrojado, face à factualidade produzida: não foi feita qualquer prova quanto à perícia do Arguido Manuel no manejo da espingarda caçadeira, pelo que o mesmo pode ter disparado aquela simplesmente em direcção à vítima sem a assestar no respectivo ombro. ---
Por outro lado, as declarações da Arguida e dos Arguidos Carlos e Ricardosão conformes entre si no que respeita aos momentos imediatamente antes e depois do disparo nos termos indicados no acórdão recorrido: após uma breve troca de palavras, quando a vítima se encontrava perto, depois de se ter virado de costas em direcção ao seu carro, o Arguido Manuel disparou um tiro de caçadeira, que atingiu aquele nas costas e o fez tombar de súbito ao chão Cf. as declarações da Arguida de 18.09.2012, iniciadas pelas 15:08:42, minutos 6:48 a 8:25, 23:48 a 24:26 e 49:15 a 49:58, do Arguido Carlos igualmente de 18.09.2012, iniciadas pelas 16:23:40, minutos 11:17 a 12:02, e do Arguido Ricardo também de 18.09.2012, iniciadas pelas 17:06:56, minutos 6:44 a 7:45. ---. ---
O Relatório de Autópsia da vítima Cf. fls. 673 a 884 verso (volume III). --- certifica do ponto de vista médico-legal as lesões causadas à vítima, bem como a causa da sua morte, conforme dado como provado pelo Tribunal recorrido, nomeadamente que o disparo atingiu a vítima de costas. ---
No que respeita à apropriação em si, os Arguidos Carlos e Ricardonegaram ter retirado bens ou valores à vítima, tendo referido que abandonaram o local imediatamente após o disparo Cf. nomeadamente as declarações do Arguido Carlos igualmente de 18.09.2012, iniciadas pelas 16:23:40, minutos 13:00 a 13:11, e do Arguido Ricardo também de 18.09.2012, iniciadas pelas 17:06:56, minutos 8:37 a 8:45. ---. ---
As declarações da Arguida vão no mesmo sentido, sendo que a mesma referiu que retirou bens da vítima, o mesmo tendo feito o Arguido Manuel Cf. as declarações da Arguida de 18.09.2012, iniciadas pelas 15:08:42, minutos 24:51 a 26:18. ---. ---
Em consequência, cumpre eliminar o facto indicado como não provado com o n.º 239. e alterar a redacção dos factos indicados sob os números 34., 36. e 37., quer explicitando que o disparo foi perpetrado depois da vítima se ter virado de costas em direcção ao seu carro, quer limitando a apropriação de bens e valores directamente à vítima aos Arguidos Manuel e Ana. ---
Finalmente, relativamente à utilização ou não de gorros pelos Arguidos Carlos e Ricardodecorrem dos autos elementos desencontrados: ---
· Em julgamento, a Arguida Ana disse que aquando do assalto o Arguido Manuel agiu de cara destapada, ao passo que os Arguidos Carlos e Ricardoactuaram de cara tapada Cf. as declarações da Arguida de 18.09.2012, iniciadas pelas 15:08:42, minutos 23:01 a 24:26. ---; ---
· No mesmo sentido pronunciou-se em julgamento o Arguido Carlos Cf. as declarações do Arguido Carlos igualmente de 18.09.2012, iniciadas pelas 17:05:24, minutos 00:06 a 00:32. ---; ---
· Em julgamento, os Arguidos Ricardoe Pedronada disseram sobre a matéria; ---
· Contudo, no Auto de Reconhecimento de Locais, datado de 13.12.2011, reportando-se aos momentos que antecederam o assalto, o Arguido Pedroreferiu que «o Carlos, o Manuel e o Ricardo foram à bagageira daquele veículo - [o Fiat Punto] – e retiraram (…) três gorros em lã de cor preta, com três orifícios, dois para os olhos e um para o nariz que colocaram sobre a cabeça e a face» Cf. fls. 953 (volume IV). ---, sendo que em julgamento o Arguido Pedroconfirmou tal Reconhecimento Cf. as suas declarações de 19.09.2012, iniciadas pelas 10:30:37, minutos 16:15 a 16:34. ---.
· Contrariamente, no Auto de Reconstituição do Facto, elaborado a partir das declarações do Arguido Carlos , datado de 08.05.2012, aquele Arguido referiu que «nenhum» dos Arguidos «se encontrava encapuçado» Cf. fls. 2520 (volume X). ---, sendo que em julgamento o mesmo Arguido confirmou tal Auto Cf. as suas declarações de 18.09.2012, iniciadas pelas 16:23:40, minutos 28:43 a 29:22 e 41:14 a 41:27. ---, referindo que o mesmo foi feito voluntariamente. ---
Perante tais elementos contraditórios, não podendo a partir deles discernir-se a realidade dos factos, bem andou o Tribunal recorrido ao dar como não provado que os Arguidos Carlos , Manuel e Ricardotivessem usado gorros aquando dos factos (facto não provado com o n.º 236). ---
De todo o modo, ao contrário do que referem os Recorrentes, tal matéria afigura-se inócua, não podendo inferir-se dela que os Arguidos Carlos e Ricardoactuaram ou não actuaram com dolo de homicídio. ---
Com efeito, mesmo que tivesse ficado demonstrado o uso do gorro sempre ele seria absolutamente compatível com o dolo directo de apropriação de bens e o dolo eventual de homicídio com que actuaram os Arguidos Carlos e Ricardo: o propósito destes era assaltar a vítima, daí usarem o gorro para camuflarem o assalto, mas se neste sucedessem vicissitudes os Arguidos estavam dispostos ao que desse e viesse, nomeadamente admitiram a morte da vítima em função do uso de armas de fogo e conformaram-se com tal resultado. ---
Em suma, quanto à factualidade ora em causa, relativamente aos factos dados como provados sob os números 34., 36. e 37., devem os mesmos passar a ter seguinte redacção: ---
«34. Após uma breve troca de palavras, quando o Ofendido se encontrava a cerca de um metro / um metro e meio dos referidos Arguidos, depois daquele se ter virado de costas em direcção ao seu carro, o Manuel, que empunhava a caçadeira, municiada, apontou a mesma em direcção das costas do Ofendido e disparou um tiro que o atingiu nas costas, provocando-lhe a queda imediata no solo». ---
«36. Após, os Arguidos Manuel e Ana retiraram ao “juca” e levaram consigo os dois anéis, um fio em ouro com uma cruz pendente em ouro, um relógio em ouro com bracelete igualmente em ouro, o telemóvel onde estava inserido o cartão de acesso da operadora TMN n.º 96 7027... associado ao IMEI n.º 358 258035... 721, 4 (quatro) conjuntos de chaves e a chave do carro do Ofendido 28-86-...». ---
«37. Nessa ocasião um daqueles Arguidos retirou uma carteira do “Juca”, a qual continha pelo menos 250 euros, levando-a consigo». ---
Em consequência, importa eliminar dos factos não provados o indicado sob o n.º 239 e dar ainda como não provado que: ---
«Os Arguidos Carlos e Ricardo tenham levado consigo bens ou valores da vítima Manuel R... imediatamente após o decesso desta». ---
Relativamente aos factos dados como provados sob os números 38. e 39. 38. Seguidamente, abandonando o corpo inanimado do ofendido e o veículo automóvel 28-86-... no local supra referido, os arguidos dirigiram-se para a viatura 22-DB-..., tendo o Carlos conduzido até sua casa, sita na Rua B – Barcelos, onde os arguidos, em conjugação de esforços e vontades, amassaram as peças de ouro retiradas ao “Juca” por forma a torná-las não identificáveis, tendo ainda destruído o telemóvel daquele.
39. Ainda nesse dia, em hora anterior às duas da tarde e, posteriormente alguns minutos mais tarde e depois ainda por volta das 20 horas, o arguido Carlos contactou com a testemunha Armando S... para o número de telemóvel deste, 91 8589889 a quem manifestou vontade de vender ouro o que veio a fazer, ainda nesse dia, juntamente com os arguidos Manuel, Ricardo e Pedro, na loja daquele, sita na Avenida E, em Barcelos, tendo recebido pela venda do mesmo a quantia global de € 1800 (mil e oitocentos euros), quantia que foi dividida entre os referidos arguidos e cabendo a cada um a importância de € 450 (quatrocentos e cinquenta euros). --- (Do amassar do ouro e venda do mesmo). ---
Considera-se pertinente na matéria tão-só as declarações dos Arguidos Ana, Carlos , Ricardo e Pedro, assim como o depoimento da testemunha Armando S..., pois apenas eles se referiram a tal assunto. -
Ora, em julgamento a Arguida Ana referiu que o ouro foi amassado pelos Arguidos Manuel, Carlos , Ricardoe Pedro Cf. as declarações da Arguida de 18.09.2012, iniciadas pelas 15:08:42, minutos 15:18 a 15:40. ---. ---
O Arguido Carlos disse que o ouro foi vendido por si e pelos Arguidos Manuel, Ricardo e Pedro, na sequência de contacto telefónico por si efectuado, pelo preço de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros), o qual repartiram em partes iguais pelos referidos quatro Arguidos Cf. as suas declarações igualmente de 18.09.2012, iniciadas pelas 16:23:40, minutos 19:49 a 20:52. . ---
O Arguido Ricardo disse que foi o Arguido Carlos que amassou o ouro com o conhecimento de todos, tendo sido aquele Arguido que contactou a pessoa que comprou o ouro, o qual foi vendido por si e pelos Arguidos Manuel, Carlos e Pedro que repartiram o preço pelos 4 em partes iguais Cf. as suas declarações de 18.09.2012, iniciadas pelas 17:06:56, minutos 10:38 a 10:58, 12:08 a 12:30 e 17:15 a 17:24. ---. ---
O Arguido Pedro referiu que após o almoço amassaram o ouro, o Arguido Carlos fez contacto no sentido de o alienar e à noite foram-no vender, tendo rendido a cada um a quantia de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) Cf. as suas declarações de 19.09.2012, iniciadas pelas 10:30:37, minutos 8:39 a 9:52. ---. ---
A testemunha Armando S... disse que comprou ouro amassado ao Arguido Carlos, o qual se encontrava acompanhado por mais dois ou três indivíduos, por preço que aceita ser de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros) Cf. o seu depoimento de 20.09.2012, iniciado pelas 12:27:34, minutos 0:51 a 4:06. ---. ---
Em 24.04.2012, em Auto de Reconhecimento, aquela testemunha reconheceu «com algumas reservas» o Arguido Manuel «como sendo aquele que acompanhava o Sr.º Carlos no dia em que foram à sua loja vender o ouro a que fez referência nas suas declarações constantes dos autos. Que este indivíduo agora está mais forte e menos moreno» Cf. fls. 2456 e 2457, volume IX (Auto de Reconhecimento Pessoal). --- . ---
Atentas tais declarações, o depoimento da referida testemunha e o apontado Auto de Reconhecimento é de concluir que apenas os Arguidos Manuel, Carlos , Ricardo e Pedro amassaram o ouro. ---
Nestes termos e considerando a nova redacção dada ao facto provado sob o n.º 36, assim como o referido supra quanto ao mesmo, importa alterar o facto indicado sob o n.º 38, passando a mesma a ter a seguinte redacção: ---
«38. Seguidamente, abandonando o corpo inanimado do Ofendido e o veículo automóvel 28-86-...no local supra referido, os Arguidos Manuel e Ana dirigiram-se para a viatura 22-DB-..., onde já se encontravam os Arguidos Ricardo, Pedro e Carlos, tendo este conduzido tal viatura até sua casa, sita na Rua B, F... – Barcelos, onde os Arguidos Manuel, Carlos , Ricardo e Pedro, em conjugação de esforços e vontades, amassaram as peças de ouro retiradas ao “Juca” por forma a torná-las não identificáveis, tendo ainda destruído o telemóvel daquele». ---
Importa também consignar como facto não provado que ---
«A Arguida Ana tenha amassado o ouro». ---
Quanto aos factos dados como provados com os números 40. a 47., 49. e 63.40. Posteriormente, em data e hora não concretamente apuradas mas situadas entre o dia 19 de Setembro e o dia 22 de Setembro de 2011, os arguidos Ana, Manuel , Carlos e Pedro, com a finalidade de não serem descobertos pelas autoridades decidiram esconder o cadáver de Manuel R..., decidindo-se da forma como iriam proceder.
41. Assim motivados e comungando, de novo, esforços, em dia não determinado, mas sempre dentro do referido lapso temporal, já de noite, os arguidos Manuel , Carlos e Pedro, dirigiram-se na carrinha “Renault” modelo “Trafic”, matrícula 68-59-..., registada em nome da arguida Ana, ao local onde haviam deixado o cadáver do ofendido “Juca” e, em conjugação de esforços e vontades, colocaram o mesmo na zona de carga da aludida carrinha.
42. Acto contínuo, os mesmos arguidos, transportando o cadáver de Manuel R..., dirigiram-se para junto de uma lagoa formada após sucessiva extração de caulinos, conhecida por “Mina da G...”, sita na Rua de F, Viana do Castelo, pertença da firma denominada “M...”.
43. Pelo menos à data dos factos acima mencionados, a referida lagoa, em forma circular possuía cerca de 100 (cem) metros de diâmetro, tinha uma profundidade variável mas sempre superior a 2 a 3 (dois a três) metros e encontrava-se delimitada por uma vedação de malha sol com cerca de 2 (dois) metros de altura, sustida por vigas de cimento próprias para a construção civil, em forma de “T” e com cerca de 2, 5 m (dois metros e meio) de alto, equidistantes 4 a 5 (quatro a cinco) metros.
44. Junto da referida lagoa, os já referidos arguidos, em comunhão de esforços, retiraram uma das vigas em cimento supra descritas a qual se encontrava num dos pontos mais altos da escarpa da lagoa (cerca de 10 metros) pegaram no cadáver de Manuel R... e, com recurso a uma corda que se encontrava no interior da carrinha, pertença do Manuel , ataram o mesmo, pela cintura e com vários nós à viga de cimento referida, levantaram a rede de malha sol, lançando de seguida, o cadáver e a viga acoplada para o interior da lagoa.
45. Na sequência, o corpo do falecido caiu num socalco, primeiro patamar da escarpa tendo os arguidos ido até aquele local e lançado novamente o cadáver para a lagoa e porque o corpo veio novamente a cair num segundo patamar ali existente, novamente os mesmos arguidos encetaram diligências com vista ao lançamento do corpo para a lagoa, o que conseguiram mas atenta a largura do segundo socalco e o peso, quer do corpo, quer da viga, o cadáver ficou junto à margem da lagoa, a viga de forma oblíqua e o corpo, ambos submersos.
46. Imediatamente a seguir dirigiram-se aqueles arguidos para a casa do arguido Manuel , sita na Rua de S. Gonçalo, n.º 359, fracção B, Fragoso, Barcelos.
47. Uma vez nesse local, os arguidos Manuel e Pedro, juntamente com a arguida Ana e com a finalidade de removeram todos e quaisquer vestígios eventualmente ali deixados pelo cadáver do ofendido “Juca”, com baldes de água e lixívia limparam a zona de carga da carrinha e colocaram ao lixo sacos de plástico, próprios para guardar o lixo que haviam colocado por baixo do corpo quando foi transportado na aludida viatura. ---
49. Por razões alheias à vontade dos arguidos, no dia 26 de Setembro de 2011, pelas 16 horas o corpo do falecido “Juca” veio a ser encontrado a boiar na lagoa para onde havia sido lançado e ainda agarrado à viga de cimento que se encontrava naquele lugar numa posição oblíqua. ----
63. Mais sabiam os arguidos Ana, Manuel, Carlos e Pedro que, ao actuaram da forma supra descrita procuravam ocultar o cadáver do ofendido “Juca”, para que o mesmo não fosse descoberto, ou que, caso o mesmo fosse descoberto meses ou anos depois, os restos cadavéricos não fossem identificados. --- (Da ocultação de cadáver). ---

Em causa está a participação da Arguida Ana e do Arguido Manuel na ocultação de cadáver. ---
Na matéria, aquela Arguida refutou tal participação, referindo que nunca mais viu o cadáver, nem soube da ocultação do mesmo antes de tal suceder, tendo apenas lavado, sem lixívia, a carrinha Renault Trafic por ordem do Arguido Manuel, a qual não tinha então vestígios de sangue; referiu também que tal ocultação foi executada pelos Arguidos Manuel, Carlos e Pedro, sendo que a carrinha pertencia ao Arguido Manuel, embora estivesse registada em seu nome Cf. as declarações da Arguida de 18.09.2012, iniciadas pelas 15:08:42, minutos 13:43 a 15:07, 29:00 a 32:40 e 47:30 a 47:36. --- . ---
Os Arguidos Carlos e Pedro disseram que o Arguido Manuel procedeu ao transporte e ocultação de cadáver nos termos indicados no acórdão recorrido, ao passo que a Arguida não procedeu a tal transporte e ocultação, desconhecendo do conhecimento dela quanto a tal Cf. as declarações do Arguido Carlos 18.09.2012, iniciadas pelas 16:23:40, minutos 18:30 a 19:45, 21:25 a 22:15, bem como as declarações do Arguido Pedro de 19.09.2012, iniciadas pelas 10:30:37, minutos 10:00 a 11:30 e 18:00 a 19:20. ---. ---
Os Autos de Reconhecimento de Locais Cf. fls. 953 a 959 e 960 a 969 (volume IV). ---, elaborados a partir de declarações dos Arguidos Pedro e Carlos, em 13.12.2011, assim como o Auto de Reconstituição do Facto Cf. fls. 2519 a 2523 (volume X). ---, decorrente de declarações do Arguido Carlos no local dos factos, em 08.05.2012, apontam também no sentido da participação do Arguido Manuel nos termos dados como provado pelo Tribunal recorrido, sendo omissos quanto à participação da Arguida. ---
Neste contexto, é certo que o Arguido Manuel participou na ocultação de cadáver nos termos indicados pelo Tribunal recorrido, sendo legítimo inferir que o fez para que a vítima não fosse descoberta, ou que, caso o fosse meses ou anos depois, os restos cadavéricos não fossem identificados. ---
O mesmo não se diga quanto à participação da Arguida em tal ocultação. ---
Embora ao tempo dos factos ela fosse companheira do Arguido Manuel, estivesse registada em seu nome a aludida carrinha Renault Trafic que transportou o cadáver Cf. fls. 407 (volume II). --- e a Arguida tenha lavado tal viatura após o transporte do cadáver, os elementos probatórios indicados não nos permitem, com a certeza que o juspenal impõe, concluir que a Arguida decidiu conjuntamente com os Arguidos Manuel, Carlos e Pedro ocultar o cadáver da vítima e muito menos participou, por qualquer forma, em tal ocultação. ---
Importa, pois, alterar nesse sentido os factos indicados sob o n.º 40., 47. e 63., os quais passarão a ter a seguinte redacção: ---
«40. Posteriormente, em data e hora não concretamente apuradas mas situadas entre o dia 19 de Setembro e o dia 22 de Setembro de 2011, os Arguidos Manuel, Carlos e Pedro, com a finalidade de não serem descobertos pelas autoridades decidiram esconder o cadáver de Manuel R..., decidindo-se da forma como iriam proceder». ---
«47. Uma vez nesse local, os Arguidos Manuel e Pedro, com a finalidade de removerem todos e quaisquer vestígios eventualmente ali deixados pelo cadáver do Ofendido “Juca”, colocaram ao lixo sacos de plástico, próprios para guardar o lixo, que haviam sido colocados por baixo do corpo quando foi transportado na aludida viatura e limparam com água e lixívia a zona de carga da carrinha, tendo a Arguida Ana igualmente lavado com água aquela zona». ---
«63. Mais sabiam os Arguidos Manuel, Carlos e Pedro que, ao actuaram da forma supra descrita procuravam ocultar o cadáver do Ofendido “Juca”, para que o mesmo não fosse descoberto, ou que, caso o mesmo fosse descoberto meses ou anos depois, os restos cadavéricos não fossem identificados». ---
Em consequência, importa dar como não provado que: ---
«A Arguida Ana tenha por alguma forma participado na descrita ocultação do cadáver de Manuel R... e, nomeadamente, decidido quanto à sua ocultação ou deitado fora os plásticos usados no transporte daquele ou lavado com lixívia a zona de carga da referida carrinha Renault Tafic». ---
Relativamente aos factos dados como provados sob os números 48., 51. e 64. 48. De seguida ainda o arguido Manuel guardou a arma com a qual havia morto o ofendido debaixo do colchão da sua cama, no quarto de casal da sua casa, sita na Rua de S. Gonçalo, n.º 359, fracção B, Fragoso. ---
51. No dia 13 de Dezembro de 2011, entre as 07h10m e 08h50m, e após busca domiciliária à residência dos arguidos Ana e Manuel , sita na Rua de S. Gonçalo, n.º 359, fracção B, Fragoso – Barcelos foram encontrados e apreendidos os seguintes objectos pertença dos arguidos supra descritos:
1. Na dispensa, em cima do frigorífico:
a) 4 (quatro) caixas de munições de calibre.22, da marca “Vostok Target”, contendo um total de 199 (cento e noventa e nove) munições intactas, melhor descritas no exame de fls. 2396 e 2397 que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido.
b) 1 (uma) caixa de cartuchos de caça de calibre 12, da marca “Polvichumbo”, com 25 (vinte e cinco) cartuchos intactos, melhor descritos no exame de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido.
c) 1 (uma) arma de ar comprimido, com a configuração de carabina, da marca “Cometa”, com o número de série 118077, transformada/adaptada para disparar cartuchos de caça de calibre 9 mm, melhor descrita no exame pericial de fls. 2470 a 2473, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido.
2. No guarda-fatos do quarto dos buscados:
d) 27 (vinte e sete) munições de calibre.22 intactas, da marca visível, acondicionadas numa caixa plástica, melhor descritas no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido;
e) 5 (cinco) munições de calibre.32 intactas, da marca “H&R MAG”, melhor descritas no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido;
f) 12 (doze) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, acondicionados numa caixa plástica com a inscrição “Casa Coelho”, melhor descritas no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido;
g) – 19 (dezanove) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, introduzidos numa cartucheira em forma de cinto, melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido.
(…)
4. Na cozinha, no armário por cima do exaustor:
i) 2 (dois) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido.
5. Na garagem:
j) 91 (noventa e um) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, da marca “Sellier & Bellot” – melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido.
k) 10 (dez) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, da marca “Municar” , melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido.
l) 13 (treze) cartuchos de caça de diversas marcas intactos, acondicionados numa caixa em plástico de cor branca melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
64. Sabiam ainda os arguidos cujas munições e armas lhe foram apreendidas nos autos e melhor descritas supra que os mesmos não se encontravam habilitados a tê-las na sua posse, tendo os mesmos perfeito conhecimento da natureza e características das armas e munições em questão. -- (Da pertença de armas e munições à Arguida Ana). ---
À matéria interessa integrar prova pessoal e documental. ---
Em julgamento, a Arguida confirmou que aquando da busca à sua residência aí se encontravam as armas e munições indicados no acórdão recorrido, referindo que tais objectos pertenciam ao Arguido Manuel, para este ir à caça; disse ainda que foi ela que indicou à Polícia Judiciária a arma utilizada no decesso da vítima Cf. as suas declarações de 18.09.2012, iniciadas pelas 15:08:42, minutos 34:01 a 36:03 e 37:23 a 38:28. ---.
Quer dizer, embora refutando a propriedade de tais objectos, a Arguida fez ver ao Tribunal que tinha deles conhecimento exaustivo e sobre eles exercia uma disponibilidade absoluta. ---
A prova documental corrobora tal disponibilidade: ---
Com efeito, dos Autos de Busca respectivos Cf. fls. 818 a 820 e 1120 (volume IV). ---- resulta que as armas e munições apreendidas estavam espalhadas pela residência dos Arguidos Ana e Manuel – na despensa em cima do frigorífico, no guarda-fatos e na cómoda do quarto, no armário por cima do exaustor, na garagem e na cama dos Arguidos. ---
Havia duas armas e uma abundância inusitada de munições de diversos calibres. ---
A Arguida tinha perfeita consciência e disponibilidade da arma utilizada na morte da vítima, como demonstra a reportagem fotográfica efectuada pela Polícia Judiciária aquando da respectiva apreensão Cf. fls. 1331 e1332 (volume V). ---. ---
Neste contexto, afigura-se justificada a matéria factual em causa dada como provada pelo Tribunal recorrido. ---
A livre disponibilidade pela Arguida dos objectos em apreço confere-lhe uma relação de «pertença» quanto aos mesmos, não no sentido de os ter adquirido e, pois, ser respectiva proprietária, mas antes de ter o respectivo domínio, sendo que, dada a qualidade de tais objectos e a experiência de vida da Arguida, uma mulher madura, com experiência de vida feita, não pode deixar de entender-se que ela não só sabia da necessidade de licenciar tais objectos mas também de que a respectiva detenção sem licença era proibida e punida por lei. ---
Nestes termos, afigura-se justificada a matéria factual em causa dada como provada pelo Tribunal recorrido. ---
Quanto ao facto indicado como provado com o número 135. 135. A imagem social da arguida, extensiva ao companheiro e filhos, está negativamente associada à inactividade laboral, bem como à prática de comportamentos desviantes, designadamente comportamentos relacionados com a prostituição. --- (Da imagem social da Arguida). ---
Também aqui releva prova pessoal e documental. ---
Em julgamento a testemunha José M... referiu que até 2010 viveu em união de facto com a Arguida, sendo que esta trabalhava então no Restaurante A..., em Barcelos, onde entretanto deixou de trabalhar e não mais voltou a aí laborar devido a questões de «higiene»; disse igualmente que a partir de certa altura desconfiou que a Arguida andava a enganá-lo com outros homens Cf. o seu depoimento de 20.09.2012, iniciado pelas 14:39:09, minutos 12:05 a 16:45. ---. ---
As testemunhas Eva P..., Tânia F... e Margarida P... referiram também que a Arguida trabalhou no Restaurante A..., em Barcelos Cf. o depoimento da testemunha Eva de 20.09.2012, iniciado pelas 14:57:13, minutos 26:27 a 27:15, Tânia igualmente de 20.09.2012, iniciado pelas 15:18:20, minutos 1:20 a 1:37, e Margarida P... também de 20.09.2012, iniciado pelas 15:30:05, minutos1:02 a 2:38. ---. ---
Do cotejo de tais depoimentos não resulta que à data dos factos a Arguida trabalhasse por conta de outrem. ---
Por outro lado, do Relatório Social da Arguida consta precisamente que: ---
«A imagem social da Arguida, extensiva ao companheiro e filhos, está negativamente associada à inactividade laboral, bem como à prática de comportamentos desviantes, designadamente comportamentos relacionados com a prostituição, versão que a mesma peremptoriamente refuta» Cf. fls. 3541 (volume XIII). ---. ---
Por sua vez o Relatório de Perícia sobre a Personalidade relativo à Arguida menciona expressamente que: ---
A Arguida referiu que à data dos factos em causa ela e o Arguido Manuel «mantinham uma integração comunitária superficial, sem vinculações, e que eram alvo de uma imagem social negativa, atribuindo essa situação às características e percurso de vida do companheiro e não a si ou aos seus filhos. Apesar das informações obtidas junto a elementos do meio sócio-residencial indicarem a eventual prática de prostituição ou actividades ilícitas por parte da Arguida, esta refuta peremptoriamente essa conotação» Cf. fls. 3612 (volume XIII). ---. ---
Neste contexto, dado que à data dos factos em causa a Arguida não exercia qualquer actividade profissional por conta de outrem e considerando a credibilidade que merecem os referidos Relatórios, atenta a qualidade dos respectivos subscritores e a fundamentação que neles é feita, julga-se devidamente motivada a factualidade ora em causa, termos em que deve a mesma ser mantida nos exactos termos que constam do acórdão recorrido. ---
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* *
Em suma, tem-se por definitivamente fixada como provada a seguinte factualidade: ---
a) Da acusação
1. A Arguida Ana M..., doravante designada somente por Ana, pelo menos desde o início do ano de 2011 que vivia em união de facto com o Arguido Manuel L..., doravante designado por Manuel e, pelo menos desde Julho desse ano, que residiam na Rua A, fracção B, F..., Barcelos. ---
2. Pelo menos nos meses de Agosto e Setembro daquele ano de 2011 viviam igualmente com aqueles Arguidos, a filha da Ana, Andreia, e o companheiro desta, o Arguido Pedro. ---
3. O Arguido Carlos, doravante designado apenas por Carlos, pelo menos no período temporal referido em 2., residia com Sónia C... na Rua B, em F..., Barcelos. ---
4. O Arguido Ricardo é primo do Arguido Carlos e residia, no período temporal supra referido, na Rua C, D..., Viana do Castelo. ---
5. O Arguido Domingos C... é tio paterno do Arguido Carlos e tio materno do Arguido Ricardo. ---
6. Pelo menos nos meses de Agosto e Setembro de 2011, os Arguidos supra mencionados eram, respectivamente, utilizadores dos seguintes números de telemóvel: a Arguida Ana, do número 93 5844 ...; o Arguido Manuel do número 93 5764...; o Arguido Carlos do número 96 2200759, a sua companheira Sónia, do número 96 3777...e, por fim, o Arguido Ricardo do número 92 6329.... ---
7. Todos os Arguidos supra mencionados continuaram a usar os telemóveis supra referidos pelo menos até ao dia 15 de Dezembro do ano de 2011, com excepção da Arguida Ana, a qual, a partir de Outubro de 2011, introduziu no seu aparelho de telemóvel o cartão de acesso da operadora de telemóveis Optimus 93 7487..., comunicando, telefonicamente, a partir dessa data, com esse número de telemóvel. ---
8. A Arguida Ana, em data não concretamente apurada, mas seguramente no início do mês de Agosto de 2011, travou conhecimento com o Ofendido Manuel R..., nascido no dia 21 de Novembro de 1942, conhecido comummente por “Juca”. ---
9. O “Juca” era casado com Elvira S... e residia no Lugar D – Esposende. ---
10. Apesar de reformado há vários anos, exercia no rés-do-chão da sua habitação e em alguns espaços contíguos àquela, actividade comercial, explorando um café de que era proprietário, conhecido por o “C... Juca”. ---
11. O mesmo tinha uma vida desafogada, sendo proprietário de três veículos automóveis, dois dos quais da marca Mercedes. ---
12. Apesar dos seus já 68 anos de idade, o “Juca” era um indivíduo activo e de considerável robustez física. ---
13. Era pessoa que se vestia bem e conhecido por, no dia a dia, ser sempre portador de várias peças em ouro, nomeadamente, dois anéis, uma pulseira, um fio com uma cruz pendente bem como um relógio da marca “Omega” com bracelete e caixa em ouro assim como de, habitualmente, ter consigo, considerável quantia em dinheiro, entre 250 a 500 Euros, que normalmente dividia por duas carteiras.
14. Desde há muitos anos que o “Juca” mantinha relacionamentos amorosos extraconjugais com mulheres de várias idades. ---
15. O relacionamento entre o “Juca” e a Ana foi-se desenvolvendo através de contactos por telemóvel tendo ambos acordado que, quando a Ana quisesse falar com o “Juca” lhe enviaria, para o seu número de telemóvel 96 7027... e a partir do seu próprio telefone (designadamente, o mencionado 93 5844...), toques para que o mesmo, de seguida, efectuasse a chamada telefónica para aquela, o que efectivamente sucedeu, por diversas vezes, no período temporal de Agosto e parte do mês de Setembro de 2011. ---
16. Existe um pequeno descampado, muitas vezes usado para a prática de relações sexuais fortuitas, sito numa bouça/eucaliptal localizada no Lugar da G..., contígua ao Lugar de B..., da área da freguesia de P..., Barcelos, próximo da localidade de Forjães, Esposende, que fica a cerca de 70 (setenta) metros do caminho florestal principal e a cerca de 400 (quatrocentos) metros da Estrada Nacional 103 (Barcelos/Viana do Castelo), sendo conhecido quer pelo “Juca” quer pela Ana. ---
17. Era do conhecimento geral, e também dos Arguidos, que o “Juca” habitualmente trazia consigo os já referidos objectos em ouro e quantias monetárias. ---
18. Em data não concretamente apurada, mas seguramente antes do dia 19 do mês de Setembro de 2011, a Arguida Ana e os Arguidos Manuel, Carlos, Ricardo e Pedro, engendraram um plano por forma a montar uma armadilha que lhes permitisse apoderarem-se dos já referidos bens e das quantias monetárias que o “Juca“ transportava consigo. ---
19. Aquando daquele plano, os Arguidos Ana, Manuel, Carlos , Ricardo e Pedro admitiram como possível que a morte do “Juca” pudesse resultar durante a execução daquele assalto, em razão do disparo de alguma das armas que os Arguidos usariam no assalto, e, mesmo assim, conformaram-se com tal desfecho, ---
20. Assim predispostos, os Arguidos decidiram levar a cabo tal plano, que delinearam em data não concretamente apurada mas antes de 19 de Setembro de 2011, com distribuição de funções e tarefas para cada um deles, ---
21. Em concretização do mesmo, no dia 18 de Setembro de 2011, pelas 19h33 e, em conluio com os demais Arguidos, a Arguida Ana, por via do seu telemóvel número 93 5844... enviou um toque de chamada para o “Juca” tendo o mesmo, de seguida, a partir do seu número de telemóvel 96 7027..., telefonado àquela a qual, no decurso da conversa encetada, marcou com o Manuel R..., para o dia seguinte, entre as 11 h 30 m e as 12 horas, um encontro de cariz sexual o qual teria lugar no descampado ou na clareira já referida. ---
22. Assim, na manhã do dia 19 de Setembro de 2011, na execução do mencionado plano, o Arguido Carlos, tripulando o veículo automóvel da marca Fiat, modelo Punto, de cor branca, matrícula 22-DB-..., pertença da sua companheira Sónia, foi buscar a sua casa, sita em D..., Viana do Castelo, o seu primo, o Arguido Ricardo e, de seguida, à casa destes, a sua mãe, Ana, o Arguido Manuel e o Arguido Pedro. ---
23. Dirigiram-se, então, todos os supra mencionados Arguidos e no veículo automóvel acima identificado para o local marcado para o encontro entre a Ana e o “Juca”, sendo que o Carlos se fazia acompanhar de uma arma caçadeira, cuja apreensão não se revelou no entanto possível, e diversos cartuchos para a referida arma, o Manuel com uma arma caçadeira, de calibre 12, com coronha em madeira, de dois canos sobrepostos, da marca “Verney - Carron - Saint Étienne”, com o número de série S 27 153, melhor examinada a fls. 1378 a 1381 e 1474 que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido, e diversos cartuchos para a referida arma, e o Arguido Ricardo, munido de uma pistola que não se logrou apreender nos autos, bem como com munições compatíveis com o mesmo. ---
24. Por sua vez, o Ofendido “Juca” fez-se transportar no seu veículo automóvel da marca Mercedes, modelo 200 CDI, de matrícula 28-86-...de cor bege. ---
25. Nesse dia, o Ofendido transportava consigo os bens já referidos, além de, pelo menos € 250 (duzentos e cinquenta euros), que se encontravam numa carteira num dos bolsos da sua roupa. ---
26. Uma vez chegados os Arguidos a zona próxima do pequeno descampado, seriam então cerca das 11 h 00m, o Arguido Carlos estacionou a viatura 22-DB-... num caminho em terra batida ali existente, junto da estrada que liga a estrada que vai para B... à estrada de P..., em Barcelos e em local não visível para quem entrasse para o local de encontro sito na bouça/eucaliptal. ---
27. Munidos os Arguidos Carlos, Manuel e Ricardo, com as armas e munições que haviam trazido consigo, aquelas devidamente municiadas, dirigiram-se, subindo, juntamente com a Ana, por bouça dentro para zona próxima do encontro, onde se esconderam, permanecendo a Ana a meio do caminho e, portanto, visível para quem entrasse no dito caminho. ---
28. Na circunstância e porque assim haviam decidido, o Arguido Pedro permaneceu junto do veículo automóvel matrícula 22-DB-..., de vigia e alerta para a chegada de estranhos ao local. ---
29. Nessa manhã, do dia 19 de Setembro de 2011 e, respectivamente, pelas 11 h 26m e 11h 49m, o Ofendido “Juca”, por via do seu número de telemóvel 96 7027... ligou à Arguida Ana, para o número 93 5844... confirmando o encontro de cariz sexual no local marcado para o efeito. --
30. Porque o Ofendido “Juca” estivesse atrasado, pelas 12h01m, a Arguida Ana, a partir do seu número de telemóvel 93 5844..., ligou para o Manuel R..., para o telemóvel número 96 7027... tendo este confirmado o encontro. ---
31. No momento em que o “Juca” se dirigia conduzindo o seu veículo automóvel para a zona do descampado, a Arguida Ana aguardava pelo mesmo na estrada em terra batida tendo aquele, entre as 12 h 02 e as 12 h 15m, estacionado a sua viatura. ---
32. Seguidamente, o Juca saiu do seu veículo ao mesmo tempo que a Arguida percorria o trajecto a pé, indo ao seu encontro. ---
33. Logo após, quando o "Juca" se encontrava a aguardar que a Arguida Ana chegasse junto dele, foi surpreendido pelos Arguidos Carlos, Manuel e Ricardo que empunhavam as armas na sua direcção, apontando-lhas. ---
34. Após uma breve troca de palavras, quando o Ofendido se encontrava a cerca de um metro / um metro e meio dos referidos Arguidos, depois daquele se ter virado de costas em direcção ao seu carro, o Manuel, que empunhava a caçadeira, municiada, apontou a mesma em direcção das costas do Ofendido e disparou um tiro que o atingiu nas costas, provocando-lhe a queda imediata no solo. ---
35. Em consequência, Manuel R... veio a falecer. ---
36. Após, os Arguidos Manuel e Ana retiraram ao “Juca” e levaram consigo os dois anéis, um fio em ouro com uma cruz pendente em ouro, um relógio em ouro com bracelete igualmente em ouro, o telemóvel onde estava inserido o cartão de acesso da operadora TMN n.º 96 7027... associado ao IMEI n.º 358 258035... 721, 4 (quatro) conjuntos de chaves e a chave do carro do Ofendido 28-86-.... ---
37. Nessa ocasião, um daqueles Arguidos retirou uma carteira do “Juca”, a qual continha pelo menos 250 euros, levando-a consigo. ---
38. Seguidamente, abandonando o corpo inanimado do Ofendido e o veículo automóvel 28-86-...no local supra referido, os Arguidos Manuel e Ana dirigiram-se para a viatura 22-DB-..., onde já se encontravam os Arguidos Ricardo, Pedro e Carlos, tendo este conduzido tal viatura até sua casa, sita na Rua B, F... – Barcelos, onde os Arguidos Manuel, Carlos, Ricardo e Pedro, em conjugação de esforços e vontades, amassaram as peças de ouro retiradas ao “Juca” por forma a torná-las não identificáveis, tendo ainda destruído o telemóvel daquele. ---
39. Ainda nesse dia, em hora anterior às duas da tarde e, posteriormente alguns minutos mais tarde e depois ainda por volta das 20 horas, o Arguido Carlos contactou com a testemunha Armando S... para o número de telemóvel deste, 91 8589... a quem manifestou vontade de vender ouro o que veio a fazer, ainda nesse dia, juntamente com os Arguidos Manuel, Ricardo e Pedro, na loja daquele, sita na Avenida X, em Barcelos, tendo recebido pela venda do mesmo a quantia global de € 1800 (mil e oitocentos euros), quantia que foi dividida entre os referidos Arguidos e cabendo a cada um a importância de € 450 (quatrocentos e cinquenta euros). ---
40. Posteriormente, em data e hora não concretamente apuradas mas situadas entre o dia 19 de Setembro e o dia 22 de Setembro de 2011, os Arguidos Manuel, Carlos e Pedro, com a finalidade de não serem descobertos pelas autoridades decidiram esconder o cadáver de Manuel R..., decidindo-se da forma como iriam proceder. ---
41. Assim motivados e comungando, de novo, esforços, em dia não determinado, mas sempre dentro do referido lapso temporal, já de noite, os Arguidos Manuel, Carlos e Pedro, dirigiram-se na carrinha “Renault” modelo “Trafic”, matrícula 68-59-..., registada em nome da Arguida Ana, ao local onde haviam deixado o cadáver do Ofendido “Juca” e, em conjugação de esforços e vontades, colocaram o mesmo na zona de carga da aludida carrinha. ---
42. Acto contínuo, os mesmos Arguidos, transportando o cadáver de Manuel R..., dirigiram-se para junto de uma lagoa formada após sucessiva extracção de caulinos, conhecida por “Mina da G...”, sita na Rua de A..., na freguesia A..., Viana do Castelo, pertença da firma denominada “M...”. ---
43. Pelo menos à data dos factos acima mencionados, a referida lagoa, em forma circular possuía cerca de 100 (cem) metros de diâmetro, tinha uma profundidade variável mas sempre superior a 2 a 3 (dois a três) metros e encontrava-se delimitada por uma vedação de malha sol com cerca de 2 (dois) metros de altura, sustida por vigas de cimento próprias para a construção civil, em forma de “T” e com cerca de 2, 5 m (dois metros e meio) de alto, equidistantes 4 a 5 (quatro a cinco) metros. ---
44. Junto da referida lagoa, os já referidos Arguidos, em comunhão de esforços, retiraram uma das vigas em cimento supra descritas a qual se encontrava num dos pontos mais altos da escarpa da lagoa (cerca de 10 metros) pegaram no cadáver de Manuel R... e, com recurso a uma corda que se encontrava no interior da carrinha, pertença do Manuel, ataram o mesmo, pela cintura e com vários nós à viga de cimento referida, levantaram a rede de malha sol, lançando de seguida, o cadáver e a viga acoplada para o interior da lagoa. ---
45. Na sequência, o corpo do falecido caiu num socalco, primeiro patamar da escarpa tendo os Arguidos ido até aquele local e lançado novamente o cadáver para a lagoa e porque o corpo veio novamente a cair num segundo patamar ali existente, novamente os mesmos Arguidos encetaram diligências com vista ao lançamento do corpo para a lagoa, o que conseguiram mas atenta a largura do segundo socalco e o peso, quer do corpo, quer da viga, o cadáver ficou junto à margem da lagoa, a viga de forma oblíqua e o corpo, ambos submersos. ---
46. Imediatamente a seguir dirigiram-se aqueles Arguidos para a casa do Arguido Manuel, sita na Rua A, fracção B, F..., Barcelos. ---
47. Uma vez nesse local, os Arguidos Manuel e Pedro, com a finalidade de removeram todos e quaisquer vestígios eventualmente ali deixados pelo cadáver do Ofendido “Juca”, colocaram ao lixo sacos de plástico, próprios para guardar o lixo, que haviam colocado por baixo do corpo quando foi transportado na aludida viatura e limparam com água e lixívia a zona de carga da carrinha, tendo a Arguida Ana igualmente lavado com água aquela zona. ---
48. De seguida ainda o Arguido Manuel guardou a arma com a qual havia morto o Ofendido debaixo do colchão da sua cama, no quarto de casal da sua casa, sita na Rua A, fracção B, F.... ---
49. Por razões alheias à vontade dos Arguidos, no dia 26 de Setembro de 2011, pelas 16 horas o corpo do falecido “Juca” veio a ser encontrado a boiar na lagoa para onde havia sido lançado e ainda agarrado à viga de cimento que se encontrava naquele lugar numa posição oblíqua. ---
50. O tiro disparado pelo Arguido Manuel causou de forma directa e necessária a Manuel R... as lesões descritas no relatório de autópsia junto aos autos a fls. 673 a 684, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente: “a morte do Manuel R... foi devida a lesões traumáticas raquimedulares e torácicas atrás descritas. Estas resultaram de violento traumatismo, de natureza perfuro-contundente, ou como tal actuando, tal como pode ter sido devido à acção de um disparo de projéctil de arma de fogo de cano comprido – caçadeira, cujo trajecto no tórax se pode descrever como sendo de trás para a frente, a distância intermédia”. “As características das lesões traumáticas, nomeadamente a sua localização, …, indica a necessidade de intervenção de terceiros, harmonizando-se com o diagnóstico médico-legal de homicídio”. ---
51. No dia 13 de Dezembro de 2011, entre as 07h10m e 08h50m, e após busca domiciliária à residência dos Arguidos Ana e Manuel, sita na Rua A, fracção B, F... – Barcelos foram encontrados e apreendidos os seguintes objectos pertença dos Arguidos supra descritos: ---
1. Na dispensa, em cima do frigorífico: ---
a) 4 (quatro) caixas de munições de calibre.22, da marca “Vostok Target”, contendo um total de 199 (cento e noventa e nove) munições intactas, melhor descritas no exame de fls. 2396 e 2397 que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
b) 1 (uma) caixa de cartuchos de caça de calibre 12, da marca “Polvichumbo”, com 25 (vinte e cinco) cartuchos intactos, melhor descritos no exame de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
c) 1 (uma) arma de ar comprimido, com a configuração de carabina, da marca “Cometa”, com o número de série 118077, transformada/adaptada para disparar cartuchos de caça de calibre 9 mm, melhor descrita no exame pericial de fls. 2470 a 2473, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
2. No guarda-fatos do quarto dos buscados: ---
d) 27 (vinte e sete) munições de calibre.22 intactas, da marca visível, acondicionadas numa caixa plástica, melhor descritas no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido; ---
e) 5 (cinco) munições de calibre.32 intactas, da marca “H&R MAG”, melhor descritas no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido; ---
f) 12 (doze) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, acondicionados numa caixa plástica com a inscrição “Casa Coelho”, melhor descritas no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido; ---
g) – 19 (dezanove) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, introduzidos numa cartucheira em forma de cinto, melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
3. Na cómoda existente no quarto dos buscados e na primeira gaveta: ---
h) – 4 (Quatro) conjuntos com chaves sendo que dois eram porta-chaves (um porta-chaves com o símbolo da “Mercedes” e três chaves; um porta-chaves do “Santuário de Fátima” e seis chaves; um conjunto com argola e 8 chaves; Um conjunto com argola e 3 chaves) que se apuraram serem pertença do falecido “Juca”. ---
4. Na cozinha, no armário por cima do exaustor: ---
i) 2 (dois) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
5. Na garagem: ---
j) 91 (noventa e um) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, da marca “Sellier & Bellot” – melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
k) 10 (dez) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, da marca “Municar” , melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
l) 13 (treze) cartuchos de caça de diversas marcas intactos, acondicionados numa caixa em plástico de cor branca melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
56. No dia 14 de Dezembro de 2011, entre as 16 h 10m e as 16h 20m, após busca domiciliária à residência da Arguida Ana e Manuel, sita na Rua A, fração B, F... veio ainda a ser apreendida a arma descrita supra referida como sendo a usada pelo Arguido Manuel nos factos até agora referidos. ---
57. No referido dia 13 de Dezembro de 2011, entre as 07h15m e as 08 h00, após busca domiciliária (devidamente ordenada) à residência do Arguido Carlos e da companheira Sónia, sita na Rua B, F... foram encontrados e apreendidos os seguintes objectos pertença do Arguido Carlos: ---
1. No armário da cozinha: ---
a) 100 (cem) munições de calibre.22 intactas, acondicionadas em duas caixas em cartão com os dizeres “Vostok Target”, melhor descritas no exame directo de fls. 830, o qual se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
58. Também nesse dia 13 de Dezembro de 2011, entre as 07h45m e as 09h30m, após busca domiciliária à residência do Arguido Ricardo sita na Rua C..., D... – Viana do Castelo foram encontrados, os seguintes objectos pertença daquele: ---
1. Numa gaveta do móvel da sala: ---
a) – 1 (um) exemplar do “Jornal de Notícias”, com uma notícia relacionada com a morte de Manuel R..., melhor descrito no exame directo de fls. 842; ---
2. No quarto do Arguido Ricardo e escondidas no interior de uma jarra colocada em cima da cómoda: ---
b) 93 (noventa e três) munições de calibre.22 intactas, por deflagrar, da marca “Vostok Target”, 50 numa caixa em papel e 43 numa outra, melhor descritas no exame directo a fls. 842 e 2527 que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido; ---
c) 11 (onze) munições de calibre 9 mm intactas, intactas, por deflagrar melhor descritas no exame directo a fls. 2527, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido; ---
d) 5 (cinco) cartuchos de calibre 12 intactos, intactas, por deflagrar, melhor descritas no exame directo a fls. 842 e 2527 que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
59. Ao actuarem da forma supra descrita, em conjugação de esforços e de intentos e com distribuição de tarefas, os Arguidos Ana, Manuel, Carlos, Ricardo e Pedro quiseram apoderar-se dos objectos e dinheiro que o Ofendido "Juca" trouxesse consigo no dia 19 de Setembro de 2011, como efectivamente sucedeu, e integrá-los no seu património, não obstante saberem que os mesmos lhes não pertenciam, nem a eles tinham direito, e que agiam contra a vontade do seu legítimo proprietário. ---
60. Ao disparar contra a costas do “Juca” a espingarda caçadeira que dispunha e que empunhava, o Arguido Manuel pretendeu tirar a vida àquele, conforme efectivamente sucedeu, animado com total indiferença pela vida humana e sem qualquer motivo atendível para o fazer, que não fosse apoderar-se das quantias e valores que o “Juca” tivesse consigo, ---
61. Os Arguidos Ana, Manuel, Carlos, Ricardo e Pedro sabiam que uma arma de fogo, designadamente uma caçadeira, disparada a 1 metro ou metro e meio, era meio apto ou idóneo a tirar a vida a um ser humano, ---
62. Os Arguidos Ana, Carlos , Ricardoe Pedroagiram da forma descrita animados pelo plano indicado em 18. e predispostos nos termos referidos em 19., ---
63. Mais sabiam os Arguidos Manuel, Carlos e Pedro que, ao actuaram da forma supra descrita procuravam ocultar o cadáver do Ofendido “Juca”, para que o mesmo não fosse descoberto, ou que, caso o mesmo fosse descoberto meses ou anos depois, os restos cadavéricos não fossem identificados. ---
64. Sabiam ainda os Arguidos cujas munições e armas lhe foram apreendidas nos autos e melhor descritas supra que os mesmos não se encontravam habilitados a tê-las na sua posse, tendo os mesmos perfeito conhecimento da natureza e características das armas e munições em questão.
65. Todos os Arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente. ---
66. Mais sabiam os Arguidos, com excepção do Domingos, serem todos os seus comportamentos proibidos e penalmente proibidos por lei penal. ---
b) Das condições pessoais dos Arguidos ---
Do Arguido Carlos ---
67. Durante a infância e pré-adolescência o Arguido Carlos esteve exposto a um contexto de vida e a um modelo familiar desequilibrado, no qual foi alvo de comportamentos de negligência parental. ---
68. O seu agregado de origem era constituído pelos pais e seis irmãos, de frágeis recursos sócio-económicos, com uma dinâmica relacional e afectiva negativamente condicionada pela separação dos progenitores. ---
69. Tal dinâmica era ainda potenciada por comportamentos agressivos do pai e estilo de vida adoptado pela progenitora, associada à prática da prostituição, o que acabou por originar a institucionalização das irmãs, a entrega de outros irmãos a familiares, tendo ele e o irmão mais velho ficado a cargo do pai, apesar das frequentes fugas para casa da mãe. ---
70. O pai trabalhou numa fábrica de peles e, posteriormente, exerceu a profissão de carpinteiro, e a mãe, posteriormente, passou a trabalhar como ajudante de cozinha num restaurante.
71. A trajectória escolar do Arguido foi tipificada por elevado absentismo e por comportamentos desajustados, de indisciplina (agressividade, violência para com terceiros e pequenos furtos) quer no espaço familiar, quer no espaço escolar. ---
72. Concluiu o 6° ano de escolaridade. ---
73. Iniciou a sua vida profissional a trabalhar com o pai, e posteriormente, na companhia de outros jovens, foi trabalhar para Barcelona, como ferrageiro, onde permaneceu vários anos. ---
74. Regressou a Portugal em 2007, na sequência de um envolvimento afectivo com uma jovem portuguesa, com quem viveu em união de facto num apartamento por ele arrendado, que partilhavam com o pai e irmão dela, inactivos profissionalmente. ---
75. Nesta altura começa a registar embates com o sistema judicial. ---
76. Não obstante, a sua conduta e o estilo de vida dos últimos anos não se alteraram. ---
77. Da referida relação afectiva tem um filho, seu segundo filho (sendo o primeiro de uma anterior relação fortuita), com o qual não convive actualmente, por decisão do Tribunal. ---
78. Realizou trabalhos de curta duração na construção civil em Espanha, o que o levou a integrar o agregado da tia paterna, em D..., Viana do Castelo, por vantagem da proximidade da residência ao local da obra. ---
79. Em Abril de 2010 colectou-se nas Finanças como prestador de serviços na actividade de gestão de comunicações. ---
80. À data dos factos referidos na acusação o Arguido vivia em união marital com Sónia Cristina, há cerca de dois anos, num imóvel pertença desta, na Rua B..., F..., Barcelos. ---
81. Subsistia dos montantes que auferia do seu trabalho de sucateiro, segundo refere, em média, 200€/semanais, e dos seus trabalhos como intermediário na compra e venda de automóveis usados (após ter conhecimento de um potencial comprador, procurava através da Internet e tentava mediar um negócio), e do vencimento da companheira de cerca de 500€, funcionária na Cerâmica N.... ---
82. Nos vários meios comunitários onde o Arguido já se integrou a sua imagem social é negativa.
83. Deu entrada no Estabelecimento Prisional de Braga a 15 de Dezembro de 2011 à ordem do presente processo. ---
84. Algum tempo após a sua entrada em meio prisional, foi colocado a trabalhar na Biblioteca e frequentou um curso de pintura e dois de dança. ---
85. No entanto, desde que foi alvo de um registo disciplinar por uma infracção decorrida em Junho de 2012, punição que ainda tem de cumprir em cela disciplinar pelo período de oito dias, foi retirado do trabalho na Biblioteca e, recentemente, passou a trabalhar numa brigada de trabalho a coser aplicações em têxteis. ---
Do Arguido Manuel ---
86. O processo de socialização de Manuel decorreu num contexto sócio-cultural humilde, de modestos recursos económicos, com sinais de privações. ---
87. Os pais faleceram precocemente, pelo que com catorze anos de idade passou a residir com uma tia materna, viúva, e com a prima, residentes na mesma freguesia. ---
88. A trajectória escolar do Arguido foi tipificada pelo abandono após concluir a 4ª classe. ---
89. Com 16 anos de idade iniciou-se profissionalmente na área da construção civil, como ajudante de trolha e pintor, e posteriormente, foi electricista. ---
90. Casou-se com 21 anos. ---
91. Desta relação tem dois filhos, os quais lhes foram retirados judicialmente em consequência da situação de risco em que viviam. ---
92. Um dos filhos foi adoptado e o mais novo entregue à sua prima, enquanto família de acolhimento. ---
93. Após sete anos de matrimónio o casal separou-se, facto ocorrido há cerca de quatro anos. -
94. Habitualmente desde a Páscoa e até finais de Setembro, período do ano com um maior número de Festas Populares e Romarias, trabalhou como ajudante em equipamentos de diversão ¬carrosséis. ---
95. Manteve esta actividade durante vários anos, o que o levava a ausentar-se da freguesia durante longos períodos de tempo, situação que muito agradava à comunidade residencial, em virtude de ser negativamente referenciado por suspeita da autoria de furtos na região. ---
96. Em Abril de 2010, pelas Festas das Cruzes, em Barcelos, conheceu a actual companheira, Ana, então empregada num restaurante, e em Setembro passaram a viver em união marital, inicialmente em casa do filho da companheira, Carlos, e posteriormente, com a ajuda e orientação da mulher de Carlos, pessoa bem referenciada na freguesia, arrendaram uma casa, ultima residência do Arguido em meio livre, a qual partilharam com a filha mais nova de Ana. ---
97. À data dos factos integrava o agregado familiar com a actual companheira e com a filha desta, mantendo um convívio esporádico com o filho de Ana, o Arguido Carlos. ---
98. Residiam em zona semi-rural, numa casa geminada, com boas condições de habitabilidade e salubridade. ---
99. Manuel vivia um período de inactividade profissional. ---
100. Com a companheira entretanto desempregada, a subsistência do agregado era assegurada pelas verbas que auferia em trabalhos pontuais que realizava fora da sua freguesia e de pequenos apoios monetários que o filho da companheira entregava. ---
101. No meio social de residência é comentada a sua personalidade desregrada, sem hábitos de trabalho e sobre o qual havia a suspeita da autoria de alguns furtos ocorridos na região. ---
102. O Arguido deu entrada no Estabelecimento Prisional de Braga a 15 de Dezembro de 2011.
103. Entrou preventivamente à ordem do presente processo, mas no dia 4 de Abril de 2012, foi o Arguido desligado do mesmo e colocado à ordem de processo do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viana do Castelo para cumprimento de uma pena de 10 meses de prisão cujo termo ocorrerá a 4 de Fevereiro de 2013. ---
Do Arguido Ricardo ---
104. O Arguido Ricardo nasceu e cresceu no seio de um agregado de modesta condição económica, sendo o pai trabalhador sazonal (agricultura) na Bélgica e a mãe auxiliar num lar de idosos.
105. A dinâmica familiar foi desde a sua infância fortemente prejudicada pelas dificuldades de relacionamento entre os pais, indutor de frequentes conflitos, que culminaram na separação de ambos quando o Arguido tinha cerca de 7 anos. ---
106. Passou, então, a viver com a mãe e irmã em D..., local onde passou a fixar residência e deu continuidade à frequência do sistema de ensino. ---
107. Protagonizou uma adaptação ao contexto escolar dentro de padrões avaliados como normais ao nível da interacção com os vários intervenientes na comunidade escolar, embora com algum desinteresse associado, que se repercutiu no registo de algumas retenções. ---
108. Completou o 9° ano, pela frequência do curso profissional de práticas administrativas, tendo aos 17 anos optado por abandonar o sistema de ensino. ---
109. Desde os 12 anos que mantinha actividade laboral nos períodos de férias escolares, trabalhando para uma família de feirantes especializada no comércio de produtos alimentares (cachorros, pipocas, farturas). ---
110. Após o abandono escolar, passou a exercer esta actividade em exclusividade, a qual ainda vai mantendo no presente com a realização de trabalhos ocasionais. ---
111. Desde a sua infância, elegeu como prática desportiva o futebol, integrando desde os 10 anos um clube local (Associação Desportiva D...), onde se manteve até à actualidade, constituindo esta modalidade especial relevo no seu processo de crescimento e na ocupação dos seus tempos livres. ---
112. Recentemente, passou a trabalhar num Bar, em Viana do Castelo, inicialmente como empregado de balcão e depois como gerente. ---
113. Manteve esta actividade durante cerca de 6 meses, até ser preso. ---
114. No Verão de 2011, manteve relacionamento afectivo, tendo nesta altura a namorada passado a residir na sua habitação. ---
115. Não obstante a curta duração da relação, desta resultou o nascimento de uma filha, estando actualmente a decorrer o processo de averiguação da paternidade. ---
116. À data dos factos, Ricardo integrava o agregado constituído pela mãe, uma prima, descendentes desta (menores) e um primo. ---
117. Encontrava-se laboralmente activo enquanto gerente de um bar pertencente a uma amiga, actividade que se centrava essencialmente aos fins-de-semana, auferindo cerca de 25€ por cada noite de trabalho. ---
118. Acrescia a esta actividade a venda de cachorros nas feiras locais consideradas mais importantes. ---
119. Apesar de ter vários dias de inactividade, apresenta como rendimento o montante médio mensal cerca de 200€, com o qual colmatava as suas necessidades pessoais. ---
120. A mãe exercia actividade de cozinheira, auferindo como vencimento mensal cerca de 700€, com o qual supria as necessidades do agregado. Durante o curto período de permanência naquela habitação, o primo também auxiliava nas despesas do agregado, embora sem especificar qualquer montante. ---
121. O seu quotidiano circunscrevia-se à sua actividade laboral, maioritariamente ao fim-de-semana, à prática desportiva no clube local, bem como ao convívio com o grupo de pares e familiares, designadamente com um primo e co-arguido no presente processo. ---
122. A aplicação, nestes autos, da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, determinou que o Arguido permaneça confinado ao espaço habitacional, cumprindo as injunções a que está obrigado, mantendo a coabitação com a mãe e um tio materno, em habitação arrendada, numa dinâmica relacional aparentemente equilibrada e aí realizando alguns trabalhos de artesanato (tapetes). ---
123. No meio comunitário, o Arguido é positivamente referenciado, com referências de integração adequada, não sendo conhecidos obstáculos à sua permanência na comunidade. ---
Da Arguida Ana
124. O processo de maturação psicossocial de Ana foi perturbado pelas deficitárias condições sócio-económicas e culturais do agregado de origem, constituído pela mãe e avós matemos, dada a demissão do pai dos seus deveres parentais. ---
125. Cresceu em meio social rural e apesar de ter frequentado o ensino até aos 14 anos de idade, não concluiu a escolaridade obrigatória. ---
126. A Arguida preferiu privilegiar a colaboração no exercício profissional de venda de pão e de tarefas agrícolas a que a família se dedicava. ---
127. Ana iniciou relação marital durante a adolescência, ausentando-se de casa à revelia da família, situação que entretanto foi formalizada pelo matrimónio, tendo desta relação nascido seis filhos. ---
128. A disfuncionalidade conjugal determinou a institucionalização das filhas e entrega de outros filhos a familiares, por determinação judicial. ---
129. Os menores revelaram dificuldades de adaptação aos contextos substitutivos de acolhimento, com registos de fugas e uma vivência de rua, sendo a Arguida permissiva e negligente na decisão de procurar inverter estes percursos, sempre que tinha conhecimento das ausências/fugas ou de comportamentos transgressivos que os mesmos cometiam. ---
130. Assim, após ter abandonado a casa de morada de família, estabeleceu relação marital com José Pereira, com quem viveu aproximadamente 12 anos. ---
131. O casal fixou residência num apartamento, localizado no Bairro da Misericórdia em Barcelos, beneficiando de apoio à renda atribuído pela Câmara Municipal de Barcelos. ---
132. A dinâmica familiar era condicionada pelo alcoolismo do companheiro e ausência de hábitos de trabalho regulares deste, segundo refere, subsistindo essencialmente o casal de prestações sociais e do exercício profissional de Ana como ajudante de cozinha no Restaurante A..., em Barcelos que manteve até mudança de gerência deste estabelecimento, passando a uma situação de desemprego prolongado. ---
133. Ana estabeleceu há cerca de dois anos novo relacionamento afectivo com Manuel , com quem passou a coabitar. ---
134. No período a que se reportam os factos pelos quais está acusada nos presentes autos, Ana residia com Manuel e uma filha menor. ---
135. A imagem social da Arguida, extensiva ao companheiro e filhos, está negativamente associada à inactividade laboral, bem como à prática de comportamentos desviantes, designadamente comportamentos relacionados com a prostituição. ---
136. Ana deu entrada no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo em 15.12.2011 à ordem deste processo. ---
137. Em meio prisional a Arguida tem beneficiado de acompanhamento clínico, em clínica geral, com ocupação laboral e um registo de adaptação às regras instituídas. ---
Do Arguido Pedro ---
138. O Arguido nasceu e cresceu no seio de um agregado numeroso de modesta condição económica, sendo o pai jornaleiro e a mãe guarda-soleira, actividade que exercia em feiras locais. ---
139. A dinâmica familiar foi desde a sua infância prejudicada pelos problemas de alcoolismo do pai, indutor de frequentes conflitos e de uma conduta de agressividade direccionada essencialmente à figura materna. ---
140. Este cenário conduziu à separação do casal durante a adolescência do Arguido (15/16 anos), tendo, com o apoio dos serviços de segurança social, passado a residir numa freguesia vizinha, juntamente com a mãe e demais irmãos. ---
141. Após algumas alterações de residência, o agregado materno fixou-se na actual habitação há cerca de seis anos. ---
142. A sua escolarização iniciou-se em idade normal, tendo sido condicionada pela precariedade económica e pela necessidade de auxiliar os pais nas feiras ou nos trabalhos do campo, condicionalismos que levaram o Arguido abandonar o sistema de ensino após a conclusão do 6° ano de escolaridade, aos 15 anos. ---
143. Com o abandono do sistema de ensino, iniciou actividade laboral na limpeza de poços e minas, actividade que manteve durante cerca de dois anos. ---
144. Aos 18 anos passa a trabalhar em França, junto de familiares emigrados naquele país, na construção civil, onde permaneceu cerca de quatro anos. ---
145. A partir desta altura, o seu percurso profissional revelou-se diversificado, com sucessivos regressos a Portugal e deslocações para Espanha, onde trabalhou em diferentes ramos, designadamente na construção civil e em discotecas. ---
146. Em 2009 encetou união de facto com a actual companheira, existindo desta união um descendente recém-nascido. ---
147. No início do relacionamento, passou a residir em D..., Viana do Castelo, com a companheira e familiares desta. No entanto, por incompatibilidades com estes familiares, passou algum tempo depois a integrar o agregado da mãe da companheira em F..., Barcelos. ---
148. À data dos factos constantes da acusação, Pedro integrava o agregado familiar da mãe da companheira, co-arguida no presente processo, juntamente com a sua companheira. ---
149. Em termos económicos, os rendimentos provinham dos trabalhos que realizava com um "cunhado" na recolha e venda de sucata, conseguindo obter cerca de 10/20€, num dia de trabalho. ---
150. A companheira encontrava-se desempregada, vivendo o casal apenas com o dinheiro obtido com a sucata, com o qual referem conseguir contribuir com géneros alimentares para o sustento do agregado. ---
151. No actual meio de residência, Pedro não estabelece relações de vizinhança significativas, beneficiando de uma imagem social integradora e sem indicadores de rejeição quanto à sua presença no meio. ---
152. Cumpre com rigor as obrigações inerentes à actual medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica. ---
153. Passou a residir na actual habitação após a ocorrência dos factos pelos quais se encontra indiciado. ---
154. Com a sua permanência no espaço habitacional, dedica-se à realização de trabalhos nos campos de cultivo pertencentes à habitação, criação de animais e outras tarefas relacionadas com a organização doméstica, sendo considerado pela mãe como um elemento fundamental no agregado, pela sua capacidade de trabalho. ---
155. Após o nascimento do filho do casal, este beneficiou recentemente da atribuição de parte do montante relativo à protecção social da parentalidade, num total de cerca de 220€. ---
156. O Arguido é referenciado como uma pessoa cordial, não sendo perceptível qualquer sentimento de rejeição face ao mesmo. ---
Do Arguido Domingos ---
157. Domingos pertence a uma estrutura familiar (pais e oito descendentes) que se desagregou com a morte (suicídio) da mãe. ---
158. A mãe terá sido vitima de violência doméstica, sendo o pai uma pessoa severa e maltratante. ---
159. O pai não assumiu as suas responsabilidades parentais, permitindo que os filhos dispersassem, sendo acolhidos por diferentes famílias, ligadas ao mundo rural para as quais passaram a trabalhar. ---
160. À semelhança dos irmãos e apenas com oito anos de idade, o Arguido foi acolhido por um casal que garantia a sua sobrevivência a troco das tarefas que ele passou a desenvolver, designadamente na pastorícia. Permaneceu junto dessa família até à altura em que fugiu para junto de uma sua tia, residente em Santarém, com a qual ficou até aos 18 anos de idade. ---
161. Entretanto, esteve a residir com uma irmã, em Torres Vedras. ---
162. Domingos constituiu família aos 22 anos de idade. ---
163. Deste casamento nasceram os seus três filhos mais velhos, dois dos quais já serão de maioridade. ---
164. No período em que esteve casado (cerca de 12 anos) o Arguido permaneceu cerca de seis anos em casa dos sogros o que lhe permitiu obter as condições económicas necessárias para construir casa. ---
165. Divorciou-se, entretanto. ---
166. Refez, entretanto, a sua vida afectiva, mantendo uma união de facto por cerca de nove anos. ---
167. Foi no decurso da relação com essa companheira que se deslocou para o Minho, onde viviam já alguns dos seus familiares (nomeadamente o agregado de origem dos co-arguidos). ---
168. Não teve filhos desta união. ---
169. É analfabeto. ---
170. Ao nível laboral e a partir dos 22 anos de idade Arguido refere ter estado vinculado 16 anos a uma empresa de produtos químicos, sedeada, em Alcanena, da qual saiu quando veio para o Distrito de Viana do Castelo. ---
171. À data dos factos o Arguido vivia com a actual companheira, desempregada. ---
172. Desta união existem dois filhos (respectivamente, com 2 anos e o mais novo apenas com 4 meses de vida). ---
173. Desde há cerca de oito anos que o Arguido tem trabalhado para a empresa "Z... Construções Unipessoal Lda", sedeada em C... - Barcelos, com a categoria de trolha de 2ª.
174. Nestes últimos tempos tem estado a laborar na Alemanha. ---
175. O Arguido aufere em média 1.400€. ---
176. Contudo, grande parte do seu vencimento está penhorado, uma vez que tem obrigações relativamente ao pagamento de alimentos (em atraso e os actuais devidos aos filhos do primeiro casamento, bem como a um crédito contraído pela companheira, do qual ele terá sido fiador). ---
177. O agregado recebe subsídio pelos dois menores (actualmente no valor de 900). ---
178. O apoio económico dos pais da companheira tem constituído um factor de protecção fundamental para minorar as dificuldades económicas do agregado. ---
179. Domingos não se identifica com um grupo de pares específico, valorizando o tempo em que está em família, sobretudo desde que passou a trabalhar na Alemanha. ---
180. Por norma, não é frequentador dos cafés locais, ou outros e quando sai vai acompanhado do sogro. ---
181. A dinâmica intra-familiar é funcional, com reconhecimento da vinculação afectiva e atitude protectora do Arguido para com a companheira e os filhos. ---
c) Das características de personalidade / psicológicas ---
Da Arguida Ana ---
182. O percurso de vida da Arguida é marcado pela instabilidade a vários níveis, por lacunas na interiorização e valorização de normas e valores sociais e éticos e pela ausência de um rede familiar e social de suporte pró-social. ---
183. Apresenta um nível cognitivo mediano, que lhe permite a compreensão das situações sociais, da convencionalidade de determinados comportamentos e da censurabilidade de outros, bem como competências a nível de planeamento, que lhe possibilitam tomar decisões e escolher alternativas. ---
184. Não apresenta indicadores de um estilo de funcionamento impulsivo. ---
185. Possui uma orientação instrumental, de acordo com os benefícios e objectivos que pretende atingir, não considerando, em algumas situações, o "dever ser" e os direitos de terceiros. --
186. Apesar de dispor de capacidade crítica, assume uma atitude de desculpabilização e atribuição externa da responsabilidade, mesmo relativamente a acontecimentos da sua vida e a comportamentos por si assumidos, procurando projectar uma imagem de fragilidade e vitimização, que lhe são favoráveis a nível de aceitação e desresponsabilização. ---
187. Revela pouco interesse e desinvestimento nas relações interpessoais, no geral e em particular relativamente aos filhos, tendendo a mostrar-se reservada e distante. ---
188. Apesar de denotar desejabilidade social, demonstra pouca capacidade de experienciar emoções e afectos positivos e de forma intensa e profunda, mostrando lacunas sobretudo no que concerne à empatia, à capacidade de centrar-se nos sentimentos, pensamentos e direitos de terceiros. ---
189. Assim, o modo de funcionamento psicológico da Arguida e o seu estilo de vida contribuem para uma significativa vulnerabilidade e dependência social e afectiva, constituindo factores de risco com potencial criminógeno, que pode ser mais expressivo em contextos da mesma natureza dos factos constantes da acusação. ---
Do Arguido Carlos ---
190. A vivência do Arguido pautou-se por um clima de conflitualidade e desorganização familiar (dinâmica familiar marcada pelo alcoolismo e autoritarismo paterno, bem como exposição à violência interparental e permissividade e negligência materna), quer durante o vigência do casamento dos progenitores, quer após a separação destes, o que contribuiu para um processo desenvolvimental do Arguido, no qual foram negligenciadas as suas necessidades emocionais básicas, nomeadamente, de vinculação e segurança, conforto e afecto. ---
191. A dinâmica relacional familiar e a ausência de modelos pro-sociais contribuíram para a apropriação, pelo Arguido, de um conjunto de valores sociais e relacionais pouco estruturante, solto de responsabilidade e de regras e com lacunas na percepção de limites psicossociais para o seu comportamento, dado que as várias e sucessivas condenações não tiveram impacto em termos de alteração dos seus comportamentos, antes atribuindo a terceiros a responsabilidade na determinação do seu percurso de vida, dos seus comportamentos e escolhas. ---
192. A par do referido, a sua estrutura de personalidade revela acentuadas dificuldades na gestão das emoções negativas o que o torna bastante vulnerável à exposição dos modelos antissociais dos familiares e das pessoas mais próximas. ---
193. Carlos possui uma boa capacidade cognitiva, contudo, nesta área, é traído, na análise das situações, pela estruturação emocional caótica e pela incapacidade de adiar a gratificação.
194. Nesta sequência, a sua instabilidade afectiva e a insuficiente modelação cognitiva. traduzem-se numa forte impulsividade que reduz e, por vezes, anula a sua capacidade de se focalizar com objectividade na realidade e de a percepcionar de uma forma positiva e gratificante. ---
195. Do acima referido resulta que Carlos possui uma estrutura de personalidade emocionalmente vulnerável, cuja sedimentação se processou em contextos anormativos, desorganizados e impulsivos, que influenciam a sua capacidade para diferir os impulsos e adiar a gratificação, o que, consequentemente, poderá provocar situações de descontrolo e desregulação da sua conduta com consequências pouco previsíveis. ---
d) Dos antecedentes criminais ---
196. Não são conhecidos antecedentes criminais aos Arguidos Ana e Domingos. ---
197. O Arguido Ricardo tem averbada uma condenação, já transitada em julgado, pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, com pena de multa. ---
198. O Arguido Manuel foi condenado, por sentença proferida em 07/02/2008 e transitada em julgado em 04/03/2008, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 80 dias de multa; ---
199. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 28/02/2008 e transitada em julgado em 19/03/2008, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 80 dias de multa; ---
200. Foi, também, condenado, por sentença proferida em 03/06/2008 e transitada em julgado em 03/06/2008, pela prática de um crime de desobediência p. e p. pelo artº. 348º do CP, na pena de 120 dias de multa; ---
201. Foi condenado, por sentença proferida em 30/10/2008 e transitada em julgado em 19/11/2008, pela prática de 3 crimes de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena única de 160 dias de multa; ---
202. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 27/10/2009 e transitada em julgado em 16/11/2009, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano; ---
203. Foi igualmente condenado, por sentença proferida em 20/10/2009 e transitada em julgado em 19/11/2009, pela prática de 1 crime de furto qualificado p. e p. pelo artº. 204º do CP, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; ---
204. Foi, também, condenado, por sentença proferida em 23/03/2011 e transitada em julgado em 02/05/2011, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, em pena de prisão por dias livres, fixada em 36 períodos; ---
205. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 06/07/2011 e transitada em julgado em 26/01/2012, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, em pena de prisão por dias livres, fixada em 60 períodos; ---
206. O Arguido Carlos foi condenado, por sentença proferida em 26/10/2009 e transitada em julgado em 25/11/2009, pela prática de 3 crimes de furto qualificado (1 na forma tentada) p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 2, al. e), do CP, na pena única de prisão de 3 anos e 6 meses, suspensa na sua execução por igual período; ---
207. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 03/06/2009 e transitada em julgado em 21/09/2010, pela prática de 1 crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 2, al. e), do CP, na pena de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; ---
208. Foi, também, condenado, por sentença proferida em 05/11/2009 e transitada em julgado em 07/12/2010, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artº. 210º do CP, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período; ---
209. Foi, igualmente, condenado, por sentença proferida em 10/11/2009 e transitada em julgado em 07/12/2009, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 2, al. e), do CP, e de um crime de burla informática, p. e p. pelo artº. 221º do CP, nas penas de 2 anos e 1 mês de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e de 100 dias de multa, respectivamente; ---
210. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 05/03/2010 e transitada em julgado em 13/04/2010, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº.2, al. e), do CP, e de um crime de desobediência, p. e p. pelo artº. 348º do CP, nas penas de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e de 40 dias de multa, respectivamente; ---
211. Foi, também, condenado, por sentença proferida em 22/03/2010 e transitada em julgado em 20/04/2010, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 2, al. e), do CP, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; ---
212. Foi condenado, por sentença proferida em 10/12/2010 e transitada em julgado em 24/01/2011, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº. 143º do CP, na pena de 110 dias de multa; ---
213. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 30/05/2011 e transitada em julgado em 20/06/2011, pela prática de 2 crimes de falsificação de documento, 1 na forma tentada, e de 1 crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelos artºs. 256º e 261º, do CP, respectivamente, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; ---
214. Foi, finalmente, condenado, por sentença proferida em 17/06/2011 e transitada em julgado em 28/11/2011, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artºs. 203º e 204º do CP, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; ---
215. O Arguido Pedro foi condenado, por sentença proferida em 05/07/2010 e transitada em julgado em 26/07/2010, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 55 dias de multa; ---
216. Foi, também, condenado, por sentença proferida em 08/11/2010 e transitada em julgado em 09/12/2010, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 70 dias de multa. ---
e) Do Pedido Civil ---
217. Manuel R... nasceu em 21/11/1942. ---
218. O falecido Manuel R... era, à data do seu decesso, casado com Maria Elvira S..., no regime da comunhão geral de bens, há cerca de 45 anos. ---
219. Na constância deste matrimónio nasceram Georgina V...e Paulo R.... ---
220. O Paulo R... faleceu em 12/04/1992. ---
221. Flávio R... é filho do falecido Paulo R.... ---
222. À data da sua morte o “Juca” gozava de boa saúde. ---
223. Era uma pessoa alegre, dinâmica, bem disposta, fisicamente robusta e destemida. ---
224. Normalmente estimada e conceituada socialmente. ---
225. Nos momentos que precederam a sua morte o “Juca” teve consciência do perigo que a sua vida corria, o que lhe causou aflição. ---
226. Com a morte do Manuel R... a sua esposa, filha e neto sofreram um enorme desgosto. ---
227. À data da sua morte o “Juca” auferia uma reforma mensal de 322,45 Euros. ---
228. O “Juca” e a Elvira eram proprietários de estabelecimento comercial conhecido como “C... Juca”, o qual exploraram até Julho de 2011. ---
229. Dali retiravam um rendimento mensal médio de cerca de 1000 Euros. ---
230. Eram proprietários de 3 veículos automóveis. ---
231. A esposa do “Juca” auferia, à data da morte deste, uma reforma mensal de 322,45 Euros.
*
* *
E tem-se por definitivamente fixados como não provados os seguintes factos:
a) Da acusação ---
232. Que a Arguida Ana e o “Juca” se tenham passado a relacionar sexualmente desde o início de Agosto. ---
233. Que entre ambos existisse, durante o mês de Agosto, um relacionamento amoroso. ---
234. Que antes de 19 de Setembro de 2011 o já referido descampado tivesse sido usado pela Ana e pelo “Juca” para manterem entre si relações sexuais. ---
235. Que o “Juca” fosse habitualmente portador de óculos dourados da marca “Cartier” no valor de € 5.000 (cinco mil euros). ---
236. Que os Arguidos Carlos, Manuel e Ricardo tivessem usado gorros em 19 de Setembro de 2011. ---
237. Que o “Juca” tivesse estacionado o seu veículo automóvel com a frente para a saída do carreiro e que tivesse aberto a mala do seu veículo automóvel. ---
238. Que, encontrando-se então, na ocasião, a cerca de 5/7 metros dos Arguidos, o “Juca” se tenha dirigido na direcção daqueles perguntando-lhes se ele lhes tinha feito algum mal. ---
240. Que os Arguidos Ana, Manuel, Carlos, Ricardo e Pedro quisessem apenas apoderar-se dos objectos e dinheiro que o Ofendido "Juca" trouxesse consigo e integrá-los no seu património, fazendo uso para o efeito, se necessário, da sua superioridade física e das armas de fogo de que dispunham e que empunhavam, conformando-se com o facto (caso surgissem obstáculos ou dificuldades na execução do roubo planeado e/ou fuga posterior do local) das mesmas virem a ser utilizadas. ---
241. Que soubessem que apenas logravam concretizar aquele seu desígnio mediante o uso da força e ameaça das armas de fogo acima referidas. ---
242. Que o Domingos tenha acompanhado os Arguidos no momento em que estes procederam à venda do ouro. ---
243. Que o Domingos tenha, por qualquer forma, planeado e/ou comungado esforços ou sequer prestado auxílio aos demais Arguidos no transporte do corpo do “Juca” até Viana do Castelo e subsequente depósito na supra-referida lagoa. ---
b) Do pedido civil ---
244. Que o agregado familiar do falecido fosse unido e harmonioso, designadamente que o “Juca” e a sua esposa vivessem em função um do outro. ---
245. Que a Elvira tenha perdido a alegria de viver e a felicidade que lhe eram habituais. ---
246. Que tenha passado a viver em constante saudade, tristeza, choro e depressão, sentindo-se só, desamparada e triste. ---
247. Que a vida da Elvira se tenha alterado e que padeça ainda de dores, sofrimento, angústia, revolta e desespero. ---
248. Que o “Juca” desse todo o apoio à sua filha e ao seu neto, acompanhando-os em todos os momentos da sua vida familiar e profissional. ---
249. Que fosse um conselheiro da sua filha e do seu neto em muitos dos seus assuntos pessoais. ---
250. Que a filha e o neto convivessem diariamente com o “Juca” e assim mantivessem uma forte relação de afecto, dedicação e estima, dedicando-lhe profundo respeito, veneração e carinho. -
251. Que aqueles ainda sofram dor, desgosto, angústia e revolta. ---
252. Que qualquer um dos demandantes ainda sinta revolta pela forma como o cadáver do “Juca” foi tratado pelos Arguidos, designadamente pela sua ocultação. ---
253. Que o “Juca” fosse o sustento do agregado familiar. ---
254. Que gastasse consigo, mensalmente, apenas cerca de 500 Euros. ---
255. Que a Elvira tenha sofrido, com a morte do “Juca”, um prejuízo mensal de cerca de 1000 Euros. ---
Não se provou ainda que ---
- Os Arguidos tenham actuado com outros propósitos e segundo outros planos que não os apurados. ---
- Os Arguidos Carlos e Ricardo tenham levado consigo bens ou valores da vítima Manuel R... imediatamente após o decesso desta. ---
- A Arguida Ana tenha amassado o ouro. ---
- A Arguida Ana tenha por alguma forma participado na descrita ocultação do cadáver de Manuel R... e, nomeadamente, decidido quanto à sua ocultação ou deitado fora os plásticos usados no transporte daquele ou lavado com lixívia a zona de carga da referida carrinha Renault Trafic. ---
5. DO ENQUADRAMENTO JUSPENAL DOS FACTOS. ---
Os Arguidos Ana, Manuel e Carlos foram condenados pela prática dos crimes de profanação de cadáver, uso e detenção de arma proibida, furto qualificado e homicídio qualificado. ---
O Arguido Pedro foi condenado pela prática dos crimes de profanação de cadáver, furto qualificado e homicídio qualificado. ---
O Arguido Ricardo foi condenado pela prática dos crimes uso e detenção de arma proibida, furto qualificado e homicídio qualificado. ---
Vejamos. ---
Do crime de profanação de cadáver. ---
Os Arguidos Carlos e Pedro não impugnaram a inculpação que lhes foi efectuada pelo Tribunal recorrido do crime de profanação de cadáver e este Tribunal tem tal incriminação por assertiva. ---
Por outro lado, os Arguidos Ana e Manuel insurgiram-se quanto à tal imputação relativamente às suas pessoas com fundamento num diverso entendimento da prova produzida. ---
Mostrando-se, contudo, infundado tal entendimento relativamente ao Arguido Manuel, conforme já se deixou dito, revela-se ajustada a imputação àquele Arguido do referido crime. ---
O mesmo não se diga relativamente à Arguida Ana: conforme decorre do exposto, não se tendo provado que aquela Arguida tenha por alguma forma participado na descrita ocultação do cadáver de Manuel R... e, nomeadamente, decidido quanto à sua ocultação ou deitado fora os plásticos usados no transporte daquele ou lavado com lixívia a zona de carga da referida carrinha Renault Trafic, deve a Arguida ser absolvida quanto a tal ilícito criminal. ---
Em consequência, atenta nomeadamente a factualidade dada como provada indicada sob os n.ºs 40. a 47., 63., 65. e 66., importa entender que os Arguidos Manuel, Carlos e Pedrocometeram, em co-autoria, um crime de profanação de cadáver, previsto e punido pelo artigo 254º, nº. 1, alínea a), do Código de Penal Dispõe-se aí que comete tal ilícito criminal «quem, sem autorização de quem de direito, subtrair (…) ou ocultar cadáver (…)». ---, devendo a Arguida Ana ser absolvida daquele ilícito criminal. ---
Do crime de detenção de arma proibida. ---
O Tribunal recorrido imputou: ---
· Aos Arguidos Ana e Manuel, a cada um deles, um crime de uso e detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alíneas c) e d) Na parte que aqui releva dispõe-se aí que comete o crime detenção de arma proibida «quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver (…), guardar (…)
c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda (…), espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, (…), ou arma de fogo transformada ou modificada (…)
d) (…) munições de armas de fogo independentemente do tipo de projéctil utilizado». ---, com referência ao artigo 2.º, n.ºs 1, alíneas p), x) e ar), e 3, alíneas e), g) e p) Por manifesto lapso de escrita, o acórdão recorrido refere a alínea «r)» quando seguramente queria aludir à alínea «ar». ---
Refere igualmente a alínea x) do n.º 6 do artigo 3.º a qual inexiste, sendo certo que pretendia seguramente referir a alínea «x» do n.º 1 do artigo 2.º. ---
Ora, segundo o artigo 2.º, n.º 1, alíneas p), x) e ar), “(…) entende-se por: 1. Tipos de armas: p) «Arma de fogo» todo o engenho ou mecanismo portátil destinado a provocar a deflagração de uma carga propulsora geradora de uma massa de gases cuja expansão impele um ou mais projécteis; x) «Arma de fogo transformada» o dispositivo que, mediante uma intervenção mecânica modificadora, obteve características que lhe permitem funcionar como arma de fogo; ar) «Espingarda» a arma de fogo longa com cano de alma lisa”. ---
Nos termos artigo 2.º, n.º 3, alíneas e), g) e p) “Entende-se por munições das armas de fogo e seus componentes:
e) «Cartucho» o recipiente metálico, plástico ou de vários materiais, que se destina a conter o fulminante, a carga propulsora, a bucha e a carga de múltiplos projécteis, ou o projéctil único, para utilização em armas de fogo com cano de alma lisa;
g) «Cartucho carregado» a munição para arma de fogo com cano de alma lisa contendo todos os seus componentes em condições de ser disparado;
p) «Munição de arma de fogo» o cartucho ou invólucro ou outro dispositivo contendo o conjunto de componentes que permitem o disparo do projéctil ou de múltiplos projécteis, quando introduzidos numa arma de fogo». ---, bem como ao artigo 3.º, n.ºs 1, 2, alínea l), e 6, alínea c) Nos termos dos quais, «1 - As armas e as munições são classificadas nas classes A, B, B1, C, D, E, F e G, de acordo com o grau de perigosidade, o fim a que se destinam e a sua utilização. 2 - São armas, munições e acessórios da classe A: l) As armas de fogo transformadas ou modificadas. 6 - São armas da classe D: c) As armas de fogo longas de tiro a tiro de cano de alma lisa». ---, todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, A referida Lei n.º 5/2006 foi sucessivamente alterada pela Lei n.º 59/2007, de 04.09, Lei n.º 17/2009, de 06.05, Lei n.º 26/2010, de 30.08, e Lei n.º 12/2011, de 27.04. --- com as alterações introduzidas pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril; ---
· Ao Arguido Carlos , um crime de uso e detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), com referência ao artigo 2.º, n.º 3, alínea p), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 12/2011 de 27 de Abril; ---
· Ao Arguido Ricardo, um crime de uso e detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), com referência ao artigo 2.º, n.º 3, alíneas e), g) e p), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril. ---
Os Arguidos Manuel, Carlos e Ricardo admitiram tal imputação, ao contrário da Arguida Ana. ---
Fundou-se aquela refutação em erro de julgamento que este Tribunal entretanto julgou improcedente, pelo que carece de fundamento a impugnação da Arguida na matéria. ---
Em consequência, tendo em consideração a matéria de facto dada como provada sob os números 51., 56., 57., 58. e 64. a 66., bem como o normativo indicado, cometeram os Arguidos Manuel, Ana, Carlos e Ricardo, em autoria material, cada deles, um crime de detenção de arma proibida nos termos indicados pelo Tribunal recorrido e supra mencionados. ---
Do crime de furto qualificado. ---
Os Arguidos Ana, Carlos , Ricardo e Pedro aceitam que tenham cometido tal ilícito criminal nos termos imputados no acórdão recorrido, sendo que este Tribunal não vislumbra razões para assim também não o entender. ---
O Arguido Manuel peticionou a sua absolvição fundado em erro de julgamento. ---
Ora, improcedendo tal erro nos termos indicados, carece de fundamento a pretendida sua absolvição na matéria em causa, pelo que deve ele ser também condenado nos termos indicados no acórdão recorrido. ---
Nestes termos e considerando os factos dados como provados designadamente sob os números 18. a 39., 59., 65. e 66, cometeram, pois, os Arguidos Ana, Manuel, Carlos , Ricardo e Pedro, em co-autoria, um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º Nos termos do qual comete furto «quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia». --- e 204.º, nº. 1, alínea d) Segundo a apontada alínea d), o furto é qualificado, além do mais, quando o agente actua «explorando situação de especial debilidade da vítima». ---, ambos do Código Penal. ----
Do crime de homicídio qualificado. ---
O Tribunal recorrido condenou os Recorrentes, cada um deles, pela co-autoria, na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, nºs. 1 e 2, alíneas g), h) e j), do Código Penal. ---
Vejamos. ---
O crime de homicídio simples encontra-se previsto e punido no artigo 131.º do Código Penal. ---
Preenche aquele ilícito criminal a acção ou omissão condizente à morte de uma pessoa. ---
Nestes termos, atento o disposto no referido artigo 131.º do Código Penal, os elementos constitutivos do tipo de ilícito e de culpa do crime de homicídio simples são: ---
1. A morte de uma pessoa por parte do agente; ---
2. A vontade consciente daquele em assim proceder, ---
3. A ilicitude da respectiva conduta, o que implica que o agente actue sem uma causa de justificação do facto, ---
4. A culpa do agente fundada na sua liberdade de decisão, no conhecimento do carácter proibido da sua conduta e na inexistência de uma causa de exclusão de culpa. ---
O bem jurídico protegido pela incriminação do crime de homicídio é a vida humana, entendida esta como a vida de pessoa diversa do agente e já nascida. ---
As alíneas g), h) e j) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, referem como circunstâncias susceptíveis de qualificar o crime de homicídio, respectivamente, ---
· «Ter» o agente «em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime»; ---
· «Praticar» o agente «o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum», ---
· «Agir» o agente «com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas». ---
Na apontada alínea g) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal está em causa a instrumentalidade do crime de homicídio relativamente a outro ilícito criminal a fim de preparar, facilitar, executar ou encobrir este ou facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime. ---
«Não é sequer necessário que o “outro crime” se tenha verificado e nem mesmo que seja realizável. É suficiente que, na representação mental do agente, o crime de homicídio seja útil para a consecução de um “outro crime”, quer este outro crime tenha sido ou venha a ser cometido pelo próprio agente ou por terceiro» Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código Penal, página 352. ---. ---
Juntam-se na indicada alínea h) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal «três constelações que se deixam reduzir à mesma estrutura valorativa através da ideia da particular perigosidade do meio empregado (seja directamente para a vítima, seja indirectamente para outros bens jurídicos protegidos) e da consequente maior dificuldade de defesa em que se coloca a vítima». ---
Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas impõe que sejam no mínimo três os co-autores do facto típico. ---
Utilizar meio particularmente perigoso é «servir-se para matar de um instrumento, de um método ou de um processo que dificulta a defesa da vítima e que (…) criem ou sejam susceptíveis de criar perigo de lesão de outros bens jurídicos importantes», sendo que mostra-se «desde logo necessário que o meio revele uma perigosidade superior à normal dos meios usados para matar (…)» Cf. Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Geral Tomo I, edição de 2012, páginas 66 a 68. ---. ---
Crimes de perigo comum são não só os previstos nos artigos 272.º a 286.º do Código Penal, mas também os previstos fora daquele diploma legal desde que a conduta do agente seja idónea a causar dano com repercussão social acentuada, de propensão expansiva, susceptível de ofender uma pluralidade de pessoas e de bens jurídicos, sendo que «a especial censurabilidade do facto reside na atitude do agente que não se importa com o destino de outros além da vítima do homicídio» Cf. Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código Penal, página 352. ---.
A indicada alínea j) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal encerra aquilo que vem sendo entendido como premeditação, entendida esta como «atitude de elaboração mental e reflexão no propósito criminoso do agente» Cf. Paulo Pinto Albuquerque, Comentário ao Código Penal, página 353. ---. ---
Em particular, diga-se que a frieza de ânimo traduz a formação da vontade de praticar o homicídio de modo frio, reflexivo, cauteloso, deliberado, calmo na preparação e execução, persistente na resolução; trata-se de uma circunstância agravante relacionada com o processo de formação da vontade de praticar o crime, devendo reconduzir-se às situações em que se verifica calma, reflexão ou sangue-frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução Em sentido idêntico vejam-se os acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2007, Processo n.º 153/07 - 3.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Cabral, 29.10.2008, Processo n.º 3379/08 - 3.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Fernando Fróis, 30.04.2009, Processo n.º 58/05.6SULSB.S1 - 5.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Simas Santos, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumários de acórdãos/secção criminal, 09.06.2010, Processo n.º 862/09.6TBFAF.E1.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Manuel Braz, 16.06.2011, Processo n.º 600/09.3JAORT.P1.S1, relatado pela Senhora Conselheira Isabel Pais Martins, 23.11.2011, Processo n.º 1081/09.7JAPRT.P2.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Armindo Monteiro, e 30.11.2011, Processo n.º 238/10.2JACBR.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, in www.dgsi.pt/jstj. - . ---
As indicadas qualificativas das alíneas g), h) e j do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal só relevam, contudo, quando «a morte for produzida em circunstâncias de revelar especial censurabilidade ou perversidade do agente» Cf. artigo 132.º, n.º 1, do Código Penal.---. –
O crime de homicídio qualificado constitui, por isso, um tipo de culpa: é esta, enquanto assente numa especial censurabilidade ou perversidade do agente, que determina a agravação, sendo que esta não resulta necessariamente da verificação de qualquer das circunstâncias enunciadas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal Neste sentido vejam-se, entre muitos outros, referindo tão-só alguns dos mais recentes, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.06.2011, Processo n.º 4095/07.8TPPRT.P1.S1, relatado pela Senhora Conselheira Isabel Pais Martins, 13.07.2011, Processo n.º 758/09.1JABRG.G1.S1, relatado pelo Senhor Conslheiro Henriques Gaspar, 30.11.2011, Processo n.º 238/10.2JACBR.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, 23.02.2012, Processo n.º 123/11.0JAAVR.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, 05.07.2012, Processo n.º 2663/10.0GBABF.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Arménio Sottomayor, e 25.10.2012, Processo n.º 525/10.0PBLRA.C1.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Manuel Braz, todos in www.dgsi.pt/stjs. -
Na doutrina, defendendo estar-se perante um tipo de culpa Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Geral Tomo I, edição de 2012, páginas 54 a 56; Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código Penal, página 348; Cristina Líbano Monteiro, Qualificação e privilegiamento do tipo legal de homicídio, na RPCC, ano 6.º, páginas 113 a 126, Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 2007, página 511. ---
Em sentido diverso, João Curado Neves, Indícios de Culpa ou Tipos de Ilícito, Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, páginas 752 e 753, defende que as diversas alíneas do n.º 2 do artigo 132.º constituem “tipos incriminadores que qualificam o tipo base de homicídio simples. O fundamento da incriminação reside na ilicitude agravada em que se traduz o comportamento descrito, e o tipo encontra-se na realidade no n.º 2, e não no n.º 1 (...) que (...) tem que ser considerado um elemento negativo do tipo, que reduz o âmbito de aplicação de cada uma das alíneas indicadas no n.º 2”.---. ---
«O legislador português de 1982 seguiu, em matéria de qualificação do homicídio, um método muito particular e até certo ponto, original (...): a combinação de um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica chamada dos exemplos-padrão (...)». ---
«Por outras palavras, a qualificação deriva de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: a “especial censurabilidade ou perversidade” do agente referida no n.º 1; verificação indiciada por circunstâncias ou elementos uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplificativamente elencadas no n.º 2. Elementos estes assim, por um lado, cuja verificação não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; e cuja não verificação, por outro lado, não impede que se verifiquem outros elementos substancial e teleologicamente análogos (não deve recear-se o uso da palavra “análogos”) aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador». ---
«A agravação da culpa é em todos os casos suportada por uma correspondente agravação (gradual-quantitativa) do conteúdo do ilícito». ---
Com o apontado tipo de culpa pretende-se «imputar à “especial censurabilidade” aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à “especial perversidade” aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas» Cf. Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Geral Tomo I, edição de 2012, páginas 49 a 56. --- . ---
No caso vertente. ---
Releva a factualidade apurada indicada como provada sob os n.ºs 18. a 39., 50., 60. a 62., 65. e 66. ---
Do cotejo dela decorre desde logo: ---
· O carácter instrumental do homicídio relativamente à pretendida apropriação de bens da vítima; ---
· O «condomínio do facto» Para usar a expressão de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, edição de 2011, página 791. --- por cinco pessoas; ---
Ou seja, a factualidade apurada integra os exemplos-padrão indicados nas alíneas g) e h) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal. ---
Por um lado, no contexto apurado, o homicídio surge para melhor perpetrar a apropriação do património da vítima: o propósito primeiro dos Arguidos era assaltar esta e é no âmbito do assalto que a morte sucede, uma morte prevista por todos e à qual todos se conformaram ao partir para o assalto, sendo que este só se consuma após a morte da vítima. ---
Por outro lado, são cinco os participantes no facto típico. ---
A factualidade dada como provada não integra, contudo, o exemplo-padrão indicado na referida alínea j), nem é caso de se considerar estar perante utilização de meio particularmente perigoso. ---
Com efeito, a caçadeira é um instrumento perigoso mas não particularmente perigoso, pois não tem em si uma perigosidade acentuadamente superior à normal dos instrumentos utilizados para matar, sendo que a forma de utilização da arma no caso – a curta distância da vítima, disparada contra as costas desta, que foi surpreendida e não dispunha aparentemente de qualquer hipótese de defesa –, é uma circunstância que não pertence à natureza da arma, não a tornando, assim, particularmente perigosa No mesmo sentido vejam-se os acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.1999, Processo n.º 99P946, relatado pelo Senhor Conselheiro Armando Leandro, de 06.12.2002, Processo n.º 02P2703, relatado pelo Senhor Conselheiro Flores Ribeiro, ambos in www.dgsi.pt e de 13.03.2008, Processo n.º 2589/07 – 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumários de acórdãos. ----. ---
Da matéria de facto dada como provada não decorre igualmente que os Arguidos tenham agido premeditadamente. ---
Nomeadamente, de modo frio, reflexivo, cauteloso, deliberado, calmo na preparação e execução, persistente na resolução. ---
Verificados in casu os dois apontados exemplos-padrão – a instrumentalidade do homicídio e o cometimento deste por mais de duas pessoas -, não se segue daí, sem mais, a qualificação daquele ilícito criminal, pois é ainda necessário que a morte tenha sido produzida em circunstâncias tais que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente. ---
Ora, na situação vertente tal censurabilidade e perversidade afigura-se manifesta: só uma personalidade acentuadamente deformada, insensível ao valor supremo da vida de outrem conjectura a possibilidade de matar num assalto e conforma-se com tal possibilidade numa situação de clara vantagem - eram quatro homens novos, três deles com armas de fogo, e uma mulher contra um homem de 68 anos de idade, aparentemente indefeso e seguramente surpreendido na situação. ---
Pior ainda quanto ao Arguido Manuel que disparou, actuando aquando do disparo com evidente dolo directo. ---
A circunstância de alguns dos participantes actuarem com dolo eventual não obsta à qualificação do homicídio quanto a eles, pois inexiste qualquer incompatibilidade na imputação do homicídio qualificado a título de dolo eventual quanto aos referidos exemplos-padrão aqui em causa. ---
Com efeito, desde logo, «não havendo motivo para atribuir ao dolo eventual um estatuto de subalternidade em face das demais modalidades do dolo (…), não há também justificação para posições que, por princípio e sem mais, afastem ou restrinjam a aplicabilidade do homicídio qualificado logo pelo simples razão de o agente actuar com dolo eventual» Cf. Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Geral Tomo I, edição de 2012, páginas 74. ---. ---
Depois, numa situação como a presente, em que tal incompatibilidade inexista, o que releva é que o agente tenha representado os elementos que constituem o ou os exemplos-padrão e, pelo menos, nesse contexto se tenha conformado com o resultado morte. ---
Ora, tal resultou provado no caso vertente, conforme decorre nomeadamente dos factos indicados como provado sob o n.ºs 19., 20., 21. e 62. ---
Sendo o homicídio qualificado um tipo de culpa, deve encarar-se a situação numa perspectiva de «culpa na comparticipação», para usar a terminologia do artigo 29.º Dispõe-se aí que «Cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes». --- do Código Penal, e não na de «ilicitude na comparticipação», conforme epígrafe do artigo 28.º Segundo o qual «1 - Se a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependerem de certas qualidades ou relações especiais do agente, basta, para tornar aplicável a todos os comparticipantes a pena respectiva, que essas qualidades ou relações se verifiquem em qualquer deles, excepto se outra for a intenção da norma incriminadora. 2 - Sempre que, por efeito da regra prevista no número anterior, resultar para algum dos comparticipantes a aplicação de pena mais grave, pode esta, consideradas as circunstâncias do caso, ser substituída por aquela que teria lugar se tal regra não interviesse». --- do mesmo diploma legal. ---
Nesta perspectiva, a circunstância de um participante actuar com dolo directo e os outros dolo eventual não afasta a co-autoria, respondendo os respectivos comparticipantes na medida da sua culpa, conforme o referido artigo 29.º do Código Penal. ---
«Em último termo, todos os elementos dos exemplos-padrão e das situações substancialmente análogas relevam pela via do tipo de culpa, não pela do tipo de ilícito; assim se devendo afirmar que todas as situações se sujeitam, em definitivo, ao regime constante do art. 29º, não do art. 28º do CP» Cf. Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Geral Tomo I, edição de 2012, página 78. ---. ---
Em suma, cometeram os Arguidos, em co-autoria, na forma consumada, um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas g) e h), do Código Penal. ---
6. Da pretendida aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes. ---
O Recorrente Ricardo reclama a aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes decorrente do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro. ---
Vejamos. ---
O artigo 4.º daquele diploma legal estatui a aplicação do instituto da atenuação especial da pena aos jovens delinquentes quando o juiz tiver sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção do jovem condenado. ---
É profusa a jurisprudência do nosso Venerando Supremo Tribunal de Justiça sobre a problemática da atenuação especial da pena por efeito do disposto no artigo 4.º do referido Decreto-Lei n.º 401/82. ---
Do nosso ponto de vista, a existência de um regime penal especial para jovens não significa que estes tenham necessariamente de dele beneficiar, antes indicando que a aplicabilidade do mesmo deve ser sempre ponderada, sendo obrigatoriamente aplicado nos casos em que se mostrem satisfeitos os respectivos requisitos. ---
No juízo de prognose a formular sobre a existência de vantagens para a reintegração na sociedade do jovem condenado devem ser tidas em conta todas as circunstâncias ocorrentes atinentes à ilicitude do facto (gravidade e suas consequências), à culpa (tipo e intensidade do dolo e fins que subjazem ao ilícito) e às necessidades de pena, tendo presentes a personalidade do jovem delinquente e suas condições pessoais, com destaque para o comportamento anterior e posterior aos factos Cf. Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 05.11.2008, Processo n.º 08P2851, relatado pelo Senhor Conselheiro Oliveira Mendes, in www.dgsi.pt/jstj. ---. ---
Assim, a avaliação das vantagens da atenuação especial da pena para a reinserção do jovem delinquente tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e o percurso de vida do Arguido, e não perante considerações vagas e abstractas desligadas da realidade. ---
No caso em apreciação. ---
Importa atender aos factos indicados como provados, nomeadamente sob os n.ºs 18. a 39., 58., 59., 61., 62., 64. a 66., 104. a 123. e 197. ---
Deles decorre que: ---
· A conduta do Recorrente Ricardo revela um grau elevado de ilicitude e de culpa: em causa está um crime de homicídio qualificado, de furto qualificado e de detenção de arma proibida; o Arguido actuou em co-autoria, com dolo eventual quanto ao crime de homicídio e com dolo directo relativamente aos crimes de furto e de detenção de arma proibida; ---
· O Arguido não ressarciu por qualquer forma os lesados, nem demonstrou vontade nesse sentido; ---
· À data dos factos tinha 18 anos de idade e tinha já sido condenado pela autoria de um crime de condução automóvel sem habilitação legal; ---
· Então, encontrava-se a trabalhar e vivia socialmente integrado; ---
· Em julgamento, confessou o furto e a detenção de arma proibida, negando qualquer responsabilidade no homicídio. ---
Tudo ponderado, não se vislumbram sérias razões para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção do Arguido Ricardo.
Pelo contrário, julga-se que a sujeição do mesmo a uma pena decorrente da não atenuação melhor contribuíra os fins das penas no caso concreto, na medida em confere ao Recorrente a real dimensão da ilicitude da sua conduta e da sua culpa, assim como salvaguarda as expectativas comunitárias que o caso impõe,. ---
Entende, pois, o Tribunal que in casu a pena do Recorrente Ricardonão deve ser especialmente atenuada nos termos do regime penal especial para jovens delinquentes, improcedendo, assim, nesse aspecto o recurso em apreço. ---
7. Da justeza das penas aplicadas. ---
Os Arguidos Ana, Carlose Pedropõem em causa a determinação da pena concreta que lhes foi aplicada. ---
Apreciemos, levando ainda em conta que «salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes» Cf. artigo 402.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal. ---. ---
Das penas parcelares. ---
Em sede de determinação da pena concreta importa ter presente o disposto nos artigos 40.º Com a epígrafe de "finalidades das penas (...)", aquele preceito legal dispõe que "1. A aplicação de penas (...) visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa". --- e 71.º O qual preceitua que “1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligência; c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta de ser censurada através da aplicação da pena”. --- do Código Penal. ---
Tais disposições legais conferem ao intérprete e ao aplicador do direito critérios gerais, mais ou menos seguros e normativamente estabilizados, para efeito de medida da reacção criminal, sendo que o preceituado sob o número 2 do indicado artigo 40.º constitui inegavelmente um afloramento do princípio geral e fundamental de que o direito penal é estruturado com base na culpa do agente, constituindo a medida da culpa uma condicionante da medida da pena de forma a que esta não deve ultrapassar aquela. ----
A pena serve finalidades de prevenção geral e especial, sendo delimitada no seu máximo inultrapassável pela medida em que se dimensione a culpa. ---
«Só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação de delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida». ---
Mas «em caso algum pode haver pena sem culpa ou a medida da pena ultrapassar a medida da culpa», o que «não vai buscar o seu fundamento axiológico, (...), a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. (…) A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização» Cf. Figueiredo Dias in As Consequências Jurídicas do Crime, Edição Notícias Editorial, 1993, páginas 72 e 73. ---. ---
“(...) 1) toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais” Cf. Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, edição de 2011, página 84. ---. ---
“A medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente (...). Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas. É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposto pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente” Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Penas, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano XII, n.º 2 (Abril/Junho de 2002). ---. ---
Dito de outro modo, as penas são fixadas em função da culpa e da prevenção geral e especial. ---
Toda a pena tem, como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, não havendo pena sem culpa – nulla poena sine culpa - e constituindo esta limite máximo da pena. ---
Através da prevenção geral busca-se dar satisfação aos anseios comunitários da punição do caso concreto, tendo em atenção de igual modo a necessidade premente da tutela dos bens e valores jurídicos. ---
Com o apelo à prevenção especial aspira-se em conceder resposta às exigências da socialização (ou ressocialização) do agente em ordem a uma sua integração digna no meio social Cf. neste sentido, entre muitos outros, vejam-se os Acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.2009, Processo n.º 726/00.9SPLSB.S1 – 5.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Arménio Sottomayor, 10.02.2010, Processo n.º 217/09.2JELSB.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, 28.04.2010, Processo n.º 1103/05.0PBOER.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Fernando Fróis, ambos in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal, 30.11.2011, Processo n.º 238/10.2JACBR.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, 20.06.2012, Processo n.º 443/10.1GBLLE.E2.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Pires da Graça, e 06.02.2013, Processo n.º 593/09.7TBBGC.P1.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Sousa Fonte, in www.dgsi.pt/jstj. --- . ---
No caso vertente. ---
O crime de profanação de cadáver é punido com a pena de 1 (um) mês a 2 (dois) anos de prisão ou a pena 10 (dez) a 240 (duzentos e quarenta) dias de multa.
O crime de detenção de arma proibida cometido pelos Arguidos Ana e Manuel é sancionado com a pena de 1 (um) ano a 5 (cinco) anos de prisão ou a pena 10 (dez) a 600 (seiscentos) dias de multa. ---
O crime de detenção de arma proibida cometido pelos Arguidos Carlos e Ricardo é punido com a pena de 1 (um) mês a 4 (quatro) anos de prisão ou a pena 10 (dez) a 480 (quatrocentos e oitenta) dias de multa. ---
O crime de furto qualificado em causa é sancionado com a pena de 1 (um) mês a 5 (cinco) anos de prisão ou a pena 10 (dez) a 600 (seiscentos) dias de multa. ---
O crime de homicídio qualificado é punido com a pena de 16 (dezasseis) a 25 (vinte e cinco) anos de prisão, atento o disposto nos artigo 86.º, n.ºs 3, 4 e 5 Dispõe-se aí que «3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma. 4 - Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente. 5 - Em caso algum pode ser excedido o limite máximo de 25 anos da pena de prisão». ---
O Venerando Supremo Tribunal de Justiça vem-se pronunciando no mesmo sentido, conforme acórdãos de 31.03.2011, Processo n.º 361/10.3GBLLE – 5.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Manuel Braz, e 18.01.2012, Processo n.º 306/10.0JAPRT.P1.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Cabral. ----, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, que agrava num terço o limite mínimo da pena correspondente ao homicídio qualificado e não o seu limite máximo por este já corresponder ao limite máximo legalmente permitido. ---
Ou seja, com excepção do crime de homicídio qualificado, todos outros crimes imputados aos Arguidos são puníveis com pena de prisão ou multa, o que implica previamente a escolha da pena. ---
Ora, nesse âmbito, o Tribunal recorrido optou, e bem, pela aplicação da pena de prisão: atento o disposto no artigo 70.º do Código Penal Segundo o qual «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». --- e considerando o desvalor global da conduta dos Arguidos aqui em causa, assumindo esta uma violência inusitada, com grave violação de valores fundamentais que num Estado de Direito urge salvaguardar, impõe-se no caso, sem qualquer dúvida, optar pela pena de prisão. --
A necessária tutela dos bens jurídico protegido pela incriminação dos crimes em causa e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, assim como considerações de prevenção especial de socialização, fundamentam tal escolha de pena de prisão, conforme o acórdão recorrido. ---
Por outro lado, quando numa pena de concurso entra uma pena de prisão e uma de multa em alternativa, como é o caso, pois o homicídio qualificado cometido pelos Arguidos é punível com pena de prisão, importa optar por uma pena homogénea de prisão de forma a evitar os inconvenientes das «penas mistas», que o legislador pretendeu afastar na revisão do Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março No mesmo sentido, vejam-se os acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2008, Processo n.º 4553/07 – 3.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Armindo Monteiro, 12.02.2009, Processo n.º 110/09 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Arménio Sottomayor, 08.10.2009, Processo n.º 228/08.5JAFAR.S1 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa. ---. ---
No que respeita ao quantum das penas de prisão em apreço, atenta a factualidade apurada, nomeadamente os factos relativos aos ilícitos criminais perpetrados, as condições pessoais dos Arguidos, a sua personalidade e antecedentes criminais, entende-se que: ---
· As necessidades de prevenção geral e a culpa dos Arguidos são muito significativas. ---
Basicamente. ---
É enorme o grau de desvalor da conduta dos Arguidos. ---
Eles actuaram em co-autoria, em manifesta vantagem relativamente à vítima. ---
Violaram múltiplos valores: a vida, o património, o respeito pelo cadáver de uma pessoa (quanto aos Arguidos Manuel, Carlos e Pedro), bem como a segurança da comunidade quanto à circulação de armas e munições (relativamente aos Arguidos Ana, Manuel, Carlos e Ricardo). ---
O Arguido Manuel disparou a curta distância da vítima e de absoluta surpresa para esta. ---
Na qualificação do homicídio registam-se duas agravantes: a da alínea g) e h). ---
O valor dos bens apropriados é significativo. ---
Os Arguidos não ressarciram por qualquer forma os lesados, nem demonstraram vontade nesse sentido. ---
Os Arguidos Ana, Manuel detinham armas e um número considerável de munições, ao passo que o Arguido Carlos e Ricardo apenas detinham munições em número significativo. ---
Os Arguidos actuaram como dolo directo, salvo os Arguidos Ana, Carlos , Ricardo e Pedro no que respeita ao crime de homicídio qualificado em que actuaram com dolo eventual. ---
Atentos os factos apurados, a consciência jurídica comunitária e o seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida, a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida, reclamam na situação sub judice pena muito significativa. ---
· As necessidades de prevenção especial são enormes quanto aos Arguidos Manuel e Carlos e consideráveis no que respeita aos restantes Recorrentes: ---
No essencial. ---
Os Arguidos mostraram absoluta indiferença pela vida humana, postergando esta em função dos seus interesses patrimoniais. ---
Têm percursos de vida complexos, marcados por disfuncionalidades várias e défice de competências. ---
Os Arguidos Manuel e Carlos têm antecedentes criminais significativos, tendo este sido já condenado 8 (oito) vezes pelo crime de furto e 1 (uma) vez pelo crime de roubo; a Arguida Ana é primária e os Arguidos Ricardo e Pedro foram já condenados como por condução sem habilitação legal. ---
O Arguido Manuel confessou a factualidade relativa à detenção de arma proibida, a Arguida Ana confessou o furto e a existência na sua residência de arma e munições/cartuchos, embora refutando que as detivesse, o Arguido Carlos confessou o furto, a ocultação de cadáver e a detenção de cartuchos, o Arguido Ricardo confessou a detenção de munições/cartuchos, assim como o furto e o Arguido Pedro confessou o furto e a ocultação de cadáver. ---
À data dos factos o Arguido Ricardo encontrava-se a trabalhar e vivia socialmente integrado; ---
Então, a Arguida Ana tinha 45 anos, o Arguido Manuel 31 anos, o Arguido Carlos 24 anos, o Arguido Ricardo 18 anos e o Arguido Pedro 26 anos de idade. ---
A arma que matou a vítima foi encontrada por indicação da Arguida Ana. ---
Os Arguidos Carlos e Pedro colaboraram em sede de inquérito com as Autoridades Policiais. ---
Durante o cumprimento das medidas de coacção que foram impostas no âmbito destes autos aos Arguidos Ricardo e Pedro não se registaram vicissitudes dignas de registo. ---
Tudo ponderado, vistos os factos segundo as considerações precedentes, entende-se de manter as penas de prisão fixada pelo Tribunal recorrido quanto aos crimes de profanação de cadáver, detenção de arma proibida e furto qualificado.
No que respeita ao crime de homicídio qualificado, atentas as alterações efectuadas na matéria de facto e o enquadramento juspenal da factualidade pertinente, fixam-se as seguintes penas: ---
· 19 (dezanove) anos de prisão para a Arguida Ana, ---
· 22 (vinte e dois) anos de prisão para o Arguido Manuel, ---
· 20 (vinte) anos de prisão para o Arguido Carlos , ---
· 16 (dezasseis) anos e 3 (três) meses de prisão para o Arguido Ricardo, ---
· 17 (dezassete) anos de prisão para o Arguido Pedro. ---
Da pena única. ---
No que respeita ao cúmulo em si, interessa trazer à colação, desde logo, o disposto no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal Segundo tal preceito “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena”, sendo que “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, e “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”. --. ---
Naquele normativo consagra-se o chamado sistema da pena conjunta, obtido através de cúmulo jurídico inspirado essencialmente no princípio da cumulação. ---
Esse sistema radica num triplo procedimento. ---
Em primeiro lugar, deve determinar-se a pena concreta de cada um dos crimes em concurso. ---
Depois, estabelece-se a moldura penal do concurso, constituindo o respectivo limite inferior a mais elevada das penas concretas integrantes do mesmo concurso e o seu limite superior a soma de todas as penas concretamente aplicadas, não podendo exceder 25 (vinte e cinco) anos de prisão. ---
Finalmente, determina-se a pena conjunta do concurso, em função das exigências gerais de prevenção e da culpa, sempre considerando os factos e a personalidade do agente. ---
Como escreve Figueiredo Dias, “tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica”. ---
“Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a um tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou, tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)” Cf. Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, edição Notícias Editorial, 1993, páginas 291 e 292. ---. ---
Na situação em apreço, determinada que está a pena concreta de cada um dos crimes em concurso, temos que: ---

Arguido
Profanação de cadáver
Detenção de arma proibida
Furto qualificado
Homicídio qualificado
Ana
- / -
2 Anos de prisão
2 Anos de prisão
19 Anos de prisão
Manuel
1 Ano de prisão
3 Anos e 6 Meses de prisão
2 Anos e 6 Meses de prisão
22 Anos de prisão
Carlos
1 Ano de prisão
3 Anos de prisão
5 Anos de prisão
20 Anos de prisão
Ricardo
- / -
9 Meses de prisão
2 Anos e 2 Meses de prisão
16 Anos e 3 meses de prisão
Pedro
1 Ano de prisão
- / -
1 Ano e 8 Meses de prisão
17 Anos de prisão

Ou seja, no caso, a moldura penal abstracta em sede de cúmulo jurídico de penas, quanto ---
· À Arguida Ana vai de 19 (dezanove) anos a 23 (vinte e três) anos de prisão, ---
· Ao Arguido Manuel vai de 22 (vinte e dois) anos a 25 (vinte e cinco) anos de prisão, ---
· Ao Arguido Carlos vai de 20 (vinte) anos a 25 (vinte e cinco) anos de prisão, ---
· Ao Arguido Ricardo vai de 16 (dezasseis) anos e 3 (três) meses a 19 (dezanove) anos e 2 (dois) meses de prisão; ---
· Ao Arguido Pedro vai de 17 (dezassete) anos a 19 (dezanove) anos e 8 (oito) meses de prisão.
Pelas razões então indicadas a propósito da determinação das penas concretas parcelares, as necessidades de prevenção geral e a culpa dos Arguidos são muito significativas e as respectivas necessidades de prevenção especial são enormes quanto aos Arguidos Manuel e Carlos e consideráveis no que respeita aos Arguidos Ana, Ricardo e Pedro. ---
O grau de desvalor das condutas dos Arguidos é enorme. ---
Eles atentaram contra bens jurídicos de diversa natureza. ---
O Arguido Carlos tem já significativos antecedentes criminais, nomeadamente na área dos crimes contra o património, revelando uma personalidade propensa ao crime. ---
Os crimes furto e homicídio sucederam, contudo, numa mesma ocasião. ---
Entende-se que devem ser aplicadas aos Arguidos as seguintes penas únicas: -
· À Arguida Ana a pena única de 20 (vinte) anos de prisão; ---
· Ao Arguido Manuel a pena única de 24 (vinte e quatro) anos de prisão; ---
· Ao Arguido Carlos a pena única de 22 (vinte e dois) anos de prisão; ---
· Ao Arguido Ricardo a pena única de 17 (dezassete) anos de prisão; ---
· Ao Arguido Pedro a pena única de 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão. ---
Atentas tais penas, fica excluída a aplicação de qualquer pena de substituição, nomeadamente a suspensão de execução da pena requerida pela Arguida Ana. ---
Por outro lado, vistos assim os autos, estamos convictos de não teremos incorrido em qualquer inconstitucionalidade. ---
8. Da requerida absolvição parcial do pedido cível. ---
Reclama a Arguida Ana a sua absolvição «do pedido de indemnização civil (…) na parte respeitante aos danos não patrimoniais». ---
Tal funda-se no erro de julgamento que invoca quanto à factualidade conexa com o crime de homicídio. ---
Conforme resulta do supra exposto, a pretensão da Recorrente na matéria não foi, no essencial, acolhida por este Tribunal e as modificações efectuadas na matéria de facto não justificam alteração das indemnizações fixadas pelo Tribunal recorrido, pelo que mantém-se nesse âmbito a condenação dos Arguidos, ora enquanto Demandante Cíveis, nomeadamente no que respeita à Demandada Cível Ana, nos termos constantes do acórdão recorrido. ---
VI.
DECISÃO. ---
Pelo exposto, julgam-se parcialmente procedentes os recursos interpostos e, em consequência, ---
1. Quanto à decisão de facto, ---
Altera-se a factualidade dada como provada e não provada nos seguintes termos, ---
1.1. Os factos dados como provados sob os n.ºs 19., 20., 23., 34., 36., 37., 38., 40, 47., 60., 61., 62., 63., 65. e 66 passam a ter o seguinte teor: ---
19. Aquando daquele plano, os Arguidos Ana, Manuel, Carlos, Ricardo e Pedro admitiram como possível que a morte do “Juca” pudesse resultar durante a execução daquele assalto, em razão do disparo de alguma das armas que os Arguidos usariam no assalto, e, mesmo assim, conformaram-se com tal desfecho,
20. Assim predispostos, os Arguidos decidiram levar a cabo tal plano, que delinearam em data não concretamente apurada mas antes de 19 de Setembro de 2011, com distribuição de funções e tarefas para cada um deles, ---
23. Dirigiram-se, então, todos os supra mencionados Arguidos e no veículo automóvel acima identificado para o local marcado para o encontro entre a Ana e o “Juca”, sendo que o Carlos se fazia acompanhar de uma arma caçadeira, cuja apreensão não se revelou no entanto possível, e diversos cartuchos para a referida arma, o Manuel com uma arma caçadeira, de calibre 12, com coronha em madeira, de dois canos sobrepostos, da marca “Verney - Carron - Saint Étienne”, com o número de série S 27 153, melhor examinada a fls. 1378 a 1381 e 1474 que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido, e diversos cartuchos para a referida arma, e o Arguido Ricardo, munido de uma pistola que não se logrou apreender nos autos, bem como com munições compatíveis com o mesmo. ---
34. Após uma breve troca de palavras, quando o Ofendido se encontrava a cerca de um metro / um metro e meio dos referidos Arguidos, depois daquele se ter virado de costas em direcção ao seu carro, o Manuel, que empunhava a caçadeira, municiada, apontou a mesma em direcção das costas do Ofendido e disparou um tiro que o atingiu nas costas, provocando-lhe a queda imediata no solo. ---
36. Após, os Arguidos Manuel e Ana retiraram ao “Juca” e levaram consigo os dois anéis, um fio em ouro com uma cruz pendente em ouro, um relógio em ouro com bracelete igualmente em ouro, o telemóvel onde estava inserido o cartão de acesso da operadora TMN n.º 96 7027... associado ao IMEI n.º 358 258035... 721, 4 (quatro) conjuntos de chaves e a chave do carro do Ofendido 28-86-.... ---
37. Nessa ocasião, um daqueles Arguidos retirou uma carteira do “Juca”, a qual continha pelo menos 250 euros, levando-a consigo. ---
38. Seguidamente, abandonando o corpo inanimado do Ofendido e o veículo automóvel 28-86-...no local supra referido, os Arguidos Manuel e Ana dirigiram-se para a viatura 22-DB-..., onde já se encontravam os Arguidos Ricardo, Pedro e Carlos, tendo este conduzido tal viatura até sua casa, sita na Rua B, F... – Barcelos, onde os Arguidos Manuel, Carlos, Ricardo e Pedro, em conjugação de esforços e vontades, amassaram as peças de ouro retiradas ao “Juca” por forma a torná-las não identificáveis, tendo ainda destruído o telemóvel daquele.
40. Posteriormente, em data e hora não concretamente apuradas mas situadas entre o dia 19 de Setembro e o dia 22 de Setembro de 2011, os Arguidos Manuel, Carlos e Pedro, com a finalidade de não serem descobertos pelas autoridades decidiram esconder o cadáver de Manuel R..., decidindo-se da forma como iriam proceder. ---
47. Uma vez nesse local, os Arguidos Manuel e Pedro, com a finalidade de removerem todos e quaisquer vestígios eventualmente ali deixados pelo cadáver do Ofendido “Juca”, colocaram ao lixo sacos de plástico, próprios para guardar o lixo, que haviam sido colocados por baixo do corpo quando foi transportado na aludida viatura e limparam com água e lixívia a zona de carga da carrinha, tendo a Arguida Ana igualmente lavado com água aquela zona. ---
60. Ao disparar contra as costas do “Juca” a espingarda caçadeira que dispunha e que empunhava, o Arguido Manuel pretendeu tirar a vida àquele, conforme efectivamente sucedeu, animado com total indiferença pela vida humana e sem qualquer motivo atendível para o fazer, que não fosse apoderar-se das quantias e valores que o “Juca” tivesse consigo. ---
61. Os Arguidos Ana, Manuel, Carlos, Ricardo e Pedro sabiam que uma arma de fogo, designadamente uma caçadeira, disparada a 1 metro ou metro e meio, era meio apto ou idóneo a tirar a vida a um ser humano,
62. Os Arguidos Ana, Carlos, Ricardo e Pedro agiram da forma descrita animados pelo plano indicado em 18. e predispostos nos termos referidos em 19., ---
63. Mais sabiam os Arguidos Manuel, Carlos e Pedro que, ao actuaram da forma supra descrita procuravam ocultar o cadáver do Ofendido “Juca”, para que o mesmo não fosse descoberto, ou que, caso o mesmo fosse descoberto meses ou anos depois, os restos cadavéricos não fossem identificados. ---
65. Todos os Arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente. ---
66. Mais sabiam os Arguidos, com excepção do Domingos, serem todos os seus comportamentos proibidos e penalmente proibidos por lei penal. ---
1.2. Elimina-se dos factos não provados o indicado sob o n.º 239.; ---
1.3. Consigna-se ainda como factos não provados os seguintes: ---
Não se provou que ---
Os Arguidos tenham actuado com outros propósitos e segundo outros planos que não os apurados. ---
Os Arguidos Carlos e Ricardo tenham levado consigo bens ou valores da vítima Manuel R... imediatamente após o decesso desta. ---
A Arguida Ana tenha amassado o ouro. ---
A Arguida Ana tenha por alguma forma participado na descrita ocultação do cadáver de Manuel R... e, nomeadamente, decidido quanto à sua ocultação ou deitado fora os plásticos usados no transporte daquele ou lavado com lixívia a zona de carga da referida carrinha Renault Trafic. ---
2. No que respeita à decisão de direito: ---
2.1. Absolve-se a Arguida Ana do crime de profanação de cadáver; ---
2.2. Relativamente ao crime de homicídio qualificado, ---
Considera-se que os Arguidos cometeram, em co-autoria, na forma consumada, um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas g) e h), do Código Penal, assim como 86.º, n.ºs 3, 4 e 5, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, e, em consequência, a esse título, condena-se ---
2.2.1. A Arguida Ana, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão, -
2.2.2. O Arguido Manuel, na pena de 22 (vinte e dois) anos de prisão, ---
2.2.3. O Arguido Carlos , na pena de 20 (vinte) anos de prisão; -
2.2.4. O Arguido Ricardo, na pena de 16 (dezasseis) anos e 3 (três) meses de prisão, ---
2.2.5. O Arguido Pedro, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão. ---
2.3. Em sede de pena única, fixam-se as seguintes penas: ---
2.3.1. À Arguida Ana, a pena única de 20 (vinte) anos de prisão; -
2.3.2. Ao Arguido Manuel, a pena única de 24 (vinte e quatro) anos de prisão; ---
2.3.3. Ao Arguido Carlos , a pena única de 22 (vinte e dois) anos de prisão; ---
2.3.4. Ao Arguido Ricardo, a pena única de 17 (dezassete) anos de prisão; ---
2.3.5. Ao Arguido Pedro, a pena única de 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão. ---
Mantendo no mais a decisão recorrida. ---
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Sem custas. ---
Notifique e comunique ao Tribunal recorrido de imediato. ---
Guimarães, 18 de Março de 2013