Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
285/12.0GACMN.G1
Relator: ALDA CASIMIRO
Descritores: REABERTURA DA AUDIÊNCIA
JUNÇÃO DE RELATÓRIO
PROVA NÃO SUPLEMENTAR
FURTO
PROVA INDICIÁRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/19/2017
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I) Pode ser livremente valorado pelo tribunal o teor de um relatório junto aos autos, em sede de reabertura de audiência de julgamento, por tal documento não constituir prova suplementar e haver sido observado o exercício do contraditório.
II) A nossa lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova – quer a directa quer a indiciária – estando o fundamento da sua credibilidade dependente da convicção do julgador (que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável) que a valorará, por si e na conjugação dos vários indícios, sempre de acordo com as regras da experiência.
III) No caso em análise não há prova directa do facto, pois que, ninguém viu quem cometeu o furto. Todavia, isso não significa que o Tribunal não possa “perceber” quem foi o autor por recurso à prova indirecta, ou indiciária.
IV) Na verdade, conjugando os elementos indiciários carreados para os autos, e analisando-os de acordo com as normais regras de vida, pode concluir-se, tal como o Tribunal recorrido, que foi o arguido/recorrente o autor dos factos, pois que o vestígio dactiloscópico identificado como sendo seu, encontrava-se na portada da janela por onde o autor do furto entrou na residência e precisamente do lado interior, não havendo qualquer explicação plausível para que o vestígio dactiloscópico ali se encontrasse que não fosse o de ali ter sido deixado pelo autor do furto.
V) E este entendimento não viola o princípio in dubio pro reo (que só se aplica perante uma situação de non liquet, havendo uma dúvida insanável), uma vez que o tribunal não ficou com qualquer dúvida sobre a prova.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

Relatório

No âmbito do processo comum (Tribunal Singular) com o nº 285/12.0GACMN que corre termos no Juízo de Competência Genérica de Caminha, Comarca de Viana do Castelo, foi o arguido,
I. A., solteiro, nascido em … na freguesia de …, concelho de …, filho de A. s. e de G. s., residente em ……,
condenado, como autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, alínea e), ambos do Cód. Penal, com referência ao art. 202º, alínea e), do mesmo diploma legal, na pena de 2 (dois) anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos.
E na procedência parcial do pedido de indemnização civil, foi o arguido/ demandado I. A. condenado a pagar ao demandante C. L. a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) – a título de ressarcimento de danos não patrimoniais decorrentes da prática do crime, acrescida dos juros de mora, contados desde a prolação da sentença até integral pagamento, calculados à taxa supletiva legal de 4% (Portaria 291/03, de 08.04) ou taxas que venham a ser sucessivamente aplicáveis às dívidas de natureza civil – e a quantia de € 2.699,00 (dois mil, seiscentos e noventa e nove euros), a título de ressarcimento de danos patrimoniais decorrentes da prática do crime, acrescida dos juros de mora, contados desde a notificação do pedido de indemnização civil, até integral pagamento, calculados à taxa supletiva legal de 4% (Portaria 291/03, de 08.04) ou taxas que venham a ser sucessivamente aplicáveis às dívidas de natureza civil.
*
Sem se conformar com a decisão, o arguido I. A. interpôs o presente recurso pedindo a sua absolvição ou, subsidiariamente, a sua condenação nos termos propugnados no recurso.
Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:
1. O arguido I. A., não se conformando com a douta sentença de fls... dos autos, na qual: - Condenou o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de “furto qualificado” p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 2, al. e), ambos do Código Penal, com referência ao art. 202º, alínea e), do mesmo diploma legal, na pena de 2 (dois) anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, contados após o trânsito em julgado da presente sentença; - Condenou o arguido no pagamento a C. L. da quantia de €500,00 (quinhentos euros), a título de ressarcimento de danos não patrimoniais decorrentes da prática do crime, acrescida dos juros de mora, contados desde a prolação da presente sentença até integral pagamento, calculados à taxa supletiva legal de 4% (Portaria 29 1/03, de 08.04) ou taxas que venham a ser sucessivamente aplicáveis às dívidas de natureza civil; - Condenou o arguido no pagamento a C. L. da quantia de €2.699,00 (dois mil, seiscentos e noventa e nove euros), a título de ressarcimento de danos patrimoniais decorrentes da prática do crime, acrescida dos juros de mora, contados desde a notificação do pedido de indemnização civil, até integral pagamento, calculados à taxa supletiva legal de 4% (Portaria 291/03, de 08.04) ou taxas que venham a ser sucessivamente aplicáveis às dívidas de natureza civil; - Condenou o arguido nas custas da parte criminal, fixando-se a taxa de justiça individual em 3 UC, de acordo com a Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Judiciais, nos termos previstos no, nº 9, do artigo 8º do referido Regulamento e artigos 513º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal. A responsabilidade pelos encargos rege-se pelo critério geral previsto no artigo 514º, nº 2, do Código de Processo Penal;
2. Encontra-se errada e incorretamente julgada a matéria de facto dada como provada nos pontos 1.1, alíneas 1), 2), 3), 4) e 5) e ainda no ponto 1.2, na alínea 1), a qual deveria antes ter sido dada como não provada porque assim o impunha a prova validamente produzida;
3. O Tribunal a quo, sem prescindir o muito respeito que é devido e merecido, não efetuou, salvo o devido respeito, no que se refere ao crime dos autos pelo qual foi condenado o recorrente Igor, uma criteriosa e cuidada apreciação da prova validamente junta aos autos e produzida em julgamento;
4. Nestes autos claramente também deveria ter sido ditada uma absolvição do crime de furto qualificado, uma vez que, de forma alguma, racional e logicamente, se poderia ter dado como provada a imputação ao arguido desse crime, previsto e punido pelos artigos arts. 203º e 204º nº 2, al. e), do Código Penal;
5. Foi dada como provada a factualidade assente nos pontos 1.1, alíneas 1), 2), 3), 4) e 5) e ainda no ponto 1.2, na alínea 1), a qual aqui damos por reproduzida para todos os efeitos legais;
6. Contudo, salvo o devido respeito, não foi produzida prova segura e inequívoca que o arguido, ora Recorrente, I. A., foi o autor dos alegados factos e o agente do crime pelo qual veio a ser condenado. Aliás nem se provou que aquele, na data dos factos, se encontrava em …., em não …, onde habitualmente reside;
7. Acresce que as provas produzidas impunham decisão diversa. Desde logo os depoimentos do Demandante C. L. , bem como o depoimento da testemunha M. I., esposa do primeiro, que nos escusamos de reproduzir, uma vez que no essencial e em sumula o Tribunal quo, na douta motivação, transcreve os mesmos e nós aqui damos por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;
8. Estes depoimentos não permitiam, nem permitem, atribuir a autoria do crime ao aqui recorrente Igor, sendo certo que - conforme resulta da douta sentença que aqui damos por reproduzida para todos os efeitos legais - os mesmos não identificaram, no seu depoimento o autor do aludido assalto em virtude de não terem presenciado os factos;
9. Para além dessa prova, o Tribunal a quo, para determinação do agente do crime, fundou e formou a sua convicção no “relatório pericial de 13-12-2016”;
10. Desde logo, como questão prévia, é nosso entendimento que esse relatório não, nem deve ser valorado, uma vez que foi junto aos autos depois de ter encerrado a audiência, a qual (encerramento), ocorreu em 24.11.2016 - cfr. ata de audiência de discussão e julgamento de 24.11.2016;
11. Aliás o relatório pericial em causa, não só foi junto aos autos depois desta ter sido encerrada em 24.11, e tendo aquele só sido junto em 13.12.2016, como também o mesmo só foi elaborada nessa mesma data de 13.12, depois de oficiosamente e sem que previamente fosse determinada a abertura da audiência, o que no nosso entender, nem poderia ocorrer, porque só poderia ter lugar nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 371º do C.P.P.;
12. Pelo exposto, no nosso entender a douta sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea c) do C.P.P., uma vez que conhece de um meio de prova que não podia conhecer, porque junto aos autos quando a sua admissão já não era admissível, o que se suscita para os devidos e legais efeitos;
13. Acresce que, mesmo admitindo para mero efeito de raciocínio a valoração do supra citado meio de prova, o certo é que apenas daquele poderemos ter por certo que, em circunstâncias de tempo e modo não apuradas, o recorrente I. A.teve contacto com aquela janela, desconhecendo-se, não tendo sido produzida prova nesse sentido, a forma como a portada da janela - janela esta que se encontrava semiaberta - e onde alegadamente foram recolhidos e identificados vestígios lofoscópicos produzidos pelo dedo indicador do aqui recorrente I. A., foi por este tocada, e em que circunstâncias de tempo, modo e lugar tal aconteceu. As impressões digitais produzidas pelas cristas papilares dos seres humanos podem ser identificáveis durante dias, semanas ou meses, dependendo de vários fatores, como condições climatéricas, exposição direta ou indireta a fontes de calor ou humidade, tipo de superfície, proteção (não só aos elementos climatéricos mas também das ações humanas), etc.;
14. Nestes termos, não tendo sido recolhidas quaisquer provas materiais que permitam afirmar a com o grau de certeza necessária a autoria do crime por parte do aqui recorrente Igor, o Tribunal a quo não podia, nem devia, ter dado como provado que o aqui recorrente era o agente do crime, nem a supra factualidade vertida nos pontos 1.1 e 1.2, nas alíneas ou subpontos 1 a 5 e 1, dos factos provados. Muito menos o poderia fazer apenas com base, em mera informação técnica transvestida de relatório pericial - o que foi suscitado nas alegações - e, agora, nas conclusões deste relatório pericial elaborado só 13-12- 2016, pois tal relatório, respeitante a impressão digital que veio a ser identificada como sendo correspondente ao dedo indicador do arguido I. A., afigura-se por si só, e sem ser corroborado por outro meio de prova, insuficiente para atribuir ao arguido a autoria do crime pelo qual vinha acusado;
15. Ora, no caso em apreço, para além dos referido relatório (e com as reservas supra referidas), não foi produzida qualquer outra prova ou indício que possa de forma razoável e de acordo com as regras da experiência atribuir a autoria dos factos ao ora recorrente, porque, se a impressão digital pode fazer prova direta do contacto do recorrente com a portada duma janela que se encontra semiaberta, o certo é que isoladamente, e independentemente da sua localização (onde vestígio foi encontrado/revelado), não faz prova direta da participação do recorrente no facto criminoso, nem faz prova das concretas circunstâncias em que esse contacto ocorreu, e há quanto tempo, não podendo o Tribunal a quo, sem violar o principio da verdade material e do in dúbio pro reo e da livre apreciação da prova, presumir essas circunstâncias e dar como provados os supra identificados e transcritos factos vertidos nos pontos 1.1 e 1.2, nas respetivas alíneas ou subpontos 1 a 5 e 1 dos factos provados, os quais deveriam ter sido dados como não provados;
16. Acresce que, conforme resultou do depoimento da testemunha C. L. , supra transcrito, e de fatura/recibo de fis 122 e 123 dos autos, o televisor LCD, da marca LG, tinha o valor de €1.199,00 (mil, cento e noventa e nove euros), à data da sua aquisição, ou seja cerca de três anos antes de ser furtado, valor que não corresponderia ao atual e que o Tribunal não logrou apurar, sendo certo que, já aquela data aquele televisor seria obsoleto, de reduzido valor comercial, sendo certo que o Tribunal a quo nenhuma diligência no sentido de apurar esse valor. Sem prescindir, nunca poderia dar como provado, como fez, que à data dos factos aquele televisor LCD, da marca LG, tinha o valor de €1.199,00 (mil, cento e noventa e nove euros);
17. Pelo exposto, toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, e face à ausência de prova segura e inequívoca da participação do aqui recorrente no crime dos autos, a factualidade vertida nos citados pontos de factos provados deveria ter sido dada como não provada, pois assim o impunha (e impõe) a prova pericial supra identificada e os depoimentos do Demandante C. L. e da testemunha Maria Silva, os quais nada disseram que permitisse atribuir a autoria do factos ao aqui recorrente I. A.;
18. Assim a aqui impugnada factualidade vertida nos pontos 1.1 e respetivas alíneas e no 1.2. na alínea 1), deveria ter a seguinte redação:1.1; 1) A hora não concretamente apurada, durante a manhã ou até às l6hOOm do dia 17 de setembro de 2012, indivíduo não identificado dirigiu-se à residência de C. L. , sita no Lugar do …, em …, neste concelho de …; 2) Visando apoderar-se de artigos de valor ali existentes, e por forma a concretizar os seus intentos, indivíduo não identificado abeirou-se da janela localizada nas traseiras e que dá acesso à garagem, correu a janela que estava aberta, através dessa janela introduziu-se no interior dessa habitação, de onde lançou mão dos seguintes objetos: Da sala: - (uma) televisão LCD, da marca LG, de valor não concretamente apurado; Do quarto: - 1 (um) guarda-joias, contendo as seguintes peças: 3 (três) fios, em ouro amarelo, com um crucifixo; 7 (sete) pulseiras, em ouro amarelo, uma com uma pequena chapa; 2 (duas) alianças, em ouro amarelo e, 5 (cinco) anéis, em ouro amarelo, todos com pedras, no valor de 1.500,00 (mil e quinhentos euros);3) Em poder de tais bens, de que se assenhoreou, individuo não identificado abandonou o local, 4) Ao entrar pela forma descrita na sobredita residência e aí lançando mão, guardando e fazendo seus os objetos identificados, tinha o individuo não identificado a vontade livre e a perfeita consciência que os mesmos não lhe pertenciam e que ao fazê-lo atuava sem o consentimento, contra a vontade e em prejuízo do legítimo dono das mesmas, 5) O indivíduo não identificado agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal; 1.2, 1. A conduta do indivíduo não identificado causou ao demandante ansiedade, nervosismo, insegurança e medo;
19. Devendo face às razões supra aduzidas ser dada como não provada a demais factualidade vertida nestes pontos, nomeadamente a participação do aqui recorrente I. A.no furto dos autos aqui em julgamento. Acresce que, conforme supra referido, perante a prova validamente produzida em audiência de discussão e julgamento, a qual era manifestamente insuficiente para atribuir ao recorrente autoria no crime dos autos, pelo que deveria o Tribunal a quo ter absolvido o arguido, e ao não o fazer, violou, entre outros, o princípio in dúbio pro reo e da verdade material;
20. Sem prescindir, o arguido vem acusado, como autor material, de um crime de furto qualificado, na forma tentada. Ora, face à prova produzida e prova documental junta aos autos, temos forçosamente de concluir que não se encontram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de que vem acusado o arguido. Com efeito, não se apurou que foi efetivamente o aqui recorrente quem praticou os factos de que vinha acusado, desconhecendo-se quem foi o autor do crime ocorrido;
21. Acresce que, sem prescindir, não se provou que a intenção do autor ou autores dos factos era efetivamente furtar aquela residência, ou se apenas cometeu ou cometeram o autor ou os autores dos factos um crime de dano, não tendo qualquer intenção de subtrair qualquer bem ou fazer o mesmo seu;
22. Assim sendo, o arguido não pode deixar de ser absolvido da prática do crime de furto qualificado de que vinha acusado. Mais devendo ser absolvido do pedido de indemnização civil, pelas razões supra expostas, que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais;
23. Sem prescindir, de acordo com prova produzida, nomeadamente do ponto 1.1, alínea 2) ou subponto 2, foi dado como não provado que a janela “estava aberta”, e que “através desta introduziu-se no interior dessa habitação”;
24. Ora, salvo o devido respeito, a factualidade dada como provada, e supra transcrita, não permite que opere a qualificação do crime, pela alínea e) do nº 2 do artigo 204º do C. Penal, uma vez que a janela estava aberta, não tendo ocorrido arrombamento, e também porque, conforme resulta de fotografias de fls. 19 e 20, a janela era térrea, pelo que não houve escalamento, nem sequer houve a necessidade de usar chaves falsas (nem aquele era aberta ou fechada através de chaves);
25. Ora, não operando essa qualificação, nem nenhuma outra, a admitir-se a prática do crime para mero efeito de raciocínio, e considerando a factualidade dada como provada, supra impugnada, é nosso entendimento que o recorrente quanto muito poderia ter sido condenado por furto simples, p. e p. pelo artigo 203º do C. Penal, ou quanto muito pelo crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204º, nº 1, alínea f) do C. Penal, o qual é punido com pena até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
26. Sem prescindir ainda, a escolha da pena reconduz-se, numa perspetiva politico-criminal a um movimento de luta contra a pena de prisão. A este propósito dispõe o art. 70º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Assim exprime, o legislador, a preferência pelas penas não privativas da liberdade;
27. Ora, é nosso entendimento, sem prescindir defendermos a absolvição, que não deveria ter sido operada qualquer qualificação, uma vez que a factualidade dada como provada não preenchia o tipo legal p. e p. pelo artigo 203º e 204º, nº 2, al. e), ambos do C. Penal, mas apenas o tipo legal p. e p. no supra referido artigo 203º, ou quanto muito no 203º e 204º, nº 1, alínea f) do C. Penal, o qual, este último é punido com pena até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, e o primeiro é punido com pena de prisão até 3 anos, ou com pena de multa;
28. Acresce que, tendo em conta as circunstâncias que depunham a favor e contra o arguido e as concretas necessidades de prevenção geral e especial, que são, estas últimas, moderadas ou mesmo, atualmente, reduzidas, face a cumprimento de penas anteriores, que permitiram ao recorrente interiorizar o desvalor da conduta, é nosso entendimento que a pena, a ser de prisão, seria no caso do furto simples não superior a 6 meses, e no caso do furto qualificado, nos termos da alínea f), do nº 1 do artigo 204º do C. Penal, de 1 ano, penas essas que deveriam ser suspensas na sua execução - como veio acontecer com a pena em que recorrente foi condenado - assim se alcançando o propósito ínsito das penas e uma vez que a simples ameaça da prisão realizava e realiza de forma adequada as finalidades da punição;
29. PEDIDO INDEMNIZAÇÃO CIVIL: Conforme supra referido, o arguido não pode deixar de ser absolvido da prática do crime de furto, qualificado ou não, de que vinha acusado, bem como, deverá ser absolvido da correspondente condenação no pedido de indemnização civil, pelas razões supra expostas, que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais. Sem prescindir, sempre a indeminização arbitrada afigura-se desproporcional e desajustada em termos patrimoniais e não patrimoniais, mais a mais, como se referiu supra, o televisor LCD da marca LG, não tinha, na data dos factos, o valor de €1.199,00 (mil, cento e noventa e nove euros);
30. Disposições violadas: Foram violados os artigos 203º e 204º, nº 2, al. e),do Código Penal e ainda os artigos 127º, 333º, 340º, 355º, 374º, 379º do Código de Processo Penal e os artigos 40º, nº 1 e 2, 70º, 71º, nº 1 e 2 e 72º, todos do Código Penal e ainda os artigos 205º e 32º da Constituição da República Portuguesa, e as demais disposições que V. Ex.as suprirão.
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O Ministério Público junto da primeira instância contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido, ainda que sem apresentar conclusões.
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Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer em que defende a procedência do recurso centrado no entendimento em que sendo a impressão digital do arguido o único indício da sua autoria no facto, deve o mesmo ser absolvido.
O recorrente respondeu, dizendo que acompanha no essencial o douto Parecer e reiterando os argumentos expendidos no recurso

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação

Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1.1 FACTOS PROVADOS relevantes para a decisão da causa:
1) A hora não concretamente apurada, durante a manhã ou até às 16h00m do dia 17 de setembro de 2012, o ora arguido I. A. dirigiu-se à residência de C. L. , sita no Lugar do …, em …, neste concelho de ….
2) Visando apoderar-se de artigos de valor ali existentes, e por forma a concretizar os seus intentos, o arguido abeirou-se da janela localizada nas traseiras e que dá acesso à garagem, correu a janela que estava aberta, através dessa janela introduziu-se no interior dessa habitação, de onde lançou mão dos seguintes objetos:
Da sala:
-1 (uma) televisão LCD, da marca LG, no valor de €1.199,00 (mil, cento e noventa e nove euros);
Do quarto:
- 1 (um) guarda-jóias, contendo as seguintes peças: 3 (três) fios, em ouro amarelo, com um crucifixo; 7 (sete) pulseiras, em ouro amarelo, uma com uma pequena chapa; 2 (duas) alianças, em ouro amarelo e, 5 (cinco) anéis, em ouro amarelo, todos com pedras, no valor de €1.500,00 (mil e quinhentos euros).
3) Em poder de tais bens, de que se assenhoreou, o arguido abandonou o local.
4) Ao entrar pela forma descrita na sobredita residência e aí lançando mão, guardando e fazendo seus os objetos identificados, tinha o arguido a vontade livre e a perfeita consciência que os mesmos não lhe pertenciam e que ao fazê-lo atuava sem o consentimento, contra a vontade e em prejuízo do legítimo dono das mesmas.
5) O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
1.2 MAIS SE PROVOU com relevância para a decisão da causa:
1. A conduta do arguido/demandado civil causou ao demandante ansiedade, nervosismo, insegurança e medo.
2. Do certificado do registo criminal do arguido constam os seguintes registos:
- Tribunal Correctionnel De Brest- France: “Conduit Dùn Vehicule Sans Permis”-07-10-2006, “Refus DÒbtemperer a Une Sommation De S`Arreter”-07-10-2006: 1 mês de prisão;
- Tribunal Judicial de Amares, Processo Comum (Tribunal Singular) nº 22/09.6GBPVL: um crime de furto qualificado p. e p. pelo art.º 204º do Código Penal, praticado em julho de 2009, sentença de 11-02-2010, transitada em julgado em 06-05-2011, pena de 1 ano de prisão, substituída por 365 dias de multa, à taxa diária de €7,00;
- Tribunal Correctionnel De Brest- France: 05 e 06 de maio de 2011, 200 jours-amende à 15 E à titre principal;
- Tribunal Judicial de Braga, 2º Juízo Criminal, Processo Comum (Tribunal Singular) nº 673/12.1PBBRG: 1 crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217º, nº 1, e 218º, nº 1, ambos do Código Penal, praticado em abril de 2012, sentença de 27-09-2013, transitada em julgado em 28-02-2014, pena de 300 dias de multa, à taxa diária de €5,00.
- Tribunal Correctionnel De Brest- France- 23-09-2014: Violation De Domicile …, 8 meses de prisão;
- Instância Local de Ponte da Barca-Comarca de Viana do Castelo: Processo Sumário nº 293/14.6GAPTB, 1 crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 03-01, praticado em 07-10-2014, sentença de 02-12-2014, transitada em julgado em 14-01-2015, pena de 130 dias de multa, à taxa diária de €5,50.

Na sentença recorrida declarou-se não haver factos não provados a elencar.
E a sentença recorrida apresentou a seguinte motivação da decisão de facto:
Para fundar a minha convicção quanto aos factos descritos valorei, conjugadamente, de forma crítica e de acordo com as regras da experiência e do senso comum e o princípio da livre apreciação ínsito no artigo 127º do Código de Processo Penal, quanto ao desenrolar de acontecimentos como os que estão em causa, todas as provas produzidas e analisadas em audiência de julgamento, que passo a analisar criticamente.
A audiência de julgamento decorreu na ausência do arguido que por se encontrar a cumprir à ordem de processo criminal da jurisdição francesa, veio requerer que a audiência de julgamento decorresse na sua ausência. Por tal motivo, o arguido não foi ouvido em declarações.
No decurso da audiência de julgamento, foi ouvido o demandante civil C. L. e a sua esposa, a testemunha M. I..
O demandante civil esclareceu que foi o primeiro a chegar à residência assaltada, tendo verificado que o portão da garagem estava aberto, bem como a janela dessa dependência, sita nas traseiras da habitação, e a respetiva portada e especificou o período de tempo em que os factos terão ocorrido. Mais referiu que essa janela (de correr), que terá constituído o acesso ao interior da residência, havia sido deixada semiaberta, para arejar a garagem. Assim, para acederem ao interior da garagem e ao interior da residência, terão aberto a portada dessa janela que se encontrava semiaberta e que correram, para facilitar a entrada. Depois de estarem no interior da garagem, acederam às demais dependências da residência e saíram pelo portão da garagem que estava com o trinco e que abriram, pelo interior, tendo deixado esse portão aberto. Nada foi remexido ou destruído. Do interior da sala foi subtraído um LCD que haviam comprado cerca de 3 anos antes, pelo valor de €1.199,00, tal como está comprovado através da fatura/recibo que juntou aos autos (cf. fls. 122 e 123 do processo em papel). Especificou, também que foi também subtraído um guarda- jóias que tinha no seu interior as peças que estão escritas na acusação que, na altura, avaliaram em cerca de €1.500,00. Confirmou que a polícia esteve no local a recolher vestígios.
A testemunha M. I. esclareceu que o marido lhe telefonou a dizer-lhe que tinham sido assaltados e que haviam levado o LCD. Quando chegou a casa, verificou que faltava o guarda-jóias e as jóias que estavam no seu interior, que elencou.
Esclareceu que haviam comprado todo o ouro na Ourivesaria …, sita em … e que possuem um documento que comprova essas compras (cf. declaração de venda de 12 de julho de 2013, a fls. 124 do processo em papel).
Concretizaram os danos não patrimoniais que resultaram provados, de forma convincente.
No que respeita aos danos patrimoniais foram igualmente sopesados os documentos que instruem o pedido de indemnização civil e que reforçaram a convicção do Tribunal.
Embora não exista nos autos prova direta da autoria do furto, tal inexistência não obsta à nossa conclusão, sem margem para dúvida, de que foi o arguido o seu autor, tendo por base prova indiciária ou indireta.
Se não vejamos.
Pese embora nem o demandante civil nem a referida testemunha tenham identificado o autor do aludido assalto, em virtude de não terem presenciado os factos, o certo é que, efetuada recolha de vestígios lofoscópicos e realizado o competente exame pericial e elaborado o relatório pericial, cuja fundamentação da sua conclusão se logrou completar, em sede de audiência de julgamento, na sequência de intervenção oficiosa do Tribunal, concluiu o Departamento de Investigação Criminal da Polícia Judiciária de Braga que um dos vestígios recolhidos no “interior da portada da janela da garagem” foi produzido pelo dedo indicador da mão esquerda do ora arguido I. A., apresentando treze pontos característicos coincidentes, o que corresponde a “certeza absoluta”, quanto à identidade do autor do referido vestígio (cf. relatório pericial de 13-12-2016).
Efetivamente, conforme resulta dos autos, depois de o proprietário da residência assaltada ter apresentado a competente denúncia por furto, foi efetuada uma recolha de vestígios lofoscópicos pela equipe de Núcleo de Apoio Técnico da GNR de Braga, em 17.09.2012, tendo sido recolhidos vestígios, designadamente no interior da portada da janela da garagem que terá constituído o acesso ao interior da habitação. Efetuado o competente exame, concluiu-se, com a certeza absoluta, segundo as regras formuladas por Locard, internacionalmente aceites, que o arguido tocou, com o seu dedo indicador da mão esquerda, no interior da portada da referida janela.
É sabido que a importância e transcendência deste método de identificação criminal radica na circunstância de as impressões digitais serem:
• Universais, porque comuns a todas as pessoas;
• Permanentes, porque são imutáveis desde que surgem no 4º mês de vida intra-uterina só desaparecendo com a putrefação cadavérica (existem, porém, referências científicas no sentido de o desenho das impressões palmares pode sofrer e revelar a interferência de determinados estados mórbidos, como sejam, para além da lepra, o erctema toxicum bullosum, a hiperhidrose, o queratoma palmar de eczema tyloticum, o noevus verucosum striatus, o raquitismo, o nanismo, aacromegalia, a hemiplagia, o panarício a radiomermite, a esclerodermia com esclerodactilia, a acrocefalia-sindactilia e a ectodactilia- cf. Pinto da Costa, Impressões Digitais: contribuição para o seu estudo médico-legal, Porto, 1972, págs. 387 e 385);
• Singulares ou inconfundíveis, porque únicas: jamais são idênticas em dois indivíduos, não havendo, de resto, duas impressões digitais iguais feitas por dedos diferentes (nos finais do século XIX, mais concretamente na década de 1890, o cientista britânico Francis Galton demonstrou que a probabilidade de a impressão digital de um dedo de uma pessoa ser exatamente igual à impressão do mesmo dedo de outra pessoa era de um para sessenta e quatro mil milhões. Esta demonstração probabilística foi posteriormente popularizada em 1924, com a frase da autoria de J. A. Larson “não há duas impressões digitais iguais”);
• Indestrutíveis, porque não são modificáveis, nem pela ação do sujeito nem patologicamente; nessa medida, não podem ser falsificadas;
• Mensuráveis, porque suscetíveis de comparação.
A bibliografia sobre a prova dactiloscópica é quase inabarcável. Em português destacam-se os estudos dos médicos Rodolfo Xavier da Silva, Identificação de impressões digitais, Boletim do Instituto de Criminologia, Lisboa, série 4, ano 5, vol. 8-9 (1927-1928) págs. 421-438 e A impressão dos dedos, Boletim do Instituto de Criminologia, Lisboa, série 9, ano 12, vol. 16 (1º semestre 1932), págs. 77-106, de Luís de Pina, Dactiloscopia: Identificação Policial Científica, Lisboa, 1938, e de Pinto da Costa, Impressões Digitais: contribuição para o seu estudo médico-legal, Porto, 1972 e História da Dactiloscopia em Portugal, separata de O Médico, 1469 (1993), págs. 174-175. Na jurisprudência portuguesa, destaca-se o Ac. do STJ de 18-4-1996, proc.º 048908, rel. Cons.º Ferreira Rocha, in www.dgsi.pt. Na literatura jurídica estrangeira pode verse, v.g., Luís Alfredo de Diego Diez, La prueba dactiloscópica, Barcelona, 2001, Bosch, e Renaat de Veltere, La dactyloscopie, in Anne Leriche (dir.), La Criminalistique: du mythe à la realité quotidienne, Bruxelas, 2002, Kluwer, págs. 129-149. Pode ainda aceder-se a vasta e atualizada documentação no sítio da Interpol (www.interpol.int/Public/Forensic/fingerprint).
Em função daquelas características das impressões digitais, o valor probatório da perícia dactiloscópica deve ser encarado numa tripla perspetiva:
a) A aparição de uma impressão digital de uma pessoa faz prova direta do contacto dessa pessoa com o objeto onde foi detetada aquela impressão. Devido à grande fiabilidade da prova dactiloscópica impõe-se, porém, especiais cuidados na sua recolha [quem efetuou a recolha e quando, por ordem de quem, em que objeto e lugar se encontrava depositada, e especificamente em que zona (vidro exterior ou interior) e na sua transmissão].
b) Mas se a impressão digital faz prova direta do contacto dessa pessoa com o objeto onde foi detetada aquela impressão ou esteve no local onde foi colhida, já não faz prova direta da participação do sujeito no facto criminoso (até porque aquele contacto com a coisa pode ser posterior à pratica do crime ou meramente ocasional).
c) Embora não faça prova direta da participação do sujeito no facto criminoso, a impressão digital pode ser encarado como um indício que, conjugado com outros indícios, pode fundamentar uma decisão condenatória.
Este tema do valor probatório da prova dactiloscópica, especialmente no âmbito da prova indiciária e no confronto com o princípio da presunção de inocência, tem merecido particular atenção na doutrina e jurisprudência espanhola a qual é unânime em considerar que o facto de a presença das impressões digitais do arguido no objeto furtado ou no local do furto não ter sido contraditada nem explicada pelo acusado ilide a presunção de inocência, justificando uma condenação (cf., v.g., António Pablo Rives Seva, La Prueba en el Processo Penal-Doctrina de la Sala Segunda del Tribunal Supremo, 2ª ed., Pamplona, Aranzadi, 1996, págs. 171-174, Huertas Martin, El sujeto pasivo del proceso penal como objeto de la prueba, Barcelona, Bosch, 1999, págs. 224-231, Miguel Angel Montañes Pardo, La Presuncion de Inocência, Pamplona, Aranzadi, 1999, págs. 220-221 Javier Cajal Alonso, La Prueba Pericial, in Pedro Martin Garcia y otros, La prueba en el proceso penal, Valência, Revista General de Derecho, 2000, págs. 855-862, Luís Alfredo de Diego Diez, La prueba dactiloscópica, Barcelona, Bosch, 2001, págs. 39-53).
Também entre nós, ao contrário do que por vezes se pensa e se ouve a todo o tempo, de há muito que se aceita que a prova indiciária, devidamente valorada, permite fundamentar uma condenação (cf., v.g., Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, vol. II, reimp. Lisboa, 1981, págs. 288-295, Id., Curso de Processo Penal, 2º vol., Lisboa, 1986, págs. 207- 208, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Lisboa/ S. Paulo, 1993, vol. II, pág. 83, Sérgio Gonçalves Poças, Da Sentença Penal-Fundamentação de Facto, in Julgar, n.º3, Set-Dez. 2007, págs. 27-29 e 42-43, Acs. do S.T.J. de 8-1-1995, B.M.J. n.º 451, pág. 86 e de 12-9-2007, proc.º n.º 4588/07, rel. Cons.º Armindo Monteiro in www.dgsi.pt, Acs. da Rel. de Coimbra de 6-3-1996, Col. de Jur. ano XXI, tomo 2, pág. 44 e de de 9-2-2000, Col. de Jur. ano XXV, tomo 1, pág. 51, de 11-5-2005, proc.º n.º 1056/05, rel. Oliveira Mendes, de 9-7-2008, proc.º n.º 501/01.3TAAGD, rel. Ribeiro Martins, in www.dgsi.pt, o Ac. da Rel. de Lisboa de 7-1-2009, proc.º n.º 10639/2008-3, rel. Carlos Almeida, os Acs da Rel. de Évora de 24-6-2008, proc.º n.º 437/08-1 e de 17-9-2009, proc.º n.º 524/05.3GAABF.E1, ambos relatados por João António Latas, o Ac. da Rel. do Porto de 28-1-2009, proc.º n.º 0846986, rel. Isabel Pais Martins, todos disponíveis na mesma base de dados, e os Acs da Rel. de Guimarães de 9-10-2006, proc.º n.º 2429/05-1, de 29-1-2007, proc.º n.º 2053/06-1, e de 25-6-2007, proc.º n.º 537/07-1, e 19-1-2009, proc.º n.º 2025/08, todos relatados pelo relator do presente, o último dos quais disponível in www.dgsi.pt).
Ponto é que os indícios sejam graves, precisos e concordantes, como se exprime o artigo 192º, n.º2 do Código de Processo Penal Italiano.
Segundo Paolo Tonini, são graves os indícios que são resistentes às objeções e que, portanto, têm uma elevada capacidade de persuasão; são precisos quando não são suscetíveis de diversas interpretações, desde que a circunstância indiciante esteja amplamente provada; são concordantes quando convergem todos para a mesma direcão (La prova Penale, 4ª ed., Pádua, 2000, apud Eduardo Araújo da Silva, Crime Organizado-procedimento probatório, editora Atlas, São Paulo, 2003, pág. 157).
Como lapidarmente se consignou no citado Ac. do STJ de 12-9-2007, relatado pelo Sr. Cons.º Armindo Monteiro “A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova direta (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar interrelacionados de modo que reforcem o juízo de inferência”
Note-se que revestindo a prova dactiloscópica a natureza de prova pericial, o juízo técnico-científico inerente a tal perícia presume-se subtraído à livre apreciação do juiz, devendo a divergência (no caso inexistente) ser fundamentada (artigo 163º, n.1 e 2 do Código de Processo Penal).
Consequentemente foi feita a prova direta do contacto do arguido com o interior da portada da janela utilizada como acesso ao interior da habitação assaltada.
Embora, como vimos, aqueles vestígios não façam prova direta da participação do arguido no facto criminoso, aquela impressão digital deve ser encarada como um indício de tal participação.
Por outro lado, como também vimos, a impressão digital foi localizada no interior de uma portada da janela da garagem, sita nas traseiras da habitação (cf. Relatório Técnico De Inspeção Judiciária e o Relatório Fotográfico de 28-09-2012, a fls. 13 a 20 do processo em papel). Daqui se infere que não dada a circunstância de o ora arguido não ser ou ter sido pessoa conhecida e autorizada a estar naquele local, que não é de livre acesso ao público, pressupõe que o arguido penetrou na zona exterior da habitação (jardim e acesso à residência), bem como que acedeu ao interior dessa habitação, através dessa janela.
Este facto reveste-se de particular importância, afastando, quanto a nós qualquer dúvida, que tenha sido lançada, quanto ao facto de ter sido ou não, o autor do crime a tê-lo aposto, nesse momento.
Este indício não é compatível com outras causas plausíveis.
Acresce que através dos vestígios recolhidos apenas se estabeleceram duas identidades, a do ofendido, C. L. e a do ora arguido.
O arguido já foi condenado anteriormente pela prática de, pelo menos, um crime de furto qualificado e de crimes de idêntica natureza, em Portugal e em França, país onde cumpre pena.
Todos estes indícios são graves, precisos e concordantes e, devidamente conjugados e ponderados à luz das regras da experiência comum permitem concluir, quanto a nós, sem margem para dúvidas, já que se não vislumbra qualquer outra possibilidade alternativa razoável, que o arguido foi o autor do furto em causa, nestes autos.
Foi valorado o certificado do registo criminal do arguido.
* * *

Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
O recorrente invoca:
- nulidade prevista no art. 379º, nº 1, alínea c) do Cód. Proc. Penal;
- erro de julgamento;
- errada qualificação jurídica;
- inadequada medida da pena aplicada e da indemnização fixada.
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Da nulidade prevista no art. 379º, nº 1, alínea c) do Cód. Proc. Penal
Alega o recorrente que o Tribunal a quo não podia ter valorado para a sua convicção o relatório pericial de 13.12.2016 porquanto o mesmo foi junto aos autos depois do encerramento da audiência e sem que fosse sequer determinada a abertura da audiência, o que também não poderia ocorrer porque a reabertura só pode ter lugar nos termos e para os efeitos do disposto no art. 371º do Cód. Proc. Penal.
Alega, por isso, a nulidade da sentença nos termos do disposto no art. 379º, nº 1, alínea c) do Cód. Proc. Penal.
Prevê a alínea c) do nº 1 do art. 379º do Cód. Proc. Penal que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Compulsados os autos, verificamos que a produção de prova findou em 24.11.2016, data em que foram feitas as alegações, tendo sido designada a data de 13.12.2016 para leitura da sentença (cfr. ata de audiência de discussão e julgamento de fls.428 e 428 verso).
No dia designado para a leitura da sentença (13.12.2016) deu entrada no Tribunal o Relatório pericial em causa (“demonstração gráfica da identidade de um vestígio”), tendo sido proferido despacho a adiar a diligência para 19.12.2016 (cfr. fls.434).
Em 19.12.2016 foi reaberta a audiência e proferido despacho que expressou o entendimento que o Relatório de Apreciação Técnica de 19.11.2012, junto em sede de inquérito, não estava completo, faltando a fundamentação da conclusão vertida em tal Relatório, explicitando que por tal motivo, e porque entendeu que essa falta de fundamentação constituía uma irregularidade, foi decidido oficiosamente supri-la e providenciar pela junção do “Relatório Completo” e, atendendo a que o mesmo já se encontrava junto, determinou-se o cumprimento do exercício do contraditório e designou-se para continuação do julgamento a data de 12.01.2017 (cfr. acta de fls. 447 a 449).
Ora como resulta claro, a junção aos autos do Relatório de 13.12.2016 não constitui prova suplementar. O documento junto nessa data não se destinou mais do que a completar e fundamentar, de forma gráfica, a conclusão que já constava dos autos desde 19.11.2012. Assim, não se pode afirmar que a reabertura da audiência ocorreu nos termos do art. 371º do Cód. Proc. Penal, normativo que não está em causa.
Mas poderão ser juntos aos autos documentos após o encerramento da audiência?
Preceitua o nº 1 do art. 165º do Cód. Proc. Penal que “o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência”. A produção de meios de prova supervenientes só pode ocorrer quando tal se revelar indispensável para a boa decisão da causa e durante as alegações, que podem ser suspensas excepcionalmente para esse efeito (nos termos do disposto no nº 4 do art. 360º do Cód. que se tem vindo a citar).
Todavia, tem-se vindo a entender que nada obsta à junção de documentos oficiosamente pelo Juiz Presidente até à leitura da decisão no tribunal de primeira instância (assim, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição, p. 461, citando a favor o Acórdão do TRP de 10.11.1999, in CJ, XXII, tomo 4, 243 e o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal II, 3ª edição, p. 206). E é com a leitura da decisão que verdadeiramente se encerra a audiência. Ponto é que se possibilite o cumprimento do contraditório, salvaguardando-se as garantias constitucionais de defesa.
No caso em análise, o documento foi junto oficiosamente findas as alegações, mas não só se trata de documento que apenas completa documento anterior já existente nos autos, como foi dado prazo aos intervenientes processuais para se pronunciarem sobre a junção, tendo desta forma sido cumprido o contraditório.
Termos em que podemos concluir que não existe qualquer nulidade por excesso de pronúncia, podendo o Relatório Pericial junto aos autos em 13.12.2016 ser livremente valorado.

Do erro de julgamento
O recorrente impugna a matéria de facto dada como provada nas alíneas 1 a 5 do ponto 1.1 e na alínea 1 do ponto 1.2.
Alega que não deveria ter sido dado como provado que foi ele o autor dos factos descritos, pois que defende que ainda que se valore positivamente o Relatório Pericial, o mesmo apenas significa que o recorrente teve contacto com a janela e, este é um indício insuficiente para se dar como provado que foi ele que praticou os factos, sendo que mais nenhuma outra prova foi feita dessa autoria – diz que entendimento diverso viola o princípio in dubio pro reo. Sem prescindir, alega que não se provou a intenção de furtar. Mais alega que também não pode ser considerada a quantia constante da factura da aquisição do televisor para fixar o valor desse electrodoméstico, pois que a aquisição ocorreu cerca de 3 anos antes da subtracção.
Define o art. 124º 1 do Cód. Proc. Penal, o que vale em julgamento como prova, ali se determinando que “constituem objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis”. Neste artigo, onde se regula o tema da prova, estabelece-se que o podem ser todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou para a inexistência de qualquer crime, para a punibilidade ou não punibilidade do arguido, ou que tenham relevo para a determinação da pena. A ausência de quaisquer limitações aos factos probandos ou aos meios de prova a usar, com excepção dos expressamente previstos nos artigos seguintes ou em outras disposições legais (só não são permitidas as provas proibidas por lei ou as obtidas por métodos proibidos – arts. 125º e 126º do mesmo Cód.), é afloramento do princípio da demanda da descoberta da verdade material que continua a dominar o processo penal português (Maia Gonçalves, Cód. Proc. Penal, 12ª ed., p. 331).
A prova pode ser directa ou indirecta/indiciária (Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Proc. Penal, II vol., p. 99 ss). Enquanto a prova directa se refere directamente ao tema da prova, a prova indirecta ou indiciária refere-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
A prova indirecta (ou indiciária) não é um “minus” relativamente à prova directa. Pelo contrário, pois se é certo que na prova indirecta intervêm a inteligência e a lógica do julgador que associa o facto indício a uma regra da experiência que vai permitir alcançar a convicção sobre o facto a provar, na prova directa intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho. No entanto, a prova indirecta exige um particular cuidado na sua apreciação, uma vez que apenas se pode extrair o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, de forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis.
A nossa lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova – quer a directa quer a indiciária – estando o fundamento da sua credibilidade dependente da convicção do julgador (que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável) que a valorará, por si e na conjugação dos vários indícios, sempre de acordo com as regras da experiência.
Com efeito, o art. 127º do Cód. Proc. Penal prescreve que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. É o chamado princípio da livre apreciação da prova que, no entanto, e como ensina o Prof. Germano Marques da Silva (Direito Processual Penal, vol. II, p. 111) “(a livre valoração da prova) não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas a valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”.
Diz Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, vol. I, p. 199 e ss.), que esta liberdade está de acordo com um dever: o dever de perseguir a chamada “verdade material”. Ou seja, a liberdade do convencimento do julgador, se não deixa de ser expressão de uma convicção pessoal, também não é uma liberdade meramente intuitiva, é antes um critério de justiça que se tem que basear na verdade histórica das situações e necessita de dados psicológicos, sociológicos e científicos para a certeza da decisão.
No caso em análise não há prova directa do facto. Como salienta o recorrente na motivação, ninguém viu quem cometeu o furto. Todavia, isso não significa que o Tribunal não possa “perceber” quem foi o autor por recurso à já falada prova indirecta, ou indiciária.
Diga-se, desde já, que o vestígio dactiloscópico do arguido encontrado na residência do queixoso não é o único elemento de prova do autor do furto.
O queixoso demandante, quando foi ouvido, esclareceu que o autor do furto acedeu ao interior da residência através de uma janela (de correr) da garagem que tinha sido deixada semiaberta, para arejar, e cuja portada o autor do furto correu para entrar. Mais disse o que foi furtado do interior da residência.
Ora o vestígio dactiloscópico identificado pelo Relatório Pericial como pertencendo ao arguido/recorrente foi recolhido no interior da portada da janela da garagem por onde entrou o autor do furto segundo as declarações do queixoso (constando do referido relatório que o vestígio foi produzido pelo dedo indicador da mão esquerda do arguido I. A., apresentando treze pontos característicos coincidentes, o que corresponde a “certeza absoluta” quanto à identidade do autor do referido vestígio).
Conjugando estes dois elementos indiciários, e analisando-os de acordo com as normais regras de vida, podemos concluir, tal como o Tribunal recorrido, que foi o arguido/recorrente o autor dos factos, pois que o vestígio dactiloscópico identificado como sendo seu, encontrava-se na portada da janela por onde o autor do furto entrou na residência e precisamente do lado interior, não havendo qualquer explicação plausível para que o vestígio dactiloscópico ali se encontrasse que não fosse o de ali ter sido deixado pelo autor do furto.
Este entendimento não viola o princípio in dubio pro reo.
Com efeito, este princípio resume-se a uma regra de decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida insanável sobre a verificação ou não de determinado facto, deve o julgador decidir sempre a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
Assim, o princípio em questão só se aplica perante uma situação de non liquet, uma dúvida insanável. E no caso, lida a motivação da decisão de facto, verificamos que o Tribunal recorrido não ficou com qualquer dúvida sobre a prova (tal como nós não ficamos), pelo que não pode pôr-se a questão de violação do princípio in dubio pro reo. Como se refere no sumário do Ac. do STJ de 27.05.2010, no Proc. 18/07.2GAAMT.P1.S1, “a eventual violação do princípio in dubio pro reo só pode ser aferida…quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto, que tenha chegado a um estado de dúvida ‘patentemente insuperável’ e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, optando por um entendimento decisório desfavorável ao arguido”. Posto que uma tal referida evidência não se verifica no caso, é impossível concluir pela violação daquele princípio.
O recorrente alega ainda não estar provada a intenção de furtar.
Os factos atinentes aos elementos subjectivos do tipo são inferências que se retiram dos restantes factos provados, pois que estão em causa realidades que não são apreensíveis directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum [ensina Cavaleiro Ferreira – in “Curso de Processo Penal”, Vol. II, 1981, pág. 292 – que existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta, como são todos os elementos de estrutura psicológica, os relativos ao aspecto subjectivo da conduta criminosa; também Malatesta – in “A Lógica das Provas em Matéria Criminal”, págs. 172 e 173 – defende que, exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indirectas (“percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita e, dessas coisas, passa-se a concluir pela sua existência”)].
Considerando que da residência foram retirados diversos objectos que o recorrente levou consigo, deles se apropriando, a intenção de furtar é evidente.
Finalmente, e quanto ao valor do televisor, entendemos que o mesmo foi correctamente dado como provado, já que assente no valor da aquisição e sendo certo que um televisor não é um automóvel – esse sim, deprecia-se pelo uso, um televisor não.
Pelo que não merece qualquer censura a matéria de facto provada.

Da qualificação jurídica
Alega o recorrente que dos factos provados não se conclui que cometeu um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, alínea e), ambos do Cód. Penal, com referência ao art. 202º, alínea e), do mesmo diploma legal. Refere que a janela estava aberta e se situava ao nível do rés-do-chão, pelo que não houve arrombamento, nem escalamento, nem foram usadas chaves falsas. Defende que deveria ter sido condenado pela prática do crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º do Cód. Penal, ou de furto qualificado mas nos termos dos arts. 203º e 204º, nº 1, alínea f), ambos do Cód. Penal.
Nos termos do nº 1 do art. 203º do Cód. Penal, comete o crime de furto “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel ou animal alheios”.
O crime será qualificado, nos termos da alínea e) do nº 2 do art. 204º do Cód. Penal, se o furto for cometido “penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas”.
A definição de “escalamento” é dada pela alínea e) do art. 202º do Cód. Penal nos seguintes termos: “escalamento: a introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem”.
Como resulta claro desta definição, o escalamento ocorre sempre que a entrada numa casa, ou em lugar fechado dela dependente, seja feita por janela, ainda que em piso térreo, sabido que uma janela não é local por onde normalmente se entre.
No caso dos autos, tendo a entrada na residência do queixoso ocorrido através de janela semiaberta, não houve arrombamento, nem utilização de chaves falsas, mas pelo facto de se tratar de uma janela (independentemente do piso em que se situa), estamos perante um escalamento.
Termos em que se mostra correcta a qualificação jurídica dos factos provados feita pelo Tribunal recorrido.

Da medida da pena e da indemnização
No pressuposto de que deveria ter sido condenado pela prática do crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º do Cód. Penal, ou de furto qualificado mas nos termos dos arts. 203º e 204º, nº 1, alínea f), ambos do Cód. Penal, o recorrente propõe que o Tribunal aplique penas inferiores.
Acontece que como acabámos de ver, o crime cometido pelo recorrente foi o de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, alínea e), ambos do Cód. Penal, a que cabe, em abstracto pena de prisão de 2 a 8 anos.
O recorrente não impugna a pena aplicada pelo Tribunal a quo em sede da moldura penal prevista para o crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, alínea e), ambos do Cód. Penal (aliás, foi condenado no mínimo aplicável – 2 anos de prisão suspensa na sua execução), pelo que nada há a dizer nesta sede.

Alega o recorrente que a indemnização civil fixada se afigura desproporcional e desajustada em termos patrimoniais e não patrimoniais.
O recorrente não põe em causa a verificação dos pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar, apenas o seu quantitativo.
A este respeito lembramos que está provado que o recorrente se apropriou de bens do demandante civil no valor de 2.699,00 €, sendo por isso este o prejuízo causado e este o valor dos danos patrimoniais que o recorrente/demandado está obrigado a ressarcir nos termos do disposto no art. 129º do Cód. Penal e nos arts. 483º, 562º, 564º e 566º do Cód. Civil (sendo certo que, cumprindo o dever fixado no acórdão, a referida quantia entregue tem que ser deduzida a este montante).
Quanto aos danos não patrimoniais rege o nº 1 do art. 496º do Cód. Civil, de acordo com o qual os danos não patrimoniais são susceptíveis de ressarcimento, desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Relativamente ao quantum indemnizatório por danos não patrimoniais deve o Tribunal nortear-se por critérios de equidade, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494º do Cód. Civil (cfr. o art. 496º citado).
Tendo em conta tais critérios, assumindo particular relevo a gravidade das consequências (o demandante ficou ansioso, nervoso, sentiu insegurança e medo) o montante fixado pelo Tribunal recorrido (500,00 €) afigura-se justo.
* * *

Decisão

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, declarando-o improcedente, e confirmam a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco (5) UCs.

Guimarães, 19.06.2017
(processado e revisto pela 1ª adjunta em face do vencimento da relatora)


(Alda Tomé Casimiro)
(Fernando Monterroso), Presidente
(Laura Goulart Maurício), vencida

Declaração de voto

De acordo com o art.428º, nº1, do Código de Processo Penal, “as relações conhecem de facto e de direito”.

A demonstração dos factos que consubstanciam a tipicidade do evento criminoso terá que decorrer de prova direta ou indireta, ou de ambas, competindo ao tribunal de recurso, em sede de impugnação da matéria de facto, exclusivamente verificar se a motivação constitui alicerce seguro para os factos que o tribunal a quo teve como provados e não provados.

Alega o recorrente que a prova produzida foi erradamente valorada, não permitindo concluir pela sua condenação, pois que nem o demandante nem a testemunha inquiridos presenciaram a prática dos factos, apenas confirmando que ocorreu um assalto e foram retirados bens, existindo, como único elo de ligação do recorrente aos factos, o exame lofoscópico realizado.

Analisando a fundamentação da decisão recorrida constata-se, efetivamente, que nem o demandante nem a testemunha inquiridos presenciaram os factos, limitando-se o demandante Casimiro Silva a elencar os bens em falta e que foi considerado como assente terem sido retirados, e a testemunha Isabel Silva, esposa do demandante, a corroborar o afirmado pelo demandante.

Existe, porém, um elemento de prova que no caso se apresenta como relevante e foi determinante para a formação da convicção do tribunal recorrido, o exame lofoscópico dos vestígios digitais recolhidos no local, que concluiu que um dos vestígios recolhidos no “interior da portada da janela da garagem” foi produzido pelo dedo indicador da mão esquerda do ora arguido Igor António Antunes Rodrigues, apresentando treze pontos característicos coincidentes, o que corresponde a “certeza absoluta”, quanto à identidade do autor do referido vestígio (cf. relatório pericial de 13-12-2016)”.

Ora, a apreciação da prova segundo o princípio da livre apreciação não se traduz em livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, correspondendo, antes, a apreciação da prova de acordo com critérios lógicos e objetivos que determinam uma convicção racional, objetivável e motivável.

A livre apreciação da prova, consubstanciar-se-á nas regras da experiência e na livre convicção do julgador.

Segundo as regras da experiência, o facto de serem encontradas impressões digitais de uma pessoa no “interior da portada da janela da garagem” significa que essa pessoa aí esteve presente, mas não quando e em que circunstâncias.

Assim, no caso em apreço a prova pericial apenas permite presumir esse facto, ou seja, que o arguido esteve no “interior da portada da janela da garagem”. E da prova testemunhal produzida, tal como se mostra descrita na fundamentação de facto, nada se pode concluir quanto à autoria do furto, pois que nem o demandante nem a testemunha presenciaram os factos ou demonstraram ter conhecimento de algum facto instrumental que permita concluir ter sido o arguido o autor do furto.

Ou seja, ainda que a impressão digital faça prova direta do contacto do arguido com o local onde foi detetada aquela impressão ou esteve no local onde foi colhida, já não faz prova direta da participação do mesmo no facto criminoso, e isto porque se desconhece o momento daquele contacto ou as circunstâncias em que o mesmo ocorreu.

E, inexistindo outros indícios com que possa ser conjugada, a impressão digital por si só não pode fundamentar uma decisão condenatória.

Conclui-se assim que a prova produzida é manifestamente insuficiente para imputar ao arguido a prática do furto qualificado descrito na acusação.

Ora, como é sabido, verifica-se a violação do princípio in dubio pro reo não só quando da própria decisão resulta que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, mas também quando, não reconhecendo o tribunal recorrido essa dúvida, ela resulta evidente do texto da sua decisão.

E é o que acontece no caso em apreço, pelo que se impunha absolver o arguido/recorrente do crime de furto qualificado que lhe foi imputado, e, consequentemente, do pedido de indemnização civil deduzido.

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Elaborado e revisto pela signatária

Guimarães, 19 de Junho de 2017

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Laura Goulart Maurício