Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1906/18.6T 8VRL.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
TRANSIÇÃO PARA O NRAU
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I - Os arrendamentos não habitacionais celebrados antes da vigência do Decreto-Lei n.º 257/95 de 30 de Setembro podem ser sujeitos à transição para o NRAU e à actualização da renda, nos termos do disposto nos artigos 50º e segs. do NRAU.

II - Com a entrada em vigor da Lei 43/2017 de 14 de Junho, que deu nova redacção ao artigo 54º , n.º 1 do citado diploma, o contrato só fica submetido ao NRAU, mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de dez anos a contar da recepção pelo senhorio da resposta do arrendatário.

III - Se no decurso do prazo da lei antiga (5 anos) e antes daquele terminar se iniciou a vigência de uma nova lei que alargou o prazo para 10 anos, nos termos do disposto no artigo 297.º n.º 2, do Código Civil o novo prazo para a transição do contrato de arrendamento para o N.R.A.U., será este contando-se, todavia, o prazo entretanto já decorrido.

IV- Assim sendo, o artigo 54º do NRAU na redacção da Lei 43/2017 de 14 de Junho é aplicável ao prazo que estava a decorrer conducente à transição para o novo regime de arrendamento.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – (…) viúva, NIF (…) residente na Rua (…), Vila Real, interpôs a presente ação declarativa de simples apreciação, sob a forma de processo comum, contra (…), casado, NIF (…) a citar na Rua (…) Vila Real, pedindo para:

a) Ser declarada como validamente efetuada a transição do contrato de arrendamento para o NRAU conforme cartas enviadas pela autora ao réu em 31/07/2013 e 07/08/2018;
b) Ser declarada como validamente efetuada a oposição à renovação, por parte da senhoria, do contrato de arrendamento comercial melhor identificado na petição inicial, operada por carta enviada ao réu em 07/08/2018, sendo declarado cessado o contrato de arrendamento em 25 de agosto de 2020, com a cominação legal daí resultante.

Para o efeito, alegou ser dona do imóvel descrito no artigo 3º da petição inicial, o qual foi dado de arrendamento para fins comerciais, no ano de 1934, ao antecessor do réu, tendo-se-lhe transmitido este arrendamento.
Sucede que a autora promoveu a transição do contrato de arrendamento para NRAU, tendo ainda comunicado a oposição à renovação, conforme trocas de correspondências que junta aos autos, que, no seu entender produzirão efeitos a 25 de agosto de 2020, em conformidade com a Lei nº 31/2012, de 14/08, o que o réu não aceita, defendendo que os efeitos apenas se produzirão no dia 25 de agosto de 2023, em conformidade com a Lei nº 79/2014, de 19/12, pelo só a partir de tal data se iniciará um novo contrato, pugnando a autora pela aplicação da lei antiga, em vigor aquando da primeira comunicação.
*
Citado o réu, veio aceitar as posições contratuais das partes, bem como as trocas de correspondência, mas invocar que, em face da entrada em vigor da Lei nº 79/2014, de 19/12, que consagrou um alargamento do prazo durante o qual o senhorio não pode transitar o contrato para NRAU, de 5 para 10 anos, bem como um alargamento do prazo do contrato celebrado com prazo certo, de 2 para 5 anos, a transição apenas pode operar em 2023, pelo que então se iniciará um contrato de 5 anos, pugnando, pois, pela aplicação da lei nova.

Os autos prosseguiram e foi proferida decisão ao abrigo do disposto no artigo 595º, n.º 1 do Código de Processo Civil, nos seguintes termos:

Em face do exposto e atentas as considerações que antecedem, o Tribunal decide julgar a presente ação totalmente improcedente e, em consequência:

a) Não declarar validamente efetuada a transição do contrato de arrendamento referido em 3 dos factos provados para o NRAU;
b) Não declarar validamente efetuada a oposição à renovação, por parte da senhoria, do referido contrato;
c) Absolver o réu de todos os pedidos formulados.

Inconformada a autora interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:

1. A presente ação corresponde a uma ação declarativa de simples apreciação, sob a forma de processo comum, intentada pela Autora aqui Recorrente, na qualidade de Senhoria, contra Manuel, na qualidade de Arrendatário, peticionando a Autora para:

a) Ser declarada como validamente efetuada a transição do contrato de arrendamento para o NRAU conforme cartas enviadas pela Autora ao Réu em 31.07.2013 e 07.08.2018;
b) Ser declarada como validamente efetuada a oposição à renovação, por parte da senhoria, do contrato de arrendamento comercial melhor identificado na petição inicial, operada por carta enviada ao réu em 07.08.2018, sendo declarado cessado o contrato de arrendamento em 25 de Agosto de 2020, com a cominação legal daí resultante.

2. Sendo que o Tribunal a quo fixou então as seguintes questões a decidir:

1. Transição do contrato de arrendamento para o NRAU;

2. Data da produção de efeitos da transição e duração do novo contrato.

3. Tendo proferido a seguinte decisão:

a) Não declarar validamente efetuada a transição do contrato de arrendamento referido em 3 dos factos provados para o NRAU;
b) Não declarar validamente efetuada a oposição à renovação, por parte da senhoria, do referido contrato;
c) Absolver o réu de todos os pedidos formulados

3. Ora, sucede que o contrato de arrendamento foi celebrado em 1934, portanto, em momento anterior à vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU) e do Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de setembro que reviu o regime do arrendamento urbano para o exercício de comércio, indústria profissões liberais e outros fins lícitos não habitacionais.

4. Como tal, é aplicável ao contrato em apreço, o Capítulo II, Secção I e H do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27/02 e sucessivamente alterado, designadamente pela Lei nº 31/2012, de 14/08, Lei nº 79/2014, de 19/12 e Lei nº 42/2017, de 14/06.

5. A transição para o NRAU e a atualização de rendas depende de iniciativa do senhorio, nos termos do artigo 50º do NRAU, iniciativa que a autora tomou no ano de 2013, sendo que, à data, a redação do NRAU vigente era a conferida pela Lei nº 31/2012, de 14/08, que previa:

“A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando:

a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;
b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana;
c) Cópia da caderneta predial urbana. ”

6. Por sua vez, dispunha o artigo 51º do NRAU, à data, quanto à resposta do arrendatário:

“1 - O prazo para a resposta do arrendatário é de 30 dias a contar da receção da comunicação prevista no artigo anterior. (...)
3- O arrendatário, na sua resposta, pode:
a) Aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio;
b) Opor-se ao valor da renda proposto pelo senhorio, propondo um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 52.º;
c) Em qualquer dos casos previstos nas alíneas anteriores, pronunciar-se quanto ao tipo ou à duração do contrato propostos pelo senhorio;
d) Denunciar o contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 53.º

4 - Se for caso disso, o arrendatário deve ainda, na sua resposta, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 54.º, invocar uma das seguintes circunstâncias:

a) Que existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público e que é uma microentidade; (...)

6 - O arrendatário que invoque uma das circunstâncias previstas no n.º 4 faz acompanhar a sua resposta de documento comprovativo da mesma, sob pena de não poder prevalecer-se da referida circunstância (...)”.

7. E o artigo 54º:

“I- Caso o arrendatário invoque e comprove uma das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51.º, o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de cinco anos a contar da receção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário nos termos do n.º 4 do artigo 51.º
2 - No período de cinco anos referido no número anterior, o valor atualizado da renda é determinado de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º (..)

6 - Findo o período de cinco anos referido no n.º 1, o senhorio pode promover a transição do contrato para o NRAU, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 50.º e seguintes, com as seguintes especificidades:

a) O arrendatário não pode invocar novamente qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51.º;
b) No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de dois anos.”

8. Ora, neste caso, as partes não questionam que, na sequência da iniciativa da autora para a transição do contrato, por carta de 31 de julho de 2013, o réu invocou que existe no local um estabelecimento que é uma microentidade, por carta de 23 de agosto de 2013, o que a autora aceitou.

9. Assim, quanto à renda houve acordo das partes na fixação do seu valor porquanto a Recorrente aceitou a contraproposta do Recorrido e as partes não questionam o valor da renda; quanto à transição o único acordo consistiu em remeterem para o regime subsidiário aplicável na falta de acordo.

Pelo que,

10. Efetivamente, a Lei nº 79/2014, de 19 de dezembro, veio alterar o nº 6 do artigo 54º, alargando o prazo supletivo do contrato para 3 anos.

11. E a Lei nº 43/2017, de 14 de junho, veio alterar o nº 1 do mesmo preceito, alargando para 10 anos o período moratório para a transição e o prazo supletivo do contrato para 5 anos.

12. O primeiro destes diplomas, nas disposições transitórias, estipula no artigo 6º, nº 1:

As alterações introduzidas à Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pela presente lei aplicam-se aos procedimentos de transição para o NRAU, previstos nos artigos 30.º e seguintes e 50.º e seguintes, que se encontrem pendentes na data da sua entrada em vigor, sem prejuízo dos direitos e obrigações decorrentes dos atos já praticados nesses procedimentos e do disposto nos números seguintes.”

13. Pelo exposto, o Tribunal concluiu que o prazo supletivo do contrato, previsto, no artigo 54º, nº 6 al. b) do NRAU, é aplicável à situação em apreço.

14. O Tribunal a quo entende que o direito de a Recorrente fazer transitar o contrato para o NRAU ainda não se tinha constituído à data da entrada em vigor da lei nova, porque esta entrou em vigor em 2017 e o seu direito apenas se constituiria com o término do prazo, em 2018.

15. Assim, não havia ainda efeitos jurídicos produzidos, mas eventualmente uma expectativa.

16 . A Recorrente não pode concordar com o entendimento do Tribunal a quo, pois entende que a sentença consubstancia uma errada interpretação da lei e do direito, concretamente violadora do artigo 12.º do Código Civil e artigo 2.º da C.R.P, não devendo o Tribunal a quo aplicar, no caso em apreço, a Lei N.º 43/2017 de 14 de Junho, concretamente o seu artigo 51.º.

17. Pois que, a Recorrente entende que as respostas firmadas na sentença da qual se recorre não são as corretas, mas antes pelo contrário, claramente violadoras do artigo 12.º do Código Civil e ainda de direitos liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, concretamente o artigo 2.º da C.R.P, ora vejamos:

18. Encontra-se evidenciado nos autos a existência de um contrato de arrendamento, mediante o pagamento de uma renda mensal.

19. No caso estamos perante um arrendamento urbano para fins não habitacionais celebrado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei N.º 257/95 de 30 de Setembro.

20. Ora, após a entrada em vigor da Lei N.º 31/2012 de 14 de Agosto, a transição desses contratos para o N.R.A.U e a respetiva atualização da renda, dependiam de iniciativa do senhorio, que deveria comunicar a sua intenção ao arrendatário.

21. Sendo que tal foi cumprido no caso em apreço, pois a Senhoria, representada pelo seu filho, com poderes para o efeito, em 31 de Julho de 2013, enviou missiva ao Réu, manifestando a iniciativa de proceder à transição do contrato para o N.R.A.U com a correspondente atualização da renda.

22. No entanto, o Recorrido informou que estamos perante uma microentidade nos termos do artigo 51º N.º 5 da Lei N.º 6/2006 de 27 de Fevereiro com as alterações previstas na Lei 31/2012 de 14 de Agosto, e que desse modo o contrato apenas ficará submetido ao NRAU no prazo de 5 anos, aceitando a atualização da renda.

23. Pelo que, a Recorrente aceitou tal proposta, informando da transição do contrato de arrendamento a partir de 26 de Agosto de 2018, sendo que em 07.08.2018 a Recorrente enviou missiva ao Recorrido a informar que o contrato transita para o NRAU em 26.08.2018 e que por isso terá após essa data o período certo de 2 anos, opondo-se a Recorrente à sua renovação, e por isso cessará o contrato em 25 de Agosto de 2020.

24. Sucede que, no período de 5 anos que medeia esta transição que já se encontrava a vigorar, o prazo previsto no artigo 51.º N.º 4 da Lei N.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, foi alargado para 10 anos pela Lei N.º 43/2017 de 14 de Junho.

25. Desse modo, o Tribunal a quo entendeu que a lei aplicável no caso em apreço é a Lei N.º 43/2017, que estipula o prazo de 10 anos, e não 5 anos, para a transição do contrato de arrendamento para o N.R.A.U, mas deverá ser contabilizado o prazo entretanto já decorrido, assim como entendeu ainda que na falta da acordo tal contrato terá a duração de 5 anos.

26. Entendimento este com o qual a Recorrente não pode concordar.

27. As negociações para a transição do contrato para o N.R.A.U, estabelecidas entre a Recorrente e o Recorrido, tiveram início no remoto ano de 2013, período em que se encontrava em vigor a Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, com as alterações e aditamento introduzidas pela Lei N.º 31/2012 de 14 de Agosto e declaração de retificação n.º 59-A/2012 de 12 de Outubro.

28. Sendo que, nessa data, o artigo 54.º Ns.º 1 e 6 da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro estipulava o seguinte:

“1. Caso o arrendatário invoque e comprove uma das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51.º, o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de cinco anos a contar da receção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário nos termos do n.º 4 do artigo 51
6. Findo o período de cinco anos referido no n.º 1, o senhorio pode promover a transição do contrato para o NRAU, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 50.º e seguintes, com as seguintes especificidades:
a) O arrendatário não pode invocar novamente qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51.º;
b) No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de dois anos.”

29. Assim, aquando das negociações tendentes à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, aquilo que esteve na sua base foi o período de cinco anos previsto no artigo 54.º n.º 1 da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, e não o período de 10 anos que foi estabelecido pela alteração à respetiva Lei, ocorrida em Junho de 2017.

30. Ou seja, a aqui Recorrente tendo por base tal prazo de 5 anos, promoveu a consequente transição para o N.R.A.U, tendo em conta que o contrato de arrendamento no decorrer de todos estes anos se encontra obsoleto, com cláusulas desajustadas e desproporcionais ao real e atual valor do locado, assim como informou que teria a duração de 2 anos.

Acresce ainda que,

31. A Lei N.º 43/2017 apenas refere no seu artigo 8.º que “a presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”, ou seja dia 15 de Junho de 2017.

32. Assim, tendo em conta o artigo 12º N.º 1 do Código Civil, o mesmo estipula que a lei só dispõe para o futuro e ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular, isto é, se o facto ocorreu no domínio das anteriores versões da norma e já produziu os seus efeitos não lhe é aplicável a disposição agora em vigor, não podendo a Recorrente conformar-se com a decisão do Tribunal a quo.

33. Ora, de acordo com os ensinamentos do Professor Baptista Machado quando as normas visam regular a constituição de situações jurídicas, revela-se aplicável a lei do momento em que a situação é constituída. (1)

34. Desse modo, entende a Recorrente que a nova lei não pode ter, como não tem, efeitos retroativos relativamente a situações que já se encontravam consolidadas, sendo por via disso aplicável a lei do momento em que a situação se constituiu.

35. Assim, se a Lei N.º 43/2017 apenas deu entrada em 15 de Junho de 2017, não poderá ser aplicável no caso em concreto e muito menos pode a Recorrente ser prejudicada com tal alteração da norma legal.

36. É certo que a nova Lei N.º 43/2017 tem como intenção a de acautelar os direitos dos Arrendatários, no entanto não podemos descurar os direitos dos Senhorios e os seus interesses e expectativas.

37. No caso em apreço referimo-nos a uma fração de um prédio em pleno centro da cidade de Vila Real, e se é certo que o contrato de arrendamento já perdura desde 1934, também é certo que a sociedade evoluiu, que os preços referentes aos arrendamentos e ao próprio mercado imobiliário aumentaram e como tal, não é justo, proporcional ou equitativo que tal arrendamento se mantenha em condições ultrapassadas e desajustadas, prejudicando grave e seriamente os interesses e expetativas económicos da Recorrente.

38. Pelo que, conclui-se que o NRAU aplica-se aos contratos celebrados no âmbito da lei antiga, que subsistam à data da sua entrada em vigor, abrangendo os factos ocorridos na vigência da lei nova e não já da lei velha, sem prejuízo das normas transitórias. (2)

39. Isto significa que a Nova lei se aplica aos contratos celebrados no âmbito da lei antiga que perdurem à data da sua entrada em vigor, como é o caso, no entanto apenas abrange os factos ocorridos na vigência da lei nova, ou seja, ocorridos após 15 de Junho de 2017 e já não da lei velha, como no caso em apreço, tendo em conta que no ano de 2013 encontrava-se em vigor a lei antiga que estabelecia o prazo de 5 anos e não de 10 anos, assim como estipulava como duração do contrato após a sua transição para o NRAU, o período de 2 anos e não 5 anos.

40. Não sendo por via disso aplicável ao caso em apreço a Lei N.º 43/20007.

Ademais,

41º Tal sentença e posição assumida pelo Tribunal a quo, é claramente violadora do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica.

42º Como o Tribunal Constitucional também salientou, no Acórdão n.º 862/2013: «A proteção da confiança é uma norma com natureza princípio-lógica que deflui de um dos elementos materiais justificadores e imanentes do Estado de Direito: a segurança jurídica dedutível do artigo 2.º da CRP. Enquanto associado e mediatizado pela segurança jurídica, o princípio da proteção da confiança prende-se com a dimensão subjetiva da segurança – o da proteção da confiança dos particulares na estabilidade, continuidade, permanência e regularidade das situações e relações jurídicas vigentes. Sustentado no princípio do “Estado de direito democrático”, o seu conteúdo tem sido construído pela jurisprudência, em avaliações e ponderações que têm em conta as circunstâncias do caso concreto».

43º No caso concreto, a Recorrente promoveu a supra mencionada transição para o N.R.A.U, decorria o ano de 2013, acreditando que teria de aguardar 5 anos para que tal transição operasse, e findo esse período teria de manter o contrato de arrendamento pelo período de 2 anos.

44º Agora, com a alteração legislativa, a sua expetativa foi defraudada, sendo que o prazo de transição de 5 anos alargou para 10 anos e após tal transição no silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, quando na lei anterior esse prazo era de apenas 2 anos.

45ºO princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo a ideia de proteção da confiança) pode formular-se do seguinte modo:

46º O indivíduo tem o direito de poder confiar que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico.

47º O princípio da confiança na previsibilidade das soluções visa a proteção da confiança, dos cidadãos e da comunidade, na ordem jurídica, de tal forma que alterações na lei hão-de ter em conta direitos adquiridos, expectativas criadas, situações jurídicas estabilizadas que justifiquem o sacrifício da aplicação imediata da nova lei.

48º O cidadão deve poder prever as intervenções que o Estado poderá levar a cabo sobre ele ou perante ele e preparar-se para se adequar a elas. Deve poder confiar em que a sua actuação de acordo com o direito seja reconhecida pela ordem jurídica e assim permaneça em todas as suas consequências juridicamente relevantes.

49º Esta confiança é violada sempre que o legislador ligue a situações de facto constituídas e desenvolvidas no passado, consequências jurídicas mais desfavoráveis do que aquelas com que o atingido podia e devia contar. Um tal procedimento legislativo afrontará frontalmente o princípio do Estado de direito democrático.

50º Daí que se possa falar que os cidadãos tenham, fundadamente, a expectativa na manutenção das situações de facto já alcançadas como consequência do direito em vigor.

51º Mas, se não obstante esse alcance, normação posterior vier, acentuada ou patentemente, alterar o conteúdo dessas situações, é evidente que a confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico ficará fortemente abalada, frustrando a expectativa que detinham da anterior tutela conferida pelo direito.
O princípio da confiança é violado quando haja uma afetação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa de expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos. (3)

52º A ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, por dois critérios:

- A afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação na ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas delas constantes não possam contar;
- Quando for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes, devendo recorrer-se aqui ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 2 da Constituição) (4).

53º Pelo que, a aplicação da nova lei conduz a uma frustração injustificada das expetativas da Recorrente, na qualidade de Senhoria.

54º Pois é certo que o artigo 54º Ns.º 1 e 6 da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro conferia expetativas legitimamente fundadas à aqui Recorrente, assim como a todos os Senhorios, de que poderiam encetar a transição para o N.R.A.U dos contratos vinculísticos num prazo de 5 anos.

55º Olhada no plano subjetivo, a segurança jurídica reconduz-se a proteção da confiança, tal como a jurisprudência a tem interpretado. Os cidadãos têm direito à proteção da confiança, da confiança que podem pôr nos atos do poder político que contendam com as suas esferas jurídicas. E o Estado fica vinculado a um dever de boa fé.

56º É certo que o legislador pode legislar inovatoriamente, estando habilitado a alterar a lei processual (i.e., a lei por que se regem processos judiciais), mesmo quanto a pressupostos processuais ou a legitimidade ativa relativamente a factos passados, dentro de certos limites. De facto, não havendo «um direito à não-frustração de expetativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados» (Acórdão n.º 287/90, disponível, tal como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt), bem se compreende, que o juízo da conformidade constitucional destes casos «dependerá essencialmente de uma ponderação de bens ou interesses em confronto» (5)

57º Numa situação como a objeto do presente processo um dos limites constitucionais à atuação do legislador é o princípio da segurança jurídica ou ao princípio da proteção da confiança.

58º As componentes subjetivas da segurança exigem «calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos» (6)

59º Conforme vem sendo afirmado pelo Tribunal Constitucional «fora dos casos de retroatividade proibida expressamente previstos na Constituição, o juízo-ponderação de que o Tribunal Constitucional vem lançando mão para apreciar as restantes situações potencialmente lesivas do princípio da segurança jurídica assenta no pressuposto de que o princípio do Estado de Direito contido no artigo 2.º da CRP implica “um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expetativas que a elas são juridicamente criadas”. Neste sentido, “a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança (...), terá de ser entendida como não consentida pela lei básica”. (7)

60º A questão que deve ser colocada é, então, saber se a norma em causa afeta, de forma inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa direitos ou expetativas legitimamente fundadas dos cidadãos, traduzindo uma violação daquele mínimo de certeza e de segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito – i.e. uma violação do princípio da proteção da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da CRP. (8)

61º Seguindo a metodologia adotada na jurisprudência do Tribunal Constitucional, importa começar por formular um juízo sobre a legitimidade das expetativas dos cidadãos visados.

62º Neste âmbito, é necessário que:

i) as expetativas dos particulares sejam legítimas, justificadas e fundadas em boas razões, que
ii) o Estado (em especial, o legislador) tenha atuado de forma a gerar nos particulares, expetativas de continuidade, e que,
iii) os particulares tenham feito planos de vida tendo em conta essa expetativa de continuidade de comportamento estadual materializados ou traduzidos em atuações concretas.

63º Aqui chegados, cumpre transpor para a norma em apreciação os padrões de aferição da conformidade das normas infraconstitucionais com o princípio paramétrico da proteção da confiança.

64º Neste sentido, importa começar por sublinhar a legitimidade e plena justificação das expetativas dos Senhorios a que a lei atribuiu expressamente um prazo para operar a transição para o N.R.A.U e durante o normal curso de tal prazo, surge uma alteração da norma legal, alargando tal prazo em dobro.

65º A alteração ao N.R.A.U vem apenas na senda dos direitos e interesses dos Arrendatários, em detrimento dos Senhorios.

66º De concluir será, portanto, que, nesta matéria, o legislador atuou de forma a gerar nos Senhorios certas expetativas que os determinaram à realização de planos de vida, pressupondo a continuidade do comportamento estadual.

67º A concretização dos ditos planos traduziu-se na elaboração de uma comunicação pela Senhoria, acreditando que no final de tal período/prazo, de 5 anos, a transição por si movida se concretizaria.

68º Agiu de acordo com um comportamento social normal, respeitador do enquadramento legal aplicável, confiando na sua estabilidade, pois nada fazia prever que tal prazo fosse alargado para o dobro.

69º Sendo do entendimento da Recorrente que se encontra demonstrada a verificação de uma mutação inesperada da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas não podiam contar, o que causou uma afetação das suas legítimas expetativas.

70º Se em si, possa surgir alguma aceitação para a entrada da nova lei, contendo o alargamento de tal prazo, de forma a acautelar os direitos dos arrendatários, no que concerne a situações jurídicas constituídas no passado exige, todavia, uma ponderação de interesses contrapostos, constituídos, por um lado, pelas expetativas dos particulares na continuidade do quadro legislativo vigente e, por outro, pelas razões de interesse público que justificam a alteração das soluções legislativas.

71º Nessa ponderação assume especial relevância a lesão ao interesse particular legítimo, na medida em que esta constitui uma ablação do prazo que já se encontrava em vigor e no qual acreditava a Recorrente.

72º Ora, entende a Recorrente que aplicar de imediato tal alargamento do prazo, é ultrapassar, de forma excessiva, a medida de sacrifício imposto aos interesses particulares atingidos, uma vez que bastaria a previsão de um regime transitório adequado para acautelar as expetativas legítimas dos Senhorios, sem descurar o interesse público que reside em tal lei.

73º Conclui-se, assim, que a aplicação imediata e automática da solução legal ínsita no artigo 54.º da Lei N.º 43/2017, é uma medida desproporcional que afeta o princípio constitucional da Proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição.

74º Não podendo a Recorrente conformar-se com tal decisão proferida pelo Tribunal a quo, considerando que o Tribunal a quo não deveria ter aplicado a Lei N.º 43/2017 de 14 de Junho, concretamente o seu artigo 54º, tendo em conta que o mesmo viola o artigo 12º do Código Civil e o artigo 2.º da C.R.P.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

Em 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:

1. Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de …, freguesia …o, sob o nº .../19871103-B, a fração autónoma designada pela letra "B", correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano constituído sob o regime da propriedade horizontal inscrito na respetiva matriz da freguesia de … sob o artigo …°, o qual proveio do artigo …° da extinta freguesia de …, concelho de … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ... da freguesia de …, com entrada pelo nº .. da Rua ….
2. Pela Ap. 4 de 2001/01/16, foi registada a aquisição da fração descrita em 1, a favor da autora, no estado de viúva.
3. M. R. e M. C. na qualidade de tutora de V. A. e Maria, através de acordo denominado “Arrendamento”, reduzido à forma escrita, datado de 10 de fevereiro de 1934, cederam a M. M., antecessor do réu, o gozo temporário, mediante contrapartida económica, do rés-do-chão do prédio urbano sito na Rua …, freguesia de …, concelho de Vila Real; na altura descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o nº … e inscrito na respetiva matriz sob os artigos 367°, 367°-A e 368°; que atualmente corresponde à fração autónoma identificada em 1.
4. O acordo foi outorgado em 10 de fevereiro de 1934, pelo prazo e um ano, renovável por igual período, com início em 1 de fevereiro de 1934 e termo em 31 de janeiro de 1935.
5. A renda mensal convencionada foi de cem escudos.
6. As partes convencionaram que o rés-do-chão se destinaria a comércio, designadamente a estabelecimento de livraria e papelaria, tabacos, artigos religiosos e congéneres.
7. Foi também convencionado que o locado não poderia ser sublocado pelo arrendatário, nem ser-lhe dado outro destino diferente.
8. As partes fixaram ainda que as benfeitorias ficarão a fazer parte do locado, sem direito a indemnização por parte do senhorio.
9. Desde 16/01/2001, é a autora quem recebe o dinheiro das rendas e paga os respetivos impostos, administrando o prédio e exercendo sobre ele todos os atos próprios de quem é proprietário.
10. Através de carta registada com aviso de receção que dirigiu ao réu, em 31 de julho de 2013, a autora, através de P. S., comunicou ao réu:
“Na qualidade de procurador, com poderes conferidos para os actos, da Sra. M. S., senhoria da loja comercial, sita na Rua …, n. …, Vila Real, da qual V. Exa. é arrendatário, venho, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 52º e seguintes da Lei nº 612006 de 27 de Fevereiro, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, comunicar-lhe a intenção de proceder à transição do contrato de arrendamento em causa, para o novo regime do arrendamento urbano (NRAU), com a atualização da respetiva renda.
Assim, proponho que o contrato passe a contrato de duração limitada, pelo prazo de 5 (cinco) anos e o valor da renda passe a ser de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros) anuais, € 150,00 (cento e cinquenta euros) mensais.
Informo que o valor patrimonial do locado, avaliado nos termos do Código do Imposto sobre Imóveis (CIMI), é de € 18.610,00 (dezoito mil seiscentos e dez euros), conforme resulta da caderneta predial urbana referente ao artigo U-…°-B, freguesia de …, cuja cópia se junta.
Fico pois a aguardar que, no prazo de 30 dias a contar da receção da presente carta, V. Exa. se pronuncie sobre a presente proposta” (cfr. teor de fls. 82, que se dá por integralmente reproduzido).
11. À carta supra transcrita respondeu o réu, no dia 23 de agosto de 2013, dizendo o seguinte:
“O locado em causa constitui para os efeitos do Novo Regime do Arrendamento Urbano (adiante NRAU) uma «microentidade», nos termos do artigo 51º, nº 5, da Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, com as alterações dadas pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto.

Deste modo, à proposta de atualização do contrato de arrendamento aplicar-se-á o artigo 54° da referida Lei, e como tal o presente contrato de arrendamento só ficará submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de cinco anos.

Assim, proponho que o presente contrato de arrendamento seja submetido ao NRAU no prazo de cinco anos a contar da receção, por V. Exa., da presente resposta e que, neste período, o valor da renda seja o previsto no artigo 54º nº 2, da referida Lei, ou seja, uma renda mensal de € 103,39 (€ 18.610,00 / 15 = € 1.240,66 / 12 = € 103,39). Quanto ao tipo e duração do presente contrato de arrendamento, findo o período de cinco anos acima proposto, aplicar-se-ão as regras do artigo 54º, nº 6 da referida Lei.
Findo o período de cinco anos, poderá V. Exa., nos termos do artigo 54º, nº 6 da referida Lei, promover a transição do presente contrato de arrendamento para o NRAU, nos termos dos artigos 50° e seguintes da referida Lei.
Em cumprimento do artigo 51º, nº 6, da referida Lei, junto documento comprovativo da circunstância de «microentidade»” (cfr. teor de fls. 83, que aqui se dá por reproduzido).
12. Em resposta à carta enviada pelo réu à autora em 23/08/2013, respondeu a autora, através de P. S., por carta registada com aviso de receção, datada de 15 de outubro de 2013:

“1º Vimos aceitar a actualização da renda para o valor anual de € 1.240,66 (mil, duzentos e quarenta euro e trinta e nove cêntimos), a partir do próximo mês de Novembro;
2º No que respeita ao tipo e duração do presente contrato de arrendamento, aceitamos também a vossa proposta, de aplicação das regras previstas na legislação supra mencionada, que se irá traduzir numa alteração do mesmo e transição deste contrato para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), a partir de 26 de Agosto de 2018” (cfr. teor de fls. 95, que aqui se dá por reproduzido).
13. Por carta registada com aviso de receção, datada de 7 de agosto de 2018, enviada pelo Mandatário da autora, dirigida ao réu, a mesma comunicou ao réu:

“Serve a presente missiva para, em nome e no interesse da m/cliente M. S., residente na Rua … Vila Real, no âmbito do contrato de arrendamento comercial da loja sita na Rua … Vila Real, expor o seguinte:

Por carta datada de 31.07.2013, a Senhoria manifestou a sua intenção perante V. Exa. de que o contrato de arrendamento da loja supra identificada se convertesse para o NRAU, passando a ter uma duração limitada de 5 anos e o valor da renda de € 1.800,00 anuais, o que equivale a € 150,00 mensais.
Em resposta a tal missiva, veio V. Exa. em 23.08.2013, alegar que se trata de uma micro entidade, e que se aplicaria o artigo 54º da referida Lei, propondo que o contrato de arrendamento fosse submetido ao NRAU no prazo de cinco anos a contar da receção, pelo Senhorio, da aludida carta, mais propondo que o valor da renda mensal fosse de € 103,39, mais indicando que findo o período de cinco anos, aplicar-se-ão as regras do artigo 54º, nº 6 da referida lei.
Ora, segundo a lei aplicável, vide artigo 540, nº 1 do NRAU, "Caso o arrendatário invoque e comprove uma das circunstâncias previstas no nº 4 do artigo 51º, o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de cinco anos a contar da receção pelo senhorio da resposta do arrendatário. "

Portanto, tendo V. Exas. invocado a circunstância de ser uma micro entidade, o contrato teria de vigorar 5 anos e só depois disso é que se converteria para o NRAU.

Diz ainda o nº 6 do mesmo normativo que "Findo o período de cinco anos referido no nº 1, o senhorio pode promover a transição do contrato para o NRAU, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 50º e seguintes, com as seguintes especificidades:

a) O arrendatário não pode invocar novamente qualquer das circunstâncias previstas no nº 4 do artigo 51º;
b) No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de dois anos. "

O que significa que serve a presente carta para a Senhoria promover a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, nos termos do disposto no nº 6 do artigo 54° do NRAU, pelo que ao abrigo das disposições supra transcritas, o presente contrato de arrendamento transita para o NRAU em 26 de Agosto de 2018 e será, a partir dessa data, um contrato com prazo certo pelo período de 2 anos, não renovável, já que pela presente carta e desde já a Senhoria se opõe nos termos do disposto no artigo 1097º do CC à sua renovação, o qual cessará em 25 de Agosto de 2020, data em que o contrato terminará os seus efeitos, devendo nessa data V. Exa. proceder à sua entrega à Senhoria, livre e devoluto de pessoas e bens.
Pela presente carta e como atrás se referiu, a Senhoria opõe-se desde já à renovação automática do contrato, pelo que o mesmo terminará em 25 de Agosto de 2020.”

14. Por carta registada com aviso de receção, veio em 04/09/2018, o réu através do seu Mandatário, respondeu, nos seguintes termos:

“1. O atrás mencionado Senhor Manuel recebeu a carta, que V. Exa., em nome e no interesse da Exma. Senhora M. S., com a data de 07 de agosto de 2018, e relativa ao assunto supra identificado, lhe enviou, embora, apenas certamente por mero lapso, tal carta esteja dirigida ao Exmo. Senhor M. A..
2. Ora, e entrando agora no conteúdo da carta em causa, e respondendo à mesma, constata-se que, através dela, pretende a atrás referida cliente de V. Exa., Senhor M. S., e nos termos do corpo, do número 5, do artigo 54.°, do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro (NRAU), promover a transição do contrato arrendamento comercial, da qual aquela Senhora é senhoria, sendo inquilino, o referido Senhor Manuel, contrato de arrendamento esse relativo à loja, sita na Rua …, número .., em Vila Real, com o código postal Vila Real, para o NRAU.
3. Estribando-se, para isso, em que tal transição já havia sido, digamos assim, promovida pela senhoria junto do inquilino, em agosto de 2013, e não tendo tal transição então obtido, como então não obteve, o acordo do inquilino, que, na altura, invocou e comprovou uma das circunstâncias previstas no número 4, do artigo 51.°, do NRAU, ficou tal contrato submetido ao NRAU, no prazo de 5 anos, a contar da recepção pela senhoria da resposta do arrendatário, recepção essa que ocorreu em 26 de agosto de 2013, nos termos do número 1, do artigo 54.°, do mesmo NRAU, número 1 esse que V. Exa., na carta em causa, transcreveu, e pela forma seguinte:
"Caso o arrendatário invoque e comprove uma das circunstâncias previstas no n. o 4 do artigo 51º, o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de cinco anos a contar da receção pelo senhorio da resposta do arrendatário."
4. Mais comunicou, na carta em questão, V. Exa., ao Senhor Manuel, e sempre em nome e no interesse da Exma. Senhora M. S., que, ao abrigo do disposto no número 6, do artigo 54.°, do NRAU, o contrato de arrendamento em causa transitava para o NRAU, em 26 de agosto de 2018, sendo, a partir dessa data, um contrato com prazo certo, e pelo período de 2 anos, não renovável, já que, pela carta em questão, a senhoria se opunha, nos termos do artigo 1097,°, do Código Civil (CC), à respetiva renovação, cessando pois tal contrato de arrendamento em 25 de agosto de 2020, data essa em que deveria o Senhor Manuel proceder à entrega da loja em causa à senhoria, livre e devoluta de pessoas e bens.
5. Tendo, na carta de V. Exa., agora em resposta, sido transcrito, também o número 6, do artigo 54.°, do NRAU, nos termos seguintes:
"Findo o período de cinco anos referido no n. o 1, o senhorio pode promover a transição do contrato para o NRA U, aplicando-se com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 500 e seguintes, com as seguintes especificidades:
a) O arrendatário não pode invocar novamente qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51º;
b) No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de dois anos. "
6. Sucede porém que as redações, das atrás referidas transcrições, dos números 1 e 6, ambos do artigo 54.°, do NRAU, redações essas que correspondem àquelas que a esses números foram dadas pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto, foram, posteriormente, alteradas.
7. Alterações essas levadas a cabo, primeiro, pela Lei nº 79/2014, de 19 de dezembro, com entrada em vigor 30 dias após a publicação dela (vide o artigo 9.°, da Lei em causa), isto é, no dia 18 de janeiro de 2015, e que, no que aqui nos interessa incidiram na alínea b), do número 6, de tal artigo 54.°, do NRAU, alínea essa que passou a ter a seguinte redação:
"No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de três anos. "

ou seja, houve um alargamento, do prazo do contrato celebrado com prazo certo, a que alude tal alínea b), do número 6, do artigo 54.°, do NRAU, prazo esse que, de 2 anos, passou para 3 anos.
8. E, depois pela Lei nº 43/2017, de 14 de junho, com início de vigência no dia seguinte ao da respetiva publicação (artigo 8.°, de tal Lei), isto é no dia 15 de junho de 2017, sendo esta alteração, e quanto ao artigo 54.°, do NRAU, que estamos a analisar, relativamente ao número 1, e ao corpo e à alínea b), do número 6, desse artigo 54º do NRAU, cuja redação passou a ser a seguinte:
"1 - Caso o arrendatário invoque e comprove uma das circunstâncias previstas no nº 4 do artigo 51º; o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de 10 anos a contar da receção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário nos termos do n. o 4 do artigo 51º. (…)
6 - Findo o período de 10 anos referido no nº 1, o senhorio pode promover a transição do contrato para o NRAU, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 50º e seguintes, com as seguintes especificidades: (…)
c) No silencio ou na falta de acordo das partes há cerca do tipo ou da duração do contrato este considera-se celebrado com prazo certo, pelo periodo de cinco anos. (…)”.
isto é, houve, também aqui, um alongamento, de 5 anos para 10 anos, do prazo para que os contratos de arrendamento, a que se referem tais números 1 e 6, ambos do artigo 54.°, do NRAU, fiquem, ou, mais bem dito até, possam ficar, submetidos ao mesmo NRAU, e de 3 anos para 5 anos, do prazo do contrato celebrado com prazo certo, a que se refere a alínea b), do número 6, do artigo 54.°, do NRAU.
9. Sendo certo que são estas novas redações, ou sejam, as da Lei nº 43/2017, do número 1 e do número 6 (corpo e alínea b)), do artigo 54.°, do NRAU, e não as constantes da atrás referida Lei n. ° 3112012, que foram as que, na carta em causa, foram transcritas por V. Exa., aquelas que se aplicam ao contrato de arrendamento em questão.
10. E isto, não só por força do artigo 12.°-2, do CC, e porque tal Lei n.º 43/2017, alongadora dos prazos em causa, dispõe diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, no caso de arrendamento, abstraindo dos factos que a tais relações jurídicas deram origem, abrangendo portanto as próprias relações já constituídas, que subsistam à data de entrada em vigor da lei nova, isto é, dessa Lei n.º 4312017, aqui o contrato de arrendamento em questão, mas até, e principalmente, do artigo 297.°-2, do mesmo compêndio legal substantivo, que se reporta diretamente à aplicação no tempo de leis que alterem prazos, sendo pois uma concretização do artigo 12.°, do CC.
11. Na verdade, por um lado, o prazo de 5 anos, a que aludia o número 1, do artigo 54.°, do NRAU, na redação dele decorrente da Lei n.º 31/2012, iniciado que foi, no caso em análise, em 26 de agosto de 2013, só terminaria em 26 de agosto de 2018, encontrando-se pois em curso, quando foi publicada, em 14 de junho de 2017, bem como quando entrou em vigor, no dia 15 de junho de 2017, a atrás referida Lei n.º 43/2017, que, como atrás se disse já, e facilmente dela se constata, alongou tal prazo, de 5 anos para 10 anos, sendo pois essa redação nova e esse novo prazo, aquela que se aplica ao nosso contrato, nos termos do artigo 297.0-2, do CC.
12. Enquanto que, por outro lado, tal Lei n.º 43/2017, alongou para 5 anos, o prazo de 2 anos, a que aludia tal alínea b), do número 6, do artigo 54.°, do NRAU, prazo esse que já havia sido alongado, de 2 para 3 anos, pela Lei n.º 74/2014, sendo por isso também esse novo prazo de 5 anos, aquele que tem aplicação no contrato de arrendamento em análise (artigo 297.°-2, do CC).
13. Pelo que, assim sendo, como assim foi, só no fim desses 10 anos, ou seja, a partir do dia 26 de agosto de 2023, é que poderia a senhoria do contrato de arrendamento que tem vindo a ser referido, promover a transição de tal contrato para o NRAU, contrato esse que na falta de acordo acerca do tipo ou da duração dele, se considera celebrado com prazo certo pelo período de 5 anos (artigo 54.0-1-6-corpo e b), da Lei n.º 6/2016, na redação dada pela Lei n." 43/2017, que face ao que atrás ficou exposto, é a aplicável ao arrendamento aqui em análise).
14. Motivo pelo qual, e por a lei não permitir, como não permite, para já, mas apenas depois do dia 26 de agosto de 2023, que a senhoria promova a transição do contrato de arrendamento em causa para o NRAU, não dá o inquilino a sua concordância a tal transição, nem, consequentemente, à celebração, por ora, de qualquer contrato a prazo certo, e, muito menos, pelo período de 2 anos, constante da carta sob resposta, pois que, se essa celebração fosse, desde já, que não é, possível, sempre o prazo de tal contrato seria, na falta de acordo, que se verifica, de 5 anos.
15. Informo, no entanto, que o Senhor Manuel poderá equacionar uma entrega muito mais breve da loja em causa à senhoria mediante compensação a negociar (…)” (cfr. teor de fls. 97/verso a 99/verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
15. Em resposta a tal missiva, a autora representada pelo seu Mandatário, respondeu por carta registada com aviso de receção, datada de 10/09/2018, manifestando desacordo com a posição do réu e sustentando a aplicação da lei em vigor à data das negociações entre as partes, conforme teor de fls. 101/102, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
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Os arrendamentos não habitacionais celebrados antes da vigência do Decreto-Lei n.º 257/95 de 30 de Setembro ( como é o caso dos autos, uma vez que o contrato foi celebrado em Fevereiro de 1934) podem ser sujeitos à transição para o NRAU e actualização da renda, nos termos do disposto nos artigos 50º e segs. do NRAU.
Deste modo, a transição para o NRAU e actualização da renda dependem da iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, por carta registada com aviso de recepção, nos termos do artigo 9º e segs do NRAU, podendo o arrendatário responder à comunicação do senhorio em 30 dias, devendo essa comunicação obedecer aos requisitos do citado artigo 9º.
O arrendatário poderá adoptar qualquer uma das reacções previstas no artigo 53º do citado diploma.

E ainda de acordo com o disposto no artigo 54.º do mesmo diploma, vigente à data :

1 - Caso o arrendatário invoque e comprove uma das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51.º, o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de cinco anos a contar da receção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário nos termos do n.º 4 do artigo 51.º
No caso, e como resulta da matéria de facto provada, o arrendatário invocou que no locado existe um estabelecimento comercial aberto ao público qualificável como microempresa.

Á data em que em que foram remetidas as cartas quer pela autora, quer pelo réu não estava em vigor a Lei n.º 43/2017 de 14 de Junho.
Assim em 23 de Agosto de 2013, de acordo com o disposto no artigo 54º do NRAU, tendo-se comprovado a situação prevista no artigo 51º do mesmo diploma o contrato só ficaria submetido ao NRAU no prazo de cinco anos a contar da recepção pelo senhorio da resposta do arrendatário , nos termos do artigo 51º, n.º 4 do citado diploma.
Com efeito dispunha o n.º 1 do artigo 54 que :1 - Caso o arrendatário invoque e comprove uma das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51.º, o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de cinco anos a contar da receção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário nos termos do n.º 4 do artigo 51.

E o n.º 6 do citado artigo dispunha ainda que : 6 - Findo o período de cinco anos referido no n.º 1, o senhorio pode promover a transição do contrato para o NRAU, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 50.º e seguintes, com as seguintes especificidades:

a) O arrendatário não pode invocar novamente qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51.º;
b) No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de três anos
Actualmente após a entrada em vigor da Lei 43/2017 que deu nova redacção ao citado artigo, o contrato só fica submetido ao NRAU, mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de dez anos a contar da recepção pelo senhorio da resposta do arrendatário – artigo 54º , n.º 1-.
Passados os dez anos o senhorio pode promover a transição para o NRAU nos termos normais, já não beneficiando o arrendatário dessa excepção, considerando-se que na falta de acordo das partes quanto ao tipo e duração do contrato, o mesmo é celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos – artigo, 54º, n.º 6, alínea a) do NRAU.
Assim, o que ocorreu é que antes de terminar tal prazo, que se consumaria em Agosto de 2018, foi publica a Lei 43/2017 de 14 de Junho, que entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação.
E assim o que está em discussão nos presentes autos é a aplicação ao caso do artigo 54º na redacção que lhe foi dada pela Lei 43/2017 de 14 de Junho.

Dispõe o artigo 12º do Código Civil :

1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade, substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Mas, como é sabido, só é de entrar em linha de conta com os comandos do artigo 12º do Código Civil, no caso de a nova lei não estatuir expressa e especificadamente sobre o assunto, o que se processa mediante as ditas disposições transitórias.
Será, então, pelo n.º 2 do artigo 12º do Código Civil que poderemos responder à questão que se coloca nos autos.
Este preceito encerra duas previsões e, em consequência, duas estatuições.
Segundo o n.º 2, 1ª parte, “quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos”. Ou seja, quando a lei dispõe sobre determinados efeitos em função dos factos que lhes deram origem, entende-se que só visa os factos novos.
Segundo o n.º 2, 2ª parte, a aplicação imediata da lei nova exige a verificação de dois pressupostos: que a lei nova disponha directamente sobre o conteúdo de certas relações ou situações jurídicas já constituídas; e que tais relações ou situações jurídicas subsistam à data da sua entrada em vigor, ou seja, quando a lei nova dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, entende-se que a lei se aplica às relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Dito de outro modo, não há retroactividade se a lei dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações ou situações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, pois a lei abrange então as próprias relações ou situações já constituídas à data da sua entrada em vigor
Quando a lei dispõe sobre os efeitos de factos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos. O que, obviamente, tem como corolário que os factos ocorridos na vigência da lei antiga tenham o efeito que ela lhes atribui.
Relativamente aos factos instantâneos ou factos duradouros que se prolongam apenas na vigência de uma lei, a aplicação desta regra não tem problemas apreciáveis: se o facto, instantâneo ou duradouro ocorreu na que vigência da lei antiga é ela que determina os seus efeitos; se o facto ocorreu na vigência da lei nova tem os efeitos que esta lhe atribui.
O problema surge relativamente a factos duradouros que se iniciam na vigência de uma lei e se prolongam até depois da entrada em vigor de uma nova lei.
Neste caso de factos duradouros, a regra a aplicar será a mesma do n.° 2 do art. 12 .° do CC, já que é ela que regula a aplicação no tempo das leis sobre os efeitos de factos (….).

No caso na sentença entendeu-se que o n.º 1 do artigo 54º do NRAU, na redacção da Lei n.º 43/2017 de 14 de Junho era aplicável ao caso dos autos por força do princípio geral de aplicação das normas no tempo quanto aos efeitos das relações jurídicas duradouras, contido no artigo 12°, n.°2 do Código Civil, que determina que as normas se aplicam para o futuro, sendo que os factos que produziram os efeitos jurídicos enunciados ocorreram quando as mesmas se encontravam em vigor.
Considerando aplicável o n.º1 do artigo 297.º do Código Civil, temos que o artigo 54º do NRAU na redacção da Lei 43/2017 de 14 de Junho é aplicável ao prazo que estava a decorrer conducente à transição para o novo regime de arrendamento.
Ou seja, o prazo da lei velha cede perante o novo prazo.
A Lei n.º 43/2017, de 14 de Junho, entrou em vigor no dia 15/06/2017 ainda antes de ter decorrido integralmente o prazo de 5 anos que o artigo 54.º, n.ºs 1 e 6, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, estipulava na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto.
Assim, no decurso do prazo da lei antiga (5 anos) e antes daquele terminar iniciou-se a vigência de uma nova lei que alargou o prazo para 10 anos, pelo que nos termos do disposto no artigo 297.º, n.º 2, do Código Civil o novo prazo para a transição do contrato de arrendamento para o N.R.A.U., será este contando-se, todavia, o prazo entretanto já decorrido.
Alega a recorrente que deste modo, existe uma violação do princípio da protecção da confiança.

Como se refere na sentença recorrida citando o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 287/906, para que se registe uma violação do princípio da protecção da confiança é também mister que a afectação de tais expectativas se revele inadmissível, arbitrária ou excessivamente onerosa, o que ocorrerá quando:

- a alteração constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar;
- a modificação não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes, de acordo com o critério consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da C.R.P.

Ora, não se afigura que a alteração do prazo para a transição do N.R.A.U., face à contínua modificação das opções legislativas em matéria de arrendamento urbano, se mostre não expectável para os contraentes de relações locatícias que perduram no tempo.
No juízo de ponderação que é imposto pela protecção da confiança, confronta-se e valora-se o efeito negativo sobre o interesse do senhorio (que pode ver goradas as expectativas de em breve ver alterado o regime do contrato), com um interesse público, de protecção de inquilinos e arrendatários, em regra se encontram numa situação de maior fragilidade negocial face aos senhorios.

III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Guimarães, 5 de Dezembro de 2019.


1. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1995
2. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo N.º 30642/16.6T8LSB.L1-8, disponível em www.dgsi.pt
3. Acórdãos do Tribunal Constitucional N.ºs 287/90, 303/90, 625/98, 634/98, 186/2009, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
4. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 287/90 e 186/2009
5. J. Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 266
6. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., 2003, p. 257). Só a perspetivação do futuro permite a organização do plano de vida de cada um
7. Acórdão n.º 556/2003 e Acórdão n.º 355/2013.
8. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 11/83, 10/84, 287/90, 330/90, 486/96, 559/98, 556/2003, 128/2009, 188/2009, 399/2010, 3/2011, 396/2011 e 355/2013