Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
17/16.3PFGMR.G1
Relator: TERESA COIMBRA
Descritores: REGIME DE PERMANÊNCIA DA HABITAÇÃO
CUMPRIMENTO DE PENA
PRESSUPOSTOS LEGAIS
LEI Nº 94/2017 DE 23. 08 E ARTº 42º DO CP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1. Para que o tribunal conclua pela possibilidade de cumprimento de pena de prisão não superior a dois anos, em regime de permanência na habitação, nos termos do art 43 do Código Penal na redação da Lei 94/2017 de 23.08, é necessário, além do mais, poder afirmar que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades visadas com a execução da pena ( art. 42º do Código Penal).

2. Se apesar dos antecedentes criminais que possui, um arguido demonstra capacidade de trabalho, tem estabilidade familiar e cumpre, com avaliação positiva por parte da DGRSP, pena de prisão em regime de permanência na habitação, não deverá ser reintroduzido em ambiente prisional para cumprimento de pena de 1 ano e 11 meses de prisão imposta pela prática de crimes de condução sem carta e em estado de embriaguez, por tal constituir um retrocesso no esforço de reintegração social do condenado.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

O arguido António interpôs o presente recurso da sentença que, após reabertura da audiência para aplicação retroativa da lei penal mais favorável, - no caso a Lei 94/2017 de 23/08 – decidiu:

- Manter a condenação do recorrente na pena única de 1 (um) ano e 11 (onze) meses de prisão pela prática, em autoria material e concurso efetivo, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º e pelo artigo 69º, nº 1, alínea a) ambos do Código Penal e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p.p. artigo 3º, nº 2 do DL 2/98 de 3.1 conjugado com o disposto no nº 1 do artigo 121º e no nº 1 do artigo 122º ambos do Código da Estrada; e
- Não aplicar o regime de permanência na habitação.

Inconformado, o recorrente concluiu o recurso do seguinte modo (transcrição):

. Salvo o devido respeito, entendemos que, no caso sub judice, se encontram preenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 43º, n° 1 do CP para cumprimento da pena de prisão, aplicada ao Arguido, em regime de permanência da habitação.
. O Arguido foi condenado em pena não superior a dois anos de prisão efetiva.
. O Arguido declarou o seu consentimento para execução da pena em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
. Este meio realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.
As circunstâncias apontadas pelo tribunal a quo, só por si, não permitem formular a convicção de que o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
. Por decisão proferida em 06.12.2017, no Proc. n° 433/16.0GAFAF, que corre termos no JL Criminal de Fafe, o Arguido atualmente encontra-se a cumprir uma pena única de 14 meses de prisão efetiva, em regime de permanência na habitação, pelos crimes de condução sem habilitação legal e de condução perigosa de veículo rodoviário, isto é, por crimes de idêntica natureza aos que estão em causa no caso concreto.
. Ou seja, em 06.12.2017, no Proc. n° 433/16.0GAFAF que corre termos no JL Criminal de Fafe, o tribunal entendeu que se encontravam preenchidos os requisitos para que o Arguido cumprisse a pena de prisão em regime de permanência na habitação.
. Importa referir que, no Proc. n° 433/16.0GAFAF, o tribunal decidiu que estavam preenchidos os requisitos para aplicação do regime de permanência na habitação com base nas mesmas condições pessoais e sociais do Arguido que vigoravam a 09.04.2018, data em que o tribunal a quo decidiu pela não aplicação do regime de permanência na habitação.
. o Arguido está a trabalhar como operário de construção civil, auferindo um vencimento médio mensal de € 700,00 e reside com a sua companheira, desempregada, pelo que é o único elemento ativo no agregado.
l0ª. No âmbito do Proc. n° 433/16.0GAFAF que corre termos no Juízo Criminal de Fafe, o Arguido ficou sujeito à obrigação de se inscrever em escola de condução com vista à obtenção de habilitação legal para conduzir, pelo que com esta regra de conduta o Arguido obterá a carta de condução, de modo a evitar a futura prática de crimes de condução sem habilitação legal.
11ª. O Arguido demonstra que interiorizou a gravidade das suas anteriores condutas, adotando uma nova postura mais responsável.
12ª. O relatório social, requerido pelo tribunal a quo, demonstra que o Arguido tem adotado um comportamento social responsável.
13ª. Não se concebe como o tribunal a quo decide, pura e simplesmente, arrasar o processo de ressocialização já iniciado, determinando que o mesmo deve voltar a cumprir pena de prisão em estabelecimento prisional.
14ª. A circunstância de o Arguido vir agora cumprir pena de prisão efetiva em estabelecimento prisional trará graves consequências para o seu processo de ressocialização, na medida em que o Arguido perderá o seu emprego, deixará o seu agregado familiar sem condições de sustento e ficará sem a possibilidade de, a curto prazo, se inscrever numa escola de condução.
15ª. Além disso, o regresso do Arguido ao estabelecimento prisional, depois de o mesmo ter já iniciado o seu processo de ressocialização, certamente que lhe trará sentimentos de desmotivação para refazer a sua vida, colocando assim em risco as necessidades de prevenção especial positiva.
16ª. Face ao exposto, por se encontrarem reunidos os requisitos, deverá substituir-se o cumprimento da pena de prisão pelo regime de permanência na habitação considerando que através da aplicação desta medida se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e a sentença recorrida revogada e substituída por outra que aplique o regime de permanência na habitação ao Arguido.

Em resposta ao recurso o Ministério Público na 1ª Instância defendeu a manutenção da sentença recorrida.
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Idêntica posição veio a ser adotada pelo Ministério Público junto desta Instância.
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Cumpre decidir, colhidos que foram os vistos legais e realizada Conferência.
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II.
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente e estando vedado ao Tribunal da Relação conhecer de outras questões a não ser que sejam do conhecimento oficioso, temos que a única questão a solver é a de decidir se a pena imposta ao arguido pode ser cumprida em regime de permanência na habitação ou, antes, deve ser mantida a decisão de cumprimento da pena em estabelecimento prisional.

É do seguinte teor a factualidade apurada em 1ª Instância:

a) No dia 21 de Julho de 2016, cerca das 23h15m, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca Hyundai, modelo Accent 1.3 LSI, com matrícula …, na Rua … - Guimarães, sem possuir carta de condução ou qualquer outro título que o habilitasse a tal e sendo portador de uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 2,024 g/l.
b) O arguido agiu com o propósito concretizado de conduzir o veículo automóvel na via pública ou equiparada, bem sabendo que para o fazer necessitava de possuir carta de condução ou qualquer outro título que o habilitasse a tal e depois de ter ingerido bebidas alcoólicas, bem sabendo do estado em que se encontrava, não se abstendo, contudo, de conduzir em tais circunstâncias.
c) O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punida.
d) O arguido confessou livre, integralmente e sem reservas os factos.
e) O arguido tem os seguintes antecedentes criminais conhecidos:
f) Por sentença datada de 30.09.1999, ao abrigo do processo n.° 105/99 do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, o arguido foi condenado numa pena de 6o dias de multa à taxa diária de 300$00, pela prática, em 28.02.1999, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.° 3º nº 2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro.
g) Por sentença datada de 27.05.2003, ao abrigo do processo n.° 7/03.6TAPVL do Tribunal Judicial da Povoa de Lanhoso, o arguido foi condenado numa pena de 180 dias de multa à taxa diária de € 2,00, pela prática, em 30.12.2002, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.° 3º n.° 2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro.
h) Por sentença datada de 12.11.2003, ao abrigo do processo n.° 22/02.7GBPVL do 2.° Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, o arguido foi condenado na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, pela prática, em 30.12.2002, de três crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art.° 256º, n.° 1 alínea a) e b) e nº 3 do CP.
i) Por acórdão datada de 30.11.2005, ao abrigo do processo n.° 1445/04.2GAFAF do 1.0 Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, o arguido foi condenado numa pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática, em 06.12.2004, de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.° 203º do CP, um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.° 203º e 204º do CP, um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.° 292º n.° 1 do CP e um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.° 3 n.° 2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro.
j) Por sentença datada de 25.05.2006, ao abrigo do processo n.° 268/04.3PBGMR do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, o arguido foi condenado numa pena de 2 anos e 2 meses de prisão, pela prática, em 07.02.2004, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.° 203º n.° 1 e 204º n.° 2 alínea e) do CP.
k) Por sentença datada de 14.10.2010, ao abrigo do processo n.° 1251/10.5GAFAF do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, o arguido foi condenado numa pena única de 16 meses de prisão, pela prática, em 31.08.2010, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.° 292º n.° 1 do CP e um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.° 3.0 n.° 2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro.
l) Por sentença datada de 06.09.2010, ao abrigo do processo n.° 388/1o.5GBGMR do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, o arguido foi condenado numa pena única de 22 meses de prisão, pela prática, em 18.08.2010, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.° 292º n.° 1 do CP e um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.° 3º n.° 2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro.
m) Por sentença datada de 06.10.2011, ao abrigo do processo n.° 1078/11.7GAFAF do 3.0 Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, o arguido foi condenado numa pena de 8 meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 12 meses, pela prática, em 27.08.2012, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.° 292.n.° 1 do CP.
n) Por sentença datada de 08.02.2012, ao abrigo do processo n.° 1025/09.6GAFAF do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, o arguido foi condenado numa pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, pela prática, em 27.08.2009, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.° 347.0 do CP.
o) Por sentença datada de 04.01.2016, ao abrigo do processo n.° 296/15.3GAFAF do Juízo Local Criminal de Fafe, o arguido foi condenado numa pena de 7 meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 ano, pela prática, em 13.04.2015, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.° 292.º n.° 1 do CP.
p) Por sentença datada de 14.03.2016, ao abrigo do processo n.° 89/16.0GAFAF do Juízo Local Criminal de Fafe, o arguido foi condenado numa pena de 7 meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 ano, pela prática, em 09.02.2016, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.° 292.º n.° 1 do CP.
q) Por sentença datada de 22.03.2017, ao abrigo do processo n.° 319/16.9T9FAF do Juízo Local Criminal de Fafe, o arguido foi condenado numa pena de 80 dias de multa à taxa diária de €5,00, pela prática, em 11.2015, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.° 348º n.° 1 do CP.
r) O arguido esteve em cumprimento de pena de prisão até Outubro de 2017.
s) Desde 14.02.2018, o arguido cumpre por decisão proferida em 06.12.2017, uma pena única de 14 meses de prisão efetiva, em regime de permanência na habitação, pelos crimes de condução sem habilitação legal e condução perigosa de veículo rodoviário, com sujeição às seguintes regras de conduta: inscrição em escola de condução e sua frequência, com o intuito de obter licença de condução e obtenção de ocupação laboral.
t) O arguido desde Novembro de 2017 encontra-se profissionalmente ativo, como operário da construção civil, auferindo um vencimento médio mensal de cerca de €700,00.
u) Vive com a sua companheira, que se encontra desempregada, em casa arrendada pagando a título de renda quantia não concretamente apurada mas não inferior a €200,00.
v) O arguido tem 9 filhos, 5 do primeiro casamento que vivem com a progenitora e 4 da atual companheira, sendo que estes se encontram institucionalizados.
x)) O arguido apresenta um longo historial de consumos abusivos de álcool, sem no entanto aceitar que presentemente exista necessidade de acompanhamento especializado, referindo que a sua vontade de mudança, bem como o facto de se encontrar ocupado profissionalmente é suficiente para se manter abstinente.
z). Para além das condenações descritas em O dos factos supra elencados, o arguido foi ainda condenado por sentença proferida em 06.12.2017, ao abrigo do processo n.° 433/16.0GAFAF do Juízo Local Criminal de Fafe, numa pena de 14 meses de prisão, em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, pela prática, em 26.062016, de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de condução perigosa de veículo motorizado.
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Após a factualidade apurada seguiu-se a fundamentação da matéria de facto do seguinte teor:

A convicção do tribunal quanto aos factos dados como provados assentou, essencialmente, no depoimento do condenado na reabertura da audiência que referiu a sua situação pessoal e familiar.
O tribunal relevou ainda o relatório social junto aos autos a fls. 284 e ss..
Foram, ainda, considerados todos os factos dados como provados na sentença proferida nos presentes autos e o CRC atualizado.
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O enquadramento jurídico-penal efetuado em 1ª Instância foi o seguinte (transcrição):

Segundo a atual filosofia subjacente às alterações recentemente introduzidas na legislação penal, nomeadamente com a entrada em vigor da Lei n.° 94/2017, de 23/08, "...a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido de reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.".

Aos Magistrados Judiciais e do Ministério Público caberá, pois, um papel decisivo na implementação da filosofia que anima o Código porquanto é no momento da concretização da pena que os desideratos de prevenção geral e especial e de reintegração ganham pleno sentido.

Devendo a pena de prisão ser reservada para situações de maior gravidade e que mais alarme social provocam, designadamente a criminalidade violenta e ou organizada, bem como a acentuada inclinação para a prática de crimes revelada por certos agentes, necessário se torna conferir às medidas alternativas a eficácia que lhes tem faltado.

De forma a alcançar os objetivos da reforma em curso foram introduzidas normas inovadoras. Assim, dispõe o art.° 371º-A do CPP, na redação da Lei 48/2007 de 29 de Agosto, que alterou o Código de Processo Penal, sob a epigrafe "Abertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável" que "se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.".

O art.° 29.º n.° 4 da CRP prevê a aplicação retroativa das leis penais de conteúdo mais favorável e o art.° 2.º n.° 4 do CP determina que "quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior".

O princípio da aplicação retroativa da lei penal mais favorável ao arguido e da proibição da aplicação retroativa da lei penal desfavorável encontra fundamento substancial no princípio da necessidade das penas ou da máxima restrição das penas.

"Resulta deste princípio a asserção de que a legitimidade das penas criminais depende da sua necessidade, adequação e proporcionalidade, em sentido estrito, para a proteção de bens ou interesses constitucionalmente tutelados; e o valor assenta na verificação de que qualquer criminalização e respetiva punição, determina a restrição de direitos, liberdades e garantias das pessoas (maxime, do direito à liberdade, consagrado no n.° 1 do art.° 27º da CRP). (...) A garantia da aplicação da lei penal mais favorável limita-se a exprimir, ou a traduzir, na matéria dos limites temporais da aplicação da lei penal, o princípio da necessidade das penas. Na verdade, se, em momento posterior à prática do facto, a pena se revela desnecessária, torna-se constitucionalmente ilegítima."

Ora, "a doutrina e a jurisprudência tradicionais (...) restringiam, na generalidade, o problema do conflito temporal de leis penais ao direito penal denominado material, ou seja, às normas relativas à hipótese criminal (preceito incriminador) e à estatuição penal (preceito sancionatório)."

Taipa de Carvalho faz ver que o fundamento substancial que preside à aplicação da lei penal mais favorável - da necessidade das penas, mas também da proibição do arbítrio - não sofre qualquer desvio quanto aos pressupostos que condicionam a punição, pois que também quanto a estes se fazem sentir as mesmas razões que ditam a aplicação daqueles princípios.

Antes do mais, urge referir que o arguido António foi condenado, no âmbito dos presentes autos, pela prática, em autoria material e concurso efetivo, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido pelo art.° 292º n.° 1 do CP e de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art.° 3º n.°s 1 e 2 do DL n.° 2/98 de 3 de Janeiro, na pena única de 1 (um) ano e 11 (onze) meses de prisão.

A ponderação da aplicação do regime mais favorável terá necessariamente de ser feita, em primeira linha, nas penas que em concreto lhe seriam aplicadas, pelo cometimento dos ilícitos penais referidos, ao abrigo do novo regime, no sentido de apurar qual dos regimes, se o em vigor à data da prática dos factos ou o que vigora atualmente, é mais favorável ao arguido.

Neste sentido, sempre se dirá que os ilícitos penais pelos quais o arguido foi condenado não sofreram alteração pela entrada em vigor da Lei n.° 94/2017, de 23/08, nomeadamente, as molduras abstratas previstas. Pelo que, é forçoso concluir que não tendo sido alteradas as molduras abstratamente aplicáveis aos crimes parcelares em que o arguido foi condenado, as respetivas penas parcelares concretamente aplicadas sempre seriam as mesmas pela aplicação do novo regime em vigor.

Pelo exposto, se mantém a condenação do arguido António na pena única de 1 (um) ano e 11 (onze) meses de prisão.

Outrossim, o que está em causa nos presentes autos é o facto de à data da prolação da sentença e respetiva condenação, a execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado não o puder ser em regime de permanência na habitação mas tão-somente dentro da prisão.

O atual art.° 43.º do CP refere-se ao "regime de permanência na habitação" não como uma pena de natureza autónoma, mas sim como um modo de execução da pena de prisão. Ora, como sabido, o atual regime de permanência na habitação (sempre dependente do consentimento do condenado), abrange casos (art.° 43.º n.° 1 do CP) de:

a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.° a 82.º;
c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.° 2 do artigo 45.º. O limite máximo previsto na alínea a) passou assim de 1 ano para 2.

De qualquer modo, o tribunal tem de concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Essa pena prevista no art.° 43.º do CP é para ser ponderada, reportada ao momento da condenação, não se podendo confundir com a fase em que a pena de prisão imposta já está em fase de execução.

Jorge Baptista Gonçalves em comunicação nas mesmas jornadas, havia referido já em relação ao anterior artigo 44.º do CP que: "O novo art.° 44º, com a epígrafe Regime de permanência na habitação, veio estabelecer uma forma de execução domiciliária da prisão, podendo ser entendida como uma nova pena de substituição (pelo menos em sentido impróprio), a aplicar-se como alternativa ao cumprimento da prisão nos estabelecimentos prisionais, em condenações até um ano, ou quando estejam em causa condenações superiores, mas em que o remanescente a cumprir não exceda um ano, descontado o tempo de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação.

Excepcionalmente, pode ser uma alternativa em penas até dois anos. Esta nova pena de substituição/modo de execução, dependente do consentimento do condenado (o que também se exige no regime de semidetenção e na prestação de trabalho a favor da comunidade), tem a particularidade de associar ao cumprimento domiciliário a vigilância eletrónica que, até ao momento, estava prevista apenas como mecanismo de fiscalização do cumprimento da medida de coação de obrigação de permanência na habitação. Mecanismo este que também passa a estar associado à adaptação à liberdade condicional, nos termos do artigo 62.°, na nova redação.

A proposta de revisão do Código Penal colocava algumas dúvidas: seria ou não aplicável, ao regime de permanência na habitação, a legislação relativa à vigilância eletrónica, designadamente a Lei n.° 122/99, de 20 de Agosto, pensada para a medida de coação O artigo 9º da Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro, soluciona a dúvida, estabelecendo que o disposto no n.° 1 do artigo 1º, no artigo 2.º, n.° 2 a 5 do artigo 3º, nos artigos 4º a 6.º, nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 8.° e no artigo 9º do mencionado diploma, é aplicável ao regime de permanência na habitação.

Que disposições são essas?

-As que dispõem sobre o consentimento (do arguido e de outros);
- As que dispõem sobre o conteúdo da decisão (que admite o estabelecimento de autorizações de ausência) e a solicitação de prévia informação aos serviços encarregados da execução da medida sobre a situação pessoal, familiar, laboral ou social do arguido (a unidade de monitorização local colocada na habitação depende da existência de energia elétrica - condições técnicas);
- As relativas à execução, entidade encarregada da execução, deveres do condenado, causas de revogação e ao equipamento a utilizar na vigilância eletrónica.

Parece-me que, como pena de substituição, pelo menos em sentido impróprio, o momento para decidir da aplicação do regime de permanência na habitação é o da sentença condenatória, tal como ocorre com a prisão por dias livres e o regime de semidetenção.

Julgo que o artigo 44º não consentirá, por exemplo, que tendo sido suspensa a execução de uma pena de prisão que veio a ser revogada, se venha a colocar, posteriormente a tal revogação, a questão do cumprimento domiciliário da prisão. No entanto, a nova regra sobre descontos, constante do artigo 80.°, poderá suscitar algumas dificuldades e dúvidas quanto a este entendimento.

Neste sentido, tendo em atenção as considerações produzidas, em primeiro lugar, a aplicação de tal pena substitutiva está dependente da verificação dos requisitos constantes do n.° 1 alínea a) - pena de prisão aplicada não superior a dois anos, o que acontece no presente caso - e a conclusão de que tal forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Ora, revertendo ao caso concreto, estamos perante um arguido cujo percurso criminal se iniciou cedo, aos 21 anos de idade com a condenação proferida em 30.09.1999 no processo n.° 105/99 que correu termos no Tribunal Judicial de Fafe referente a factos de 28.02.1999 - pelo prática do crime de condução ilegal, ou seja, o mesmo pelo que foi condenado no âmbito dos presentes autos - e que já beneficiou de todas as medidas alternativas a efetivo cumprimento de pena de prisão. Além disso, o arguido foi já condenado pela prática de diversos crimes contra o património, em pena de prisão efetiva. Assim como já cumpriu pena de prisão efetiva pela prática de crimes de condução sem habilitação legal e condução de veículo em estado de embriaguez.

Acresce que o arguido ainda não é titular de carta de condução, nem demonstrou ainda sequer qualquer inscrição numa escola de condução. Para além disso, o arguido tem um historial de consumos abusivos de álcool, sem no entanto aceitar que presentemente exista necessidade de acompanhamento especializado.

Daí que, em conjugação e ponderação não vemos razões para alterar o sentido dado na pretérita sentença proferida no âmbito dos presentes autos.

O arguido tem demonstrado um comportamento não conforme o Direito, sendo certo que foi já condenando em pena de prisão pelo cometimento dos mesmos tipos legais de crime. Ora, não obstante tal cumprimento efetivo, o arguido continua a agir ilicitamente o que nos leva a crer que não houve interiorização da gravidade das várias condutas, não representando o arguido, exteriormente, qualquer nova postura mais responsável.

Daí que não vislumbramos como esta nova forma de cumprimento (o regime de permanência na habitação) possa realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Deste modo, decido não aplicar ao arguido António o regime cumprimento da pena de prisão em que foi condenado de permanência na habitação com vigilância eletrónica, uma vez que, quanto a nós, não se encontram preenchidos os requisitos legais e nos termos expostos.

Vejamos então se a sentença proferida na parte em que não aplica o regime de execução da pena em permanência na habitação deve ser revogada como pretende o arguido, ou mantida, como decidido em 1ª Instância e defendido pelo Ministério Público neste recurso.
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A Lei 94/2017 de 23 de agosto que alterou o Código Penal, o Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, a Lei que regula a utilização de meios técnicos de controlo à distância (vigilância eletrónica) e a Lei da Organização do Sistema Judiciário veio, além do mais, permitir que uma pena de prisão efetiva não superior a 2 (dois) anos possa ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos do controlo à distância, sempre que o Tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de execução de pena de prisão e o condenado nisso consentir.

E assim, por força de entrada em vigor da referida lei passou a ser a seguinte a redação dos artigos 43º e 44º do Código Penal:

Artigo 43.°

Regime de permanência na habitação

1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:

a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.° a 81°;
e) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.° 2 do artigo 45.°
2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.
3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.
4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente:

a) Frequentar certos programas ou atividades;
b) Cumprir determinadas obrigações;
c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado;
d) Não exercer determinadas profissões;
e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas;
f) Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes.
5 - Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação.

Artigo 44.°

Modificação das condições e revogação do regime de permanência na habitação

1 - As autorizações de ausência e as regras de conduta podem ser modificadas até ao termo da pena sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento.
2 - O tribunal revoga o regime de permanência na habitação se o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente as regras de conduta, o disposto no plano de reinserção social ou os deveres decorrentes do regime de execução da pena de prisão;
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base do regime de permanência na habitação não puderam, por meio dele, ser alcançadas;
c) For sujeito a medida de coação de prisão preventiva.
3 - A revogação determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida em estabelecimento prisional.
4 - Relativamente ao tempo de pena que venha a ser cumprido em estabelecimento prisional pode ter lugar a concessão de liberdade condicional.
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Estando o arguido condenado em pena inalterável – porque a lei nova não alterou as molduras das penas previstas para os crimes praticados pelo recorrente – de 1 (um) ano e 11 (onze) meses de prisão efetiva, não há dúvida de que o pressuposto formal (pena de prisão efetiva não superior a 2 (dois) anos – artigo 43º, nº 1, alínea a) do Código Penal) se mostra preenchido, havendo, então, que ponderar se o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena, sendo como é incontroverso que o cumprimento em tal regime é mais favorável do que em estabelecimento prisional.

Para chegar à compreensão das finalidades da execução de uma pena recuemos, brevemente, ao fundamento do direito de punir.

O fundamento do direito de punir foi, num passado já remoto, fiel à ideia de intimidação segundo a qual a punição era necessária para servir de exemplo para os outros. Posteriormente, e de acordo com o entendimento jusfilosófico de que a pessoa humana não podia ser utilizada para fins estranhos a si mesma, foi colocada a tónica na necessidade de punir para retribuir o mal do crime e expiar a culpa do facto, pelo uso indevido que o agente fez do seu livre arbítrio.

Concomitantemente com este entendimento e ainda no século XIX, germinavam já ideias de que à punição não deveria ser indiferente a ressocialização do delinquente, o que conduziu à alteração do sistema de execução de penas (Reforma Prisional de 1936 da autoria de Beleza dos Santos).

A partir daí, a ideia de que “ser homem é ser responsável” nunca mais foi abandonada pelas alterações legislativas no domínio do direito penal e foi com ela que se chegou até hoje, às conceções de culpa, de liberdade pessoal e de adequação e suficiência das penas.

Por outro lado, a prisão como pena tem, em termos temporais, uma curta história. Vejamo-la, também, rapidamente.

Só no final do século XVIII a liberdade pessoal foi entendida como direito fundamental. Portanto, só também aí apareceu a privação de liberdade como sanção penal.

É evidente que já antes havia prisões, mas elas não eram destinadas a condenados penais, antes a prisioneiros políticos, de guerra, por dívidas, escravos e só na primeira metade do século XX a prisão, como sanção penal, atinge a máxima consagração.

No entanto, aos poucos, a ânsia de liberdade com que, pelo menos, o mundo ocidental ficou depois dos horrores das duas guerras, foi ditando a necessidade de se recorrer a outras penas que apresentavam maior potencial ressocializador. Simultaneamente, o progresso tecnológico veio permitir a introdução de tecnologia que permitia alterar/substituir a execução da privação de liberdade e o caminho foi-se fazendo no sentido de pensar formas alternativas ou substitutivas da prisão, sobretudo para penas de pequena dimensão.

É, então, neste caminho que nos encontramos hoje na certeza de que, como lembra F. Dias in A Reforma do Direito Penal Português Princípios e Orientações Fundamentais, Coimbra, 1972, 31: “É um facto, como nota algures Aldous Huxley que nós pensamos e sentimos hoje de uma maneira mais subtil e variada que os antigos se bem que dentro de anos a nossa subtileza possa parecer sem dúvida, aos olhos da posteridade, uma tosca barbárie. Se ao homem de oitocentos repugnava já a pena corporal, cruel e infamante, que era ainda então a regra, como não compreender que ao homem de hoje repugne em igual medida que ao delinquente se furte o bem inestimável da sua liberdade física, quando outras formas haja de o direito penal cumprir a sua função? E se a isto acrescentarmos que, depois da crença do século XIX no valor da ressocialização da prisão, já hoje mal haverá quem duvide de que ela acaba por constituir as mais das vezes um factor criminogéneo, teremos as razões por que, se a prisão continua a ser a forma – regra de efetivar a pena é só por se não ter ainda descoberto o modo de integralmente a substituir.

Para que o Tribunal conclua pela possibilidade de cumprimento da pena de 1 (um) ano e 11 (onze) meses de prisão em regime de permanência na habitação é necessário, além do mais, concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades visadas com a execução da pena.

Mais é necessário que o condenado nisso consinta.

Que o condenado deu o seu consentimento, não há dúvida.

Mas será que as finalidades visadas com a punição e execução da pena imposta ficam acauteladas se a pena não for executada em estabelecimento prisional?

A pena serve, desde logo, para dissuadir os outros cidadãos – Mezger in Tratado de Derecho Penal, Tomo II na tradução da 2ª edição alemã de 1933, efetuada por Rodriguez Muñoz, pag 430 lembrava que a disposição criminal é um fenómeno comum a todas as pessoas, mesmo as melhores - da prática de idênticos crimes (prevenção geral negativa); serve também para que os cidadãos sintam que as normas penais são válidas, eficazes e são efetivamente aplicadas quando tal se justifique (prevenção geral positiva) e serve ainda como fator de desmotivação do arguido, isto é, para que o arguido perceba que o crime não compensa (prevenção especial).

Mas além de razões de prevenção geral e especial há a considerar um outro objetivo visado pela punição: a reintegração do agente na sociedade.

Quanto às finalidades visadas com a execução da pena de prisão, dispõe o artigo 42º do Código Penal que a execução de pena de prisão servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

São, pois, estas as finalidades que têm de se ter em vista quer ao nível da decisão de punir, quer da escolha, da medida e da execução da pena.

Na situação em apreço a decisão de punir já foi tomada anteriormente. Não há que tecer considerações no que a ela respeita.

A escolha e medida da pena (privativa de liberdade) também já ficou para trás. A questão que se põe é apenas respeitante à execução da pena, porque o legislador passou a permitir com a entrada em vigor da Lei 94/2017 de 23.08 que, a partir de 21.11.2017, penas de prisão não superiores a 2 anos pudessem ser cumpridas no domicílio do condenado.

Poderá, então, a concreta pena, aplicada ao recorrente, ser cumprida em regime de permanência na habitação? Ou, perguntando de outro modo: é necessário (artigo 18º, nº 2 do Constituição da República Portuguesa) para a sociedade e para o arguido que a pena seja cumprida em estabelecimento prisional?

O Tribunal a quo entendeu que as finalidades da punição não ficavam salvaguardadas se a pena não fosse cumprida em estabelecimento prisional, essencialmente, por três razões: desde logo pela existência de condenações anteriores por semelhantes e diferentes crimes, quer em penas alternativas, quer em pena de prisão efetiva; depois, porque o recorrente, que não é titular de carta de condução, nunca se inscreveu em escola de condução e, finalmente, porque o recorrente não aceita que tenha necessidade de tratamento, não obstante o historial de consumos excessivos de álcool. Entendeu, assim, o Tribunal a quo que, neste quadro de comportamento, como o arguido não interiorizou a gravidade das condutas, não se afigurava que o regime de permanência na habitação alterasse este status quo de indiferença por parte do arguido.

E se são verdadeiras as razões indicadas pelo Tribunal a quo para não permitir o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, também é certo que outros fatores há que ponderar e que o Tribunal a quo não considerou, não obstante constarem da matéria de facto.

Desde logo a atual circunstância de vida do recorrente, que se encontra a cumprir, desde fevereiro de 2018, uma outra pena em regime de permanência na habitação; depois, a avaliação positiva que tem sido feita pela DGRSP desse cumprimento, como se retira do relatório social junto aos autos (fls 284 e ss), depois, ainda, a constatação de que tendo o arguido sido libertado em outubro 2017, logo no mês seguinte começou a trabalhar, situação em que se mantém até hoje, o que é revelador de que o arguido tem capacidade de reintegração já que o exercício de atividade laboral é, não é temerário afirmá-lo, o mais fundamental fator de integração social.

Acresce, sob outro ponto de vista também não descurável, a circunstância de os crimes praticados pelo arguido serem ambos crimes de perigo abstrato, - cujas penas não excedem no seu limite máximo 1 (um) e 2 (dois) anos de prisão, respetivamente para o crime de condução em estado de embriaguez e para o crime de condução sem carta, - que não reclamam grandes períodos de encarceramento, nem têm associado grande alarme social, nem ressonância ética significativa.

Na ponderação de todos os fatores e porque se entende que a reintrodução do arguido, neste período da sua vida, em ambiente prisional teria efeitos perniciosos e constituiria um retrocesso no esforço da reintegração social exigido pelo artigo 42º do Código Penal, - até porque para que ocorra uma efetiva reintegração social é necessário que o arguido a queira, mas também que a sociedade a aceite - e que o regime de permanência na habitação pode corresponder a um período de transição - entre o tempo de prisão já antes sofrido e a vida livre a manter no futuro, - durante o qual, por força da integração familiar e profissional, o recorrente possa consolidar a orientação da vida que agora evidencia e que, necessariamente, se esbate durante a reclusão em meio prisional, entende-se que a pena de 1 (um) ano e 11 (onze) meses de prisão imposta ao arguido pode ser cumprida, à semelhança da situação em que atualmente se encontra, em regime de permanência na habitação, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 43º do Código Penal.
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DECISÃO

Em face do exposto decidem os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães conceder provimento ao recurso interposto por António e, em consequência:

- Revogar a sentença recorrida na parte em que decidiu não aplicar o regime de permanência na habitação e,
- Decidir que a pena de 1 (um) ano e 11 (onze) meses de prisão imposta ao recorrente nestes autos seja cumprida em regime de permanência na habitação, nos termos dos artigos 43º e 44º do Código Penal.

Sem custas (artigo 513º nº 1 do Código de Processo Penal).

Notifique.
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Guimarães, 05 de novembro de 2018

(Maria Teresa Coimbra)
(Cândida Martinho)