Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4478/18.8T8BRG.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: BENFEITORIAS
POSSUIDOR PRECÁRIO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
CAUSA DE PEDIR
AUTONOMIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Quando o recurso sobre matéria de facto assenta numa interpretação do recorrente sobre os depoimentos e declarações prestados em audiência divergente da do Julgador, não é necessário que o recorrente faça citações de excertos dos depoimentos ou declarações, nem que indique os pontos concretos da gravação onde estão os segmentos relevantes para reverter a decisão.
II- O art. 1273º,1 CC dá ao possuidor de boa-fé e ao de má-fé o direito de ser indemnizado das benfeitorias necessárias que haja realizado, e a levantar as benfeitorias úteis, desde que isso possa ser feito sem detrimento da coisa, mas do mesmo direito não goza o mero detentor ou possuidor precário (art. 1253º CC).
III- O instituto do enriquecimento sem causa não é uma causa de pedir subsidiária, a convocar para a decisão sempre que a pretensão principal estiver em risco de improceder. É, pelo contrário, uma causa de pedir de pleno direito, ao lado de tantas outras, que o Direito positivo oferece aos litigantes como remédio jurídico para as mais variadas situações patológicas que venham a carecer de intervenção judicial. A não prova da causa de pedir alegada é algo de completamente diferente de uma situação em que não existe causa para o enriquecimento. Donde, o Tribunal recorrido não era obrigado a conhecer da eventual subsunção dos factos provados ao instituto do enriquecimento sem causa, porque essa pretensão não foi formulada, essa causa de pedir não foi alegada.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

J. F. e M. C., casados, residentes na Rua …, n.º …, em …, Barcelos, instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra:

-1.º J. D., viúvo, residente na Rua ..., n.º …, cx. 105, freguesia ..., concelho de Barcelos (...);
-2.ºs D. C., viúva, residente na Rua ..., n.º …, freguesia ..., concelho de Barcelos (...) e Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de E. G., representada por:
-D. C., viúva, residente na Rua ..., n.º …, freguesia ..., concelho de Barcelos (…);
-N. M., residente na Rua ..., n.º …, freguesia ..., concelho de Barcelos (…);
-e V. F., residente na Rua …, n.º …, na freguesia de ..., concelho de Barcelos (…);
-3.ºs M. D., casada com J. F., residentes na Rua ..., n.º …, em …, Barcelos (...);
-4.ºs M. F., casado com F., F., residentes na Rua ..., freguesia ..., concelho de Barcelos (...); e
-5ºs D. G., casado com M. P., residentes no Lugar de …, freguesia de …, concelho de Cabeceiras de Basto (…), pedindo que, sendo julgada procedente a acção:

Depois de dois convites ao aperfeiçoamento da petição inicial, foi apresentada a petição definitiva, nos termos da qual os autores alegam, em síntese, que:

-o autor marido é filho do 1.º Réu e de Maria (entretanto falecida) e irmão das 2ª e 3.ª Rés e do 4ª Réu marido;
-com vista a partilha de alguns bens em vida, o 1.º Réu, nos fins da década de 90 do século passado, procedeu verbalmente à divisão pelos seus quatro filhos dos seguintes imóveis:
a. um prédio urbano composto pela casa de habitação de rés-do-chão, coberto e logradouro, situado no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ..., com o valor patrimonial de € 4.235,42, descrito na C.R.Predial de Barcelos, sob o n.º .../...;
b. um prédio rústico denominado “Campo ...”, de cultura e ramada, situado no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial rústica sob o art. ..., com o valor patrimonial de € 209,95, descrito na C.R.Predial de Barcelos sob o n.º …/....
-a que foi atribuído o valor total de doze mil contos (cerca de 60.000,00€, atualmente), considerando que o rústico valia cerca de quatro mil contos (vinte mil euros) e o urbano oito mil contos (quarenta mil euros);
-a partilha foi feita do seguinte modo: a cada um dos filhos caberia o valor de três mil contos (15 mil euros), pelo que ao Autor marido foi adjudicado o prédio rústico, no valor de quatro mil contos (vinte mil euros) e à 2.ª Ré foi adjudicado o prédio urbano, no valor de oito mil contos (quarenta mil euros);
-ficou acordado o Autor marido dar tornas de mil contos (cinco mil euros) ao 4.º Réu marido e a 2.ª Ré dar tornas de dois mil contos (dez mil euros) ao 4.º Réu e três mil contos (15 mil euros) à 3.ª Ré mulher;
-após tal divisão o Autor entrou, de imediato, na posse e fruição do denominado Campo ..., sempre confiando que tal imóvel lhe seria destinado, fazendo parte da sua “herança”;
-no entanto, o 1.º Réu, com o conluio dos restantes Réus, decidiu proceder à venda dos dois prédios referidos, com o total desconhecimento dos Autores;
-a 26.03.1998, o 1.º Réu e a esposa venderam aos 5.ºs Réus os prédios, sendo o 5.º Réu marido irmão do falecido marido da 2.ª Ré, E. G.;
-nunca foi intenção do 1.º Réu vender os imóveis aos 5.ºs Réus, com quem não tinha qualquer relação, conhecendo-os apenas por intermédio da sua filha;
-os 5.ºs Réus nunca entraram na posse dos imóveis era e continuou a ser o autor quem tinha a posse do prédio rústico, onde até tinha a sede da sua empresa;
-sucede que, por volta do início de 2000, a empresa do Autor teve problemas financeiros, que o forçaram a contrair dívidas, sendo que no âmbito de um crédito foram as suas irmãs (a 2.ª Ré e seu falecido marido e os 3.ºs Réus) suas fiadoras;
-por força da fiança, as Rés responderam directamente pelo crédito em causa;
-o que levou a que o Autor, reconhecendo tal realidade, a entregar, em 2004, a posse do prédio rústico (e respectivas benfeitorias que, entretanto, veio a realizar no mesmo) à 2.ª Ré e marido por forma a liquidar a dívida que tinha para com esta, e na convicção de que tal prédio lhe pertencia;
-a 2.ª Ré entrou na posse do prédio rústico no ano de 2004, aceitando que o imóvel e respectivas benfeitorias servissem de pagamento da dívida que a mesma liquidara na qualidade de fiadora (dação em pagamento);
- a 08 de Junho de 2012, os 5.ºs Réus e o marido da 2.ª Ré celebraram uma escritura de compra e venda dos prédios descritos;
-os restantes irmãos, designadamente a 3.ª Ré e o 4.º Réu, sabiam das intenções da 2.ª Ré de adquirir o prédio rústico “de graça”, mas não se coibiram de participar na partilha verbal, e o 4.º Réu recebeu tornas do Autor;
-todos sabiam que o objectivo do 1.º Réu era doar o prédio rústico à 2.ª Ré e, com isso, prejudicar o Autor, impedindo-o de herdar o que quer que fosse por óbito da mãe e, um dia, por óbito do 1.º Réu, seu pai;
-no período em que tiveram a posse do prédio rústico, os Autores, na convicção de quem é possuidor e, na expectativa de vir a ser proprietário de facto do mesmo, após a realização da escritura de partilha, realizaram benfeitorias no dito prédio, realizado um investimento no montante global de cerca de € 30.000,00 (trinta mil euros) e que contemplou, entre outras, as seguintes obras: a) abertura de um poço; b) cobertura à beira do poço em placa e blocos; c) instalação de cabine eléctrica; d) cobertura para acondicionamento dos depósitos de gasóleo; e) instalação de contentores com a finalidade de escritório e oficina de ferramentas.

Pedem o seguinte:

a) a condenação dos 1º, 2.ºs, 3.ºs e 4.ºs Réus a reconhecer a validade da partilha verbal celebrada, e por via dela, a reconhecer o direito de propriedade do Autor sob o prédio rústico identificado no art. 2.º al. b), e ainda a condenação da 2.ª Ré a entregá-lo aos Autores, devoluto de pessoas e bens.
b) subsidiariamente, caso se entenda que a partilha verbal realizada não é válida deverão ser condenados: a) o 4.º Réu marido no pagamento de 5.000,00€ (cinco mil euros) aos Autores, relativos às tornas que recebeu; b) a 2.ª Ré a pagar ao Autor a quantia de 30.000,00€ (trinta mil euros), relativa às benfeitorias identificadas.
c) subsidiariamente, pede ainda que se declarem nulos, por simulados, os negócios celebrados a 26/03/1998 e a 08/06/2012.

Os 1.º, 2.ºs e 4.ºs Réus contestaram, apresentando defesa por excepção, alegando, em suma, ser inepta a petição inicial por falta ou ininteligibilidade de causa de pedir e do pedido, e ainda serem os 5.ºs Réus parte ilegítima nos autos, até porque os autores não deduziram qualquer pedido contra estes demandados.
Por impugnação alegam, ainda, que é falso que o Réu J. D. e sua mulher Maria, falecida em -/10/2017, hajam procedido à partilha em vida dos seus bens no final da década de 90, ou em qualquer outra data, e que haja sido adjudicado o imóvel descrito na alínea b) do art. 2.º da petição inicial ao autor marido, assim como o imóvel descrito na alínea a) do referido art. 2.º da petição inicial à 2.ª Ré D. C.. Assim como é falso o suposto pagamento de tornas feito pelo autor ao 4.º Réu M. F., ou por qualquer outro herdeiro.
Não é verdade que o autor marido tenha entregue qualquer prédio à 2.ª Ré e marido E. G., para pagamento do montante em dívida para com estes, conforme resulta da matéria provada no processo n.º 2554/16.3 T8BRG, nem é verdade que a 2.ª Ré haja beneficiado de qualquer benfeitoria realizada pelos autores, muito menos é verdade que aceitou ou acordou com o autor qualquer dação em pagamento.
Desconhecem os 2ºs Réus qualquer obra realizada pelos autores no prédio rústico denominado “Campo ...”.
Em reconvenção alegam ainda que o referido prédio veio à posse e propriedade da 2ª Ré e seu falecido marido por compra que fizeram aos 5ºs Réus D. G. e mulher M. P., compra essa formalizada por escritura celebrada a 8.06.2012.
Tal aquisição mostra-se aliás registada a seu favor, pela AP n.º 3572, de 12/09/2018, pelo que beneficiam da presunção que tal registo confere, nos termos do art. 7.º do Código de Registo Predial.
Ainda que assim não se entendesse, alegam que o prédio em causa foi por si adquirido por usucapião, na medida em que os 2ºs. Réus, quer por si, quer por antepossuidores e anteriores proprietários, há mais de 5, 10, 20, 30, 40 e 50 anos, que estão na sua posse, cultivando-o, colhendo os frutos e rendimentos, fazendo obras de conservação e melhoramentos.
Durante todo este período de tempo, sem interrupção vêm os 2.ºs Réus retirando do prédio todas as vantagens, detendo-o, usando-o, usufruindo-o materialmente, pagando os inerentes encargos, despesas, contribuições e impostos que lhe respeitam, sempre com o animo de o fazer seu. O que têm feito à vista de todos, nomeadamente vizinhos, sem oposição de quem quer que seja, com conhecimento de todas as pessoas nomeadamente dos autores, e na convicção de exercerem direito próprio e de não lesarem direitos de outrem e sem violência.
Aliás, os próprios autores confessam que a Ré D. C. entrou na posse do prédio em 2004.

Os autores apresentaram resposta às excepções arguidas na contestação, e contestaram o pedido reconvencional.

A 24.04.2019 foi proferido o despacho-saneador, onde se admitiu o pedido reconvencional, conheceram-se as excepções de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade passiva, declaradas improcedentes por não verificadas, mais se definiu o objecto do litígio e enunciou os temas da prova. – cfr. fls. 156 a 162.

Foi junto relatório pericial a 2.02.2020. – cfr. fls. 181 a 194.

Realizou-se a audiência final como consta das actas de fls. 228 a 231 (19.10.2020) e de fls. 233 e 234 (12.11.2020).

Foi proferida sentença, que julgou a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os réus de todos os pedidos contra si formulados. E ainda, julgou procedente a reconvenção e, em consequência:
-declarou que os 2ºs Réus/Reconvintes são os únicos donos e legítimos possuidores do prédio rústico inscrito na matriz urbana sob o art. ....º da freguesia de ... e descrito na C.R.Predial de Barcelos sob o n.º …/...;
-condenou os Autores/Reconvindos a reconhecer que os 2ºs Réus são donos e legítimos possuidores do identificado prédio rústico e absterem-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte dos 2ºs Réus desse mesmo prédio.

Inconformados com esta decisão, os autores J. F. e M. C. dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente, em separado, e com efeito devolutivo - cfr. arts. 627º, 629º,1, 631º,1, 637º,1,2, 638º,1,7, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1, todos do C.P.Civil, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.

Terminam a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1. Os autores não podem conformar-se com a douta sentença recorrida, uma vez que face à prova produzida fez a sentença uma errada apreciação da matéria de facto e, consequentemente, errada subsunção dos factos ao direito, condicionada pelos factos dados como provados e não provados e, ainda, por factos alegados e provados com relevância para a decisão e que não foram considerados.
2. Com efeito, o busílis do presente processo centrou-se em aferir da existência de alegada partilha em vida feita pelo casal constituído por Maria, já falecida, e 1.º Réu, feita por forma verbal por acordo de todos os interessados (pais e filhos do casal), no final da década de 1990. Sendo a mesma válida, como cremos, terá de ser declarado como propriedade dos Recorrentes o prédio rústico identificado no artigo 2, b), da petição inicial.
3. Ao invés, considerando-se como inválida a partilha efectuada, o que por mera hipótese académica se aceita, terá o 4.º Réu de proceder à entrega dos valores que recebeu dos AA. a título de tornas e, ademais, o valor indemnizatório referente às benfeitorias realizadas pelos AA. nesse mesmo prédio.
4. Por fim, subsidiariamente, importa aferir da eventual existência de nulidade, por simulação, na modalidade de interposição fictícia de pessoas, na celebração das escrituras públicas de justificação e compra e venda de 26.03.1998 e de compra e venda de 08.09.2012, com todas as consequências daí advenientes.
5. Tal compreensão dos pedidos e objecto do litígio encontra-se tratada no despacho saneador e sentença (pág. 8, § 7 e 8) nos exactos termos dos últimos três pontos.
6. Relembrando que nos termos do disposto no artigo 554.º do CPC pedido subsidiário é aquele que “(…) é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior”, não se percebe como vem depois na sentença que: “Por outro lado, e como o 1.º pedido subsidiário, relativo à condenação do 4.º réu marido ao pagamento de 5.000,00€ (cinco mil euros) aos autores, relativos às tornas (e nem sequer se provou que o autor as pagou) e da 2.ª ré D. C. a pagar a quantia de 30.000,00€ (trinta mil euros), relativa às benfeitorias realizadas no prédio (e nem sequer se provou que as obras feitas importaram neste valor, mas em cerca de um terço), dependia também do reconhecimento da existência da referida partilha verbal, necessariamente decaem também os correspondentes petitórios. Veja-se aliás que podendo os autores ter pedido o valor das benfeitorias, a título de enriquecimento sem causa, e ainda como pedido subsidiário, também não o fizeram.”.
7. Com efeito, tal versão do petitório não traduz a realidade trazida a julgamento, pelo que a sentença está ferida de nulidade por não justificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão quanto à não devolução das tornas pagas pelos AA. ao 4.º Réu e quanto ao ressarcimento por benfeitorias realizadas no mencionado prédio rústico, a ser pagas pelos 2.º Réus; por os fundamentos estarem em oposição com a decisão, sendo obscuridade causa de ininteligibilidade da decisão que se recorre e porque o juiz não se pronunciou por isso sobre questões que devesse apreciar – tudo nos termos do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.
8. Nulidades que se requerem que sejam admitidas.
9. Impugnam-se os factos provados 16, 17, 18, 19 e não provados dos pontos 1 a 6, quanto a saber se houve ou não partilha; o facto provado vertido no ponto 14, e não provado vertido no ponto 14 para saber do valor a pagar a título de benfeitorias; e os factos não provados vertidos nos pontos 7, 8 e 12 para aferir da simulação do negócio.
10. No que tange ao primeiro grupo, começa-se por afiançar que os factos 1 e 6 deveriam ter sido dados como provados atento o depoimento dos co-réus e das partes, porquanto é aliás notório que existia um clima de inimizade.
11. Atendendo aos depoimentos de parte que como é entendimento comum, por si têm interesse no desfecho dos autos, os depoimentos aqui prestados demonstram não só esse interesse como também um interesse em não beneficiar os aqui autores de forma alguma, uma vez ser o autor marido, aos olhos destes, o causador de tantas dificuldades pelas quais os aqui co-réus passaram, a “desgraça da família”.
12. Em contrapartida, os depoimentos das testemunhas, considerada a “prova rainha”, que pela ausência de ligação com as partes e com o processo propriamente dito apresentam um discurso isento de interesses, devem ser devidamente valorados, não o foram neste caso.
13. Dos mesmos se extrai quanto à doação do prédio rústico que a mesma ou a sua intenção de doação existiu, designadamente no ano de 98 por parte do 1.º Réu J. D. ao aqui Autor marido, J. F..
14. Razão pela qual se entende que a prova testemunhal deveria ser considerada em prol da boa decisão da causa e consequentemente se considere como provado o ponto n.º 1 e 6 dos factos não provados.
15. Por sua vez, sobre em que termos foi feito o negócio, logicamente que apenas poderíamos ter as partes como depoentes, pois são as únicas que participaram directamente nos factos.
16. Ao contrário do que entendeu a Mm.ª Juiz a quo, o Recorrente apresentou um depoimento claro, sem incongruências sobre o que se passou e o que fez com o prédio que lhe foi entregue.
17. Consequentemente, derivado do depoimento esclarecido e verdadeiro do Recorrente J. F. dever-se-ia ter dado como provados os fatos não provados vertidos nos pontos 2, 3, 4 e 5 – derivado do seu depoimento nos minutos 3:50 a 7:45 –, o que se requer.
18. Por via disso, temos também de impugnar os factos provados na secção correspondente nos pontos 16 a 19.
19. o Recorrente só saiu do prédio em 2004 (facto 6), pelo que não podemos dizer que os 2.os Réus eram proprietários do terreno há mais de 20 anos!
20. Pelo que os factos indicados deveriam ser dados como não provados, o que se requer.
21. Quanto às benfeitorias, impugna-se o facto provado 14 que está inclusivamente em falta com o que a sentença diz mais adiante, porquanto, nesse facto dever-se-á mencionar que esses valores são a preços actuais de mercado, no estado em que se encontra, depreciado em função da vetustez e estado de conservação.
22. Relembra-se que as benfeitorias ficaram em mãos alheias desde 2004, data em que o Recorrente deixou o prédio, sendo que, certamente, o cuidado tido pelos posteriores possuidores não terá sido idêntico.
23. Assim, para efeitos de determinação dos valores indemnizatórios que devem ser pagos, em caso disso, para compensação das benfeitorias realizadas pelos Recorrentes, deverá dar-se como provado o facto 14 dos não provados.
24. Pois aquele primeiro não pode ser causa de exclusão deste último, por se tratarem de realidades diferentes, resultando que o autor das benfeitorias tem de ser indemnizado pelo valor primitivo das mesmas e não o actual.
25. Mormente porque desde 2004 que não sabe como têm sido as mesmas usadas e os cuidados que foram verificados na sua conservação.
26. Requerendo-se assim a alteração do facto provado 14 e que se dê como provado o facto não provado 14.
27. Quanto ao último dos pontos, deviam ter sido dados como provados os factos 7, 8 e 12 dos não provados, derivado de toda a factualidade que se citou para os casos antecedentes, designadamente testemunhal.
28. Ficou claro dos autos que o negócio realizados entre o 1.º Réu, com os 5.os Réus, e depois entre este e a 2.ª Ré e seu falecido marido mais não passou de uma simulação para esconder a doação pretendida do 1.º Réu à 2.ª Ré.
29. Passamos agora à subsunção da matéria de facto ao direito e à apreciação da sua correcta aplicação.
30. -Da partilha e propriedade do prédio rústico
31. Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, não concordámos com o entendimento de que o Recorrente exerceu sobre o prédio uma posse precária.
32. É havido como detentores ou possuidores precários aqueles que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular e representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem, segundo o preceituado no artigo 1253º do Código Civil.
33. Ora, face à prova produzida, fácil é de ver que tal não corresponde à verdade, pois em meados de 1998 o Recorrente entrou na posse do prédio rústico usando como se fosse seu, com o ânimo de ser dono e possuidor, por o ter adquirido a título de doação, ou, mesmo que tal não se concebesse, sempre com a expectativa de o adquirir por via de partilha por lhe estar destinado.
34. Nesses termos deverá a partilha ser considerada e, bem assim, reconhecer-se os Recorrentes como proprietários do indicado prédio.

Subsidiariamente,
-Indemnização por benfeitorias e tornas
35. Se não se entender pela validade ou existência de partilha, urge aferir da indemnização a pagar aos Recorrentes em virtude das benfeitorias existentes nos prédios e das tornas indevidamente pagas.
36. Assim, mesmo que fosse desconsiderada a partilha, julgando-a inexistente, teriam os Recorrentes de ser indemnizados a título de benfeitorias realizadas no valor de € 30.000,00 (trinta mil euros) como peticionam.
37. Apontámos logo inicialmente para a nulidade da sentença, por contraditória e por não versar sobre este tema. Contraditória porque parte de uma interpretação errada do petitório, pois que os Recorrentes ao afirmarem a que a partilha não é válida, logicamente que englobam a hipótese (errada) do Tribunal a quo assumir que tal negócio não se deu.
38. Seria de um rigor draconiano atroz seguir tal interpretação. Sublinhe-se que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – artigo 5.º do CPC.
39. Descendo ao caso, consta dos factos provados, nomeadamente o n.º 5 e 12º, que os Recorrentes realizaram as benfeitorias identificadas, uma vez que o prédio em causa antes das mesmas não estaria em condições, seja para cultivo ou qualquer outro uso.
40. Às benfeitorias realizadas pelo autor marido são úteis, e por não serem susceptíveis de levantamento sem o seu detrimento tem o autor o direito a ser indemnizado no valor delas (à data da construção).
41. Sendo os AA. possuidores de boa-fé, segundo o artigo 1217º do Código Civil, estes não respondem pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa, uma vez que quem fez uso das benfeitorias foi a 2ª Ré, não podendo ser os aqui apelantes responsabilizados pelas deteriorações, não sendo possuidores já há mais de 15 anos.
42. Ainda que, por recusa da alteração da matéria de facto, não se considere que haja existido a doação verbal do prédio rústico e a posse do mesmo pelo autor marido, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, sempre teriam os apelantes direito a ser ressarcidos nos termos do enriquecimento sem causa, cfr. Artº 1273º e 473º do Código Civil.
43. A sentença recorrida violou, por erro de interpretação, entre outros, os artigos 1251º, 1252º, 1273º, 1274º e 473º do Código Civil.
44. Deste modo deve a sentença recorrida ser revogada e proferido acórdão condenando os Réus ou a 2.ª Ré a pagar aos Recorrentes as tornas e benfeitorias levadas a cabo pelo Recorrente, no valor de, respectivamente, € 5.000,00 e € 30.000,00.
-Da simulação
45. Subsidiariamente é peticionado que seja reconhecida a nulidade dos negócios perpetrados a 26/03/1998 e a 08/06/2012 nos termos do regime da simulação.
46. O autor marido sempre se intitulou dono e proprietário do referido prédio rústico, exercendo a sua posse de forma pacífica, reiterada e pública, pondo e dispondo como quis, sem que nunca, seja por parte dos co-réus, ora por interposta pessoa, fosse destituído da posse do referido imóvel.
47. Curioso é que sendo o 5º Réu o alegado proprietário do prédio rústico em crise, como pretendem os Réus fazer crer, nunca foi o autor marido interpelado por aquele para efectuar qualquer pagamento a título de arrendamento ou mesmo interpelado para abandonar o local. Qual distinto benfeitor!
48. Não pode deixar de se estranhar o facto de, como dito pelos 1º réu, 2º ré e 3º ré, o 5º réu permitir de forma gratuita e livre de quaisquer encargos a permanência do autor marido no prédio rústico e, bem assim, da sua actividade empresarial, durante cerca de 6 anos (de 1998 a 2004). Principalmente quando nem sequer o conhecia como o próprio reconhece! E quando a família já mal se dava!
49. Com efeito, dispõe o artigo 240.º do Código Civil, no seu n.º 1, que “Se, por acordo entre o declarante e o declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.”.
50. Como dissemos, o negócio jurídico celebrado entre o 1.º Réu e os 5.ºs Réus teve por base um acordo de vontades com o intuito de prejudicar terceiros, designadamente o Autor.
51. Isto porque, o negócio realmente querido pelas partes era a doação dos prédios identificados no artigo 2º para a 2ª Ré. Algo que, anos mais tarde, veio a ser realidade, quando os 5ºs Réus realizaram um novo negócio simulado: o contrato de compra e venda com o marido da 2ª Ré. Sublinhe-se, aliás, que estas partes não lograram sequer explicar em que moldes se deu o negócio, pois que para uns houve pagamentos, e para outros acertos. Em que ficamos? Na lamentável certeza de que a vontade das partes foi simulada com o intuito, apenas e só, de prejudicar os Recorrentes.
52. Pelo exposto, devem os negócios ser declarados nulos e, assim, serem também entregues as quantias devidas aos Recorrentes a título de tornas e benfeitorias.
53. Por fim, conclui-se dizendo que vencendo o recurso, improcedem naturalmente os pedidos reconvencionais.

A recorrida D. C., apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:

A. O prazo para interposição do presente Recurso terminou em 29/01/2021, pelo que não tendo sido liquidada no imediato a multa, nem a penalização de 25% prevista no n.º 6 do artigo 139º do CPC, o mesmo é extemporâneo.
B. A Sentença proferida pelo tribunal de 1ª Instância não se encontra ferida de qualquer das nulidades, nomeadamente previstas nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC como invocam os Recorrentes.
C. Alegam os Recorrentes que o tribunal de 1ª Instância cometeu um erro na apreciação e decisão da matéria de facto e consequentemente fez uma má aplicação do direito, no entanto nenhum reparo merece a decisão proferida pelo tribunal de 1ª Instância quanto a tal questão, não tendo razão os Apelantes em invocar tal “erro”, já que efectivamente ele não se verifica.
D. Para tal, os recorrentes, alegam que os pontos 14, 16, 17, 18, 19, dos factos provados devem ser considerados e declarados não provados por terem sido incorrectamente julgados, assim como os factos não provados nos pontos 1 a 6, 7, 8, 12 e 14, e ainda 2, 3, 4 e 5, devem ser considerados e declarados provados por terem sido incorrectamente julgados também.
E. Os apelantes não deram cumprimento integral aos ónus impostos pelo artigo 640º do CPC, pois não indicaram quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou da gravação realizada que impusessem respostas diferentes, não indicaram as razões de discordância, nem concretizaram qual a decisão que deveria ter sido dada como provada ou não provada pelo tribunal “a quo”, razão pela qual não podem os mesmos ser objecto de apreciação pelo tribunal da Relação.
F. Ouvidos integralmente os depoimentos das testemunhas, nenhum outro sentido, valor e alcance pode ser dado que não seja aquele que o tribunal “a quo” lhes atribuiu, não tendo tais depoimentos qualquer correspondência com as desenquadradas palavras ou expressões que os Apelantes fizeram constar da “suposta” e confusa transcrição dos depoimentos.
G. Analisando e articulando toda a prova, a decisão em matéria de facto não merece qualquer reparo, nomeadamente quanto aos pontos da matéria de facto aqui colocada em causa pelos Recorrentes.
H. E, perante a matéria de facto correctamente julgada, nenhuma outra decisão em matéria de direito poderia ser proferida.
I. Não tendo os Recorrentes/Autores provado como alegaram e lhes cumpria o único desfecho, porque verdadeiro, que a presente acção poderia ter como teve foi a improcedência dos pedidos formulados pelos mesmos, como bem decidiu o Tribunal “a quo”.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber se:

a) ocorre alguma nulidade na sentença
b) ocorreu erro no julgamento da matéria de facto
c) deveria ser conhecida uma causa de pedir não alegada

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

Da petição inicial corrigida a 26.03.2019 e contestação:
1. O autor marido é filho do 1.º Réu, J. D., e de Maria (entretanto falecida a -.10.2027), e irmão da 2.ª Ré, D. C., da 3.ª Ré, M. D., e do 4.º Réu, M. F..
2. Através de escritura de justificação e compra e venda outorgada a 26 de Março de 1998, o 1.º Réu e a sua esposa, Maria, declararam justificar a posse dos seguintes prédios:
a. um prédio urbano composto pela casa de habitação de rés-do-chão, coberto e logradouro, situado no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ..., com o valor patrimonial de € 4.235,42, descrito na C.R.Predial de Barcelos, sob o n.º .../...;
b. um prédio rústico denominado “Campo ...”, de cultura e ramada, situado no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial rústica sob o art. ..., com o valor patrimonial de € 209,95, descrito na C.R.Predial de Barcelos sob o n.º …/...;
3. Por não terem título de aquisição para registo, por os haverem adquirido por contrato verbal celebrado há mais de 20 anos a J. P. e M. R.;
4. E ainda os declararam vender por quatro mil contos ao aqui 5.º réu marido, D. G., irmão do falecido marido da 2.ª Ré, E. G., sendo o urbano por três mil contos e o rústico por mil contos, que declaram já ter sido pago.
5. Em data não concretamente apurada, mas antes da outorga da escritura referida em 2. e pelo menos desde o início do ano de 1998, o autor marido fez obras no prédio rústico denominado “Campo ...” referido, para instalar ali um estaleiro para o exercício da sua actividade de transporte de mercadorias, tudo com conhecimento e consentimento do 1.º réu, J. D., seu pai.
6. Os 5.ºs Réus sabiam que o prédio rústico referido estava na posse do autor, e que este até tinha aí a sede da sua empresa, o que se manteve até 2004;
7. Data em que o autor marido encerrou a empresa e não mais usou o prédio para o exercício daquela actividade ou outra.
8. Por volta do início do ano 2000, a empresa do Autor teve problemas financeiros, que forçaram o mesmo a contrair dívidas, sendo que no âmbito de um crédito foram as suas irmãs (as 2ª e 3ªs rés) e seus maridos seus fiadores;
9. Por força dessa fiança, as ditas Rés responderam directamente pelo crédito em causa.
10. A 8 de Junho de 2012, por meio de escritura de compra e venda, os 5.ºs réus declaram vender os mesmos prédios urbano e rústico a E. G., falecido marido da aqui 2.ª ré D. C., pelo preço global de 16.000,00 Eur. (dezasseis mil euros), que declararam já recebido, sendo 12.500,00 Eur. (doze mil e quinhentos euros) pelo prédio urbano e 3.500,00 Eur. (três mil e quinhentos euros) pelo prédio rústico.
11. Os prédios referidos em 2 estão registados a favor de E. G., casado com D. C., por compra a D. G. e esposa, M. P., através da Ap. 1313 de 2012/07/10 (n.º ...) e Ap. 3572 de 2018/09/12 (n.º 822), sendo que ambos os prédios estiveram antes registados a favor de D. G. e M. P. através da Ap. 1 de 1998/07/01.
12. No período em que tiveram a posse do prédio rústico, os Autores, realizaram ali obras, mormente: a) abertura de um poço; b) cobertura em placa e blocos; c) instalação de cabine eléctrica; d) cobertura para acondicionamento dos depósitos de gasóleo; e) instalação de contentores com a finalidade de escritório e oficina de ferramentas.
13. Os contentores foram retirados do local por pessoa não apurada.
14. As obras referidas em 12. importaram num custo de 7.750,00 € (sete mil setecentos e cinquenta euros) mais IVA (ou seja, 9.532,50 €), nomeadamente:
-o poço 1.750,00 € mais IVA;
-o coberto/anexo 3.500,00 € mais IVA;
-a cabine eléctrica 1.250,00 € mais IVA;
-e a cobertura em chapa 1.250,00 € mais IVA.

15. A Ré D. C. e o marido, E. G., falecido a -.11.2014, pagaram o preço consignado pela celebração do negócio referido em 10.;
16. Os 2ºs. Réus, quer por si, quer por antepossuidores e anteriores proprietários, há mais de 5, 10, 20 e mais anos, estão na posse do mesmo prédio rústico;
17. Que vêm cultivando, de onde colhem frutos e rendimentos, e onde fazem obras de conservação e melhoramentos;
18. E pagam os inerentes encargos, despesas, contribuições e impostos que lhe respeitam;
19. O que fazem à vista de todos, nomeadamente dos seus vizinhos, sem oposição de quem quer que seja, com conhecimento de todas as pessoas nomeadamente os autores, e na convicção de exercerem direito próprio e de não lesarem direitos de outrem.

Factos não provados:

Da petição:
1. Com vista a partilha de alguns bens em vida, o 1.º Réu, nos fins da década de 90 do século passado, procedeu verbalmente à divisão pelos seus quatro filhos de dois imóveis que a seguir se identificam:
a. um prédio urbano composto pela casa de habitação de rés-do-chão, coberto e logradouro, situado no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ..., com o valor patrimonial de € 4.235,42, descrito na C.R.Predial de Barcelos, sob o n.º .../...;
b. um prédio rústico denominado “Campo ...”, de cultura e ramada, situado no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial rústica sob o art. ..., com o valor patrimonial de € 209,95, descrito na C.R.Predial de Barcelos sob o n.º …/....
2. Aos quais foi atribuído o valor total de doze mil contos (cerca de 60.000,00€, actualmente), considerando que o rústico valia cerca de quatro mil contos (vinte mil euros) e o urbano oito mil contos (quarenta mil euros).
3. A partilha foi feita do seguinte modo: a cada um dos filhos caberia o valor de três mil contos (15 mil euros), pelo que ao Autor marido foi adjudicado o prédio rústico, no valor de quatro mil contos (vinte mil euros) e à 2.ª Ré foi adjudicado o prédio urbano, no valor de oito mil contos (quarenta mil euros).
4. E ficou acordado o Autor marido dar tornas de mil contos (cinco mil euros) ao 4.º Réu marido e a 2.ª Ré dar tornas de dois mil contos (dez mil euros) ao 4.º Réu marido e três mil contos (15 mil euros) à 3.ª Ré mulher.
5. O autor entregou as tornas ao 4.º Réu marido, e fê-lo na presença do 1.º Réu, pai de ambos.
6. Foi por força de tal divisão que o Autor entrou na posse e fruição do denominado “Campo ...”, sempre confiando que tal imóvel lhe seria destinado, fazendo parte da sua “herança”.
7. O 1.º Réu, em conluio com os restantes Réus, decidiu proceder à venda dos dois prédios referidos, com o total desconhecimento dos Autores.
8. Mas nunca foi intenção do 1.º Réu vender os imóveis aos 5.ºs Réus, com quem não tinha qualquer relação, conhecendo-os apenas por intermédio da sua filha.
9. Por força do referido em 8. e 9. dos provados, o Autor, reconhecendo tal realidade, entregou, em 2004, a posse do prédio rústico (e respectivas benfeitorias que, entretanto, veio a realizar no mesmo) à 2.ª Ré e marido por forma a liquidar a dívida que tinha para com esta, e na convicção de que tal prédio lhe pertencia.
10. A 2.ª Ré entrou na posse do prédio rústico no ano de 2004, aceitando que o imóvel e respectivas benfeitorias serviam de pagamento da dívida que a mesma liquidara na qualidade de fiadora.
11. Mas agora a 2.ª ré D. C. nega tal entrega para liquidação da dita dívida e demandou judicialmente o autor e os seus familiares, no processo n.º 2544/16.3T8BRG, reclamando uma dívida inexistente.
12. Os restantes irmãos, designadamente a 3.ª Ré e o 4.º Réu, sabiam das intenções da 2.ª Ré de adquirir o prédio rústico “de graça”.
13. Todos sabiam que o objectivo do 1.º Réu era doar o prédio rústico à 2.ª Ré e, com isso, prejudicar o Autor, impedindo-o de herdar o que quer que fosse por óbito da mãe e, um dia, por óbito do 1.º Réu, seu pai.
14. As obras referidas em 12. dos provados importaram o custo global de cerca de € 30.000,00 (trinta mil euros), que o autor suportou.

IV
Conhecendo do recurso.

1. Questão prévia

Em primeiro lugar, verifica-se que nas contra-alegações, a recorrida D. C. começa por alegar que o prazo para interposição do presente Recurso terminou em 29/01/2021, pelo que não tendo sido liquidada no imediato a multa, nem a penalização de 25% prevista no n.º 6 do artigo 139º do CPC, o mesmo é extemporâneo.
Porém, não lhe assiste razão, como bem decidiu a primeira instância, que chama a atenção para que o recurso foi interposto a 29.01.2021, às 23:51 horas, logo no 40.º dia do prazo, como aliás se retira do comprovativo de entrega de peça processual com a referência 37885178, junta aos autos pelos recorrentes.

2. As nulidades

Os recorrentes vêm arguir nulidades da sentença recorrida, dizendo que esta não justifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão quanto à não devolução das tornas pagas pelos AA. ao 4.º Réu e quanto ao ressarcimento por benfeitorias realizadas no mencionado prédio rústico, a ser pagas pelos 2.º Réus.
E depois acrescentam que ainda ocorre nulidade porque os fundamentos estão em oposição com a decisão, sendo a obscuridade causa de ininteligibilidade da decisão que se recorre e porque o juiz não se pronunciou por isso sobre questões que devesse apreciar – tudo nos termos do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.

Vejamos.

Ao falar em nulidades da sentença, recordamos a famosa frase do físico Alemão Wolfgang Pauli, que dizia, irritado, ao ler um trabalho científico dúbio: “isto não está certo; isto nem sequer está errado !” A sentença nula pode ser vista exactamente da mesma maneira: é uma decisão que não está certa, nem está errada: não serve como decisão.
O art. 615º CPC elenca os casos de nulidade da sentença, nas 5 alíneas do seu nº 1. Os recorrentes conseguem ver na sentença sub judice três dessas cinco causas de nulidade: segundo eles, a sentença não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b); os fundamentos estão em oposição com a decisão ou ocorre alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (alínea c); e o juiz deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (alínea d).
Vamos desde já afastar a aplicação da alínea b), cuja invocação aliás só pode decorrer de um lapso grosseiro, pois a sentença elenca os factos provados e não provados, e contém 10 páginas de argumentação e análise jurídica para apreciar as pretensões deduzidas na petição inicial corrigida, nelas se incluindo a questão das tornas e das benfeitorias.

Nos termos da alínea c)a sentença é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

Este fundamento de nulidade da sentença assenta na ideia de que os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão funcionam como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário. Daí, se numa sentença se expender argumentação, assente em determinados pressupostos de direito e de facto, que aponta inequivocamente para uma solução, para a final a decisão ser a oposta, estaremos perante uma violação das regras necessárias à sustentação lógica da sentença, de tal maneira que nem se conseguirá dizer se a sentença fez uma correcta ou uma errada aplicação do direito, porque a mesma encerra em si um vício lógico de tal maneira grave que a torna inaproveitável como sentença.

Como escrevem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, II vol., pág. 670: “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa da nulidade da sentença”. Ou, como se pode ler no Acórdão da Relação do Porto de 2.5.2016: “A nulidade da sentença decorrente dos fundamentos estarem em oposição com a decisão verifica-se quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se e, enquanto vício de natureza processual, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal – ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente”.
Tem-se entendido que esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação de fundamentação da decisão prevista nos art. 154º e 607º,3 CPC e, por outro, pelo facto da sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor). Veja-se o Acórdão do TRL de 9/7/2014 (Pedro Brighton), in www.dgsi.pt.
Situação totalmente distinta é o erro de julgamento (error in judicando), quer quanto à apreciação da matéria de facto, quer quanto na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável.
Ora, salvo melhor opinião, não vislumbramos qualquer contradição ou obscuridade na sentença. Nem aliás os recorrentes conseguem indicar onde esteja essa contradição.
Daí que, sem mais, improceda esta arguição de nulidade.

Finalmente, a sentença é nula se o juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (alínea d). Ora, não vemos qual foi a questão que a sentença deixou de apreciar, porque, mais uma vez, os recorrentes não a identificam. O que vemos é que a sentença apreciou todas as questões correspondentes aos pedidos formulados na petição aperfeiçoada.
Se as apreciou bem ou mal, já é questão que nada tem a ver com nulidades.
Como tal, a sentença recorrida não padece de qualquer nulidade.

3. Apreciação do recurso sobre matéria de facto

A recorrida, nas suas contra-alegações, veio dizer que os apelantes não deram cumprimento integral aos ónus impostos pelo artigo 640º do CPC, pois não indicaram quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou da gravação realizada que impusessem respostas diferentes, não indicaram as razões de discordância, nem concretizaram qual a decisão que deveria ter sido dada como provada ou não provada pelo tribunal “a quo”, razão pela qual não podem os mesmos ser objecto de apreciação pelo tribunal da Relação.

Não lhe assiste porém razão.

Os recorrentes indicam quais os factos que consideram mal julgados, indicam qual deveria, a seu ver, ter sido a decisão do Tribunal sobre cada um deles, e explicam porquê.

É preciso ter vem vista que, em abstracto, pode-se dizer que uma decisão sobre matéria de facto errou porque:
a) não prestou atenção a um ou alguns meios de prova, que, se ponderados, teriam levado a solução diferente;
b) atribuiu credibilidade a quem não a teve, e negou credibilidade a quem a teve.

No presente recurso estamos perante este segundo caso. Daí que não seja relevante que o recorrente faça citações de excertos dos depoimentos ou declarações, nem que indique os pontos concretos da gravação onde estão os segmentos relevantes para reverter a decisão.

Vamos então conhecer do recurso nesta parte.

3.1. Para aferir da existência da alegada partilha em vida, afirmam os recorrentes que os factos provados vertidos nos pontos 16, 17, 18, 19 deveriam ter sido considerados não provados, e, inversamente, os factos não provados dos pontos 1 a 6 ser considerados provados.
Quase que podíamos limitar-nos a dar aqui por reproduzida a exaustiva motivação apresentada na sentença recorrida, com total concordância. O dever de ofício obriga-nos, porém, a dizer algo mais. A pretensão do autor, assenta na alegação da existência de uma partilha verbal que teria sido feita pelo réu J. D. pelos seus 4 filhos, um deles o ora autor e os restantes réus.
O Tribunal recorrido começa logo por reconhecer que J. F. veio confirmar a versão que sustentou na petição, referindo que os pais fizeram partilha em vida, por forma verbal, entre ele e os irmãos, tendo-lhe sido atribuído o prédio rústico e à irmã D. C. o prédio urbano, respectivamente por quatro mil contos e por oito mil contos. Mais relatou ter dado tornas ao seu irmão M. F., tendo entregue mil contos a este em casa do 1.º réu, pai de ambos, e que a D. C. teria de pagar tornas ao irmão M. F. e ainda à irmã C. M., mas afirmou desconhecer se esta as pagou ou não.
Simplesmente, não convenceu o Tribunal recorrido. Na motivação, este explica porquê. E acrescenta ainda que essas declarações de parte do autor não foram corroboradas por quaisquer outros meios de prova, fossem testemunhais ou documentais, e surgem contrariadas pelos diversos depoimentos de parte colhidos.
Seguidamente faz o Tribunal uma súmula bastante desenvolvida dos depoimentos testemunhais e dos depoimentos de parte colhidos aos co-réus, súmula essa que não foi contestada em nada pelos recorrentes, para concluir que “todos os depoimentos de parte, incluindo o de D. G., até pela simplicidade com que se apresentou e falou em audiência, assumindo que ao adquirir os prédios visou no futuro revendê-los ao irmão e à cunhada, D. C., por manter uma excelente relação com eles, o que fez em 2012, se revelaram genuínos, sinceros e coincidentes, mostrando-se credíveis, pela forma como relataram os acontecimentos, postura e linguagem, e como tal convincentes. Pelo contrário as declarações de parte do autor revelaram-se imprecisas e até contraditórias, mostrando-se notoriamente interessadas e não corroboradas por ninguém, o que impede que o Tribunal valide a versão dos factos sustentada na petição, cujo ónus da prova incumbia aos autores”.
E como é que os recorrentes impugnam este julgamento, tributário directo do princípio da livre apreciação da prova?
Dizendo isto: “Acontece, porém, que ao contrário do que entendeu a Mm.ª Juiz a quo, o Recorrente apresentou um depoimento claro, sem incongruências sobre o que se passou. Consequentemente, derivado do depoimento esclarecido e verdadeiro do Recorrente J. F. dever-se-ia ter dado como provados os fatos não provados vertidos nos pontos 2, 3, 4 e 5 – derivado do seu depoimento nos minutos 3:50 a 7:45 –, o que se requer”.
Colocada a questão nestes termos, apenas nos resta dizer que, tendo ouvido a gravação da prova em causa, esta Relação confirma na íntegra o julgamento da primeira instância. E não apenas por considerar que tivemos 5 declarações de partes coincidentes em negar a tese do autor, e apenas umas declarações a confirmá-la, a do próprio. Também porque as declarações de parte dos réus foram credíveis, prestadas de forma simples e serena, em alguns casos sofrida, sendo que nada veio perturbar a coerência intrínseca de tais declarações. A única prova que corroborou a tese do autor, sem surpresa, foram as declarações do próprio. Mas este não logrou convencer o Tribunal, pois as suas declarações não mereceram credibilidade, no confronto com os réus. Acresce ainda, que, previamente à análise da prova, temos de olhar para a tese do autor vertida na petição inicial e dizer que esta sofre de uma implausibilidade de fundo, que é assentar na alegação de um conluio entre o seu pai e o seus irmãos, para o prejudicar a ele, quando o que resulta dos autos, por prova documental incontornável, é que foi o autor que prejudicou as suas irmãs, convencendo-as a serem suas fiadoras, o que levou a que perante o seu incumprimento, elas tivessem sido executadas pelas dívidas dele. E a prova testemunhal, como bem referiu a sentença, nada adiantou de relevante quanto a esta alegação.
Assim, sendo dos autores o ónus de provar o que alegaram, a conclusão final é que eles não o lograram fazer, de todo. Assim, bem andou o Tribunal recorrido em considerar que não ficou provado que tivesse havido qualquer partilha verbal.

3.2. Seguidamente, impugnam os recorrentes o facto provado 14.

Recordemos:

14. As obras referidas em 12. importaram num custo de 7.750,00 € (sete mil setecentos e cinquenta euros) mais IVA (ou seja, 9.532,50 €), nomeadamente:
-o poço 1.750,00 € mais IVA;
-o coberto/anexo 3.500,00 € mais IVA;
-a cabine eléctrica 1.250,00 € mais IVA;
-e a cobertura em chapa 1.250,00 € mais IVA”.

E entendem que ao invés, deveria ter sido considerado provado o ponto 14 dos factos não provados:
14. As obras referidas em 12. dos provados importaram o custo global de cerca de € 30.000,00 (trinta mil euros), que o autor suportou”.

O Tribunal recorrido baseou-se no teor do relatório pericial junto ao processo a 2.02.2020, subscrito pelo Eng. J. C., e ainda nos esclarecimentos orais por ele prestados em audiência, que foram alvo da análise crítica do Tribunal. E explicou porque razão não tinha qualquer motivo para duvidar desta prova.
Afirmam os recorrentes que nesse facto dever-se-á mencionar que os valores aí referidos são a preços actuais de mercado, que é o que, com efeito, resultou da prova pericial. Pelo que essa precisão deverá ser introduzida.

No mais, não vemos que argumentos sejam utilizados para dar como provado o facto 14 dos não provados. Seja como for, a sentença está, nesta parte assente no relatório pericial, o qual não merece qualquer censura, não havendo pois nenhuma razão para dele divergir. Improcede esta parte do recurso.

3.3. Finalmente, pretendem os recorrentes que deviam ter sido dados como provados os factos 7, 8 e 12 dos não provados, derivado de toda a factualidade que se citou para os casos antecedentes, designadamente testemunhal.

São eles:
“7. O 1.º Réu, em conluio com os restantes Réus, decidiu proceder à venda dos dois prédios referidos, com o total desconhecimento dos Autores.
8. Mas nunca foi intenção do 1.º Réu vender os imóveis aos 5.ºs Réus, com quem não tinha qualquer relação, conhecendo-os apenas por intermédio da sua filha.
12. Os restantes irmãos, designadamente a 3.ª Ré e o 4.º Réu, sabiam das intenções da 2.ª Ré de adquirir o prédio rústico “de graça”.
Aqui pouco ou nada há a acrescentar ao que já dissemos supra, pois a prova por declarações/depoimentos de parte não permite minimamente dar estes factos como provados.
E sobre a prova testemunhal, basta-nos dar por reproduzido o que se afirma na motivação, com total concordância. Os depoimentos das 3 primeiras referidas testemunhas são manifestamente insuficientes para respeitar o ónus que incumbia sobre os autores, porque baseados em “ouvir dizer”, e, sobretudo, no que o autor lhes disse.
Nunca com a prova testemunhal referida poderiam os factos em causa ser dados como provados. Bem andou o Tribunal recorrido em decidir como decidiu.

Assim, a matéria de facto, com excepção da minúscula alteração supra referida, manter-se-á intocada.

Recurso sobre matéria de direito
Afirmam os recorrentes que, mesmo que mesmo que fosse desconsiderada a partilha, julgando-a inexistente, teriam os Recorrentes de ser indemnizados a título de benfeitorias realizadas no valor de € 30.000,00 (trinta mil euros) como peticionam.

Será assim ?

Recordemos o processado com relevo para esta questão.

Na primeira petição apresentada, os autores alegaram em síntese, que no âmbito de um crédito, em particular, foram as suas irmãs (a 2ª Ré e falecido marido e os 3ºs Réus) suas fiadoras. Que por força dessa fiança, as ditas Rés responderam directamente pelo crédito em causa. O que levou a que o Autor, reconhecendo tal realidade, entregasse a posse do prédio rústico aqui em causa (e respectivas benfeitorias que, entretanto, veio a realizar no mesmo) à 2ª Ré e marido, por forma a liquidar a dívida que tinha para com esta. Reconhecendo, na altura, a 2ª Ré que o imóvel e respectivas benfeitorias serviam de pagamento da dívida que a mesma liquidara na qualidade de fiadora.
Na segunda petição inicial apresentada os autores mantiveram nos seus traços gerais esta alegação.
O mesmo sucedeu na terceira petição apresentada.

E formularam os seguintes pedidos:

a) Serem os 1º, 2.º, 3.º e 4.ºs Réus condenados a reconhecerem a validade da partilha verbal celebrada, e por via dela, reconhecerem o direito de propriedade do Autor sob prédio rústico identificado no artigo 2.º al. b).
b) Ser a 2ª Ré condenada a entregar aos Autores o prédio rústico identificado no artigo 2.º al. b), devoluto de pessoas e bens.
c) Subsidiariamente, Caso seja o entendimento de V. Exa. que a partilha verbal realizada não é válida: Deverá ser condenado o 4º Réu marido no pagamento de 5.000,00€ (cinco mil euros) aos Autores, relativos às tornas que recebeu.
d) Ser a 2ª Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de 30.000,00€, relativa às benfeitorias identificadas anteriormente (…).

Ora, como vimos e está abundantemente referido na sentença recorrida, os autores não lograram provar quase nada do que alegaram: concretamente, não provaram que tivessem ocorrido quaisquer partilhas verbais, não provaram, consequentemente, que o autor tivesse dado tornas ao 4º réu marido, nem provaram que em 2004 o autor tenha entregue a posse do prédio rústico em causa e respectivas benfeitorias que realizou no mesmo à ré D. C. e marido, por forma a liquidar a dívida que tinha para com esta, e na convicção de que tal prédio lhe pertencia.
Mas ficou provado que por volta do início do ano 2000, a empresa do Autor teve problemas financeiros, que forçaram o mesmo a contrair dívidas, sendo que no âmbito de um crédito foram as suas irmãs (as 2.ª e 3.ªs rés) e seus maridos seus fiadores, e ainda que por força dessa fiança, as ditas Rés responderam directamente pelo crédito em causa.
É no mínimo anómalo que o autor, reconhecendo que as 2ª e 3ª rés e maridos por força de serem seus fiadores, tiveram de solver dívidas que eram daquele, tenha alegado que entregou a posse do prédio e benfeitorias que realizou no mesmo à 2ª Ré e marido, por forma a liquidar a dívida que tinha para com esta, e venha agora pedir a devolução dessas benfeitorias.

Sobre esta questão, pode ler-se na sentença recorrida:

Por outro lado, e como o 1.º pedido subsidiário, relativo à condenação do 4.º réu marido ao pagamento de 5.000,00€ (cinco mil euros) aos autores, relativos às tornas (e nem sequer se provou que o autor as pagou) e da 2.ª ré D. C. a pagar a quantia de 30.000,00€ (trinta mil euros), relativa às benfeitorias realizadas no prédio (e nem sequer se provou que as obras feitas importaram neste valor, mas em cerca de um terço), dependia também do reconhecimento da existência da referida partilha verbal, necessariamente decaem também os correspondentes petitórios”. Veja-se aliás que podendo os autores ter pedido o valor das benfeitorias, a título de enriquecimento sem causa, e ainda como pedido subsidiário, também não o fizeram”.
Dizem os recorrentes que seria de um rigor draconiano atroz seguir tal interpretação. E sublinham que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – artigo 5.º do CPC.
E então, fixam-se no facto de terem realizado as benfeitorias identificadas, que consideram úteis, para considerar que têm o direito a ser indemnizados no valor delas (art. 1217º CC).
E acrescentam: “ainda que, por recusa da alteração da matéria de facto, não se considere que haja existido a doação verbal do prédio rústico e a posse do mesmo pelo autor marido, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, sempre teriam os apelantes direito a ser ressarcidos nos termos do enriquecimento sem causa, cfr. artº 1273º e 473º do Código Civil”.

Porém, não lhes assiste razão.

Efectivamente, o art. 1273º,1 CC dá ao possuidor de boa-fé e ao de má-fé o direito de ser indemnizado das benfeitorias necessárias que haja realizado, e a levantar as benfeitorias úteis, desde que isso possa ser feito sem detrimento da coisa.
Só que, como a sentença recorrida já explicou, a “posse” do autor marido sobre o prédio em causa é uma posse precária. São havidos como detentores ou possuidores precários: os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular e os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem. – cfr. art. 1253.º do Cód. Civil. Nestas condições encontram-se todos aqueles que, tendo embora a detenção da coisa, sobre a mesma não exercem poderes de facto com “animus” de exercer o direito real correspondente, como sucede com o locatário, o depositário e o comodatário.
É justamente o que se passa com o autor marido, pois o que se provou foi que pelo menos desde o início do ano de 1998 que o autor marido fez obras no prédio rústico denominado “Campo ...” referido, para instalar ali um estaleiro para o exercício da sua actividade de transporte de mercadorias, tudo com conhecimento e consentimento do 1.º réu, J. D., seu pai.
Assim, sendo um mero detentor, não tem o autor direito a reclamar indemnização pelas benfeitorias (cfr. Acórdão do STJ de 06-05-2003 – Relator: Ponce de Leão).
Insistem ainda os recorrentes, fazendo apelo ao instituto do enriquecimento sem causa.
Ora, como já dissemos, a sentença recorrida não ignorou este aspecto do problema: referiu que “podendo os autores ter pedido o valor das benfeitorias, a título de enriquecimento sem causa, e ainda como pedido subsidiário, também não o fizeram”.
Com efeito, na petição inicial os autores não invocaram como uma possível causa de pedir da sua pretensão o enriquecimento sem causa.
O Tribunal está limitado à forma como a petição inicial se encontra estruturada.
O instituto do enriquecimento sem causa não é uma causa de pedir subsidiária, a convocar para a decisão sempre que a pretensão principal estiver em risco de improceder. É, pelo contrário, uma causa de pedir de pleno direito, ao lado de tantas outras, que o Direito positivo oferece aos litigantes como remédio jurídico para as mais variadas situações patológicas que venham a carecer de intervenção judicial.
Escreve o Prof. Antunes Varela (Das obrigações em geral, 7ª edição, vol. 1º, fls. 463) que “a obrigação de restituir e a correspondente pretensão à restituição constituem assim uma forma de compensação instituída pela lei para certas situações que, embora formalmente conformes aos seus preceitos, conduzem a resultados (de injusto enriquecimento) substancialmente reprovados pelo direito”.
E acrescenta depois o mesmo Mestre: “as situações de enriquecimento injusto, que a obrigação de restituir se destina a sanar ou compensar, provêm muitas vezes de um negócio jurídico, em regra celebrado entre aquele que enriquece e a pessoa à custa da qual o enriquecimento é obtido”.
Para melhor percepção da situação em presença, vejamos um por um os requisitos da obrigação de restituir, prevista no art. 473º CC.
Em primeiro lugar, exige-se que haja um enriquecimento de alguém. Acompanhando ainda a lição do citado Mestre, o enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista. Umas vezes a vantagem traduzir-se-á num aumento do activo patrimonial; outras numa diminuição do passivo; outras no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio, quando estes actos são susceptíveis de avaliação pecuniária; outras ainda, na poupança de despesas. Parece claro que esse enriquecimento ficou demonstrado nestes autos.
Mas chegamos ao segundo requisito, a ausência de causa.

Quando é que se pode dizer que não existe causa para o enriquecimento ?

O conceito de causa do enriquecimento é um dos mais discutidos entre os autores e dos mais difíceis de precisar, pela extrema variedade de situações a que tem de aplicar-se. A lei civil não o definiu, limitando-se cautelosamente a facultar ao intérprete algumas indicações capazes de, como meros subsídios, auxiliarem a sua formalização pela jurisprudência e pela doutrina.

Quando o enriquecimento provém de uma prestação, a causa do mesmo é a relação jurídica (de crédito, ou outra), que a prestação visa satisfazer (A. Varela, ibidem, fls. 470). Se por exemplo A entrega a B certa quantia para cumprimento de uma obrigação e esta não existe, ou porque nunca foi constituída ou porque já se extinguiu ou porque é inválido o negócio jurídico em que assenta, deve entender-se que a prestação carece de causa.

Escrevem Pires de Lima e Antunes Varela (CC anotado, 1º volume, fls. 454 e seguintes) que a directriz que importa seguir em todos os casos para saber se o enriquecimento assenta ou não numa causa justificativa, é um puro problema de interpretação e integração da lei, tendente a fixar a correcta ordenação jurídica dos bens. Quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrém, o enriquecimento carece de causa.

Por outro lado, como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao art. 473º, a obrigação de restituir pressupõe a ausência de causa para a prestação, quer porque nunca a tenha tido, quer porque tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido.
Munidos destas breves noções, estamos ainda em melhores condições para confirmar a sentença recorrida.
Quando alguém pretende reclamar judicialmente de outrem a entrega de uma determinada quantia monetária, tem de alegar um conjunto de factos que preencham uma determinada causa de pedir normativa que leve ao efeito jurídico pretendido.
Foi o que fizeram os autores, intitulando-se possuidores, e acolhendo-se ao conceito de benfeitorias.
Mas a não-prova dessa causa de pedir é completamente diferente de uma situação em que não existe causa para o enriquecimento.
Donde, o Tribunal recorrido não era obrigado a conhecer da eventual subsunção dos factos provados ao instituto do enriquecimento sem causa, porque essa pretensão não foi formulada, essa causa de pedir não foi alegada.
Aliás, diga-se, nem o poderia ser, sob pena de total contradição, pois, como já recordámos, os próprios autores alegaram que foi por as rés suas fiadoras terem respondido pela dívida que era dele, que o autor, reconhecendo tal realidade, decidiu entregar a posse do prédio rústico aqui em causa e respectivas benfeitorias à 2ª Ré e marido, por forma a liquidar a dívida que tinha para com esta.
Ou seja, os próprios autores alegaram uma causa para aquela transferência patrimonial. Não vemos como poderiam ao mesmo tempo invocar o enriquecimento sem causa.
Também esta parte do recurso improcede.

Finalmente, pretendem os recorrentes que seja reconhecida a nulidade dos negócios perpetrados a 26/03/1998 e a 08/06/2012 nos termos do regime da simulação.
Aqui, basta dizer que esta pretensão dependia da alteração da matéria de facto provada, pois os factos que preencheriam o conceito de simulação não resultaram provados. Donde, também esta parte do recurso improcede.

E assim sendo, a improcedência do recurso é total.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 25/3/2021

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)