Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
488/16.8T8FAF.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA DE CONSUMO
DEFEITO DA OBRA
DIREITOS DO DONO DA OBRA
DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser concretizado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente (prevalecendo, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova).

II. Para demonstrar a existência de erro na apreciação da matéria de facto, o recorrente tem de contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo (v.g. a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário), apresentando as razões objectivas pelas quais se pode verificar que a mesma foi incorrectamente realizada, não bastando para o sucesso da sua pretensão a mera indicação, ou reprodução, dos meios de prova antes produzidos e ponderados na decisão recorrida.

III. Tendo o dono da obra que exercer primeiro junto do empreiteiro o seu direito de eliminação de defeitos ou de nova construção, admite-se que, excepcionalmente, obtenha a sua condenação imediata no pagamento do respectivo custo, nomeadamente quando: tenha existido declaração do empreiteiro de não reparação ou substituição (declaração antecipada de não cumprir); a mera mora se tenha transformado em incumprimento definitivo (nomeadamente, por meio de interpelação admonitória); ou haja urgência na reparação dos defeitos (a ela se podendo equiparar a sua não reparação em prazo razoável).

IV. Não se considera que seja exigível sujeitar o dono de uma habitação onde reside a suportar durante cerca de sete anos indevidas, reiteradas e agravadas entradas de águas no seu interior, enegrecendo e arrefecendo superfícies (paredes e tectos) que se destinam, precisamente, a protegê-lo da dita água, quando ele próprio cumpriu em momento anterior integralmente a sua prestação (de pagamento do preço), e reiteradamente tentou obter do empreiteiro a reparação da sua indevida actuação; e, por isso, serão indemnizáveis os danos não patrimoniais que sofreu desse modo.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. J. O. e mulher, A. S. (aqui Recorrentes), residentes na Rua …, em …, propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada (aqui Recorrida), com sede na Rua …, em … - sendo depois interveniente acessória X - Produtos de Manutenção Isolamentos, Limitada, com sede na Rua …, em Guimarães -, pedindo que

· a Ré fosse condenada a proceder, através de terceira pessoa ou empresa, à reparação dos defeitos existentes na sua habitação e respectivo anexo, fixando-se prazo judicial para o efeito, ou fosse condenada a pagar-lhes a quantia de € 14.865,00, acrescida de IVA, a título de custo estimado para a reparação dos ditos defeitos;

· (cumulativamente) a Ré fosse condenada a pagar-lhes a quantia de € 2.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Alegaram para o efeito, em síntese, que, dedicando-se a Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) à construção civil, acordaram com ela, no início de 2010, a edificação de um anexo nas traseiras da sua habitação, bem como a pintura, remodelação e impermeabilização desta, pelo peço global de € 31.865,96.
Mais alegaram que, concluída a obra no final de 2011 e pago o respectivo preço, em 2013 começaram a aparecer fissuras na fachada posterior da habitação, nos muros circundantes do terraço e no anexo, do que deram imediato conhecimento à Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada); e que, tendo-se a mesma prontificado a reparar tais defeitos, não o logrou fazer, não obstante as pequenas intervenções que realizou para o efeito.
Alegaram ainda os Autores (J. O. e mulher, A. S.) que, no inverno de 2015, reapareceram as mesmas e novas fissuras, bem como surgiram manchas de humidade (nos tectos, paredes e azulejos do pavimento da habitação), inundações na cave e deformações num dos pilares do anexo; e que, pronta e reiteradamente, o denunciaram à Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada), por escrito e verbalmente, a qual, não obstante reconhecer a existência de tais defeitos, nada fez para os eliminar, sendo o custo dessa eliminação de € 14.865,00, mais IVA.
Por fim, os Autores (J. O. e mulher, A. S.) alegaram que o referido impediu e impede a normal utilização do seu imóvel, implicando mau estar e perigos para a sua saúde e da sua família, o que os desgosta, revolta, frustra e entristece profundamente.

1.1.2. Regularmente citada, a Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente (quer por verificação da excepção de caducidade dos direitos invocados pelos Autores, quer por falta de prova do por eles alegado), sendo ela própria absolvia do pedido; e deduzindo incidente de intervenção principal provocada de X - Produtos de Manutenção Isolamentos, Limitada.
Alegou para o efeito, em síntese, ter-se limitado a executar o que lhe foi pedido pelos Autores (J. O. e mulher, A. S.) e a aplicar os materiais por eles escolhidos, tudo sob as suas ordens e orientações; e terem os mesmos acompanhado diariamente a obra, tendo-a examinado e recebido, sem qualquer reclamação.
Mais alegou que, sendo os invocados defeitos necessariamente visíveis e de manifestação anterior a 2012, não teriam sido denunciados antes de 20 de Novembro de 2015, nem teria esta acção sido oportunamente proposta, tendo por isso caducado os direitos reclamados pelos Autores (J. O. e mulher, A. S.).
A Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) impugnou ainda a existência dos defeitos alegados, e defendeu serem exorbitantes os montantes indemnizatórios pedidos.
Por fim, defendendo ter cabido a X - Produtos de Manutenção Isolamentos, Limitada a execução, com total independência, da impermeabilização da habitação e do anexo dos Autores (J. O. e mulher, A. S.), requereu a sua intervenção acessória provocada, por forma a acautelar o seu direito de regresso.

1.1.3. Os Autores (J. O. e mulher, A. S.) responderam à excepção de caducidade, pedindo que fosse julgada improcedente.
Alegaram para o efeito, em síntese, que sendo a empreitada em causa qualificada como de consumo, respeitaram o prazo legal de denúncia de defeitos e de exigência judicial dos mesmos (incluindo quer os surgidos em 2013, quer os reaparecidos ou surgidos em 2015); e tendo todos os defeitos sido reconhecidos pela Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada), sempre estaria impedida a caducidade invocada por ela, bem como agiria agora a mesma em manifesto abuso de direito.

1.1.4. Deferido o incidente de intervenção acessória provocada deduzido pela Ré, e citada X - Produtos de Manutenção Isolamentos, Limitada, a mesma contestou os autos, pedindo para ser absolvida do pedido de regresso formulado contra si.
Alegou para o efeito, em síntese, ter-se limitado a vender à Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) o produto de impermeabilização que considerou tecnicamente mais adequado, tendo-o aquela aplicado por intermédio dos seus próprios trabalhadores, mas de forma desconforme com as indicações que ela própria lhe dera para o efeito.
Mais alegou que os defeitos invocados pelos Autores (J. O. e mulher, A. S.) se deveriam a vícios de construção, exclusivamente imputáveis à Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada), inexistindo pro isso qualquer direito de regresso desta contra si.
Por fim, a Interveniente Acessória (X - Produtos de Manutenção Isolamentos, Limitada) pediu a condenação da Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) como litigante de má fé.

1.1.5. Dispensada a realização de uma audiência prévia, foi proferido despacho: fixando o valor da causa em € 22.283,95; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância, e remetendo o conhecimento da excepção de caducidade para o final da prova a produzir); definindo o objecto do litígio («pretensão dos Autores em ver reparados os defeitos resultantes da empreitada de remodelação levada a cabo pela Ré na sua casa de habitação») e enunciando os temas da prova («a. Os factos relativos à existência dos defeitos no imóvel dos Autores provenientes da empreitada levado a cabo pela Ré», «b. Os factos relativos à data do descobrimento dos defeitos pelos Autores e à data da sua denúncia pelos mesmos à Ré», «c. Os factos relativos ao valor necessário para a reparação dos defeitos elencados», «d. Os factos relativos aos danos morais advindos para os Autores da existência de defeitos no seu imóvel e da actuação da Ré em não repará-los», e «e. Os factos relativos à execução pela Chamada X das obras de impermeabilização do anexo efectuadas no imóvel dos Autores»); apreciando os requerimentos probatórios das partes e designando dia para realização da audiência de julgamento.

1.1.6. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
III. DISPOSITIVO
Face a tudo quanto ficou exposto, nos termos das disposições legais citadas:
a) julgo a presente ação integralmente improcedente e, em consequência, absolvo a Ré dos pedidos contra si formulados;
b) absolvo a Ré do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Custas da ação a cargo dos Autores e do incidente de litigância de má-fé a cargo da Chamada - artigo 527º, nºs 1 e 2, CPC, e artigo 7º, nº4, tabela II, RCP, respetivamente.
Notifique.
(…)»
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1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos

Inconformados com esta decisão, os Autores (J. O. e mulher, A. S.) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que fosse revogada a sentença recorrida, sendo substituída por decisão que condenasse a Ré nos respectivos pedidos.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

1. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, quer em relação à matéria de facto que selecionou e julgou provada e não provada, quer em relação à subsunção da mesma ao direito aplicável.

2. Entendem os Apelantes que o Tribunal a quo não decidiu bem e incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, pois deu como provados e não provados factos, designadamente os constantes dos pontos 9) e j), k), l), m), n) e o) sem considerar nem valorar corretamente a prova produzida, o que determinaria uma decisão diversa, designadamente a procedência da ação e a condenação da Ré B. T. - Sociedade de Construções, Lda no pedido principal ou, subsidiariamente, no pedido alternativo.

3. As interpelações à Ré B. T. vão muito além (tanto em número como em substância) das que foram dadas como provadas nos pontos 9. e 10. dos factos dados como provados, sendo certo que a prova produzida impunha (e impõe) que a factualidade dada como não provada no ponto j) fosse antes dada como provada, assim como impunha (e impõe) que o ponto 9. dos factos provados seja complementado com a indicação ou enumeração de todos os vícios que os Autores constataram em 2013 e não só os respeitantes ao "...muro lateral de vedação junto às escadas..."

4. Ao dar como não provada a factualidade constante do referido ponto j) contradiz a própria motivação da sentença, porquanto faz aí referência aos depoimentos do legal representante da Ré B. T., legal representante da Chamada X e do legal representante da subempreiteira Y (a testemunha M. M.) na parte em que os mesmos revelam conhecimento quanto ao aparecimento dos primeiros defeitos em 2013, denunciados verbalmente pelos Autores.

5. O próprio Tribunal a quo reconhece, na motivação da sentença, que tanto o legal representante da chamada X, como o legal representante da Y (a testemunha M. M.) se deslocaram à habitação dos Autores (em 2013), após a Ré B. T. justificar o atraso no pagamento de facturas em dívida com a existência de defeitos na empreitada realizada na habitação dos Autores.

6. Se assim é, não se entende a razão de o Tribunal a quo ter dado como não provada a factualidade constante do ponto j), porquanto foi demonstrado e provado que foram várias as interpelações dos Autores ao legal representante da Ré, as quais não se limitaram à fissura do muro lateral de vedação junto às escadas.

7. A alteração do ponto j) (dos factos dados como não provados) funda-se, ainda no depoimento prestado pelo legal representante da Chamada X - na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 03/02/2020 (código 20200203112744_5293487_2870580 - Início da gravação: 11:27:44 - Fim da gravação: 12:04:27) - min. 12:56 a 15:25 e no depoimento do legal representante da empresa Y (a testemunha M. M.) - na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 03/02/2020 (código 20200302142927_5293487_2870580 - Início da gravação: 14:29:29 - Fim da gravação: 15:02:06) - min. 10:29 a 12:05.

8. É o próprio legal representante da Ré B. T. quem confessa que, antes mesmo de receber qualquer carta de interpelação por parte dos Autores (em 2015), já havia sido abordado (mormente a partir de 2013), diversas vezes, pelo autor marido que lhe transmitia o aparecimento dos defeitos e lhe exigia a reparação - cfr. depoimento na audiência de discussão e julgamento no dia 03/02/2020 (código 20200203102708_5293487_2870580 - Início da Gravação: 10:27:09 - Fim da Gravação 11:25:45) - min. 08:10 a 09:16; min. 12:03 a 12:35; min. 40:06 a 40:43.

9. Consideram os recorrentes ter sido incorrectamente julgada a matéria de facto dada como não provada no ponto j), porquanto a prova produzida permite concluir precisamente o inverso, ou seja, que, efectivamente, "Os Autores, por diversas vezes, interpelaram verbalmente e por escrito a Ré para correção dos defeitos."

10. Pela relevância que assume, a matéria de facto dada como provada no ponto 9) carece de ser complementada, em respeito à prova produzida, com a existência de todos os defeitos que os Autores constataram em 2013 e não só os respeitantes ao "...muro lateral de vedação junto às escadas..."
11. O Autor, com um conhecimento directo dos factos, descreveu, pormenorizadamente, quais os defeitos que começou a constatar no ano de 2013, não se limitando os mesmos (ao contrário do que o Tribunal a quo deu como provado no ponto 9.) à existência da fissura no muro lateral de vedação junto às escadas - cfr. depoimento na audiência de discussão e julgamento no dia 03/02/2020 (código 20200203120509_5293487_2870580 - Início da gravação 12:05:10 – Fim da gravação 12:31:41) min. 11:11 a 11:40; min. 12:01 a 12:06; min.

12. E tal descrição foi corroborada pelo legal representante da empresa Y (a testemunha M. M.), que afirmou que, em deslocação à habitação dos Autores, que situa no ano de 2013, depois de o legal representante da Ré B. T. justificar o atraso no pagamento das facturas em dívida com a existência de defeitos na empreitada, constatou a presença de defeitos não só ao nível do muro lateral das escadas mas também fissuras ao nível do terraço, bem como humidades na cave por baixo do terraço - cfr. depoimento na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 03/02/2020 (código 20200302142927_5293487_2870580 - Início da gravação: 14:29:29 - Fim da gravação: 15:02:06) - min. 12:35 a 12:43; min. 13:18 a 13:30; min. 13:57 a 15:00; min. 20:04 a 21:26.

13. Se os defeitos que os Autores constataram, no ano de 2013, se resumissem ao aparecimento da fissura no muro lateral de vedação junto às escadas, mal se percebia a razão da deslocação do legal representante da subcontratada Y, enquanto responsável pela impermeabilização do terraço, que nenhuma relação tem com o muro lateral de vedação - cfr. fotografia n.º 11 junta com a PI.

14. Pelo que o ponto 9) deverá (em respeito à prova produzida) passar a ter a seguinte redação:
"9. O muro lateral de vedação junto às escadas, construído pela Ré aquando da construção do anexo, começou a evidenciar uma fissura em toda a sua extensão, bem como começaram a ocorrer infiltrações e aparecimento de humidade na cave por baixo do terraço e nas paredes enterradas, ainda no ano de 2013, o que os Autores comunicaram, verbalmente, à Ré, no mesmo ano."

15. Já a comunicação à Ré B. T. (destes defeitos), resulta do que se expôs quanto à impugnação do ponto j).

16. A matéria de facto dada como provada no ponto 14. e como não provada nos pontos k), l), m), n) e o), a respeito dos danos não patrimoniais sofridos e peticionados pelos Autores, foi incorrectamente julgada.

17. Os danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, em virtude da má execução da empreitada e da conduta da Ré B. T., vão muito além dos meros incómodos e mau estar.

18. As fotografias juntas aos autos com a Petição Inicial, sob os Docs. n.ºs 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24, bem como as constantes do relatório junto sob o Doc. n.º 26, atestam a existência de defeitos que, pela sua gravidade, são susceptíveis não só de impedir a normal utilização da habitação mas também causar aos Autores os danos não patrimoniais invocados.

19. Dá para perceber, claramente, até pelo juízo do homem médio, que os Autores ao verem a sua habitação repleta de defeitos, com fissuras de considerável dimensão e formação de bolores no interior da garagem da habitação por acumulação de humidade (por deficiente impermeabilização do terraço da habitação) tiveram prejuízos efectivos.

20. Também a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, permitiu entender quais os sentimentos sentidos pelos Autores ao vivenciarem toda esta situação - cfr. depoimento da testemunha M. M. na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 03/02/2020 (código 20200302142927_5293487_2870580 - Início da gravação: 14:29:29 - Fim da gravação: 15:02:06) - min. 14:30 a 15:00; min. 16:05 a 17:03, depoimento do legal representante da Chamada X - na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 03/02/2020 (código 20200203112744_5293487_2870580 - Início da gravação: 11:27:44 - Fim da gravação: 12:04:27) - 18:02 a 18:27 e depoimento do Autor - na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 03/02/2020 (código 20200203120509_5293487_2870580 - Início da gravação 12:05:10 – Fim da gravação 12:31:41) - min. 12:49 a 13:27; 14:23 a 15:24.

21. A forma como o Autor marido prestou o seu depoimento e o próprio tom de voz, inculcam toda a revolta e sofrimento sentido com a situação, que continuarão enquanto não forem reparados os defeitos na sua casa de habitação.

22. E não é, minimamente defensável, que todos estes factos traduzam simples incómodos e mau estar com o qual os Autores se devessem resignar.

23. Tratando-se de defeitos numa casa de habitação e dada a extensão e gravidade das consequências, torna-se inexigível aos Autores que suportem os danos apenas com resignação - cfr. Ac. STJ de 18/12/2003 in www.dgsi.pt.

24. Situando-se os danos sofridos pelos Autores longe dos meros incómodos e mau estar, não se limitando à existência dos defeitos, mas à sua permanência no tempo e à conduta de inércia da Ré, que nunca os reparou, a matéria de facto dada como não provada nos pontos k), l), m), n) e o) deve ser antes dada como provada.

25. Dando-se tal factualidade como provada, temos um quadro de sofrimento psicológico que atinge a gravidade justificadora da indemnização peticionada pelos Autores.

26. Por força do ocorrido, a Ré B. T. colocou os Autores num permanente estado de frustração, desgosto, revolta, tristeza, preocupação e receio não só por verem a sua habitação repleta de defeitos, depois de pagarem quase 50 mil euros à Ré, e vendo que esta nada fez não obstante as sucessivas interpelações (verbais e escritas) para correcção dos mesmos, mas também por se verem limitados na utilização da sua habitação.

27. Procedendo a impugnação da matéria de facto, porquanto ficou amplamente demonstrada não só a existência de interpelações sucessivas por parte dos Autores à Ré B. T. para correcção dos defeitos e incumprimento, persistente, desta na sua obrigação de correcção dos mesmos, bem como a existência dos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, deverá a Ré B. T. ser condenada nos respectivos pedidos, julgando-se totalmente procedente a acção proposta pelos Autores.

28. Mesmo na hipótese, que não se concebe, da impugnação da matéria de facto improceder, entendem os apelantes que mesmo que se mantivesse inalterada a matéria de facto, sempre a acção teria que proceder, se o Tribunal não tivesse incorrido em errada aplicação do direito.

29. Conforme resulta dos factos dados como provados nos pontos 1, 2 e 3, foi celebrado entre os Autores e a Ré B. T. - Sociedade de Construções, Lda. um contrato de empreitada, que se enquadra no regime da empreitada de consumo regulada pelo DL n.º 67/2003, de 8 de Abril.

30. Atenta a factualidade dada como provada nos pontos 4, 6, 7, 8, 9, 11, 19 e 21, dúvidas não restam que foi feita prova, que incumbia aos Autores, da existência de vícios na obra realizada pela Ré, bem como o custo para a sua reparação (ponto 13.).

31. Verificada a existência dos invocados vícios, presume-se a culpa do empreiteiro (neste caso a Ré) que, nos termos do artigo 799º do CC, tem o ónus de provar que o cumprimento defeituoso não lhe é imputável (cfr. neste sentido, entre outros os Acórdãos do STJ de 1/07/03 e Tribunal da Relação do Porto de 19/03/07 e de 24/05/07, todos em www.dgsi.pt).

32. Presumindo-se a culpa da ré no cumprimento da prestação, de acordo com o acima exposto, também se conclui que a ré não logrou afastar a presunção e fazer a prova que lhe competia nos termos do artigo 799º do Código Civil, ou seja, a prova de que não teve culpa da ocorrência destes defeitos.

33. Pelo que os Autores tinham (e têm) os direitos consagrados no art.º 4 do DL n.º 67/2003, de 8 de Abril.

34. O entendimento do Tribunal a quo, apesar de baseado em premissas diferentes (fazendo referência à independência e livre exercício dos direitos constantes do art.º 4 do DL 67/2003), é de que os Autores não respeitaram a sequência prevista nos artigos 1221º e 1222º do Código Civil e, por isso, o seu pedido de condenação da Ré à reparação de defeitos, por terceiro, ou, em alternativa, o pedido de condenação da Ré ao pagamento da quantia necessária à reparação desses mesmos defeitos, não poderia proceder, por não ter sido assegurado, à Ré, o direito de os reparar pelos seus próprios meios.

35. E é, precisamente, nesta questão que radica a discordância dos Recorrentes quanto ao entendimento acolhido pelo Tribunal a quo que, salvo o devido respeito, não atende às especificidades do caso dos autos e acarreta uma clamorosa situação de injustiça e de violação da própria ratio legis do DL 67/2003, conforme se irá demonstrar infra.

36. Conforme resultará do ponto 9 dos factos provados (no pressuposto de ser julgada procedente a impugnação da matéria de facto), no ano de 2013 surgiram defeitos na obra realizada pela Ré, defeitos esses que, prontamente, os Autores comunicaram à Ré.

37. Do mesmo passo que, conforme resulta do ponto 10 dos factos provados, os Autores, em 20 de Novembro de 2015, remeterem à Ré uma missiva (entregue em 23 de Novembro de 2015) comunicando o agravamento dos defeitos surgidos em 2013 e o aparecimento de novos defeitos (os elencados no ponto 6. dos factos provados).

38. Concedendo à Ré prazo para visita e realização das obras necessárias à correcção dos defeitos.

39. E, conforme resultou demonstrado, nem a Ré procedeu a qualquer obra de reparação (ponto c) dos factos não provados, a contrario) nem sequer respondeu à referida missiva.

40. Conforme se decidiu no douto acórdão do STJ de 10/07/2008 (relator Fonseca Ramos, disponível em www.dgsi.pt) aos casos de urgência na reparação dos defeitos são de equiparar os outros casos em que o empreiteiro não realizou essa reparação em tempo razoável.

41. A Ré, devidamente interpelada para o efeito, não procedeu à reparação dos vícios existentes na empreitada, nunca mais regressando ao imóvel para reparar os defeitos, apesar das constantes interpelações feitas pelos Autores (cfr. decorre do próprio depoimento do legal representante da Ré na audiência de discussão e julgamento no dia 03/02/2020 (código 20200203102708_5293487_2870580 - Início da Gravação: 10:27:09 - Fim da Gravação 11:25:45) - min. 08:10 a 09:16; min. 12:03 a 12:35; min. 40:06 a 40:43).

42. Sendo, assim, legítimo que os Autores já não esperassem que a Ré viesse a reparar ou a substituir os trabalhos e estando irremediavelmente comprometida a sua confiança na Ré, evidentemente, fruto da sua actuação.

43. A Ré teve oportunidade de exercer o seu direito de ser ela a eliminar os defeitos e, não o tendo feito em prazo razoável, e após sucessivas interpelações, é legítimo aos Autores peticionarem que a reparação seja realizada por terceiro às custas da Ré ou, em alternativa, que seja a Ré condenada a pagar quantia necessária à referida reparação.

44. Conforme se decidiu no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-03-2012 no proc. n.º 31182/11.5YIPRT.G1 "Desde que os factos revelem, inequivocamente, a falta de vontade do empreiteiro em eliminar os defeitos da obra, esta sua recusa em fazê-lo configura uma situação de incumprimento definitivo, não havendo, por isso, necessidade de converter a mora em incumprimento definitivo, seja mediante interpelação admonitória, seja perante a declaração de perda de interesse na prestação, nos termos do art. 808º do C. Civil."

45. No depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento pelo legal representante da Ré B. T., é manifesta a sua indisponibilidade/recusa e, até, falta de capacidade para eliminar os defeitos verificados e denunciados - cfr. depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 03/02/2020 (código 20200203102708_5293487_2870580 - Início da Gravação: 10:27:09; Fim da Gravação 11:25:45) - min. 12:03 a 12:25; min. 40:06 a 40:43.

46. Não obstante o legal representante da Ré B. T. ter afirmado a incapacidade daquela para solucionar os defeitos decorrentes da empreitada, alegando não existir solução para a correcção dos defeitos, tal versão foi contrariada pelos Senhores Peritos, em audiência de discussão e julgamento, que afirmaram que os defeitos em causa decorrem, desde logo, da, errada, técnica que a Ré aplicou (ao arrepio das soluções mais onerosas que orçamentou), não se tratando de defeitos incorrigíveis, desde que as correcções sejam executadas de acordo com as boas regras da arte - cfr. declarações dos senhores peritos na audiência de discussão e julgamento realizada em 03/02/2020 (código 20200203142038_5293487_2870580 - Início da Gravação 14:20:39; Fim da Gravação 16:17:35) - min. 33:06 a 38:25.

47. Em virtude dos defeitos verificados, à recusa e incapacidade evidenciada pela Ré para os solucionar, esta, faltou culposamente ao cumprimento do contrato, incumprimento que, numa apreciação objectiva do caso concreto, se tem por definitivo (artigo 808º do Código Civil), sendo lícito aos autores, contraentes não faltosos, resolver o contrato, sem necessidade de nova interpelação, e peticionar que a reparação fosse realizada por terceiro a expensas da Ré ou, em alternativa, a condenação da Ré ao pagamento do valor necessário à reparação - a este respeito o douto Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-07- 2010 no proc. n.º 550/05.2TBCBR.C1.

48. Consubstanciando, o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, uma clamorosa situação de injustiça, premiando a inércia da Ré e dando lugar a um perigoso precedente em que permite ao empreiteiro contar com o amparo das decisões judiciais para lhe conceder um, renovado e em prazo diferido, direito à reparação pelos seus próprios meios.

49. Pondo os Autores numa situação de absoluta indefesa, sem poder fazer valer os seus direitos em eventual nova acção, atenta a absolvição do pedido e a existência do prazo de caducidade dos seus direitos (sem possibilidade de aproveitamento dos efeitos civis da presente acção, nos termos dos mecanismos previstos no art.º 332 n.º 1 do Código Civil e 279 n.º 2 do Código de Processo Civil).

50. Traduzindo-se numa, evidente, violação dos seus direitos enquanto consumidores, em manifesto desrespeito pela ratio legis do Decreto Lei n.º 67/2003 e pondo em causa interesses de particular relevância social.

51. Enquanto que no regime previsto no código civil vigoram regras relativamente rígidas que estabelecem várias relações de subsidiariedade e de alternatividade os direitos conferidos ao comprador, que limitam e condicionam o seu exercício, no âmbito do Decreto Lei n.º 67/2003 os direitos do comprador/consumidor são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (cfr. art. 4 n.º 5 do DL 67/2003).

52. Pelo que, conforme vem sendo entendimento da jurisprudência, o direito indemnizatório, na compra e venda/empreitada de consumo, como é o caso, não tem uma configuração meramente subsidiária e residual, como a prevista no Código Civil, podendo antes ser “livremente” exercido/peticionado pelo comprador/dono da obra consumidor, desde que sejam observadas as exigências da boa fé, dos bons costumes e da sua finalidade socioeconómica (desde que sejam respeitados os limites impostos pela figura do abuso de direito – art. 334.º do C. Civil) - neste sentido o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 05-05-2015 no proc. 1725/12.3TBRG.G1.S1; o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-02-2019, no proc. n.º 995/16.2T8BGC.G2 e ainda o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-02-2016 no proc. n.º 12/14.7TBAGN.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

53. Os Autores, tendo-se deparado com a existência dos defeitos, trataram de os comunicar, sucessivamente, à Ré (nos termos, nas condições e no contexto que resulta da factualidade dada como provada nos pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9 – que carece de ser complementado - 10, 11, 19 e 21) requerendo a sua reparação e concedendo (e aguardando) prazo para o efeito.

54. Sendo que, apenas 9 meses depois de remeterem a denúncia (escrita e formal) à Ré (cfr. ponto 10 dos factos dados como provados) propuseram, em Setembro de 2016 a presente acção em Tribunal.

55. E porque Autores já não esperavam, legitimamente, que a Ré viesse a reparar ou a substituir os trabalhos e estando irremediavelmente comprometida a sua confiança na Ré, peticionaram que a mesma fosse condenada a corrigir os defeitos por intermédio de terceiro ou, em alternativa, condenada a pagar o valor necessário à reparação desses vícios.

56. Os Autores agiram, assim, de forma adequada e consentânea com o padrão de actuação que qualquer homem médio, colocado nas mesmas condições, actuaria.

57. Não houve, da parte dos Autores, nem o comportamento destes demonstra, qualquer omissão da diligência exigível e merecedor de reprovação, muito pelo contrário.

58. Há todo um circunstancialismo que o Tribunal a quo decidiu ignorar, premiando a actuação da Ré, essa sim abusiva e reprovável.

59. O Tribunal a quo "premiando" a inércia da Ré na correcção dos defeitos (oportunamente comunicados pelos Autores) entendeu que, por não se verificarem quaisquer circunstâncias excepcionais (declaração de não reparação ou substituição, de transformação da mora em incumprimento definitivo ou de urgência da reparação dos defeitos - circunstâncias essas que, conforme se demonstrou supra, não é exigível a sua verificação) não podiam os Autores peticionar o valor necessário à reparação dos defeitos sem antes conceder à Ré o direito de os corrigir pelos seus próprios meios.

60. Direito esse que, de resto, em momento algum a Ré manifesta pretender exercer (veja-se o teor da sua Contestação, em que até a data em que foi concluída e entregue a obra a Ré colocou em causa, com vista a frustrar-se à sua responsabilidade - mas cuja versão se demonstrou ser falsa), antes se refugiando na ideia de que nenhum defeito existia e que, a existir, estava caducado o direito dos Autores a exigir a sua reparação (quer uma tese, quer outra, não foram demonstradas).

61. Não tendo a Ré B. T. eliminado os defeitos, não obstante sucessivamente notificada pelos Autores para o efeito, e havendo recusa em proceder à reparação devida (e incapacidade manifesta), ocorreu o incumprimento definitivo e não já simples mora, pelo que podiam os Autores resolver o contrato de empreitada, não tendo que fixar um novo prazo admonitório para cumprimento, pois a mora já se havia transformado em incumprimento definitivo - cfr. entendimento sufragado no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-03-2012 no proc. n.º 31182/11.5YIPRT.G1.

62. E, dessa forma, estavam os Autores legitimados a peticionar que a Ré fosse condenada a proceder à reparação, por terceira pessoa ou, em alternativa, a indemnizá-los em valor equivalente à quantia necessária à reparação.

63. Pelo exposto, impõe-se a revogação da douta sentença recorrida, a qual deve ser substituída por decisão que condene a Ré B. T. nos respectivos pedidos.

64. A sentença recorrida violou, além do mais, o disposto nos artigos 334, 496, 762, 799, 808, 1221, 1222 todos do Código Civil, artigos 1 e 4 do Decreto Lei n.º 67/2003 de 08/04 e artigos 412 e 413 do Código de Processo Civil, razão pela qual deve ser revogada.
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1.2.2. Contra-alegações

A (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) contra-alegou, pedindo que a apelação fosse julgada improcedente, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.

Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

1 - A douta sentença recorrida deve ser mantida uma vez que nela se faz adequada interpretação dos factos e correta aplicação do direito.

2 - No nosso entender, a douta sentença da qual o réu/recorrente discorda, está plenamente fundamentada de acordo com a (toda) prova produzida em julgamento, tendo sido minuciosamente apreciada e conjugada com as regras da experiência comum, não padecendo de nenhum vício ou obscuridade.

a) Do recurso da matéria de facto:

3 - Quanto à pretendida alteração à resposta à matéria de facto, diga-se que seria necessário que a Recorrente demonstrasse, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, o que não fez.

4 - Depois, nos termos da 1ª parte do art. 607.º n.º5 do Código de Processo Civil, “O Juiz aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.

5 - No caso vertente, foi possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal a quo, num sentido e não noutro e, bem assim, porque é que o tribunal teve por fiável determinado meio de prova e não outro.

6 - A sentença recorrida contém os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos em discussão, ou seja, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal colectivo num determinado sentido, cuja fundamentação acima se transcreveu.

7 - A sentença em crise não enferma de qualquer erro notório na apreciação da prova, pelo que inexiste fundamento para a pretendida pelos Recorrentes alteração à resposta à matéria de facto.

8 - A verdade é que o Tribunal da Relação só deve alterar a decisão recorrida perante uma situação probatória de imposição de decisão diversa, como decorre, clara e inequivocamente, do disposto no nº 1 do art.º 662º, do CPC; ou seja, quando se verifique, relativamente a cada facto impugnado, uma prova impositiva, determinante, que torne imperioso o afastamento do facto segundo as boas regras da apreciação da prova.

9 - Não existe fundamento legal para a alteração da resposta aos factos dados como provados e não provados nos pontos 9) e j), k), l), m), n) e o), porquanto a decisão da matéria de facto, para além de não enfermar de erro notório e evidente, foi proferida em respeito pelo princípio da livre apreciação da prova e resultou da conjugação da prova documental, testemunhal e pericial, produzida na audiência de julgamento, apreciada à luz das regras da experiência comum e de normalidade.

10 - Ora, os recorrentes, nas conclusões, não deram indicação de qualquer prova que sustente aquela margem de dúvida ou faça questionar, por qualquer forma, os factos dados como provados.

11 - No fundo, a discordância dos recorrentes radica no seu inconformismo face ao modo como o Tribunal valorou a prova, valoração essa, livremente formada e fundamentada.

12 - Entendem os Autores/recorrentes, que as interpelações à Ré B. T. vão muito além das que foram dadas como provadas nos pontos 9 e 10 dos factos dados como provados, sendo que a prova produzida impunha que a factualidade dada como não provada no ponto j) fosse dada como provada.

13 - Porém, com o devido respeito, não assiste razão aos Autores/recorrentes.

14 - Aliás, de uma leitura simples e clara, quer da motivação do Tribunal a quo, quer da transcrição integral dos depoimentos supra referidos, é visível que a tese defendida pelos Autores, quanto à alegada existência de várias interpelações verbais à Ré, não passa de uma falácia, condizente com uma absoluta distorção do conteúdo dos aludidos depoimentos.

15 - O legal representante da Ré, admitiu que o Autor lhe falou da existência de humidade na parede da garagem, pelo que disse ao legal representante da X para ir à obra resolver o problema, o que, teria acontecido, uma única vez que, tanto mais que, não foi mais contactado a esse propósito.

16 - Ora, apesar da animosidade latente entre o legal representante da Ré, e o legal representante da X, este último veio corroborar a versão trazida aos autos daquele, admitindo que na sequência de atrasos no pagamento por parte da Ré, o legal representante desta, falou-lhe em defeitos no trabalho efectuado na casa dos Autores, pelo que, o legal representante da X, deslocou-se à casa dos mesmos para proceder à reparação, em virtude dessa comunicação.

17 - Além de que, não se retira do depoimento do legal representante da X, que depois dessa deslocação à habitação dos Autores, onde procedeu à reparação desses defeitos, os mesmos, posteriormente, se tivessem queixado novamente de que a obra possuía defeitos.

18 - O mesmo se diga, relativamente ao depoimento da testemunha M. M., legal representante da Y, que confirmou que o legal representante da Ré, por missiva, o informou que se recusava a efetuar uns pagamentos que alegadamente lhe devia de uns trabalhados, uma vez que, o trabalho em casa dos Autores não estava bem executado, admitindo o mesmo que, com base nessa missiva que recebeu, se dirigiu com a mesma à habitação do Autor, pedindo para averiguar se era da sua responsabilidade tais defeitos.

19 - Ou seja, de nenhum dos depoimentos, se consegue alcançar a interpretação ampla e abusiva, de que os Autores fizeram várias interpelações verbais à Ré, sobre a existência dos alegados defeitos.

20 - Portanto, contrariamente ao defendido pelos Autores/recorrentes, não se vê como é que a factualidade dada como não provada no ponto j), contraria a motivação da sentença recorrida, pois em momento algum, lograram provar a existência de sucessivas comunicações por parte dos Autores, para além das constantes na factualidade dada como provada em 9) e 10).

21 - Pelo que, bem andou o Tribunal recorrido ao dar como não provado o facto constante da alínea j).

22 - Ainda, a respeito do ponto 9), os Autores/recorrentes entendem que, o mesmo carece de ser complementado com a existência de todos os vícios que os Autores constataram em 2013, e não só os respeitantes ao “…muro lateral de vedação junto às escadas…”.

23 - Para o efeito, os recorrentes socorrem-se dos depoimentos do Autor e da testemunha M. M., porém, os recorrentes fazendo uso de artifício evidente, transcrevem de forma truncada e incompleta, pequenos excertos cirurgicamente seleccionados em função dos seus interesses, sem os enquadrar na matéria de facto sob censura, fazendo e tirando conclusões totalmente descontextualizadas.

24 - Porém, não é isso que se retira dos mesmos devidamente interpretados na sua totalidade.

25 - E, não podemos olvidar que, como concluiu o Tribunal recorrido, as declarações do Autor, foram naturalmente interessadas, revelando-se um depoimento, pouco espontâneo e objectivo no esclarecimento das circunstâncias do caso concreto, relevando apenas aquilo que poderia de alguma forma ser corroborado pela demais prova.

26 - E, quanto à testemunha M. M., é certo que o mesmo referiu a existência de outros defeitos, porém, tais defeitos não foram reportados ao ano de 2013, como falaciosamente pretendem dar a entender os Réus/recorrentes, mas antes em 2016, ou seja, já depois da comunicação escrita feita em 2015, onde efectivamente, são discriminados mais defeitos, do que aqueles que resultam da comunicação verbal feita em 2013.

27 - Convém ressalvar que, a factualidade dada como provada no ponto 9), resultou da conjugação da prova produzida na audiência de julgamento, nomeadamente, das declarações do Autor, declarações dos representantes das empresas X e Y, que se deslocaram à obra, bem como dos relatórios e fotogramas juntos em 2016 no ano da propositura da acção, e 2018, altura da deslocação dos peritos à obra, pelo que não merece qualquer juízo de censura.

28 - De todo o modo, sempre se dirá que, em caso de procedência da impugnação da matéria de facto quanto ao ponto 9), nos termos propugnados pelos Autores/recorrentes, sempre a acção teria de improceder, por se verificar a caducidade da acção, já que, os Autores/recorrentes tinham 1 ano para intentar a acção, desde a denúncia dos defeitos, sendo certo que, só o vieram a fazer em setembro de 2016.

29 - Outrossim, os Autores/recorrentes insurgem-se quanto à matéria de facto dada como provada no ponto 14 e da matéria de facto dada como não provada nos pontos k), l), m), n) e o), por entenderem que os danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, em virtude da má execução da empreitada e da conduta da Ré/recorrida, vão muito além dos meros incómodos e mau estar.

30 - A este propósito, os recorrentes, alegam que a prova de sentimentos subjectivos negativos, é praticamente impossível, admitindo, contudo, logo de seguida que, nestes casos, ou a vítima se queixa em voz alta e publicamente, ou então recorre a médico ou psicólogo, para procurar obter um qualquer relatório ou atestado, ou então vê-se confrontado com “não logrou demonstrar”.

31 - Ou seja, são os próprios Autores/recorrentes, que admitem a possibilidade de se fazer prova quanto aos danos morais, seja através dos normais desabafos que eventualmente pudessem ter com vizinhos ou familiares (prova testemunhal), seja através de doença comprovada por relatório ou atestado médico (prova documental).

32 - O certo é que, os Autores/recorrentes não lograram demonstrar, de nenhuma das formas, a existência de danos morais, que mereçam a tutela do direito.

33 - Aliás, atendendo às regras da experiência comum e do normal acontecer, se fosse tão evidente que a situação dos autos lhes causou desgosto, tristeza, frustração, estes tivessem partilhado a angústia em que viviam, por não verem a situação resolvida.

34 - Porém, estranhamente, os Autores/recorrentes, não arrolaram uma única testemunha que confirmasse o seu estado de espírito relativamente a esta situação.

35 - Como é óbvio, e como doutamente concluiu o Tribunal recorrido, o facto de os Autores terem habitado a casa com os defeitos existentes, provocou alguns incómodos e aborrecimentos, mas não têm a gravidade que os recorrentes lhe pretendem atribuir.

36 - Tanto assim é que, os Autores/recorrentes, apesar dos aludidos defeitos, nunca deixaram de habitar a casa, o que denota que tais defeitos não eram assim tão graves, ao ponto de os impedir de utilizar normalmente a habitação.

37 - Outrossim, não podem de modo algum os recorrentes fazer crer a este Tribunal que, viviam preocupados que a aludida casa desabasse, quando nunca saíram da mesma, nem procuraram outra para arrendar.

38 - Além de que, se esta situação afectasse profundamente os Autores, nomeadamente, se os mesmos andassem desgostos, tristes e com enorme preocupação, certamente que os Autores/recorrentes, teriam tido a necessidade de recorrer a um psicólogo ou até de um médico, para amenizar de alguma forma este estado depressivo ou de ansiedade, o que também não é o caso.

39 - De todo o modo, sempre se dirá que, as passagens dos depoimentos transcritos pelos Autores, para dar como provada a factualidade referente aos danos morais, nomeadamente, da testemunha M. M., do legal representante da Chamada X, bem como das declarações do Autor, são mais uma vez, um engodo, complementada por uma interpretação deturpada dos mesmos.

40 - Assim, dessa prova referida, resulta que a convicção do julgador, expressa na decisão da matéria de facto, tem sustentabilidade, sendo razoável, aceitável, sendo por isso compreensível o modo como fixou tal matéria de facto, não se mostrando, por outro lado, infirmada por outra prova de apreciação livre suficientemente convincente.

41 - Em face de tudo o precedentemente exposto, as alegações dos Recorrentes são totalmente destituídas de fundamento, uma vez que não apontam qualquer erro na obtenção dos dados fornecidos pela prova.

42 - Pelo que, os factos constantes do facto dado como provado no número 9, e dos factos dados como não provados nas alíneas j), k), l), m), n) e o), devem manter-se inalterados.

43- Em suma, bem andou o Tribunal da 1ª instância.

b) Do recurso da matéria de direito:

44- Sobre a qualificação do contrato, não existe qualquer dissenso no sentido de que as partes celebraram um contrato de empreitada cujo regime se encontra previsto nos artigos 1207.º a 1228.º do CC.

45- No entanto, como se alertou na sentença recorrida, o contrato de empreitada em análise, por ter sido celebrado no âmbito da actividade profissional da Ré, a contraparte, aqui Autores, a quem foram prestados os serviços destinados a uso não profissional, deve ser qualificada de consumidor à luz do artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96 de 31 de Julho (Lei da Defesa do Consumidor) e do artigo 1.º-B, al. a) do Dec.-Lei n.º 67/2003 de 08 de Abril, alterado pelo Dec.-Lei n.º 84/2008 de 21.05.

46 - Ao denominado contrato de empreitada de consumo é aplicável o regime especial decorrente do referido Dec.-Lei n.º 67/2003 de 08 de Abril (art. 1.º-A, n.º 2) e, subsidiariamente, as disposições acima mencionadas do Código Civil.

47- Neste conspecto, invocando o dono da obra, a existência de vícios na empreitada, que excluam ou reduzam a sua aptidão para o uso a que se destina, incumbe-lhe a respectiva prova, por força do art. 342º, nº1 e nº2 do CC.

48 - Sucede que, contrariamente ao defendido pelos Autores/recorrentes, não ficou demonstrado que a existência de todos vícios/defeitos na obra, fossem da responsabilidade da Ré B. T., ou seja, nunca a presente acção dos Autores/recorrentes podia proceder integralmente.

49 - De facto, aquando da denúncia, não podia a Ré/recorrida assumir os defeitos na sua totalidade, e consequentemente eliminá-los, quando os mesmos ainda eram indefinidos, ou seja, a Ré não sabia se tais defeitos na obra, eram ou não da sua responsabilidade, ou se tal responsabilidade era imputável a terceiros (X ou Y), como aliás, lhes comunicou, ou se eventualmente, resultavam de problemas provindos da construção da própria habitação, como se veio a verificar.

50 - Repare-se que, resultou da prova pericial (peritos dos Autores e Tribunal e peritos dos Réus), que grande parte dos defeitos existentes na habitação dos Autores, são de natureza estrutural da casa, à excepção da humidade nas paredes e parte do tecto e garagem e a fissura horizontal na platibanda lateral do terraço (cfr. facto provado em 20), e que não foi impugnado pelos Autores/recorrentes.

51 - Ou seja, os Autores, pretendiam, como ainda pretendem, obter uma reparação total da habitação, quando na verdade, muitos dos defeitos existentes, nem sequer são da responsabilidade da Ré, mas sim originários da própria construção da casa, e que, como os próprios peritos confirmaram, poderão voltar a surgir futuramente.

52 - Por outro lado, acompanhamos a douta sentença recorrida, quando concluiu que, os Autores/recorrentes ao peticionarem, a reparação de defeitos através de terceiro, ou em alternativa, o pedido de condenação da Ré ao pagamento da quantia necessária à reparação desses mesmos defeitos, não respeitaram a sequência prevista nos artigos 1221º e 1222º do CC, pelo que, os pedidos não poderiam proceder, por não ter sido assegurado, à Ré/recorrida, o direito de os reparar pelos seus próprios meios. (cfr. Ac. TRG do Porto, de 16/05/2016 e Ac. TRG de 12/07/2016, disponíveis em www.dgsi.pt).

53 - Nos termos do n.º 5 do artigo 4.º do Decreto-Lei 67/2003, o consumidor pode exercer qualquer dos direitos aí previstos (reparação, substituição, redução do preço ou resolução) indiscriminadamente, salvo se tal se manifestar impossível ou se constituir abuso de direito, nos termos gerais.

54- Todavia, o consumidor (dono da obra) não pode pedir, sem mais, a indemnização referente ao custo da reparação, dos defeitos existentes nos trabalhos executados, estribado no artigo 12.º da Lei 24/96, de 31/7 (Lei de Defesa do consumidor), já que os direitos de indemnização estabelecidos no citado normativo destinam-se a obter outros ressarcimentos, nomeadamente lucros cessantes e danos emergentes.

55 - Só em especiais circunstâncias, como são os casos, que a jurisprudência vem admitindo, de declaração de não satisfação da reparação ou substituição da coisa, de transformação da mora da vendedora em incumprimento definitivo ou de urgência da reparação dos defeitos, o consumidor (dono da obra) pode pedir a indemnização referente ao custo da reparação.

56 - Portanto, o que se impõe é que o consumidor (dono da obra) alegue as razões pelas quais desiste do programa contratual ou das possibilidades da sua reposição do modo mais “reconstituinte” possível.

57 - Vêm agora, os Autores/recorrentes, alegar em sede recursiva, que se tratava de reparação urgente, ou pelo menos equiparada, uma vez que a Ré não realizou a reparação em tempo razoável.

58 - O certo é que, essa urgência na reparação nunca antes foi alegada, nem sequer provada, sendo certo que, cabia aos Autores/recorrentes, alegar e provar a aludida urgência, dando prazo de reparação à Ré, o que nunca aconteceu.

59 - Repare-se que no caso dos autos, não se verifica qualquer situação de urgência a justificar quer a acção directa, quer o estado de necessidade – cfr. arts. 336º e 339.º do Cód. Civil.

60 - Com efeito, se é certo que existem humidades na moradia edificada, e fissuras no muro lateral, também é certo que não se provou que os AA./recorrentes vivam em sobressalto ou que exista algum risco de desabamento da aludida casa, nada evidenciando que, de alguma forma, esteja comprometida ou em risco a utilização diária, em termos correntes, da moradia em apreço.

61 - Aliás, é de referir que os próprios AA. não procederam, até à data, à respectiva reparação dos defeitos em causa (avisando disso previamente a Ré) como seria normal e expectável caso se tratasse de defeitos verdadeiramente urgentes, impeditivos da quotidiana e usual utilização do imóvel. (Cfr. Ac. TRG de 12/07/2016, do relator Jorge Seabra).

62 - Decorre, do exposto que os Autores não alegaram, como lhes competia, uma situação de urgência de forma a justificar o pedido imediato de condenação no custo das reparações e não na eliminação dos defeitos a cargo da Ré B. T..

63 - Destarte, o pedido que os Autores teriam que haver formulado seria o da condenação da Ré a reparar, pelos seus próprios meios, tais defeitos e não a sua imediata condenação no custo da reparação a implementar por terceiro.

64 - O que significa igualmente que a Ré não se encontra juridicamente obrigada ao pagamento desse mesmo custo, sem que previamente lhe tivesse sido exigida, pela forma processual adequada, a reparação/eliminação dos ditos defeitos.

65 - Pelo que, e em concordância com o defendido na douta decisão recorrida, os pedidos formulados pelos Autores/recorrentes, sem ter sido concedida à Ré essa alternativa de proceder à reparação pelos seus próprios meios, têm de improceder.

i. Dos danos morais

66 - A propósito do dano não patrimonial dispõe o artigo 496.º, n.º 1 do C.C. que, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

67 - A gravidade do dano há-se medir-se, em geral, por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deve ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso, e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada) (cfr. Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, vol. I, 9.ª ed., p. 628).

68 - Salientou-se, pois, a inoperância, em geral, de puros elementos subjectivos (Almeida e Costa in Direito das Obrigações, 9.ª ed., p. 552).

69 - O que se pretende é afastar pretensões que converteriam meros incómodos, pequenas contrariedades, em danos juridicamente relevantes.

70 - Só são indemnizáveis os danos que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral.

71 - Os meros transtornos, incómodos, desgostos e preocupações, cuja gravidade e consequências se desconhecem, não podem constituir danos não patrimoniais ressarcíveis.

72 - Todavia, por exemplo, incómodos que causam uma depressão nervosa não podem considerar-se mera contrariedade, sendo ressarcíveis (cfr. Ac. da R.L. de 20-10-2005 in www.dgsi.pt.).

73 - Sucede que, no caso dos autos, a factualidade dada como provada, não foi além, dos meros incómodos e mau estar sofridos pelos Autores, não tendo os mesmos provado, fosse através de prova testemunhal, fosse através de prova documental (por exemplo atestado médico ou de psicólogo), que tivessem ficado profundamente afectados com a situação descrita.

74 - Pelo que, o pedido de compensação por danos não patrimoniais, também deve improceder, conforme decidiu o Tribunal recorrido.

ii. Da litigância de má-fé

75 - Como é sabido, o recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sendo certo que, no caso dos autos, os Autores/recorrentes, não questionaram a bondade da decisão do Tribunal a quo, que concluiu não condenar a Ré B. T. como litigante de má-fé.

76 - Não tendo os recorrentes, impugnado tal decisão no recurso de apelação, significa que, não só concordaram, como se conformaram com a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância quanto a esta questão.

77 - Pelo que, quanto à questão da litigância de má-fé, a decisão já transitou em julgado, não podendo a mesma ser alterada.

78 - Por todo o supra explanado, não violou o tribunal recorrido qualquer disposição legal, pelo que a douta sentença recorrida não merece a censura que lhe é feita, devendo o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se aquela, na íntegra.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

2.2.1. Questões incluídas no objecto do recurso

Mercê do exposto, 02 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:

1.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque a mesma

. não permitia que se desse como demonstrado, com a sua exacta redacção, o facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 9 («O muro lateral de vedação junto às escadas, construído pela Ré aquando da construção do anexo, começou a evidenciar uma fissura em toda a sua extensão, ainda no ano de 2013, o que os Autores comunicaram à Ré, no mesmo ano»);

. e impunha que se dessem como demonstrados os factos não provados enunciados na sentença recorrida sob a alínea j) («Os Autores, por diversas vezes, interpelaram verbalmente e por escrito a Ré para correcção dos defeitos – tendo-se provado apenas o referido em 10.»), sob a alínea k) («Os Autores sentem-se frustrados, profundamente desgostosos, revoltados e tristes por terem de viver na casa no estado em que se encontra»), sob a alínea l) («As deficiências verificadas impedem a normal utilização da habitação e anexo, vão-se acentuando a cada dia que passa e afectam actualmente toda a moradia e anexo»), sob a alínea m) («As fissuras existentes na varanda posterior da habitação causam aos Autores enorme preocupação, estando receosos de que a mesma possa desabar»), sob a alínea n) («Os Autores perderam o gosto e afeição à sua casa») e sob a alínea o) («Os defeitos existentes acarretam perigos para a saúde dos Autores e sua família»)?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do direito (nomeadamente, considerando que os Autores continuam obrigados a pedir primeiro a condenação da Ré na reparação dos defeitos verificados na obra por ela realizada), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (face ao prévio sucesso da impugnação de facto feita, mas também de forma independente dele), por forma a que se julgue a acção totalmente procedente ?
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2.2.2. Questões excluídas do objecto do recurso

Precisa-se, e a propósito das questões enunciadas como estando submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem, que do respectivo elenco se encontra necessariamente excluída a pertinente à caducidade dos direitos aqui invocados pelos Autores (J. O. e mulher, A. S.).
Com efeito, tendo sido essa excepção peremptória suscitada desde logo na contestação apresentada pela Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada), foi conhecida e julgada improcedente na sentença recorrida. Ora, nem os Autores recorreram (ou mesmo poderiam recorrer) desse segmento da sentença, nem a Ré o fez, em sede de ampliação do âmbito daquele recurso.
Lê-se, a propósito, no art. 636.º, n. º 1 do CPC, que, no «caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação».
Compreende-se que assim seja, já que, «em tais circunstâncias a parte não tem legitimidade para recorrer, uma vez que quando se estabelece o confronto entre a decisão e a acção ou a defesa não é vencida». Contudo, «se acaso o tribunal ad quem reconhecer razão aos fundamentos invocados pelo recorrente, pode revelar-se importante para a defesa dos interesses do recorrido que também se pronuncie sobre as questões que oportunamente esgrimiu e que foram objecto de resposta desfavorável» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Junho de 2013, págs. 90 e 91).
Logo, pode e deve «suscitar nas contra-alegações do recurso a reapreciação dos fundamentos em que tenha decaído, prevenindo os riscos de uma eventual resposta favorável do tribunal de recurso às questões que tenham sido suscitadas pelo recorrente ou mesmo a outras questões de conhecimento oficiosos (sobre o modo, cf. STJ 16-11-17, 768/08)» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 763).
Assim, e face à inércia da Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada), o julgamento de improcedência da excepção peremptória de caducidade arguida por ela na sua contestação transitou em julgado; e, desse modo, não pode mais ser aqui sindicada (arts. 619.º, n.º 1 e 628.º, ambos do CPC).
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1.ª Instância
3.1.1. Factos Provados

Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos:

1 - B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada (aqui Ré) é uma sociedade unipessoal por quotas, com a construção, reparação de edifícios demolição e engenharia civil como objecto social.

2 - Em 22 de Abril de 2010, a Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) apresentou a J. O. e mulher, A. S. (aqui Autores), a pedido destes, um orçamento para execução de obras de construção de um anexo nas traseiras da sua habitação, bem como para pintar, remodelar e impermeabilizar a referida habitação, sita na Rua …, freguesia e concelho de Fafe.

3 - O orçamento, aceite pelos Autores (J. O. e mulher, A. S.), previa trabalhos de construção e remodelação, no valor de € 31.865,96 (trinta e um mil, oitocentos e sessenta e cinco euros, e noventa e seis cêntimos), + IVA.

4 - Nessa sequência, ficaram a cargo da Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) trabalhos de impermeabilização da varanda traseira e terraço lateral da habitação, pavimentação da varanda traseira e terraço lateral com mosaico cerâmico, construção de um muro lateral, bem como todos os trabalhos de construção do anexo, nomeadamente levantamento de toda a estrutura, incluindo fundações, assentamento de tijolo interior e exterior, todos os trabalhos de execução e rematação da cobertura (telhado) do mesmo, pavimentação, construção de sistema de escoamento das águas adequado.

5 - A Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) iniciou os trabalhos de construção do anexo e remodelação da habitação em meados de Maio de 2010 e terminou em finais de 2011.

6 - No inverno de 2015, o anexo construído pela Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) começou a apresentar diversas fissuras no interior e no exterior; e a varanda posterior da habitação, bem como os muros circundantes do terraço, junto da ligação do anexo à habitação, começaram a apresentar fissuras.

7 - Além disso, existiam diversas manchas de humidade no tecto e paredes na cave da habitação situada por baixo do terraço.

8 - Os azulejos do pavimento começaram a apresentar manchas.

9 - O muro lateral de vedação junto às escadas, construído pela Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) aquando da construção do anexo, começou a evidenciar uma fissura em toda a sua extensão, ainda no ano de 2013, o que os Autores comunicaram à Ré, no mesmo ano.

10 - Em 20 de Novembro de 2015, o Autor marido (J. O.) remeteu para a sede da Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) uma carta registada, que foi entregue em 23 de Novembro, da qual consta, designadamente:
«(…)
o anexo construído começou a revelar fissuras nas paredes sem qualquer justificação»; «a garagem começou a apresentar rachaduras e fendas de relevo que se têm vindo a agravar a cada dia e que permitem a entrada de humidade para o interior»; «recentemente, em dias de chuva intensa, a garagem inunda, o que, para além dos prejuízos avultados que causa nos móveis e equipamentos aí presentes, impossibilita-nos de usar a mesma»; «existem ainda outros vícios, dos quais tivemos agora conhecimento, mas que carecem de inspeção de técnico qualificado para serem devidamente avaliados, vícios que V. Exa. poderá facilmente constatar em deslocação ao local»; «concedo-lhe o prazo de 30 dias improrrogáveis após a receção da presente, para me transmitir qual a data disponível para visita ao local e execução dos respetivos trabalhos de correção dos vícios apontados»; «caso assim não suceda, será instaurada a competente ação judicial, com vista a obter, da parte de V. Exa. a reparação dos defeitos de construção agora denunciados».
(…)»

11 - No dia 13 de Maio de 2016, a habitação dos Autores (J. O. e mulher, A. S.) apresentava, designadamente: fissuração das fachadas e guarda do terraço; fissuração do muro lateral das escadas; manchas de humidade e pintura danificada no interior da cave de habitação.

12 - Os Autores (J. O. e mulher, A. S.) pagaram à Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) um valor global superior ao orçamentado.

13 - A eliminação/reparação de todos os defeitos enunciados no facto provado enunciado sob o número 11 importa um custo global estimado de € 14.865,00 (catorze mil, oitocentos e sessenta e cinco euros) + IVA, que inclui:
. fissuração das fachadas e guarda do terraço - reforço da fundação até solo firme, execução de novo pilar e reposição do pavimento, tratamento de fissuras com barramento armado, em caso de fissuras consideráveis reforçar por intermédio de grampos de aço, utilização de revestimento deformável ou flexível, aplicação de primário e posterior pintura decorativa, avaliação do estado das telas do terraço para eventual reparação, substituição das pedras de granito e cerâmicos danificados, preenchimento com tapa juntas e aplicação de repelente nas superfícies porosas;
. fissuração do muro lateral das escadas - demolição do muro acima da junta, construção de elementos de travamento desde a fundação até ao topo do muro em betão armado, revestimentos armado, incluindo primário e pintura;
. manchas de humidade e pintura danificada - remoção pintura solta e aplicação de primário e nova pintura.

14 - Os defeitos existentes acarretam incómodos e mau estar para os Autores (J. O. e mulher, A. S.).

15 - Os Autores (J. O. e mulher, A. S.) sempre se mantiveram a habitar a casa durante a execução das obras.

16 - Os Autores (J. O. e mulher, A. S.), aquando da entrega da obra, nada disseram ou reclamaram.

17 - A Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) comprou produtos de impermeabilização a X - Produtos de Manutenção Isolamentos, Limitadas (aqui Interveniente Acessória), que os trabalhadores da Ré aplicaram no imóvel em causa.

18 - A casa de habitação dos Autores (J. O. e mulher, A. S.), construída há mais de 10 anos, tinha muitas fendas e fissuras.

19 - Actualmente, a habitação dos Autores (J. O. e mulher, A. S.) apresenta: fissuras na laje e parede na zona do apoio da estrutura do anexo realizado no pilar pré-existente; fissura em toda a extensão do muro de vedação lateral; fissura horizontal em toda a extensão da platibanda do terraço coincidente com o nível superior das telas de impermeabilização do terraço; fissuras horizontais e verticais na parede da platibanda da varanda do terraço; humidades nas paredes e parte do tecto na zona do anexo pré-existente (cave) e garagem.

20 - Exceptuando a humidade nas paredes e parte do tecto da cave e garagem e a fissura horizontal na platibanda lateral do terraço, o descrito em 19. tem origem estrutural, pelo que mesmo em caso de reparação há o risco de voltar a surgir.

21 - A humidade nos tectos deve-se a deficiente impermeabilização do terraço e varanda superiores, bem como às fissuras existentes nas paredes das platibandas desses terraço e varanda, enquanto as humidades nas paredes devem-se a deficiente impermeabilização das mesmas e a humidades ascensionais.
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3.1.2. Factos não provados

Na mesma decisão, o Tribunal de 1.ª Instância considerou que não se provaram os seguintes factos:

a) Durante o ano de 2013, os Autores (J. O. e mulher, A. S.) começaram a verificar o aparecimento de diversas fissuras na fachada posterior da sua habitação, na zona da varanda e terraço, bem como diversas fissuras nos muros circundantes do terraço e no anexo construído pela Ré (tendo-se provado apenas o descrito nos factos provados enunciados sob os números 6 a 9).

b) Defeitos que prontamente denunciaram à Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) que, na pessoa do seu sócio gerente, aquando da deslocação à habitação dos Autores (J. O. e mulher, A. S.), reconheceu de imediato a existência daqueles defeitos, bem como se comprometeu a repará-los e eliminá-los (tendo-se provado apenas o descrito nos factos provados enunciados sob os números 9 e 10).

c) A Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) protelou a situação, dizendo que ia proceder à sua reparação definitiva, o que nunca chegou a fazer, tendo procedido apenas a pequenas reparações.

d) A humidade referida no facto provado enunciado sob o número 7 era resultado das fissuras da fachada (tendo-se provado apenas o descrito nos factos provados enunciados sob os números 20 e 21).

e) As manchas referidas no facto provado enunciado sob o número 8 eram irremovíveis.

f) Ocorreram inundações na cave da habitação.

g) O descrito no facto provado enunciado sob o número 11 adveio do facto de a viga de suporte da laje do anexo ter sido indevidamente assente sobre um pilar pré-existente da habitação.

h) A pedra que reveste o pilar pré-existente de suporte da habitação, aproveitado pela Ré também para suporte do anexo, começou a apresentar deformações, evidenciando o afundamento do pilar.

i) O descrito no facto provado enunciado sob o número 12 deveu-se a uma pretensa qualidade superior dos materiais e da construção invocada pela Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada).

j) Os Autores (J. O. e mulher, A. S.), por diversas vezes, interpelaram verbalmente e por escrito a Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) para correcção dos defeitos (tendo-se provado apenas o referido no facto provado enunciado sob o número 10).

k) Os Autores (J. O. e mulher, A. S.) sentem-se frustrados, profundamente desgostosos, revoltados e tristes por terem de viver na casa no estado em que se encontra.

l) As deficiências verificadas impedem a normal utilização da habitação e anexo, vão-se acentuando a cada dia que passa e afectam actualmente toda a moradia e anexo.

m) As fissuras existentes na varanda posterior da habitação causam aos Autores (J. O. e mulher, A. S.) enorme preocupação, estando receosos de que a mesma possa desabar.

n) Os Autores (J. O. e mulher, A. S.) perderam o gosto e afeição à sua casa.

o) Os defeitos existentes acarretam perigos para a saúde dos Autores (J. O. e mulher, A. S.) e sua família.

p) Os trabalhos a executar e materiais a aplicar foram definidos pelos Autores (J. O. e mulher, A. S.) (tendo-se provado apenas o descrito nos factos provados enunciados sob os números 2 e 3).

q) Os trabalhos terminaram em finais do ano de 2010, altura em que a Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) entregou a obra aos Autores (tendo-se provado antes o referido no facto provado enunciado sob o número 5).

r) Os Autores (J. O. e mulher, A. S.) acompanharam a obra diariamente.

s) Os anos de 2011, 2012 e 2013 foram muito chuvosos.

t) A Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) informou os Autores (J. O. e mulher, A. S.) que era muito difícil eliminar definitivamente as fendas e fissuras referidas no facto provado enunciado sob o número 18, que provinham da estrutura da casa, e mesmo assim os Autores mandaram executar a obra.

u) O pilar do anexo construído pela Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) foi executado em conformidade com as ordens e orientações dos Autores (J. O. e mulher, A. S.).

v) A Ré (B. T. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) estava convencida de que os Autores (J. O. e mulher, A. S.) tinham requerido o respectivo licenciamento junto da Câmara Municipal, pois estes sempre garantiram que o tinham feito.

w) A Interveniente Acessória (X - Produtos de Manutenção Isolamentos, Limitada) executou, por si, obras de impermeabilização no imóvel dos Autores (J. O. e mulher, A. S.) (tendo-se provado apenas o descrito no facto provado enunciado sob o número 17).
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3.2. Modificabilidade da decisão de facto

3.2.1. Incorrecta apreciação da prova legal - Poder (oficioso) do Tribunal da Relação

Lê-se no art. 607.º, n.º 5 do CPC que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no CC, nos seus art. 389.º (para a prova pericial), art. 391.º (para a prova por inspecção) e art. 396.º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do n.º 5, do art. 607.º do CPC citado).

Mais se lê, no art. 662.º, n.º 1 do CPC, que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607.º, n.º 4 do CPC, aqui aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2 do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CC), ou quando exista acordo das partes (art. 574.º, n.º 2 do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358.º do CC, e arts. 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351.º e 393.º, ambos do CC).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
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3.2.2. Incorrecta livre apreciação da prova

3.2.2.1. Âmbito da sindicância (provocada) do Tribunal da Relação

Lê-se no n.º 2, als. a) e b), do art. 662.º citado, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O actual art. 662.º representa uma clara evolução [face ao art. 712.º do anterior CPC] no sentido que já antes se anunciava. Através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607.º, n.º 5) ou da aquisição processual (art. 413.º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, págs. 29 e ss.).
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3.2.2.2. Modo de operar o duplo grau de jurisdição - Ónus de impugnação

Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art. 640.º, n.º 1 do CPC que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a), do n.º 2, do art. 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c), do n.º 1, do art. 640.º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor (1) enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional (art. 205.º, n.º 1 da CRP) e processual civil (arts.154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo n.º 3785/11.5TBVFR.P1).
Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655).
«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325).
«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 591, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).
É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 595, com bold apócrifo).
Compreende-se que assim seja, isto é, que a «censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não» possa «assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão» (Ac. do TC n.º 198/2004, de 24 de Março de 2004, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, reproduzindo Ac. da RC, sem outra identificação).

De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Contudo (e tal como se referiu supra), mantendo-se em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, precisa-se ainda que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 609).
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3.2.2.3. Caso concreto (cumprimento do ónus de impugnação)

Concretizando, considera-se que os Autores (J. O. e mulher, A. S.) cumpriram o ónus de impugnação que lhes estava cometido pelo art. 640.º, n.º 1 do CPC (conclusão distinta de saber se existe fundamento para a pretendida alteração dos factos julgados como provados e como não provados.

Com efeito, os Recorrentes (Autores) indicaram, quer no corpo das alegações do seu recurso, quer nas respectivas conclusões: os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados (o facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 9 - na sua exacta redacção -, e os factos não provados aí enunciados sob as alíneas j), k), l), m), n) e o)); os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente (uma diferente ponderação das declarações de parte prestadas pelo Autor, pelo legal representante da Ré e pelo legal representante da Interveniente Acessória, e do depoimento prestado pelas testemunha M. M.); as exactas passagens da gravação dos depoimentos seleccionados para fundarem a sua sindicância (que inclusivamente transcreveram); e a decisão que, no seu entender, se impunha (o dar-se uma nova redacção ao facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 9, e como demonstrados os factos não provados aí enunciados sob as alíneas j), k), l), m), n) e o)).

Já relativamente ao juízo crítico próprio dos Recorrentes (Autores), assentou o mesmo na reclamação de uma diferente valoração a fazer da prova pessoal que seleccionaram.
Recorda-se, a propósito, que os arts. 640.º, n.º 1, al. b), e 662.º, n.º 1, do CPC afirmam inequivocamente que a matéria de facto previamente julgada deverá ser alterada quando a prova produzida imponha decisão diversa da recorrida, e não apenas quando a admita, permita ou consinta. Ora, para esse efeito, o recorrente terá que ter contrariar a apreciação crítica da prova realizada pelo Tribunal a quo, demonstrando e justificando por que razão as regras da lógica e da experiência por ele seguidas não se mostrariam razoáveis no caso concreto, conduzindo a um resultado inadmissível, por não sufragado por elas.
Por outras palavras, admitindo-se necessariamente que o Tribunal a quo ouviu integralmente os depoimentos escolhidos, certo é que fez dos mesmos uma outra valoração, ajuizando todo o seu conjunto face à demais prova produzida e às regras da experiência. Assim, pretendendo o recorrente sindicar este juízo, importará que indique as razões objectivas pelas quais entende que à prova que seleccionou (já antes vista e apreciada pelo Tribunal a quo) deveria ter sido dada outra relevância, o que a simples reiteração do seu conteúdo, e a reclamação conclusiva da respectiva suficiência, é claramente inidónea para este efeito.
Contudo, e no caso dos autos, os Autores (J. O. e mulher, A. S.) nem sempre o fizeram correcta e completamente, já que em parte da sua alegação apenas reiteraram (subjectiva, genérica e conclusivamente) a suficiência da prova por si eleita para sufragar a respectiva tese.
Recorda-se, porém, que vem a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a defender que a menor suficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (conforme Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1).
Crê-se, assim, estar este Tribunal da Relação em condições de poder proceder, nos termos autorizados pelo art. 640.º do CPC, à reapreciação da matéria de facto pretendida pelos Autores (J. O. e mulher, A. S.), aqui recorrentes.
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3.3. Modificabilidade da decisão de facto - Caso concreto

3.3.1. Existência e denúncia de efeitos no ano de 2013
Vieram os Recorrentes (Autores) defender que a prova produzida impunha que se dessem como provados, quer a existência de plúrimos defeitos em 2013 (que não apenas a fissuração do muro lateral de vedação junto às escadas), quer a reiterada e respectiva denúncia à Ré (B. T. & Companhia - sociedade de Construções, Limitada).
Esta matéria encontra-se vertida no facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 9, na sua actual e limitada redacção («O muro lateral de vedação junto às escadas, construído pela Ré aquando da construção do anexo, começou a evidenciar uma fissura em toda a sua extensão, ainda no ano de 2013, o que os Autores comunicaram à Ré, no mesmo ano»); e no facto não provado aí enunciados sob a alínea j) («Os Autores, por diversas vezes, interpelaram verbalmente e por escrito a Ré para correcção dos defeitos»).
Invocaram para o efeito a suficiência da prova pessoal produzida, nomeadamente dos depoimentos de parte prestados pelo Autor (J. O.), pelo legal representante da Ré (B. T.) e pelo legal representante da Interveniente Acessória (S. V.), e do depoimento prestado pela testemunha M. M. (legal representante de empresa subcontratada pela Ré).

Começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pelos Recorrentes (Autores).

Assim, ponderou a mesma para este efeito (com bold apócrifo, nos segmentos considerados mais relevantes para este efeito):
«(…)
B. T., legal representante da Ré, apresentando-se nervoso e impaciente, descreveu muito sumariamente os termos do acordo que celebrou com os Autores e os incidentes subsequentes, descreveu os trabalhos de forma muito genérica e não tinha presentes o valor da obra ou as datas de início e fim, o que, não obstante o lapso de tempo decorrido, era expectável que soubesse avançar, atenta a pendência da presente ação e a documentação que a Ré tem seguramente na sua disponibilidade (orçamento, cheques, faturas…).
(…)
O legal representante da Ré esclareceu que suscitou a intervenção da Chamada “X” na obra quando se deparou com um problema de humidade na parede da garagem, que pretendia impermeabilizar, o que foi feito com um produto químico vendido pela referida empresa e aplicado pelos trabalhadores da Ré, segundo as instruções do legal representante da Chamada.
Esclareceu que, a dado momento, que não soube situar convictamente no tempo, o Autor lhe falou na existência de humidade nesse local onde tinha sido aplicado o produto, pelo que disse ao legal representante da “X” para ir à obra resolver o problema, o que, no seu entendimento, teria acontecido, uma vez que não mais foi contactado a propósito.
(…)
Explicitou que a empresa “Y” fez a impermeabilização do terraço, fornecendo o material e procedendo à sua aplicação.
Quando perguntado, afirmou o legal representante da Ré, sem a assertividade que seria expectável atenta a importância do assunto, que não se recordava de alguém do escritório lhe ter transmitido o recebimento de qualquer carta de denúncia de defeitos remetida pelos Autores.
S. V., legal representante da Chamada “X”, prestou depoimento claro e assertivo, não obstante alguma animosidade latente no respetivo discurso relativamente ao legal representante da Ré.
Confirmou ter sido contactado pela Ré, com quem mantinha relações comerciais, a fim de apresentar solução de isolamento de parede da cave da habitação dos Autores, tendo acabado por fornecer um produto para o efeito, cuja aplicação ficou a cargo da Ré, a qual terá sido feita de acordo com as instruções do próprio representante legal da Chamada, em data que situou no final do ano de 2011.
Esclareceu que na sequência de atrasos no pagamento de faturas por parte da Ré, em 2012, o legal representante desta falou em defeitos no trabalho efetuado em casa dos Autores, tendo o declarante ido à obra, aí contactando com o Autor e procedendo à reparação, a suas expensas, da pequena parte da parede que apresentava a tinta a descascar e vestígios de humidade.
O Autor, J. O., prestou depoimento sereno, mas algo lacónico, pouco explicativo, repetindo a cada passo que o legal representante da Ré é que dera todas as ideias e sugestões dos trabalhos a executar e que o próprio Autor, por força da vida profissional, não acompanhara os trabalhos, não tomando conhecimento das soluções que iam sendo adotadas.
Ora, além de um tal alheamento por parte do dono da obra não ser normal e expectável, nada há, no caso dos autos, que o torne verosímil, já que, apesar de serem conhecidos e com relações comerciais anteriores, a relação entre as partes não permitiria tal grau de confiança, o Autor trabalha com venda de máquinas relacionadas com a construção – apesar de afirmar, a cada passo, ser “leigo” em matéria de obras e construção - e os Autores, nos largos meses que duraram os trabalhos, mantiveram-se a habitar a casa.
Expressamente confrontado, acabou por dizer que concordara com a solução de isolamento da parede da garagem com o produto químico, em vez do isolamento pelo exterior que estaria previsto, já que lhe garantiram a eficácia do procedimento.
(…)
No que respeita ao surgimento dos defeitos e respetiva denúncia ao legal representante da Ré, apesar de ser evidente alguma confusão ou falta de memória, o Autor afirmou e reiterou – contrariando o alegado na p.i. - que no Inverno de 2013 surgiu apenas uma abertura no muro das escadas e umas tijoleiras partidas, não havendo fissuras ou humidades ou outros defeitos a denunciar à Ré por essa altura, sendo que a Ré teria corrigido a abertura do muro com “silicone” e procedido à substituição das tijoleiras partidas (o que o legal representante da Ré negou, já que nunca mais teria – ele ou algum empregado - voltado à obra).
Outros defeitos, de fissuras no anexo e na garagem e de existência de humidade neste compartimento, surgiram, de acordo com as declarações do Autor, no Inverno, no final do ano, em 2015, o que prontamente denunciou à Ré.
Referiu, sem concretização, ter feito denúncias de defeitos ao legal representante da Ré, por telefone, e ter enviado a carta que se mostra junta aos autos, sem resposta.
Afirmou que foi nessa sequência que os representantes da “X” e “Y” se deslocaram, em 2015, à sua habitação para aferição e correção dos defeitos, tendo a “X” solucionado o problema de humidade na parede da garagem e o representante da “Y” constatado que a infiltração de humidade na cave, por baixo do terraço, não ocorria pelo isolamento que havia feito no piso do terraço (enchendo para o efeito o terraço com água durante vários dias, sem que entrasse água na cave) mas sim pelo “remate”, mal executado pela Ré. Sucede que os representantes das duas empresas referiram ter ido à obra em data anterior, na sequência de “reclamações” que o legal representante da Ré teria feito, nessa mesma altura, dos trabalhos, o que fizera a Ré retardar alguns pagamentos.
(…)
M. M., responsável da empresa “Y”, apesar de denotar, tal como o representante da “X”, alguma animosidade relativamente ao representante legal da Ré, que lhe começou a recusar pagamentos alegando que o trabalho em casa dos Autores não estava bem executado, prestou depoimento escorreito e circunstanciado que, no que importava para a decisão a proferir, corroborou que a origem da humidade no teto da garagem por baixo do terraço onde a testemunha fez o isolamento era a falta de remate adequado na zona do muro onde termina a tela de isolamento, e onde a parede apresenta uma fissura horizontal, sendo que tais trabalhos de remate caberiam à Ré.
(…)
Os defeitos, elencados em 6. a 9., 11., 19., respetivas características, localização e data de surgimento, resultaram provados em face do conjunto da prova produzida, ponderando-se as declarações do Autor, que conhecimento mais direto tinha da realidade, conjugadas com as declarações dos representantes das empresas “X” e “Y”, que se deslocaram à obra, os relatórios e fotogramas juntos, reportados a 2016, ano da propositura da ação, e 2018, altura da deslocação dos Srs. Peritos à obra.
(…)
A factualidade não provada resultou, naturalmente, da falta de prova suficiente e idónea que a sustentasse (…); não se produziu qualquer prova idónea e segura do descrito em b) e c), tendo o legal representante da Ré negado qualquer deslocação à obra para constatação/reconhecimento/reparação de defeitos, sendo que os representantes da “X” e “Y” foram à obra porque a Ré lhes atrasou pagamentos em virtude da reclamação dos Autores, o que não configura qualquer reconhecimento de defeitos por parte da Ré; (…) sobre o i) a o) não se produziu qualquer prova, sendo aliás pouco consentâneo com as regras da lógica e experiência comum que os defeitos em causa impeçam a normal utilização da habitação e causem aos Autores as angústias e preocupações invocadas, que vão muito além dos habituais incómodos e aborrecimentos
(…)»

Logo, duas conclusões se podem desde já enunciar: o Tribunal a quo, no seu juízo probatório, ponderou toda a prova produzida a propósito da factualidade em causa; e, atento o teor contraditório do referido pelo Autor (J. O.), por um lado, e pelo legal representante da Interveniente Acessória (S. V.) e pela testemunha M. M. (legal representante de Y, empresa subcontratada pela Ré para proceder a impermeabilizações), por outro, privilegiou aquele primeiro depoimento, em detrimento destes dos últimos.
Ora, ouvida integralmente toda a prova pessoal produzida em sede de audiência de julgamento, afirma-se desde já que não se sufraga o juízo de prova do Tribunal a quo.
*
Precisando, e conforme já referido, o seu teor (restritivo da redacção do facto provado enunciado sob o número 9) foi determinado pelas declarações de parte prestadas pelo Autor (J. O.).
Com efeito, foi o mesmo quem, então, restringiu a existência de defeitos em 2013 a uma abertura no muro das escadas, a umas tijoleiras partidas (conforme o Tribuna a quo reconheceu) e a humidades na garagem (o que o Tribuna a quo omitiu), não referindo fissuras ou outros defeitos; e ter prontamente denunciado à Ré (B. T. & Companhia - sociedade de Construções, Limitada) tais defeitos, que teria corrigido a abertura do muro com silicone e substituído as tijoleiras partidas. Sempre segundo o Autor, os demais defeitos apenas se teriam manifestado no final de 2015, com o inverno, sendo para reparação dos mesmos que os representantes da Interveniente Acessória e de Y se deslocaram então à sua habitação, para aferição e correcção dos mesmos.
Contudo, foi o próprio Tribunal a quo que igualmente reconheceu que: o Autor, no «que respeita ao surgimento dos defeitos e respectiva denúncia ao legal representante da Ré», depôs sendo «evidente alguma confusão ou falta de memória» (bold apócrifo); e sucede «que os representantes das duas empresas referiram ter ido à obra em data anterior, na sequência de “reclamações” que o legal representante da Ré teria feito, nessa mesma altura, dos trabalhos, o que fizera a Ré retardar alguns pagamentos» a eles próprios (bold apócrifo).

Com efeito, quer o declarante S. V. (legal representante da Interveniente Acessória), quer a testemunha M. M. (legal representante de Y, empresa contratada pela Ré para fazer impermeabilizações na obra em causa) declararam expressamente que, devendo-lhes a Ré o preço do material vendido e/ou dos trabalhos realizados, radicou a sua omissão na alegada e prévia falta de pagamento dos Autores, a ela própria, por reclamados defeitos da obra; e que, não conseguindo que a Ré os acompanhasse para o efeito (antes se furtando sistematicamente ao seu contacto), se deslocaram eles próprios à habitação dos Autores, onde efectivamente constaram a existência de humidade na cave (tecto, por baixo do terraço, e paredes enterradas) e de fissuras ao nível do terraço.
Tendo estes dois depoimentos sido classificados pelo Tribunal a quo como, respectivamente, «claro e assertivo» e «escorreito e circunstanciado», do mesmo modo se afiguram a este Tribunal ad quem, após a audição do respectivo registo áudio; e não se relacionando os respectivos autores, mostraram-se coerentes e concertados entre si.

Acresce que o próprio B. T. (legal representante da Ré) reconheceu que, em momento que não soube situar convictamente no tempo, o Autor lhe falou na existência de humidade na parede da garagem onde tinha sido aplicado o produto vendido pela Interveniente Acessória (X - Produtos de Manutenção Isolamentos, Limitada); e que, por isso, teria dito ao legal representante desta para ir à obra resolver o problema, o que só teria acontecido uma vez.

Logo, assiste efectivamente razão aos Recorrentes (Autores) quando afirmam que, no ano de 2013, registaram a existência de humidade na cave, que então denunciaram verbalmente à Ré; mas não lhes assiste razão, na pretensão de que igualmente se considerasse que as interpelações em causa se realizaram por diversas vezes.
Deverá, assim, ser alterada em conformidade a redacção do facto provado enunciado sob o número 9 (aditando-se-lhe a matéria igualmente demonstrada e nele omissa) e do facto não provado enunciado sob a alínea j) (retirando-se-lhe a matéria demonstrada que nele consta), e passando este último a integrar igualmente (nessa limitada parte) o elenco dos factos provados.
*
Mostra-se, deste modo e nesta parte, procedente o recurso sobre a matéria de facto, alterando-se em conformidade a redacção do facto provado enunciado sob o número 9 e do facto não provado enunciado sob a alínea j), passando este último a constar parcialmente do elenco dos factos provados, ficando ambos com a seguinte redacção:

«9 - No ano de 2013, o muro lateral de vedação junto às escadas, construído pela Ré aquando da construção do anexo, começou a evidenciar uma fissura em toda a sua extensão, e começaram a aparecer humidades, na cave (no tecto, por baixo do terraço e nas paredes enterradas), o que os Autores comunicaram, verbalmente, à Ré, no mesmo ano».

«10-A - Os Autores interpelaram verbalmente e por escrito a Ré para correcção dos defeitos».

j) Os Autores, por diversas vezes, interpelaram verbalmente e por escrito a Ré para correcção dos defeitos (tendo-se provado apenas o referido nos factos provados enunciados sob os números 10 e 10-A).
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3.3.2. Danos não patrimoniais sofridos pelos Autores

Vieram os Recorrentes (Autores) defender ainda que a prova produzida impunha que se dessem como provados todos os danos não patrimoniais por si invocados, nomeadamente as consequências negativas que os defeitos em causa, e a sua reiterada falta de reparação pela Ré (B. T. & Companhia - sociedade de Construções, Limitada), importaram para si.
Esta matéria encontra-se vertida nos factos não provados enunciados na sentença recorrida sob a alínea k) («Os Autores sentem-se frustrados, profundamente desgostosos, revoltados e tristes por terem de viver na casa no estado em que se encontra»), sob a alínea l) («As deficiências verificadas impedem a normal utilização da habitação e anexo, vão-se acentuando a cada dia que passa e afectam actualmente toda a moradia e anexo»), sob a alínea m) («As fissuras existentes na varanda posterior da habitação causam aos Autores enorme preocupação, estando receosos de que a mesma possa desabar»), sob a alínea n) («Os Autores perderam o gosto e afeição à sua casa») e sob a alínea o) («Os defeitos existentes acarretam perigos para a saúde dos Autores e sua família»).
Invocaram para o efeito a suficiência da prova pessoal produzida, nomeadamente dos depoimentos de parte prestados pelo Autor (J. O.) e pelo legal representante da Interveniente Acessória (S. V.), e do depoimento prestado pela testemunha M. M. (legal representante de empresa subcontratada pela Ré).
Começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pelos Recorrentes (Autores).
Assim, ponderou a mesma para este efeito (com bold apócrifo, nos segmentos considerados mais relevantes para este efeito):
«(…)
A factualidade não provada resultou, naturalmente, da falta de prova suficiente e idónea que a sustentasse (…); sobre o i) a o) não se produziu qualquer prova, sendo aliás pouco consentâneo com as regras da lógica e experiência comum que os defeitos em causa impeçam a normal utilização da habitação e causem aos Autores as angústias e preocupações invocadas, que vão muito além dos habituais incómodos e aborrecimentos (…)».

Logo, duas conclusões se podem desde já enunciar: o Tribunal a quo, no seu juízo probatório, considerou não se ter produzido qualquer prova a propósito da factualidade em causa; e, ainda que recorrendo a presunções judiciais («regras da lógica e da experiência comum»), teve-as por contrárias aos factos em causa.
Ora, ouvida integralmente toda a prova pessoal produzida em sede de audiência de julgamento, afirma-se, desde já e novamente, que não se sufraga o juízo de prova do Tribunal a quo.
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Com efeito, o Autor (J. O.), nas declarações de parte que prestou, e reportando-se aos defeitos em causa e à entrada de água e humidade que os mesmos permitiam, enfaticamente os referiu «aquilo Deus me livre»; e que por isso ligou ao legal representante da Ré (B. T. & Companhia - sociedade de Construções, Limitada), dizendo-lhe «oh pá, entra-me muita humidade pela garagem e as fissuras cada vez estão maiores», a «abertura do anexo que fez está tudo a partir, o senhor tem de vir aqui a casa».
Por ele ficaram, assim, confirmadas, quer a intensidade negativa das consequências dos defeitos em causa, quer a urgência que sentia na sua reparação.

Reconhece-se, porém, que as suas declarações seriam à partida inidóneas para, desacompanhadas de outra prova que as confirmasse, estabelecer a realidade por si alegada, face nomeadamente: ao manifesto interesse que tem na causa; e à previsível e natural existência de outra prova disponível para o efeito, pessoal e/ou documental.
Com efeito, a própria lei afirma que as declarações de parte não confessórias serão livremente apreciadas pelo Tribunal, por naturalmente beneficiarem o próprio declarante (art. 466.º, n.º 3 do CPC).

Assim, e de forma conforme com o reconhecimento da inegável fragilidade decorrente do interesse próprio de quem depõe, ou se defende que:

. em regra, as declarações de parte devem ser consideradas apenas como um princípio ou complemento de prova (exigindo a demonstração do facto que afirmam por uma prova adicional), ou como um de meio de prova eminentemente integrativo (clarificando o resultado dos demais) ou subsidiário (quando inexistam outros) (2);
. não deve ser antecipadamente degradado o valor probatório das declarações de parte, pelo que a maior ou menor idoneidade que lhes seja conferida, no caso concreto, dependerá nomeadamente da possibilidade, ou impossibilidade, de recurso a outros meios de prova, e da forma como foram prestadas, isto é, com ou sem serenidade e relativo desapego face à realidade retratada (circunstâncias a ponderar cum grano salis, face à natureza de parte do depoente), com ou sem convicção e assertividade, nomeadamente na fundamentação (incluindo corroborações periféricas), com ou sem contradições (incluindo correcções espontâneas), com ou sem hesitações ou tibiezas (incluindo reacção da parte a perguntas inesperadas), com ou sem espontaneidade e fluidez (incluindo contextualização espontânea do relato, e riqueza de detalhes) (3).
Contudo, e face às particularidades já assinaladas do caso concreto, as declarações de parte prestadas pelo Autor (J. O.) mostrar-se-iam insuficientes para certificarem a existência da generalidade dos danos não patrimoniais que invocou, face a qualquer um dos dois entendimentos possíveis sobre elas.
*
Contudo, a estas declarações de parte juntar-se-ia outras, nomeadamente as prestadas pelo legal representante da Interveniente Acessória (S. V.), quando afirmou que, quando em 2013 se deslocou à habitação dos Autores, «é que o Sr. J. O. (…) me começou a desabafar sobre os graves problemas que lá tinha».
Atestou assim, de forma absolutamente espontânea, que o Autor «desabafou», o que comumente associamos à partilha com outrem de algo que nos perturba ou afecta negativamente.
*
Acresce ainda (a esta efectiva produção de prova sobre a matéria) o depoimento da testemunha M. M. (legal representante da subcontratada pela Ré, para execução de trabalhos de impermeabilização), quando o mesmo afirmou que, perguntando à Autora (A. S.) sobre a eventual reparação dos defeitos, a mesma lhe respondeu: «Nem quero falar mais nisso, gastei um dinheirão, gastei e cada vez a casa está pior. Tenho até um grande desgosto com isso» (bold apócrifo).
Referiu igualmente a mesma testemunha que os Autores lhe disseram: «é que pagaram caro e não têm o assunto resolvido», foi «a coisa que eles disseram, gastaram muito dinheiro e que não têm o assunto resolvido»; «eu [Autores] até nem prefiro falar porque de cada vez que falo nisso, pronto, fico chateado»; «revolta eu concordo que estejam revoltados que eu também estaria no mesmo caso»; ora «bom, não é agradável para ninguém, eu acho que causa [desconforto]».
Confirmou, assim, ser sua convicção que os Autores (J. O. e mulher, A. S.) não só estariam chateados com os defeitos verificados na sua habitação, como teriam grande desgosto com isso, sentindo-se ainda frustrados e revoltados com a sua falta de resolução respectiva.
*
Por fim, dir-se-á que, e salvo o devido respeito por opinião contrária, esta efectiva prova produzida se mostra conforme com as regras da lógica e da experiência comum.
Com efeito, sabendo-se o valor que a habitação de cada um vem assumindo (como espaço de tranquilidade e retempero, num mundo em constante aceleração e de solicitações crescentes, de frenético movimento e de constante ruído), facilmente se compreende que relevantes infiltrações de água no seu interior, com criação de manchas e de bolores, e de plúrimas fissuras no seu exterior, causem, não só «incómodos e mau estar», mas igualmente tristeza e desgosto, impedindo a sua normal utilização (que pressupõe a respectiva estanquicidade a elementos atmosféricos e climatéricos).
Facilmente se compreende ainda que, mantendo-se tais defeitos por reparar desde 2013, se venham agravando (já que a pretérita infiltração de água vai acentuando os corredores da sua futura e renovada passagem, pela deterioração que causa aos materiais que lhe deveriam ser estanques); e que, por isso, os Autores (J. O. e mulher, A. S.), que inclusivamente pagaram mais do que o inicialmente orçamentado para obterem uma obra idónea, se sintam frustrados e revoltados.
Dir-se-á, assim, que, por presunção judicial (4) (autorizada nos termos dos arts. 349.º e 351.º, ambos do CC), a plúrima, parcial e concertada prova pessoal efectivamente produzida sobre os danos não patrimoniais sofridos pelos Autores (J. O. e mulher, A. S.) se mostrou confirmada (5).
No entanto, essa confirmação ficou limitada ao já referido, uma vez que, quanto ao demais alegado a propósito, não foi produzida qualquer prova (nomeadamente, quanto a afectarem actualmente os defeitos em causa toda a moradia e anexo, e acarretaram perigos para a saúde dos Autores e da sua família, existindo ainda o risco de que a varanda posterior da habitação desabe, receando os Autores isso mesmo, e terem ainda perdido o gosto e a afeição à sua casa).

Deverá, assim, ser alterada em conformidade a redacção dos factos não provados enunciados sob as alíneas k) e l), passando os mesmos a integrar parcialmente o elenco dos factos provados; e mantendo-se integralmente como não demonstrados os factos não provados enunciados sob as alíneas m), n) e o).
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Mostra-se, deste modo e nesta parte, procedente o recurso sobre a matéria de facto, alterando-se em conformidade a redacção dos factos não provados enunciados na sentença recorrida sob as alíneas k) e l), passando os mesmos a integrar parcialmente o elenco dos factos provados, e mantendo-se a sua parte não alterada no elenco dos factos não provados:

«14-A - Os Autores sentem-se frustrados, desgostosos, revoltados e tristes por terem de viver na casa no estado em que se encontra».

«14-B - As deficiências verificadas impedem a normal utilização da habitação e anexo, e vão-se acentuando a cada dia que passa».

«k) O desgosto que os Autores sentem por terem de viver na casa no estado em que se encontra é profundo».

«l) As deficiências verificadas afectam actualmente toda a moradia e anexo».
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Contrato de empreitada de consumo - Existência de defeitos

Não discutiram as partes nos autos (antes de desde logo o aceitaram nos seus articulados) terem os Autores (J. O. e mulher, A. S.) e a Ré (B. T. & Companhia - sociedade de Construções, Limitada) celebrado um contrato de empreitada de consumo.

Relembra-se assim, e singelamente, que se lê no art. 1.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril (preceito aditado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, ao diploma que regula a venda de bens de consumo e das garantias a ela relativa), que o «presente decreto-lei é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores» (n.º 1), sendo ainda «aplicável, com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo» (n.º 2).
O Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, foi editado pela necessidade de transposição para o ordenamento jurídico português da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, que teve por objectivo a aproximação das disposições dos Estados membros da União Europeia sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas; e, como ele próprio expressamente esclarece, é apenas aplicável a «contratos celebrados entre profissionais e consumidores».
Compreende-se, por isso, que se leia, no seu art. 1.º-B (preceito de novo aditado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio), que se considera: «Consumidor», «aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho» (al. a); «Bem de consumo», «qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão» (al. b); «Vendedor», «qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional» (al. c); «Garantia legal», «qualquer compromisso ou declaração assumido por um vendedor ou por um produtor perante o consumidor, sem encargos adicionais para este, de reembolsar o preço pago, substituir, reparar ou ocupar-se de qualquer modo de um bem de consumo, no caso de este não corresponder às condições enumeradas na declaração de garantia ou na respectiva publicidade» (al. f); «Garantia voluntária», «qualquer compromisso ou declaração, de carácter gratuito ou oneroso, assumido por um vendedor, por um produtor ou por qualquer intermediário perante o consumidor, de reembolsar o preço pago, substituir, reparar ou ocupar-se de qualquer modo de um bem de consumo, no caso de este não corresponder às condições enumeradas na declaração de garantia ou na respectiva publicidade» (g); e «Reparação, «em caso de falta de conformidade do bem, a reposição do bem de consumo em conformidade com o contrato» (al. h).
Compreende-se, ainda, que se afirme que, se «aplicação deste específico regime pressupõe uma relação de consumo entre o dono da obra e o empreiteiro», é precisamente «a relação entre estes sujeitos económicos, com presumida desigualdade de experiência, organização e informação entre eles, que transmuta a relação negocial entre eles estabelecida de contrato de empreitada para empreitada de consumo, justificando essa desigualdade a aplicação dum regime especial, protectivo da parte considerada mais débil: o dono da obra» (Ac. da RP, de 27.06.2019, Judite Pires, Processo n.º 5281/16.5T8MTS.P1, com bold apócrifo).
Por fim, defende-se que a actual redacção do art. 1.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, abrange, não apenas a empreitada de construção, mas também a empreitada de reparação ou modificação.
Com efeito, entendimento diverso faria com que a alteração legislativa de 2008, apesar de significativa em termos de redacção, perdesse muito do seu significado prático (6); e não se descortinam razões substantivas que justifiquem que o diploma abranja a empreitada de edifício novo - o que é entendimento unânime -, mas não a intervenção em edifício pré-existente (7).
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Não discutem as partes, após a sentença proferida nos autos, a existência de defeitos na obra realizada em virtude do contrato de empreitada de consumo celebrado.
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Assim, resultando da sentença recorrida a celebração de um contrato de empreitada de consumo (desde logo por acordo das partes), a existência de defeitos na obra realizada pela Ré (ónus de prova que os Autores cumpriram), e a imputação dos mesmos à má execução da obra (por a Ré não ter cumprido o ónus de prova que a onerava, de demonstração do seu contrário, e se presumir inelutavelmente a sua culpa), é apenas remanescente objecto deste recurso o apurar se os Autores têm (como defendem), ou não (como o Tribunal a quo decidiu), os direitos que aqui reclamam, isto é, de condenação da mesma no pagamento do custo da reparação/eliminação dos defeitos apurados (de € 14.865,00 + IVA) e da indemnização pelo sofrimento que toda esta situação lhes causou (de € 2.500,00) (8).
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4.2. Direitos do dono da obra (face aos defeitos oportunamente denunciados)
4.2.1.1. Regime geral - CC
4.2.1.1.1. Identificação dos direitos

O não cumprimento das obrigações referidas no art. 1208.º do CC (de execução da «obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato») importa necessariamente consequências para o devedor (empreiteiro), as quais, contudo, não conferem inteiramente com as soluções tradicionais.
Com efeito, «apesar de nos encontrarmos perante uma situação de incumprimento, o facto de já ter sido desenvolvida uma actividade e atingido um determinado resultado (não inteiramente coincidente com o resultado exigível, mas que pode ser aproveitado na obtenção final e desejada da obra acordada) limita o eficaz funcionamento das consequências tradicionais legalmente previstas para o cumprimento das obrigações - a resolução do contrato e/ou o pagamento duma indemnização. Nesta situação, os diferentes interesses de ambas as partes exigem um maior e inovador leque de soluções. Por um lado, deve permitir-se ao interessado na realização da obra a sua plena efectivação, sem custos acrescidos e no prazo mais aproximado possível da data prevista para a sua conclusão; por outro lado, não se pode descurar totalmente o interesse do realizador da obra na valorização da actividade desenvolvida e na definição rápida do conteúdo e limites da sua responsabilidade» (João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, Março de 2004, págs. 12 e 13, com bold apócrifo).
Consagram-se assim, como direitos do dono da obra, face ao cumprimento defeituoso do empreiteiro: o direito à eliminação dos defeitos ou, não sendo esta possível, a uma nova construção (art. 1221.º); ou, não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o direito à redução do preço acordado inicialmente para a empreitada (art. 1222.º); ou o direito à resolução do contrato, quando aqueles defeitos tornem a obra inadequada ao fim a que se destina; e o exercício de quaisquer destes direitos não exclui ainda o direito do empreiteiro ser indemnizado nos termos gerais, pelos danos sofridos (arts. 1223.º e 1225.º, todos do CC).

Precisa-se, porém, que tendo-se no nosso sistema jurídico consagrado a primazia do dever de cumprimento sobre a responsabilidade contratual (art. 762.º, n.º 1 do CC), enquanto for possível o cumprimento da prestação acordada (v.g. por eliminação do defeito, ou através da substituição da obra), não é possível a redução do preço ou a resolução do contrato (já que estas exigências são colocadas em vez da prestação de cumprimento).
Por outras palavras, «no sistema jurídico português há uma espécie de sequência lógica: em primeiro lugar, o devedor está adstrito a eliminar os defeitos ou a substituir a prestação; frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço ou a resolução do contrato» (Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso Em Especial Na Compra e Venda e Na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, 1994, págs. 441 e 442, com bold apócrifo).
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4.2.1.1.2. Direito à reparação
4.2.1.1.2.1. Regime regra

Particularizando o direito à reparação, lê-se no art. 1221.º do CC que «se os defeitos puderem ser supridos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação» e, «se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção» (n.º 1); mas cessam tais direitos «se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito» (n.º 2).
Trata-se de uma nova obrigação de prestação de facto, que surge como consequência da violação, por parte do empreiteiro, da obrigação que lhe era imposta pelo art. 1208º do C.C; e pressupõe que o dono da obra interpele a contraparte a fim de esta proceder à eliminação dos defeitos (art. 777.º, n.º 1, do CC), sendo que o devedor só se constitui em mora depois de transcorrido um prazo razoável, tendo em conta a natureza dos defeitos a reparar (arts. 777.º, n.º 2 e 805.º, n.º 1, ambos do CC).
«Prevendo-se a eventualidade (…) de o empreiteiro não eliminar os defeitos, a contraparte pode, concomitantemente com a interpelação ou em momento posterior, estabelecer um prazo equitativo, findo o qual rejeita a reparação (art. 808º). Não se justifica o estabelecimento deste prazo se o devedor recusou peremptoriamente a eliminação do defeito, ou se o credor, entretanto, tiver perdido o interesse nessa prestação» (Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso Em Especial Na Compra e Venda e Na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, 1994, pág. 387).

Precisa-se, porém, que o direito de eliminação de defeitos ou de nova construção, terá que ser exercido primeiro junto do empreiteiro, e não directamente junto de terceiros, o que se compreende face à especial natureza do contrato de empreitada: o art. 1221.º, n.º 1 e n.º 2 do CC «não confere o dono da obra o direito de, por si ou por intermédio de terceiro, eliminar os defeitos ou reconstruir a obra à custa do empreiteiro», já que a lei é clara ao referir «que é ao empreiteiro que pode ser exigida a eliminação dos defeito ou a reconstrução da obra. (…)
O regime aplicável é, pois, o do artigo 828.º, que aliás é o mais razoável, na medida em que salvaguarda legítimos interesses do empreiteiro sem prejudicar o direito fundamental do dono da obra. Só em execução se pode pedir que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor. A lei supõe uma condenação prévia do empreiteiro, na sequência da qual o dono pode exigir a eliminação do defeito ou nova construção por terceiro, à custa de devedor, ou indemnização pelos danos sofridos» (Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1986, pág. 820, com bold apócrifo) (9).
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4.2.1.1.2.2. Regime excepcional
Contudo, vieram a doutrina e a jurisprudência a delimitar com acrescido rigor este entendimento, isto é, a definir as situações excepcionais em que se permite que o dono da obra obtenha a condenação do empreiteiro, não a reparar o defeito ou a substituir a obra, mas sim no pagamento do custo da sua realização (já verificada, ou a verificar) por outrem.
Serão, nomeadamente, os casos, de declaração de não reparação ou substituição (declaração antecipada de não cumprir (10)), de transformação da mora em incumprimento definitivo (nomeadamente, por meio de interpelação admonitória (11)), ou de urgência na reparação dos defeitos (incumbindo ao consumidor/dono da obra alegar e provar tais circunstâncias).
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Precisando, face a «um incumprimento definitivo daquelas obrigações [de eliminação de defeito, ou de realização de nova construção], imputável ao empreiteiro», «já não se revela necessário o recurso à via judicial para o dono da obra poder, ele próprio, ou através de terceiro, efectuar as obras de reparação ou reconstrução, sem que perca o direito de reclamar do empreiteiro o pagamento do custo dessas obras».
Considera-se, para o efeito, que «o incumprimento definitivo de uma obrigação confere ao credor o direito a ser indemnizado pelos prejuízo causado por esse incumprimento (artº 798º, do C.C.), o que, neste caso, corresponde ao custo das obras de eliminação dos defeito ou de reconstrução, entretanto efectuadas ou a realizar pelo dono da obra, ou por terceiro contratado por este», em nada se confundindo, e em tudo se distinguindo, da indemnização (cumulativa ou residual) do art. 1223.º do CC.
Ponderou-se que «uma exagerada protecção da segurança da posição do empreiteiro, levada ao ponto da existência dos deveres de eliminação ou de reconstrução ter de ser certificada por uma instância judicial, não justifica que se exija ao dono da obra tamanha demora na conclusão perfeita da obra contratada e se imponha o anacronismo de se condenar alguém a realizar uma prestação considerada definitivamente incumprida.
O recurso a esse percurso processual justifica-se para os casos em que se pretenda utilizar esse meio para efectuar a interpelação do empreiteiro para efectuar as obras de eliminação de defeito, ou em que exista uma situação de simples mora, mas nunca para as situações de incumprimento definitivo, imputáveis ao empreiteiro, nomeadamente as que resultam duma recusa peremptória de realização dessas obras, do não acatamento de prazo admonitório, nos termos do artº 808º, nº 1 do C.C., ou duma tentativa frustrada de eliminação dos defeitos ou de reconstrução da obra» (João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, Março de 2004, págs. 106 a 115, com bold apócrifo).
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Para além do referido incumprimento definitivo, acresce ainda ao elenco de excepções ao regime geral a situação de manifesta urgência na reparação.
Com efeito, «em casos de manifesta urgência, e para evitar maiores prejuízos, é admissível que o credor, directamente e sem intervenção do poder judicial, proceda à eliminação dos defeitos, exigindo, depois, as respectivas despesas. Esta ilação tem por base o princípio do estado de necessidade (artº 339)» (Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso Em Especial Na Compra e Venda e Na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, 1994, págs. 388 e 389, com bold apócrifo).
«Na verdade, podem verificar-se situações em que o perigo eminente de agravamento drástico do defeito, ou o perigo deste poder provocar danos graves na própria coisa, em outros bens do dono da obra ou de terceiros, ou em pessoas, exige uma intervenção de tal modo rápida que não se compadece com o tempo da interpelação do empreiteiro, ou com uma situação de mora por parte deste. Se a urgência da situação não tolera estas dilações de tempo, muito menos tolerará a duração normal duma acção declarativa, seguida duma executiva, ou mesmo duma providência cautelar inominada, que autorizasse a realização da obra de reparação pelo próprio dono da obra, ou por terceiro, contratado por aquele» (João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, Março de 2004, págs. 106 a 115).
Conforme já referido, esta causa de actuação directa do dono da obra integra a figura do estado de necessidade, prevista no art. 339.º, n.º 1 do CC, uma vez que a inutilização do «direito à eliminação dos defeitos do empreiteiro» é abrangida pela referência à danificação de coisa alheia que engloba a violação de direito de crédito.
Exige-se, porém, para que se considere justificada a actuação directa do dono da obra, que o dano a que se reporta o perigo que se pretende remover tenha um valor manifestamente superior ao prejuízo causado ao empreiteiro, pelo facto de não ter sido ele a proceder à eliminação dos defeitos (ainda art. 339.º, n.º 1, do CC); mas não existe a possibilidade de indemnização do empreiteiro, uma vez que, sendo ele o responsável pelos defeitos cuja urgência de reparação se manifesta, é-lhe imputável a criação da situação de risco que justifica a acção de auto-tutela do dono da obra (n.º 2, do art. 399.º citado).

Por fim, dir-se-á que se defende igualmente que se pode (deve) equiparar aos casos de urgência àqueles em que o empreiteiro não realize a reparação dos defeitos em tempo razoável (12).
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4.2.1.1.3. Direito de indemnização
Particularizando agora o direito à indemnização, lê-se no art. 1223.º do CC que, «o exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais».
O dono da obra que tenha sofrido prejuízos com a deficiente execução da mesma, para além de ter exigido e obtido a eliminação dos respectivos vícios, ou uma nova construção, ou a redução do preço, ou a resolução do contrato, pode obter uma indemnização daqueles, quando o exercício dos demais direitos não os tenha reparado integralmente.
Com efeito, considerou-se que a eliminação dos defeitos ou a realização de nova construção poderá não ter, por si só, reparado todos os danos registados, o mesmo sucedendo com a redução do preço ou a resolução do contrato (pelo que, sob pena de duplo ressarcimento pelo mesmo facto, a indemnização tem de respeitar a outros prejuízos que não sejam compensados com o exercícios daqueles direitos).
«Basta pensar no tempo que podem exigir a eliminação do defeito ou a nova construção e na necessidade em que esse facto pode colocar o dono da obra de realizar despesas com que razoavelmente não contava ou de não obter lucros com que legitimamente contava. Por outro lado, o defeito da obra, antes de ser remediado, pode ter dado lugar a acidentes que hajam prejudicado o dono» (Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1986, pág. 823) (13).
Compreende-se, por isso, que a indemnização a que se reporta o art. 1223.º do CC não seja um meio alternativo aos anteriores (eliminação dos defeito, realização de nova construção, redução do preço, ou resolução do contrato), mas sim cumulativo e complementar os mesmos (14).
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Por fim, resta dizer que à obrigação de indemnização serão aplicáveis, como regras gerais, os arts. 562.º e seguintes do CC.
Estando, porém, em causa danos não patrimoniais, importa atender ao disposto no art. 496.º, n.º 1 do CC, onde se lê que, «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», aqui se incluindo aqueles que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral.
A gravidade do dano é, assim, um pressuposto de atribuição de uma indemnização, pois há sempre um pretium doloris que o lesado tem de suportar, por não ser razoável a sua imputação a outrem (Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2006, pág. 283).
Precisa-se, porém, que a gravidade do dano não patrimonial indemnizável deverá ser aferida por um padrão objectivo (embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto), e não por um padrão subjectivo, derivado de uma sensibilidade especialmente requintada ou exacerbada ou, pelo contrário, particularmente embotada (João de Matos Antunes Varela, Direito das Obrigações, Volume. I, 7.ª edição, Livraria Almedina, pág. 576) (15).
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4.2.1.2. Regime especial - Contrato de empreitada de consumo
4.2.1.2.1. Identificação dos direitos

Lê-se no art. 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, que, em «caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato».
Ainda no mesmo art. 4.º, afirma-se que os «direitos de resolução do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador» (n.º 4); e que o «consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais» (n.º 5).
Defende-se, por isso, que o regime resultante do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, não efectua qualquer hierarquização dos direitos que o consumidor pode exercer, afastando-se do regime previsto no CC: o consumidor pode eleger o meio mais conveniente para os seus interesses, opção que só é afastada em caso de impossibilidade ou de abuso de direito (16).
Logo, não impondo o regime especial do contrato de empreitada de consumo que os direitos resultantes dos defeitos da obra sejam exercidos de forma subsidiária, poderão ser desde logo exercidos de forma alternativa, à escolha do consumidor.

Contudo, e uma vez feita essa livre escolha por si, o exercício do direito em causa processar-se-á de acordo com o regime geral do CC, já detalhadamente explicitado supra.
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4.2.1.2.2. Direito à reparação
Lê-se no art. 1.º-B, al. h), do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que «reparação», «em caso de falta de conformidade do bem», é «a reposição do bem de consumo em conformidade com o contrato».
Logo, reafirma-se aqui um regime em tudo idêntico ao do CC.

Precisa-se, porém, no citado art. 4.º que, tratando-se «de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, (…) sem grave inconveniente para o consumidor» (n.º 2); e a «expressão “sem encargos”, utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material» (n.º 3).
Logo, reforça-se o regime de protecção conferido pelo CC, robustecendo os direitos resultantes do direito de reparação da obra.
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4.2.1.2.3. Direito de indemnização
Não obstante o direito à indemnização pela execução da obra de forma desconforme com o contrato não se encontrar expressamente consagrado no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, resulta o mesmo «dos princípios gerais do cumprimento e incumprimento dos contratos e, em especial, do art. 12.º-1 da LDC» (Jorge Morais de Carvalho, Manual de Direito de Consumo, 2014, 2.ª edição, Almedina, pág. 234, com indicação de doutrina e jurisprudência conformes).
Com efeito, lê-se no art. 12.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor), que tem o «consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos».
Estão, porém, aqui em causa, exclusivamente, e no que tange aos danos patrimoniais, danos como lucros cessantes e danos emergentes resultantes do incumprimento, e não qualquer pagamento do custo de uma reparação dos defeitos (17).
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.2.1. Reparação dos defeitos

Concretizando, verifica-se que, tendo a obra dos autos sido realizada com defeitos, teriam os Autores (J. O. e mulher, A. S.) direito à sua eliminação pela Ré (B. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada), devendo interpelá-la para o efeito e fixar-lhe um prazo razoável para esse fim.
Mais se verifica que, de facto, o fizeram: inicial e verbalmente em 2013, na sequência do que seriam visitados pela Interveniente Acessória (que procedeu a reparações) e por Y (subcontratada pela Ré, que realizou testes para detectar a causa das infiltrações no tecto da cave); e depois em 2015, por escrito, quando aqueles e novos defeitos se manifestaram, tendo-lhe fixado então o prazo de «30 dias improrrogáveis após a recepção» da carta.
Por fim, verifica-se que a Ré não procedeu, nem antes, nem depois, a qualquer reparação ou eliminação de defeitos, divergindo porém as partes sobre se essa sua omissão integra uma situação de mera mora (como o entendeu o Tribunal a quo, por isso impondo que os Autores a voltem a demandar, já que não formularam pedido de condenação respectiva nessa actuação directa sua), ou de incumprimento definitivo (como defendem os Recorrentes, atenta a manifesta e prolongada recusa da Ré em assumir as suas obrigações, estando excedido qualquer prazo razoável para esse efeito).
Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, concorda-se com este último entendimento.

Com efeito, podendo a declaração antecipada de não cumprir ser expressa ou tácita (art. 217.º, n.º 1 do CC), considera-se que nos autos se manifestou de forma tácita, nomeadamente por a Ré ter agido de forma reiterada, desde 2013, recusando inequivocamente qualquer obrigação de reparação ou eliminação dos defeitos, não obstante interpelada diversas vezes para a cumprir, mostrando-se ainda já esgotado qualquer prazo razoável para esse efeito, atenta a natureza e a sede dos concretos vícios sub judice (18).
Depõem neste sentido: o nem sequer se ter disponibilizado a visitar (uma única vez que fosse) a habitação dos Autores, por forma a constatar os alegados defeitos, assumindo em julgamento essa sua indisponibilidade de forma leviana e despreocupada; o, estando integralmente paga, afirmar a fornecedora e subcontratada por si que não lhes pagava (o devido por venda e intervenção na obra em causa) porque ainda não tinha recebido, face a defeitos invocados pelo respectivo dono (que, afinal, para este limitado e falso efeito, tenderia a reconhecer); o contestar os autos defendendo falsamente ter executado a empreitada em causa sob autoridade e direcção dos Autores, aos mesmos cabendo a escolha de materiais e de soluções técnicas, tentando desse modo desresponsabilizar-se por algo que só a si competia; o serem os defeitos em causa (de que tinha detalhado conhecimento desde 2015) impeditivos da normal utilização da habitação pelos Autores, datando os primeiros do inverno de 2013, e sabendo ela própria, por dever de ofício, que se iriam necessariamente agravar com a sua inércia e o decurso do tempo; e o consubstanciarem os sete anos já decorridos prazo mais do que razoável para a sua intervenção, só em contra-alegações vir, pela primeira vez e após a certificação judicial da sentença recorrida, admitir essa sua obrigação, embora defendendo ser necessária nova acção, com a formulação do correspondente pedido (ao invés desta, onde os Autores pediram directamente a sua condenação no pagamento do custo das obras necessárias).
Tem-se, assim, por verificado o incumprimento definitivo da Ré (face à sua declaração tácita antecipada de não cumprir), a que acresce o esgotamento de qualquer prazo razoável para a sua actuação, permitindo desse modo que os Autores pedissem directamente na presente acção a sua condenação no pagamento do custo da reparação dos ditos defeitos.

Deverá assim, e para este efeito, ser a Ré condenada a pagar-lhes a quantia de € 14.865,00, acrescida de IVA, para reparação dos ditos defeitos, já que, não obstante alguns deles tenham origem estrutural, coube-lhe a si antes a liberdade de aceitar, ou não, a empreitada, e a escolha das soluções técnicas para lhes por termo, pelo que se pagou; e existe apenas o mero risco de que venham a surgir de novo, e não a respectiva certeza (sendo que, entregando agora a quantia pecuniária que os Autores reputaram suficiente e idónea para o efeito, não poderá voltar a ser demandada).
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4.2.2.2. Indemnização de danos não patrimoniais
Concretizando, verifica-se que, tendo-o os Autores (J. O. e mulher, A. S.) alegado, provaram que os defeitos existentes prejudicam a normal utilização da sua habitação e que se irão acentuando a cada dia que passe; e que registam incómodos e mau estar, bem como tristeza e desgosto, por terem de viver na casa no estado em que se encontra (recorda-se, com plúrimas infiltrações e humidades, que importam além dos mais manchas e bolores).
Registam ainda os Autores, face à prolongada falta de reparação dos ditos defeitos (por mais de sete anos) e não obstante as diversas interpelações da Ré (B. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) para o efeito (com o inerente desgaste pessoal), revolta e frustração, sendo certo que lhe pagaram integralmente o valor da obra em causa (acima do inicialmente orçamentado) logo em 2011, com o seu termo.
Logo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não se acompanha o Tribunal a quo, quando o mesmo considera estar-se em presença de danos não patrimoniais que não revestem a gravidade/intensidade susceptível de permitir a sua reparação, muito pelo contrário.
Dito de outra forma, não se considera que integre o risco próprio de uma empreitada o sujeitar-se o dono de uma habitação onde reside a suportar durante cerca de sete anos indevidas, reiteradas e agravadas entradas de águas no seu interior, enegrecendo e arrefecendo superfícies (paredes e tectos) que se destinam, precisamente, a protegê-lo da dita água, quando ele próprio cumpriu em momento anterior integralmente a sua prestação (de pagamento do preço), e tentou reiteradamente obter do empreiteiro a reparação da sua indevida actuação.

Deverá, assim, ser a Ré condenada a indemnizar os relevantes (com gravidade suficiente) danos não patrimoniais sofridos pelos Autores com a sua ilícita omissão (importando apenas, e de seguida, determinar o montante dessa indemnização).
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4.3. Determinação da indemnização (por danos não patrimoniais)
4.3.1. Critérios legais
Lê-se no n.º 4, do art. 496.º, do CC que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º», isto é, o «grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso» (mormente, o tipo de lesões registadas e o sofrimento daí resultante), sem esquecer os padrões adoptados pela jurisprudência e a flutuação da moeda.

Logo, o critério fundamental de fixação desta indemnização por danos não patrimoniais é a equidade, cujo julgamento «é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição» (António Menezes Cordeiro, O Direito, 122º, pág. 272) (19). Opera, por isso, como um mecanismo de adaptação da lei geral às circunstâncias do caso concreto (só o juiz - e não a lei abstracta - o podendo fazer).

Quanto à situação económica do autor do facto lesivo e da vítima, terão que ser ponderados «no contexto da situação económica do cidadão médio e do significado do bem jurídico afectado para a vida em sociedade» (Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, Volume II, Indemnização dos Danos Reflexos em Geral, 2.ª edição, Almedina, pág. 24).

Relativamente às demais circunstâncias do caso, atende-se aqui nomeadamente às lesões registadas e aos sofrimentos que provocaram, tendo necessariamente em conta a idade do lesado.

Por fim, ter-se-ão ainda «em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o art. 8.º, n.º 3, do CC, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito» (Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo n.º 08P3704, com bold apócrifo).

Dir-se-á, por tudo, que não se trata aqui de uma verdadeira indemnização, mas sim da atribuição de certa soma pecuniária, que se julga adequada a compensar e a minorar dores e sofrimentos, mercê das alegrias e satisfações que a mesma pode proporcionar.
Por outras palavras, os «interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas do dinheiro. Não se trata, portando, de atribuir ao lesado “um preço de dor” ou “um preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir interesses de ordem refinadamente ideal» (Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1991, pág. 115).
Tal reparação reveste mesmo uma natureza mista, visando, por um lado, compensar (mais até do que indemnizar) os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado; e, por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico, com os meios adequados do direito civil, a conduta do agente (assim também se compreendendo o apelo, feito no art. 496.º, n.º 4 do CC, ao «grau de culpabilidade do agente»).
Contudo, precisa-se que esta vertente secundária (sancionatória, de pena privada), face à vertente principal (essencialmente compensatória), apenas tem pleno sentido nos casos de responsabilidade civil em que o autor do dano é, simultaneamente, o efectivo pagador da indemnização, não se intrometendo um terceiro, estranho ao facto lesivo, com quem foi contratualizada a transferência da responsabilidade (v.g. mormente, as empresas seguradoras).
Reconhece-se, porém, que: da «conjugação do art. 496.º com o 494.º para que remete, verifica-se que a indemnização deve antes de mais ser ajustada à gravidade da ofensa (dentro do critério geral da restauração, quanto possível, da situação que existiria se não fosse a ofensa) e ao grau de culpa do agente», e «só depois a situação económica e outras circunstâncias do caso» (Ac. da RC, de 16.01.2008, Belmiro Andrade, Processo n.º 555/04.0GTAVR.C1); todos estes elementos de ponderação implicam uma certa dificuldade de cálculo, com o inerente risco de nunca se estabelecer uma indemnização rigorosa e precisa (Ac. do STJ, de 16.04.1991, Cura Mariano, BMJ, n.º 406, pág. 618).
No entanto, há muito que se defende que deve ter um alcance real e não meramente simbólico, por forma a que se atinja um justo grau de “compensação”, sendo «mais que tempo, conforme jurisprudência que, hoje, vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios. A indemnização por danos patrimoniais deve ser correcta, e a compensação por danos não patrimoniais deve tender, efectivamente, a viabilizar um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado, isto, neste âmbito, já ninguém nem nada consegue ! Mas - et pour cause - a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo, e não meramente simbólico. Aliás, é nesta linha que se encontra, como é do conhecimento geral, o contínuo aumento dos seguros obrigatórios estradais e dos respectivos prémios» (Ac. do STJ, de 16.12.1993, Cardona Ferreira, CJ, 1993, Tomo III, pág. 182, com bold apócrifo) (20).
Este juízo sai reforçado se, conforme o «considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012 (proc. n.º 3046/09.0TBFIG.S1, acessível em www.dgsi.pt)», destacarmos «a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar» (Ac do STJ, de 18.06.2015, Fernanda Isabel Pereira, Processo n.º 2567/09.9TBABF.E1.S1).
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4.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, e quanto à gravidade da ofensa, estão em causa direitos de personalidade dos Autores (J. O. e mulher, A. S.), como a sua integridade emocional (sentem incómodos, mau estar, tristeza, desgosto, revolta e frustração); e aquela está relevantemente afectada com a prolongada persistência dos defeitos (há já sete anos) no interior da casa que usam diariamente, que se agravam inexoravelmente com o tempo e que impedem a sua normal utilização.

Quanto ao grau de culpa do agente, verifica-se que é intenso, revelando a Ré (B. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada) uma leviana e irresponsável actuação, alijando falsamente para o dono da obra e para quem ela própria contrata responsabilidades que nem cuidou de verificar se eram suas; e, uma vez comprovadas judicialmente, escudando-se agora num entendimento mais formal dos autos (isto é, da correcção ou incorrecção do pedido formulado), para exigir a propositura de nova acção contra si (para que, então e finalmente, cumpra a obrigação de reparação cuja existência já não pode discutir).

Quanto à situação económica das partes, dir-se-á que, nada tendo sido alegado ou provado a esse respeito, não deixa a Ré de constituir uma sociedade comercial, que está no comércio jurídico visando e pressupondo o lucro; e neste momento permanece nele.

Quanto às outras circunstâncias do caso, não se deixa de ser sensível ao modo como a Ré, ao contestar os autos, não só se pretendeu eximir às responsabilidades que lhe cabiam, como falsamente as pretendeu alijar para cima de quem nela confiou (fosse para executar a obra, fosse para lhe vender materiais para ela, fosse para a intervencionar parcialmente, a seu pedido).

Por fim, e quanto os critérios jurisprudenciais vigentes nesta matéria, crê-se estarem os mesmos perfeitamente em linha com o valor peticionado de € 2.500,00. (tanto mais que a Ré não invocou quaisquer arestos contra).

Deverá, assim, ser a Ré ainda condenada a pagar aos Autores a quantia de € 2.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais que lhes causou.
A tal quantia acrescerão juros de mora (arts. 804.º, nº 1 e 806.º, n.º 1 e n.º 2, ambos do CC), calculados à taxa supletiva legal, actualmente de 4% ao ano (Portaria n.º 291/03, de 08 de Abril), contados desde a prolação do presente acórdão (por nele já se ter ponderado o decurso do tempo até este momento, em termos de quantitativo da indemnização) até integral pagamento.
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Mostra-se, pois, totalmente procedente o recurso dos Autores (J. O. e mulher, A. S.).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pelos Autores (J. O. e mulher, A. S.) e, em consequência, em revogar a sentença recorrida, condenando agora a Ré (B. & Companhia - Sociedade de Construções, Limitada)

· a pagar aos Autores a quantia de € 14.865,00 (catorze mil, oitocentos e setenta e cinco euros, e zero cêntimos), acrescida de IVA, a título de custo de reparação dos defeitos verificados na sua habitação;

· a pagar aos Autores a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros, e zero cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, de 4% ao ano, contados desde a prolação da presente decisão até integral pagamento.
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Custas da apelação pela Ré (art. 527.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC).
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Guimarães, 17 de Dezembro de 2020.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.



1. A exigência de rigor, no cumprimento do ónus de impugnação, manifestou-se igualmente a propósito do art. 685º-B, n.º 1, al. a), do anterior CPC, de 1961, conforme Ac. da RC, de 11.07.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 781/09, onde se lê que este «especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor», constituindo «simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso».
2. Neste sentido, mais exigente, Carolina Henriques Martins, Declarações de Parte, Universidade de Coimbra, 2015, pág. 58, José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 278, Paulo Pimenta, Processo Declarativo, Almedina, Julho de 2014, pág. 357, Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pág. 383-384, ou Remédio Marques, «A aquisição e a valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou à parte chamada a prestar informações ou esclarecimentos», Julgar, 2012, págs. 137-172. Na jurisprudência, Ac. da RP, de 15.09.2014, António José Ramos, Processo n.º 216/11.4TUBRG.P1, Ac. da RP, de 20.11.2014, Pedro Martins, Processo n.º 1878/11, Ac. da RP, de 17.12.2014, Pedro Martins, Processo n.º 2952/12, Ac. da RP, de 17.12.2014, Pinto dos Santos, Processo n.º 8181/11, Ac. da RP, de 23.03.2015, Eusébio Almeida, Processo n.º 1002/10.4TVPRT.PI, Ac. da RL, de 07.06.2016, Pedro Brighton, Processo n.º 427/13.8TVLSB.L1-1, Ac. da RP, de 20.06.2016, Manuel Fernandes, Processo n.º 2050/14, Ac. da RE, de 06.10.2016, Tomé Ramião, Processo n.º 1457/15, ou Ac. da RL, de 13.10.2016, Ondina Carmo Alves, Processo n.º 640/13.8TCLRS.L1.-2

3. Neste outro sentido, menos exigente, Elizabeth Fernandez, «Nemo Debet Esse Testis in Propria Causa? Sobre a (in)Coerência do Sistema Processual a Este Propósito», Julgar Especial, Prova Difícil, 2014, pág. 23, Catarina Gomes Pedra, A Prova por Declarações das Partes no Novo Código de Processo Civil. Em Busca da Verdade Material no Processo, Escola de Direito, Universidade do Minho, 2014, pág. 145, Mariana Fidalgo, A Prova por Declarações de Parte, FDUL, 2015, pág. 80, ou Luís Filipe Pires de Sousa, «As malquistas declarações de parte», in http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/coloquios_STJ/CPC2015/painel_1_articulados_audiencia_LuisSousa.pdf, consultado em Junho de 2018. Na jurisprudência, Ac. da RE, de 12.03.2015, Mata Ribeiro, Processo n.º 1/12.6TBPTM.E1, Ac. do STJ, de 05.05.2015, Gabriel Catarino, Processo n.º 607/06.2TBPMS.C1.S1, Ac. da RG, de 17.09.2015, António Figueiredo de Almeida, Processo n.º 912/14.4TBVCT-A.G1, Ac. da RG, de 02.05.2016, António Figueiredo Almeida, Processo n.º 2745/15.1T8VNF-A.G1, Ac. da RE, de 12.01.2017, Paulo Amaral, Processo n.º 812/13.5TBVNO.E1, Ac. da RL, de 26.04.2017, Luís Filipe Pires de Sousa, Processo n.º 18591/15.0T8SNT.L1-7, ou Ac. do TCAS, de 19.10.2017, Sofia David, Processo n.º 985/16.5BEALM.
4. Sobre a definição e funcionamento da prova por presunções, Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material, Almedina, 2020, pág. 68 e ss.
5. De forma mais ousada se decidiu no Ac. da RC, de 06.07.2010, Teresa Pardal, Processo n.º 550/05.2TBCBR.C1, quando no mesmo se lê que é «facto notório, não carecendo de alegação e prova, que uma espera de cerca de quatro anos pela reparação de defeitos numa casa de repouso e lazer causa sofrimento, tendo este gravidade suficiente para merecer a tutela do direito para efeitos de dano não patrimonial», estando igualmente em causa entradas e infiltrações de água.
6. Neste sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, 10.ª edição, Almedina, pág. 562.
7. Neste sentido, Ac. da RP, de 16.05.2016, Manuel Domingos Fernandes, Processo n.º 263/13.1T2ILH.P1, onde se lê que «sendo unânime que o regime do Dec. Lei n.º 67/2003 é aplicável ao contrato de construção de imóvel, desde que o dono da obra seja consumidor, não se vislumbram que razões é que justificam que o mesmo regime não seja aplicável quando o dono da obra contrata a reparação do imóvel, na medida em que o que releva é que se esteja perante uma relação de consumo entre o dono da obra e o empreiteiro». Ainda, Ac. da RP, de 08.05.2014, Leonel Serôdio, Processo n.º 298/11.9TBPFR.P1, e Ac. da RG, de 14.02.2019, Alcides Rodrigues, Processo n.º 995/16.2T8BGC.G2. Porém, em sentido contrário, João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos defeitos da obra, 6.ª edição, Almedina, 2015, pág. 205, onde se defende que a actual formulação do artigo 1.º-A n.º 2 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, «parece continuar a excluir os contratos de empreitada em que não é fornecido, produzido ou criado um bem, incidindo as obras de reparação, limpeza, manutenção ou destruição sobre um bem pré-existente, até por o regime do referido diploma está construído intencionalmente para situações em que exista a entrega dum bem a um consumidor por um profissional». Ainda Jorge Morais de Carvalho, Manual de Direito de Consumo, 5.ª edição, 2018, Almedina, pág. 267, onde se lê que, quando «a lei se refere a bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de prestação de serviços abrange apenas, dentro destes contratos, aqueles em que é entregue ao consumidor um bem, no sentido de coisa, de que este não dispunha anteriormente. O diploma não se aplica portanto a todos os contratos de empreitada, mas apenas àqueles em que está em causa uma obra nova não resultante de atividade predominantemente intelectual e que consista num resultado positivo», ficando excluídos os «contratos de empreitada que tenham por objeto a reparação ou a limpeza de um bem». Na jurisprudência, Ac. da RG, de 14.04.2016, Maria Purificação Carvalho, Processo n.º 432/10.6TBCHV.G1, onde se defende que a formulação do art. 1-A, n.º 2, introduzido pelo D.L. nº 84/2008, «parece continuar a excluir os contratos de empreitada em que não é fornecido, produzido ou criado um bem».
8. Lê-se a propósito, na sentença recorrida, nesta parte insindicada: «Isto posto, detetada a existência de “vícios” no sentido apontado supra, relativamente aos quais o empreiteiro não excluiu a sua responsabilidade, e afastada a caducidade do direito dos Autores, analisemos os direitos que os mesmos se propõem, em alternativa, exercer nos autos».
9. No mesmo sentido, Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso Em Especial Na Compra e Venda e Na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, 1994, pág. 388 e 389, onde se lê que, «tendo o credor encarregado um terceiro de proceder à eliminação dos defeitos, sem ter previamente recorrido às vias judiciais, não pode, depois, pedir a condenação do inadimplente no valor das despesas efectuadas. Mesmo após a condenação em tribunal, (…) o dono da obra não pode, ele próprio, proceder à reparação; como dispõe o artº 828º, tem de encarregar outrem dessa incumbência. O contrário seria aceitar uma forma de auto-tutela não admitida na lei».
10. Precisa-se, a propósito da «declaração antecipada de não cumprir», que a mesma ocorre sempre que o devedor, «antes do dia em que a obrigação deve ser cumprida (data do vencimento), comunique espontaneamente ao credor (…) a sua vontade de não cumprir o contrato (…); e, fazendo-o «para além do vencimento imediato da obrigação, com o credor a poder exigir o cumprimento sem necessidade de constituição em mora mediante interpelação - há, pode dizer-se, uma constituição automática da mora -, entende-se que aquela declaração equivale a incumprimento, podendo legitimar, portanto, a resolução, desde que seja certa, séria e segura, ou seja, desde que exprima uma vontade de não querer ou não poder cumprir, em termos não equívocos ou categóricos e definitivos». É que não há «razão para manter o credor vinculado, até ao vencimento, a uma relação jurídica que, em virtude de declaração séria, certa e segura, ante diem, de não cumprir do devedor, perdeu a força originária e desapareceu como vínculo em cuja actualidade final o sujeito activo possa confiar para satisfação plena e integral do seu interesse, razão existencial da obrigação» (João Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 8.ª edição, Almedina, págs. 127 e 129). No mesmo sentido, Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso Em Especial Na Compra e Venda e Na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, 1994, pág. 136, onde se lê que, «quando o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito, não se torna necessário que o credor lhe estabeleça um prazo suplementar para haver incumprimento definitivo».
11. Precisa-se, a propósito da interpelação admonitória, prevista no art. 808.º, n.º 1 do CC, que se o devedor não realizar prestação «dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação».
12. Neste sentido, Ac. do STJ, 10.07.2008, Fonseca Ramos, Processo n.º 08A1823, onde se lê que, aos «casos de urgência na reparação dos defeitos são de equiparar aqueloutros em que, volvido um prazo razoável, o vendedor/empreiteiro não realiza, definitivamente, a prestação a que está vinculado»; e, assim, decorridos «mais de cinco anos sobre a denúncia dos defeitos, não é exigível aos AA. que intentem acção judicial de execução específica para verem eliminados pela Ré os defeitos que ainda subsistem. Tendo a Ré sido repetidamente interpelada para eliminar os defeitos, reconhecido a sua existência e não conseguindo eliminá-los, a pretensão dos AA. de lhes ser atribuída a quantia peticionada, para eles mesmos executarem as pertinentes obras, não se antevê, neste circunstancialismo violadora do espírito da lei, não merecendo menos protecção que a que se atribui à auto-tutela do direito do comprador/dono da obra em casos de urgência». Ainda Ac. da RC, de 06.07.2010, Teresa Pardal, Processo n.º 550/05.2TBCBR.C1, onde se lê (com bold apócrifo) que a «mesmo que não haja urgência na reparação, o dono da obra poderá peticionar o valor da reparação, desde que já tenha sido facultado ao empreiteiro a oportunidade de proceder à eliminação dos defeitos, sem que este o tenha feito com sucesso em prazo razoável». «No presente caso, a reparação não terá sido sentida como urgente, pois os autores não a realizaram, tendo vindo, ao longo destes anos, a insistir com a ré para a efectuar e pedindo agora, na presente acção, uma quantia que destinam a tal reparação. Todavia, mesmo não sendo urgente a reparação, esta deverá ser feita em tempo razoável, não sendo exigível aos autores que esperem indefinidamente, sob pena de manifesto abuso de direito (artigo 334º do CC). Efectivamente, comunicados os defeitos à ré, esta ainda procedeu a uma reparação que os não eliminou e, decorridos cerca de quatro anos depois da verificação dos defeitos e da sua denúncia, há que concluir necessariamente que a ré não irá proceder à reparação e que a relação de confiança entre as partes deixou de existir. Na sentença recorrida, entendendo-se que essa relação de confiança deixou de existir, escreveu-se, referindo-se à ré, que “não se justificará que venha novamente a ser condenada na realização da dita reparação”, expressão esta que, manifestamente, resulta de mero lapso, quando obviamente pretendeu dizer que não deverá ser dada nova oportunidade à ré para a correcção dos defeitos, uma vez que já teve essa oportunidade e não a aproveitou, não tendo demonstrado que tem capacidade para proceder à necessária reparação. Não procedendo a ré à reparação, não deixa a mesma de ser responsável pelos prejuízos causados, nos termos do artigo 1225º do CC, correspondendo a indemnização devida à quantia que se provou ser necessária à reparação. (…) É o caso dos autos, em que, depois de comunicarem os defeitos à ré e de esta ter feito pelo menos uma tentativa sem sucesso para os reparar, os autores esperaram cerca de quatro anos antes de intentar esta, insistindo sempre, sem êxito, para que ré resolvesse o problema. Tem, pois, de se considerar que a ré teve oportunidade de exercer o seu direito de ser ela a eliminar os defeitos e, não o tendo feito em prazo razoável, é legítimo aos autores procederem eles próprios à reparação, com recurso a terceiro e à custa da ré».
13. No mesmo sentido, Vaz Serra, Empreitada, BMJ, nºs 145 e 146, onde se defende que o exercício de qualquer dos direitos que a lei confere ao dono da obra pode não ser integralmente reparador dos danos derivados da má execução, como, por exemplo, sucederá «se, para a eliminação do vício (…) foi preciso certo tempo e isso levar o empreiteiro a entregar a coisa com atraso ou retomá-la para essa eliminação, privando, assim, o dono da obra, durante algum tempo, do uso e gozo da coisa, ou se a reparação for feita pelo dono da obra à sua custa, tendo ele exigido a redução do preço, ou se a coisa, devido a um vício de construção ou de reparação, causar danos à pessoa ou a outras coisas do dono da obra, ou sem não sendo possível a redução do preço (porque o vício não produziu uma diminuição do valor ou do rendimento da obra), o dono da obra teve, não obstante, um dano, ou se, apesar da redução do preço, o dono da obra teve o dano da parte proporcional das despesas do contrato».
14. Admite, porém, Pedro Romano Martinez, a págs. 441 e 442 de Cumprimento Defeituoso Em Especial Na Compra e Venda e Na Empreitada, que a indemnização que, em princípio «não pode ser pedida de forma autónoma, mas tão-só como complemento dos restantes meios edilícios», seja excepcionalmente pedida em exclusivo, «por não haver outra alternativa que satisfaça os (…) interesses» do credor. Serão, nomeadamente, os casos: de terem falhado a eliminação dos defeitos ou a substituição da prestação, mantendo-se estas prestações possíveis (exigindo-se assim o montante correspondente, a fim de serem efectuadas por terceiro - art. 828.º do CC -, ou para se obter bem idêntico ao preço de mercado); ou de, não sendo possível efectuar qualquer das pretensões de cumprimento, o defeito da prestação não implicar uma redução do seu valor, e o credor não queria (ou não possa) recorrer à resolução do contrato.
15. No mesmo sentido, de inoperância, em geral, de puros elementos subjectivos, Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 9.ª edição, Almedina, pág. 552.
16. Neste sentido, Luís Manuel Teles Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, 3.ª edição, Almedina, págs. 151 a 154. Na jurisprudência, Ac. do STJ, de 05.05.2015, João Camilo, Processo n.º 1725/12.3TBRG.G1.S1, onde se lê que, nos «termos do DL n.º 67/2003, de 08-04, os meios que o comprador que for consumidor tem ao seu dispor para reagir contra a venda de um objecto defeituoso, não têm qualquer hierarquização ou precedência na sua escolha. Segundo o n.º 5 do art. 4.º do referido diploma legal, essa escolha apenas está limitada pela impossibilidade do meio ou pela natureza abusiva da escolha nos termos gerais». Ainda, Ac. da RG, de 14.02.2019, Alcides Rodrigues, Processo n.º 995/16.2T8BGC.G2, onde se lê que, como «é sabido, a questão de saber se o regime do Dec. Lei n.º 67/2003 estabelece, ou não, uma hierarquia entre os vários direitos do consumidor em caso de falta de conformidade não é unívoca. Contudo, a jurisprudência maioritária vai no sentido que o consumidor pode exercer qualquer um dos direitos imediatamente com o limite do abuso de direito, ou seja, no sentido da inexistência de hierarquia». Contudo, e ainda assim, outros entendem que «o consumidor tem o poder-dever de seguir primeiramente e preferencialmente a via da reposição da conformidade devida (pela reparação ou substituição da coisa) sempre que possível e proporcionada, em nome da conservação do negócio jurídico, tão importante numa economia de contratação em cadeia, e só subsidiariamente o caminho da redução do preço ou resolução do contrato» (João Calvão da Silva, Venda de Bens de Consumo. Comentário, 3ª edição, Almedina, pág. 82). No mesmo sentido, João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, Março de 2004, pág. 145, onde se lê que, apesar «da redação dos quatro primeiros números do art. 4º do D.L. 67/2003, aparentar que a escolha pelo dono da obra do exercício dos direitos de reparação, e substituição da coisa seria arbitrária, o disposto no nº 5 do mesmo artigo, ao impor o respeito pelos ditames da boa-fé neste capítulo, reconduz-nos às regras de articulação do exercício destes diferentes direitos vigentes no regime geral dos contratos de empreitada. Isso mesmo resulta do disposto no artigo 3.º da Directiva 1999/44/CE, o qual é um elemento interpretativo importante para apurar o sentido das normas do D.L. 67/2003». Na jurisprudência, Ac. da RG, 12.07.2016, Jorge Seabra, Processo n.º 59/12.8TBPCR.G1, defendendo que o direito à indemnização não pode ser livre e arbitrariamente exercido pelo dono da obra, que tem que lançar mão, alternativamente, de um dos direitos elencados no art. 4.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, porquanto todos se destinam a repor a justiça contratual tal como as partes a configuraram ao formarem a vontade de contratar (repõe-se a coisa no estado em que estava contratualmente previsto, substitui-se a coisa por coisa igual quando seja possível, reduz-se o preço de molde a equilibrar as prestações ou, por fim, resolve-se o contrato quando a sua manutenção não permite repor as partes na situação originária).
17. Neste sentido, de forma exemplarmente desenvolvida e fundamentada, Ac. da RP, de 16.05.2016, Manuel Domingos Fernandes, Processo n.º 263/13.1T2ILH.P1.
18. Neste sentido, Ac. da RG, de 06.03.2012, Rosa Tching, Processo n.º 31182/11.5YIPRT.G1, onde se lê que, desde «que os factos revelem, inequivocamente, a falta de vontade do empreiteiro em eliminar os defeitos da obra, esta sua recusa em fazê-lo configura uma situação de incumprimento definitivo, não havendo, por isso, necessidade de converter a mora em incumprimento definitivo, seja mediante interpelação admonitória, seja perante a declaração de perda de interesse na prestação, nos termos do art. 808º do C. Civil».
19. No mesmo sentido, Almeida Costa, «Reflexões Sobre a Obrigação de Indemnização», RLJ, 134º, pág. 299, e Vaz Serra, RLJ, 114.º, pág. 310.
20. Reafirmando-o, Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo n.º 08P3704, já citado, com extensa indicação de outros arrestos.