Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1213/17.1T8BGC.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: VENDA DE COISA DEFEITUOSA
DIREITOS DO CONSUMIDOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/20/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Os direitos à reparação ou à substituição previstos no artigo 914º do Código Civil - e também no artigo 12, n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, que veio estabelecer «o regime legal aplicável à defesa dos consumidores» - não constituem pura alternativa ou opção oferecida ao comprador, antes se encontrando subordinados a uma sequência lógica.

II- Assim, o consumidor tem o poder-dever de seguir primeiramente e preferencialmente a via da reposição da conformidade devida, pela reparação ou substituição da coisa, sempre que possível e proporcionada, em nome da conservação do negócio jurídico, tão importante numa economia de contratação em cadeia, e só subsidiariamente o caminho da redução do preço ou resolução do contrato.

III- Isto porque, embora a lei (art. 5º do DL nº 67/2003) não hierarquize os direitos conferidos ao consumidor, numa interpretação conforme a Directiva (Directiva nº 1999/44/CE, de 25/05), há prevalência da “reparação/substituição” sobre o par “redução/resolução”, pois a concorrência electiva dos diversos direitos do consumidor não é absoluta, por não prescindir de uma “aticização da escolha” através do princípio da boa fé, sendo que o art. 4º nº 5 do diploma citado recorre à cláusula do abuso de direito.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: STAND X AUTOMÓVEIS, UNIPESSOAL, LDA.
Recorrido: N. M..
Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Juízo de Competência Genérica de Vila Flôr.

N. M., solteiro, contribuinte fiscal n.º …, residente na Estrada Nacional …, número .., freguesia de …, concelho de Guimarães, distrito de Braga, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra STAND X AUTOMÓVEIS, UNIPESSOAL, LDA, que usa no giro comercial a designação de Stand Y, com o NIPC n.º … e sede na Estrada Nacional …, Lugar da …, …, e contra “Sr. Y”, ulteriormente identificado como A. B., com sinais nos autos, através da qual peticiona que seja anulado o contrato de compra e venda do veículo automóvel em apreço, restituindo-se ao autor tudo o que por este foi prestado.
Subsidiariamente, peticionou que o negócio reduzido ao valor de € 5500,00 e, ainda, subsidiariamente, que os Réus fossem solidariamente condenados a restituir ao Autor, a título de enriquecimento sem causa, da quantia de €10 000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, bem como serem os Réus solidariamente condenados ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, nunca inferior a €4 500,00, nos termos do disposto no art.º 911.º, n.º 1 e 913.º do CC, uma vez que as deficiências no veículo lhe causaram transtornos e incómodos, impedindo-o de usufruir da viatura e de proceder a uma normal utilização da mesma.
Para o efeito alegou, em síntese, que adquiriu à 1.ª Ré, com intermediação do 2.º Réu (marido da sócia gerente da 1.ª Ré) e por contrato de compra e venda verbal, o veículo automóvel de marca BMW, Modelo Série 1, com a matrícula LG, em 31.03.2017, no estado de usado, pelo valor de €15 500,00.
Que essa viatura apresentou inúmeros defeitos mecânicos, incluindo a adulteração do seu conta-quilómetros, pelo que agiu em erro ao adquirir a viatura. Interpelou os réus para a remoção dos defeitos.
Nada fizeram até à presente data.

Os réus apresentaram contestação, defendendo-se por excepção peremptória – caducidade do direito à denúncia dos defeitos em causa, sendo aplicável o prazo previsto no art. 916.º, n.º 2 do Código Civil (e subsidiariamente, arguiram a caducidade de parte dos direitos denunciados pelo autor).
Mais alegaram que o Autor não pode beneficiar do regime do DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, pois não foi alegada, nem comprovada, a sua qualidade de consumidor subjacente à compra de um bem de consumo.
No mais, disseram ainda que o Autor não interpelou o vendedor para que este procedesse à reparação da coisa, procedendo de imediato ao arranjo das alegadas avarias.
Apresentando defesa por impugnação, os réus alegaram que o veículo em causa lhe pertencia desde Março de 2017 (a 1.ª ré, que desde 2012 não tem actividade comercial, nada contratou com o autor), e que o utilizava nas suas deslocações pessoais e familiares, seguindo-se a colocação de um anúncio no portal Stand....
Mais referiram que foi acordado um desconto de €1000,00 no preço traduzia a compra do direito à eventual garantia por venda de coisa deficiente, que foi cedido pelo comprador ao vendedor.
Nessa sequência, arguiram os réus, a excepção peremptória de abuso de direito no exercício do direito de acção pelo autor.
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Notificado para o efeito, o autor respondeu por escrito às excepções peremptórias suscitadas pelos réus.
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Foi proferido despacho saneador, enunciando objecto do litígio e temas da prova que relegou para final a apreciação da matéria de excepção deduzida.
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No decurso das alegações finais, o autor peticionou a condenação dos réus como litigantes de má-fé, tendo estes últimos respondido ao peticionado em sede de alegações finais.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu nos seguintes termos:

Termos em que julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência declaro verificada desconformidade do bem (viatura LJ) vendido ao autor N. M. e condeno solidariamente os réus STAND X AUTOMÓVEIS, UNIPESSOAL, LDA, substituída [art. 162.º do Código das Sociedades Comerciais] pela sua única sócia M. B. e A. B., a pagar àquele primeiro, o autor, a quantia líquida de €826,03 (oitocentos e vinte e seis euros e três cêntimos) acrescido do montante que que vier a ser liquidado como adequado, a título de redução do preço, na sequência da venda de coisa desconforme.
Condeno o réu A. B. como litigante de má-fé, no pagamento de multa processual de 4UC.
Absolvo os réus do demais peticionado pelo autor.

Inconformado com tal decisão, apela a Ré, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

A) O presente recurso visa a reapreciação da prova gravada e vem interposto da sentença de fls. proferida pelo tribunal a quo que julgou parcialmente procedente a acção e em consequência determina e condena no pagamento da quantia de € 8 2 6,03 acrescido do montante que se vier a apurar em sede de liquidação a título de redução do preço do negócio.

B) Resultou provado, entre o mais, o seguinte:

13. No dia 26.4.2017, o autor colocou o veículo numa oficina para esta resolver as avarias mecânicas, tendo-se verificado que a viatura não dispunha do filtro de partículas, mas apenas da respectiva carcaça, subsequentemente, era necessário proceder à actualização do respectivo software, precisava de substituir a corrente de distribuição e a bomba de óleo, porquanto ambas se encontravam danificadas e outras.
14. Através da missiva enviada aos Réus, via email, a 28.4.2017, denunciou o Autor, através da sua mandatária, os defeitos do veículo em apreço, em menos de dois meses após a sua verificação.
18. Após o dia 26.4.2019 e ante a recusa de reparação dos defeitos pelo réu, o autor ordenou de imediato a reparação do veículo em apreço, por forma a possibilitar a circulação e utilização do mesmo, do qual necessitava, tendo gasto, no imediato, o montante de €516,03.
36. O autor é consumidor, tendo adquirido a viatura para seu uso pessoal e os réus são vendedores, dedicando-se ao comércio de automóveis.
37. O referido email com a denúncia de defeitos de 28.4.2017, foi transmitido para o endereço electrónico definido pelos RR e por estes transmitido ao Autor.
C) Com o presente recurso, pretendem desde logo os recorrentes a alteração dos sobre ditos pontos da matéria de facto devendo passar a considerar-se não provados aqueles que até agora vinham provados e vice - versa.
D) O tribunal no ponto 36 supra deu como provado que o A. é consumidor.
E) No petitório o A . não só não alegou ser consumidor, como também não alegou factos donde resultem aquela qualidade.
F) Aquilo que resultou da audiência de discussão e julgamento é até o contrário.
G) Neste sentido vai o depoimento do pai do A., testemunha F. M., gravadas no sistema informáticos com o número 20190527150837_1936006_2870652 ao minuto 4.04 m.
H) A denúncia dos defeitos é datada de 28 de Abril de 2017 .
I) Cumulativamente com a denúncia dos defeitos, o A. logo exigiu o pagamento da reparação realizada. Vd. Doc. 7 p.i.
J) Logo no início da utilização do automóvel (que aconteceu no dia 8 de Abril de 2017) o A. Verificou a existência de defeitos no mesmo.
K) Neste sentido veja - se o depoimento do pai do A., testemunha F. M., gravadas no sistema informático sob o número 20190527150837_1936006_2870652 ao minuto 5.28m.
L) Por outro lado, atentas a extensão e a natureza dos defeitos – inclusivamente com necessidade de reparação da junta em Torneiro – percebe-se que o arranjo foi moroso.
M) Veja-se neste sentido o depoimento do pai do A., testemunha F. M., gravadas no sistema informático sob o número 20190527150837_1936006_2870652 ao minuto 16.28m.
N) Daí que os pontos 18 e 13 da matéria de facto dada como provada estão incorrectamente julgados, devendo considerar-se a mesma como não provada.
O) No ponto 14 e 37 da matéria de facto dada como provada entendeu-se que o A. Denunciou os defeitos do veículo em 28/04/2017.
P) Todavia não se fez prova se os RR. Acederam ao referido email contendo a denúncia e, em caso positivo, em que data o teriam feito.
Q) Daí que os ponto 14 e 37 da matéria de facto dada como provada hajam que ser dados como não provados.
R) Agrava que o A. Não procedeu ao arranjo dos defeitos que denunciou.
S) O A. Através da reparação que ordenou e que ascendeu a €516,03 procedeu até a adulterações à mecânica original do veículo.
T) Na verdade, e tal como resulta da factura/doc.3 foram eliminadas as borboletas da admissão (i.e.,partes mecânicas que visam gerir a entrada de ar no motor)!!!
U) Posteriormente a esta reparação, o veículo até terá ficado pior.
V) Neste sentido veja-se as declarações do A. Gravadas no sistema informático sob o número 20190527120752_1936006_2870652 ao minuto 18.24m
W) Os defeitos denunciados em 28 de Abril eram atinentes ao filtro de partículas; actualização de software; corrente de distribuição; bomba de óleo.
X) Ou seja, não existe correspondência entre a denúncia e a reparação realizada.
Y) Os demais defeitos que extravasam a referida denúncia sempre estariam (ou estarão) postergados por manifesta caducidade.
Z) Independentemente do instituto a aplicar–i.e., venda de coisas defeituosas contempladas no Código Civil ou venda de bem de consumo no Dl67/2003 certo é que o A. Desconsiderou a tramitação a observar no tocante à materialização do seu alegado direito.
AA) Isto porque, o A. Logo procedeu ao arranjo das alegadas avarias e pediu o seu pagamento enquanto as denunciava. Cf. art.12º p.ie doc.7 junto com a p.i
BB) Os meios jurídicos facultados ao comprador de coisa defeituosa (arts. 913.º e seguintes do Código Civil) não podem ser exercidos de forma aleatória ou discricionária; os mesmos acham-se estruturados de forma sequencial e escalonada.
CC) Impõe-se, assim, a alteração da resposta dada aos sobreditos pontos da matéria de facto, devendo improceder a acção, uma vez que não se verificam preenchidos os requisitos constantes do art. 913º, 914º e 916º CC e seg.
DD) Por fim, não pode manter-se a condenação do réu como litigante de má-fé, porquanto não resultam verificados os pressupostos de que depende a sua condenação.
EE) Foram violados: artigos 913º, 914º e 916º Código Civil; 542.º do CPC.*
O Apelado não apresentou contra-alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada, e, na hipótese de procedência da impugnação da matéria de facto, se deve também ser alterada a decisão recorrida.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida é a seguinte:

Factos provados.

1. O Autor adquiriu à 1.ª Ré, com intermediação do 2.º Réu (marido da sócia gerente da 1.ª Ré) e por contrato de compra e venda verbal, o veículo automóvel de marca BMW, Modelo Série 1, com a matrícula LJ, em 31.03.2017, no estado de usado, pelo valor de €15 500,00.
2. O referido veículo automóvel, encontrava-se publicitado na Internet, no site “Stand...”.
3. O contrato de compra e venda foi celebrado com intermediação do 2.º Réu, que se apresentou ao Autor como Sr. “Y” e como gerente de “Stand Y”, que é uma denominação comercial utilizada pela 1.ª Ré no giro comercial.
4. O Sr. Y era o gerente, de facto, da 1.ª Ré.
5. O veículo foi entregue pelo 2.º Réu e pela sócia gerente da 1.ª Ré, no domicílio do Autor, no dia 8 de Abril de 2017.
6. Os Réus saíram com o veículo em apreço da sede da 1.ª Ré em direcção ao domicílio do Autor, no dia 8 de Abril de 2017.
7. O 2.º Réu conduzia o referido veículo e a sócia gerente da 1.ª Ré conduzia um outro veículo, pelo que, após a entrega do veículo ao Autor, ambos os Réus regressaram à sede da 1.ª Ré, no veículo que era conduzido pela sócia gerente da 1.ª Ré.
8. Por solicitação do 2.º Réu, o preço do veículo foi pago pelo Autor, da seguinte forma:
a. € 5 000,00 em numerário, que entregou aos Réus e €8 000,00 através de transferência bancária efectuada ao balcão da única agência da Caixa … da Póvoa do Lanhoso, sita no Largo …, n.º …, Póvoa de Lanhoso, para uma conta bancária cujo NIB lhe foi indicado pelos Réus, titulada por uma filha de ambos; e
b. € 2500,00, por transferência bancária numa caixa multibanco (P. e Filhos), em …, junto à Farmácia de …, …, estando presentes neste acto, o Autor, a irmã do Autor e os Réus.
9. O Autor adquiriu o veículo em apreço, para solver os seus problemas de circulação e de transporte.
10. Conforme mencionado pelos Réus e ainda conforme publicitado no referido site, o veículo teria 96 000kms.
11. Os Réus garantiram ao Autor que o veículo em apreço havia sido sujeito a uma rigorosa inspecção na oficina, encontrando-se em “óptimas condições” de funcionamento.
12. Logo após o início da utilização, o veículo apresentou defeitos, nomeadamente problemas de carácter mecânico, tendo mesmo avariado.
13. No dia 26.4.2017, o autor colocou o veículo numa oficina para esta resolver as avarias mecânicas, tendo-se verificado que a viatura não dispunha do filtro de partículas, mas apenas da respectiva carcaça, subsequentemente, era necessário proceder à actualização do respectivo software, precisava de substituir a corrente de distribuição e a bomba de óleo, porquanto ambas se encontravam danificadas e outras.
14. Através da missiva enviada aos Réus, via email, a 28.4.2017, denunciou o Autor, através da sua mandatária, os defeitos do veículo em apreço, em menos de dois meses após a sua verificação.
15. Antes dessa ocorreram diversas tentativas logradas de contacto directo telefónico do Autor para com os 2.º R., no sentido de lhe denunciar os defeitos do veículo, sem que este se tivesse disponibilizado a reparar os defeitos denunciados, antes o tratando com grosseria e má educação.
16. Desde tais contactos que o réu sempre se recusou a fazer uma qualquer reparação da viatura.
17. Já posteriormente à referida comunicação, a IM do autor logrou obter contacto com o 2.º Réu, através de telemóvel com o n.º 9… (o mesmo número de telemóvel publicitado na Internet, até 26.julho.2017, como o n.º de telemóvel associado ao contacto da 1.ª Ré), aí reiterando a denúncia dos defeitos do veículo, sendo que o 2.º Réu não se mostrou receptivo à resolução extrajudicial do presente litígio.
18. Após o dia 26.4.2019 e ante a recusa de reparação dos defeitos pelo réu, o autor ordenou de imediato a reparação do veículo em apreço, por forma a possibilitar a circulação e utilização do mesmo, do qual necessitava, tendo gasto, no imediato, o montante de €516,03.
19. Em 17.05.2017 foi verificado que a quilometragem do veículo em apreço foi adulterada.
20. A referida verificação técnica foi efectuada pela BMW SERVICE, representante da marca em Guimarães.
21. O veículo apresentava, à data da verificação (check-up) – 17.maio.2017, 98 394Kms, sendo que à data de 02.12.2010, o veículo tinha contabilizados, em outro registo, 135 168Kms.
22. Quando o Autor se propôs a adquirir o veículo, pelo preço que o fez, foi na firme convicção de que o mesmo teria a quilometragem assinalada no respectivo mostrador – 96 000Kms, caso contrário não o teria adquirido, ou apenas o faria por um preço substancialmente menor.
23. Subsequentemente e porquanto o veículo continuava a apresentar vários problemas mecânicos, o Autor solicitou uma inspecção geral ao mesmo, realizada em 19.5.2017, na qual despendeu o montante de €310,00, tendo-se aqui verificado que o veículo foi vendido em deficientes condições técnicas.
24. Após o dia 28.4.2017, a mandatária do Autor enviou várias missivas aos Réus, endereçadas à sua designação comercial – “Stand Y” (a única conhecida do Autor nas datas em que foram remetidas) – a 02.05.2017, a 18.05.2017 e a 02.06.2017.
25. Todas as missivas foram devolvidas ao remetente, tendo mesmo as missivas de 02.06.2017 sido devolvidas pelos Réus ao centro de distribuição postal.
26. Bem sabendo os Réus que lhes eram endereçadas, porquanto bem sabem que utilizam a designação comercial de Stand Y no giro comercial.
27. O Autor requereu a notificação judicial avulsa da 1.ª Ré, que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo de Competência Genérica de Vila Flor, sob o proc. n.º 117/17.2T8VFL.
28. O Autor logrou apenas por esta via, notificar os Réus nos termos constantes da mesma.
29. Subsequentemente, a 1.ª Ré remeteu à aqui subscritora, missiva com data de 05.setembro.2017, onde alega que “(…)nada contratou com o requerente N. M.”.
30. No dia 01.Setembro.2017, os Réus alteraram na Internet a designação e o endereço do “Stand Y”, para “W AUTOMÓVEIS”, Estrada Nacional …, não obstante permaneça o número de telemóvel dos Réus como o número de contacto do referido Stand.
31. A data de recepção da viatura no concessionário BMW é datada de 5/5/2017, pelas 18h30m.
32. O 2° R. colocou um anúncio no portal “Stand...” pelo preço de €16.500,00 - numa página que geria, designada de Y Automóveis.
33. O veículo foi vendido na condição de usado e já com alguns anos.
34. O 2° R. garantiu a bondade dos quilómetros apresentados no conta-quilómetros.
35. Em 10/12/2015 o veículo marcava 85.785 km, mas em 02.12.2010 registava 135.168Km.
36. O autor é consumidor, tendo adquirido a viatura para seu uso pessoal e os réus são vendedores, dedicando-se ao comércio de automóveis.
37. O referido email com a denúncia de defeitos de 28.4.2017, foi transmitido para o endereço electrónico definido pelos RR e por estes transmitido ao Autor.

Factos não provados.

38. Para garantir o veículo circule em segurança é necessário efectuar uma reparação no valor de €4 939,43.
39. O Autor apresentou queixa crime no DIAP de Guimarães, 2.ª Secção, processo que corre termos sob o n.º 1180/17.1T9GMR.
40. O Autor pretendeu comprar o veículo “sem garantia” por um preço mais baixo.
41. Os réus não recepcionaram o referido email contendo a alegada denúncia.
42. Só em 26 de Julho de 2017 teve a 1.ª R. conhecimento de tal denúncia, no âmbito de notificação judicial avulsa (processo n.º 117/17.2T8VFL) e o 2° R. só com a citação para a presente acção.
43. Quando o autor foi confrontado com as alegadas avarias do automóvel não cuidou de interpelar o vendedor para que este procedesse à reparação ou substituição da coisa - ou até à redução do negócio ou resolução contratual, pois o autor logo procedeu ao arranjo das alegadas avarias.
44. O veículo ora em crise era propriedade do 2° R.
45. O 2° R. tinha comprado o referido veículo no início de Março do ano de 2017.
46. O 2° R. utilizava-o nas suas deslocações pessoais e familiares.
47. O preço veio a ser acordado entre o 2° R. e o A. em €15.500,00, sendo que o referido "desconto" de €1.000,00 no preço traduzia a compra do direito à eventual garantia.
48. O desconto de €1.000,00 era suficiente e adequado a garantir reparações num veículo de €16.500,00.
49. Desde 2012 que a 1.ª ré não tem actividade comercial.
50. Não tem desde essa altura qualquer facturação.
51. O referido veículo nunca constou do seu activo imobilizado nem consubstanciou qualquer existência da sociedade.
52. A gerente e sócia da P R. apenas acompanhou o 2° R. (seu marido) aquando da entrega da viatura ao A, para servir de boleia no regresso a casa sem que tivesse qualquer envolvimento no aludido negócio (muito menos vinculando a PR.)
53. O 2° R. tinha permissão da 1.ª ré para guardar o veículo automóvel na sua sede, o que chegou a fazer.
54. O 2° R. comprou o veículo no início de Março de 2017.
55. Os RR. adulteraram a quilometragem do veículo.
56. Os Réus, em comum conjugação de esforços, usaram o artifício de alterar os quilómetros do veículo para menos, para convencer o comprador/Autor das qualidades que o veículo não detinha e para o convencer a comprar aquilo que, se soubesse os quilómetros que o veículo efectivamente tinha feito, não teria comprado.
57. A adulteração do número de quilómetros no veículo, destinou-se a enganar o comprador, Autor e a obter a aceitação da compra do veículo em apreço.
58. O 2° R. conhecia a adulteração de quilometragem no veículo vendido.
59. Agiram os Réus com dolo e má fé ao mandar retirar quilómetros do conta-quilómetros do veículo e depois ao vendê-lo ao Autor, afirmando que o mesmo tinha os quilómetros estampados no conta-quilómetros.
60. O 2° R. numa das suas viagens avistou o veículo do A. em manifesto excesso de velocidade.
61. As avarias ora em crise tiveram como causa o excesso de velocidade empregue à referida viatura.
62. À data da venda e da posterior entrega, a viatura encontrava-se em bom estado de funcionamento.
A restante matéria alegada nos articulados não releva para a decisão da causa, consistindo em matéria conclusiva ou considerações de direito, pelo que a mesma não se considerou.

Fundamentação de direito.

Cumpre antes de mais proceder à apreciação da impugnação da matéria de facto pretendida pela Apelante, pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito.

Ora, como resulta do disposto nos artigos 640 e 662º do C.P.C., o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto deve não só identificar os pontos de facto que considera incorrectamente como também especificar concreta e individualizadamente o sentido da resposta diversa que, em seu entender, a prova produzida permite relativamente a cada um dos factos impugnados.

A impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância.

Contudo, nesta actividade, como se refere no acórdão da Relação de Guimarães, de 26/09/2018(1), os poderes do Tribunal da Relação não podem ser restritivamente circunscritos à simples apreciação do juízo valorativo efectuado pelo julgador a quo, ou seja, ao apuramento da razoabilidade da convicção formada pelo juiz da primeira instância face aos elementos probatórios disponíveis no processo, devendo antes a Relação, fazendo jus aos poderes que lhe são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, efectuar uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de formar uma convicção autónoma), alterando a decisão caso adquira, face a essa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder, uma diversa convicção (2).

A análise crítica dos elementos probatórios (em ordem à justificação racional da decisão – elemento verdadeiramente estruturante e legitimador desta, que lhe confere a natureza de decisão, afastando-a do que seria uma simples imposição judicial) consiste na sua apreciação e valorização, tanto individual como conjugada (na sua relacionação reversiva – na sujeição dos elementos probatórios a mútuos testes de compatibilidade), à luz das regras da normalidade, da verosimilhança, do bom senso e experiência da vida (das leis da ciência, quando for o caso).

Esta apreciação transcende a averiguação da sinceridade dos depoentes e testemunhas – a decisão da matéria de facto assenta numa convicção objectivável e motivável, a que se acede por via da razão, alicerçada em elementos de lógica e bom senso.

Apreciação que também se não confunde ou resume a certificar o declarado pelas partes ou testemunhas ou o teor de determinado elemento probatório – aprecia-se quer da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios (da consistência, coerência e verosimilhança de cada um dos referidos elementos, tomado individualmente) e também a sua valia extrínseca (da conjugação e compatibilidade entre todos eles).

Como refere Abrantes Geraldes (3) «Consistindo o processo jurisdicional num conjunto não arbitrário de actos jurídicos ordenados em função de determinados fins, as partes devem deduzir os meios necessários para fazer valer os seus direitos na altura/fase própria, sob pena de sofrerem as consequências da sua inactividade, numa lógica precisamente assente, em larga medida, na autorresponsabilidade das partes e, conexamente, num sistema de ónus, poderes, faculdades, deveres, cominações e preclusões» (4).
«Sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova.
Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso.
Assim o determina o princípio do dispositivo que se revela através da delimitação do recurso (da matéria de facto) através das alegações e mais concretamente das conclusões» (5).

Os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.

Mas, como é óbvio, e convirá realçar, a liberdade na apreciação da prova não equivale a uma apreciação arbitrária das provas produzidas, uma vez que o inerente dever de fundamentação do resultado alcançado impedirá a possibilidade de julgamentos despóticos.

À luz de tudo o exposto importa agora sindicar a decisão da matéria de facto, averiguando, por um lado, se as respostas impugnadas foram proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório e, por outro, se existem factos alegados que não foram considerados e que se revestiam de relevante interesse para o proferimento da decisão recorrida.

Ora, como resulta do supra exposto, o Apelante impugna a materialidade fixada na decisão recorrida alegando como fundamento que o Tribunal recorrido deu como não provados os factos a seguir referidos, aos quais, contudo, em seu entender, em respeito pela integridade da prova produzida nos autos, deveria ter sido dada resposta de sentido contrário.

Esses factos objecto de impugnação são os seguintes:

Factos tidos como demonstrados.

13. No dia 26.4.2017, o autor colocou o veículo numa oficina para esta resolver as avarias mecânicas, tendo-se verificado que a viatura não dispunha do filtro de partículas, mas apenas da respectiva carcaça, subsequentemente, era necessário proceder à actualização do respectivo software, precisava de substituir a corrente de distribuição e a bomba de óleo, porquanto ambas se encontravam danificadas e outras.
14. Através da missiva enviada aos Réus, via email, a 28.4.2017, denunciou o Autor, através da sua mandatária, os defeitos do veículo em apreço, em menos de dois meses após a sua verificação.
18. Após o dia 26.4.2019 e ante a recusa de reparação dos defeitos pelo réu, o autor ordenou de imediato a reparação do veículo em apreço, por forma a possibilitar a circulação e utilização do mesmo, do qual necessitava, tendo gasto, no imediato, o montante de €516,03.
36. O autor é consumidor, tendo adquirido a viatura para seu uso pessoal e os réus são vendedores, dedicando-se ao comércio de automóveis.
37. O referido email com a denúncia de defeitos de 28.4.2017, foi transmitido para o endereço electrónico definido pelos RR e por estes transmitido ao Autor.

Ora, em seu entender os pontos 18 e 13 e 36, da matéria de facto dada como provada estão incorrectamente julgados, devendo tais factos serem considerados como indemonstrados.

E o mesmo sucede com os pontos 14 e 37 da matéria de facto dada como provada, que também, devem ser dados como indemonstrados.

A propósito da materialidade tida por demonstrada e não provada e, designadamente, objecto de impugnação refere-se na motivação da decisão recorrida o seguinte:
(…)
Neste sentido, procedeu o Tribunal à análise dos depoimentos/declarações de parte, bem como dos depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência final, compaginando o seu teor com o manancial de prova documental constantes dos autos, a que oportunamente se fará referência, a saber: print do anúncio da viatura, de fls. 22-25, cópia da transferência de fls. 26, factura-recibo de fls. 27-28, factura de fls. 29-30, orçamento de fls. 31-34, declaração de fls. 35-36, email de fls. 37 (6), missivas escritas devolvidas, de fls. 38-41 (originais de fls. 143 e ss.), certidão de notificação judicial avulsa, de fls. 42, reposta por missiva escrita da 1.ª ré, de fls. 43-44, anúncio de fls. 45, certidão permanente de fls. 65-67, fotografias de fls. 108-109, informação da Seguradora de fls. 128, informação da Via Verde, de fls. 134, informação do Banco de Portugal de fls. 135, declaração da mecânica de fls. 138, informação da Via Verde de fls. 139-141, parecer n.º 23/PP/2018-P do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, de fls. 147 e ss., certidões permanentes de fls. 187 e ss., e 188 e ss., registo automóvel de fls. 194-196, e print de registo automóvel do veículo com matrícula LJ (de notar que alegação inicial o autor incorreu em manifesto lapso de escrita ao referenciar a matrícula “LG”, quando decorre de toda a documentação por si junta que pretendia referir-se ao veículo de matrícula “LJ”.
Cumpre notar, desde já, que em juízo ventilaram-se duas teses ou versões de facto diametralmente opostas. Repare-se que ambas as partes prestaram declarações, tanto o autor como o réu, cumprindo analisar o respectivo teor.
O réu A. B., casado, comerciante de ramo automóvel, hoje é gerente da “VR.” (cfr. a respectiva certidão permanente), à data dos factos desempenhava funções como gerente de facto no Stand X, que estava em nome da esposa. A gerência de facto devia-se ao facto de a esposa estar sempre doente. Segundo disse, o Stand X deixou de vender carros em 2011 e está actualmente dissolvido, uma vez que a matrícula foi cancelada em 2017. Precisou que a esposa era a única sócia e gerente de direito.
Uma nota prévia sobre as declarações do réu: depôs invariavelmente de forma exaltada, nervosa, ríspida e tensa, sendo evasivo e propositadamente dúbio em relação a determinadas questões. Percebeu-se claramente que a utilização do apelido “Y”, sendo publicamente conhecido como tal, era dúbia e indutora de incerteza junto dos clientes, como foi o caso do autor. O mesmo se diga em relação à denominação Y Automóveis ou Stand Y. O réu foi ainda confrontado com as fotografias de fls. 108 e 109 e disse que eram veículos da X automóveis, apesar da cessação de actividade. Avançou, novamente uma artificiosa e conveniente explicação sobre um amigo que queria guardar lá as viaturas vistas nas fotografias, o que não nos mereceu qualquer credibilidade.
E mais, apurou-se instrumentalmente através da junção de certidão permanente da “VR.” e das suas declarações que, mesmo após a sua declaração de insolvência pessoal e beneficiando do instituto da exoneração do passivo restante, continua a negociar no ramo automóvel (sendo do meu conhecimento funcional – cfr. processo n.º 165/15.7T8VFL que o aqui réu não tem cedido nenhum rendimento disponível para efeitos do cumprimento do despacho inicial de exoneração do passivo restante).
Ou seja, do conjunto de indícios que o próprio princípio da imediação permite, retirou-se que a postura do autor nos negócios que conduzia e conduz não prima, nem primou, pela clareza e transparência, sendo a personalidade jurídico-colectiva utilizada abusivamente como mecanismo de protecção do seu património, quando, na prática, e o seu património afectado, como melhor veremos infra.
No mais, confirmou a sua intervenção no negócio referente ao BMW 123, matrícula LJ, e insistiu na tese por si aventada na contestação: o carro era seu e não do Stand X ou Stand Y (o réu confirmou ser mais conhecido por “Y”), pois comprou-o em 2017, no início do ano (ia para o trabalho nele), mas tratava-se de um carro pequeno, pois tinha 4 netos e queria um carro maior.
Publicitou num anúncio da internet por €16.500,00. Encontrou-se com o autor e a irmã e descontou €1000,00 para vender sem qualquer garantia, com a condição de entregar o carro em casa do autor. Pediu que apenas à esposa que fosse consigo a Guimarães (a sua única intervenção no negócio foi a boleia – a sua esposa era a única sócia e gerente de direito do Stand X).
Repare-se que o réu confirmou uma chamada da irmã do autor, pouco tempo depois da entrega do carro, falando-lhe da falta do filtro de partículas e do excesso de fumo negro que o carro produzia na circulação. Disse que se disponibilizou a contactar quem lhe tinha vendido o carro, para apurar do sucedido e que, entretanto, quem quebrou a comunicação foi a irmã do autor, seguindo-se uma interpelação de mandatário, por telefone, e após, a notificação judicial avulsa com denúncia dos defeitos.
Foi de forma pouco convincente e até conveniente e artificiosa que disse ignorar a ausência de filtro de partículas no momento da venda, quando se confessou conhecedor e experiente no ramo automóvel.
O mesmo grau de miscigenação dúbia e de absoluta confusão entre esferas patrimoniais (do réu e do STAND “Y” ou “X”) foi evidente quando referiu que compraria uma garantia à M. através do stand e que a daria ao comprador, ainda que o negócio fosse estritamente pessoal ou só seu (isto para justificar a questão do desconto de €1000,00).
Quanto à imputação da adulteração de quilometragem, negou peremptoriamente, dizendo que o carro já lhe chegou à posse com menos de 100.000km. Neste ponto, entendemos que a prova documental, designadamente, a de fls. 35-36, em conjunto com o depoimento de M. P. permitem infirmar a tese do autor de que este foi o autor da adulteração (pois em 2011/2012, antes da venda da viatura pelo anterior proprietário em 2014, a discrepância entre os quilómetros atuais e os registados anteriormente já existia).
De notar que à luz da causa de pedir e do pedido, os elementos probatórios carreados não foram suficientes para a formação da convicção exigida nestes autos (art. 342.º, n.º 1 e 2 do Código Civil) quanto a esta matéria, o que não invalida, naturalmente, uma eventual investigação criminal, que na competente sede terá lugar.
O autor N. M. também prestou declarações. Solteiro, militar da Marinha, conheceu o “Y Automóveis” e não a “X”, pois viu o carro no “Stand...” anunciado por tal entidade. De notar que de acordo com o anúncio junto a fls.22-25, o comerciante anunciado é profissional ou comerciante vendedor de viaturas automóveis.
Narrou o conjunto de peripécias decorrentes de várias chamadas para terceiros até entrar em conversações como réu e até descobrir qual a morada exacta do Stand Y (anunciante) que correspondia à sede da X (sendo esta confusão de firmas, um novo indício da forte e abusiva miscigenação de esferas patrimoniais supra referida).
Em juízo, foi sem dúvidas que afirmou ter feito o negócio com Sr. Y, e que percebeu mais tarde, com a pendência da acção que este se tratava de A. B., o aqui réu. Confirmou a sua vinda a Carrazeda, a presença da esposa do Sr. Y, a representante legal do X. Experimentou o carro, com quase 97.000Km, na altura. Não detectou qualquer avaria. O preço acordado foi de 15.500,00 (o valor de €16.500,00 era anunciado como negociável). O desconto foi meramente comercial, e decorreu de uma insistência do autor em dar à retoma uma outra viatura, ao que o réu contrapôs com o preço final de 15.500.
Nos primeiros 15 dias após entrega do carro, percebeu que este apresentava problemas: fazia barulho estranho no motor, deitava fumo negro pelo escape, e não puxava. Seguiu-se a ida ao mecânico AN., que detectou a ausência do filtro partículas, as borboletas partidas, e a distribuição com folga.
Afiançou o autor ter o réu sido contactado nos primeiros 15 dias após a entrega. A irmã e a mãe estavam no mecânico quando ligaram, seguindo-se uma resposta mal educada do réu declinando qualquer responsabilidade pela reparação. O autor disse ainda que ficou convencido de que a viatura, exposta no stand, estaria garantia na venda, e que também foi acordado que o carro era vendido em condições de funcionamento (pois no test-drive não detectou nenhum problema).
O autor explicou ainda como os mecânicos da oficina onde levou o carro o aconselharam a ir à BMW e pedir diagnóstico, pois perceberam pelo desgaste dos componentes que a viatura não poderia ter a quilometragem aposta no conta-quilómetros.
O autor ainda confirmou que a 1.ª reparação ordenada por si, no montante de €516,03 euros, ocorreu porque era o estritamente necessário para que o carro continuasse a andar, sendo certo que o réu já se havia recusado, perante a sua mãe e irmã a proceder à reparação dos defeitos até então apontados.
No mais, o autor não soube concretizar as datas das missões em que participou como militar. Contudo, resultou evidente que a sua irmã e mãe foram os interlocutores na denúncia dos defeitos detectados e na concretização das reparações necessárias.
De notar que o autor, apesar de não se apresentar, por vezes, tão assertivo quanto a datas e pormenores técnicos não prejudicaram a credibilidade que as mesmas nos mereceram no confronto com o carácter inflamado e notoriamente comprometido das declarações do réu A. B., apesar de este se apresentar, prima facie, mais eloquente do que o autor.
Também não cobra sentido dizer-se que o autor contrariou a sua própria alegação, porquanto a posição integralmente vertida nos autos pelo autor exige a leitura do por si alegado no seu articulado de reposta escrita às excepções arguidas pelos réus na contestação, sendo certo que o Tribunal considerou, na medida da admissão de tal articulado, toda a matéria constante do mesmo.
O. M., irmã do autor, revelou razão de ciência sobre todo o processado (esteve presente desde as negociações em Carrazeda até ao momento em que o carro foi entregue em Guimarães e em que foram denunciados os primeiros defeitos detectados e, foi, inclusivamente, a interlocutora/intermediária na conversa entre o autor e o réu).
Entendemos que, apesar da conatural proximidade ao irmão, depôs de forma séria, descritiva e assertiva, fazendo esforço de memória para se recordar da concatenação cronológica dos eventos, apenas não respondendo quando não se lograva recordar com certeza, determinado facto. As suas declarações, mereceram-nos, por isso, maior credibilidade.
Corroborou o depoimento do irmão ao afirmar que o primeiro contacto quando chegou a Carrazeda foi com o dito “Stand Y”, com o réu A. B. e também na presença da sua esposa. Como mais um dos indícios evidentes da referida utilização abusiva da personalidade jurídico societária por parte do réu, repare-se como a testemunha confirmou que quem conduziu todo o negócio foi o réu A. B. (que sempre trataram por Y) e que a esposa, a representante legal do Stand “X” não falou nada, apesar de ter estado sempre presente, até no momento da entrega da viatura.
Explicou ainda, de forma corroborante do depoimento do seu irmão que o desconto dos €1.000,00 foi contraproposta do réu como forma de declinar a realização de retoma, sendo um desconto comercial.
Também foi sem qualquer assombro de dúvidas que respondeu que viram o carro no stand, ficando todos os intervenientes com a percepção que a viatura era do comércio do réu. Neste ponto, e com especial verosimilhança, veja-se como a testemunha logrou recordar-se, de forma espontânea e, como tal, reputada de sincera das palavras do vendedor acerca da viatura: “foi uma troca que eu recebi aqui [no stand] uma troca do dono de uma Peugeot que queria um carro maior”. Foi com a mesma espontaneidade que a testemunha lhe relatou que nesse momento o vendedor lhes exibiu até uma cópia do bilhete de identidade/cartão do cidadão do anterior proprietário do carro, para os confortar sobre a utilização do mesmo – não era um “rapaz novo” o anterior proprietário. A acrescer a referida convicção, a testemunha relatou ainda que o carro estava exposto para venda ao público tal como os outros carros no stand, o facto de o mesmo não apresentar, após o test-drive qualquer defeito que o vendedor comunicasse como decorrendo da sua utilização particular.
Quanto à questão da garantia, explicou ainda de forma liminarmente coincidente com as regras da experiência comum, como o vendedor os “confortou”: se surgisse algum problema mecânico, sendo os compradores de Guimarães e o Vendedor de Carrazeda de Ansiães, a reparação poderia ser feita pelos compradores e depois o vendedor assumiria o pagamento.
Com relevo essencial para a formação de convicção sobre o momento da denúncia dos defeitos, repare-se que a testemunha confirmou que nessa conversa, o vendedor deu-lhes um cartão com telemóvel e email, no qual constava um domínio com a menção a Stand Y (cfr. email enviado para tal domínio – fls. 27).
Sobre os defeitos, a testemunha também conduziu o carro, e relatou o barulho esquisito e o fumo preto por trás. Confirmou a ida ao mecânico (AN.) para verificar e depois comunicar os problemas. Foi a própria que ligou para o réu A. B. no momento em que estava no mecânico, explicando-lhe o que o carro tinha. Narrou a recusa agressiva do réu em abordar o problema. “ele disse-me que não tinha nada a ver com isso”. Seguiu-se a consulta de Advogado para ulterior interpelação do vendedor. Foi também sem qualquer assombro e com sinceridade que a testemunha confirmou não ter mais nenhuma prova do contacto para denúncia dos defeitos, e que nunca se lembrou de mandar email, pois o contacto com o vendedor sempre foi pessoal ou telefónico (sendo certo que desde essa conversa este último deixou de atender qualquer contacto e nunca lhe deu uma qualquer outra morada).
A testemunha denotou alguma confusão sobre as concretas datas dos arranjos efectuados, o que se afigurou compreensível, atento o decurso de tempo desde a ocorrência dos factos. É ainda certo que toda a dinâmica cronológica do sucedido encontra respaldo na prova documental carreada pelo autor e solicitada pelo Tribunal: entrada na oficina de AM. e AN., em 26 de Abril de 2017, sendo que a reparação aqui feita apenas foi facturada em 19 de Maio de 2017, e ocorrendo a comunicação de defeitos pela IM do autor a 28 de Abril de 2019, após a recusa, pelo telefone, em proceder a qualquer reparação por parte do 2.º réu (mais uma vez não se percebendo se essa recusa foi veiculada a título próprio ou como gerente do stand X, sendo invariavelmente dúbia a sua intervenção em tudo o negócio).
A testemunha confirmou ainda que as reparações indispensáveis para que a viatura pudesse circular com o mínimo de segurança foram efectuadas já após a recusa telefónica do réu em proceder a qualquer reparação. Sobre os restantes defeitos do veículo e necessidades de reparação, o Tribunal baseou-se na seguinte prova documental, de fls. 31-34. Sobre esta matéria é certo que a testemunha afiançou que o carro continua apto a circular e sem filtro de partículas, mas isso, como é fácil de entender, não isenta o vendedor da falta de conformidade – (o carro foi vendido como tendo filtro de partículas).
No mais, quanto à necessidade da reparação orçamentada o Tribunal sopesou o conjunto de serviços discriminados com as regras da experiência comum, não se afigurando possível ou suficiente que um mero orçamento, sem corroboração testemunhal ou pericial possa ser suficiente – art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, para que o Tribunal possa avalizar sobre natureza dos custos elencados como necessários para a reparação da viatura, relegando-se tal matéria, caso venha a ser necessário, para ulterior liquidação (razão pela qual se consignou como não provado o valor avançado pelo autor).
Em sede de acareação entre a testemunha e o réu, ambas as partes mantiveram as respectivas posições, sendo evidente o crescendo de exaltação do réu, que tomou a iniciativa de invectivar a testemunha de mentirosa, levantando fortemente o seu tom de voz. Não nos restou qualquer dúvida: o réu tomou a iniciativa de vincar a sua posição de forma mais intempestiva pois estava igualmente mais inseguro da mesma, sendo a sua exaltação um evidente sintoma disso mesmo.
M. P., não conhece ninguém, foi proprietário da viatura. Comprou o carro a um irmão, J. P., em 2014. Registou propriedade e teve-o até 2016. Fez 30.000km. Explicou que o irmão importou o carro através do Stand C. S., em Resende, empresa que já não existe. Depois vendeu-o num Stand “PC.”, no Porto, local onde sabia que o mesmo C. S. trabalhava. Apesar da estranheza deste retorno ao mesmo proprietário do seu depoimento não se pode inferir qualquer actuação dolosa do réu no sentido da adulteração dos KM do carro, até porque essa alteração a ter ocorrido teve lugar antes da posse do réu, o que resulta do depoimento desta testemunha e do documento de fls. 35-36.
A testemunha F. M., pai do autor, acompanhou o negócio e a entrega do veículo e corroborou a versão do autor. Contudo, o seu depoimento foi muito equívoco, dúbio, pouco explicativo, razão pela qual na formação de convicção o Tribunal privilegiou o depoimento da testemunha O. M., conforme explicado supra.
A testemunha J. M., vizinho do autor, apenas teve razão de ciência da entrega do veículo em Guimarães, matéria confessada pelos réus, nada sabendo sobre os termos do negócio e da sua execução.
A testemunha M. F. vizinho do autor, apenas teve razão de ciência da entrega do veículo em Guimarães, matéria confessada pelos réus, nada sabendo sobre os termos do negócio e da sua execução.
O representante legal da sociedade S. T. Unipessoal, Lda., confirmou que no gírio comercial o réu A. B. apresenta-se como Y, sendo assim conhecido no meio, tal como o Stand Y, não sabendo a quem pertence o Stand X.
O representante legal da sociedade Stand … – Comércio de automóveis, Lda. confirmou que no gírio comercial o réu A. B. apresenta-se como Y, sendo assim conhecido no meio.
A representante legal da 1.ª ré, M. B., esposa do 2.º réu, prestou declarações de forma absolutamente dúbia e evasiva. Apesar de ser a legal representante da 1.ª ré não explicou cabalmente qual a sua intervenção no negócio em causa (para além da boleia que deu ao seu marido na entrega do carro). Esteve ou não presente na negociação entre partes? Não se lembrava. Quais os termos do negócio? Não se lembrou. As declarações foram eloquentes no sentido do já antevisto: o gerente de facto era em rigor o único gerente e dono do negócio em causa, sendo a titularidade da quota social pela depoente uma mera formalidade sem qualquer consubstanciação prática ou fáctica. Como referiu a depoente: “era o seu marido que tratava de tudo”.
No que concerne à possibilidade de valoração do doc. n.º 7 junto com a petição inicial, o Tribunal secundou-se no parecer do Conselho Regional Da Ordem dos Advogados, sendo evidente que se tratando de uma interpelação e não de uma tentativa de transacção o mesmo não está abrangido pelo segredo profissional.
No tocante ao consignado como provado no ponto n.º 18 levou-se em consideração o conjunto das alegações formuladas pelo autor na sua petição inicial bem como na resposta escrita à matéria de excepção, compaginando-se o teor dessa alegação com a matéria apurada instrumentalmente [art. 5.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil], quanto à sucessão cronológica de eventos (a reparação orçada em 516, 03eur foi ordenada após as chamadas telefónicas que se revelaram infrutíferas no sentido de responsabilizar o réu pela reparação dos defeitos detectados).
(…)
Os Recorrentes estruturam a sua divergência em relação à materialidade que considera ter sido indevidamente julgada como indemonstrada pelo tribunal a quo, na conjugação de meios probatório produzidos, dos quais, em seu entender, deveria ter resultado uma resposta diversa da que foi dada a essa factualidade, ou seja, de sentido positivo, e que, em síntese, são os seguintes:

- No petitório o A . não só não alegou ser consumidor, como também não alegou factos donde resultem aquela qualidade, sendo que, aquilo que resultou da audiência de discussão e julgamento é até o contrário, como decorre do depoimento do pai do A., testemunha F. M..
- A denúncia dos defeitos é datada de 28 de Abril de 2017, sendo que cumulativamente com a denúncia dos defeitos, o A. logo exigiu o pagamento da reparação realizada. Vd. Doc. 7 p.i.
- Por outro lado, logo no início da utilização do automóvel (que aconteceu no dia 8 de Abril de 2017) o A. verificou a existência de defeitos no mesmo, como resulta do depoimento do pai do A., testemunha F. M..
- Acresce que, atentas a extensão e a natureza dos defeitos – inclusivamente com necessidade de reparação da junta em Torneiro – percebe-se que o arranjo foi moroso.
- Daí que os pontos 18 e 13 da matéria de facto dada como provada estão incorrectamente julgados, devendo considerar-se a mesma como não provada.
- No ponto 14 e 37 da matéria de facto dada como provada entendeu-se que o A. denunciou os defeitos do veículo em 28/04/2017.
-Todavia não se fez prova se os RR. Acederam ao referido email contendo a denúncia e, em caso positivo, em que data o teriam feito.
- Daí que os ponto 14 e 37 da matéria de facto dada como provada hajam que ser dados como não provados.
- Ainda agrava a situação o facto de o A. Não ter procedido ao arranjo dos defeitos que denunciou, pois que, através da reparação que ordenou e que ascendeu a €516,03 procedeu até a adulterações à mecânica original do veículo, já que, tal como resulta da factura/doc.3 foram eliminadas as borboletas da admissão.
- Não existe, assim, correspondência entre a denúncia e a reparação realizada e os defeitos denunciados em 28 de Abril eram atinentes ao filtro de partículas; actualização de software; corrente de distribuição; bomba de óleo.
- Independentemente do instituto a aplicar, isto é, venda de coisas defeituosas contempladas no Código Civil ou venda de bem de consumo no DL 67/2003 certo é que o A. desconsiderou a tramitação a observar no tocante à materialização do seu alegado direito.
- Isto porque, o A. Logo procedeu ao arranjo das alegadas avarias e pediu o seu pagamento enquanto as denunciava. Cf. art.12º p.i e doc.7 junto com a p.i
- Os meios jurídicos facultados ao comprador de coisa defeituosa (arts. 913.º e seguintes do Código Civil) não podem ser exercidos de forma aleatória ou discricionária; os mesmos acham-se estruturados de forma sequencial e escalonada.

Ora, como se referiu, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância (7).

Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (8).

Importa, porém, não esquecer que se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Não é, assim, compatível com a exigência da lei, em termos de reapreciação da matéria de facto, o exercício (apenas formal) por parte da Relação de um poder que se fique por afirmações genéricas de não modificação da matéria de facto, por não se evidenciarem erros de julgamento ou se contenha numa simples adesão aos fundamentos da decisão, ou numa pura aceitação acrítica das provas, abstendo-se de tomar parte activa na avaliação dos elementos probatórios indicados pelas partes ou adquiridos oficiosamente pelo tribunal.

Todavia, também se nos afigura inquestionável que, constatando-se ter o tribunal a quo procedido a uma avaliação da matéria de facto, deixando expressa a interpretação que fez dos meios de prova produzidos sobre os factos impugnados, e fundamentado desse modo a sua convicção, nos quais igualmente se alicerça a impugnação deduzida, se possa assegurar o cumprimento do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, procedendo à análise das razões determinantes da consistência ou inconsistência que lhe foi atribuída, com efectiva audição da prova, já que o conteúdo não foi questionado, efectuando, dessa forma, um novo julgamento, em vista à obtenção de uma convicção própria, igualmente fundada nesses mesmos meios probatório.

Tecidos estes breves considerandos, cumprirá então agora apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada e, como consequência, se deve ou não ser mantida a decisão recorrida.

E a esse propósito, salvo o muito e devido respeito, começaremos por referir que, em razão da fragilidade da argumentação aduzida em sustentação da impugnação factual efectuada, dispensam-se, em nosso entender, muito exaustivas e aprofundadas considerações sobre o assunto.

Começam os Recorrentes por referir que no petitório o A . não só não alegou ser consumidor, como também não alegou factos donde resultem aquela qualidade – reconhecida no facto 36, dos provados -, sendo que, aquilo que resultou da audiência de discussão e julgamento é até o contrário, como decorre do depoimento do pai do A., testemunha F. M..

E, como igualmente referem, declarou esta testemunha que o seu filho, ou seja, o Autor, comprou a viatura em apreço porque precisava do carro para se fazer transportar para Lisboa, onde trabalhava, sendo precisamente esse facto o que é alegado na petição inicial como sendo o causal da aquisição da viatura, quando aí se refere expressamente que a viatura foi adquirida pelo Autor “para solver os seus problemas de circulação e de transporte”.

Ora, conforme dispõe o artigo 2, nº 1, da Lei 24/96, de 22/09, “considera-se, consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.

Evidente resulta, assim, da factualidade supra descrita, a qualidade de consumidor do Autor, pois que, destinou o automóvel que adquiriu ao seu transporte próprio, e não à prossecução de qualquer outro objectivo, designadamente, não o comprou para revenda nem para o afectar a uma actividade profissional ou lucrativa.

Mais alegam os Recorrentes, em síntese, que a denúncia dos defeitos foi datada de 28 de Abril de 2017, sendo que cumulativamente com a denúncia dos defeitos, o A. logo exigiu o pagamento da reparação realizada, sendo que, foi logo no início da utilização do automóvel (que aconteceu no dia 8 de Abril de 2017) que o A. verificou a existência de defeitos no mesmo.

Daí que, em seu entender, os pontos 18 e 13 da matéria de facto dada como provada estão incorrectamente julgados, devendo considerar-se a mesma como não provados.

Ao invés do que se parece querer concluir-se nas alegações dos Recorrentes, além do depoimento prestado pela testemunha F. M., pai do Autor, tanto por este como pela testemunha O. M., sua irmã, foi declarado de forma credível e consistente que logo nos primeiros dias (referiram 15 dias) após entrega do carro, era perceptível que este apresentava problemas, designadamente, fazia barulho estranho no motor, deitava fumo negro pelo escape, e não puxava, razão pela qual, a viatura foi levada ao mecânico AN., que detectou a ausência do filtro partículas, as borboletas partidas, e a distribuição com folga, sendo nessa ocasião que a testemunha O. M. ligou para o Réu A. B. no momento em que estava no mecânico, explicando-lhe o que o carro tinha, o qual, de forma agressiva, recusou –se a abordar o problema, dizendo que “não tinha nada a ver com isso”.
Acresce que a data de entrada da viatura na oficina de AM. e AN., em 26 de Abril de 2017, está também suportada na prova documental supra referida, que corroborou as declarações prestadas pelo Autor.

E com fundamento nestes meios probatórios, cuja inconsistência se revela incontornável, foram tidos como demonstrados o factos 12, 13, e 18, dos provados, ou seja que, “Logo após o início da utilização, o veículo apresentou defeitos, nomeadamente problemas de carácter mecânico, tendo mesmo avariado” – Facto 12 -, o que motivou que, “no dia 26.4.2017, o autor colocou o veículo numa oficina para esta resolver as avarias mecânicas, tendo-se verificado que a viatura não dispunha do filtro de partículas, mas apenas da respectiva carcaça, subsequentemente, era necessário proceder à actualização do respectivo software, precisava de substituir a corrente de distribuição e a bomba de óleo, porquanto ambas se encontravam danificadas e outras– Facto 13 -, bem como, que “após o dia 26.4.2019, e ante a recusa de reparação dos defeitos pelo réu, o autor ordenou de imediato a reparação do veículo em apreço, por forma a possibilitar a circulação e utilização do mesmo, do qual necessitava, tendo gasto, no imediato, o montante de €516,03” – Facto 18.

Alegam ainda os Recorrentes que nos pontos 14 e 37, da matéria de facto dada como provada entendeu-se que o A. denunciou os defeitos do veículo em 28/04/2017, pese embora se não tenha efectuada prova de que os RR. acederam ao referido email contendo a denúncia e, em caso positivo, em que data o teriam feito, pelo que, em seu entender, esta matéria de facto dada como provada deverá ser considerada como não provados.

Ora, com relação a esta materialidade, como resulta do depoimento da testemunha O. M., em conversa havida nas conversações preliminares prévias à consumação da aquisição da viatura, o vendedor deu-lhes um cartão com telemóvel e email, no qual constava um domínio com a menção a Stand Y, tendo o email com a denuncia dos defeitos, de 28.4.2017, sido transmitido para o endereço electrónico definido pelos RR e por estes transmitido ao Autor.

Sucede que, antes dessa ocasião, através de chamada telefónica da testemunha O. M. foi dado conhecimento ao Réu dos defeitos que a viatura possuía, o que pelo próprio Réu foi confirmado, tendo admitido que aquela testemunha lhe efectuou uma chamada, pouco tempo depois da entrega do carro, falando-lhe da falta do filtro de partículas e do excesso de fumo negro que o carro produzia na circulação.

E assim sendo, tendo pleno conhecimento dos problemas surgidos com a viatura e tendo sido quem forneceu o email através do qual o Autor o poderia contactar, em caso de necessitar de o fazer, e para o qual foi enviado na referida data, o ónus de consultar o email recaía sobre o Réu, sendo que, se não o fez nessa data, deveria tê-lo feito, porque era previsível para si que pudessem ser efectuados contactos de clientes seus, não podendo, por isso, a sua própria negligência na consulta do seu email profissional fundamentar a obtenção de uma qualquer benefício para si e do correspectivo prejuízo para os seus clientes, em manifesta violação do principio da confiança.

E assim sendo, por tudo o acabado de expender, improcede, na íntegra, a impugnação da matéria de facto efectuada.

Alegam ainda os Recorrentes que a situação foi agravada pelo facto de o A. não ter procedido ao arranjo dos defeitos que denunciou, pois que, através da reparação que ordenou e que ascendeu a € 516,03 procedeu até a adulterações à mecânica original do veículo, já que, tal como resulta da factura/doc.3 foram eliminadas as borboletas da admissão, resultado, assim, evidente que não existe, correspondência entre a denúncia e a reparação realizada e os defeitos denunciados em 28 de Abril eram atinentes ao filtro de partículas; actualização de software; corrente de distribuição; bomba de óleo.

Ora, conforme decorre das declarações prestadas pelo Autor, “nos primeiros 15 dias após entrega do carro, percebeu que este apresentava problemas: fazia barulho estranho no motor, deitava fumo negro pelo escape, e não puxava. Seguiu-se a ida ao mecânico AN., que detectou a ausência do filtro partículas, as borboletas partidas, e a distribuição com folga.

Daqui resulta que as borboletas terão sido retiradas porque estavam partidas, e, portanto, impróprias para o desempenho da função a que se destinavam, sendo do conhecimento comum de qualquer pessoa com um mínimo de conhecimentos de mecânica, designadamente, ligada aos carros da BMW, que o retirar das borboletas não afecta o funcionamento global do carro, havendo até modelos desta marca onde é aconselhável retirá-las por que a sua eventual quebra, que, com frequência, sucede, pode mesmo provocar danos graves no motor.

Assim sendo, o que resultou demonstrado foi que “após o dia 26.4.2019 e ante a recusa de reparação dos defeitos pelo réu, o autor ordenou de imediato a reparação do veículo em apreço, por forma a possibilitar a circulação e utilização do mesmo, do qual necessitava, tendo gasto, no imediato, o montante de €516,03”, nada havendo a censurar nesta conduta do Autor.

Por último alegam os Recorrentes que independentemente do instituto a aplicar, isto é, venda de coisas defeituosas contempladas no Código Civil ou venda de bem de consumo no DL 67/2003 certo é que o A. desconsiderou a tramitação a observar no tocante à materialização do seu alegado direito, isto porque, o A. logo procedeu ao arranjo das alegadas avarias e pediu o seu pagamento enquanto as denunciava e os meios jurídicos facultados ao comprador de coisa defeituosa (arts. 913.º e seguintes do Código Civil) não podem ser exercidos de forma aleatória ou discricionária; os mesmos acham-se estruturados de forma sequencial e escalonada.

Como é consabido o cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda de consumo confere, ao consumidor, os direitos à reposição da conformidade (por substituição ou reparação do bem), à redução do preço ou à resolução do contrato, sendo que, nos termos do nº 5 do artigo 4º do D.L. nº 67/2003, o consumidor pode escolher qualquer um destes três (quatro) direitos, livremente, estando apenas limitado pelo princípio da boa-fé, aplicado, à luz e em conjunção, com o artigo 60º da Constituição, não estando sujeito a qualquer hierarquia.

Por estar ciente da divisão de opiniões na doutrina e na jurisprudência, o legislador de 2003 quis deixar claro que a escolha era livre e não estava sujeita a hierarquia, e por isso estabeleceu expressamente, no nº 5 do artigo 4º do D.L. nº 67/2003 que “o consumidor pode exercer qualquer dos direitos”; sendo que, neste preceito, faz uma referência desnecessária à limitação da escolha pelo abuso de direito e pela impossibilidade, referência, esta, que confirma que estes são os únicos limites, e não os de qualquer hierarquia.

Com a entrada em vigor do D.L. 67/2003, a doutrina tem vindo a aceitar que a vontade do legislador é efectivamente afastar a hierarquia no exercício dos direitos decorrentes do cumprimento defeituoso na compra e venda de consumo; o que já é reconhecido mesmo entre autores que não concordam com tal opção legislativa.

Igualmente a jurisprudência, após a entrada em vigor do D.L. 67/2003, vem adoptando a opinião de que foi afastada a hierarquia no exercício dos direitos - sendo já a mais numerosa.

A opção pela liberdade de escolha dos direitos é a que melhor protecção oferece ao consumidor, melhor atinge o escopo – de ordem pública – de que os bens existentes no comércio para os consumidores tenham um nível razoável de qualidade e é a solução que permite criar maior confiança do consumidor ao adquirir bens de consumo, assim se promovendo mais consumo, quer do modo tradicional, quer através das novas técnicas de comércio à distância, quer ainda em espaços geográficos mais abrangentes.

Ora, como se disse, entendem as Recorrentes que o A. desconsiderou a tramitação a observar no tocante à materialização do seu alegado direito, isto porque, logo procedeu ao arranjo das alegadas avarias e pediu o seu pagamento enquanto as denunciava, sendo que, os meios jurídicos facultados ao comprador de coisa defeituosa (arts. 913.º e seguintes do Código Civil) não podem ser exercidos de forma aleatória ou discricionária, já que os mesmos se encontram estruturados de forma sequencial e escalonada.

E mesmo que perfilhasse o entendimento de que há uma hierarquia nos direito e de que a Recorrente deveria exercer primeiro o direito à reposição da conformidade ainda assim não estaria o Autor impedido de proceder à reparação da viatura para que a mesma tivesse condições para circular, pois que, nos quinze dias seguintes à entrega do veículo constatou-se que o mesmo fazia um barulho estranho no motor, deitava fumo negro pelo escape, e não puxava, e, examinado pelo mecânico, foi detectada a ausência do filtro partículas, as borboletas partidas, e a distribuição com folga.

Assim, foi em razão de, por decorrência dessas avarias, a viatura não ter condições para circular que, “após o dia 26.4.2019 e ante a recusa de reparação dos defeitos pelo réu, o autor ordenou de imediato a reparação do veículo em apreço, por forma a possibilitar a circulação e utilização do mesmo, do qual necessitava (…)”, sendo que, não podendo exigir-se ou obrigar-se o consumidor a dar nova oportunidade de reparação ao Réu, deve ser-lhe consentido resolver ele próprio a situação, evitando maiores prejuízos.

Depois, aquando da constatação da verificação das avarias, o Recorrido teve oportunidade de proceder à reparação, mas não a aproveitou, tendo enjeitado qualquer responsabilidade.

Interpretar o artigo 4º nº 1 e 5 do D.L. 67/2003 no sentido de que o Autor estava obrigado a pedir sempre, em primeiro lugar, a reparação do bem, resultaria em inconstitucionalidade dos mesmos preceitos, por violação do artigo 60º da Constituição e do princípio da proporcionalidade, pois não pode exigir-se ao consumidor que, a cada novo defeito que surja, dê sempre oportunidade ao profissional de o reparar.

Defende, no entanto, Calvão da Silva (sendo também nosso entendimento), que embora a lei (art. 5º do DL nº 67/2003) não hierarquize os direitos conferidos ao consumidor, numa interpretação conforme a Directiva (Directiva nº 1999/44/CE, de 25/05), há prevalência da “reparação/substituição” sobre o par “redução/resolução”, pois a concorrência electiva dos diversos direitos do consumidor não é absoluta, por não prescindir de uma “eticização da escolha” através do princípio da boa fé, sendo que o art. 4º nº 5 do diploma citado recorre à cláusula do abuso de direito. (9)

Assim, relativamente à aparente alternativa de direitos, como refere Calvão da Silva “o consumidor tem o poder-dever de seguir primeiramente e preferencialmente a via da reposição da conformidade devida (pela reparação ou substituição da coisa) sempre que possível e proporcionada, em nome da conservação do negócio jurídico, tão importante numa economia de contratação em cadeia, e só subsidiariamente o caminho da redução do preço ou resolução do contrato”. (10)
“Ou seja, no caso de compra e venda de automóvel defeituoso, os direitos à reparação ou à substituição previstos no artigo 914º do Código Civil - e também no artigo 12, n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, que veio estabelecer «o regime legal aplicável à defesa dos consumidores» - não constituem pura alternativa ou opção oferecida ao comprador, antes se encontrando subordinados a uma sequência lógica: primeiro, o vendedor está adstrito a eliminar o defeito; e só não sendo possível ou apresentando-se demasiado onerosa a reparação, fica obrigado à substituição da viatura por outra da mesma marca e modelo”.

Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa, de 26/09/2019, “o consumidor adquirente de coisa defeituosa, para além da protecção conferida pelo regime legal do contrato de compra e venda constante do Código Civil (artºs e 913 e segs), beneficia ainda da protecção conferida pela Lei de Defesa do Consumidor (aprovada pelo Dec. Lei n.º 24/96, de 31/7 e alterada pelo D.L. 67/2003 de 08/04) bem como, se aplicável, do regime de compra e venda celebrado entre profissionais e consumidores, instituído pelo Dec. Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado e republicado pelo Dec. Lei n.º 84/2008, de 21 de maio, podendo exigir, em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, a sua reposição sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, a redução adequada do preço ou a resolução do contrato – art.ºs 3 e 4/1.º do Dec. Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril.
O Dec. Lei 67/2003, no seu artº 5, não impõe qualquer hierarquização dos diversos direitos que assistem ao consumidor, não se impondo ao adquirente consumidor que, em primeiro lugar, peticione a reparação/substituição e, só na ausência dessa reparação ou substituição do bem, a resolução/anulação do contrato.
Em relação ao produtor do bem, o Dec. Lei 67/2003, prevê no seu artº 6, a obrigação deste de proceder à reparação ou substituição do bem, mas não prevê que possa ser peticionado do produtor, a resolução ou anulação do contrato.
No entanto, o exercício dos direitos conferidos ao adquirente de coisa defeituosa que seja consumidor, ainda que não hierarquizados, deve sempre obedecer aos ditames da boa fé, não podendo constituir um exercício abusivo do direito, conforme dispõe o artº 4 nº7 do D.L. 67/2003.
Tendo o autor, adquirente do bem, optado pelo exercício do direito à reparação do veículo automóvel, sendo este reparado e aceite essa reparação, em conformidade com o disposto no artº 4 nº1 do D.L. 67/2003, extinguiu-se o direito deste de invocar, posteriormente, tais defeitos ou a falta de conformidade do bem, como fundamento para exigir a resolução do contrato e restituição do preço pago, por violador dos princípios da boa fé” (11).

E assim sendo, não se tendo demonstrado que a reparação é impossível ou demasiado onerosa, está o vendedor adstrito a eliminar o defeito da coisa, pois que, apenas não sendo possível ou apresentando-se como demasiado onerosa a eliminação do defeito, estaria obrigado a substituir a coisa vendida, o que, contudo, assim não sucede na presente situação, pois que essa eliminação é possível e não é acentuadamente onerosa a reparação do turbo do veículo.

E isto mesmo decorre da Directiva nº 1999/44/CE, de 25/05, cujo artigo 3º tem o seguinte teor:

1. O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.
2. Em caso de falta de conformidade, o consumidor tem direito a que a conformidade do bem seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, nos termos do nº 3, a uma redução adequada do preço, ou à rescisão do contrato no que respeita a esse bem, nos termos dos n.ºs 5 e 6.
3. Em primeiro lugar, o consumidor pode exigir do vendedor a reparação ou a substituição do bem, em qualquer dos casos sem encargos, a menos que isso seja impossível ou desproporcionado.

Presume-se que uma solução é desproporcionada se implicar para o vendedor custos que, em comparação com a outra solução, não sejam razoáveis, tendo em conta:

- o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade,
- a importância da falta de conformidade,
- a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor.
A reparação ou substituição deve ser realizada dentro de um prazo razoável, e sem grave inconveniente para o consumidor, tendo em conta a natureza do bem e o fim a que o consumidor o destina.
4. A expressão «sem encargos» constante dos n. os 2 e 3 reporta-se às despesas necessárias incorridas para repor o bem em conformidade, designadamente as despesas de transporte, de mão-de-obra e material.
5. O consumidor pode exigir uma redução adequada do preço, ou a rescisão do contrato:
- se o consumidor não tiver direito a reparação nem a substituição, ou
- se o vendedor não tiver encontrado uma solução num prazo razoável, ou
- se o vendedor não tiver encontrado uma solução sem grave inconveniente para o consumidor.
6. O consumidor não tem direito à rescisão do contrato se a falta de conformidade for insignificante.

Em caso de falta de conformidade, o consumidor tem direito a que a conformidade do bem seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, nos termos do n.º 3, a uma redução adequada do preço, ou à rescisão do contrato no que respeita a esse bem, nos termos dos n. os 5 e 6, podendo o consumidor exigir do vendedor, em primeiro lugar, a reparação ou a substituição do bem, em qualquer dos casos sem encargos, a menos que isso seja impossível ou desproporcionado.

Presume-se que uma solução é desproporcionada se implicar para o vendedor custos que, em comparação com a outra solução, não sejam razoáveis, tendo em conta:

- o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade,
- a importância da falta de conformidade,
- a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor.

À evidência resulta deste conteúdo da Directiva que os meios ao dispor do comprador, embora não hierarquizados, por violação do artigo 60º da Constituição e do princípio da proporcionalidade, pois não pode exigir-se ao consumidor que, a cada novo defeito que surja, dê sempre oportunidade ao profissional de o reparar, não podem também ser exercidos, arbitrariamente, mas, sim, sucessivamente, e em conformidade com os critérios e princípios expostos, designadamente, do princípio da boa fé.

E assim sendo, na total improcedência da apelação, decide pela confirmação da decisão recorrida.


IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Apelantes.
Guimarães, 20/ 02/ 2020.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.




1. Cfr. Acórdão da Rel. De Guimarães, proferido no processo nº 2576/06.0TBSTS.P1.
2. Defendiam-no a propósito do regime processual anterior ao introduzido pela Lei 41/2013, de 26/07, ao nível da doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, pp. 283 a 286 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 227 (referindo que, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1ª instância, a Relação, se entender, dentro do princípio da livre apreciação da prova, que aqueles elementos impõem uma decisão diferente sobre o ponto impugnado da matéria de facto, alterará a decisão que sobre ele incidiu – a reapreciação da prova pela Relação coincide em amplitude com a da 1ª instância); ao nível da jurisprudência (tirada no âmbito da vigência do anterior regime processual), p. ex., os Acórdãos do STJ de 01/07/2008, de 25/11/2008, de 12/03/2009, de 28/05/2009 e de 01/06/2010, no sítio www.dgsi.pt/jstj. Posição que doutrina e jurisprudência vêem mantendo (e veementemente reforçando) quanto ao regime processual vigente – p. ex., na doutrina Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, p. 298 a 303 (máxime 302 e 303) e na jurisprudência (por mais recente) o Acórdão do STJ de 8/01/2019, no sítio www.dgsi.pt/jstj.
3. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 127.
4. Ac. do STJ (4ª secção), de 12.03.2015 (Mário Belo Morgado), proc. 756/09.5TTMAI.P2. S1, in www.dgsi.pt.
5. Abrantes Geraldes, in ob. cit. págs. 228 e 229.
6. O D.L. n.º 290-D/99, de 2 de Agosto (alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 88/2009, de 09-04) que regula a validade, eficácia e valor probatório dos documentos electrónicos e da assinatura digital, estabelece que se entende por documento electrónico, o documento elaborado mediante processamento electrónico de dados – ut. art. 2° , al. a) do citado diploma. Nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 3.° do mesmo diploma, o valor probatório dos documentos electrónicos aos quais não seja aposta uma assinatura digital certificada por uma entidade credenciada e com os requisitos previstos no mesmo é apreciado nos termos gerais de direito. Neste âmbito, importa ainda considerar o art.º 4.º do diploma citado, nos termos do qual: «As cópias de documentos electrónicos, sobre idêntico ou diferente tipo de suporte, são válidas e eficazes nos termos gerais de direito e têm a força probatória atribuída às cópias fotográficas pelo n.º 2 do artigo 387.º do Código Civil, se forem observados os requisitos aí previstos».
7. Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt.
8. Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt.
9. Cfr. Calvão da Silva, Venda de Bens de Consumo, 3ª ed., págs. 82 e 86.
10. Cfr. Calvão da Silva, in Venda de Bens de Consumo, 2º ed. pág. 82 e 83.
11. Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 26/09/2019, proferido no processo nº 2042/17.8T8OER.L1-6